1) A matriz energética atual baseada em petróleo é danosa ao meio ambiente e insustentável a longo prazo, mas alternativas como energia nuclear, hidrelétrica e biocombustíveis também apresentam problemas;
2) É necessária uma discussão sobre novos modelos energéticos, de consumo e organização social que promovam o desenvolvimento sem esgotar os recursos naturais;
3) Uma transição para fontes renováveis distribuídas em menor escala pode gerar mais valor do que o atual modelo concentrado e de alta
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ECONOMIA O GLOBO 2ª edição • Domingo, 27 de novembro de 2011
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11-2011
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Reuters/17-3
to/27-
Marcia Folle
A PÁGINA MÓVEL
Qual é
3-3-2011
a matriz?
Reuters, 1
Marizilda Cruppe/2-11-2009
Comoção diante do ‘desastre da hora’ costuma
passar ao largo da discussão central sobre modelos
energético, de consumo e de vida em sociedade
ixoto
Domingos Pe
26-5-2011
2011
Reuters/16-3-
10-2007
Divulgação/29-
Arnaldo Bloch O que torna a equação mais comple- incluindo aí a noção de metrópole? Claro fobia é um tema de estado; então, haveria
arnaldo@oglobo.com.br xa é que as demais fontes de energia co- que não se está aventando aqui uma volta razões para acreditar que, a médio ou
Q
meçam a se mostrar, através de parâme- ao mundo pré-feudal ou a uma planifica- longo prazo, as nações encontrarão uma
uando um desastre da propor- tros mais ou menos objetivos, igualmente ção baseada nos modos de vida rurais plataforma comum no sentido de um mo-
ção do derrame da Chevron na danosas, quando não mais. A matriz atô- primitivos, ideais de um seleto ativismo delo cultural que não esgote os recursos,
Bacia de Campos acontece, é mica, que representava até há pouco uma ultra-utopista. Não é, contudo, tão fanta- invertendo o conceito de qualidade de vi-
natural e legítimo que toda a alternativa “limpa” para grande parte dos sista assim imaginar um mundo em que o da, hoje mais ligado à posse e ao acúmulo
indignação seja canalizada pa- agentes, instalou, depois do terremoto no espaço físico e os recursos não sejam ex- que ao bem estar socioambiental.
ra a autora do crime: a empresa. Não tão Japão, uma sombra tão horrenda (ou plorados à exaustão na batuta de noções Quanto a este particular, o próprio
justo que a ANP, o governo, os estados, o mais) quanto foi a da Guerra Fria: a he- de progresso sem lastro, e sim comparti- capitalismo (se for mesmo o modelo de-
Ibama e a legislação sejam tão pouco co- catombe nascida de usinas com fins pa- lhados em unidades menores e mais bem finitivo) irá abraçar a causa preservacio-
brados por seu considerável quinhão de cíficos é mais factível, hoje, do que um distribuídas, opostas à tara do adensa- nista, cedendo, progressivamente, ao
responsabilidade na tragédia. Por outro conflito nuclear, e os países que a ado- mento permeado por colossos? bom senso do ambientalismo. Outros
lado, essa indignação acaba consumindo tam, como França e Alemanha, começam Faz menos de um século, quando ain- pensam que, diante do ceticismo reinan-
tanta energia (humana) e “purificando” a refletir sobre suas estratégias. da se imaginava o futuro como algo à fren- te, isso só acontecerá à beira de um co-
de tal maneira os pecados da coletivida- As hidrelétricas, setor no qual o Bra- te, e não como “aquele que já chegou e lapso, ou na iminência da hecatombe,
de, que a questão fundamental costuma sil investe pesadamente, além de jamais passou”, as cidades eram concebidas quando a vida das pessoas que ainda es-
ficar fora do horizonte de eventos e de in- terem sido inócuas, produzem desmata- com grandes construções ligadas por di- tão neste mundo e as de seus filhos (uma
teresse: não seria a matriz energética, mento e comoção social crescentes entre rigíveis, bondes e trens. Quase tudo era vez que netos e bisnetos não costumam
atrelada ao petróleo, que deveria estar os povos da floresta, em especial nos úl- transporte público. Hoje, com a satura- influenciar os jogos “decisionais” e a von-
sendo discutida, com vigor e urgência tão timos meses. Não por acaso, Belo Monte ção da malha urbana , volta-se a encenar, tade política) estiverem ameaçadas num
decisivos quanto a aplicação sumária de empacou. Os biocombustíveis, tão sauda- timidamente, uma saudade desse futuro curto prazo.
uma multa maior ou menor? dos como vanguarda libertadora, tam- que nunca veio. O problema é que um “mundo novo”
Onze anos atrás, era a Petrobras que bém produzem desflorestamento crítico, Parece, contudo, inevitável que a em prol da salvação emergencial (se es-
emporcalhava as águas brasileiras, numa são poluentes e sua produção extensiva é promissora relação entre ecologia e eco- tabelecido a tempo) poderia pôr em risco
série inigualável de acidentes, em espe- ruim para o solo, sendo que a mecaniza- nomia migre do discurso e da academia a própria democracia e os nossos queri-
cial o de janeiro de 2000, quando 1,3 mi- ção gera grave impacto nas relações de para a prática firme, e influencie a esfera dos Direitos Humanos, limitados que es-
lhão de litros de óleo vazaram. No mesmo trabalho. Uma matriz “de ponta” (embora política e os agentes produtivos para taríamos em nossas prerrogativas de ir e
ano, foram mais de dez desastres, e tan- tão antiga quanto a civilização...) como a além da retórica e do marketing. O equi- vir, de comer e beber, de consumir luz, de
tos outros nos anos seguintes. E a estatal eólica gera poluição sonora e visual e líbrio dessa tríade (economia-política- habitar grandes espaços, de ir ao campo,
está aí, como grande heroína, rainha do ameaça as aves, sem falar na sua intermi- ecologia), calcula-se, é capaz de gerar tudo racionado por um poder central glo-
pré-sal. Mundo afora, outros derrames, tência, atada que está às vicissitudes do mais valor do que seu desequilíbrio. bal de caráter autoritário.
como o do navio grego Prestige na costa vento. A solar, tão idealizada, está longe O problema está nos passos para sua Em cenários menos apocalípticos, há
espanhola, destróem a malha litorânea in- de atender à demanda da contemporanei- implementação, cujos resultados não são quem aposte que a economia direcionada
dependentemente dos valores das multas dade concebida como está. imediatos e esbarram na discórdia que di- para a tecnociência privilegie o “instru-
que, em alguns casos, chegam a dezenas A este dilema, a razão, num átimo, vide os povos em nome dos famosos in- mental cognitivo” sobre o material . O
de bilhões, pois o modelo de exploração, encontra uma resposta tão óbvia quanto teresses nacionais. Ou na dificuldade hu- chamado “motor informacional” (como
em si, é de altíssimo risco. radicalmente dramática: não há uma ma- mana de, diante da inevitabilidade da diz o historiador da ciência Michel Ser-
O petróleo é nosso, vosso e dos ou- triz “ótima” no horizonte e, talvez, nunca morte, pensar no porvir, preferindo prio- res) estaria, também, mudando a noção
tros. Mas também é sujo, velho e não-re- venha a existir algo assim. No máximo, rizar a maximização do gozo individual de espaço desde o momento em que o
novável. Mesmo assim, na segunda déca- projeções de um equilíbrio entre as fon- em função do tempo que resta. mundo começou a se interconectar. A cy-
da do novo milênio, continua a ser o de- tes que reduza o consumo, desde que não Mas, se a evolução é um movimento bersociedade reduziria, assim, o desloca-
nominador comum do planeta: Ocidente, limite o estilo de vida calcado na liberda- real, e se um processo dialético “positi- mento e as necessidades humanas mais
Oriente, Norte, Sul, democracias e ditadu- de de consumir energia ao sabor desen- vo” efetivamente se dá através da Histó- expansivas, num sentido contraexponen-
ras laicas ou fundamentalistas, nações à freado da oferta e do desejo. ria; se as mulheres de hoje, mais livres, cial: a energia do indivíduo se converteria
direita e à esquerda, todos o endossam. Ou será miopia pensar que o proble- salvo caprichos de ordem estética, detes- (ou já está se convertendo) no combus-
Sua exploração até o esgotamento em fu- ma está na matriz energética? Não esta- tariam viver na sociedade medieval; se o tível, na pilha essencial, da grande rede,
turo distante afigura-se como fato consu- ria, sim, no paradigma de consumo (e de racismo, embora longe de ser erradicado com paradoxais benefícios para a ecolo-
mado e o transporte automotivo persiste produção artificial da necessidade do é, ao menos, legalmente coibido num ní- gia, ainda que signifique o próprio aniqui-
como eixo motriz nas cidades. mesmo)? Ou na própria dinâmica social, vel cada vez mais planetário; se a homo- lamento da sociedade dita “real”.