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Doutor e Mestre em Direito Processual pela Universidade Federal do Rio Grande
do Sul (UFRGS). Membro da Associação Internacional de Direito Processual (IAPL).
Membro do Instituto Ibero-Americano de Direito Processual (llDP). Membro do
Instituto Brasileiro de Direito Processual (18DP). Professor Adjunto nos Cursos de
Graduação e Pós-Graduação Stricto Sensu (Mestrado) da Universidade Federal do
Espírito Santo (UFES). Promotor de Justiça no Estado do Espírito Santo (MPES).
,.
A CONSTITUCIONALIZAÇAO
O MODELO CONSTITUCIONAL
DA JUSTIÇA BRASILEIRA E AS RELAÇOES
ENTRE PROCESSO E CONSTITUIÇÃO
2º' EDIÇÃO
DO PROCESSO
REVISTA, AMPLIADA, ALTERADA
SÃO PAULO
EDITORA ATLAS S.A. - 2014
í
© 2013 by Editora Atlas S.A.
A primeira edição foi publicada pela Editora Lumen Juris com o título
Processo constitucional: o modelo constitucional do processo civil
brasileiro; 2. ed. 2014
Capa: Nilton Masoni
Composição: Formato Serviços de Editoração Ltda.
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Zaneti Júnior, Hermes
A constitucionalização do processo: o modelo constitucional
da justiça brasileira e as relações entre processo e constituição /
Hermes Zaneti Júnior. - 2. ed. rev., ampl., alterada - São Paulo:
Atlas, 2014.
Bibliografia.
ISBN 978-85-224-8567-3
ISBN 978-85-224-8568-0 (PDF)
1. Brasil - Constituição (1988) 2. Direito constitucional 3. Processo
civil 4. Processo civil - Brasil 1. Título.
13-11556
CDU-342:347.9(81)
Índice para catálogo sistemático:
1. Brasil : Constitucionalização : Processo civil :
Direito 342:347.9(81)
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Prefácio à 1ª edição (Prof. Dr. Carlos Alberto Alvaro de Oliveira), xi
Introdução à 2ª edição, 1
Introdução, 3
Sumário
1 O Estado da Questão: o Histórico Constitucional do Processo Civil Brasileiro e a
Conformação do Processo Civil Atua� 5
1.1 A formação do processo civil brasileiro na perspectiva constitucional: da recepção do
direito norte-americano à Constituição de 1988, 5
1.1.1 A recepção constitucional dajudicial review (o controle de poder no processo
constitucional brasileiro), 12
1.1.2 O surgimento do controle do poder do Estado, 14
1.1.3 O "paradoxo metodológico" brasileiro: common law (processo constitucional)
e civil /aw (processo infraconstitucional), 16
1.1.4 A teoria da recepção constitucional, 20
1.1.5 A Constituição de 1891 e as doutrinas nacionais dojudicial review, até o
advento da Constituição Federal de 1988, 25
1.1.5.1 Ojudicial review na Constituição de 1934, 35
1.1.5.2 Ojudicial review na Constituição de 1937, 37
1.1.5.3 Ojudicial review na Constituição de 1946, 38
1.1.5.4 Ojudicial review nas Cartas Constitucionais do golpe militar (1967 e
1969), 41
Vi AConstitucionalizaçãodoProcesso • ZanetiJúnior
1.1.6 A Constituição Federal de 1988 e o Estado Democrático Constitucional: o
formalismo valorativo e a ampliação do controle dos poderes pela sociedade
aberta dos intérpretes da Constituição, 42
1.2 A alteração do paradigma proposta pelo presente trabalho, 48
1.2.1 A inexistência de modelos puros: a busca dos elementos determinantes
como método de comparação das tradições jurídicas da common law e do
direito romano-germânico tertium comparationis, 49
1.2.2 A constitucionalização do direito e a tradição brasileira na aproximação entre
a common law e a tradição romano-germânica, 51
1.2.3 A virada das influências políticas e do discurso na Constituição Federal de
1988 (democratização do direito), 52
1.2.4 O diagnóstico e suas limitações: a busca pelos platôs de entendimento, 53
1.2.4.1 A racionalidade prática procedimental e o retorno ao juízo e a sua
ligação com o direito probatório, 55
1.2.4.2 A relação entre direito e política: a democracia participativa e a
máxima da cooperação, 55
1.2.4.3 Processo constitucional lato sensu, teoria circular dos planos e
jurisprudência como fonte primária: síntese do fenômeno da
constitucionalização do processo, 57
2 Primeira Mudança: a Lógica Jurídica e o Direito Processual.A Racionalidade Prática
Procedimental e o Retorno ao Juízo, 62
2.1 A nova racionalidade prática procedimental e o retorno ao juízo na teoria do
discurso: o paradigma legalista do processo (a prova como demonstração) versus o
paradigma procedimental do juízo (a prova como argumento), 62
2.2 Processo e conformação histórica: superar o "cientificismo" no retorno ao
"juízo", 66
2.2.1 Do ordojudiciarius ao processus: história e pré-história do direito processual
civil como ciência, 67
2.2.2 Verdade provável: a superação da dicotomia verdade material e verdade
formal, 73
2.2.3 Racionalidade formal e razão: nova methodus (geometrização do direito)
versus tópica e o pensamento problemático atual, 77
2.3 Modelos de direito probatório, 84
2.3.1 Modelo clássico, simétrico e persuasivo: a prova como argumentum
(common law), 85
2.3.2 Modelo moderno, assimétrico e científico: a prova como demonstração
(romano-germânica), 87
Sumário Vii
2.3.3 Um modelo contemporâneo para o direito probatório e para a lógica
jurídica: o ordenamento brasileiro e a racionalidade prática
procedimental, 93
2.3.3.1 Teoria do discurso e racionalidade prática procedimental, 97
2.3.3.2 Pretensão de correção e teoria do discurso: escapar da "justiça"
da lei e da "justiça" dos homens. O modelo do processo
cooperativo, 99
2.3.3.3 Revisão crítica a partir da leitura de Luigi Ferrajoli: as interferências
dos distintos modelos de direito estrito e cláusulas gerais no
problema da verdade (verdade de fato e verdade jurídica), 103
3 Segunda Mudança: Democracia e Judiciário na (Re)Politização do Direito. O Modelo
Deliberativo-Procedimental de Democracia, 106
3.1 Democracia e Judiciário na repolitização do direito: o processo como direito
fundamental de participação no Estado Democrático Constitucional de Direito, 106
3.1.1 O advento do Estado Democrático Constitucional: dimensão participativa
dos direitos fundamentais, 107
3.1.2 O dogma da separação de poderes, 109
3.1.3 Separação de poderes ejudicial review, 113
3.1.4 Os poderes do juiz: modelo liberal Uuiz Pilatos/juiz Júpiter), modelo social
Guiz Hércules) e modelo participativo ou simétrico Uuiz Hermes), 115
3.2 A democracia construída e a democracia em construção: da democracia
representativa à democratização da sociedade (demodiversidade), 119
3.2.1 Precisões temporais sobre o conceito de democracia, 121
3.2.1.1 A democracia dos antigos e a democracia dos modernos, 121
3.2.1.2 A democracia na sociedade contemporânea, 122
3.2.2 Pluralismo democrático e democratização da sociedade, 124
3.2.3 Democracia participativa e jurisdição, 128
3.2.4 Notas conclusivas sobre a evolução do debate democrático:
demodiversidade, 130
3.3 Os direitos fundamentais como direitos políticos e o direito processual como direito
fundamental, 133
3.4 Politização do Judiciário ou judicialização da política: o falso problema e a sua matriz
no paradigma legalista do Estado Liberal, 139
3.4.1 Afirmação da função judicial: características e atuação, 144
3.4.2 O Judiciário e os modelos de Estado: Estado Liberal, Estado Social e Estado
Democrático Constitucional, 148
3.4.2.1 O Judiciário no Estado Liberal, 149
3.4.2.2 O Judiciário no Estado Social (Providência), 150
Viii AConstitucionalizaçãodo Processo • ZanetiJúnior
3.4.2.3 O Judiciário no Estado Democrático Constitucional: a crise do
Estado Providência, 152
3.5 Três modelos normativos de democracia: o modelo liberal, o modelo comunitarista e
o modelo deliberativo-procedimental de Jürgen Habermas, 154
3.6 O conceito de constituição no Estado Democrático: funções de governo e funções de
garantia em Luigi Ferrajoli, 159
4 Direito Processual Constitucional: Conceituação e Conteúdo do Módulo Processual
Constitucional Brasileiro na Jurisdição Cíve� 161
4.1 O papel da ideologia no direito processual, 167
4.2 A trilogia estrutural: ação, jurisdição e processo sob a ótica constitucional, 173
4.3 O módulo processual e o contraditório como "valor-fonte" do processo
democrático, 179
4.3.1 Características do módulo processual (procedimento em contraditório), 184
4.3.2 Módulo processual jurisdicional civil, 186
4.3.3 Crítica a Fazzalari: a maior amplitude da conformação constitucional
brasileira, 187
5 ATeoria Circular dos Planos (Direito Material e Direito Processual), 189
5.1 Introdução: premissas históricas do debate, 189
5.2 A relação direito material e direito processual na perspectiva da ação e sua superação
pelo processo como discurso prático do caso especial, 195
5.2.1 Síntese das teorias abstrata-monista e dualista da ação e apresentação da
teoria instrumental, 195
5.2.2 Crítica da essencialidade da ação de direito material para compreensão das
relações entre direito e processo, 196
5.2.3 Teoria da circularidade dos planos: a prevalência do processo como logos
argumentativo sobre a ação, para explicar as relações entre direito e
processo, 201
5.3 A crítica de Pontes de Miranda ao caráter instrumental do direito processual, 204
5.4 A crítica de Galeno Lacerda ao processo como adjetivo e como direito formal, 207
5.5 Alternativa de solução para o impasse: a mudança de perspectiva e a influência do
moderno constitucionalismo e da principiologia na relação direito e processo, 209
5.5.1 Remédios precedem direitos: a precedência das ações como direito cívico
(status activus processualis) aos direitos na tradição da common law e no
período clássico (legis actiones e per formulas) do direito romano, 209
5.5.2 Os planos do ordenamento jurídico: a orientação unitária, a orientação
dualista e a teoria circular dos planos, 213
5.5.3 Os novos influxos da teoria do direito: principialização do direito e o
"retorno material" da sentença, 214
Sumário ix
6 A Fragilização do Sistema Codificado e a Jurisprudência como Fonte Primária do
Direito, 218
6.1 Um rapidíssimo bosquejo da formação e das fontes do direito (em geral) e do direito
brasileiro (em particular), 218
6.2 Hipermodernidade, pós-positivismo e a aproximação das tradições jurídicas: a quebra
da moldura paradigmática, 227
6.3 Fragilização virtuosa e não virtuosa: o sistema codificado em xeque e o ressurgimento
de uma normatividade emancipatória, 230
6.4 A jurisprudência como fonte primária do direito (súmulas vinculantes, decisões do
Supremo Tribunal Federal com efeito vinculante e jurisprudência dominante dos
tribunais): a recepção do stare decisis mitigado no direito brasileiro, 233
Conclusão, 243
Referências, 249
Prefácio à 1 ª Edição
A "ciência normal" toma como objeto do seu estudo realizações científicas passadas,
reconhecidas de maneira mais ou menos duradoura por alguma comunidade científica
específica, capazes de proporcionar fundamentos para sua prática posterior. Geralmen­
te, os livros expõem o corpo da teoria aceita, ilustram suas aplicações e compõem essas
aplicações com observações e experiências exemplares. Esses elementos estabelecem o
que Thomas S. Kuhn denominou de "paradigma", um termo estreitamente relacionado
com "ciência normal". É claro que mesmo quem se aventura a repensar um paradig­
ma não pode prescindir do saber anterior: o homem é um animal histórico, ou como
afirmado por Umberto Eco, em Onome darosa, os livros sempre falam de outros livros.
Essas considerações logo me vieram à mente quando, na qualidade de orientador,
refleti a respeito do projeto e na releitura da versão final da tese de doutorado de Hermes
Zaneti Júnior, que hoje vem a lume em forma de livro. E isso porque a obra do jovem
jurista propõe-se a repensar o modelo do processo civil brasileiro, à luz de mudanças
paradigmáticas, tanto na lógicajurídica e na maneira de encarar o processo, quanto na
influência da Constituição de 1988 sobre a atividade jurisdicional.
Até pouco tempo atrás se poderia afirmar, sem medo de errar, que o paradigma
do processo civil brasileiro exibia como palavra-chave o instrumentalismo: a técnica
do processo deveria servir à realização do direito material. Mesmo uma evolução pos­
terior desse modo de pensar, que introduziu no debate novos fins sociais e políticos
do processo e o valor da efetividade, não mudou radicalmente os termos do problema.
Hoje, porém, em que o processo é encarado como fenômeno cultural, destinado a ser­
vir àjustiça do caso, informado por valores constitucionais, especialmente a segurança
e a efetividade, impregnado de participação, a ser exercida com lealdade e boa-fé por
todos os que nele se integram, com um contraditório renovado, convém reexaminá-lo
com outros olhos e com outro método.
Xii AConstitucionalizaçãodoProcesso • ZanetiJúnior
A tese de Hermes ZanetiJúnior insere-se, sem dúvida, nessa nova perspectiva. Em
ampla análise do fenômeno processual brasileiro, começa ela por dar força à perspecti­
va constitucional, em que assume papel relevante e de destaque o conceito de Estado
Democrático de Direito. Assentado esse pressuposto, propõe-se a incursionar na nova
racionalidadejurídica decorrente da lógica tópica, e nas relações entre direito e política,
ou entre direito e poder. A constitucionalização implica uma outra racionalidade, es­
pecialmente porque introduz a norma principal e as cláusulas gerais a exigirem maior
atividade criativa dojuiz e participação mais aguda das partes na construção da decisão.
Tudo isso passa a reclamar um retorno ao juízo, partindo-se da constatação histó­
rica de que predominava, entre os séculos XII e XVI, o iudicium sobre o processus, in­
vertidos os termos do problema com a ascensão do racionalismo e a interferência do
príncipe no ordenamento judicial. O novo panorama se espraia sobre a prova, sobre o
procedimento e notadamente sobre a atividade dos participantes do feito, a mostrar a
necessidade de intensificação do diálogo judiciário e do princípio da colaboração ou da
cooperação. Dessa forma, o retorno ao iudicium, aí preconizado, propõe-se a resgatar
a legitimidade da discussão e emprestar ao contraditório uma nova dimensão, muito
mais ampliada do que no paradigma anterior, encontrando esteio, mais uma vez, no
Estado Democrático de Direito. Em semelhante contexto, o contraditório, como par­
ticipação efetiva na realização da prova e na construção da decisão, passa a ser o valor
fundamental do processo democrático, e a cooperação, sua matriz substancial. Todas
essas ponderações levam em conta, além disso, não mais a lógica do positivismo, mas
a da tópica. E como o papel criador do juiz é magnificado, fragilizando o direito ma­
terial, Zaneti repensa as relações entre direito material e processo, preconizando para
a solução dessa questão fundamental uma teoria circular dos dois planos, um interfe­
rindo sobre o outro, dialeticamente.
Não faltará certamente quem diga com certo desdém, principalmente aqueles que
só pensam na técnica, tratar-se de pura filosofia. Mas a esses espíritos mais práticos
pode-se responder, com Heidegger, que toda ciência é filosofia, quer ela o saiba e o
queira, quer não, porque dela extrai a força da sua essência. E o importante, acrescen­
to, é ter a coragem de ir à essência.
Trata-se de contribuição altamente significativa para o estudo do processo na nova
perspectiva do formalismo valorativo, que engrandece as letras jurídicas brasileiras e
que alcançará, sem dúvida, grande sucesso editorial. Obrou, pois, com inteiro acer­
to a qualificada banca examinadora do concurso, integrada pelos eminentes juristas
Flávio Luiz Yarshell, Ingo Wolfgang Sarlet, José Maria R. Tesheiner, Luiz Guilherme
Marinoni e Rui Portanova, ao atribuir-lhe summa cum laude, consagrando assim o pri­
meiro doutor em processo civil da Faculdade de Direito da Universidade Federal do
Rio Grande do Sul.
Prof
essor Dr. Carlos Alberto Alvaro de Oliveira
Titular de Direito Processual Civil dos Cursos de Graduação
e Pós-graduação da Faculdade de Direito da UFRGS
Introdução à 2ª Edição
Este trabalho exigia um novo título. A versão anterior não foi bem compreendida
por força de uma atávica permanência do paradigma constitucional estrangeiro no Brasil.
Muitos leitores entenderam no título anterior, Processo constitucional, uma indicação
de temas processuais versantes unicamente sobre o controle de constitucionalidade,
especialmente o controle concentrado.
A proposta era exatamente o oposto. Este trabalho é fruto da tese de doutorado do
autor, que obteve a distinção summa cum laude pela Universidade Federal do Rio Grande
do Sul. A ideia se expressa melhor no novo título, desta segunda edição, A constitucio­
nalização do processo, pois visa demonstrar nossa tradição processual em sua vertente
constitucional e, assim, sua implicação em todos os institutos processuais.
A questão fundamental do controle de constitucionalidade, de fundamental impor­
tância, é só lateralmente enfrentada, na medida em que descreve o caminho iniciado
em 1890, com o Decreto 848 que disciplinava ajustiça Federal no Brasil, e se conforma
na atual Constituição e suas emendas. O livro pretende ser, portanto, mais profundo
em sua proposta e mais agudo em sua crítica.
O debate incide fundamentalmente sobre o modelo processual brasileiro, sua cons­
tituição histórica e seu devenir no quadro das mudanças paradigmáticas da justiça no
longo século XX. Especialmente, pelo advento da teoria dos direitos fundamentais e
do constitucionalismo de terceira geração.
O conteúdo desta edição foi ampliado e revisto, acrescido da experiência italiana
do autor e do contato direto com os Profs. Luigi Ferrajoli e Sergio Chiarloni, respec­
tivamente nas Universidades de Roma Tre e Torino, durante o soggiomo de pesquisa
ocorrido entre outubro de 2009 e abril de 2010.
2 AConstitucionalizaçãodoProcesso • Zaneti Júnior
Esperamos que a mudança de título possa melhor traduzir seu conteúdo e fomen­
tar, com as devidas atualizações, novas perplexidades nos leitores.
As críticas e observações serão sempre e muito bem recebidas.
Hermes Zaneti]r.
Professor Adjunto nos Cursos de Graduação e
Pós-Graduação Stricto Sensu (Mestrado) da
Universidade Federal do Espírito Santo (UFES)
zaneti.ez@terra.com.br
Introdução
O presente estudo teve, como tema inicial, título da tese de doutorado que serve
de base para o livro que agora se publica, A constitucionali
zação do processo: a virada do
paradigma racional e político no processo civil brasileiro do Estado Democrático Cons­
titucional. Seu objetivo principal destina-se a investigar a tradição processual híbrida do
processo civil brasileiro, um processo constitucional ligado à tradição norte-americana
da common law e um processo infraconstitucional ligado à tradição romano-germânica.
A hipótese principal consiste, portanto, na verificação da afirmação de que a nos­
sa tradição jurídica processual é híbrida (tradição constitucional predominantemente
de common law e tradição infraconstitucional predominantemente de direito romano­
-germânico) e se mostra mais apropriada para a solução dos atuais problemas que se
apresentam no estudo e na aplicação do direito processual, com vistas à institucio­
nalização de procedimentos mais democráticos para a tomada de decisão no Estado
Democrático Constitucional Brasileiro. Deste caldo surge um modelo processual par­
ticularizado, resultando no processo constitucionalizado, um modelo constitucional
do processo civil brasileiro.
Identificar um modelo não basta, o texto se propõe a descrever suas aptidões e
conflitos internos, procurando ressaltar os caminhos mais concordes com os objeti­
vos constitucionais. Dentre os motivos que geram reflexões sobre essa problemática,
constata-se a ação descompassada da teoria e da prática jurídica com essas mudanças.
Por um lado, há vinculação forte de setores da doutrina e juristas do direito pro­
cessual com um direito material preestabelecido, mesmo sabendo que hoje esse direito
material expressamente depende, em grande parte dos casos, de uma afirmação de seu
conteúdo pelo Poder Judiciário (cláusulas abertas e princípios). Também na mesma
seara ocorre a resistência dos juristas em enfrentar debates de natureza política, com
uma expressa disposição para restringir o direito jurisprudencial e doutrinário apenas
ao momento estático e o Poder Judiciário a um órgão reativo que só atua frente a uma
4 AConstitucionalizaçãodoProcesso • Zaneti Júnior
provocação autorizada em abstrato pela lei, desde que essa provocação esteja adequada
a umaf
attispecie especificamente prevista.
Em outra compreensão desse movimento, o PoderJudiciário brasileiro, em algumas
temáticas, a exemplo dos direitos sociais decorrentes do mínimo existencial, do direito
ambiental e dos direitos do consumidor, atua fortemente por meio de mandados de
segurança, de ações diretas de inconstitucionalidade, de ações de improbidade admi­
nistrativa, de ações civis públicas etc., para controlar as atividades da Administração e
dos particulares, adequando-as aos direitos fundamentais propostos pela Constituição.
Controlando aquilo que a doutrina chamou com grande felicidade de "poderes selva­
gens" do mercado e do Estado.
Fica clara, assim, uma contraposição entre um modelo hierárquico (em que a lei
e o juiz que a ela está vinculado são o vértice do sistema) e um modelo coordenado
(em que as tarefas são divididas entre os sujeitos do processo - autor, juiz e réu - em
contraditório, de forma a identificar o problema e fornecer a solução mais justa) para
os debates judiciais.
Conforme tenha optado por uma ou outra visão, o jurista permitirá uma atividade
mais ou menos ativa do Poder Judiciário e um papel mais ou menos importante das
partes no debate judicial.
A questão levantada é que nenhuma ótica centrada exclusivamente no indivíduo,
como centro de toda a liberdade jurídica, ou no Estado, como representante máximo do
bem comum, poderá assegurar o processo justo. De um lado, ter-se-á a velha fórmula
do laissez-faire e, de outro, o Estado tendencialmente totalitário. O Estado Democrá­
tico Constitucional representa a passagem dessa virtual contraposição entre o Estado
Liberal e o Estado Social, indicando um modelo pluralista e participativo de gestão da
democracia. Não só oJudiciário toma parte nesse processo, também são chamadas to­
das as demais instâncias de poder, estatais ou não. Aí entra a necessidade de demodi­
versidade, ou seja, vários meios institucionalizados e abertos para a institucionalização
e a participação do indivíduo e da sociedade na formação dos atos decisórios que irão
intervir na sua realidade cotidiana.
A relevância social e científica da pesquisa está em preparar o direito processual
para a institucionalização de práticas democráticas no desenvolvimento das contro­
vérsias judiciais (máxima cooperação), bem como demonstrar a riqueza híbrida da
tradição constitucional e infraconstitucional brasileira e as potencialidades de van­
guarda institucional (políticas e jurídicas) que são descortinadas no quadro do Estado
Democrático Constitucional. A doutrina reconheceu, justamente nessa característica,
o constitucionalismo brasileiro como um modelo privilegiado de "constitucionalismo
de terceira geração". A engenharia constitucional brasileira nos permitiu esse avanço
graças à criação de instituições de garantia, primárias e secundárias, das quais é exem­
plo destacado o Ministério Público brasileiro. Desmistificar-se-ão, assim, a natureza
privada do direito processual civil e a natureza secundária dajurisprudência, revelando
seu caráter de direito público e de fonte primária do direito em solo pátrio.
1
O Estado da Questão: o Histórico
Constitucional do Processo Civil Brasileiro e a
Conformação do Processo CivilAtual
"A Constituição pretende ser, no direito moderno, uma forma legalista de superar o
legalismo, um retorno ao jusnaturalismo com os instrumentos do positivismojurídico.
Um retorno, porém, que é também consciência da superação dos velhos esquemas
jusnaturalistas: de um direito natural entendido como absoluto e eterno (e, portanto,
imóvel) valor, a um jusnaturalismo histórico, direito natural vigente; um fenômeno,
como cada um vê, perfeitamente paralelo ao da passagem da metodologia apriorísti­
co-dedutiva de um abstrato universalismo, à superação das últimas fases nacionais do
positivismo, através dos instrumentos realísticos-indutivos do método comparativo."
Mauro Cappelletti1
1.1 A formação do processo civil brasileiro na perspectiva constitucional: da
recepção do direito norte-americano à Constituição de 1988
No estudo do direito processual civil, é preciso ter sempre presente as suas rela­
ções com os outros ramos do direito e delas cuidar com toda a atenção necessária. O
caráter dos diversos ramos do direito - direito civil, direito administrativo, direito do
consumidor, direito processual etc. - configurado por seus objetos específicos e nature­
za intrínseca justifica o seu tratamento separado e autônomo. Porém, essas distinções
são apenas características constitutivas de uma unidade na qual esses diversos ramos
estão imersos, ligados por um princípio de coerência que lhes garante uma não cindibi­
lidade do todo indivisível. Destarte, na sua aplicação, esses ramos estarão sempre, em
maior ou menor escala, correlacionados dentro do ordenamento jurídico de um país.
1 Mauro Cappelletti, O controlejudicial de constitucionalidade das leis no direito comparado. Tradução de Aroldo
Plínio Gonçalves. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1984, p. 130.
6 AConstitucionalizaçãodoProcesso • Zaneti Júnior
Contudo, dentre os diversos ramos do direito, sobreleva a importância do direito
constitucional, porque ele representa o centro dessa unidade,2 "o tronco comum do qual
os vários ramos partem e do qual trazem a sua seiva vital",3 principalmente quando
se fala de direito processual, em que o enquadramento no direito constitucional tem
relação direta com a função do Estado de prestar a jurisdição, o exercício do "poderju­
risdicional que ao Judiciário vem atribuído".4
Essa assertiva se revela verdadeira, tanto em sensoformal como substancial (mate­
rial), porque o direito constitucional regula aformação das normas5 e é dele que todas
as normas adquirem a suajurisdicidade (sentido formal). Por exemplo, a possibilidade de
impugnar-se, via controle de constitucionalidade, o vício formal de iniciativa de uma
norma (e, portanto, uma falha no processo legislativo). O direito constitucional tam­
bém regula, nos seus aspectos fundamentais, as posições das pessoas individuais e as
posições coletivas decorrentes das relações dos grupos sociais e dos Poderes Públicos
com indivíduos e sociedade. Dessa forma, o direito constitucional constitui a matriz
na qual os diversos ramos do direito buscam a orientação e a fonte que serão especificadas nas
normas ordinárias (sentido material).
Para além da validade formal, a Constituição apresenta hoje um outro elemento
ordenador. A unidade da Constituição está presente na sua unidade argumentativa, um
remédio aos efeitos destrutivos e desagregadores dos excessos legislativos contem­
porâneos. Dessa forma, a Constituição deve ser entendida como um direito superior,
vinculativo inclusive para o legislador. Mas não só, o seu mais importante aspecto está
na presença simultânea de regras, princípios, direitos fundamentais e justiça como ele­
mentos mínimos, agregados pela exigência extra de adequação e razoabilidade entre
o caso concreto e a lei; em certa medida, é um retorno aos juízos de equidade. Esse
direito constitucional é o núcleo e o conteúdo da Constituição, o que garante a sua
dinâmica e a sua estabilidade; em uma palavra, a unidade da Constituição no Estado De­
mocrático e Pluralista.6
2 Para Hans Kelsen, em passagem clássica, a Constituição representa o fundamento de validade de todas as
normas: "É a norma fundamental que constitui a unidade de uma pluralidade de normas enquanto representa
o fundamento de validade de todas as normas pertencentes a essa ordem normativa" (Teoria pura do direito. 2.
ed. Coimbra: Arménio Amado, 1962. v. 2, p. 4).
3 "II diritto costituzionale rappresenta il centro di questa unità, il tronco comune da cui i vari rami si dipartano e da cui
traggono la !oro linfa vitale" (Enrico Tullio Liebman, Diritto costituzionale e processo civile, Rivista di Diritto
Processuale, v. 7, 1952, p. 328).
4 Essa percepção aguda foi esposada porJosé Frederico Marques, de forma pioneira, em um dos textos mais
relevantes produzidos no cenário nacional para o estudo da matéria (Ensaio sobre ajurisdição voluntária. 2. ed.
São Paulo: Saraiva, 1959. p. 18).
5 Deve-se precisar o sentido. Substitui-se a expressão "lei" por "norma". A razão é simples, pois uma das
pretensões deste trabalho é justificar a potencialidade normativa da jurisprudência no sistema do stare decisis
e abrir espaço para a aceitação dojudge-made law no nosso ordenamento.
6 Gustavo Zagrebelsky, II diritto mite: legge, diritto, giustizia. Torino: Einaudi, 1992, p. 45-50 e 208 e ss.
O Estadoda Questão:o HistóricoConstitucional do ProcessoCivil Brasileiroea Conformação do ProcessoCivilAtual 7
Assim, também o direito processual (como ciência) depende dessa matriz.7 Por
exemplo, se a Constituição fala em igualdade formal e substancial, não pode o processo
determinar privilégios que atentem contra essa igualdade;8já vai longe o direito reino!
que permitia ao rei, porque senhor do direito, a concessão de privilégios processuais.
Consequentemente, precisa ser reafirmada a noção de que o Código de Processo Ci­
vil e as leis extravagantes deprocesso não são nada mais, nada menos, do que "as leis que
regulamentam agarantia constitucional dejustiça contidana Constituição",9 já que a Consti-
7
Contra, entendendo que é o direito processual que traz aporte ao direito constitucional, manifesta-se
Renzo Provinciali: "La dimostrazione della natura processuale degli istituti sin qui considerati, esclude qualunque apporto
della scienza dei diritto costituzionale alia scienza dei diritto processuale" (Norme di diritto processuale nella Costituzione
Milano: Giuffre, 1959, p. 194). O autor afirma que, na verdade, o direito processual é que influencia o direito
constitucional, e não o contrário. Aduz, como mitigação da tese, que, em verdade, os vários ramos do direito
se interpenetram e complementam, sendo de utilidade apenas didática a sua distinção, uma vez que o direito
é uno em sua essencialidade (ibidem, p. 194-195). Conclui com a seguinte crítica aos que pretendem analisar
o processo a partir da Constituição: "Pretendendo di cogliere gli aspetti costituzionali dei diritto processuale (come,
inversamente, tentando di cogliere gli aspetti processuali dei diritto costituzionale), si vien meno alia considerazione
unitària dei diritto, quale sopra affermata; si attenta alia natura têcnica degli istituti dei diritto processuale, pretendendo
di animarli con uno spirito politico, che, ai contrario, non puà appartenere che alia politica legislativa o, se mai, al diritto
costituzionale" (ibidem, p. 195). Entende-se assim que a visão do autor está de todo equivocada na direção
inicial, como bem evidenciado no parágrafo transcrito, qual seja a adoção de uma racionalidade asséptica da
sentença como norma, distante da formação, da criação do direito por meio dela. Consequentemente, atribui
os atos "políticos" apenas à esfera legislativa e reconduz o direito constitucional a um lugar privilegiado entre
a política e o direito, longe da dogmática efetiva.
s Veja-se a crítica de Cândido Rangel Dinamarco aos privilégios da Fazenda Pública e do Ministério Público
em juízo (Instituições de direito processual civil. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2004, v. 2, p. 291). De outra sorte,
observe-se a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal sobre "lei ainda constitucional" (RE nQ 341717,
Informativo STF, nQ272; e AG nQ 482332, Informativo STF, nQ 346) e a alteração de posicionamento do Supremo
quanto à intimação do Ministério Público (HC nQ 83255). Dessa última, transcreve-se um trecho do julgado:
"Descabe o tratamento desigual, assentando-se que os processos, após a entrada no setor próprio do Ministério
Público, podem permanecer na prateleira aguardando que o titular da ação penal delibere, quando melhor lhe
aprouver, sobre a fixação do termo inicial do prazo para desincumbir-se de certo ônus processual. Significa
afirmar que só corre o prazo recursai quando, de acordo com a conveniência própria, o integrante do Ministério
Público lance no processo a ciência.Esse entendimento não se coaduna com a ordem natural das coisas, com a natureza
do prazo recursai, com a paridade de armas que deve ser observada no trato da acusação e da defesa [...] A duplicidade
de enfoques resolve-se por meio de interpretação mais adequada com o princípio básico do processo que é o da
isonomia de tratamento das partes. Daí a procedência do inconformismo demonstrado. Diante do exposto, concedo
a ordem, para consignar a intempestividade do recurso especial interposto pelo Ministério Público, ficando,
por conseguinte, restabelecido o acórdão nessa via impugnado" (STF-HC nQ 83.255, rei. Min. Marco Aurélio,
Informativo STF, n2 328).
9 EduardoJuan Couture, Las garantías constitucionales dei proceso civil. ln: Estudios de derecho procesal civil. 3.
ed. Buenos Aires: Depalma, 1998. v. 1, p. 17-67. No mesmo sentido: "Lo studio degli istituti dei processo, se viene
compiuto ignorando o trascurando il collegamento con gli altri rami dei diritto e in particulare col diritto costituzionale,
diventa un tedioso e sterile computo di formalittà e di termine; esso acquista invece il suo vero significato e si arriscchisce di
motive ben a/trimenti importanti, quando vegna inteso come lo studio dell'indispensabile apparato di garanzie e di modalità
di esercizio, stabilito per la difesa dei fondamentali diritti dell'uomo, nel rigore della disciplina necessaria di una pubblica
funzione" (Enrico Tullio Liebman, Diritto costituzionale e processo civile, cit., p. 329). No texto, Liebman
ressalta o valor do estudo de Couture pela fusão que o mesmo efetuou entre o direito constitucional norte­
americano e o processo civil continental, ao mesmo tempo em que faz uma prédica ao estudo dessas relações
(Enrico Tullio Liebman, Diritto costituzionale e processo civile, cit., p. 332). O presente trabalho, como já foi
8 AConstitucionalizaçãodoProcesso • Zaneti Júnior
tuição pode ser estudada de acordo com as garantias que apresenta frente ao arbítrio
do Estado, garantia essa de que o exercício dos poderes estatais não lesionará direitos
individuais e coletivos.1º
Assim, o estudo das relações entre o processo e a Constituição revela-se como o
caminho que deverá permitir o reconhecimento no processo, não somente de um instru­
mento dejustiça, mas também um instrumento de liberdade.11 É oportuno frisar que são
temas que têm relação com essa visão de processo: a necessária aproximação entre di­
reito processual e direito material, dentro da moldura constitucional; ajudicial review;
a criação da norma pela jurisprudência (judge-made law); a superação dos paradigmas
de processo civil "moderno",12 de um processo técnico, individual eprivado para um pro­
cesso compreendido comof
enômeno depoder, social e coletivo; a consequente valorização
das tutelas diferenciadas; a necessidade de abertura para a adequação do processo em seu
curso; a efetividade como corolário do acesso àjustiça; e o devido processo legal subs­
tancial como forma de controle do "correto" exercício do "poder" dejulgar (razoabilidade
e proporcionalidade nas decisões judiciais).13
Essa apertada síntese pretende alertar o leitor para além dos fenômenos mais ime­
diatos que envolvem as relações entre processo e Constituição. O que se quer é salientar
a necessidade de coerênciaprática, na vidajurídica, na aplicação de algunspreceitos do que se
poderia chamar de constitucionali
zação doprocesso, apresentada mais adiante como uma
nova visão do direito processual constitucional, considerado como toda a inter
f
erência
da Constituição nas noções dejurisdição, ação e processo, ou seja, uma introdução ao estudo do
processo civilemvinculação com aunidade daConstituição,14 não só na perspectiva dos prin­
cípios, mas também da jurisdição constitucional lato sensu Gurisdição constitucional
ressaltado, visa a recuperar esse insight, fica na esperança do autor poder chegar a resultado válido em tema
tão rico e relevante.
10 Nessa perspectiva tem sido usado o termo "constitucionalismo" (Nicola Matteucci, Organización de/ podery
libertad: historia dei constitucionalismo moderno. Presentación de Bartolomé Clavero; traducción de Francisco
]avier Ansuátegui Roig y Manuel Martínez Neira. Madrid: Trotta, 1998, p. 23). Sobre as acepções possíveis
do constitucionalismo e do neoconstitucionalismo, quer na dimensão teórica (teoria geral do direito, teorias
explicativas e justificativas desse novo estado de coisas), quer nas mudanças práticas já ocorridas no âmbito
do Estado Democrático Constitucional (operatividade dos conceitos já modificados), ou ainda nas sugestões
de iure condendo (como deveria ser o Estado Democrático Constitucional) ver: Miguel Carbonell (Org.),
Neoconstitucionalismo(s). 2. ed. Madrid: Trotta, 2005 (com textos de de Luigi Ferrajoli, Robert Alexy, Ricardo
Guastini, Paolo Camanducci e Luis Pietro Sanchís, entre outros).
11 Enrico Tullio Liebman, Diritto costituzionale e processo civile, cit., p. 329.
12 "Moderno", assim entre aspas, no sentido de pertencente aos séculos XIX e XX. Portanto, relativo ao
paradigma liberal-burguês, contrapondo-se ao "hipermoderno", contemporâneo ou "pós-moderno".
13 Importante: não se tratade uma correção objetiva (seria um retrocesso de séculos no percurso democrático),
mas da "pretensão de correção" (Robert Alexy; Eugenio Bulygin, La pretensión de corrección de/ derecho: la polémica
sobre la relación entre derecho y moral. Bogotá: Universidad Externado de Colombia, 2001, esp. p. 107-108
e 114-115).
14 Para uma noção similar, contudo denominada de "teoria geral do processo" constitucional, ver Marcus
Orioni Gonçalves Correia, Direito processual constitucional. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 3.
O Estadoda Questão:o HistóricoConstitucional do ProcessoCivil Brasileiroea Conformação do ProcessoCivilAtual 9
das liberdades e controle de constitucionalidade) e da organização judicial e funções
essenciais da Justiça.
O leitor precisa, antes de mais nada, atentar para a peculiar lógica do processo.
A inserção do direito processual em umaperspectiva constitucional implica a necessária
coordenação entre duas diversas exigências de fundo, a exigência de correçãof
ormal e a
dejustiça substancial.15
Estudos já clássicos fizeram entender a complexidade das relações entre a vida
prática e a atuação do direito no âmbito judicial.16 O processo como cultura,17 a in­
fluência da ideologia nos institutos de processo18 e a riqueza da prática forense sempre
instigaram a mentalidade do jurista do direito processual, forçado a conciliar o incon­
ciliável, a "lei e a vida".19
O jurista do direito material, em razão da incompreensão, ou talvez da má aplicação
dos institutos processuais, imagina o processo como uma quimera formalista.20 O mais
15 Como advertido em clássico da matéria: "Quella della correttezza formale e quella della giustizia sostanziale"
(NicoloTrocker, Processo civile e costituzione: problemi di diritto tedesco e italiano. Milano: Giuffre, 1974, p. 678).
16 Como explicitamente ressalta clássica passagem de Pontes de Miranda, a dicotomia entre a lei (direito
material) e a vida: "Já frisamos que os juristas-civilistas, restritos, acertadamente, aos conceitos do direito
civil (material), somente veem os resultados da sentença, que diga ser 'nulo' o casamento, ex tunc, e têm o
casamento 'como se' nunca tivesse existido. O trágico, para eles, é quando, atendendo à sentença injusta, são
sujeitos a raciocinar com ela, que- segundo tal suposição de nunca ter sido (nulidade = inexistência) - morde
a realidade jurídica. Ojurista do direito material é um homem que ingenuamente crê em que as sentenças serão, todas,
justas, em que a aplicação corresponde sempre, com a sua extensão, à incidência. Mas essa ingenuidade ele a herda do
legislador do direito material - essa ingenuidade não a tem o legislador do direito processual, que legisla já
ciente da discórdia e da imperfeição humanas. A velha antinomia do abstrato e do concreto, da irracionalidade irredutível,
do contínuo e do descontínuo, da lei e da vida" (Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda, Tratado das ações,
São Paulo: Revista dos Tribunais, 1970, v. 1, p. 208 - sem grifo no original). Assim também Tucci, que cita
tal característica como a cisão natural entre a precisãoformal e a justiça substancial: "É nesse conflito dialético
entre exigências contrapostas, não obstante igualmente dignas de proteção, que são inseridas as garantias
constitucionais do processo nos ordenamentos jurídicos dos Estados democráticos modernos" (Rogério Lauria
Tucci; José Rogério Cruz e Tucci, Constituição de 1988 e processo: regramentos e garantias constitucionais do
processo, São Paulo: Saraiva, 1989, p. 3).
17 Galeno Lacerda, em artigo pioneiro, foi o primeiro processualista nacional que identificou essa ligação;
afuma o ilustre processualista: "Se no processo se fazem sentir a vontade e o pensamento do grupo, expressos
em hábitos, costumes, símbolos, fórmulas ricas de sentido, métodos e normas de comportamento, então não
se pode recusar a esta atividade vária e multiforme o caráter de fato cultural" (Processo e cultura. Revista de
Direito Processual Civil, v. 2, nº 3, jul./dez. 1961, p. 75).
18 CarlosAlbertoAlvaro de Oliveira, Procedimento e ideologia no direito brasileiro atual. Revista daAssociação
dos juízes do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, ano 12, nº 33, p. 79-85, mar. 1985; Mauro Cappelletti, Proceso,
ideologias, sociedad. Traducción de Santiago Sentís Melendo; Tomás A. Banzhaf. Buenos Aires: EJEA, 1974.
19 Francisco Cavalcanti Pontes deMiranda, Tratado das ações, cit., p. 208 (conferir acima, nota 16, a passagem
integral).
20 Outro é o sentido e o conceito de "formalismo-valorativo" como método de pensamento e garantia do
jurisdicionado (CarlosAlberto Alvaro de Oliveira, Doformalismo no processo civil.2. ed. rev. e acrescidade apêndice,
São Paulo: Saraiva, 2003, p. 6; Daniel Francisco Mitidiero, Processo e cultura: praxismo, processualismo e
formalismo em direito processual. Cadernos do Programa de Pós-Graduação em Direito - PPGDir/UFRGS, nsi 2, p.
101-128, set. 2004, p. 108.
1 O AConstitucionalizaçãodoProcesso • Zaneti Júnior
notável fruto dessa visão é o mito que se desenvolveu no curso da história recente: o
de que o processo é algo complexo, sofisticado, inatingível e de duvidosa logicidade,21
visto que recheado de exceções. Bom processualista seria, nesse entendimento, aquele
que, com mais agudeza, consegue decorar as exceções da lei e suas peculiaridades (sic).
Essa visão não é a do processualista contemporâneo, antes se poderia chamar esses
talentososjuristas, que com prodigiosa memória decoram fórmulas, particularidades e
exceções, de "procedimentalistas", de experts em "procedimento", posto em abstrato e
desvinculado da perspectiva teleológica, instrumental do processo.
Ora, o que mais impressiona é que o direito deve ser acessível a todos e a qualquer
hora; para tanto, o iluminismo exigiu clareza e publicidade na redação da lei, "a lei
deve ser acessível a todos e a qualquer hora".22 Contudo, ao contrário das pretensões
racionalistas de autonomia do homem, as sociedades foram se tornando complexas,
de tal sorte que os especialistasfeudali
zaram seu conhecimento, uma espécie de Idade Mé­
dia dos técnicos, deixando o cidadão no mais completo obscurantismo, servo da "razão
técnica". Nesses feudos, alguns técnicos em particular, quer pelo poder que lhes era
conferido pelo Estado (legisladores e juízes), quer pela maior habilidade linguística,
já que direito é comunicação de ideias (doutrina e advogados altamente qualificados),
impuseram um modelo rígidopara não pensar o direito.
O objetivo daqueles esforçados juristas hoje está claro: a segurança jurídica tout
court. Conforme anotam François Ost e Mark Van Hoeck, a sistematização perpetra­
da pela "Idade dos Códigos", tanto na Alemanha (Escola Histórica) quanto na França
(Escola da Exegese), esgotou a capacidade criativa dos juristas da época. Fixados no
intento de criar o "direito perfeito", desproveram os juristas contemporâneos de qual­
quer espaço criativo.23
Em verdade, o paradigma moderno - paradigma legalista -, na tentativa de "cien­
tifizar" o direito, acabou por abdicar de sua cientificidade histórica, a cient
ificidade da
espiral evolutiva da história do di
reito, das marchas e contramarchas. A ciência dos
jurisconsultos romanos era uma ciência jurídica de valores e de aporias em que o di­
reito era do interesse de todos os cidadãos, colocando normas e técnicas a serviço do
21 Contribuem para essa visão algumas reformas legislativas e a sua aplicação aos tribunais, de forma
desvinculada da realidade dos fatos e da justiça substancial, com raciocínios apriorísticos e de cunho
eminentemente formalista, aqui como negativa desubstância, formalismo não virtuoso (CarlosAlbertoAlvaro
de Oliveira, Efetividade e processo de conhecimento. Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, v. 16, p. 7-19,
1999). São exemplos dessa realidade o complexo procedimento para interposição do agravo de instrumento
perante os tribunais de segunda instância (no que tangeà diversidade deentendimentos quanto aos requisitos
de admissibilidade do instrumento mesmo) e a aplicação generalizada dos poderes do relator no julgamento
dos recursos pelos mesmos tribunais.
22 Franz Kafka, Oprocesso, 6. ed. Tradução deModesto Carone. São Paulo: Brasiliense, 1995,p. 231. No Brasil,
esse é o teor expresso da Lei de Introdução ao Código Civil: "Artigo 3g Ninguém se escusa de cumprir a lei,
alegando que não a conhece" (Dec.-Lei nQ 4.627/42).
23 François Ost; Mark Van Hoeck, Legal doctrine in crisis: towards a european legal science, Legal Studies, v.
18, p. 197-215, 1998. Também: Cha!m Perelman, Lógicajurídica. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
O EstadodaQuestão:o HistóricoConstitucional do ProcessoCivil Brasileiroe a Conformação do ProcessoCivilAtual 11
Estado e abandonando a causa dojusto.24 São apenas os preconceitos filosóficos racio­
nalistas da primeira modernidade que impedem o retorno a essa concepção de ciência
do dire
ito, que é também a concepção de muitos juristas atuais.25
O que se pretende demonstrar neste livro diz respeito a uma viragem, a uma al­
teração de cento e oitenta graus na visão do direito processual, surpreendente princi­
palmente para aqueles que não estudaram o processo em suas raízes, visto que para a
ciência processual, essa visão, pelo menos em grandes linhas, era a mais aceita e ado­
tada no último quartel do século X.X.26
Ocorre que o direito processual é ciência nova, conta commenos de cento e cinquen­
ta anos de autonomia do dire
ito material,27 circunstância que limitou a difusão desses
novos paradigmas de processo aos estudiosos do tema; mas agora, com o instrumental
técnico legislativo e constitucional que foi posto à disposição de todos os juristas, a vi­
são "moderna" e privatista do processo deve ser completamente abandonada, em prol da
efet
ividade e da realização dos ideais constitucionais do Estado Democrático de Direito.
Emblemáticos de tal necessidade são os fatos históricos a partir do segundo pós­
-guerra, quando surgiram novos direitos sociais e econômicos, agora também partici­
pativos. Portanto, é preciso desmentir a dimensão técnica, socialmente neutra, cega
à vida que permeou a interpretação e aplicação do direito. No Estado Democrático de
Direito, os valores são a convivência social, a sociedade livre justa e solidária, a parti­
cipação nas decisões, o pluralismo, entendido como pluralidade de ideias, culturas e
etnias, e a dignidade do ser humano.28
Importa, antes de mais nada, que o jurista já se tenha liberto da interpretação re­
trospectiva, vício que consiste em apreciar e interpretar novos institutos e mudanças
legislativas com olhos na prática anterior do direito.29 Esse vício tem endereço certo,
a manutenção da ideologia anterior e do status quo ante. Na verdade, ovalorcerteza (aqui
24 Paraum interessanteperfildessa crítica, ver
:François Ost, Júpiter,HérculesyHermes:tres modelosdejuez.Doxa,
nº14,p. 169-194, 1993 (Disponívelem
: <cervantesvirtual.com/servlet/SirveObras/01360629872570728587891/
cuaderno14/doxal4_11.pdf> e <http://www.cervantesvirtual.com/FichaObra.html?Ref=15938>. Acesso
em: 15 fev. 2007).
25 Michel Villey, Law in the liberal arts. Catlwlic University Law Review, v. 14, p. 170, 1965.
26 Cândido Rangel Dinamarco,A instrumentalidade doprocesso, 6. ed., São Paulo: Malheiros, 1998, p. 309-311;
Alfredo Buzaid, Considerações sobre o mandado de se
gurança coletivo. São Paulo: Saraiva, 1992 (Obra póstuma
organizadapor Ada Pellegrini Grinover).
27 A obra deBülowque fundou a "ciência" processual, Teoria das exceções dilatórias e dos pressupostos processuais,
vinda a lume em 1868, traça pela primeira vez as distinções entre a relação de direito material e a relação
jurídica de direito processual, sendo considerada o marco-zero da ciência processualística. Ver: Oskar Bülow,
Exce
pciones procesalesy presupuestos procesales. Buenos Aires: Ejea, 1964.
28 Assim, "oEstado Democrático de Direito tem em seu conteúdoprincípios dejustiça social e dopluralismo,
devendo realizar-se através da democraciaparticipativa.A Constituição prevê váriasformas de participação, entre elas
a ação popular, as ações coletivas e a ação de inconstitucionalidade (essas duas últimas possibilitando a participação
através das entidades legitimadas a agir)" (Luiz Guilherme Marinoni, Novas linhas do processo civil. 3. ed. São
Paulo: Malheiros, 1999, p. 23).
29 Sérgio Cavalieri Filho, Programa de responsabilidade civil. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2002.
12 AConstitucionalizaçãodoProcesso • Zaneti Júnior
também como segurançajurídica) inerente ao direito da tradição romano-canônica conformou
de tal sorte a mentalidade do jurista que será preciso uma verdadeira revolução cultural
para se obter a máxima efet
ividade que se propõe como valor nascente nessa mutação.
Assim, no direito da tradição romano-germânica, a lei representa a segurança contra
o arbítrio e, portanto, a ideia de segurança jurídica estaria na legislação por todos co­
nhecida e aplicável a todas as situações da vida.
A segurançajurídicafoierigidaa valorsupremo, garantia absoluta em prol da certeza, e
a lei sua expressão gramatical, triunfo dos "povos civilizados".30 Essa certeza é a reação
ao instável período de pluralismo radical do direito medieval e ao excesso de poder dos
déspotas do absolutismo. Não outro era o ideal do Código de Napoleão, que no auge
do racionalismo pregava que o juiz é a boca da lei, e que é vedado ao juiz e ao jurista
interpretar a lei. Precisamos superar esse complexo de inferioridade; na verdadeflatus
voeis no direito brasileiro, por aqui o juiz nunca se limitou à interpretação pura da lei.
Para tanto, parafraseando Mauro Cappelletti, é preciso utilizar os direitosfundamentais
comoprograma de reformas e método depensamento.31
Assim, deve-se assumir, ratione m.ateriae, o processo como direitofundamental, e ele
mesmo tendente à efetividade e a respeitar as posições subjetivas das partes como di­
reitofundamental naparticipação e na formação da decisão.32
Para tanto, a nossa linha de exposição começa a se desenvolver a partir da teoria
de recepção constitucional e da sua vinculação com os ideais constitucionais do Es­
tado Democrático de Direito como Estado de participação na gestão do poder estatal.
Busca-se assim apontar, no referente ao desenvolvimento histórico, as amarras e as
potencialidades para a assunção e manutenção da proposta da "nova democracia"33
brasileira, nascida em 1985, com o fim da ditadura militar.
1 .1 . 1 A recepção constitucional dajudicialreview (o controle de poder no processo
constitucional brasileiro)
Em 1891, na Constituição Republicana, o Brasil, como República Federativa dos
Estados Unidos do Brasil, recepcionou, como a grande parte dos países latino-america-
30 Em síntese, o vigor do pensamento da tradição romano-canônica pode assim ser demonstrado, por hora:
"La literatura de la tradición dei derecho civil hace gran hincapié en la importancia de la certezadei derecho. Por supuesto,
la certeza es uno de los ob
jetivos de todos los sistemas legales, pero en la tradición dei derecho civil ha !legado a ser una
especie de valor supremo, un dogma indiscutible, una metafundamental" Oohn Henry Merryman, La tradiciónjurídica
romano-canonica. 2. ed. México: Fondo de Cultura Económica, 1989, p. 96).
31 Mauro Cappelletti; Bryant Garth, Acesso à justiça. Tradução de Hellen Gracie Northfleet. Porto Alegre:
Sergio Antonio Fabris, 1988.
32 Esta é a proposta: "Faceta importante a ressaltar é que a participação no processo para a f
ormação da decisão
constitui, de forma imediata, umaposição subjetiva inerenteaos direitosfundamentais; portanto é elamesma o exercício
de um direito fundamental" (Carlos Alberto Alvaro de Oliveira, O processo civil na perspectiva dos direitos
fundamentais, in Dof
ormalismo no processo civil. 2. ed. rev. e acrescida de apêndice. São Paulo: Saraiva, 2003,
p. 267 - sem grifos no original).
33 Sobre a importância e os reflexos dessa "nova democracia" no conceito de cidadania e na educação, ver:
Paulo Ghiraldelli Junior, Filosofia e história da educação brasileira. São Paulo: Manole, 2003, p. 195.
O EstadodaQuestão:o HistóricoConstitucional do ProcessoCivil Brasileiroe a Conformação do ProcessoCivilAtual 13
nos, e por influência direta de Rui Barbosa, o direito constitucional norte-americano.34
Ocorreu então uma revolução copernicana em nossas instituições jurídicas, que ainda
hoje desenvolve suas potencialidades democratizantes.35 Entre tantas consequências,
faz-se referência à Constituição escrita e rígida e à garantia dajudicial review que dela
naturalmente decorre no modelo norte-americano, ou seja, a garantia de adequação dos
atos de poder e dos atos particulares ao que está preceituado no texto constitucional.36
O PoderJudiciário - nesse quadro - representa o espaço privilegiado para fazer valer
os direitos fundamentais (democracia de direitos), reconhecê-los e dar-lhes efetivida­
de. Essa foi a aguda percepção,já no século XIX, de um dos maioresjuristas nacionais:
"O que distingue, na essência as declarações de direitos promulgadas nas Cons­
tituições do tipo que a dos Estados Unidos consagrou, das declarações de direitos
exaradas em outras Constituições, é a existência, naquelas, dagarantiajudiciária
para a sustentação prática e a reivindicação eficaz de cada um dos direitos assim decla­
rados."37
34 RuiBarbosafoio "autor" da Constituição de1891. O texto doprojeto inic
ialfoiclarificadoeampliado por
Rui, comobemanotou Pedro Calmon: "Poresse documento verifica-se que Barbosa não só foiencarregadoda
redação doprojeto final publicadoem nome dogoverno, comoaindalheacompanhou aimpressão, fazendo-lhe
profundas modificações nas d
iversasprovas que rev
iu" (Rui Barbosa,A Const
ituição de 1891. Prefácio e rev
isão
de Pedro Calmon. Rio deJane
iro: Ministério da Educação e Saúde, 1946, p. XXXIV - Impressão fac-similar
dos orig
inais queforam encontrados nacasa de Rui Barbosa. Coleção Obras Completas deRui Barbosa, v. 17,
t. 1). Os apensos I (emendas de Rui ao projeto) e II (redação final -projeto do governo prov
isório), anotados
comaprópria caligrafiade seuautor, denotam, defin
itivamente, oacerto da correspondênciaentreRuiBarbosa
e o nossoTexto Constitucional de 1891.
35 No sentido contrário, defendendo a tetrapartição dos poderes de Benjamin Constant: "O país involuiu
inst
ituc
ionalmente aos tempos do Espírito das leis, ou seja, mais de cento e c
inquenta anos!" (Cezar Saldanha
SouzaJún
ior, O tribunal const
itucional como poder: umanova teoria da div
isão dos poderes. São Paulo: Memória
Jurídica, 2004, p. 136).
36 Nesse sent
ido, a proclamação do jurista norte-americano Hugo Lafayette Black (Justice Black): "É, para
mim, damaiorimportânciaque onossopaístenhaumaConstituição escrita [...].A Constituiçãoamer
icananãoé
nenhumac
identehistórico; mas, oprodutoevolutivodalutadohomem, através deeraspassadas, paraproteger­
se contra re
is, potentados e governantes tirânicos [...]." (Crença na Constituição, Rio deJaneiro: Forense, 1970,
p. 24). E também: "Homens, como Washington,Jefferson, Madison, Ham
ilton e Adams, v
iram essa fraqueza
nos artigos, e sabiam que um governo nac
ional, compoderes sufic
ientesparaproteger-se e defender-se, tinha
que ser estabelec
ido, se se queria criar um país verdadeiro. O instrumento que eles e outros empregaram
para construir tal país, foi a nossa Constituição escrita. [... ] não apenas porque era necessária uma espécie de
acordo entre os Estados, mas também porque era o melhor meio de proteger os direitos da minoria contra a tirania
damaioria" (ibidem, p. 27).
37 Rui Barbosa, Comentários à Constituição Federal brasileira. São Paulo: Saraiva, 1934, v. 5, p. 175 (sem grifo
no original). Para Rui Barbosa, a disti
nção entre direitos e garantias constitucionais decorria da contraposição entre as
simples declarações e as disposições destinadas a assegurar as declarações que "emdefesa dos direitos, limitamo poder"
(ibidem, p. 181). Não raro, d
izia Rui, poderiam estar no mesmo d
isposit
ivo. Para tanto demonstra, em um
quadro sistemát
ico, quais os d
ireitos e as garantias da Constituição de 1891 (ibidem, p. 182-184). Contudo,
cumpre observar que a distinção entre d
ireitos e garantias deixa de ser significat
iva quando se permite a
afirmação de queosremédiosprecedem os direitos.Vigenteessaproposição, nãohaverádireito semgarant
ias.
Também as garant
ias serão direitos.
14 AConstitucionalizaçãodoProcesso • Zaneti Júnior
1 .1 .2 O surgimento do controle do poder do Estado
Ao que tudo indica, excetuada a democracia grega, a fonte mais antiga do contro­
le do Poder Público remonta a 1215, à Magna Charta Libertatum, com o surgimento do
princípio do devido processo legal,38 o qual, embora apresente diversos contornos his­
tóricos,39 sempre esteve ligado ao controle dopoder. Aos romanos faltava o gênio da coisa
pública.40 O estudo do devido processo legal revela que seu "conteúdo só pode ser
apreendido em suas concretizações", sendo que qualquer tentativa de fixação ou de­
finição será "mera ilusão tópica". Não obstante, o vetor de seu progresso será sempre
o controle do poder.41
Embora nascido na Inglaterra, o princípio do devido processo legal desenvolveu-se
principalmente nos Estados Unidos, marcado, pode-se dizer, por duas características.
A primeira decorre da evolução da law ofthe land (ou julgamento pela "lei da terra"
por um júri constituído pelos seus pares, ou pelo juiz que os substitua) e do his day
on court (ou direito de ser ouvido pelo tribunal) e se reveste de um caráter estritamente
processual (procedural due process). A segunda, de cunho material ou substantivo (subs­
tantive due process), tomou-se o principal instrumento para o exame da reasonableness
(razoabilidade) e rationality (racionalidade) das normase dos atos doPoderPúblico emgeral.
Já no contexto do direito português, os primeiros indícios de controle do poder por
meios judiciais aparecem nas Ordenações do Reino de Portugal (Afonsinas, Livro III,
38 Sobre a origem do princípio, verAda Pellegrini Grinover, Asgarantias constitucionais do direito de ação. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 1973, p. 25. Por outro lado, jáa democracia grega previa o nómos como controle
do poder üohn Gillissen, Introdução hi
stórica ao direito. 2. ed. Tradução de A. M. Hespanha e L M. Macaísta
Malheiros. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1995, p. 76). Afirmava Demóstenes no Discurso contra Ti
mócrates
(335 a. C.): "Nas leis que nos regem, Atenienses, contêm-se prescrições tão prec
isas como claras sobretodo o
processo a seguir na propositura das le
is. Antes de mais, fixam aépoca em que a acção legislat
iva é admit
ida.
Em segundo lugar, mesmo então, não permitem a todo o c
idadão exercê-lo à sua f
antasia. É necessário por
um lado, que o texto seja transcrito e afixado à vista de todos perante os Éponimos; por outro lado, que a
le
i proposta se aplique igualmente a todos os cidadãos; enfim que as leis contrárias sejam derrogadas; sem
falar doutras prescrições, cujaexposição, parece-me, não teria interesse paranós neste momento. Em caso de
infracção a uma só destas regras, qualquer c
idadão pode denunciá-la" üohn Gillissen, op. c
it., p. 78).
39 Ver Miguel Reale, Teoria tridimensional do dire
ito: situação atual. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 79-88.
40 "Ao gênio da coisa pública faltou ao Romano juntar a evolução democrática dos Gregos e a preservação
da liberdade" (Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda, Comentários ao Código de Processo Civil. Atualização
legislativa de Sergio Bermudes. 5. ed. Rio deJaneiro: Forense, 1997, v. 1, p. XVII. Também Max Kaser, para
quem "o direito e a jurisdição penal bem como toda a administração do Estado pareciam aos Romanos ser
matérias públicas, influenciadas por forças políticas e, por isso, não sujeitas a critérios exclusivamentejurídicos"
(Direito privado romano. Tradução de Samuel Rodrigues e Ferdinand Hammerle, Lisboa: Fundação Calouste
Gulbenkian, 1999, p. 35). Sobre a influência da filosofia e polít
ica grega no d
ireito, consultarJohn Gillissen
(Introduçãohistóricaao direito, c
it., p. 73). Nesse sentido, paraos gregos, anorma,nómos, deliberadapoliticamente
pelaassembleiaaparece comocontrole dopoder: "O nómos é sobretudo omeiodelim
itaropoderdaautor
idade,
porque a liberdade polít
ica consiste em não ter que obedecer senão à lei. Mas a lei é humana, é laica; já não
tem nada de relig
ioso, de d
ivino" (ibidem, p. 76).
41 Maria Rosynete Oliveira Lima, Devidoprocesso legal. Porto Alegre: SergioAntonio Fabris, 1999, p. 289.
O EstadodaQuestão:o HistóricoConstitucional do ProcessoCivil Brasileiroe a Conformação do ProcessoCivilAtual 15
Tít. LXXX; Manuelinas, Livro III, Tít. LXII; e Filipinas,42 Livro III, Tít. LXXII). Res­
salta-se a chamada "apelação extrajudicial" e o "interdito unde vi", os quais, segundo
afirma autorizada doutrina,43 seriam os precursores do atual mandado de segurança
(Ordenações Filipinas, Livro 1, Tít. LXVI, § 29), instrumento que, entre nós, é espe­
cialmente vocacionado para aquele controle.
Voltando à common law, mais exatamente ao direito norte-americano, em 1803, o
caso Marbury vs. Madison introduziu uma revolução no sistema estadunidense.44 A
partir desse histórico julgamento, a Suprema Corte possibilitou o controle judicial da
constitucionalidade das leis e dos atos do Poder Público (judicial review), dando ao Po­
derJudiciário daquele país uma relevância ainda maior que a originária da common law
inglesa.45 O desenvolvimento posterior do devido processo legal substantivo possibi­
litou a aplicação da razoabilidade najudicial review.
,
E importante essa percepção para entender quais os motivos e com que força a
cláusula do dueprocess oflaw tornou-se uma das principais fontes dajurisprudência da
Suprema Corte estadunidense,46 e assim um balizador do sistema de checksand balances
(sistema de freios e contrapesos) que, na doutrina política norte-americana, equilibra
as relações entre os Poderes Executivo, Legislativo eJudiciário.47
Tudo isso se transpõe, em certa medida, para o direito brasileiro, porque não se
pode perder de vista a influência norte-americana na Constituição Republicana de
42 Conforme Milton Flacks: "É possível que, ao propor o nome que afinal adotou o instituto - mandado
de segurança -João Mangabeira tenha se inspirado nas Ordenações Filipinas (1603)" (Mandado de segurança:
pressupostos da impetração. Rio de Janeiro: Forense, 1980, p. 4). Uma pesquisa mais acurada denuncia a
existênciaanteriorda"apelaçãoextrajud
icial". Essateriatidoassentojánas OrdenaçõesAfonsinas (Tít. LXXX)
e Manuelinas (Tít. LXII), sendo da sabença geral que o livro dedicado ao processo civ
il erao L
ivro III, nas três
ordenações do direito reino!. Consulte-se, commuitovalor, o trabalho de Daniel FranciscoMitidiero, Processo
e cultura: praxismo, processualismo e formalismo em d
ire
ito processual, c
it., p. 110-126).
43 Francisco CavalcantiPontes deMiranda, Tratadodasações. São Paulo: RevistadosTribunais, 1976, v. 6, p. 51.
44 Paraaversão traduzidaemvernáculo: CarlBrent Swisher, Decisõeshistóricasda CorteSuprema. Rio deJaneiro:
Forense, 1964, p. 9-14.Vera descrição do casoemLuís RobertoBarroso, O controledeconstitucionalidadeno direito
brasileiro: exposição sistemáticada doutrinae análise críticadajurisprudência, São Paulo: Saraiva, 2004, p. 2-1O.
45 Contudo, comonãopoderiade
ixarde ser, essaideologiajáestavaexpressanos Federalistpapers deHamilton,
mais espec
ificamente no de nº 78 (Geraldo Brindeiro, Jurisdição constitucional e o devido processo legal, in
José Adércio Leite Sampaio (Org.), jurisdição constitucional e direitosfundamentai
s. Belo Horizonte: Dei Rey,
2003, p. 423-433.
46 Luís Roberto Barroso, Os princípios darazoabilidade eproporcionalidade, Cadernos deDireito Constitucional
e CiênciaPolítica, Rev
ista dos Tribunais, nº23, p. 65-76, abr./jun. 1998.
47 Adota-se aqui a composição clássica de Montesquieu. Dei
xam-se de lado os avanços das novas tentativas
dos constitucionalistas de oferecer arranjos mais contemporâneos para a teoria da divisão de poderes do
Estado, a exemplo do trabalho do Professor Cezar Saldanha de Souza Junior sobre a hexapartição dos
poderes, elaborado com referência no conhecido texto de Bruce Ackerman. Saldanha propõe um sistema de
"governamentalismo com tribunal constituc
ional", em oposição à teoria de Ackerman, por um constrained
parliamentarism ("parlamentarismomitigado"). Ver: Cezar SaldanhaSouzaJúnior, O tribunalconstitucional como
poder: uma nova teoria da d
iv
isão dos poderes, c
it., p. 128; Bruce Ackerman, The new separation ofpowers,
HarvardLaw Review, v. 113, p. 633-729, Jan. 2000.
1 6 AConstitucionalizaçãodoProcesso • Zaneti Júnior
189148 e, por consequência, no controle de constitucionalidade das leis no Brasil (controle
difuso, incidentertantum) e dosatos administrativos e, ainda, no sistemauno dejurisdição.49
1 .1 .3 O "paradoxo metodológico" brasileiro: common Jaw (processo constitucional) e
civilJaw (processo infraconstitucional)
Porforça da Revolução Francesa, com a queda do antigo regime, no qual o soberano
representava a última palavra e a justiça divina, erigiu-se na Europa o sistema duplo
de jurisdição. De um lado, o contencioso cível tratava das questões entre particulares
e da violação dos direitos subjetivos do cidadão; de outro, o contencioso administra­
tivo, no qual as questões referentes às relações indivíduo/Estado eram solvidas frente
ao conceito equivalente - os interesses legítimos.
No Brasil, de outra forma, não se fracionou a jurisdição. Desde a República, ao es­
tilo dos Estados Unidos da América do Norte, contamos com um único contencioso:
o ple
ito cível lato sensu ou sistema uno de jurisdição.so
A primeira abordagem a ser feita neste estudo refere-se ao controle do poder e à
possibilidade de revisãojudicial no direito brasileiro. Falar sobre o tema exige ressaltar,
mais uma vez, que a Constituição Federal de 1891, primeira Constituição da República,
inovou o sistema jurídico nacional, ao trazer influências do direito norte-americano, e
inseriu peculiaridades que, entre nós, geraram um sistemajurídico híbrido.
48 A Const
ituição de 1891 sofreu influênc
ia detrês Const
ituições: aargentina, a suíça e a norte-americana, sendo
aúltima, delonge, aquelaque conformou melhor otextoconstitucional, atépelo seguinte mot
ivo: "Ainfluência
americana é a que se percebe, até porque aos Estados Un
idos coube exercer sobre todaa América Latina uma
ação profunda e decisiva." Mas isso não significa que tenha sido cópia pura e simples. Ver: Aurelino Leal,
Históriaconst
itucional doBrasil,ed. fac-similar. Brasília: Senado Federal, 2002, p. 226-227. Sobrea Constituição
Republicana, ver: Rui Barbosa, Comentários à Constituição Federal brasileira, cit., v. 5; Carlos Maximiliano,
Comentários à Constituição brasileira. Rio de Janeiro: Jac
intho Ribeiro dos Santos, 1918; José Neri da Silveira,
Dimensões da independênc
ia do PoderJudiciário, in Carlos Alberto Ch
iarelli et ai., O Poderjudiciário e a nova
Constituição. PortoAlegre: Ajuris, 1985, p. 231-273; Cezar Saldanha SouzaJúnior, Constituições do Brasil. Porto
Alegre: Sagra Luzzatto, 2002; Aliomar Baleeiro, Constituições Bras
ileiras: 1891. Brasília: Senado Federal, 2001,
v. 2,p. 56-57;AlfredoVarela, D
ireitoconstitucional brasileiro: reformadas instituiçõesnac
ionais. Brasília: Senado
Federal, 2002; Orlando Soares, Comentários à Constituição daRepúblicaFederativa do Brasil. 8. ed. Rio deJaneiro:
Forense, 1995; Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda, Comentários à Constituição de 1946 (art. 129-141, § 14).
3. ed. Rio deJaneiro: Borsoi, 1960, v. 4; Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda, Comentários à Constituição de
1967 (arts. 153, § 2Q 159). 2. ed. São Paulo: Revista dosTribuna
is, 1971, v. 5, p. 104-115.
49 Já decidiu o Supremo Tr
ibunal Federal, em várias passagens, sobre aexistência do sistema no Brasil e seu
caráter constituc
ional, decorrente dahermenêuticadoartigo 2º-daConstituição Federal de 1988. Parailustrar,
transcreve-se o excerto dejulgado recente: "Como sabido [no Brasil], adota-se o sistema defreios e contrapesos
(checks and balances), por meio do qual os Poderes do Estado interagem, ainda que se valendo de funções que
não lhes sejamtípicas, de sorte apermitir uma fiscalização mútua que concretize a conjugação harmônica das
principais funções estatais (legislar, executar as leis e aplicá-las nos casos concretos)" (STF - PET n° 1.302/
DF. rei. Min. Maurício Correa, j. 3.2.2003).
so
Ver: Carlos Alberto Alvaro de Oliveira, Doformalismo no processo civ
il, cit., p. 100; e a
inda as notas 10, 11
e 18 de Cândido Rangel Dinamarca em: Enrico Tullio L
iebman, Manual de direito processual civil. Tradução e
notas de Cândido Rangel Dinamarca. Rio deJaneiro: Forense, 1984, v. 1.
O EstadodaQuestão:o HistóricoConstitucional do ProcessoCivil Brasileiroe a Conformação do ProcessoCivilAtual 17
O cruzamento ocorreu entre a "tradição" da common law norte-americana, que ins­
pirou nossa ordem político-constitucional republicana,51 e a "tradição" romano-ger­
mânica, predominante na Europa continental, da qual se recepcionaram o direito pri­
vado, o direito público infraconstitucional (processual52 e administrativo) e o penal.53
Uma pequena, mas significativa, digressão se revela necessária. Adota-se aqui
a denominação "tradição'', proposta por Merryman em substituição à denominação
"sistema'', proposta por David. Essa atitude impõe-se para evitar a confusão entre os
modelos apresentados e os sistemas jurídicos internos, bem como para facilitar a apro­
ximação das linhas mestras dos diversos sistemas nacionais.
Tradição éentendida aquijustamente como umacomunhãopeculiarquepermitef
alar de sis­
temasjurídicos diversos (como o da França e o da Alemanha) comopertencentes ao mesmo
grupo. Tradição, portanto, não se refere a um conjunto de regras de direito (sobre con­
tratos, delitos etc.), servindo mais para identificar um conjunto de atitudesfundamentais,
profundamente arraigadas, historicamente condicionadas, sobre a natureza do direito, sobre seu
papel na sociedade e no corpo político, sobre as operações adequadas de um sistema legal, sobre
af
orm.a com que sefaz ou se deveriaf
azer, aplicar, estudar, reali
zar e ensinar o direito. Dessa
forma, o estudo das tradições jurídicas "coloca o sistema dentro da perspectiva cultu­
ral". Seus efeitos são determinantes da maneira de pensar dojurista e devem ser assim
encarados como sua matriz cultural, suaformação cultural.54
Por isso, é correta a leitura que identifica a tradição como um processo de ama­
durecimento e entendimento cultural de determinada comunidade jurídica, que lhe
contextualiza, lhe dá sentido e significação:
"A tradição legalforma parte da cultura, uma parte muito antiga, profundamente
arraigada, firmemente sustentada. As relações existentes entre as ideias legais
básicas e as atitudes sociais, econômicas e políticas igualmente profundas, são
muito estreitas e complexas. O direito obtém sentido do resto da cultura, a que
por sua vez lhe dá sentido, e é inseparável desta."55
Ao lado dessas considerações, impõe-se verificar que o direito processual civil é
ramo do direito público, ligado intimamente ao fenômeno do poder; se por um lado
é natural que no campo do direito privado o desenvolvimento fosse paripassu com a
ciência europeia, por outro, como bem ressalta Dinamarca, "o que não é natural é o
comprometimento tão profundo como o que o nosso guarda com todo o espírito do
51 José Carlos Barbosa Moreira, A importação de modelos jurídicos, in Temas de direitoprocessual civ
il: oitava
série. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 255-266, esp. p. 259-260 e 262.
52 Ibidem, p. 259.
53 Nessesent
ido, conferirtambém obr
ilhantismodopensamentolúc
ido eexperienc
iado deAdroaldoFurtado
Fabrício (As novas necessidades do processo c
ivil e os poderes do juiz, in Ensaios epareceres. Rio de Janeiro:
Forense, 2003, p. 403-420, esp. p. 409).
54 John Henry Merryman, La tradiciónjurídica romano-canonica, cit., p. 17. Ver, sobre a noção de sistemas
juríd
icos, Rene David, Osgrandes sistemas do direito contemporâneo. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1996.
55 John HenryMerryman, La tradiciónjuridica romano-canonica, c
it., p. 269.
18 AConstitucionalizaçãodoProcesso • Zaneti Júnior
direito processual civil de países onde são diferentes as bases políticas de direito pú­
blico".56 Mais tarde, Dinamarca irá identificar, aqui e com razão, um "paradoxo meto­
dológico"57 na nossa "tradição" processual.
Veja-se bem, a "tradição" brasileira é portanto peculiar, apresenta traços das tra­
dições europeias e norte-americana, daí o seu hibridismo.
O "paradoxo", entendido como uma contraposição lógica de tradições jurídicas,
consiste justamente em termos adotado, ao lado da tradição constitucional norte-a­
mericana, a tradição processual civil da Europa continental, esta mais notadamente
em 1973, com o Código Buzaid.5ª
Ocorre que o direito processual civil brasileiro não difere o tratamento entre "par­
ticulares" e "particulares", "particulares" e "partes estatais", não existindo um conten­
cioso administrativo para julgar as afirmações de lesão atribuídas ao Estado. Ademais,
revela-se sem importância para a tutela a diferença entre direitos, pretensões, ações
e exceções que sejam afirmadas como direito privado e direitos, pretensões, ações e
exceções que sejam afirmadas como direito público.59 Nomeou-se essa concepção, na
qual se tratam "pretensões de direito público, às vezes constitucional, como se tratam
as pretensões de direito privado", de pleito cível lato sensu, uma justiça igual, sob uma
só lei processual.60
56 Cândido Rangel Dinamarco afirma que o nosso dir
e
ito público tem forte influência do sistema norte­
americano (A instrumentalidade doprocesso, cit., p. 50).As ideiasexpostas porele sãoatribuídas aGalenoLacerda,
expressas em aula proferida na Faculdade do Largo de São Franc
isco, a conv
ite do professor paulista, em 22
de agosto de 1978 (Regroupement des families juridiques en droit jud
ic
iare. A
juris: Revista da Associação dos
juízes do Rio Grande do Sul, ano 22, nº 63, p. 36-53, mar. 1995).
57 CândidoRangelDinamarco, Instituições de direito processual civil. 3. ed. SãoPaulo: Malhe
iros, 2003, v. 1, p. 176.
58 De todo, o que resta a
inda perquirir e revelar, porém em outro espaço, é a influência das fontes luso­
brasileiras emnossocontextoculturalatual. Sobre otema,ver: Raimundo Faoro, Os donos do poder: formação do
patronatopolítico brasileiro. 3 ed. rev. PortoAlegre: Globo, 2001; SérgioBuarque deHolanda, Raízes doBras
il. 6.
ed. Rio deJaneiro:JoséOlyrnpio, 1971; Victor Nunes Leal, Coronelismo, enxada e voto. 3 ed. Rio deJaneiro: Nova
Fronteira, 1997. Destaque-se sobre as Ordenações que: "O processo c
ivil desenhado nas Ordenações (tanto
Afonsinas, como Manuelinas e Filipinas) é um t
ípico exemplo de processo comum, forjado pela confluência
dos elementos romano, canônico e germânico antigo. Suas soluções são soluções muitasvezes de força (como
se percebe com bastante nit
idez em alguns ins
t
itutos, como, por exemplo, nas 'cartas de segurança', com o
vinco mandamental a toda prova), com adiantamento de execução à cognição (como nas nossas antigas ações
cominat6rias), at
itude típica do direito gennânico mais remoto, nadaobstante afirmezadaconcepçãodejuízo como
um ato de três pessoas, a denotar a fiel observância do contraditório e da imparc
ialidade na dec
isão da causa,
herançainduvidosamente romana, e o tom conciliatório agregado àfigura judicial, de corte canônico. Oprocedimento
era secreto e escrito, essencialmente dominado pelos princípios da demanda e dispositivo, dividido em fases bem distintas
(sistemadepreclusãoporfases, comlargaadoção das técnicas daeventualidade e daconcentração), rigidamente
regrado com relação àfonnação da prova. A racionalidade que informava ofenômenojurídico era uma racionalidade prática,
voltada a orientar a ação dos sujeitos envolvidos na dialética processual, prontapararesolução das questõespostaspara
d
iscussão" (Daniel FranciscoMitidiero, Processo e cultura: prax
ismo, processualismo eformalismoem direito
processual, cit., p. 122-123; a
inda no âmbito específico dos processualistas, José Carlos Barbosa Moreira, A
importação de modelosjurídicos, cit., p. 59).
59 Franc
isco Cavalcanti Pontes de Miranda, Comentários ao Código de Processo Civil. 5. ed. 1997, c
it., v. 1, p. 46.
60 Transcrevemos alição: "[...] quantoà parte oualgumaou algumas das partes estatais, o d
ireitoprocessual
c
ivil trata-as igualmente, sem que tenha qualquer importância a diferença entre direitos, pretensões, ações e
O EstadodaQuestão:o HistóricoConstitucional do ProcessoCivil Brasileiroe a Conformação do ProcessoCivilAtual 19
A unicidade dopensamento europeu continental no direito público decorre da influência
ideológica de ideias e tendências que se manifestaram primeiramente no plano filosó­
fico e político, a sentida presença de Montesquieu e de Rousseau. Em todo o continente
europeu, no que concerne ao desenvolvimento do direito público, aparece essa tendência
que conformou a lógica dosjuristas.61 Aí se vêjustamente que foi a doutrina de direito
público, erguida nesses sistemas (europeus continentais) sobre as bases do contratua­
lismo e da divisão tripartite (estanque) dospoderes.
Alvaro de Oliveira, analisando os aspectos que concernem à amplitude do acesso
àjurisdição nos sistemas "europeus continentais" e da common law face ao sistema na­
cional, na perspectiva do formalismo, salienta criticamente que:
"Na chamada família romano-germânica, as regras jurídicas são concebidas
como normas de conduta, estreitamente vinculadas a preocupações de justiça
e de moral [universalizante e objetiva], e a ciência jurídica exibe como tarefa
fundamental a determinação dessas normas [...]. Absorvida nesse trabalho, a
'doutrina' muito pouco se interessa pela aplicação do direito, deixando esse
aspecto para os práticos do direito e da administração."62
A esse viés se contrapõe o dire
ito anglo-americano, mais afeito ao estudo dos casos
práticos e mais acostumado a construir o direito sobre os problemas concretos que se
apresentam.63 Por outro lado, o sistema da common law norte-americano temjurisdição
una e conta com o sistema de freios e contrapesos e a possibilidade do controle judicial
dos atos dos demais poderes (judicial review).
Importante apontar que atualmente a perspectiva metodológica da Europa conti­
nental sofre novos influxos, principalmente pela valorização da jurisdição constitucio­
nal, em países como a Alemanha e a Espanha, sendo notável a doutrina que se forma
no entorno aos precedentes dos Tribunais Constitucionais desses países, bem como,
os "modelos" que deles exsurgem para a aplicação prática. Em certa medida, trata-se
exceções, que tenhamnascido no dir
e
itoprivado, e direitos, pretensões, açõese exceções, que tenhamnascido
no d
ireito público. Nos jur
istas europeus, mesmo os mais avançados, a
inda se não chegou à concepção do
ple
ito cível, lato sensu, que é a do sistema jurídico brasileiro, em que se tratam pretensões de d
ireito público,
àsvezes constitucional, como se tratam as pretensões de direito privado, só se reconhecendo ahierarquia das
regras juríd
icas (Constituição, leis ordinárias; leis, regulamentos, av
isos, portar
ias), mas estabelecida ajustiça
igual sob leiprocessual igual, salvo exceções insignificantes, como a relativa ao processo executivo pelo Estado,
no tocante a d
ív
idas fiscais [...]"(Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda, Comentários ao Código de Processo
Civ
il. 5. ed. 1997, c
it., v. 1, p. 46 - sem grifo no orig
inal).
61 René David, Osgrandes sistemas do direito contemporâneo, c
it., p. 73.
62 Carlos Alberto Alvaro de Oliveira, Dof
onnalismo noprocesso civil, cit., p. 89-90.
63 Como foi explorado por Alessandro Giuliani, a fissura ocorrida no d
ireito comum, pela interferência do
direito canônico na tradição de civil law, impediu que as fontes romanas e gregas contam
inassem comjuízos
deprobabilidade o nascente processomedievalromano-germânico. Contudo, osjuízos deprobabilidadegregos
v
ingaramnatrad
ição decommon law (Ilconceto diprova: contributto alialogicagiuridica. Milano: Giuffre, 1971).
20 AConstitucionalizaçãodoProcesso • Zaneti Júnior
de uma ruptura com a moral objet
iva e com a razão pura. Um retorno à racionalidade
da experiência.64
Aqui se deve frisar novamente que o sistema jurídico brasileiro, quando recepcio­
nou o direito constitucional norte-americano na Constituição de 1891, passou por uma
revolução copernicana. Seguiu daí retirando as diretrizes básicas em que hoje se apoia,
por um lado, na vastidão da disposição expressa do artigo 52, inciso XX.XV da Consti­
tuição Federal de 1988, pelo qual não se pode excluir à apreciação do PoderJudiciário
nenhuma lesão ou ameaça de lesão a direito (rectius: afirmação) e, por outro, na efeti­
vidade de writs postos à disposição da cidadania, como o habeas corpus, o mandado de
segurança (coletivo e individual), o habeas data e o mandado de injunção.
Como se deu essa recepção e em que ela consiste são as preocupações que assal­
tam ao jurista preocupado com essa nossa matriz constitucional do processo, a ma­
triz processual constitucional de common law que se herdou e desenvolveu no curso da
afirmação histórica e cultural do povo brasileiro: a inafastabilidade da jurisdição como
último bastião da justiça.
1 . 1 .4 A teoria da recepção constitucional
A recepção constitucional vem sendo analisada modernamente como um rico pro­
cesso de construção do direito. A dimensão e importância do estudo desse fenômeno
toma espaço na tentativa de unificação do direito const
itucional europeu, a ponto de,
como que em um retorno na espiral evolutiva da história, ter-se procurado identificar
elementos de um direito comum europeu.65
A questão da recepção constitucional de institutos desenvolvidos no direito es­
trangeiro, nos diversos ordenamentos jurídicos e no direito internacional, por meio
de tratados e códigos tipo, é muito relevante no atual contexto das Constituições eu­
ropeias, e, pode-se afirmar, em qualquer contexto de busca por uma universalização
dos direitos humanos fundamentais.
Trata-se aqui de identificar uma teoria geral dessas recepções que faculte entender
o meio pela qual elas atuam e quais suas diversas espécies e consequências. Esse fa­
tor é utilizado como elemento de união entre as culturas constitucionais e, portanto,
faz parte de um quadro mais amplo de recepção das próprias culturas de outros po­
vos civilizados. A recepçãojurídica se mostra assim sobre o contexto de uma doutrina
constitucional como "ciência da cultura", parte de processos muito mais amplos de
recepção cultural.66
64 Boaventura de Sousa Santos, A critica da razão i
ndolente: contra o desperdício da experiência. São Paulo:
Cortez, 2000.
65 PeterHaberle, Derecho constitucional comúneuropeo, inAntonio-Henrique PerezLufio (Coord.),Derechos
humanosy constitucionalismo ante el tercer milenio. Madrid: Marc
ial Pons, 1996, p. 187-223.
66 PeterHaberle, Elementosteóricos de un modelo general derecepciónjuríd
ica, inAntonio-Henrique Perez
Lufío (Coord.), Derechos humanosy constitucionalismo ante el tercer milenio. Madrid: Marcial Pons, 1996, p. 151.
O EstadodaQuestão:o HistóricoConstitucional do ProcessoCivil Brasileiroe a Conformação do ProcessoCivilAtual 21
Toda a recepção éparte de umprocesso cultural geral. A teoria da Constituição vista por
esse ângulo abarca a noção de contexto, sendo a cultura um fator de configuração des­
sas recepções. No direito, podemos ressaltar com facilidade alguns exemplos notórios
de recepções gerais, como: a recepção do direito romano na Europa, no começo da mo­
dernidade; a vitória do federalismo norte-americano de 1787; os catálogos positivados
de direitos humanos de 1776 (Declaração de Direitos de Virgínia, EUA), l789 (Decla­
ração de Direitos do Homem e do Cidadão, França) e 1948 (Declaração Universal dos
Direitos do Homem, ONU); e, particularmente importante, a recepção do direito civil e
processual civilfrancês (1804 e 1806 - Códigos de Napoleão).
Interessante e ilustrativa é a visão do mapa dessa última recepção na Europa do
século XIX, traçado por Eric Hobsbawm.67 Salienta-se, como é do conhecimento geral,
que essa recepção representa, no contexto, a recepção cultural doparadigm.a cient
í
fico moderno
no direito europeu, pondo fim ao predomínio do ius comune. São todos, portanto, proces­
sos de recepção cultural, dentro de um contexto mais amplo, como foram os proces­
sos decorrentes do Renascimento das artes da cultura grega no cenário da baixa Idade
Média europeia, do Iluminismo e do Racionalismo no começo da Idade Moderna, da
universalização das obras de Beethoven e de Goethe e, hoje, da ideologia e das máximas
democráticas napolítica (universalização do voto, eleições, gradativo aumento da parti­
cipação da população nas decisões políticas).
Para além dessa concessão de cunho unificador, ocorre também a necessidade de
reconhecer a influência que esses processos de recepção tiveram dentro do próprio
Estado receptor, a maneira como se processou historicamente a recepção e como se
desenvolveram os institutos recepcionados.
Peter Hãberle fala, nesse sentido, em teoria da Constituição como ciência experi­
mental, procurando demonstrar que as cláusulas culturais e os preâmbulos das Cons­
tituições são formas especiais de manifestação a esse respeito. Assim, os artigos que
regulam os hinos, a bandeira, a língua oficial e os dias festivos criam um evidente
,
modelo de identificação coletiva e cultural cidadã. E o caso, por exemplo, do projeto
de Constituição Europeia, que irá adotar, se aprovado, a parte final da IX Sinfonia de
Beethoven, contendo o poema de Schiller Ode à alegria (An die Freude), de 1786, sobre
a universalidade dos homens, como hino da União Europeia. Outro exemplo é a alte­
ração topológica do capítulo referente aos direitos fundamentais, do fim para o início
da nossa Carta Magna, e o acréscimo de "princípios dialéticos", como o contraditó­
rio, para a formação de atos decisórios da Administração pública e doJudiciário cível.
Trata-se de recepções decorrentes das experiências positivas e negativas da vivência
constitucional de um determinado Estado.
Como foi dito, isso nada mais expressa do que algo natural, imanente à própria
natureza humana:
67 Eric Hobsbawm, A era das revoluções. 12. ed. Rio deJaneiro: Paz e Terra, 2000, p. 340, mapa nQ 9.
22 AConstitucionalizaçãodoProcesso • Zaneti Júnior
"A relação de experiências positivas ou negativas de outros Estados com seus
textos constitucionais, suas sentenças judiciais, sua ciência epraxis cotidiana,
quer dizer, a recepção de conteúdos aparece por isso como um fenômeno tão
normal e imprescindível que não existe nenhuma surpresa em relacioná-lo com
a própria condição humana."68
,
E no acúmulo das experiências sociais e da sua influência, muitas vezes recíproca,
na vida prática do direito, que se desenham osprocessos de recepçãojurídica para atender
às demandas ouf
orjar demandas inexistentes.
,
E justamente dessas "experiências cristalizadas" na prática brasileira que se irá
tratar aqui. Além da mera recepção, toda recepção é uma reprodução criativa.69
Q
uando de algum modo surgem déficits nos Estados constitucionais para resolver
um problema no âmbito das funções dos Poderes Legislativo, Executivo ouJudiciário,
a doutrina, a prática jurídica e, mais recentemente, a jurisdição constitucional come­
çam a busca por soluções arquétipo.70
No Brasil, para os efeitos deste estudo, podem-se identificar duas grandes recep­
ções em direito processual civil, a da Constituição de 1891, que recepciona o modelo
processual constitucional dos Estados Unidos da América do Norte, e a do Código de
Processo Civil de 1973 que, ao final de um processo longo, começado em 1916 com o
Código Civil e continuado em 1939 com o primeiro Código de Processo Civil nacio­
nal, revela a recepção tardia do direito napoleônico.71 Trata-se da recepção da tradição ro-
68 Nossa tradução. Isso porque, na cont
inuidade da lição: "[...] tambié
n el ser humano vive de supasado, de sus
experiencias (a veces de sus 'heridas'), acumulándolas en supensamientoy acciones. El tipo 'Estado constitucional'y su
ciencia: la 'Teoria de la Constitución', sehallan v
inculados,por tanto, sólo a dicharealidad antropológica, cuando asumen
sus experienciasy las convierten ensistemasjurídicos. El derecho, comomanif
estación cultural, 'significa también derecho
como expresión de exper
iencias cristali
zadas"' (Peter Haberle, Elementos teóricos de un modelo general de recepción
jurídica, c
it., p. 155).
69 A recepção se dá como uma reprodução criativa, para além do processo ativo e criador de fora (d
ireito
externo). Segue-se um processorecriador e não meramente passivo nos ordenamentos internos. "Primafacie
podríamos decir que 'recepción', desde una perspectiva puramente linguística, significa que un primer proceso productivo
'activo'y creador quesurge desdefuera le sigue igualmente otroproceso '
pasivo'y siempre recreador [...]. Lo que a veces
parece una mera recepción pasiva se convierte, al contemplaria def
orma más precisa en el transcurso del tiempo, en un
fenómeno creativo que esjustamente lo que debeser" (Peter Haberle, Elementos teóricos deun modelogeneral derecepción
jurídica, c
it., p 156).
7° Como bemobservaHaberle, hoje essesprocessos se tornam muito m
a
is efic
ientes e velozes, dadaamaior
"uniformidade do mundo" em razão dos me
ios de comunicação e outras facilidades, como a mais rápida
difusão das "modas" e o ma
ior contato com o "externo" (Peter Haberle, Elementos teóricos de un modelo general
de recepciónjurídica, c
it., p. 164).
71 Enr
icoTullio L
iebman, Ist
ituti deid
irittocomunenelprocesso c
ivilebrasiliano, inProblemideprocessocivile.
Napoli: Morano, 1962, p. 490-516; Carlos AlbertoAlvaro de Oliveira, Dof
ormalismo noprocesso civil, cit., p. 59-
60. Com especial destaque para a percepção doautor das vantagens decorrentes dapublicização doprocesso
naquele momento histórico (em que se arrefecia o ríg
ido "princípio disposit
ivo" das Ordenações): "A maior
atividade dojuizpreconizadapelo novo diploma não constitui apenas meroproduto do regime autoritário, mas
sim consequência direta da naturezapública doprocesso e de sua evolução conceptual e doutrinária" (ibidem, p.
60). Na expressão de Daniel Francisco Mitidiero: "Neste especial, a propósito, cumpre assinalar a prime
ira
O EstadodaQuestão:o HistóricoConstitucional do ProcessoCivil Brasileiroe a Conformação do ProcessoCivilAtual 23
mano-germânica, visto que, até essa data, ainda estava presente em nossa experiência
forense e na legislação pátria grande quantidade de direito comum europeu decorrente
das influências do direito reinol (Ordenações do Reino de Portugal).72
Dessa dupla recepção, decorreu o chamado "paradoxo metodológico" de se ter, ao
mesmo tempo, uma cultura processual constitucional voltada para a tradição da com­
mon law, o que significa dizer, exemplificativamente, que apresentam-se, de um lado,
o controle de constitucionalidade (difuso), os writs constituciona
is, o pleito cível lato
sensu e, especialmente, a atipicidade das ações - "remedies precede rights" (os remédios
precedem os direitos)73 do direito de common law (art. SQ, XXXV da CF de 1988: "a lei
não excluirá da apreciação do PoderJudiciário lesão ou ameaça a direito"), e, de outro
lado, a vinculação da ação ao direito subjetivo (art. 75 do CC de 1916: "a todo direito
corresponde uma ação que o assegura"; art. 126 do Código de Processo Civil de 1973:
"O juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade da
lei. Nojulgamento da lide caber-lhe-á aplicar as normas legais [...]"), a cisão das doutrinas
do direito administrativo e do direito privado, e a vinculação do juiz à lei escrita, da
tradição romano-germânica. Nesse quadro, os princípios teriam a função limitada que
lhes atribui o artigo 4º da Lei de Introdução ao Código Civil, uma função posterior,
subsidiária, a da aplicação dos costumes e da analogia, mera colmatação de lacunas. A
mudança do novo paradigma constitucional inclui na sua força normativa também os
particularidade que singulariza a experiênciajurídica brasileira: até o advento de Código deProcesso Civil vigente,
o nosso direito processual civil não havia sofrido nenhum acidente histórico notável, capaz de propiciar um distanciamento
mais profundo entre a tradição lusitana quinhentista e o direito então praticado (livramo-nos, por certo, da 'radical
renovaçãodospr
incípios ded
ireitoprocessual' propic
iadapelo Code de Procédure Civile napoleôn
ico de 1806
queapanhouo dire
ito cont
inental com todaa suaforça: valed
izer, conseguimos adiar a invasãof
rancesapara 1973,
dando maior espaçopara o desenvolvimento natural de nossa tradição cultural). Como é cediço, mesmoapós a nossa
independência, continuaram atervigêncianoBrasilas OrdenaçõesFilipinas, sendoqueoprocesso civ
ilbrasileiro
só fora alcançado por legislação nacional quando o Decreto nQ 763, de 1890, mandou que se aplicasse ao foro
cível o Regulamento nº 737, de 1850 (que, nada obstante tenha procurado simplificar algumas formas, manteve
basicamente a estrutura do processo, particularizando-se apenas por aportar uma nova técnica legislativa à
ordemjurídicanacional).Antes, a Consolidação Ribas, aprovadaporResoluçãoImperial de 1 876, havia apenas recolhido
o direito luso-brasileiro então aplicável àpraxeforense, tornando-o maisf
a
c
ilmente ident
i
ficável. Nestepanorama, opapel
da doutrinafora enorme: cumpria-lhe subsidiar a aplicação do direito luso-brasileiro, então lacunoso e imperf
eito, sobre
indicar soluções mais rentes à ordem do dia, quiçá alçando mão do direito comparado e da autoridade de doutrinadores
estrangeiros (aqui, pois, aquilo que Judith Martins-Costa denomina de 'bartolismo', deveras impregnado
em nossa tradição jurídica)" (Daniel Francisco Mit
idiero, Processo e cultura: praxismo, processualismo e
formalismo em d
ireito processual, cit., p. 123-124). Em sent
ido contrário, Cândido Rangel Dinamarco afirma
queos códigos de processo de 1939 e 1973 são "substancialmente análogos", sem contudo de
ixar de observar
a "muito grande superioridade técn
ica do segundo Código de Processo Civil sobre o prime
iro". Ressalte-se
que, em certae estr
itamed
ida (cumgrano salis), assiste razãoa Dinamarco, pois são os dois diplomasjáo fruto
da fase autonomista da ação e impregnados dos ideais rac
ionalistas - cient
ificização do d
ireito (Instituições de
direitoprocessual civil, c
it., v. 1, p. 278-280).
72 Portodos, vale relembrar oatestado dograndemestre daescolapaulistadedireitoprocessual civil (Enr
ico
Tullio Liebman, Istituti dei d
iritto comune nel processo civ
ile brasiliano, c
it., p. 490-516).
73 Conhecida imagem de Maitland, "the remedies precede rights" (Adolfo Oi Majo, La tutela civile dei diritti. 2.
ed. Milano: Giuffre, 1993, p. 71).
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  • 1.
  • 2. Doutor e Mestre em Direito Processual pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Membro da Associação Internacional de Direito Processual (IAPL). Membro do Instituto Ibero-Americano de Direito Processual (llDP). Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (18DP). Professor Adjunto nos Cursos de Graduação e Pós-Graduação Stricto Sensu (Mestrado) da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Promotor de Justiça no Estado do Espírito Santo (MPES). ,. A CONSTITUCIONALIZAÇAO O MODELO CONSTITUCIONAL DA JUSTIÇA BRASILEIRA E AS RELAÇOES ENTRE PROCESSO E CONSTITUIÇÃO 2º' EDIÇÃO DO PROCESSO REVISTA, AMPLIADA, ALTERADA SÃO PAULO EDITORA ATLAS S.A. - 2014 í
  • 3. © 2013 by Editora Atlas S.A. A primeira edição foi publicada pela Editora Lumen Juris com o título Processo constitucional: o modelo constitucional do processo civil brasileiro; 2. ed. 2014 Capa: Nilton Masoni Composição: Formato Serviços de Editoração Ltda. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Zaneti Júnior, Hermes A constitucionalização do processo: o modelo constitucional da justiça brasileira e as relações entre processo e constituição / Hermes Zaneti Júnior. - 2. ed. rev., ampl., alterada - São Paulo: Atlas, 2014. Bibliografia. ISBN 978-85-224-8567-3 ISBN 978-85-224-8568-0 (PDF) 1. Brasil - Constituição (1988) 2. Direito constitucional 3. Processo civil 4. Processo civil - Brasil 1. Título. 13-11556 CDU-342:347.9(81) Índice para catálogo sistemático: 1. Brasil : Constitucionalização : Processo civil : Direito 342:347.9(81) TODOS OS DIREITOS RESERVADOS - É proibida a reprodução total ou parcial, de qualquer forma ou por qualquer meio. A violação dos direitos de autor (Lei n• 9.610/98) é crime estabelecido pelo artigo 184 do Código Penal. Editora Atlas S.A. Rua Conselheiro Nébias, 1384 Campos Elísios 01203 904 São Paulo SP 011 3357 9144 atlas.com.br
  • 4. Prefácio à 1ª edição (Prof. Dr. Carlos Alberto Alvaro de Oliveira), xi Introdução à 2ª edição, 1 Introdução, 3 Sumário 1 O Estado da Questão: o Histórico Constitucional do Processo Civil Brasileiro e a Conformação do Processo Civil Atua� 5 1.1 A formação do processo civil brasileiro na perspectiva constitucional: da recepção do direito norte-americano à Constituição de 1988, 5 1.1.1 A recepção constitucional dajudicial review (o controle de poder no processo constitucional brasileiro), 12 1.1.2 O surgimento do controle do poder do Estado, 14 1.1.3 O "paradoxo metodológico" brasileiro: common law (processo constitucional) e civil /aw (processo infraconstitucional), 16 1.1.4 A teoria da recepção constitucional, 20 1.1.5 A Constituição de 1891 e as doutrinas nacionais dojudicial review, até o advento da Constituição Federal de 1988, 25 1.1.5.1 Ojudicial review na Constituição de 1934, 35 1.1.5.2 Ojudicial review na Constituição de 1937, 37 1.1.5.3 Ojudicial review na Constituição de 1946, 38 1.1.5.4 Ojudicial review nas Cartas Constitucionais do golpe militar (1967 e 1969), 41
  • 5. Vi AConstitucionalizaçãodoProcesso • ZanetiJúnior 1.1.6 A Constituição Federal de 1988 e o Estado Democrático Constitucional: o formalismo valorativo e a ampliação do controle dos poderes pela sociedade aberta dos intérpretes da Constituição, 42 1.2 A alteração do paradigma proposta pelo presente trabalho, 48 1.2.1 A inexistência de modelos puros: a busca dos elementos determinantes como método de comparação das tradições jurídicas da common law e do direito romano-germânico tertium comparationis, 49 1.2.2 A constitucionalização do direito e a tradição brasileira na aproximação entre a common law e a tradição romano-germânica, 51 1.2.3 A virada das influências políticas e do discurso na Constituição Federal de 1988 (democratização do direito), 52 1.2.4 O diagnóstico e suas limitações: a busca pelos platôs de entendimento, 53 1.2.4.1 A racionalidade prática procedimental e o retorno ao juízo e a sua ligação com o direito probatório, 55 1.2.4.2 A relação entre direito e política: a democracia participativa e a máxima da cooperação, 55 1.2.4.3 Processo constitucional lato sensu, teoria circular dos planos e jurisprudência como fonte primária: síntese do fenômeno da constitucionalização do processo, 57 2 Primeira Mudança: a Lógica Jurídica e o Direito Processual.A Racionalidade Prática Procedimental e o Retorno ao Juízo, 62 2.1 A nova racionalidade prática procedimental e o retorno ao juízo na teoria do discurso: o paradigma legalista do processo (a prova como demonstração) versus o paradigma procedimental do juízo (a prova como argumento), 62 2.2 Processo e conformação histórica: superar o "cientificismo" no retorno ao "juízo", 66 2.2.1 Do ordojudiciarius ao processus: história e pré-história do direito processual civil como ciência, 67 2.2.2 Verdade provável: a superação da dicotomia verdade material e verdade formal, 73 2.2.3 Racionalidade formal e razão: nova methodus (geometrização do direito) versus tópica e o pensamento problemático atual, 77 2.3 Modelos de direito probatório, 84 2.3.1 Modelo clássico, simétrico e persuasivo: a prova como argumentum (common law), 85 2.3.2 Modelo moderno, assimétrico e científico: a prova como demonstração (romano-germânica), 87
  • 6. Sumário Vii 2.3.3 Um modelo contemporâneo para o direito probatório e para a lógica jurídica: o ordenamento brasileiro e a racionalidade prática procedimental, 93 2.3.3.1 Teoria do discurso e racionalidade prática procedimental, 97 2.3.3.2 Pretensão de correção e teoria do discurso: escapar da "justiça" da lei e da "justiça" dos homens. O modelo do processo cooperativo, 99 2.3.3.3 Revisão crítica a partir da leitura de Luigi Ferrajoli: as interferências dos distintos modelos de direito estrito e cláusulas gerais no problema da verdade (verdade de fato e verdade jurídica), 103 3 Segunda Mudança: Democracia e Judiciário na (Re)Politização do Direito. O Modelo Deliberativo-Procedimental de Democracia, 106 3.1 Democracia e Judiciário na repolitização do direito: o processo como direito fundamental de participação no Estado Democrático Constitucional de Direito, 106 3.1.1 O advento do Estado Democrático Constitucional: dimensão participativa dos direitos fundamentais, 107 3.1.2 O dogma da separação de poderes, 109 3.1.3 Separação de poderes ejudicial review, 113 3.1.4 Os poderes do juiz: modelo liberal Uuiz Pilatos/juiz Júpiter), modelo social Guiz Hércules) e modelo participativo ou simétrico Uuiz Hermes), 115 3.2 A democracia construída e a democracia em construção: da democracia representativa à democratização da sociedade (demodiversidade), 119 3.2.1 Precisões temporais sobre o conceito de democracia, 121 3.2.1.1 A democracia dos antigos e a democracia dos modernos, 121 3.2.1.2 A democracia na sociedade contemporânea, 122 3.2.2 Pluralismo democrático e democratização da sociedade, 124 3.2.3 Democracia participativa e jurisdição, 128 3.2.4 Notas conclusivas sobre a evolução do debate democrático: demodiversidade, 130 3.3 Os direitos fundamentais como direitos políticos e o direito processual como direito fundamental, 133 3.4 Politização do Judiciário ou judicialização da política: o falso problema e a sua matriz no paradigma legalista do Estado Liberal, 139 3.4.1 Afirmação da função judicial: características e atuação, 144 3.4.2 O Judiciário e os modelos de Estado: Estado Liberal, Estado Social e Estado Democrático Constitucional, 148 3.4.2.1 O Judiciário no Estado Liberal, 149 3.4.2.2 O Judiciário no Estado Social (Providência), 150
  • 7. Viii AConstitucionalizaçãodo Processo • ZanetiJúnior 3.4.2.3 O Judiciário no Estado Democrático Constitucional: a crise do Estado Providência, 152 3.5 Três modelos normativos de democracia: o modelo liberal, o modelo comunitarista e o modelo deliberativo-procedimental de Jürgen Habermas, 154 3.6 O conceito de constituição no Estado Democrático: funções de governo e funções de garantia em Luigi Ferrajoli, 159 4 Direito Processual Constitucional: Conceituação e Conteúdo do Módulo Processual Constitucional Brasileiro na Jurisdição Cíve� 161 4.1 O papel da ideologia no direito processual, 167 4.2 A trilogia estrutural: ação, jurisdição e processo sob a ótica constitucional, 173 4.3 O módulo processual e o contraditório como "valor-fonte" do processo democrático, 179 4.3.1 Características do módulo processual (procedimento em contraditório), 184 4.3.2 Módulo processual jurisdicional civil, 186 4.3.3 Crítica a Fazzalari: a maior amplitude da conformação constitucional brasileira, 187 5 ATeoria Circular dos Planos (Direito Material e Direito Processual), 189 5.1 Introdução: premissas históricas do debate, 189 5.2 A relação direito material e direito processual na perspectiva da ação e sua superação pelo processo como discurso prático do caso especial, 195 5.2.1 Síntese das teorias abstrata-monista e dualista da ação e apresentação da teoria instrumental, 195 5.2.2 Crítica da essencialidade da ação de direito material para compreensão das relações entre direito e processo, 196 5.2.3 Teoria da circularidade dos planos: a prevalência do processo como logos argumentativo sobre a ação, para explicar as relações entre direito e processo, 201 5.3 A crítica de Pontes de Miranda ao caráter instrumental do direito processual, 204 5.4 A crítica de Galeno Lacerda ao processo como adjetivo e como direito formal, 207 5.5 Alternativa de solução para o impasse: a mudança de perspectiva e a influência do moderno constitucionalismo e da principiologia na relação direito e processo, 209 5.5.1 Remédios precedem direitos: a precedência das ações como direito cívico (status activus processualis) aos direitos na tradição da common law e no período clássico (legis actiones e per formulas) do direito romano, 209 5.5.2 Os planos do ordenamento jurídico: a orientação unitária, a orientação dualista e a teoria circular dos planos, 213
  • 8. 5.5.3 Os novos influxos da teoria do direito: principialização do direito e o "retorno material" da sentença, 214 Sumário ix 6 A Fragilização do Sistema Codificado e a Jurisprudência como Fonte Primária do Direito, 218 6.1 Um rapidíssimo bosquejo da formação e das fontes do direito (em geral) e do direito brasileiro (em particular), 218 6.2 Hipermodernidade, pós-positivismo e a aproximação das tradições jurídicas: a quebra da moldura paradigmática, 227 6.3 Fragilização virtuosa e não virtuosa: o sistema codificado em xeque e o ressurgimento de uma normatividade emancipatória, 230 6.4 A jurisprudência como fonte primária do direito (súmulas vinculantes, decisões do Supremo Tribunal Federal com efeito vinculante e jurisprudência dominante dos tribunais): a recepção do stare decisis mitigado no direito brasileiro, 233 Conclusão, 243 Referências, 249
  • 9. Prefácio à 1 ª Edição A "ciência normal" toma como objeto do seu estudo realizações científicas passadas, reconhecidas de maneira mais ou menos duradoura por alguma comunidade científica específica, capazes de proporcionar fundamentos para sua prática posterior. Geralmen­ te, os livros expõem o corpo da teoria aceita, ilustram suas aplicações e compõem essas aplicações com observações e experiências exemplares. Esses elementos estabelecem o que Thomas S. Kuhn denominou de "paradigma", um termo estreitamente relacionado com "ciência normal". É claro que mesmo quem se aventura a repensar um paradig­ ma não pode prescindir do saber anterior: o homem é um animal histórico, ou como afirmado por Umberto Eco, em Onome darosa, os livros sempre falam de outros livros. Essas considerações logo me vieram à mente quando, na qualidade de orientador, refleti a respeito do projeto e na releitura da versão final da tese de doutorado de Hermes Zaneti Júnior, que hoje vem a lume em forma de livro. E isso porque a obra do jovem jurista propõe-se a repensar o modelo do processo civil brasileiro, à luz de mudanças paradigmáticas, tanto na lógicajurídica e na maneira de encarar o processo, quanto na influência da Constituição de 1988 sobre a atividade jurisdicional. Até pouco tempo atrás se poderia afirmar, sem medo de errar, que o paradigma do processo civil brasileiro exibia como palavra-chave o instrumentalismo: a técnica do processo deveria servir à realização do direito material. Mesmo uma evolução pos­ terior desse modo de pensar, que introduziu no debate novos fins sociais e políticos do processo e o valor da efetividade, não mudou radicalmente os termos do problema. Hoje, porém, em que o processo é encarado como fenômeno cultural, destinado a ser­ vir àjustiça do caso, informado por valores constitucionais, especialmente a segurança e a efetividade, impregnado de participação, a ser exercida com lealdade e boa-fé por todos os que nele se integram, com um contraditório renovado, convém reexaminá-lo com outros olhos e com outro método.
  • 10. Xii AConstitucionalizaçãodoProcesso • ZanetiJúnior A tese de Hermes ZanetiJúnior insere-se, sem dúvida, nessa nova perspectiva. Em ampla análise do fenômeno processual brasileiro, começa ela por dar força à perspecti­ va constitucional, em que assume papel relevante e de destaque o conceito de Estado Democrático de Direito. Assentado esse pressuposto, propõe-se a incursionar na nova racionalidadejurídica decorrente da lógica tópica, e nas relações entre direito e política, ou entre direito e poder. A constitucionalização implica uma outra racionalidade, es­ pecialmente porque introduz a norma principal e as cláusulas gerais a exigirem maior atividade criativa dojuiz e participação mais aguda das partes na construção da decisão. Tudo isso passa a reclamar um retorno ao juízo, partindo-se da constatação histó­ rica de que predominava, entre os séculos XII e XVI, o iudicium sobre o processus, in­ vertidos os termos do problema com a ascensão do racionalismo e a interferência do príncipe no ordenamento judicial. O novo panorama se espraia sobre a prova, sobre o procedimento e notadamente sobre a atividade dos participantes do feito, a mostrar a necessidade de intensificação do diálogo judiciário e do princípio da colaboração ou da cooperação. Dessa forma, o retorno ao iudicium, aí preconizado, propõe-se a resgatar a legitimidade da discussão e emprestar ao contraditório uma nova dimensão, muito mais ampliada do que no paradigma anterior, encontrando esteio, mais uma vez, no Estado Democrático de Direito. Em semelhante contexto, o contraditório, como par­ ticipação efetiva na realização da prova e na construção da decisão, passa a ser o valor fundamental do processo democrático, e a cooperação, sua matriz substancial. Todas essas ponderações levam em conta, além disso, não mais a lógica do positivismo, mas a da tópica. E como o papel criador do juiz é magnificado, fragilizando o direito ma­ terial, Zaneti repensa as relações entre direito material e processo, preconizando para a solução dessa questão fundamental uma teoria circular dos dois planos, um interfe­ rindo sobre o outro, dialeticamente. Não faltará certamente quem diga com certo desdém, principalmente aqueles que só pensam na técnica, tratar-se de pura filosofia. Mas a esses espíritos mais práticos pode-se responder, com Heidegger, que toda ciência é filosofia, quer ela o saiba e o queira, quer não, porque dela extrai a força da sua essência. E o importante, acrescen­ to, é ter a coragem de ir à essência. Trata-se de contribuição altamente significativa para o estudo do processo na nova perspectiva do formalismo valorativo, que engrandece as letras jurídicas brasileiras e que alcançará, sem dúvida, grande sucesso editorial. Obrou, pois, com inteiro acer­ to a qualificada banca examinadora do concurso, integrada pelos eminentes juristas Flávio Luiz Yarshell, Ingo Wolfgang Sarlet, José Maria R. Tesheiner, Luiz Guilherme Marinoni e Rui Portanova, ao atribuir-lhe summa cum laude, consagrando assim o pri­ meiro doutor em processo civil da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Prof essor Dr. Carlos Alberto Alvaro de Oliveira Titular de Direito Processual Civil dos Cursos de Graduação e Pós-graduação da Faculdade de Direito da UFRGS
  • 11. Introdução à 2ª Edição Este trabalho exigia um novo título. A versão anterior não foi bem compreendida por força de uma atávica permanência do paradigma constitucional estrangeiro no Brasil. Muitos leitores entenderam no título anterior, Processo constitucional, uma indicação de temas processuais versantes unicamente sobre o controle de constitucionalidade, especialmente o controle concentrado. A proposta era exatamente o oposto. Este trabalho é fruto da tese de doutorado do autor, que obteve a distinção summa cum laude pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. A ideia se expressa melhor no novo título, desta segunda edição, A constitucio­ nalização do processo, pois visa demonstrar nossa tradição processual em sua vertente constitucional e, assim, sua implicação em todos os institutos processuais. A questão fundamental do controle de constitucionalidade, de fundamental impor­ tância, é só lateralmente enfrentada, na medida em que descreve o caminho iniciado em 1890, com o Decreto 848 que disciplinava ajustiça Federal no Brasil, e se conforma na atual Constituição e suas emendas. O livro pretende ser, portanto, mais profundo em sua proposta e mais agudo em sua crítica. O debate incide fundamentalmente sobre o modelo processual brasileiro, sua cons­ tituição histórica e seu devenir no quadro das mudanças paradigmáticas da justiça no longo século XX. Especialmente, pelo advento da teoria dos direitos fundamentais e do constitucionalismo de terceira geração. O conteúdo desta edição foi ampliado e revisto, acrescido da experiência italiana do autor e do contato direto com os Profs. Luigi Ferrajoli e Sergio Chiarloni, respec­ tivamente nas Universidades de Roma Tre e Torino, durante o soggiomo de pesquisa ocorrido entre outubro de 2009 e abril de 2010.
  • 12. 2 AConstitucionalizaçãodoProcesso • Zaneti Júnior Esperamos que a mudança de título possa melhor traduzir seu conteúdo e fomen­ tar, com as devidas atualizações, novas perplexidades nos leitores. As críticas e observações serão sempre e muito bem recebidas. Hermes Zaneti]r. Professor Adjunto nos Cursos de Graduação e Pós-Graduação Stricto Sensu (Mestrado) da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) zaneti.ez@terra.com.br
  • 13. Introdução O presente estudo teve, como tema inicial, título da tese de doutorado que serve de base para o livro que agora se publica, A constitucionali zação do processo: a virada do paradigma racional e político no processo civil brasileiro do Estado Democrático Cons­ titucional. Seu objetivo principal destina-se a investigar a tradição processual híbrida do processo civil brasileiro, um processo constitucional ligado à tradição norte-americana da common law e um processo infraconstitucional ligado à tradição romano-germânica. A hipótese principal consiste, portanto, na verificação da afirmação de que a nos­ sa tradição jurídica processual é híbrida (tradição constitucional predominantemente de common law e tradição infraconstitucional predominantemente de direito romano­ -germânico) e se mostra mais apropriada para a solução dos atuais problemas que se apresentam no estudo e na aplicação do direito processual, com vistas à institucio­ nalização de procedimentos mais democráticos para a tomada de decisão no Estado Democrático Constitucional Brasileiro. Deste caldo surge um modelo processual par­ ticularizado, resultando no processo constitucionalizado, um modelo constitucional do processo civil brasileiro. Identificar um modelo não basta, o texto se propõe a descrever suas aptidões e conflitos internos, procurando ressaltar os caminhos mais concordes com os objeti­ vos constitucionais. Dentre os motivos que geram reflexões sobre essa problemática, constata-se a ação descompassada da teoria e da prática jurídica com essas mudanças. Por um lado, há vinculação forte de setores da doutrina e juristas do direito pro­ cessual com um direito material preestabelecido, mesmo sabendo que hoje esse direito material expressamente depende, em grande parte dos casos, de uma afirmação de seu conteúdo pelo Poder Judiciário (cláusulas abertas e princípios). Também na mesma seara ocorre a resistência dos juristas em enfrentar debates de natureza política, com uma expressa disposição para restringir o direito jurisprudencial e doutrinário apenas ao momento estático e o Poder Judiciário a um órgão reativo que só atua frente a uma
  • 14. 4 AConstitucionalizaçãodoProcesso • Zaneti Júnior provocação autorizada em abstrato pela lei, desde que essa provocação esteja adequada a umaf attispecie especificamente prevista. Em outra compreensão desse movimento, o PoderJudiciário brasileiro, em algumas temáticas, a exemplo dos direitos sociais decorrentes do mínimo existencial, do direito ambiental e dos direitos do consumidor, atua fortemente por meio de mandados de segurança, de ações diretas de inconstitucionalidade, de ações de improbidade admi­ nistrativa, de ações civis públicas etc., para controlar as atividades da Administração e dos particulares, adequando-as aos direitos fundamentais propostos pela Constituição. Controlando aquilo que a doutrina chamou com grande felicidade de "poderes selva­ gens" do mercado e do Estado. Fica clara, assim, uma contraposição entre um modelo hierárquico (em que a lei e o juiz que a ela está vinculado são o vértice do sistema) e um modelo coordenado (em que as tarefas são divididas entre os sujeitos do processo - autor, juiz e réu - em contraditório, de forma a identificar o problema e fornecer a solução mais justa) para os debates judiciais. Conforme tenha optado por uma ou outra visão, o jurista permitirá uma atividade mais ou menos ativa do Poder Judiciário e um papel mais ou menos importante das partes no debate judicial. A questão levantada é que nenhuma ótica centrada exclusivamente no indivíduo, como centro de toda a liberdade jurídica, ou no Estado, como representante máximo do bem comum, poderá assegurar o processo justo. De um lado, ter-se-á a velha fórmula do laissez-faire e, de outro, o Estado tendencialmente totalitário. O Estado Democrá­ tico Constitucional representa a passagem dessa virtual contraposição entre o Estado Liberal e o Estado Social, indicando um modelo pluralista e participativo de gestão da democracia. Não só oJudiciário toma parte nesse processo, também são chamadas to­ das as demais instâncias de poder, estatais ou não. Aí entra a necessidade de demodi­ versidade, ou seja, vários meios institucionalizados e abertos para a institucionalização e a participação do indivíduo e da sociedade na formação dos atos decisórios que irão intervir na sua realidade cotidiana. A relevância social e científica da pesquisa está em preparar o direito processual para a institucionalização de práticas democráticas no desenvolvimento das contro­ vérsias judiciais (máxima cooperação), bem como demonstrar a riqueza híbrida da tradição constitucional e infraconstitucional brasileira e as potencialidades de van­ guarda institucional (políticas e jurídicas) que são descortinadas no quadro do Estado Democrático Constitucional. A doutrina reconheceu, justamente nessa característica, o constitucionalismo brasileiro como um modelo privilegiado de "constitucionalismo de terceira geração". A engenharia constitucional brasileira nos permitiu esse avanço graças à criação de instituições de garantia, primárias e secundárias, das quais é exem­ plo destacado o Ministério Público brasileiro. Desmistificar-se-ão, assim, a natureza privada do direito processual civil e a natureza secundária dajurisprudência, revelando seu caráter de direito público e de fonte primária do direito em solo pátrio.
  • 15. 1 O Estado da Questão: o Histórico Constitucional do Processo Civil Brasileiro e a Conformação do Processo CivilAtual "A Constituição pretende ser, no direito moderno, uma forma legalista de superar o legalismo, um retorno ao jusnaturalismo com os instrumentos do positivismojurídico. Um retorno, porém, que é também consciência da superação dos velhos esquemas jusnaturalistas: de um direito natural entendido como absoluto e eterno (e, portanto, imóvel) valor, a um jusnaturalismo histórico, direito natural vigente; um fenômeno, como cada um vê, perfeitamente paralelo ao da passagem da metodologia apriorísti­ co-dedutiva de um abstrato universalismo, à superação das últimas fases nacionais do positivismo, através dos instrumentos realísticos-indutivos do método comparativo." Mauro Cappelletti1 1.1 A formação do processo civil brasileiro na perspectiva constitucional: da recepção do direito norte-americano à Constituição de 1988 No estudo do direito processual civil, é preciso ter sempre presente as suas rela­ ções com os outros ramos do direito e delas cuidar com toda a atenção necessária. O caráter dos diversos ramos do direito - direito civil, direito administrativo, direito do consumidor, direito processual etc. - configurado por seus objetos específicos e nature­ za intrínseca justifica o seu tratamento separado e autônomo. Porém, essas distinções são apenas características constitutivas de uma unidade na qual esses diversos ramos estão imersos, ligados por um princípio de coerência que lhes garante uma não cindibi­ lidade do todo indivisível. Destarte, na sua aplicação, esses ramos estarão sempre, em maior ou menor escala, correlacionados dentro do ordenamento jurídico de um país. 1 Mauro Cappelletti, O controlejudicial de constitucionalidade das leis no direito comparado. Tradução de Aroldo Plínio Gonçalves. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1984, p. 130.
  • 16. 6 AConstitucionalizaçãodoProcesso • Zaneti Júnior Contudo, dentre os diversos ramos do direito, sobreleva a importância do direito constitucional, porque ele representa o centro dessa unidade,2 "o tronco comum do qual os vários ramos partem e do qual trazem a sua seiva vital",3 principalmente quando se fala de direito processual, em que o enquadramento no direito constitucional tem relação direta com a função do Estado de prestar a jurisdição, o exercício do "poderju­ risdicional que ao Judiciário vem atribuído".4 Essa assertiva se revela verdadeira, tanto em sensoformal como substancial (mate­ rial), porque o direito constitucional regula aformação das normas5 e é dele que todas as normas adquirem a suajurisdicidade (sentido formal). Por exemplo, a possibilidade de impugnar-se, via controle de constitucionalidade, o vício formal de iniciativa de uma norma (e, portanto, uma falha no processo legislativo). O direito constitucional tam­ bém regula, nos seus aspectos fundamentais, as posições das pessoas individuais e as posições coletivas decorrentes das relações dos grupos sociais e dos Poderes Públicos com indivíduos e sociedade. Dessa forma, o direito constitucional constitui a matriz na qual os diversos ramos do direito buscam a orientação e a fonte que serão especificadas nas normas ordinárias (sentido material). Para além da validade formal, a Constituição apresenta hoje um outro elemento ordenador. A unidade da Constituição está presente na sua unidade argumentativa, um remédio aos efeitos destrutivos e desagregadores dos excessos legislativos contem­ porâneos. Dessa forma, a Constituição deve ser entendida como um direito superior, vinculativo inclusive para o legislador. Mas não só, o seu mais importante aspecto está na presença simultânea de regras, princípios, direitos fundamentais e justiça como ele­ mentos mínimos, agregados pela exigência extra de adequação e razoabilidade entre o caso concreto e a lei; em certa medida, é um retorno aos juízos de equidade. Esse direito constitucional é o núcleo e o conteúdo da Constituição, o que garante a sua dinâmica e a sua estabilidade; em uma palavra, a unidade da Constituição no Estado De­ mocrático e Pluralista.6 2 Para Hans Kelsen, em passagem clássica, a Constituição representa o fundamento de validade de todas as normas: "É a norma fundamental que constitui a unidade de uma pluralidade de normas enquanto representa o fundamento de validade de todas as normas pertencentes a essa ordem normativa" (Teoria pura do direito. 2. ed. Coimbra: Arménio Amado, 1962. v. 2, p. 4). 3 "II diritto costituzionale rappresenta il centro di questa unità, il tronco comune da cui i vari rami si dipartano e da cui traggono la !oro linfa vitale" (Enrico Tullio Liebman, Diritto costituzionale e processo civile, Rivista di Diritto Processuale, v. 7, 1952, p. 328). 4 Essa percepção aguda foi esposada porJosé Frederico Marques, de forma pioneira, em um dos textos mais relevantes produzidos no cenário nacional para o estudo da matéria (Ensaio sobre ajurisdição voluntária. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1959. p. 18). 5 Deve-se precisar o sentido. Substitui-se a expressão "lei" por "norma". A razão é simples, pois uma das pretensões deste trabalho é justificar a potencialidade normativa da jurisprudência no sistema do stare decisis e abrir espaço para a aceitação dojudge-made law no nosso ordenamento. 6 Gustavo Zagrebelsky, II diritto mite: legge, diritto, giustizia. Torino: Einaudi, 1992, p. 45-50 e 208 e ss.
  • 17. O Estadoda Questão:o HistóricoConstitucional do ProcessoCivil Brasileiroea Conformação do ProcessoCivilAtual 7 Assim, também o direito processual (como ciência) depende dessa matriz.7 Por exemplo, se a Constituição fala em igualdade formal e substancial, não pode o processo determinar privilégios que atentem contra essa igualdade;8já vai longe o direito reino! que permitia ao rei, porque senhor do direito, a concessão de privilégios processuais. Consequentemente, precisa ser reafirmada a noção de que o Código de Processo Ci­ vil e as leis extravagantes deprocesso não são nada mais, nada menos, do que "as leis que regulamentam agarantia constitucional dejustiça contidana Constituição",9 já que a Consti- 7 Contra, entendendo que é o direito processual que traz aporte ao direito constitucional, manifesta-se Renzo Provinciali: "La dimostrazione della natura processuale degli istituti sin qui considerati, esclude qualunque apporto della scienza dei diritto costituzionale alia scienza dei diritto processuale" (Norme di diritto processuale nella Costituzione Milano: Giuffre, 1959, p. 194). O autor afirma que, na verdade, o direito processual é que influencia o direito constitucional, e não o contrário. Aduz, como mitigação da tese, que, em verdade, os vários ramos do direito se interpenetram e complementam, sendo de utilidade apenas didática a sua distinção, uma vez que o direito é uno em sua essencialidade (ibidem, p. 194-195). Conclui com a seguinte crítica aos que pretendem analisar o processo a partir da Constituição: "Pretendendo di cogliere gli aspetti costituzionali dei diritto processuale (come, inversamente, tentando di cogliere gli aspetti processuali dei diritto costituzionale), si vien meno alia considerazione unitària dei diritto, quale sopra affermata; si attenta alia natura têcnica degli istituti dei diritto processuale, pretendendo di animarli con uno spirito politico, che, ai contrario, non puà appartenere che alia politica legislativa o, se mai, al diritto costituzionale" (ibidem, p. 195). Entende-se assim que a visão do autor está de todo equivocada na direção inicial, como bem evidenciado no parágrafo transcrito, qual seja a adoção de uma racionalidade asséptica da sentença como norma, distante da formação, da criação do direito por meio dela. Consequentemente, atribui os atos "políticos" apenas à esfera legislativa e reconduz o direito constitucional a um lugar privilegiado entre a política e o direito, longe da dogmática efetiva. s Veja-se a crítica de Cândido Rangel Dinamarco aos privilégios da Fazenda Pública e do Ministério Público em juízo (Instituições de direito processual civil. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2004, v. 2, p. 291). De outra sorte, observe-se a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal sobre "lei ainda constitucional" (RE nQ 341717, Informativo STF, nQ272; e AG nQ 482332, Informativo STF, nQ 346) e a alteração de posicionamento do Supremo quanto à intimação do Ministério Público (HC nQ 83255). Dessa última, transcreve-se um trecho do julgado: "Descabe o tratamento desigual, assentando-se que os processos, após a entrada no setor próprio do Ministério Público, podem permanecer na prateleira aguardando que o titular da ação penal delibere, quando melhor lhe aprouver, sobre a fixação do termo inicial do prazo para desincumbir-se de certo ônus processual. Significa afirmar que só corre o prazo recursai quando, de acordo com a conveniência própria, o integrante do Ministério Público lance no processo a ciência.Esse entendimento não se coaduna com a ordem natural das coisas, com a natureza do prazo recursai, com a paridade de armas que deve ser observada no trato da acusação e da defesa [...] A duplicidade de enfoques resolve-se por meio de interpretação mais adequada com o princípio básico do processo que é o da isonomia de tratamento das partes. Daí a procedência do inconformismo demonstrado. Diante do exposto, concedo a ordem, para consignar a intempestividade do recurso especial interposto pelo Ministério Público, ficando, por conseguinte, restabelecido o acórdão nessa via impugnado" (STF-HC nQ 83.255, rei. Min. Marco Aurélio, Informativo STF, n2 328). 9 EduardoJuan Couture, Las garantías constitucionales dei proceso civil. ln: Estudios de derecho procesal civil. 3. ed. Buenos Aires: Depalma, 1998. v. 1, p. 17-67. No mesmo sentido: "Lo studio degli istituti dei processo, se viene compiuto ignorando o trascurando il collegamento con gli altri rami dei diritto e in particulare col diritto costituzionale, diventa un tedioso e sterile computo di formalittà e di termine; esso acquista invece il suo vero significato e si arriscchisce di motive ben a/trimenti importanti, quando vegna inteso come lo studio dell'indispensabile apparato di garanzie e di modalità di esercizio, stabilito per la difesa dei fondamentali diritti dell'uomo, nel rigore della disciplina necessaria di una pubblica funzione" (Enrico Tullio Liebman, Diritto costituzionale e processo civile, cit., p. 329). No texto, Liebman ressalta o valor do estudo de Couture pela fusão que o mesmo efetuou entre o direito constitucional norte­ americano e o processo civil continental, ao mesmo tempo em que faz uma prédica ao estudo dessas relações (Enrico Tullio Liebman, Diritto costituzionale e processo civile, cit., p. 332). O presente trabalho, como já foi
  • 18. 8 AConstitucionalizaçãodoProcesso • Zaneti Júnior tuição pode ser estudada de acordo com as garantias que apresenta frente ao arbítrio do Estado, garantia essa de que o exercício dos poderes estatais não lesionará direitos individuais e coletivos.1º Assim, o estudo das relações entre o processo e a Constituição revela-se como o caminho que deverá permitir o reconhecimento no processo, não somente de um instru­ mento dejustiça, mas também um instrumento de liberdade.11 É oportuno frisar que são temas que têm relação com essa visão de processo: a necessária aproximação entre di­ reito processual e direito material, dentro da moldura constitucional; ajudicial review; a criação da norma pela jurisprudência (judge-made law); a superação dos paradigmas de processo civil "moderno",12 de um processo técnico, individual eprivado para um pro­ cesso compreendido comof enômeno depoder, social e coletivo; a consequente valorização das tutelas diferenciadas; a necessidade de abertura para a adequação do processo em seu curso; a efetividade como corolário do acesso àjustiça; e o devido processo legal subs­ tancial como forma de controle do "correto" exercício do "poder" dejulgar (razoabilidade e proporcionalidade nas decisões judiciais).13 Essa apertada síntese pretende alertar o leitor para além dos fenômenos mais ime­ diatos que envolvem as relações entre processo e Constituição. O que se quer é salientar a necessidade de coerênciaprática, na vidajurídica, na aplicação de algunspreceitos do que se poderia chamar de constitucionali zação doprocesso, apresentada mais adiante como uma nova visão do direito processual constitucional, considerado como toda a inter f erência da Constituição nas noções dejurisdição, ação e processo, ou seja, uma introdução ao estudo do processo civilemvinculação com aunidade daConstituição,14 não só na perspectiva dos prin­ cípios, mas também da jurisdição constitucional lato sensu Gurisdição constitucional ressaltado, visa a recuperar esse insight, fica na esperança do autor poder chegar a resultado válido em tema tão rico e relevante. 10 Nessa perspectiva tem sido usado o termo "constitucionalismo" (Nicola Matteucci, Organización de/ podery libertad: historia dei constitucionalismo moderno. Presentación de Bartolomé Clavero; traducción de Francisco ]avier Ansuátegui Roig y Manuel Martínez Neira. Madrid: Trotta, 1998, p. 23). Sobre as acepções possíveis do constitucionalismo e do neoconstitucionalismo, quer na dimensão teórica (teoria geral do direito, teorias explicativas e justificativas desse novo estado de coisas), quer nas mudanças práticas já ocorridas no âmbito do Estado Democrático Constitucional (operatividade dos conceitos já modificados), ou ainda nas sugestões de iure condendo (como deveria ser o Estado Democrático Constitucional) ver: Miguel Carbonell (Org.), Neoconstitucionalismo(s). 2. ed. Madrid: Trotta, 2005 (com textos de de Luigi Ferrajoli, Robert Alexy, Ricardo Guastini, Paolo Camanducci e Luis Pietro Sanchís, entre outros). 11 Enrico Tullio Liebman, Diritto costituzionale e processo civile, cit., p. 329. 12 "Moderno", assim entre aspas, no sentido de pertencente aos séculos XIX e XX. Portanto, relativo ao paradigma liberal-burguês, contrapondo-se ao "hipermoderno", contemporâneo ou "pós-moderno". 13 Importante: não se tratade uma correção objetiva (seria um retrocesso de séculos no percurso democrático), mas da "pretensão de correção" (Robert Alexy; Eugenio Bulygin, La pretensión de corrección de/ derecho: la polémica sobre la relación entre derecho y moral. Bogotá: Universidad Externado de Colombia, 2001, esp. p. 107-108 e 114-115). 14 Para uma noção similar, contudo denominada de "teoria geral do processo" constitucional, ver Marcus Orioni Gonçalves Correia, Direito processual constitucional. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 3.
  • 19. O Estadoda Questão:o HistóricoConstitucional do ProcessoCivil Brasileiroea Conformação do ProcessoCivilAtual 9 das liberdades e controle de constitucionalidade) e da organização judicial e funções essenciais da Justiça. O leitor precisa, antes de mais nada, atentar para a peculiar lógica do processo. A inserção do direito processual em umaperspectiva constitucional implica a necessária coordenação entre duas diversas exigências de fundo, a exigência de correçãof ormal e a dejustiça substancial.15 Estudos já clássicos fizeram entender a complexidade das relações entre a vida prática e a atuação do direito no âmbito judicial.16 O processo como cultura,17 a in­ fluência da ideologia nos institutos de processo18 e a riqueza da prática forense sempre instigaram a mentalidade do jurista do direito processual, forçado a conciliar o incon­ ciliável, a "lei e a vida".19 O jurista do direito material, em razão da incompreensão, ou talvez da má aplicação dos institutos processuais, imagina o processo como uma quimera formalista.20 O mais 15 Como advertido em clássico da matéria: "Quella della correttezza formale e quella della giustizia sostanziale" (NicoloTrocker, Processo civile e costituzione: problemi di diritto tedesco e italiano. Milano: Giuffre, 1974, p. 678). 16 Como explicitamente ressalta clássica passagem de Pontes de Miranda, a dicotomia entre a lei (direito material) e a vida: "Já frisamos que os juristas-civilistas, restritos, acertadamente, aos conceitos do direito civil (material), somente veem os resultados da sentença, que diga ser 'nulo' o casamento, ex tunc, e têm o casamento 'como se' nunca tivesse existido. O trágico, para eles, é quando, atendendo à sentença injusta, são sujeitos a raciocinar com ela, que- segundo tal suposição de nunca ter sido (nulidade = inexistência) - morde a realidade jurídica. Ojurista do direito material é um homem que ingenuamente crê em que as sentenças serão, todas, justas, em que a aplicação corresponde sempre, com a sua extensão, à incidência. Mas essa ingenuidade ele a herda do legislador do direito material - essa ingenuidade não a tem o legislador do direito processual, que legisla já ciente da discórdia e da imperfeição humanas. A velha antinomia do abstrato e do concreto, da irracionalidade irredutível, do contínuo e do descontínuo, da lei e da vida" (Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda, Tratado das ações, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1970, v. 1, p. 208 - sem grifo no original). Assim também Tucci, que cita tal característica como a cisão natural entre a precisãoformal e a justiça substancial: "É nesse conflito dialético entre exigências contrapostas, não obstante igualmente dignas de proteção, que são inseridas as garantias constitucionais do processo nos ordenamentos jurídicos dos Estados democráticos modernos" (Rogério Lauria Tucci; José Rogério Cruz e Tucci, Constituição de 1988 e processo: regramentos e garantias constitucionais do processo, São Paulo: Saraiva, 1989, p. 3). 17 Galeno Lacerda, em artigo pioneiro, foi o primeiro processualista nacional que identificou essa ligação; afuma o ilustre processualista: "Se no processo se fazem sentir a vontade e o pensamento do grupo, expressos em hábitos, costumes, símbolos, fórmulas ricas de sentido, métodos e normas de comportamento, então não se pode recusar a esta atividade vária e multiforme o caráter de fato cultural" (Processo e cultura. Revista de Direito Processual Civil, v. 2, nº 3, jul./dez. 1961, p. 75). 18 CarlosAlbertoAlvaro de Oliveira, Procedimento e ideologia no direito brasileiro atual. Revista daAssociação dos juízes do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, ano 12, nº 33, p. 79-85, mar. 1985; Mauro Cappelletti, Proceso, ideologias, sociedad. Traducción de Santiago Sentís Melendo; Tomás A. Banzhaf. Buenos Aires: EJEA, 1974. 19 Francisco Cavalcanti Pontes deMiranda, Tratado das ações, cit., p. 208 (conferir acima, nota 16, a passagem integral). 20 Outro é o sentido e o conceito de "formalismo-valorativo" como método de pensamento e garantia do jurisdicionado (CarlosAlberto Alvaro de Oliveira, Doformalismo no processo civil.2. ed. rev. e acrescidade apêndice, São Paulo: Saraiva, 2003, p. 6; Daniel Francisco Mitidiero, Processo e cultura: praxismo, processualismo e formalismo em direito processual. Cadernos do Programa de Pós-Graduação em Direito - PPGDir/UFRGS, nsi 2, p. 101-128, set. 2004, p. 108.
  • 20. 1 O AConstitucionalizaçãodoProcesso • Zaneti Júnior notável fruto dessa visão é o mito que se desenvolveu no curso da história recente: o de que o processo é algo complexo, sofisticado, inatingível e de duvidosa logicidade,21 visto que recheado de exceções. Bom processualista seria, nesse entendimento, aquele que, com mais agudeza, consegue decorar as exceções da lei e suas peculiaridades (sic). Essa visão não é a do processualista contemporâneo, antes se poderia chamar esses talentososjuristas, que com prodigiosa memória decoram fórmulas, particularidades e exceções, de "procedimentalistas", de experts em "procedimento", posto em abstrato e desvinculado da perspectiva teleológica, instrumental do processo. Ora, o que mais impressiona é que o direito deve ser acessível a todos e a qualquer hora; para tanto, o iluminismo exigiu clareza e publicidade na redação da lei, "a lei deve ser acessível a todos e a qualquer hora".22 Contudo, ao contrário das pretensões racionalistas de autonomia do homem, as sociedades foram se tornando complexas, de tal sorte que os especialistasfeudali zaram seu conhecimento, uma espécie de Idade Mé­ dia dos técnicos, deixando o cidadão no mais completo obscurantismo, servo da "razão técnica". Nesses feudos, alguns técnicos em particular, quer pelo poder que lhes era conferido pelo Estado (legisladores e juízes), quer pela maior habilidade linguística, já que direito é comunicação de ideias (doutrina e advogados altamente qualificados), impuseram um modelo rígidopara não pensar o direito. O objetivo daqueles esforçados juristas hoje está claro: a segurança jurídica tout court. Conforme anotam François Ost e Mark Van Hoeck, a sistematização perpetra­ da pela "Idade dos Códigos", tanto na Alemanha (Escola Histórica) quanto na França (Escola da Exegese), esgotou a capacidade criativa dos juristas da época. Fixados no intento de criar o "direito perfeito", desproveram os juristas contemporâneos de qual­ quer espaço criativo.23 Em verdade, o paradigma moderno - paradigma legalista -, na tentativa de "cien­ tifizar" o direito, acabou por abdicar de sua cientificidade histórica, a cient ificidade da espiral evolutiva da história do di reito, das marchas e contramarchas. A ciência dos jurisconsultos romanos era uma ciência jurídica de valores e de aporias em que o di­ reito era do interesse de todos os cidadãos, colocando normas e técnicas a serviço do 21 Contribuem para essa visão algumas reformas legislativas e a sua aplicação aos tribunais, de forma desvinculada da realidade dos fatos e da justiça substancial, com raciocínios apriorísticos e de cunho eminentemente formalista, aqui como negativa desubstância, formalismo não virtuoso (CarlosAlbertoAlvaro de Oliveira, Efetividade e processo de conhecimento. Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, v. 16, p. 7-19, 1999). São exemplos dessa realidade o complexo procedimento para interposição do agravo de instrumento perante os tribunais de segunda instância (no que tangeà diversidade deentendimentos quanto aos requisitos de admissibilidade do instrumento mesmo) e a aplicação generalizada dos poderes do relator no julgamento dos recursos pelos mesmos tribunais. 22 Franz Kafka, Oprocesso, 6. ed. Tradução deModesto Carone. São Paulo: Brasiliense, 1995,p. 231. No Brasil, esse é o teor expresso da Lei de Introdução ao Código Civil: "Artigo 3g Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece" (Dec.-Lei nQ 4.627/42). 23 François Ost; Mark Van Hoeck, Legal doctrine in crisis: towards a european legal science, Legal Studies, v. 18, p. 197-215, 1998. Também: Cha!m Perelman, Lógicajurídica. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
  • 21. O EstadodaQuestão:o HistóricoConstitucional do ProcessoCivil Brasileiroe a Conformação do ProcessoCivilAtual 11 Estado e abandonando a causa dojusto.24 São apenas os preconceitos filosóficos racio­ nalistas da primeira modernidade que impedem o retorno a essa concepção de ciência do dire ito, que é também a concepção de muitos juristas atuais.25 O que se pretende demonstrar neste livro diz respeito a uma viragem, a uma al­ teração de cento e oitenta graus na visão do direito processual, surpreendente princi­ palmente para aqueles que não estudaram o processo em suas raízes, visto que para a ciência processual, essa visão, pelo menos em grandes linhas, era a mais aceita e ado­ tada no último quartel do século X.X.26 Ocorre que o direito processual é ciência nova, conta commenos de cento e cinquen­ ta anos de autonomia do dire ito material,27 circunstância que limitou a difusão desses novos paradigmas de processo aos estudiosos do tema; mas agora, com o instrumental técnico legislativo e constitucional que foi posto à disposição de todos os juristas, a vi­ são "moderna" e privatista do processo deve ser completamente abandonada, em prol da efet ividade e da realização dos ideais constitucionais do Estado Democrático de Direito. Emblemáticos de tal necessidade são os fatos históricos a partir do segundo pós­ -guerra, quando surgiram novos direitos sociais e econômicos, agora também partici­ pativos. Portanto, é preciso desmentir a dimensão técnica, socialmente neutra, cega à vida que permeou a interpretação e aplicação do direito. No Estado Democrático de Direito, os valores são a convivência social, a sociedade livre justa e solidária, a parti­ cipação nas decisões, o pluralismo, entendido como pluralidade de ideias, culturas e etnias, e a dignidade do ser humano.28 Importa, antes de mais nada, que o jurista já se tenha liberto da interpretação re­ trospectiva, vício que consiste em apreciar e interpretar novos institutos e mudanças legislativas com olhos na prática anterior do direito.29 Esse vício tem endereço certo, a manutenção da ideologia anterior e do status quo ante. Na verdade, ovalorcerteza (aqui 24 Paraum interessanteperfildessa crítica, ver :François Ost, Júpiter,HérculesyHermes:tres modelosdejuez.Doxa, nº14,p. 169-194, 1993 (Disponívelem : <cervantesvirtual.com/servlet/SirveObras/01360629872570728587891/ cuaderno14/doxal4_11.pdf> e <http://www.cervantesvirtual.com/FichaObra.html?Ref=15938>. Acesso em: 15 fev. 2007). 25 Michel Villey, Law in the liberal arts. Catlwlic University Law Review, v. 14, p. 170, 1965. 26 Cândido Rangel Dinamarco,A instrumentalidade doprocesso, 6. ed., São Paulo: Malheiros, 1998, p. 309-311; Alfredo Buzaid, Considerações sobre o mandado de se gurança coletivo. São Paulo: Saraiva, 1992 (Obra póstuma organizadapor Ada Pellegrini Grinover). 27 A obra deBülowque fundou a "ciência" processual, Teoria das exceções dilatórias e dos pressupostos processuais, vinda a lume em 1868, traça pela primeira vez as distinções entre a relação de direito material e a relação jurídica de direito processual, sendo considerada o marco-zero da ciência processualística. Ver: Oskar Bülow, Exce pciones procesalesy presupuestos procesales. Buenos Aires: Ejea, 1964. 28 Assim, "oEstado Democrático de Direito tem em seu conteúdoprincípios dejustiça social e dopluralismo, devendo realizar-se através da democraciaparticipativa.A Constituição prevê váriasformas de participação, entre elas a ação popular, as ações coletivas e a ação de inconstitucionalidade (essas duas últimas possibilitando a participação através das entidades legitimadas a agir)" (Luiz Guilherme Marinoni, Novas linhas do processo civil. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 23). 29 Sérgio Cavalieri Filho, Programa de responsabilidade civil. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2002.
  • 22. 12 AConstitucionalizaçãodoProcesso • Zaneti Júnior também como segurançajurídica) inerente ao direito da tradição romano-canônica conformou de tal sorte a mentalidade do jurista que será preciso uma verdadeira revolução cultural para se obter a máxima efet ividade que se propõe como valor nascente nessa mutação. Assim, no direito da tradição romano-germânica, a lei representa a segurança contra o arbítrio e, portanto, a ideia de segurança jurídica estaria na legislação por todos co­ nhecida e aplicável a todas as situações da vida. A segurançajurídicafoierigidaa valorsupremo, garantia absoluta em prol da certeza, e a lei sua expressão gramatical, triunfo dos "povos civilizados".30 Essa certeza é a reação ao instável período de pluralismo radical do direito medieval e ao excesso de poder dos déspotas do absolutismo. Não outro era o ideal do Código de Napoleão, que no auge do racionalismo pregava que o juiz é a boca da lei, e que é vedado ao juiz e ao jurista interpretar a lei. Precisamos superar esse complexo de inferioridade; na verdadeflatus voeis no direito brasileiro, por aqui o juiz nunca se limitou à interpretação pura da lei. Para tanto, parafraseando Mauro Cappelletti, é preciso utilizar os direitosfundamentais comoprograma de reformas e método depensamento.31 Assim, deve-se assumir, ratione m.ateriae, o processo como direitofundamental, e ele mesmo tendente à efetividade e a respeitar as posições subjetivas das partes como di­ reitofundamental naparticipação e na formação da decisão.32 Para tanto, a nossa linha de exposição começa a se desenvolver a partir da teoria de recepção constitucional e da sua vinculação com os ideais constitucionais do Es­ tado Democrático de Direito como Estado de participação na gestão do poder estatal. Busca-se assim apontar, no referente ao desenvolvimento histórico, as amarras e as potencialidades para a assunção e manutenção da proposta da "nova democracia"33 brasileira, nascida em 1985, com o fim da ditadura militar. 1 .1 . 1 A recepção constitucional dajudicialreview (o controle de poder no processo constitucional brasileiro) Em 1891, na Constituição Republicana, o Brasil, como República Federativa dos Estados Unidos do Brasil, recepcionou, como a grande parte dos países latino-america- 30 Em síntese, o vigor do pensamento da tradição romano-canônica pode assim ser demonstrado, por hora: "La literatura de la tradición dei derecho civil hace gran hincapié en la importancia de la certezadei derecho. Por supuesto, la certeza es uno de los ob jetivos de todos los sistemas legales, pero en la tradición dei derecho civil ha !legado a ser una especie de valor supremo, un dogma indiscutible, una metafundamental" Oohn Henry Merryman, La tradiciónjurídica romano-canonica. 2. ed. México: Fondo de Cultura Económica, 1989, p. 96). 31 Mauro Cappelletti; Bryant Garth, Acesso à justiça. Tradução de Hellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1988. 32 Esta é a proposta: "Faceta importante a ressaltar é que a participação no processo para a f ormação da decisão constitui, de forma imediata, umaposição subjetiva inerenteaos direitosfundamentais; portanto é elamesma o exercício de um direito fundamental" (Carlos Alberto Alvaro de Oliveira, O processo civil na perspectiva dos direitos fundamentais, in Dof ormalismo no processo civil. 2. ed. rev. e acrescida de apêndice. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 267 - sem grifos no original). 33 Sobre a importância e os reflexos dessa "nova democracia" no conceito de cidadania e na educação, ver: Paulo Ghiraldelli Junior, Filosofia e história da educação brasileira. São Paulo: Manole, 2003, p. 195.
  • 23. O EstadodaQuestão:o HistóricoConstitucional do ProcessoCivil Brasileiroe a Conformação do ProcessoCivilAtual 13 nos, e por influência direta de Rui Barbosa, o direito constitucional norte-americano.34 Ocorreu então uma revolução copernicana em nossas instituições jurídicas, que ainda hoje desenvolve suas potencialidades democratizantes.35 Entre tantas consequências, faz-se referência à Constituição escrita e rígida e à garantia dajudicial review que dela naturalmente decorre no modelo norte-americano, ou seja, a garantia de adequação dos atos de poder e dos atos particulares ao que está preceituado no texto constitucional.36 O PoderJudiciário - nesse quadro - representa o espaço privilegiado para fazer valer os direitos fundamentais (democracia de direitos), reconhecê-los e dar-lhes efetivida­ de. Essa foi a aguda percepção,já no século XIX, de um dos maioresjuristas nacionais: "O que distingue, na essência as declarações de direitos promulgadas nas Cons­ tituições do tipo que a dos Estados Unidos consagrou, das declarações de direitos exaradas em outras Constituições, é a existência, naquelas, dagarantiajudiciária para a sustentação prática e a reivindicação eficaz de cada um dos direitos assim decla­ rados."37 34 RuiBarbosafoio "autor" da Constituição de1891. O texto doprojeto inic ialfoiclarificadoeampliado por Rui, comobemanotou Pedro Calmon: "Poresse documento verifica-se que Barbosa não só foiencarregadoda redação doprojeto final publicadoem nome dogoverno, comoaindalheacompanhou aimpressão, fazendo-lhe profundas modificações nas d iversasprovas que rev iu" (Rui Barbosa,A Const ituição de 1891. Prefácio e rev isão de Pedro Calmon. Rio deJane iro: Ministério da Educação e Saúde, 1946, p. XXXIV - Impressão fac-similar dos orig inais queforam encontrados nacasa de Rui Barbosa. Coleção Obras Completas deRui Barbosa, v. 17, t. 1). Os apensos I (emendas de Rui ao projeto) e II (redação final -projeto do governo prov isório), anotados comaprópria caligrafiade seuautor, denotam, defin itivamente, oacerto da correspondênciaentreRuiBarbosa e o nossoTexto Constitucional de 1891. 35 No sentido contrário, defendendo a tetrapartição dos poderes de Benjamin Constant: "O país involuiu inst ituc ionalmente aos tempos do Espírito das leis, ou seja, mais de cento e c inquenta anos!" (Cezar Saldanha SouzaJún ior, O tribunal const itucional como poder: umanova teoria da div isão dos poderes. São Paulo: Memória Jurídica, 2004, p. 136). 36 Nesse sent ido, a proclamação do jurista norte-americano Hugo Lafayette Black (Justice Black): "É, para mim, damaiorimportânciaque onossopaístenhaumaConstituição escrita [...].A Constituiçãoamer icananãoé nenhumac identehistórico; mas, oprodutoevolutivodalutadohomem, através deeraspassadas, paraproteger­ se contra re is, potentados e governantes tirânicos [...]." (Crença na Constituição, Rio deJaneiro: Forense, 1970, p. 24). E também: "Homens, como Washington,Jefferson, Madison, Ham ilton e Adams, v iram essa fraqueza nos artigos, e sabiam que um governo nac ional, compoderes sufic ientesparaproteger-se e defender-se, tinha que ser estabelec ido, se se queria criar um país verdadeiro. O instrumento que eles e outros empregaram para construir tal país, foi a nossa Constituição escrita. [... ] não apenas porque era necessária uma espécie de acordo entre os Estados, mas também porque era o melhor meio de proteger os direitos da minoria contra a tirania damaioria" (ibidem, p. 27). 37 Rui Barbosa, Comentários à Constituição Federal brasileira. São Paulo: Saraiva, 1934, v. 5, p. 175 (sem grifo no original). Para Rui Barbosa, a disti nção entre direitos e garantias constitucionais decorria da contraposição entre as simples declarações e as disposições destinadas a assegurar as declarações que "emdefesa dos direitos, limitamo poder" (ibidem, p. 181). Não raro, d izia Rui, poderiam estar no mesmo d isposit ivo. Para tanto demonstra, em um quadro sistemát ico, quais os d ireitos e as garantias da Constituição de 1891 (ibidem, p. 182-184). Contudo, cumpre observar que a distinção entre d ireitos e garantias deixa de ser significat iva quando se permite a afirmação de queosremédiosprecedem os direitos.Vigenteessaproposição, nãohaverádireito semgarant ias. Também as garant ias serão direitos.
  • 24. 14 AConstitucionalizaçãodoProcesso • Zaneti Júnior 1 .1 .2 O surgimento do controle do poder do Estado Ao que tudo indica, excetuada a democracia grega, a fonte mais antiga do contro­ le do Poder Público remonta a 1215, à Magna Charta Libertatum, com o surgimento do princípio do devido processo legal,38 o qual, embora apresente diversos contornos his­ tóricos,39 sempre esteve ligado ao controle dopoder. Aos romanos faltava o gênio da coisa pública.40 O estudo do devido processo legal revela que seu "conteúdo só pode ser apreendido em suas concretizações", sendo que qualquer tentativa de fixação ou de­ finição será "mera ilusão tópica". Não obstante, o vetor de seu progresso será sempre o controle do poder.41 Embora nascido na Inglaterra, o princípio do devido processo legal desenvolveu-se principalmente nos Estados Unidos, marcado, pode-se dizer, por duas características. A primeira decorre da evolução da law ofthe land (ou julgamento pela "lei da terra" por um júri constituído pelos seus pares, ou pelo juiz que os substitua) e do his day on court (ou direito de ser ouvido pelo tribunal) e se reveste de um caráter estritamente processual (procedural due process). A segunda, de cunho material ou substantivo (subs­ tantive due process), tomou-se o principal instrumento para o exame da reasonableness (razoabilidade) e rationality (racionalidade) das normase dos atos doPoderPúblico emgeral. Já no contexto do direito português, os primeiros indícios de controle do poder por meios judiciais aparecem nas Ordenações do Reino de Portugal (Afonsinas, Livro III, 38 Sobre a origem do princípio, verAda Pellegrini Grinover, Asgarantias constitucionais do direito de ação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1973, p. 25. Por outro lado, jáa democracia grega previa o nómos como controle do poder üohn Gillissen, Introdução hi stórica ao direito. 2. ed. Tradução de A. M. Hespanha e L M. Macaísta Malheiros. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1995, p. 76). Afirmava Demóstenes no Discurso contra Ti mócrates (335 a. C.): "Nas leis que nos regem, Atenienses, contêm-se prescrições tão prec isas como claras sobretodo o processo a seguir na propositura das le is. Antes de mais, fixam aépoca em que a acção legislat iva é admit ida. Em segundo lugar, mesmo então, não permitem a todo o c idadão exercê-lo à sua f antasia. É necessário por um lado, que o texto seja transcrito e afixado à vista de todos perante os Éponimos; por outro lado, que a le i proposta se aplique igualmente a todos os cidadãos; enfim que as leis contrárias sejam derrogadas; sem falar doutras prescrições, cujaexposição, parece-me, não teria interesse paranós neste momento. Em caso de infracção a uma só destas regras, qualquer c idadão pode denunciá-la" üohn Gillissen, op. c it., p. 78). 39 Ver Miguel Reale, Teoria tridimensional do dire ito: situação atual. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 79-88. 40 "Ao gênio da coisa pública faltou ao Romano juntar a evolução democrática dos Gregos e a preservação da liberdade" (Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda, Comentários ao Código de Processo Civil. Atualização legislativa de Sergio Bermudes. 5. ed. Rio deJaneiro: Forense, 1997, v. 1, p. XVII. Também Max Kaser, para quem "o direito e a jurisdição penal bem como toda a administração do Estado pareciam aos Romanos ser matérias públicas, influenciadas por forças políticas e, por isso, não sujeitas a critérios exclusivamentejurídicos" (Direito privado romano. Tradução de Samuel Rodrigues e Ferdinand Hammerle, Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1999, p. 35). Sobre a influência da filosofia e polít ica grega no d ireito, consultarJohn Gillissen (Introduçãohistóricaao direito, c it., p. 73). Nesse sentido, paraos gregos, anorma,nómos, deliberadapoliticamente pelaassembleiaaparece comocontrole dopoder: "O nómos é sobretudo omeiodelim itaropoderdaautor idade, porque a liberdade polít ica consiste em não ter que obedecer senão à lei. Mas a lei é humana, é laica; já não tem nada de relig ioso, de d ivino" (ibidem, p. 76). 41 Maria Rosynete Oliveira Lima, Devidoprocesso legal. Porto Alegre: SergioAntonio Fabris, 1999, p. 289.
  • 25. O EstadodaQuestão:o HistóricoConstitucional do ProcessoCivil Brasileiroe a Conformação do ProcessoCivilAtual 15 Tít. LXXX; Manuelinas, Livro III, Tít. LXII; e Filipinas,42 Livro III, Tít. LXXII). Res­ salta-se a chamada "apelação extrajudicial" e o "interdito unde vi", os quais, segundo afirma autorizada doutrina,43 seriam os precursores do atual mandado de segurança (Ordenações Filipinas, Livro 1, Tít. LXVI, § 29), instrumento que, entre nós, é espe­ cialmente vocacionado para aquele controle. Voltando à common law, mais exatamente ao direito norte-americano, em 1803, o caso Marbury vs. Madison introduziu uma revolução no sistema estadunidense.44 A partir desse histórico julgamento, a Suprema Corte possibilitou o controle judicial da constitucionalidade das leis e dos atos do Poder Público (judicial review), dando ao Po­ derJudiciário daquele país uma relevância ainda maior que a originária da common law inglesa.45 O desenvolvimento posterior do devido processo legal substantivo possibi­ litou a aplicação da razoabilidade najudicial review. , E importante essa percepção para entender quais os motivos e com que força a cláusula do dueprocess oflaw tornou-se uma das principais fontes dajurisprudência da Suprema Corte estadunidense,46 e assim um balizador do sistema de checksand balances (sistema de freios e contrapesos) que, na doutrina política norte-americana, equilibra as relações entre os Poderes Executivo, Legislativo eJudiciário.47 Tudo isso se transpõe, em certa medida, para o direito brasileiro, porque não se pode perder de vista a influência norte-americana na Constituição Republicana de 42 Conforme Milton Flacks: "É possível que, ao propor o nome que afinal adotou o instituto - mandado de segurança -João Mangabeira tenha se inspirado nas Ordenações Filipinas (1603)" (Mandado de segurança: pressupostos da impetração. Rio de Janeiro: Forense, 1980, p. 4). Uma pesquisa mais acurada denuncia a existênciaanteriorda"apelaçãoextrajud icial". Essateriatidoassentojánas OrdenaçõesAfonsinas (Tít. LXXX) e Manuelinas (Tít. LXII), sendo da sabença geral que o livro dedicado ao processo civ il erao L ivro III, nas três ordenações do direito reino!. Consulte-se, commuitovalor, o trabalho de Daniel FranciscoMitidiero, Processo e cultura: praxismo, processualismo e formalismo em d ire ito processual, c it., p. 110-126). 43 Francisco CavalcantiPontes deMiranda, Tratadodasações. São Paulo: RevistadosTribunais, 1976, v. 6, p. 51. 44 Paraaversão traduzidaemvernáculo: CarlBrent Swisher, Decisõeshistóricasda CorteSuprema. Rio deJaneiro: Forense, 1964, p. 9-14.Vera descrição do casoemLuís RobertoBarroso, O controledeconstitucionalidadeno direito brasileiro: exposição sistemáticada doutrinae análise críticadajurisprudência, São Paulo: Saraiva, 2004, p. 2-1O. 45 Contudo, comonãopoderiade ixarde ser, essaideologiajáestavaexpressanos Federalistpapers deHamilton, mais espec ificamente no de nº 78 (Geraldo Brindeiro, Jurisdição constitucional e o devido processo legal, in José Adércio Leite Sampaio (Org.), jurisdição constitucional e direitosfundamentai s. Belo Horizonte: Dei Rey, 2003, p. 423-433. 46 Luís Roberto Barroso, Os princípios darazoabilidade eproporcionalidade, Cadernos deDireito Constitucional e CiênciaPolítica, Rev ista dos Tribunais, nº23, p. 65-76, abr./jun. 1998. 47 Adota-se aqui a composição clássica de Montesquieu. Dei xam-se de lado os avanços das novas tentativas dos constitucionalistas de oferecer arranjos mais contemporâneos para a teoria da divisão de poderes do Estado, a exemplo do trabalho do Professor Cezar Saldanha de Souza Junior sobre a hexapartição dos poderes, elaborado com referência no conhecido texto de Bruce Ackerman. Saldanha propõe um sistema de "governamentalismo com tribunal constituc ional", em oposição à teoria de Ackerman, por um constrained parliamentarism ("parlamentarismomitigado"). Ver: Cezar SaldanhaSouzaJúnior, O tribunalconstitucional como poder: uma nova teoria da d iv isão dos poderes, c it., p. 128; Bruce Ackerman, The new separation ofpowers, HarvardLaw Review, v. 113, p. 633-729, Jan. 2000.
  • 26. 1 6 AConstitucionalizaçãodoProcesso • Zaneti Júnior 189148 e, por consequência, no controle de constitucionalidade das leis no Brasil (controle difuso, incidentertantum) e dosatos administrativos e, ainda, no sistemauno dejurisdição.49 1 .1 .3 O "paradoxo metodológico" brasileiro: common Jaw (processo constitucional) e civilJaw (processo infraconstitucional) Porforça da Revolução Francesa, com a queda do antigo regime, no qual o soberano representava a última palavra e a justiça divina, erigiu-se na Europa o sistema duplo de jurisdição. De um lado, o contencioso cível tratava das questões entre particulares e da violação dos direitos subjetivos do cidadão; de outro, o contencioso administra­ tivo, no qual as questões referentes às relações indivíduo/Estado eram solvidas frente ao conceito equivalente - os interesses legítimos. No Brasil, de outra forma, não se fracionou a jurisdição. Desde a República, ao es­ tilo dos Estados Unidos da América do Norte, contamos com um único contencioso: o ple ito cível lato sensu ou sistema uno de jurisdição.so A primeira abordagem a ser feita neste estudo refere-se ao controle do poder e à possibilidade de revisãojudicial no direito brasileiro. Falar sobre o tema exige ressaltar, mais uma vez, que a Constituição Federal de 1891, primeira Constituição da República, inovou o sistema jurídico nacional, ao trazer influências do direito norte-americano, e inseriu peculiaridades que, entre nós, geraram um sistemajurídico híbrido. 48 A Const ituição de 1891 sofreu influênc ia detrês Const ituições: aargentina, a suíça e a norte-americana, sendo aúltima, delonge, aquelaque conformou melhor otextoconstitucional, atépelo seguinte mot ivo: "Ainfluência americana é a que se percebe, até porque aos Estados Un idos coube exercer sobre todaa América Latina uma ação profunda e decisiva." Mas isso não significa que tenha sido cópia pura e simples. Ver: Aurelino Leal, Históriaconst itucional doBrasil,ed. fac-similar. Brasília: Senado Federal, 2002, p. 226-227. Sobrea Constituição Republicana, ver: Rui Barbosa, Comentários à Constituição Federal brasileira, cit., v. 5; Carlos Maximiliano, Comentários à Constituição brasileira. Rio de Janeiro: Jac intho Ribeiro dos Santos, 1918; José Neri da Silveira, Dimensões da independênc ia do PoderJudiciário, in Carlos Alberto Ch iarelli et ai., O Poderjudiciário e a nova Constituição. PortoAlegre: Ajuris, 1985, p. 231-273; Cezar Saldanha SouzaJúnior, Constituições do Brasil. Porto Alegre: Sagra Luzzatto, 2002; Aliomar Baleeiro, Constituições Bras ileiras: 1891. Brasília: Senado Federal, 2001, v. 2,p. 56-57;AlfredoVarela, D ireitoconstitucional brasileiro: reformadas instituiçõesnac ionais. Brasília: Senado Federal, 2002; Orlando Soares, Comentários à Constituição daRepúblicaFederativa do Brasil. 8. ed. Rio deJaneiro: Forense, 1995; Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda, Comentários à Constituição de 1946 (art. 129-141, § 14). 3. ed. Rio deJaneiro: Borsoi, 1960, v. 4; Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda, Comentários à Constituição de 1967 (arts. 153, § 2Q 159). 2. ed. São Paulo: Revista dosTribuna is, 1971, v. 5, p. 104-115. 49 Já decidiu o Supremo Tr ibunal Federal, em várias passagens, sobre aexistência do sistema no Brasil e seu caráter constituc ional, decorrente dahermenêuticadoartigo 2º-daConstituição Federal de 1988. Parailustrar, transcreve-se o excerto dejulgado recente: "Como sabido [no Brasil], adota-se o sistema defreios e contrapesos (checks and balances), por meio do qual os Poderes do Estado interagem, ainda que se valendo de funções que não lhes sejamtípicas, de sorte apermitir uma fiscalização mútua que concretize a conjugação harmônica das principais funções estatais (legislar, executar as leis e aplicá-las nos casos concretos)" (STF - PET n° 1.302/ DF. rei. Min. Maurício Correa, j. 3.2.2003). so Ver: Carlos Alberto Alvaro de Oliveira, Doformalismo no processo civ il, cit., p. 100; e a inda as notas 10, 11 e 18 de Cândido Rangel Dinamarca em: Enrico Tullio L iebman, Manual de direito processual civil. Tradução e notas de Cândido Rangel Dinamarca. Rio deJaneiro: Forense, 1984, v. 1.
  • 27. O EstadodaQuestão:o HistóricoConstitucional do ProcessoCivil Brasileiroe a Conformação do ProcessoCivilAtual 17 O cruzamento ocorreu entre a "tradição" da common law norte-americana, que ins­ pirou nossa ordem político-constitucional republicana,51 e a "tradição" romano-ger­ mânica, predominante na Europa continental, da qual se recepcionaram o direito pri­ vado, o direito público infraconstitucional (processual52 e administrativo) e o penal.53 Uma pequena, mas significativa, digressão se revela necessária. Adota-se aqui a denominação "tradição'', proposta por Merryman em substituição à denominação "sistema'', proposta por David. Essa atitude impõe-se para evitar a confusão entre os modelos apresentados e os sistemas jurídicos internos, bem como para facilitar a apro­ ximação das linhas mestras dos diversos sistemas nacionais. Tradição éentendida aquijustamente como umacomunhãopeculiarquepermitef alar de sis­ temasjurídicos diversos (como o da França e o da Alemanha) comopertencentes ao mesmo grupo. Tradição, portanto, não se refere a um conjunto de regras de direito (sobre con­ tratos, delitos etc.), servindo mais para identificar um conjunto de atitudesfundamentais, profundamente arraigadas, historicamente condicionadas, sobre a natureza do direito, sobre seu papel na sociedade e no corpo político, sobre as operações adequadas de um sistema legal, sobre af orm.a com que sefaz ou se deveriaf azer, aplicar, estudar, reali zar e ensinar o direito. Dessa forma, o estudo das tradições jurídicas "coloca o sistema dentro da perspectiva cultu­ ral". Seus efeitos são determinantes da maneira de pensar dojurista e devem ser assim encarados como sua matriz cultural, suaformação cultural.54 Por isso, é correta a leitura que identifica a tradição como um processo de ama­ durecimento e entendimento cultural de determinada comunidade jurídica, que lhe contextualiza, lhe dá sentido e significação: "A tradição legalforma parte da cultura, uma parte muito antiga, profundamente arraigada, firmemente sustentada. As relações existentes entre as ideias legais básicas e as atitudes sociais, econômicas e políticas igualmente profundas, são muito estreitas e complexas. O direito obtém sentido do resto da cultura, a que por sua vez lhe dá sentido, e é inseparável desta."55 Ao lado dessas considerações, impõe-se verificar que o direito processual civil é ramo do direito público, ligado intimamente ao fenômeno do poder; se por um lado é natural que no campo do direito privado o desenvolvimento fosse paripassu com a ciência europeia, por outro, como bem ressalta Dinamarca, "o que não é natural é o comprometimento tão profundo como o que o nosso guarda com todo o espírito do 51 José Carlos Barbosa Moreira, A importação de modelos jurídicos, in Temas de direitoprocessual civ il: oitava série. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 255-266, esp. p. 259-260 e 262. 52 Ibidem, p. 259. 53 Nessesent ido, conferirtambém obr ilhantismodopensamentolúc ido eexperienc iado deAdroaldoFurtado Fabrício (As novas necessidades do processo c ivil e os poderes do juiz, in Ensaios epareceres. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 403-420, esp. p. 409). 54 John Henry Merryman, La tradiciónjurídica romano-canonica, cit., p. 17. Ver, sobre a noção de sistemas juríd icos, Rene David, Osgrandes sistemas do direito contemporâneo. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1996. 55 John HenryMerryman, La tradiciónjuridica romano-canonica, c it., p. 269.
  • 28. 18 AConstitucionalizaçãodoProcesso • Zaneti Júnior direito processual civil de países onde são diferentes as bases políticas de direito pú­ blico".56 Mais tarde, Dinamarca irá identificar, aqui e com razão, um "paradoxo meto­ dológico"57 na nossa "tradição" processual. Veja-se bem, a "tradição" brasileira é portanto peculiar, apresenta traços das tra­ dições europeias e norte-americana, daí o seu hibridismo. O "paradoxo", entendido como uma contraposição lógica de tradições jurídicas, consiste justamente em termos adotado, ao lado da tradição constitucional norte-a­ mericana, a tradição processual civil da Europa continental, esta mais notadamente em 1973, com o Código Buzaid.5ª Ocorre que o direito processual civil brasileiro não difere o tratamento entre "par­ ticulares" e "particulares", "particulares" e "partes estatais", não existindo um conten­ cioso administrativo para julgar as afirmações de lesão atribuídas ao Estado. Ademais, revela-se sem importância para a tutela a diferença entre direitos, pretensões, ações e exceções que sejam afirmadas como direito privado e direitos, pretensões, ações e exceções que sejam afirmadas como direito público.59 Nomeou-se essa concepção, na qual se tratam "pretensões de direito público, às vezes constitucional, como se tratam as pretensões de direito privado", de pleito cível lato sensu, uma justiça igual, sob uma só lei processual.60 56 Cândido Rangel Dinamarco afirma que o nosso dir e ito público tem forte influência do sistema norte­ americano (A instrumentalidade doprocesso, cit., p. 50).As ideiasexpostas porele sãoatribuídas aGalenoLacerda, expressas em aula proferida na Faculdade do Largo de São Franc isco, a conv ite do professor paulista, em 22 de agosto de 1978 (Regroupement des families juridiques en droit jud ic iare. A juris: Revista da Associação dos juízes do Rio Grande do Sul, ano 22, nº 63, p. 36-53, mar. 1995). 57 CândidoRangelDinamarco, Instituições de direito processual civil. 3. ed. SãoPaulo: Malhe iros, 2003, v. 1, p. 176. 58 De todo, o que resta a inda perquirir e revelar, porém em outro espaço, é a influência das fontes luso­ brasileiras emnossocontextoculturalatual. Sobre otema,ver: Raimundo Faoro, Os donos do poder: formação do patronatopolítico brasileiro. 3 ed. rev. PortoAlegre: Globo, 2001; SérgioBuarque deHolanda, Raízes doBras il. 6. ed. Rio deJaneiro:JoséOlyrnpio, 1971; Victor Nunes Leal, Coronelismo, enxada e voto. 3 ed. Rio deJaneiro: Nova Fronteira, 1997. Destaque-se sobre as Ordenações que: "O processo c ivil desenhado nas Ordenações (tanto Afonsinas, como Manuelinas e Filipinas) é um t ípico exemplo de processo comum, forjado pela confluência dos elementos romano, canônico e germânico antigo. Suas soluções são soluções muitasvezes de força (como se percebe com bastante nit idez em alguns ins t itutos, como, por exemplo, nas 'cartas de segurança', com o vinco mandamental a toda prova), com adiantamento de execução à cognição (como nas nossas antigas ações cominat6rias), at itude típica do direito gennânico mais remoto, nadaobstante afirmezadaconcepçãodejuízo como um ato de três pessoas, a denotar a fiel observância do contraditório e da imparc ialidade na dec isão da causa, herançainduvidosamente romana, e o tom conciliatório agregado àfigura judicial, de corte canônico. Oprocedimento era secreto e escrito, essencialmente dominado pelos princípios da demanda e dispositivo, dividido em fases bem distintas (sistemadepreclusãoporfases, comlargaadoção das técnicas daeventualidade e daconcentração), rigidamente regrado com relação àfonnação da prova. A racionalidade que informava ofenômenojurídico era uma racionalidade prática, voltada a orientar a ação dos sujeitos envolvidos na dialética processual, prontapararesolução das questõespostaspara d iscussão" (Daniel FranciscoMitidiero, Processo e cultura: prax ismo, processualismo eformalismoem direito processual, cit., p. 122-123; a inda no âmbito específico dos processualistas, José Carlos Barbosa Moreira, A importação de modelosjurídicos, cit., p. 59). 59 Franc isco Cavalcanti Pontes de Miranda, Comentários ao Código de Processo Civil. 5. ed. 1997, c it., v. 1, p. 46. 60 Transcrevemos alição: "[...] quantoà parte oualgumaou algumas das partes estatais, o d ireitoprocessual c ivil trata-as igualmente, sem que tenha qualquer importância a diferença entre direitos, pretensões, ações e
  • 29. O EstadodaQuestão:o HistóricoConstitucional do ProcessoCivil Brasileiroe a Conformação do ProcessoCivilAtual 19 A unicidade dopensamento europeu continental no direito público decorre da influência ideológica de ideias e tendências que se manifestaram primeiramente no plano filosó­ fico e político, a sentida presença de Montesquieu e de Rousseau. Em todo o continente europeu, no que concerne ao desenvolvimento do direito público, aparece essa tendência que conformou a lógica dosjuristas.61 Aí se vêjustamente que foi a doutrina de direito público, erguida nesses sistemas (europeus continentais) sobre as bases do contratua­ lismo e da divisão tripartite (estanque) dospoderes. Alvaro de Oliveira, analisando os aspectos que concernem à amplitude do acesso àjurisdição nos sistemas "europeus continentais" e da common law face ao sistema na­ cional, na perspectiva do formalismo, salienta criticamente que: "Na chamada família romano-germânica, as regras jurídicas são concebidas como normas de conduta, estreitamente vinculadas a preocupações de justiça e de moral [universalizante e objetiva], e a ciência jurídica exibe como tarefa fundamental a determinação dessas normas [...]. Absorvida nesse trabalho, a 'doutrina' muito pouco se interessa pela aplicação do direito, deixando esse aspecto para os práticos do direito e da administração."62 A esse viés se contrapõe o dire ito anglo-americano, mais afeito ao estudo dos casos práticos e mais acostumado a construir o direito sobre os problemas concretos que se apresentam.63 Por outro lado, o sistema da common law norte-americano temjurisdição una e conta com o sistema de freios e contrapesos e a possibilidade do controle judicial dos atos dos demais poderes (judicial review). Importante apontar que atualmente a perspectiva metodológica da Europa conti­ nental sofre novos influxos, principalmente pela valorização da jurisdição constitucio­ nal, em países como a Alemanha e a Espanha, sendo notável a doutrina que se forma no entorno aos precedentes dos Tribunais Constitucionais desses países, bem como, os "modelos" que deles exsurgem para a aplicação prática. Em certa medida, trata-se exceções, que tenhamnascido no dir e itoprivado, e direitos, pretensões, açõese exceções, que tenhamnascido no d ireito público. Nos jur istas europeus, mesmo os mais avançados, a inda se não chegou à concepção do ple ito cível, lato sensu, que é a do sistema jurídico brasileiro, em que se tratam pretensões de d ireito público, àsvezes constitucional, como se tratam as pretensões de direito privado, só se reconhecendo ahierarquia das regras juríd icas (Constituição, leis ordinárias; leis, regulamentos, av isos, portar ias), mas estabelecida ajustiça igual sob leiprocessual igual, salvo exceções insignificantes, como a relativa ao processo executivo pelo Estado, no tocante a d ív idas fiscais [...]"(Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda, Comentários ao Código de Processo Civ il. 5. ed. 1997, c it., v. 1, p. 46 - sem grifo no orig inal). 61 René David, Osgrandes sistemas do direito contemporâneo, c it., p. 73. 62 Carlos Alberto Alvaro de Oliveira, Dof onnalismo noprocesso civil, cit., p. 89-90. 63 Como foi explorado por Alessandro Giuliani, a fissura ocorrida no d ireito comum, pela interferência do direito canônico na tradição de civil law, impediu que as fontes romanas e gregas contam inassem comjuízos deprobabilidade o nascente processomedievalromano-germânico. Contudo, osjuízos deprobabilidadegregos v ingaramnatrad ição decommon law (Ilconceto diprova: contributto alialogicagiuridica. Milano: Giuffre, 1971).
  • 30. 20 AConstitucionalizaçãodoProcesso • Zaneti Júnior de uma ruptura com a moral objet iva e com a razão pura. Um retorno à racionalidade da experiência.64 Aqui se deve frisar novamente que o sistema jurídico brasileiro, quando recepcio­ nou o direito constitucional norte-americano na Constituição de 1891, passou por uma revolução copernicana. Seguiu daí retirando as diretrizes básicas em que hoje se apoia, por um lado, na vastidão da disposição expressa do artigo 52, inciso XX.XV da Consti­ tuição Federal de 1988, pelo qual não se pode excluir à apreciação do PoderJudiciário nenhuma lesão ou ameaça de lesão a direito (rectius: afirmação) e, por outro, na efeti­ vidade de writs postos à disposição da cidadania, como o habeas corpus, o mandado de segurança (coletivo e individual), o habeas data e o mandado de injunção. Como se deu essa recepção e em que ela consiste são as preocupações que assal­ tam ao jurista preocupado com essa nossa matriz constitucional do processo, a ma­ triz processual constitucional de common law que se herdou e desenvolveu no curso da afirmação histórica e cultural do povo brasileiro: a inafastabilidade da jurisdição como último bastião da justiça. 1 . 1 .4 A teoria da recepção constitucional A recepção constitucional vem sendo analisada modernamente como um rico pro­ cesso de construção do direito. A dimensão e importância do estudo desse fenômeno toma espaço na tentativa de unificação do direito const itucional europeu, a ponto de, como que em um retorno na espiral evolutiva da história, ter-se procurado identificar elementos de um direito comum europeu.65 A questão da recepção constitucional de institutos desenvolvidos no direito es­ trangeiro, nos diversos ordenamentos jurídicos e no direito internacional, por meio de tratados e códigos tipo, é muito relevante no atual contexto das Constituições eu­ ropeias, e, pode-se afirmar, em qualquer contexto de busca por uma universalização dos direitos humanos fundamentais. Trata-se aqui de identificar uma teoria geral dessas recepções que faculte entender o meio pela qual elas atuam e quais suas diversas espécies e consequências. Esse fa­ tor é utilizado como elemento de união entre as culturas constitucionais e, portanto, faz parte de um quadro mais amplo de recepção das próprias culturas de outros po­ vos civilizados. A recepçãojurídica se mostra assim sobre o contexto de uma doutrina constitucional como "ciência da cultura", parte de processos muito mais amplos de recepção cultural.66 64 Boaventura de Sousa Santos, A critica da razão i ndolente: contra o desperdício da experiência. São Paulo: Cortez, 2000. 65 PeterHaberle, Derecho constitucional comúneuropeo, inAntonio-Henrique PerezLufio (Coord.),Derechos humanosy constitucionalismo ante el tercer milenio. Madrid: Marc ial Pons, 1996, p. 187-223. 66 PeterHaberle, Elementosteóricos de un modelo general derecepciónjuríd ica, inAntonio-Henrique Perez Lufío (Coord.), Derechos humanosy constitucionalismo ante el tercer milenio. Madrid: Marcial Pons, 1996, p. 151.
  • 31. O EstadodaQuestão:o HistóricoConstitucional do ProcessoCivil Brasileiroe a Conformação do ProcessoCivilAtual 21 Toda a recepção éparte de umprocesso cultural geral. A teoria da Constituição vista por esse ângulo abarca a noção de contexto, sendo a cultura um fator de configuração des­ sas recepções. No direito, podemos ressaltar com facilidade alguns exemplos notórios de recepções gerais, como: a recepção do direito romano na Europa, no começo da mo­ dernidade; a vitória do federalismo norte-americano de 1787; os catálogos positivados de direitos humanos de 1776 (Declaração de Direitos de Virgínia, EUA), l789 (Decla­ ração de Direitos do Homem e do Cidadão, França) e 1948 (Declaração Universal dos Direitos do Homem, ONU); e, particularmente importante, a recepção do direito civil e processual civilfrancês (1804 e 1806 - Códigos de Napoleão). Interessante e ilustrativa é a visão do mapa dessa última recepção na Europa do século XIX, traçado por Eric Hobsbawm.67 Salienta-se, como é do conhecimento geral, que essa recepção representa, no contexto, a recepção cultural doparadigm.a cient í fico moderno no direito europeu, pondo fim ao predomínio do ius comune. São todos, portanto, proces­ sos de recepção cultural, dentro de um contexto mais amplo, como foram os proces­ sos decorrentes do Renascimento das artes da cultura grega no cenário da baixa Idade Média europeia, do Iluminismo e do Racionalismo no começo da Idade Moderna, da universalização das obras de Beethoven e de Goethe e, hoje, da ideologia e das máximas democráticas napolítica (universalização do voto, eleições, gradativo aumento da parti­ cipação da população nas decisões políticas). Para além dessa concessão de cunho unificador, ocorre também a necessidade de reconhecer a influência que esses processos de recepção tiveram dentro do próprio Estado receptor, a maneira como se processou historicamente a recepção e como se desenvolveram os institutos recepcionados. Peter Hãberle fala, nesse sentido, em teoria da Constituição como ciência experi­ mental, procurando demonstrar que as cláusulas culturais e os preâmbulos das Cons­ tituições são formas especiais de manifestação a esse respeito. Assim, os artigos que regulam os hinos, a bandeira, a língua oficial e os dias festivos criam um evidente , modelo de identificação coletiva e cultural cidadã. E o caso, por exemplo, do projeto de Constituição Europeia, que irá adotar, se aprovado, a parte final da IX Sinfonia de Beethoven, contendo o poema de Schiller Ode à alegria (An die Freude), de 1786, sobre a universalidade dos homens, como hino da União Europeia. Outro exemplo é a alte­ ração topológica do capítulo referente aos direitos fundamentais, do fim para o início da nossa Carta Magna, e o acréscimo de "princípios dialéticos", como o contraditó­ rio, para a formação de atos decisórios da Administração pública e doJudiciário cível. Trata-se de recepções decorrentes das experiências positivas e negativas da vivência constitucional de um determinado Estado. Como foi dito, isso nada mais expressa do que algo natural, imanente à própria natureza humana: 67 Eric Hobsbawm, A era das revoluções. 12. ed. Rio deJaneiro: Paz e Terra, 2000, p. 340, mapa nQ 9.
  • 32. 22 AConstitucionalizaçãodoProcesso • Zaneti Júnior "A relação de experiências positivas ou negativas de outros Estados com seus textos constitucionais, suas sentenças judiciais, sua ciência epraxis cotidiana, quer dizer, a recepção de conteúdos aparece por isso como um fenômeno tão normal e imprescindível que não existe nenhuma surpresa em relacioná-lo com a própria condição humana."68 , E no acúmulo das experiências sociais e da sua influência, muitas vezes recíproca, na vida prática do direito, que se desenham osprocessos de recepçãojurídica para atender às demandas ouf orjar demandas inexistentes. , E justamente dessas "experiências cristalizadas" na prática brasileira que se irá tratar aqui. Além da mera recepção, toda recepção é uma reprodução criativa.69 Q uando de algum modo surgem déficits nos Estados constitucionais para resolver um problema no âmbito das funções dos Poderes Legislativo, Executivo ouJudiciário, a doutrina, a prática jurídica e, mais recentemente, a jurisdição constitucional come­ çam a busca por soluções arquétipo.70 No Brasil, para os efeitos deste estudo, podem-se identificar duas grandes recep­ ções em direito processual civil, a da Constituição de 1891, que recepciona o modelo processual constitucional dos Estados Unidos da América do Norte, e a do Código de Processo Civil de 1973 que, ao final de um processo longo, começado em 1916 com o Código Civil e continuado em 1939 com o primeiro Código de Processo Civil nacio­ nal, revela a recepção tardia do direito napoleônico.71 Trata-se da recepção da tradição ro- 68 Nossa tradução. Isso porque, na cont inuidade da lição: "[...] tambié n el ser humano vive de supasado, de sus experiencias (a veces de sus 'heridas'), acumulándolas en supensamientoy acciones. El tipo 'Estado constitucional'y su ciencia: la 'Teoria de la Constitución', sehallan v inculados,por tanto, sólo a dicharealidad antropológica, cuando asumen sus experienciasy las convierten ensistemasjurídicos. El derecho, comomanif estación cultural, 'significa también derecho como expresión de exper iencias cristali zadas"' (Peter Haberle, Elementos teóricos de un modelo general de recepción jurídica, c it., p. 155). 69 A recepção se dá como uma reprodução criativa, para além do processo ativo e criador de fora (d ireito externo). Segue-se um processorecriador e não meramente passivo nos ordenamentos internos. "Primafacie podríamos decir que 'recepción', desde una perspectiva puramente linguística, significa que un primer proceso productivo 'activo'y creador quesurge desdefuera le sigue igualmente otroproceso ' pasivo'y siempre recreador [...]. Lo que a veces parece una mera recepción pasiva se convierte, al contemplaria def orma más precisa en el transcurso del tiempo, en un fenómeno creativo que esjustamente lo que debeser" (Peter Haberle, Elementos teóricos deun modelogeneral derecepción jurídica, c it., p 156). 7° Como bemobservaHaberle, hoje essesprocessos se tornam muito m a is efic ientes e velozes, dadaamaior "uniformidade do mundo" em razão dos me ios de comunicação e outras facilidades, como a mais rápida difusão das "modas" e o ma ior contato com o "externo" (Peter Haberle, Elementos teóricos de un modelo general de recepciónjurídica, c it., p. 164). 71 Enr icoTullio L iebman, Ist ituti deid irittocomunenelprocesso c ivilebrasiliano, inProblemideprocessocivile. Napoli: Morano, 1962, p. 490-516; Carlos AlbertoAlvaro de Oliveira, Dof ormalismo noprocesso civil, cit., p. 59- 60. Com especial destaque para a percepção doautor das vantagens decorrentes dapublicização doprocesso naquele momento histórico (em que se arrefecia o ríg ido "princípio disposit ivo" das Ordenações): "A maior atividade dojuizpreconizadapelo novo diploma não constitui apenas meroproduto do regime autoritário, mas sim consequência direta da naturezapública doprocesso e de sua evolução conceptual e doutrinária" (ibidem, p. 60). Na expressão de Daniel Francisco Mitidiero: "Neste especial, a propósito, cumpre assinalar a prime ira
  • 33. O EstadodaQuestão:o HistóricoConstitucional do ProcessoCivil Brasileiroe a Conformação do ProcessoCivilAtual 23 mano-germânica, visto que, até essa data, ainda estava presente em nossa experiência forense e na legislação pátria grande quantidade de direito comum europeu decorrente das influências do direito reinol (Ordenações do Reino de Portugal).72 Dessa dupla recepção, decorreu o chamado "paradoxo metodológico" de se ter, ao mesmo tempo, uma cultura processual constitucional voltada para a tradição da com­ mon law, o que significa dizer, exemplificativamente, que apresentam-se, de um lado, o controle de constitucionalidade (difuso), os writs constituciona is, o pleito cível lato sensu e, especialmente, a atipicidade das ações - "remedies precede rights" (os remédios precedem os direitos)73 do direito de common law (art. SQ, XXXV da CF de 1988: "a lei não excluirá da apreciação do PoderJudiciário lesão ou ameaça a direito"), e, de outro lado, a vinculação da ação ao direito subjetivo (art. 75 do CC de 1916: "a todo direito corresponde uma ação que o assegura"; art. 126 do Código de Processo Civil de 1973: "O juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade da lei. Nojulgamento da lide caber-lhe-á aplicar as normas legais [...]"), a cisão das doutrinas do direito administrativo e do direito privado, e a vinculação do juiz à lei escrita, da tradição romano-germânica. Nesse quadro, os princípios teriam a função limitada que lhes atribui o artigo 4º da Lei de Introdução ao Código Civil, uma função posterior, subsidiária, a da aplicação dos costumes e da analogia, mera colmatação de lacunas. A mudança do novo paradigma constitucional inclui na sua força normativa também os particularidade que singulariza a experiênciajurídica brasileira: até o advento de Código deProcesso Civil vigente, o nosso direito processual civil não havia sofrido nenhum acidente histórico notável, capaz de propiciar um distanciamento mais profundo entre a tradição lusitana quinhentista e o direito então praticado (livramo-nos, por certo, da 'radical renovaçãodospr incípios ded ireitoprocessual' propic iadapelo Code de Procédure Civile napoleôn ico de 1806 queapanhouo dire ito cont inental com todaa suaforça: valed izer, conseguimos adiar a invasãof rancesapara 1973, dando maior espaçopara o desenvolvimento natural de nossa tradição cultural). Como é cediço, mesmoapós a nossa independência, continuaram atervigêncianoBrasilas OrdenaçõesFilipinas, sendoqueoprocesso civ ilbrasileiro só fora alcançado por legislação nacional quando o Decreto nQ 763, de 1890, mandou que se aplicasse ao foro cível o Regulamento nº 737, de 1850 (que, nada obstante tenha procurado simplificar algumas formas, manteve basicamente a estrutura do processo, particularizando-se apenas por aportar uma nova técnica legislativa à ordemjurídicanacional).Antes, a Consolidação Ribas, aprovadaporResoluçãoImperial de 1 876, havia apenas recolhido o direito luso-brasileiro então aplicável àpraxeforense, tornando-o maisf a c ilmente ident i ficável. Nestepanorama, opapel da doutrinafora enorme: cumpria-lhe subsidiar a aplicação do direito luso-brasileiro, então lacunoso e imperf eito, sobre indicar soluções mais rentes à ordem do dia, quiçá alçando mão do direito comparado e da autoridade de doutrinadores estrangeiros (aqui, pois, aquilo que Judith Martins-Costa denomina de 'bartolismo', deveras impregnado em nossa tradição jurídica)" (Daniel Francisco Mit idiero, Processo e cultura: praxismo, processualismo e formalismo em d ireito processual, cit., p. 123-124). Em sent ido contrário, Cândido Rangel Dinamarco afirma queos códigos de processo de 1939 e 1973 são "substancialmente análogos", sem contudo de ixar de observar a "muito grande superioridade técn ica do segundo Código de Processo Civil sobre o prime iro". Ressalte-se que, em certae estr itamed ida (cumgrano salis), assiste razãoa Dinamarco, pois são os dois diplomasjáo fruto da fase autonomista da ação e impregnados dos ideais rac ionalistas - cient ificização do d ireito (Instituições de direitoprocessual civil, c it., v. 1, p. 278-280). 72 Portodos, vale relembrar oatestado dograndemestre daescolapaulistadedireitoprocessual civil (Enr ico Tullio Liebman, Istituti dei d iritto comune nel processo civ ile brasiliano, c it., p. 490-516). 73 Conhecida imagem de Maitland, "the remedies precede rights" (Adolfo Oi Majo, La tutela civile dei diritti. 2. ed. Milano: Giuffre, 1993, p. 71).