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A imensidade de um labirinto moderno
Era madrugada. Nenhum pio se ouvia: os bondes de transporte encontravam-se estagnados; a baía
cochilava nesse entretempo mercantil; o hiato no movimento operário e migratório permitia que as ferrovias
suspirassem a sua hora de descanso; as largas alamedas e avenidas curtiam esse momento a sós sem ninguém a
perturbá-las com os passos frenéticos comuns no cotidiano da sociedade carioca; fartamente contentes pelo vazio
de suas alas, os bancos e as agências deliravam nesse sossego. Nenhum sequer ruído interrompia o silêncio da
alvorada. A cidade adormecia num prolongado intervalo de semibreve.
Afora, sombras de ratos e baratas bailavam com os postes de iluminação nos bairros mais periféricos,
desafiando a se deixar contagiar pelo caos epidêmico a desamparada população, que se colocava temorosa a um
imediato, inesperado e indeliberado regresso da Vacina. A imundície de certas redondezas turvava o cenário
fluminense da modernidade, assim, apatacados preferiam viver longe desses arredores, fosse comandando
indústrias, fosse administrando ambientes campestres.
Próximo ao subúrbio, uma mísera cintilância quebrava o noturnonegrume, vinha de dentro de um edifício
modesto, de cimento mal-acabado, chaminé entorpecida com restos de borralho e fuligem, janelas envidraçadas
cobertas por cortinas emendadas e persianasempoeiradas, a porta de acesso era acorrentada por material barato.
Tal construção servia como estalagem e compreendia um pouco mais de vinte alojamentos, e ainda que tivessem
infraestrutura modesta, eram de bom grado para quem dispunha de pouco pecúlio.
A singular claridade saía justamente do aposento de um hóspede, ele era o único acordado. Encurvado
sobre uma escrivaninha, suas esmeraldeadas pupilas se dilatavam ao refletirem a luminosidade fornecida por um
florescente lampião, em cujo interior malhas cerâmicas existiam envolvendo a folia das chamas, aquecendo o
ambiente, comotambémfermentava o apetite de Owen, um imigrante britânico, pelo universo da leitura, aopasso
que devorava, avidamente, linha por linha, o enredo de um clássico da literatura inglesa – 'Hard Times - For These
Times de Charles Dickens. “THE Fairy palaces burst into illumination, before pale morning showed the monstrous
serpents of smoke trailing themselves over Coketown. A clattering of clogs upon the pavement; a rapid ringing of
bells; and all the melancholy mad elephants, polished and oiled up for the day’s monotony, were at their heavy
exercise again.” Ao concluir esse último trecho, decidiuinterromper a leitura e atirou-se no colchonete improvisado
junto ao piso.
Observando fixamente o teto, refletiu: “Because England became ambitious withthe FactorialRevolution,
it decreasedmywage, and, soquickly, I sawmyself unemployed. Therefore, moving toanother countrywas the better
choice that I couldhave made to change mylife.” Enrolou-se nassuascobertas, deitando-se de ladopara o bancodo
qual acabara de se levantar e os olhos cerrou. Mergulhounas suas próprias memórias, resgatando lembrançasde sua
vida que antecediam a sua imigração, sendo apoderado por um marco de saudadesde sua família, sentindotambém
uma pitada receosapor ter saído de sua terra, de deixar tudo para trás para um recomeço, e assimpermaneceuum
momento.
Enfiouos dedos nobolso de seumoletome arrancou seurelógiode pulso, encarou-opor alguns segundos,
apreciando a vagarosidade na qual se firmavam os ponteiros. Owenacompanhava com fascínioo tênue e uníssono
compasso como qualas setas teciamo tempo. Dando-seconta dohorário - em segundos seriam seis horas, procurou
na sua minúscula e humilde* alcova suas vestes de trabalho, trajou -as e foi-se embora do alojamento.
A jornada de muitos trabalhadores da mesma forma se iniciara, a população proletária saía de suas
moradiasemmeioas pisadascruas e secas, carregandoolhares compenetrados emseus distintos destinos num ritmo
acelerado e homogêneo, configurando uma marcha. O tímido sol matinal irradiava a face de todas aquelas figuras
transeuntes, as quais, tal-qualmente Owen, iam rumo a seus ofícios, percorrendovias e canteiros num deslocamento
contínuo, como um ebulir de um formigueiro.
Caminhando por entre as ruas asfaltadas da capital brasileira, o estrangeirose deparava com uma série de
firmas de seguro, telefonia e empresas erigidas soba titulaçãoe contribuição da Inglaterra. Avistava, a cada par de
decâmetros percorridos, a instalação de postes de eletricidade e combustores de gás, os quais substituíam o vazio
embaciado deixado pelo crepúsculo.
A Cidade Maravilhosa, agora, ativa e alerta, retomava todas as suasatividades, os bondes despertados se
revezavam em conduzir a populaçãonos maisdiversos pontos, fracionados em linhas, tinham seus trilhos conectados
e fluxo de circulaçãoimpulsionados pela companhia The Rio De Janeiro Tramway, Light And Power Company Ltd. As
ferrovias levavam em suas costas a responsabilidade de fortalecer a economia brasileira ao carrearem a cultura
cafeeira e ao escoarem produtos minerais aos portos, os quais aguardavamansiosamente a vinda de mercadorias.
Owen, atordoado com a tamanha prosperidade moderna, acabou colidindocomuma estátua de ferro e, ao
queixar-se da dor, observou o seuredor, avistandoalamedas retas, chafarizes, pavilhões, jardins, pontese lagos - um
legítimopaisagismo romântico. Encontrava-se noespaçodoPasseioPúblico. Caminhandoum pouco mais adiante, se
deparou com um enorme monumento estilístico arquitetônico, topava agora com o Teatro Municipal, o qual junto
com o teleférico do Pão de Açúcar, simbolizavam a influência da Belle Époque Parisiense no cenário carioca. A
pasmosa higienização, notória nos bairros mais enobrecidos, aplaudia os investimentos proporcionados nas redesde
esgotos e encanamento, embelezava a zona urbana, dissipava a propaganda de um moderno paraísotropical. O Rio,
elevava o seu status ao zênite.
Enquanto percorria os últimos metros de distância ao seu trabalho, Owen constatou o soar de um
cavaquinho. Acompanhou o saltitar das notas com os ouvidos apurados* e os olhos atentos até conseguir captar a
origem daquele som. Assim, foi guiado até um muro de barro, defrontando-se com um velho negro franzino, de
barbas grisalhas e com vestes esmolambadas sentado ao solo encardido coberto por lixo e farrapos. Ao avistar o
imigrante, interrompeu o dedilhado e gaguejou súplicas por esmola. Comovido, Owen retirou o relógio de bolso e
forneceu-o àquele homem miserável. E plantaram-se lágrimas no rosto do britânico, que, saindo daquele local
sórdido, clamou a Deus: "Lord have mercy of that poor unfortunate soul ."
Aquele fato, mexeu com a consciência de Owen, de tal forma que no seu encargo de operário pouco se
concentrou. Retirando-se daquele núcleo urbano, permeado por bens e capitais, transportes e estabelecimentos,
serviços e trabalhadores, Owen constatoua sua insignificância. Era maisuma peça entre as milhares que abrasava o
incipiente capitalismo industrial. Era maior somente que o nada. Somente um a mais. Um elemento frágil, trivial para
a sociedade e para o mundo. Um obstáculo notráfegodo urbanismo. Defrontara-se com a solitude, Era uma bússola
sem os pontos cardeais.
O sol se punha. Era fim das jornadas. Encerravam-se todas as atividades. À medida que escurecia, uma
nuvem de silêncio a cidade cobria. Os bondes, os portos e avenidas arfavam por mais uma pausa enquanto o Rio
adormecia.

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  • 2. A jornada de muitos trabalhadores da mesma forma se iniciara, a população proletária saía de suas moradiasemmeioas pisadascruas e secas, carregandoolhares compenetrados emseus distintos destinos num ritmo acelerado e homogêneo, configurando uma marcha. O tímido sol matinal irradiava a face de todas aquelas figuras transeuntes, as quais, tal-qualmente Owen, iam rumo a seus ofícios, percorrendovias e canteiros num deslocamento contínuo, como um ebulir de um formigueiro. Caminhando por entre as ruas asfaltadas da capital brasileira, o estrangeirose deparava com uma série de firmas de seguro, telefonia e empresas erigidas soba titulaçãoe contribuição da Inglaterra. Avistava, a cada par de decâmetros percorridos, a instalação de postes de eletricidade e combustores de gás, os quais substituíam o vazio embaciado deixado pelo crepúsculo. A Cidade Maravilhosa, agora, ativa e alerta, retomava todas as suasatividades, os bondes despertados se revezavam em conduzir a populaçãonos maisdiversos pontos, fracionados em linhas, tinham seus trilhos conectados e fluxo de circulaçãoimpulsionados pela companhia The Rio De Janeiro Tramway, Light And Power Company Ltd. As ferrovias levavam em suas costas a responsabilidade de fortalecer a economia brasileira ao carrearem a cultura cafeeira e ao escoarem produtos minerais aos portos, os quais aguardavamansiosamente a vinda de mercadorias. Owen, atordoado com a tamanha prosperidade moderna, acabou colidindocomuma estátua de ferro e, ao queixar-se da dor, observou o seuredor, avistandoalamedas retas, chafarizes, pavilhões, jardins, pontese lagos - um legítimopaisagismo romântico. Encontrava-se noespaçodoPasseioPúblico. Caminhandoum pouco mais adiante, se deparou com um enorme monumento estilístico arquitetônico, topava agora com o Teatro Municipal, o qual junto com o teleférico do Pão de Açúcar, simbolizavam a influência da Belle Époque Parisiense no cenário carioca. A pasmosa higienização, notória nos bairros mais enobrecidos, aplaudia os investimentos proporcionados nas redesde esgotos e encanamento, embelezava a zona urbana, dissipava a propaganda de um moderno paraísotropical. O Rio, elevava o seu status ao zênite. Enquanto percorria os últimos metros de distância ao seu trabalho, Owen constatou o soar de um cavaquinho. Acompanhou o saltitar das notas com os ouvidos apurados* e os olhos atentos até conseguir captar a origem daquele som. Assim, foi guiado até um muro de barro, defrontando-se com um velho negro franzino, de barbas grisalhas e com vestes esmolambadas sentado ao solo encardido coberto por lixo e farrapos. Ao avistar o imigrante, interrompeu o dedilhado e gaguejou súplicas por esmola. Comovido, Owen retirou o relógio de bolso e forneceu-o àquele homem miserável. E plantaram-se lágrimas no rosto do britânico, que, saindo daquele local sórdido, clamou a Deus: "Lord have mercy of that poor unfortunate soul ." Aquele fato, mexeu com a consciência de Owen, de tal forma que no seu encargo de operário pouco se concentrou. Retirando-se daquele núcleo urbano, permeado por bens e capitais, transportes e estabelecimentos, serviços e trabalhadores, Owen constatoua sua insignificância. Era maisuma peça entre as milhares que abrasava o incipiente capitalismo industrial. Era maior somente que o nada. Somente um a mais. Um elemento frágil, trivial para a sociedade e para o mundo. Um obstáculo notráfegodo urbanismo. Defrontara-se com a solitude, Era uma bússola sem os pontos cardeais. O sol se punha. Era fim das jornadas. Encerravam-se todas as atividades. À medida que escurecia, uma nuvem de silêncio a cidade cobria. Os bondes, os portos e avenidas arfavam por mais uma pausa enquanto o Rio adormecia.