1. DECIFRA-ME OU DEVORO-TE: O QUE É A EBSERH?
O enigma da esfinge não podia tratar melhor do dilema que passamos com o debate sobre a EBSERH (PL 1749/11).
É bem claro, há uma dúvida – não tão complexa quanto parece –, mas que se não sanada trará ruína ao HUCFF. Antes
queria afirmar que os pontos da lei e do estatuto da empresa não são somente interpretações pessoais do texto, o bom
leitor verá que o que está disposto trará atrasos graves e irreversíveis na implementação de uma saúde pública de
qualidade. Vamos passo a passo então.
Art. 1º Fica o Poder Executivo autorizado a criar empresa pública unipessoal
(...) denominada Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares - EBSERH, com
personalidade jurídica de direito privado e patrimônio próprio, vinculada
ao Ministério da Educação, com prazo de duração indeterminado.
Art. 5o A EBSERH sujeitar-se-á ao regime jurídico próprio das empresas
privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais,
trabalhistas e tributários.
Afinal, o que diabos é uma empresa pública de direito privado? Dando
nomes aos bois, trata-se de uma empresa que recebe recursos públicos,
mas que pode em todo caso atuar como uma empresa privada, sendo
controlada e regulada legalmente de acordo com as regras adotadas para o
setor privado. Vamos pegar um exemplo de empresa pública semelhante,
uma que muitos de nossos colegas são associados, o Banco do Brasil. Agora
reflitam sobre a atuação desta instituição: Qual é o seu objetivo final? Como
esta lida com os seus “clientes”? E os seus funcionários? Irão logo me
responder, “mas um hospital não é um banco”. Então chegaram ao ponto
desejado, como pode o HUCFF, que tem como missão ser referência em
saúde e educação, se entregar à lógica produtivista do lucro?
A empresa entende a principal função do hospital como assistencial, atendimento à população, sem levar em
conta prevenção e promoção de saúde. Como todos sabem, são os setores secundário e terciário que permitem os
maiores lucros para empresas privadas de equipamentos, fármacos, e planos de saúde, logo é muito conveniente que este
seja o foco de tal instituição.
A empresa prevê, ainda, que não haverá mais o único mecanismo concreto para evitar a corrupção dentro do
HUCFF, o processo licitatório. Imaginem tamanha soma de dinheiro público nas mãos de poucas pessoas, sendo
administrada abertamente como qualquer empresa privada. Afinal, acham que as empresas privadas são honestas? O que
um diretor da EBSERH não teria a liberdade de fazer sem a necessidade de uma licitação? Se estão espantados com o que
foi tratado recentemente da corrupção no IPPMG, imaginem o que mais seria possível sem qualquer regulação.
Art. 10. O regime de pessoal permanente da EBSERH será o da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, e legislação
complementar( …).
Ao tornar mais precário o trabalho dos funcionários do HUCFF, adotando regimes como CLT em vez do RJU
(regime jurídico único), só se permitirá uma perda do vínculo com a instituição, demissões em massa frequentes, piores
condições de trabalho nos serviços, dificuldade de organização por parte dos trabalhadores, entre muitos outros aspectos.
Art. 8º Constituem recursos da EBSERH: II - as receitas decorrentes: a) da prestação de serviços compreendidos em seu
objeto; b) da alienação de bens e direitos; c) das aplicações financeiras que realizar; d) dos direitos patrimoniais, tais
como aluguéis, foros, dividendos e bonificações; e e) dos acordos e convênios que realizar com entidades nacionais e
internacionais;
Bem, aqui chegamos ao nó mais crítico da legislação. Os recursos da EBSERH virão, além do montante público,
também da prestação de serviços, como dos planos de saúde. Da alienação de bens e direitos, ou seja, o espaço e
2. Boletim CACC Especial EBSERH
equipamentos dos hospitais poderiam ser cedidos à iniciativa privada. Já pararam para pensar o que será feito dos dois
espaços do CACC no HU? E se a TC puder ser utilizada pelos planos de saúde, qual paciente terá prioridade? Portanto,
quero reafirmar, NÃO se trata de uma lei que afeta exclusivamente a gestão de pessoal, essa traz implicações
gravíssimas em todo o funcionamento de gestão dos hospital.
Art. 15. A EBSERH será administrada por uma Diretoria Executiva, composta pelo Presidente e até seis Diretores, todos
nomeados e destituíveis, a qualquer tempo, pelo Presidente da República, por indicação do Ministro de Estado da
Educação.
O direito constitucional determina algo chamado controle social, que garante à população decidir conjuntamente
as decisões no âmbito da saúde. Portanto, a EBSERH não é só um ataque aos direitos de assistência à saúde e acesso à
educação, mas também aos princípios democráticos que regem o SUS, já que os conselheiros e diretores que deliberarão
na empresa serão em grande maioria gestores indicados pela presidência e MEC. Não está determinado como serão
indicados os membros da sociedade civil, permitindo toda sorte de nepotismo e politicagem. Além disso, haveria somente
um representante dos trabalhadores entre muitos gestores e nenhum discente. Esse fato exclui também a
universidade das decisões, porque esta não faz necessariamente parte dos conselhos e direções, o que fere brutalmente
um princípio legal de autonomia, o qual garante à UFRJ a independência acadêmica e política para cumprir suas missões
frente à sociedade, para que não fique sujeita às mudanças de governos.
A lei e o estatuto são fruto de políticas dos partidos como PT e PMDB. Como docentes e discentes independentes,
temos sim, de fazer uma análise política da mesma, nos cabe avaliar o que podemos ou não aceitar e principalmente
construir soluções melhores, visto que isso nos é garantido pela autonomia universitária. Para terminar, faço um pedido:
NÃO aceitem os discursos tecnocratas que apontam alunos e professores como ignorantes, que afirmam “a lei ser questão
somente dos juristas”. Estou certo que todos nós temos capacidade de revê-la e entendê-la. Se esta instituição é
responsável por formar os melhores e mais instruídos médicos do país, como não seríamos capazes de tomar as rédeas de
nossas próprias políticas?
POR QUE SER CONTRA A ADOÇÃO DA EBSERH PELA UFRJ?
O primeiro aspecto é inerente à proposta de entrega da administração dos hospitais universitários a uma empresa
não subordinada aos seus interesses:
1) Perda da autonomia das faculdades para gerenciar seus hospitais de ensino;
O que temos que nos perguntar é se essa entrega não estaria nos tornando reféns de projetos da empresa e
retirando a chance de sermos sujeitos do processo de promoção da saúde e da nossa educação? Acreditamos que
sim. Isso se explica, entre outros fatores, porque, os projetos de ensino das faculdades terão que passar pelo filtro
da EBSERH, que poderá aceitá-los ou não. Além disso, é possível que os médicos da assistência ou
acompanhamento dos estudantes nos hospitais sejam da empresa e não das universidades. Dessa forma, esses
profissionais não teriam um compromisso obrigatório com o trabalho de formação específico de cada instituição,
dando margem a uma fragmentação do processo de aprendizado.
2) A chance de que as pesquisas clínicas das faculdades acabem influenciadas pelos interesses externos
como, por exemplo, os da indústria farmacêutica;
Enquanto parte do SUS, os HUs não deveriam servir ao capital privado em detrimento das demandas sociais locais.
3) A possibilidade de a universidade ter que alienar seus hospitais de ensino para essa empresa;
Com a empresa administrando os HUs, instalações como ambulatórios, enfermarias etc poderão ser alugadas para
universidades privadas. Dessa maneira e sem nenhuma garantia de expansão da estrutura dos hospitais para
essas atividades, é fácil pensar que os estudantes internos poderão ser preteridos em relação aos externos, afinal,
o lucro é objetivo primeiro de uma empresa privada e alunos de faculdades públicas não pagam a mais para
estudar em SEUS hospitais. Trata-se, portanto, de transformar hospitais em locadores de espaços de estudo. Não é
preciso nem mesmo imaginar tal situação, pois ela já se concretiza no já citado hospital de Porto Alegre.
4) Não garante mais verbas.
Se há quem acredite que a empresa trará mais dinheiro, já se tem conhecimento de que o capital para o
financiamento dos HUs continuará tendo a mesma fonte, o Tesouro nacional via MEC e SUS, e a mesma magnitude.
Portanto, a situação é simples, além da EBSERH não garantir mais verbas para o HU, ter-se-á direcionamento de
recursos públicos para desfrute do setor privado. Os recursos advindos dos convênios e outras fontes beneficiarão
a ala privada do hospital, e a estrutura (pública e privada)segue mantida pela verba do governo federal.
3. Boletim CACC Especial EBSERH
Argumento O que aconteceu no HCPA
Não abre pra convênio com outras faculdades Lá há 2150 alunos, sendo 413 de outras universidades
O atendimento é 100% SUS 95% é SUS, o restante são convênios
Não há outras fontes Há 7% de patrocínio privado
Enfim, a Empresa é uma ameaça ao que conhecemos como Hospital Universitário, mas também assume um papel
muito mais perigoso para o SUS, que vem passando por um desmonte acelerado, há anos. Da mesma forma que as
Organizações Sociais, e as Fundações Estatais de Direito Privado, a EBSERH é uma forma de administração privada dos
recursos públicos, com a intenção (alguém duvida?) de obter lucro. A Saúde é um bem de todos, não deve ser
submetida aos interesses do mercado!
Por esses motivos, entendemos que a adoção da Empresa representa um retrocesso no fortalecimento do serviço
público, e do controle social, pois aprofunda as contradições existentes na prestação de serviços públicos, ao permitir que
continue a terceirização dos mesmos. E por que isso é tão ruim? É péssimo; porque a terceirização barateia o custo dos
serviços, com contratos de trabalho precários, e reproduz a lógica de contratação de empresas sem licitação,
representando um canal de corrupção, de clientelismo, de nepotismo, de baixa qualidade nos serviços públicos prestados à
população; enfim, porque “esta é a ética do mercado”.
O CACC convida a todos os estudantes a repudiarem a EBSERH, e a se posicionarem contrariamente à adoção do
contrato com tal Empresa, a exemplo de 5 universidades federais (UFF, UFSC, UFES, Santa Maria e Uberlândia), do Fórum
de Saúde, do Conselho Nacional de Saúde e da Congregação da EEAN (Escola de Enfermagem da UFRJ), por entender que a
Universidade deve cumprir seu papel na elaboração democrática de uma proposta que sirva à resolução da crise dos HUs,
respeitando os princípios do SUS e a autonomia universitária. - Guilherme Tritany (M5) e Larissa Jatobá (M1)
POR QUE ALGUNS PROFESSORES DEFENDEM A ENSERH?
A privatização só serve a quem ganha com este projeto. Só há quatro formas de defendê-la:
1) Professores comprometidos com a universidade e com o ensino, mas desesperançosos com a possibilidade de uma
melhoria real no HU, e que, portanto se agarram à qualquer medida aparentemente benéfica para o hospital. Ou nas
palavras do prof. Márcio (Psiquiatria): “pra quem está se afogando, tubarão é boia”. Nesse caso, é preciso esperança,
esses professores nada ganharão com a implantação do projeto. Pelo contrário, assistirão a perversão do sentido da saúde
e educação públicas e de qualidade.
2) Aqueles que vislumbram ganhos com os convênios privados dentro do hospital.
3) Aqueles que pleiteiam cargos na empresa. (Questione-se quem são!)
4) Infelizmente nossa universidade acaba refletindo em muitos aspectos toda a politicagem suja que vemos nos
noticiários. Os cargos de direção, reitoria, chefias de departamento, etc, são cargos políticos, e infelizmente acontece muito
a prática do “você apoia meu projeto aqui, que eu te apoio na eleição ali e ficamos todos bem”, sem se importar com os
interesses da universidade e da sociedade.
Para os estudantes, não há nenhum benefício. A não ser aos filhos de donos de empresas de saúde (planos, equipamentos
etc). Se você não é um desses, diga não a EBSERH e vamos pra luta! - Gustavo Treistman e Isis Altgott (M11)
OS HOSPITAIS UNIVERSITÁRIOS E O NOSSO: COMO ESTAMOS E O QUE PROPOMOS
A crise dos hospitais universitários é cíclica, crônica e presente no nosso dia a dia. Os HUs de todo o país sofrem de
problemas muito similares ao nosso, basta ver as inúmeras lutas tocadas no ano passado neste sentido, não só aqui na
UFRJ, mas também na UFF (que aprovou uma moção de repúdio à EBSERH no seu conselho universitário), UFPI, UFMG,
UFU, UFAL, dentre outras. A origem desta crise que se arrasta por tantos anos, com altos e baixos, é o congelamento da
tabela SUS, que paga os procedimentos com grande defasagem, causando dívidas; a escassez de concursos públicos,
levando a contratação de pessoal via fundação de apoio, com terceirizações das atividades-meio (segurança, limpeza,
cozinha, etc), onerando os gastos que deveriam se dar na estrutura dos hospitais; e diminuição do financiamento, com
fechamento de leitos e serviços, crises de falta de insumos, precarização da infra-estrutura etc.
4. Boletim CACC Especial EBSERH
A questão do financiamento é fundamental. Este ano o governo Dilma realizou um corte no orçamento da saúde
de R$5,5 bilhões e da educação de R$1,9 bi. A Emenda 29, que regularizaria o financiamento da saúde, ficou justamente
com a responsabilidade federal de fora. Isso tudo para garantir mais recursos para o pagamento da dívida pública (os
banqueiros, em outras palavras). O custo de “rolagem” da dívida, ou seja, o que o próprio governo gasta na emissão de
títulos, é cerca de 10 vezes o valor gasto em saúde no ano de 2011 (R$674 bi contra R$68 bi). Enquanto o gasto familiar
com a saúde corresponde a 4,8% do PIB, o governo não costuma ultrapassar os 4%.
No HUCFF enfrentamos uma situação cada vez mais difícil. Temos 3462
funcionários, sendo 934 extra-quadro. Aproximadamente 1300 alunos de
graduação, mais 837 da pós-graduação (dados de 2010) e 84 residentes
multiprofissionais (dados 2011). Isso com uma subutilização da capacidade
instalada (550 leitos), em que contamos com pouco mais de 150 leitos
ativos, muito pior que na crise de 2008. Há áreas desativadas e uma estrutura
predial precária. Isso demonstra um grave problema de financiamento. No
entanto, não podemos negar que há uma deficiência de gestão importante
e que o próprio diagnóstico institucional do hospital aponta que há
necessidade de qualificação dos profissionais em diversas áreas, desde
segurança hospitalar, humanização do atendimento, preceptoria a
capacitação de profissionais para alimentar ferramentas administrativas, de
compras, de comunicação interna etc. É comum haver suspensão de cirurgias por falta de insumos básicos que não
refletem uma falta de verbas para compra dos mesmos. Há defasagem na engenharia hospitalar e no setor de informática.
A apresentação de tais informações faz saltar aos olhos a existência de uma crise de gestão. Como admitir que 400
leitos sejam mantidos vazios por incapacidade de operação? “Essa gestão tem que ser corrigida, o modelo deve ser
trocado!” É o que defende o governo, e ao mesmo tempo é o que lutamos contra. A crise não é nem nunca foi de gestão!
A crise é de financiamento, e é a falta de financiamento que causa problemas na gestão! Tem-se uma realidade onde,
por um lado, se os atendimentos são realizados, os custos são maiores do que a verba, e quanto mais se atende maior a
defasagem na folha, e por outro lado, não há funcionários suficientes para manter a estrutura. Considerando isso, como
não haver crise de gestão? Como gerir uma unidade sem suporte financeiro nem de RH?
O que defendemos é que a verba que seria repassada à EBSERH venha para o hospital, com modelo de gestão
pública, com servidores regidos por RJU, com realização de licitações para as compras, com aplicação do dinheiro
público para o público, visando resultado social e não em forma de lucro. Deve-se ter verba suficiente para a saúde e
educação. É uma reivindicação histórica os 10% do PIB pra educação e 6% para a
saúde. Para o HUCFF, é preciso um aporte de verbas emergenciais (R$ 80 a 100
milhões segundo o MEC) e permanentes. A reforma é o primeiro passo, e uma parte
dela já foi conseguida nas lutas do último ano, mas apenas uma parte (R$17 mi). Há de
se lutar pela reforma completa, e pelo repasse garantido e permanente de verbas para
manutenção da estrutura. Os equipamentos devem possuir contratos de
manutenção, é uma forma mais inteligente de utilizar o dinheiro do que consertar
quando estiver quebrado, porém só pode ser feita se houver verba permanente.
Além do financiamento para a estrutura há os recursos humanos, de crucial
importância na saúde. A terceirização, hoje praticada em diversas áreas, nunca foi
nem será solução para nada, e não é esta que defendemos, mas devemos lutar pela
realização de concursos públicos e a admissão de profissionais pelo RJU. Sabemos que
o RJU tem suas falhas, mas acabar com ele não é a solução, ele deve ser aprimorado, e
estendido a todos os serviços, inclusive os hoje terceirizados, como a segurança e a
limpeza.
Em suma, tendo financiamento estrutural e quadro de funcionários garantido
pelo governo federal, sem terceirizações, é possível retirar o HUCFF da crise em que
se encontra, sem mudança de modelo de gestão, apenas com vontade política. Vontade
esta que deve ser buscada pela nossa luta, pela nossa pressão, por um Hospital
Universitário suprido de suas necessidades, para a formação de qualidade da UFRJ e o
atendimento à saúde pública! - Igor Silva (M1) e Isis Altgott (M11)
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