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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL
LUCAS RODRIGUES FÉLIX
FUTEBOL NA OLIMPÍADA RIO 2016:
HISTÓRIA E COMUNICABILIDADE NO JORNAL NACIONAL
NATAL, RN
2017
LUCAS RODRIGUES FÉLIX
FUTEBOL NA OLIMPÍADA RIO 2016:
HISTÓRIA E COMUNICABILIDADE NO JORNAL NACIONAL
Monografia apresentada ao Departamento de
Comunicação Social da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte como requisito parcial para a
obtenção do grau de bacharel em Comunicação
Social – Jornalismo.
Orientação: Prof.ª Dra. Lilian Carla Muneiro.
NATAL, RN
2017
LUCAS RODRIGUES FÉLIX
FUTEBOL NA OLIMPÍADA RIO 2016:
HISTÓRIA E COMUNICABILIDADE NO JORNAL NACIONAL
Monografia apresentada ao Departamento de
Comunicação Social da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte como requisito parcial para a
obtenção do grau de bacharel em Comunicação
Social – Jornalismo, sob a orientação da Prof.ª Dra.
Lilian Carla Muneiro.
Aprovada em ___ de _______ de 2017
BANCA EXAMINADORA
___________________________________________________________
Prof.ª Dra. Lilian Carla Muneiro
Orientadora – Universidade Federal do Rio Grande do Norte
___________________________________________________________
Prof. Dr. Antonino Condorelli
Examinador – Universidade Federal do Rio Grande do Norte
___________________________________________________________
Prof. Dr. Luiz Fernando Dal Pian Nobre
Examinador – Universidade Federal do Rio Grande do Norte
NATAL, RN
2017
3
AGRADECIMENTOS
Agradeço primeiramente a Deus, pela força para enfrentar as jornadas da vida,
inclusive academicamente. E pela fé em sempre permitir que se enxergue o futuro, motivação
necessária para superar os desafios do presente.
À minha família, em especial minha mãe Cláudia Andreza, um suporte essencial com
seu apoio ao longo de toda a trajetória, e minha tia Francisca Doriela, pela inspiração para os
estudos.
Aos amigos feitos ao longo da graduação e dos estágios. A Universidade Federal do
Rio Grande do Norte (UFRN), o Ministério Público do Trabalho (MPT) e a Advocacia Geral
da União (AGU) serão três instituições por que nutrirei grande carinho. Numa feliz
coincidência, todas federais. Que possam, cada uma ao seu modo, ajudar o Brasil a ser cada
vez mais um lugar justo para os seus cidadãos.
E dentro do corpo docente da UFRN, tive a alegria de encontrar Lilian Muneiro, uma
orientadora que acreditou neste projeto desde a sua idealização, auxiliando ao máximo na
ampliação dos conhecimentos para que se tornasse realidade.
Aos amigos do Twitter, um ponto de convergência entre esta e tantas outras ideias.
Muito obrigado aos colegas da rede que me inspiram, incentivam e ajudam a tentar ser um
jornalista melhor. Em especial, ao Alef de Lima, que possibilitou esta pesquisa com o seu
acervo de gravações, e ao Yves Andrade, com quem compartilhei mais de perto o sonho
olímpico da Rio 2016. Através deles, represento também várias outras grandes pessoas que
conheci durante os Jogos.
E aos entrevistados, aos que intermediaram alguns dos contatos e tantos outros que
dedicaram um pouco do seu tempo ajudando não apenas nesta monografia, mas também em
diversos momentos ao longo do curso.
4
Nossa admiração é ainda maior, pois vocês conseguiram
fazer isso em um momento muito difícil na história
brasileira. Sempre acreditamos em vocês. A sua paixão
pelo esporte e a sua alegria de viver nos inspiram.
Thomas Bach, presidente do Comitê Olímpico
Internacional, na cerimônia de abertura da Rio 2016
5
RESUMO
O futebol e a imprensa se caracterizam desde o surgimento da modalidade no país por uma
relação de interdependência, ampliada com o advento da televisão e consequente transmissão
dos jogos. Este trabalho trata do predomínio do futebol em relação aos demais esportes na
repercussão midiática, especialmente televisiva, analisando em retrospectiva o seu impacto no
país e o histórico de exibições da TV Globo na área, assuntos coincidentes em diversos
momentos ao longo de décadas, principalmente durante as partidas da Seleção Brasileira.
Averigua-se de forma destacada a cobertura realizada pela emissora diante da final masculina
entre Brasil e Alemanha durante a Olimpíada de 2016, no Rio de Janeiro, e a edição do Jornal
Nacional sobre a conquista brasileira, observando por diferentes vertentes, como
entrevistando jornalistas envolvidos, a prioridade dedicada ao futebol mesmo em um evento
poliesportivo como os Jogos Olímpicos.
Palavras-chave: futebol; Jornal Nacional; Rio 2016; Seleção Brasileira; TV Globo
6
ABSTRACT
Football and the press have been characterized since the emergence of the sport in the country
by a relation of interdependence, amplified with the advent of television and subsequent
broadcasts of the games. This monograph shows the predominance of the repercussion of
football in relation to other sports in the media, especially television, analyzing in retrospect
its impact on the country and the history of TV Globo transmissions in this field, two issues
that intersected at various moments over the decades, mainly during the matches of the
Brazilian National Team. An analysis of the broadcaster's coverage of the men's final between
Brazil and Germany during the 2016 Olympics in Rio de Janeiro is highlighted, as is the
Jornal Nacional news show about the Brazilian victory, observing from a number of different
angles, for example as interviewing journalists involved, in the priority that was dedicated to
football event during a multi-sport event such as the Olympic Games.
Keywords: Brazilian National Team; football; Jornal Nacional; Rio 2016; TV Globo
7
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 Capturas da vinheta de abertura das transmissões da Rio 2016 na Globo, intituladas
Somos Todos Olímpicos .......................................................................................................... 21
Figura 2 Visão externa do prédio do Grupo Globo no Parque Olímpico .............................. 22
Figura 3 Visão interna do prédio do Grupo Globo no Parque Olímpico ............................... 69
Figura 4 Integrantes da cobertura da TV Globo na final olímpica do futebol masculino ...... 70
Figura 5 Inserções visuais da TV Globo durante a final olímpica do futebol masculino ...... 74
Figura 6 Globo, Band, Record e SporTV retransmitem o sinal gerado pela OBS na final do
futebol masculino .................................................................................................................... 74
Figura 7 Jogadores e técnico da Seleção Brasileira choram após a conquista do ouro olímpico
.................................................................................................................................................. 75
Figura 8 Público no Maracanã durante a final olímpica do futebol masculino ..................... 76
Figura 9 R. Vasconcellos e G. Bueno no estúdio da TV Globo no Parque Olímpico ........... 82
Figura 10 Capturas do clipe do JN sobre o revezamento da tocha olímpica ......................... 84
Figura 11 Reportagem do JN sobre a repercussão internacional da Rio 2016 ...................... 94
Figura 12 Inserções visuais da TV Globo sobre seu prédio no Parque Olímpico em 20 de
agosto de 2016 ........................................................................................................................ 97
Figura 13 Eric Faria entrevista Weverton, R. Micale, Marquinhos e R. Augusto ................. 98
Figura 14 Cabine da TV Globo acima das demais posições da imprensa no Maracanã ........ 99
Figura 15 Torcedores acompanham a final olímpica do futebol masculino em telões ........ 100
Figura 16 Capturas do clipe de encerramento do JN em 20 de agosto de 2016 .................. 103
Figura 17 Capturas do clipe de encerramento do JN em 20 de agosto de 2016 .................. 104
Figura 18 Selo de encerramento do Jornal Nacional em 20 de agosto de 2016 ................. 105
8
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 Relação entre marcas patrocinadoras da TV Globo e da Rio 2016 ......................... 83
Tabela 2 Audiência do Jornal Nacional na Grande São Paulo durante a Rio 2016 .............. 88
Tabela 3 Audiência da TV Globo na Grande São Paulo durante as transmissões de medalhas
de ouro brasileiras na Rio 2016 ............................................................................................... 90
9
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 10
1 A TELEVISÃO NO BRASIL ............................................................................................ 12
1.1 TV Globo e esporte, “tudo a ver” ................................................................................. 15
2 BRASIL, O PAÍS DO FUTEBOL .................................................................................... 24
2.1 1950: a Copa perdida no Maracanã .............................................................................. 27
2.2 Enfim campeão do mundo – e por cinco vezes ............................................................ 30
2.3 O Brasil no centro das atenções ................................................................................... 47
2.3.1 A Copa das Copas .............................................................................................. 50
2.4 Chapecoense e o luto pela maior tragédia do futebol ................................................... 54
3 O OURO INÉDITO NA RIO 2016: HISTÓRIA E NARRATIVIDADE NO JN ......... 61
3.1 Um sábado histórico no Maracanã ............................................................................... 65
3.2 As semanas olímpicas no Jornal Nacional .................................................................. 77
3.2.1 20 de agosto de 2016, um dia de ouro ............................................................... 89
3.2.2 Apontamentos da narrativa do JN ...................................................................... 97
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................. 110
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .............................................................................. 112
10
INTRODUÇÃO
Trazido ao Brasil no final do século XIX, o futebol se tornou rapidamente um símbolo
nacional para além do seu aspecto competitivo, com a Seleção por muitas vezes representando
a essência do país e despertando impressões superlativas na população, o que se acentua
durante os grandes eventos, como a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos.
Nas últimas décadas, uma das maiores responsáveis pela difusão da modalidade no
Brasil é a TV Globo, que além da exibição regular de partidas e de contar com uma
programação diária dedicada ao tema, utiliza-se do Jornal Nacional, seu principal espaço
editorial, para a repercussão dos instantes mais marcantes da vida esportiva – e
consequentemente futebolística - nacional.
Durante os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, a emissora fez o que considera a maior
cobertura da sua história, com diversas atrações, como o JN, sendo apresentadas de um
estúdio especialmente instalado no Parque Olímpico. No período do evento, além dos
apresentadores habituais, o telejornal foi ancorado também por Galvão Bueno, narrador
notório por utilizar a emoção de forma incisiva em suas transmissões, como na final do
futebol masculino da Olimpíada de 2016, decidida entre Brasil e Alemanha nos pênaltis.
O objeto de análise concentra-se na cobertura empregada pela TV Globo desde a
derradeira cobrança de Neymar, que permitiu a conquista da medalha de ouro pela Seleção
Brasileira, observando toda a repercussão subsequente nos comentários e entrevistas levados
ao ar ainda durante a transmissão, bem como na edição do Jornal Nacional que a sucedeu.
Para isto, além dos instantes referidos, foi verificado o padrão de narrativa na
cobertura do JN ao longo de todo o período olímpico, assim como o tratamento empregado ao
tema. A pesquisa contou com referências sobre o histórico do jornalismo esportivo,
concentrando-se metodologicamente na significação da enunciação destacada por Fiorin
(2004).
Este trabalho organiza-se em três capítulos, sendo o inicial dedicado a resumir
brevemente o surgimento da televisão no país, bem como o desenvolvimento da TV Globo ao
seu posto de principal rede brasileira, regularmente alinhado com a exibição de grandes
coberturas ligadas ao esporte. Recupera-se todo o histórico de transmissões olímpicas do
11
canal desde a estreia em Munique 1972, incluindo-se também a sua postura na única edição
em que não possuiu os direitos de exibição dos Jogos, em Londres 2012.
O capítulo seguinte destaca, com o auxílio de diversas publicações, a história do
futebol nacional desde a sua origem, com o acompanhamento dos avanços inerentes ao
crescimento da modalidade, bem como dos mais relevantes jogadores e clubes do país. A
principal narrativa nele presente concentra-se na trajetória da Seleção Brasileira, evidenciando
a importância dedicada ao time pelo país em variados instantes, inclusive seguindo a evolução
das plataformas midiáticas.
O terceiro capítulo une as temáticas, demonstrando a relação entre a televisão e o
futebol aplicada pela TV Globo com o triunfo brasileiro na Rio 2016. Demonstra-se o
discurso utilizado pela emissora, versando ainda sobre o simbolismo de determinadas figuras
e instituições. Neste trecho, a pesquisa busca referências, como na comparação de tempo
dedicado aos diferentes esportes e na análise de profissionais de mídia envolvidos na
cobertura, para constatar se a monocultura esportiva brasileira, voltada de forma majoritária
ao futebol, foi ou não alterada pela realização dos Jogos Olímpicos no país.
12
1 A TELEVISÃO NO BRASIL
Eletrodoméstico líder em popularidade no país, presente em mais de 97% dos lares, de
acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios1
de 2015 do Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística (IBGE)2
, a televisão chegou ao Brasil sem atingir de imediato um
grande número de telespectadores. Em 18 de setembro de 1950, o público paulista
acompanhava a estreia da TV Tupi3
, planejada desde o fim da Segunda Guerra Mundial pelo
grupo Diários Associados, liderado por Assis Chateaubriand. O sinal, porém, não chegava a
todo o estado, sendo forte especialmente na capital e em cidades mais próximas.
Segundo o jornal O Estado de S. Paulo4
, apenas poucas centenas de pessoas
acompanharam a transmissão inaugural, exibida para cerca de 200 televisores
contrabandeados por Chateaubriand. Alguns desses aparelhos foram instalados em vitrines no
Centro da capital paulista para chamar a atenção dos curiosos, enquanto outros foram
distribuídos entre personalidades notáveis da sociedade, como o jornalista Roberto Marinho
(ALVES, 2008, p. 271).
Nos anos 1950, com exibições ainda em preto e branco, a programação limitava-se a
duas vertentes básicas, com inspiração no modelo radiofônico, inclusive contratando diversos
profissionais oriundos dele, e também nos métodos estadunidenses, tanto na própria televisão
quanto no cinema. O conteúdo, voltado majoritariamente ao seleto público elitista com capital
econômico para adquirir os aparelhos, ajudava a restringir a audiência inicial, o que não
atrapalhava, contudo, na expansão regional das redes, com a inauguração da sucursal carioca
da Tupi ocorrendo poucos meses depois.
1
O índice é correspondente a cerca de 66 milhões de domicílios. Disponível em:
http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv99054.pdf. Acesso em: 09 jun. 2017.
2
Em 2000, a porcentagem era de 87,2%, ainda ligeiramente inferior aos números referentes ao rádio. Disponível
em: http://ultimosegundo.ig.com.br/brasil/2012-04-27/ibge-pela-1-vez-domicilios-brasileiros-tem-mais-tv-e-
geladeira-d.html. Acesso em: 11 mar. 2017.
3
O primeiro canal do país ficaria no ar ao longo de trinta anos. Disponível em:
http://fernandomorgado.com.br/artigo/tupi-a-historia-completa-da-tv-pioneira. Acesso em: 08 jun. 2017.
4
A afirmação foi feita em um especial sobre as seis décadas da primeira transmissão. Disponível em:
http://cultura.estadao.com.br/noticias/televisao,ha-60-anos-era-inaugurada-a-tv-tupi-primeira-emissora-de-tv-do-
brasil,611809. Acesso em: 29 mar. 2017.
13
Naquele tempo, o recurso do videoteipe era inexistente, com as exibições ocorrendo ao
vivo, sujeitas a gafes. O livro Chatô, o Rei do Brasil (1994) relata que a primeira transmissão
foi repleta de percalços.
Para desespero generalizado, aconteceu o que ninguém poderia imaginar: uma das
câmeras pifou. Não é verdadeira a versão de que o defeito tenha sido provocado por uma
garrafa de champanhe quebrada na câmera por Chateaubriand, durante a cerimônia da
tarde – até porque não houve batismo com champanhe. A suspeita que reinava entre os
técnicos era a de que a água-benta espargida sobre as câmeras por Dom Paulo Rolim
Loureiro tivesse molhado e danificado alguma válvula. Mas, qualquer que fosse a causa,
ninguém localizar o defeito. E tudo tinha sido ensaiado centenas de vezes para ser
transmitido por três câmeras, não duas. (MORAIS, 1994, p. 503)
A pouca experiência explicava os problemas. O Brasil era o país primeiro da América
Latina a contar com uma emissora e o quarto em todo o mundo, depois apenas dos Estados
Unidos, da Inglaterra e da França. A pouca força comercial da plataforma na época tida como
“rádio como imagens” era compensada pelo próprio Chateaubriand, que possuía um robusto
império midiático sob seu domínio.
Como forma de atrair os anunciantes, os programas ganhavam a inclusão dos
patrocinadores em seus nomes, algo que já era comum também no rádio. Foi assim com o
Repórter Esso, primeiro espaço dedicado regularmente ao jornalismo na televisão brasileira,
com estreia em 1952. O programa era produzido pela agência americana McCann Erickson,
que também se responsabilizava pela publicidade da rede de postos de gasolina que o
batizava. Tinha diversas edições diárias, marcadas por notícias curtas e rápidas. Assim como
no jornalismo televisivo, a Tupi foi igualmente pioneira no entretenimento, inclusive na
dramaturgia, que se utilizava melhor de que o jornalismo, esse quase que inteiramente lido, do
poder de ilustração do novo meio. Seu primeiro grande sucesso foi a adaptação de uma
radionovela para a televisão (SILVA, 2004, p. 24).
Em 1960, a nova capital federal, Brasília, já foi inaugurada com a cobertura de três
canais (TV Nacional, TV Alvorada e TV Brasília). Mas foi a antiga sede do poder, o Rio de
Janeiro, que evidenciou o poder televisivo ao longo da década, com a consagração da
telenovela O Direito de Nascer, que com seu capítulo final lotou ginásios nas duas maiores
cidades do país, mostrando a força do novo meio, que ainda era uma novidade para a maioria
das famílias5
.
5
Pelo país, a trama tinha a audiência de cerca de 75% dos televisores existentes. Disponível em:
https://economia.uol.com.br/blogs-e-colunas/coluna/reinaldo-polito/2015/08/13/o-direito-de-nascer-50-anos-
memoria-de-um-garoto-que-conheceu-os-astros.htm. Acesso em: 12 mai. 2017.
14
Atualmente a maior emissora de televisão da América Latina e do hemisfério Sul6
, a
TV Globo foi levada ao ar pela primeira vez em 26 de abril de 1965, sendo o mais importante
empreendimento do grupo comandado pelo empresário e jornalista Roberto Marinho7
, que na
época já possuía rádio e jornal homônimos8
.
De acordo com reportagem de 2014 da revista The Economist9
, 91 milhões de
brasileiros sintonizam a rede diariamente. Índices distantes dos da estreia do canal, feita
apenas para o Rio de Janeiro às 11 da manhã daquele 26/04, com a exibição do Hino
Nacional, seguido por um programa infantil. Nos seus primeiros meses, a Globo seguiria sem
empolgar o público. Entre os programas exibidos nessa fase, estava até mesmo o de Silvio
Santos – esse, entretanto, restrito somente para São Paulo - que na época ainda não possuía a
concessão do seu próprio canal10
. Já no primeiro dia de programação, também foi ao ar a
telenovela inicial da história da emissora, embora diversos horários da programação fossem
ocupados por enlatados estadunidenses11
. O lançamento e a consequente ampliação canal
aproveitaram uma época de grande expansão da televisão entre os brasileiros, com
crescimento constante em alcance de público e em participação no mercado publicitário. O
regime militar se aproveitava da popularidade do meio para expandir sua ideologia12
, num
acordo tácito para a manutenção da ordem vigente, prática que se repetiria também na
democracia, com a distribuição de concessões das afiliadas para grupos políticos.
6
A emissora figura também entre as maiores do mundo. Disponível em: http://www.jb.com.br/heloisa-
tolipan/noticias/2012/05/09/globo-sobe-em-ranking-e-torna-se-segunda-maior-emissora-do-mundo/. Acesso em:
09 mar. 2017.
7
Ele acompanhou todo o processo de fundação do jornal em 1925. A rádio seria fundada apenas em 1944.
Disponível em: http://www.robertomarinho.com.br/vida/trajetoria/empreendedor.htm. Acesso em: 09 mar. 2017.
8
Atualmente, o Grupo Globo figura entre os principais conglomerados de mídia do mundo na somatória de todas
as suas plataformas. Disponível em: http://oglobo.globo.com/economia/grupo-globo-o-17-maior-conglomerado-
de-midia-do-mundo-16159426. Acesso em: 09 mar. 2017.
9
A publicação lembra que esse número expressivo é atingido apenas somente por um canal anualmente nos
Estados Unidos. Disponível em: http://www.economist.com/news/business/21603472-brazils-biggest-media-
firm-flourishing-old-fashioned-business-model-globo-domination. Acesso em: 29 mar. 2017.
10
O animador seguiria na TV Globo até 1976. Disponível em:
http://memoriaglobo.globo.com/programas/entretenimento/auditorio-e-variedades/programa-silvio-
santos/formato.htm. Acesso em: 09 mar. 2017.
11
Entre eles, filmes, séries e desenhos animados. Disponível em:
http://noticiasdatv.uol.com.br/noticia/televisao/ha-50-anos-globo-ensaiou-estreia-mas-so-ficou-famosa-com-
tragedia-7574. Acesso em: 29 mar. 2017.
12
O lema de integração nacional buscado pela Globo era coincidente aos interesses do governo militar.
Disponível em: http://mundoestranho.abril.com.br/historia/como-era-a-vida-no-brasil-da-ditadura/. Acesso em:
09 mar. 2017.
15
No jornalismo, o primeiro noticiário foi o Tele Globo13
, que ia ao ar em duas edições
diárias. As informações esportivas eram abordadas também pela atração. Só anos depois
surgiria o primeiro espaço exclusivo ao tema, com o Esporte Espetacular14
.
Para a emissora, conforme o site institucional Memória Globo, seu primeiro momento
significativo para a audiência15
foi a cobertura das enchentes que afetaram a capital
fluminense no verão de 1966. Em 1969, o canal já havia se expandido para São Paulo,
conseguindo liderar também entre o público paulistano igualmente com a programação
jornalística, como na cobertura da chegada do homem à Lua. O sucesso se expandiria
conforme o canal se modernizava, passando a adotar rapidamente transmissões a cores, e se
interiorizava, ampliando a rede de emissoras para além da região Sudeste, ao que
paralelamente também ampliava o modelo com uma grade de programação fixa e
diversificada.
1.1 TV Globo e esporte, “tudo a ver”
Em 1º de setembro de 1969, entrou no ar outro marco da TV Globo: o Jornal
Nacional. Primeiro noticiário exibido nacionalmente, com duração inicial média de 15
minutos, o JN foi formado por vários nomes egressos da imprensa escrita, especialmente do
jornal O Globo, pertencente ao mesmo grupo. Desde o princípio já tinha a transmissão fixada
de segunda a sábado, porém começava mais cedo do que atualmente, tendo seu horário
postergado ao longo dos anos de acordo com os hábitos dos brasileiros, especialmente pelo
trânsito nas metrópoles. Em princípio, a atração diferenciava de forma clara o noticiário
nacional, internacional e local. As notícias do exterior ganhavam grande espaço por serem
13
Ele é considerado o precursor do atual Jornal Nacional. Disponível em:
http://cartaodevisita.r7.com/conteudo/1238/em-1965-surgia-o-tele-globo-o-precursor-do-jornal-nacional-nos-
lares-nacionais. Acesso em: 09 mar. 2017.
14
A atração inicialmente também dependia de muito conteúdo estrangeiro, demorando alguns anos para adotar a
tendência da programação de valorizar o conteúdo nacional. Segue veiculada até hoje nas manhãs de domingo,
sendo apresentada por Fernanda Gentil e Felipe Andreoli. Disponível em:
http://terceirotempo.bol.uol.com.br/que-fim-levou/esporte-espetacular-4961. Acesso em: 09 mar. 2017.
15
Antes, o canal chegou a exibir em videoteipe uma partida de futebol amistosa entre Brasil e União Soviética
ainda no ano da sua fundação. Disponível em: http://globotv.globo.com/rede-globo/memoria-globo/v/esporte-
espetacular-transmissao-do-primeiro-jogo-de-futebol-pela-globo-em-1965-2015/3877033/. Acesso em: 04 mar.
2017.
16
menos sensíveis às restrições impostas pela censura, na época em sua fase mais nociva após a
emissão do Ato Institucional nº 5 pelo presidente Costa e Silva16
.
Entre outros acordos firmados pouco após a inauguração, a TV Globo se notabilizou
historicamente como uma parceira do Comitê Olímpico Internacional (COI) para as
transmissões olímpicas. A opção por levar ao ar megaeventos foi uma estratégia da rede para
crescer a sua popularidade nacionalmente de forma rápida, aproveitando-se da dimensão
desse tipo de competição e seguindo o padrão estrangeiro, em especial estadunidense, que a
influenciou por anos, graças ao acordo com a Time-Life, grupo que dava suporte técnico e
financeiro nos anos iniciais da Globo.
A emissora transmitiu os Jogos de Munique17
sete anos após a sua criação, depois de
ter exibido também a Copa do Mundo de 1970. No primeiro importante momento mundial
em solo germânico desde a Segunda Guerra Mundial, algumas das provas foram exibidas ao
vivo. O número de transmissões, porém, era reduzido. Na época, a geração do sinal
internacional ficava sob o comando de uma emissora do país-sede, assim enfocando
basicamente os atletas locais. A boa repercussão garantiu mais espaço ao esporte no
noticiário de forma regular, com a criação de uma divisão de esportes fixa a partir de 1973,
conforme conta o livro Jornal Nacional: a notícia faz história (2004).
A cobertura olímpica começou a se ampliar a partir dos Jogos de Moscou, em 1980,
quando a Globo, na ocasião compartilhando direitos de transmissão com a TV Cultura,
começou a enviar grandes equipes de jornalistas ao local do evento. Foi dessa edição em
diante que o canal iniciou a cobertura de aspectos mais amplos dos Jogos, motivado por
temas como o boicote de dezenas de países para as competições na então União Soviética.
Repórteres de outras editorias também foram deslocados para acompanhar o modo de vida
dos soviéticos18
.
Em 1984, na disputa em Los Angeles, a TV Globo contou pela primeira vez
exclusivamente com um satélite seu, que lhe deu possibilidade da transmissão de seis horas
16
Baixado em 1968, o AI-5 é considerado o momento mais duro da ditadura militar brasileira. Disponível em:
http://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/FatosImagens/AI5. Acesso em: 12 mai. 2017.
17
O ataque terrorista do grupo Setembro Negro acabaria por marcar a edição dos Jogos. Disponível em:
http://torcedores.com/noticias/2016/07/saiba-qual-foi-primeira-olimpiada-transmitida-ao-vivo-para-o-brasil.
Acesso em: 04 mar. 2017.
18
Robert Feith, então correspondente em Londres, foi o principal encarregado desse perfil de matéria.
Disponível em: http://memoriaglobo.globo.com/programas/esporte/eventos-e-coberturas/olimpiada-de-moscou-
1980/transmissao-e-cobertura.htm. Acesso em: 04 mar. 2017.
17
diárias de eventos. Essa foi a primeira Olimpíada coberta no local por Galvão Bueno (2015,
p. 270), que classifica o evento como “a grande festa do esporte mundial”, ao unir “todos os
povos com a filosofia representada pelos cinco anéis entrelaçados”. Ele também fazia
entradas no Jornal Nacional comentando sobre os mais importantes resultados. Na época,
porém, o principal locutor do canal era Osmar Santos19
.
Nos Jogos de Seul, em 1988, os direitos voltaram a ser compartilhados com outras
redes, o que causou uma retração da cobertura global, já que Band, Manchete e SBT também
transmitiam as competições. Já para a Olimpíada de 1992, em Barcelona, quando retornou a
ter transmissão exclusiva, a Globo enviou correspondentes para a Espanha a partir do início
do ano, acompanhando os preparativos para o evento, modelo que desde então se repete
quando não há repórteres já baseados na sede de uma Copa ou Olimpíada previamente. Em
2017, por exemplo, o repórter Marcelo Courrege foi deslocado para Moscou, onde
permanecerá até o Mundial de Futebol da Rússia em 201820
.
A competição de 1996 em Atlanta foi a primeira feita também pelo canal por
assinatura SporTV21
, pertencente ao grupo, o que não reduziu as transmissões na televisão
aberta. Galvão Bueno, já com o status de narrador global número um, fez a cerimônia de
abertura ao lado de Fátima Bernardes.
19
Osmar seguiria sendo privilegiado com as principais transmissões ao longo de toda a década, como também
em 1986, durante a Copa do Mundo da Espanha. Disponível em:
http://uolesportevetv.blogosfera.uol.com.br/2014/05/29/de-comentarista-ao-calaboca-relembre-galvao-bueno-
copa-a-copa/. Acesso em: 04 mar. 2017.
20
Antes das Copas de 2006 e 2010, esse papel coube a Renato Ribeiro, hoje diretor-executivo de esportes da TV
Globo. Disponível em: https://www.instagram.com/p/BPv5zBQA0fg/. Acesso em: 04 mar. 2017.
21
O canal por assinatura foi lançado em 1991 sob a marca Top Sports, alterada para o nome atual somente em
1995. Disponível em: http://sportv.globo.com/site/noticia/2011/05/sobre-o-sportv.html. Acesso em: 04 mar.
2017.
Possui em atividade fixamente três canais, no qual o primeiro é dedicado majoritariamente ao futebol.
Frequentemente sinais da transmissão pay-per-view são abertos excepcionalmente e nominados também como
canais SporTV quando há uma grande coincidência de eventos ao vivo.
O caso mais notório ocorreu nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, quando foram 16 canais exibidos na
televisão e até 40 sinais na internet na mais ampla cobertura olímpica já feita por um meio de televisão
brasileiro. Disponível em: http://sportv.globo.com/site/programas/rio-2016/noticia/2016/07/sportv-entrega-
maior-cobertura-dos-jogos-olimpicos-rio-2016.html. Acesso em: 04 mar. 2017.
Um dos mais vigorosos braços da Globosat, a programadora de TV por assinatura do Grupo Globo, que detém
ainda outras marcas como Multishow, Viva e GNT, é atualmente um dos 10 canais mais assistidos entre os
abertos e fechados. Disponível em: https://tvefamosos.uol.com.br/noticias/ooops/2016/11/08/em-outubro-
audiencia-da-tv-aparecida-supera-multishow-discovery-e-warner.htm. Acesso em: 04 mar. 2017.
18
Em Sidney, na Olimpíada de 2000, o número de horas no ar chegou diariamente a
nove. O fuso horário da Austrália colaborou para que fossem feitas transmissões
praticamente ininterruptas ao longo de toda a madrugada.
Para os Jogos de Atenas, em 2004, o grande destaque ficou por conta de um evento
realizado em solo brasileiro – e antes do começo das competições. Foi quando a tocha
olímpica passou pela primeira vez no Brasil. O percurso do fogo sagrado pelas ruas do Rio de
Janeiro como parte do revezamento internacional, que de forma inédita percorria os cinco
continentes, foi acompanhado em boa parte do tempo ao vivo pela emissora22
, que mostrou a
aglomeração de mais de um milhão de pessoas pelas ruas da cidade.
Na Olimpíada de Pequim, em 2008, a rede apostou em replicar o luxo dos anfitriões,
construindo estúdios especiais tanto no centro internacional de transmissões no Parque
Olímpico, como no Rio de Janeiro. A edição marcou ainda a primeira transmissão olímpica
exibida em alta definição ao público brasileiro.
Em Londres, na edição de 2012, pela primeira vez desde que começou a o fazer, a TV
Globo não transmitiu os Jogos Olímpicos. A licitação internacional feita pelo COI definiu a
Record como dona dos direitos de transmissão exclusivos do evento. O canal carioca se
limitou a cobrir o evento protocolarmente, muitas vezes usando fotos para não ser obrigado a
creditar a concorrente. Em todos os seus programas jornalísticos que repercutiam de forma
factual o universo esportivo, foi lida em tom editorial uma explicação pela limitação.
Na cobertura das Olimpíadas, o Jornal Nacional seguirá as normas do Comitê Olímpico
Internacional, que limita o uso de imagens do evento pelos não detentores de direitos de
transmissão. (Jornal Nacional. TV Globo. 25 de julho de 2012. Disponível em
http://globotv.globo.com/rede-globo/memoria-globo/v/olimpiadas-de-londres-
2012/4326788/)
No Globo Esporte23
, Tiago Leifert24
, então apresentador da edição paulista25
do
programa, comentou na edição de 25 de julho de 2012, o primeiro dia de competições do
22
O canal fez flashes durante a programação mostrando os principais instantes do revezamento. Disponível em:
http://textual.com.br/case/cob-e-prefeitura-do-rio-revezamento-da-tocha-olimpica-de-atenas-2004-no-rio-de-
janeiro/. Acesso em: 04 mar. 2017.
23
O programa é o espaço regular do esporte na grade de programação da Globo desde 1978, quando substituiu o
Copa Brasil, que era dedicado apenas ao futebol. É essencialmente exibido de segunda a sábado na hora do
almoço desde 1983. Disponível em: http://memoriaglobo.globo.com/programas/esporte/programas-
esportivos/globo-esporte/evolucao.htm. Acesso em: 04 mar. 2017.
24
A atração paulista atualmente é comandada por Ivan Moré, que substituiu o próprio Tiago Leifert, quando
esse, a exemplo de outros jornalistas da TV Globo, como Zeca Camargo, Fátima Bernardes e Patrícia Poeta,
optou em migrar para o entretenimento. A edição do Rio de Janeiro, que responde como rede nacional (ver nota
19
futebol nos Jogos, sobre a situação. Naquela altura, ele confirmou o retorno da TV Globo em
2016, por um acordo de cerca de 200 milhões de dólares26
, tendo em vista que a transmissão
dos Jogos no Rio de Janeiro já estava definida como compartilhada entre a própria Globo, a
Record e a Band27
. Essa última já havia sido parceira global em Atenas e Pequim.
Deixa eu conversar um negócio com vocês. Como vocês sabem, hoje é a abertura
extraoficial das Olimpíadas de Londres. A abertura oficial é na sexta-feira, com a festa e
tal. O futebol começa antes, começa hoje, tem Brasil e Camarões hoje à tarde, a Seleção
feminina jogando. Amanhã tem Brasil e Egito, estreia da Seleção masculina.
Vocês sabem também que a Globo não detém os direitos de transmissão dessa Olimpíada
de Londres 2012. A gente volta em 2016. Por não deter os direitos, a gente tem que seguir
uma série de regras impostas por quem detém os direitos e também pelo Comitê Olímpico
Internacional.
Então, a partir de hoje no Globo Esporte, a gente tem o direito de exibir por força
contratual, dois minutos de imagens. E é isso que a gente vai fazer. É só isso que a gente
pode fazer.
Não é obviamente o que a gente quer, a gente sabe que vocês estão acostumados a assistir
a Olimpíada aqui, dessa vez não vai dar. (Globo Esporte SP. 25 de julho de 2012.
Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=8ZIPOpduWJQ)
A Record, mesmo com a exclusividade, não repetiu os números globais em edições
anteriores do evento, com momentos de destaque apenas nos instantes decisivos dos esportes
abaixo), é apresentada por Alex Escobar. Disponível em: http://globoesporte.globo.com/sp/noticia/2015/07/de-
volta-do-esporte-espetacular-ivan-more-assume-o-globo-esporte-sp.html. Acesso em: 04 mar. 2017.
25
Desde 2009, o Globo Esporte passou a se regionalizar, mirando na época a reversão de uma crise de audiência
em São Paulo. Disponível em: http://torcedores.com/noticias/2015/07/globo-esporte-de-tiago-leifert-ajudou-
audiencia-da-atracao-a-se-recuperar-de-crise. Acesso em: 04 mar. 2017.
A partir de então, outros estados passaram a ir seguidamente ganhando edições próprias para que pudessem
otimizar a duração de cerca de 30 minutos com as coberturas locais.
Atualmente há versões integralmente próprias do programa em todos os estados do Sul e Centro-Oeste, além de
Bahia, Pernambuco, Ceará, Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro, sendo que a edição carioca segue como a
de exibição nacional fixa para as praças que não possuem um GE inteiramente local, assim como para totalidade
do Brasil em eventos marcantes, como nos Jogos Olímpicos e nos dias subsequentes ao desastre aéreo da
Chapecoense. Disponível em: http://natelinha.uol.com.br/colunas/2016/11/30/como-a-televisao-cobriu-o-
tragico-acidente-que-ficara-marcado-na-historia-103692.php. Acesso em: 04 mar. 2017.
26
Os direitos dos Jogos de 2012 custaram 60 milhões de dólares para a Record. Disponível em:
https://olimpiadas.uol.com.br/noticias/2015/12/10/globo-assegura-direitos-de-transmissao-das-olimpiadas-ate-
2032.htm. Acesso em: 12 mai. 2017.
27
Globo e Band celebraram a aquisição dos direitos de forma conjunta em rara medida. O habitual é que o canal
carioca sublicencie suas compras junto aos paulistas. Disponível em: http://oglobo.globo.com/cultura/revista-da-
tv/proposta-conjunta-da-globo-band-vence-disputa-pelas-olimpiadas-de-2016-3137429. Acesso em: 04 mar.
2017.
20
coletivos. Liderou com a decisão do futebol entre Brasil e México28
, na qual a Seleção ficou
com a prata, guardando a esperada conquista do ouro inédito para o Rio de Janeiro.
O ciclo olímpico da Record incluiu também a Olimpíada de Inverno de Vancouver,
em 2010. Foi a primeira grande transmissão do evento na televisão aberta do Brasil29
. A
Globo acompanhava a versão gelada dos Jogos em reportagens desde 1980, mas jamais havia
ousado exibir eventos. Em 2014, todavia, ao retomar os direitos, a emissora mostrou diversos
momentos das disputas em Sochi ao vivo30
. Dois anos antes, já havia feito também uma
cobertura mais generosa dos Jogos Paralímpicos31
, apesar de nesse caso não transmitir
nenhuma competição em tempo real.
Ao contar de novo com as Olimpíadas em seu portfólio de direitos esportivos, a
Globo é detentora de todas as principais competições ao público brasileiro na atualidade, com
exceção dos Jogos Pan-Americanos, propriedade exclusiva da Record desde Guadalajara
201132
. A rede televisiva da família Marinho, além dos Jogos Olímpicos de Verão e Inverno
e da Paralimpíada, possui também os campeonatos mundiais de alguns dos principais
esportes coletivos do país, como futebol e vôlei33
, e de suas competições nacionais,
respectivamente, Brasileirão e Superliga34
. Igualmente são da rede os direitos dos mundiais
de atletismo e esportes aquáticos, do UFC e da Fórmula 1, além dos torneios internacionais
28
Diante de finais envolvendo o Brasil também no vôlei feminino e no boxe masculino, a Record foi líder de
audiência em 11 de agosto de 2012 das 7h até pouco depois das 18h. Disponível em:
http://entretenimento.r7.com/famosos-e-tv/noticias/record-conquista-lideranca-isolada-em-audiencia-com-
olimpiadas-20120812.html. Acesso em: 04 mar. 2017.
29
O ineditismo da Record foi recompensado na ocasião por celebrados números de audiência. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=TV7wQgR8F5s. Acesso em: 04 mar. 2017.
30
Foi criado ainda um programa diário ao fim de noite com o resumo das competições. Disponível em:
http://redeglobo.globo.com/novidades/esportes/noticia/2014/02/sochi-2014-siga-cobertura-dos-jogos-olimpicos-
de-inverno-na-globo.html. Acesso em: 04 mar. 2017.
31
O modelo de boletim noturno replicou a ideia já utilizada na Paralimpíada de Londres. Disponível em:
http://globoesporte.globo.com/paralimpiadas/noticia/2012/08/boletim-paralimpico-traz-o-resumo-do-dia-de-
disputas-em-londres.html. Acesso em: 04 mar. 2017.
32
Os direitos são válidos até a edição do Pan em Lima, em 2019. Disponível em:
http://exame.abril.com.br/marketing/recorde-compra-direitos-de-exlcusividade-do-pan-2019/. Acesso em: 04
mar. 2017.
33
As modalidades aparecem entre as 10 mais assistidas pelos brasileiros dentre as mais de 40 disputadas nos
Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro. Disponível em: http://exame.abril.com.br/marketing/os-10-esportes-mais-
assistidos-pelos-brasileiros-na-rio-2016/. Acesso em 04 mar. 2017.
34
Entre clubes e seleções, a Globo transmite aproximadamente 90 jogos de futebol e 15 de vôlei por ano,
excetuando-se os grandes eventos.
21
mais grandiosos, como a Liga dos Campeões da Europa e a NBA, liga de basquete dos
Estados Unidos.
Figura 1. Capturas da vinheta de abertura das transmissões da Rio 2016 na Globo, intituladas Somos Todos
Olímpicos (fonte: reprodução/TV)
Suas transmissões costumam se destacar pela busca em engajar a torcida, se
colocando como parte da mesma e assim criando um vínculo na tentativa de garantir a
audiência. Em 2016, o mote de toda a cobertura foi o slogan “somos todos olímpicos”,
apresentado ao público em um clipe no Show da Virada35
, a tradicional transmissão de Ano
Novo do canal. A prática já é observada desde o Mundial de 1994, quando o tema escolhido
foi “a Globo é mais Brasil”. Em 2010, também na Copa do Mundo, a campanha se baseou na
ideia que “nosso esporte é torcer pelo Brasil”, enquanto em 2014 se reforçou a buscada união
entre emissora e público identificando que “somos um só”, caracterizando o status de
tradição desse sentido.
Ao longo do ano olímpico, essa aproximação entre a realidade esportiva e a dos
indivíduos surgiu em campanhas feitas em ocasiões comemorativas, como o Dia da Mulher36
e a volta às aulas. Segundo a Publicação da Direção Geral de Negócios da Globo em
outubro de 2015, o projeto buscou “o envolvimento dos brasileiros com o chamado espírito
35
A apresentadora Mariana Gross definiu o fato da realização dos Jogos Olímpicos como o início de “um ano
muito especial”. Disponível em: https://youtu.be/MEyQ7duBaF0?t=1455. Acesso em: 04 mar. 2017.
36
Nessa chamada, foi utilizado o elenco feminino do time de comentaristas do canal para os Jogos Olímpicos.
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=KFaKsVEumao. Acesso em 04 mar. 2017.
22
olímpico”, colocando inspiração, educação, admiração e transformação como os pilares
básicos do movimento.37
Figura 2. Visão externa do prédio do Grupo Globo no Parque Olímpico (fonte: arquivo pessoal)
Para as transmissões no Rio de Janeiro, a Globo realizou a sua maior estrutura em toda
a história38
, com a dedicação, por exemplo, de 160 horas de exibições durante o evento39
,
assim se dimensionando de forma superior inclusive que a da estadunidense NBC, um feito
inédito na história olímpica recente. Destacou-se no projeto, que envolveu mais de dois mil
profissionais de forma direta nas transmissões, o estúdio de vidro com 500 metros quadrados
erguido na área central do Parque Olímpico, de onde foram apresentados programas da TV
Globo, do SporTV e do globoesporte.com.
Os dias dos Jogos representaram o ápice de uma ampla cobertura feita desde o
momento em que a capital fluminense se tornou cidade olímpica, em 2 de outubro de 2009.
Na ocasião, o anúncio da vitória derradeira sobre Madri foi transmitido ao vivo e dominou
37
Na publicação, o diretor Renato Ribeiro lembrou que o envolvimento do público com as modalidades ocorre
em grande parte por causa desses ideais (inspiração, educação, admiração e transformação). Disponível em:
http://comercial2.redeglobo.com.br/biponline/BIP/BIP_609.pdf. Acesso em 04 mar. 2017.
38
Cerca de 100 horas foram de transmissões ao vivo. Disponível em:
http://www.grupoglobo.globo.com/noticias/empresas_grupo_globo_preparam_maior_cobertura_esportiva_da_su
a_historia.php. Acesso em: 09 mar. 2017.
39
A decisão acarretou no cancelamento eventual de diversos programas da grade. Disponível em:
http://zh.clicrbs.com.br/rs/entretenimento/tv/noticia/2016/08/olimpiada-muda-programacao-da-globo-e-tira-
velho-chico-do-ar-na-proxima-sexta-feira-7105463.html. Acesso em: 09 mar. 2017.
23
boa parte dos telejornais do dia, inclusive do Jornal Nacional40
, que dedicou quase a
totalidade da sua escalada para a repercussão do fato.
2 de outubro de 2009. O mundo conhece a sede dos Jogos Olímpicos de 2016. Rio de
Janeiro. Nossos repórteres mostram como foi a votação histórica do Comitê Olímpico
Internacional. A emoção da comitiva brasileira na cerimônia em Copenhague. A
comemoração dos nossos atletas com a apuração dos votos. As reações ao resultado nas
cidades que perderam a disputa. E a festa popular na praia mais simbólica do Brasil.
(Jornal Nacional. TV Globo. 2 de outubro de 2009. Disponível em
https://www.youtube.com/watch?v=Kcy2V-E7Gn4)
O JN tradicionalmente abre um grande espaço para a cobertura dos Jogos Olímpicos,
sendo um dos raros momentos em que o esporte ganha peso suficiente para abrir edições e
se sobressair diante das pautas política ou econômica. O fenômeno não é isolado e ocorre ao
redor do planeta nas mais diferentes mídias, desde a predominância do jornal impresso.
Apesar disso, até 2016 jamais havia deslocado algum de seus principais
apresentadores para cobrir o evento in loco, como faz com as Copas do Mundo desde 1998,
algo que simboliza a dimensão de grande importância do futebol para o país.
40
A TV Globo acompanhou desde cedo, com o Bom Dia Brasil, o discurso do então presidente Luiz Inácio Lula
da Silva em defesa da candidatura do Rio de Janeiro. Mais tarde, interrompeu a primeira edição dos telejornais
locais para exibir as rodadas que eliminaram Chicago e Tóquio da disputa. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=GlIs5AFooUo. Acesso em: 04 mar. 2017.
O anúncio oficial veio durante uma edição especial do Jornal Hoje, ancorada por Sandra Annenberg do estúdio
habitual em São Paulo e por Alex Escobar, de um especialmente montado para a ocasião no Rio de Janeiro.
O JH daquele 2 de outubro de 2009 rendeu 16 pontos de audiência, recorde do ano, superando os 14 pontos da
edição de 1º de junho, quando ocorreu a tragédia aérea com o voo 447 da Air France. Disponível em:
http://veja.abril.com.br/blog/radar-on-line/rio-2016-um-sucesso-de-audiencia/. Acesso em: 04 mar. 2017.
Além do correspondente fixo em Tóquio, a Globo deslocou enviados especiais para Copenhague, na Dinamarca,
onde aconteceu a reunião do Comitê Olímpico Internacional, e para as demais cidades derrotadas, Chicago e
Madri.
24
2 BRASIL, O PAÍS DO FUTEBOL
Entre os muitos estereótipos propagados mundo afora, talvez nenhum identifique tanto
o Brasil como o lema de “país do futebol”, apesar do surgimento da modalidade - da forma
mais aproximada a como a conhecemos - ter acontecido na Inglaterra. Nenhum outro esporte
atinge hoje a dimensão do futebol na vida global. Por exemplo, a Organização das Nações
Unidas (ONU) informa possuir 193 países-membros, enquanto a Federação Internacional de
Futebol (Fifa), conta com 211 países filiados41
, número superior inclusive ao do Comitê
Olímpico Internacional (COI), que possui 206 comitês nacionais como membros.
A internacionalização da modalidade é notada inclusive na entrada do futebol no
Brasil, sendo trazido da Inglaterra por Charles Miller, um brasileiro descendente de ingleses
que deixou o bairro paulistano do Brás rumo à Europa ainda criança, retornando apenas aos
vinte anos, após a conclusão dos estudos. Ao voltar, além da primeira bola de futebol a rolar
em campos nacionais, ele possuía ainda consciência das regras da modalidade, trazendo em
sua bagagem ainda o livro com o conjunto delas42
.
Em 1894, o turfe e o remo, eram as modalidades mais destacadas pela imprensa.
Somente com a formação de times entre os profissionais das fábricas é que o futebol começou
a ganhar atenção, ainda que limitada. O profissionalismo passou a surgir em 1902, com a
primeira disputa do Campeonato Paulista43
. Apenas cinco equipes participaram da
competição, vencida pelo São Paulo Athletic, time formado por descendentes ou filhos de
ingleses, em uma final assistida por quatro mil pessoas nas arquibancadas. O clube deixou de
integrar o torneio dez anos depois.
Ao longo dos anos seguintes, o futebol foi sendo expandindo, tanto entre as figuras
notáveis da sociedade, como entre a população, passando rapidamente a se popularizar
41
A Fifa, desde o primeiro mandato do brasileiro João Havelange, em 1974, adotou um critério de globalização
flexível, que considera diversos territórios sem autonomia política como países. Disponível em:
http://exame.abril.com.br/mundo/20-paises-que-fazem-parte-da-fifa-mas-nao-da-onu/. Na ONU, foram 51 os
países fundadores, incluindo o Brasil, com o número também sendo ampliado ao passar das décadas. Disponível
em: https://nacoesunidas.org/conheca/paises-membros/. Acesso em: 25 abr. 2017.
42
Ao deixar a breve carreira como jogador, Charles Miller ainda foi árbitro por diversos anos. Disponível em:
http://trivela.uol.com.br/craque-artilheiro-tecnico-cartola-sensacao-na-europa-charles-miller-nao-foi-so-o-pai-do-
futebol-no-brasil/. Acesso em: 15 mar. 2017.
43
Desde então, o torneio é organizado anualmente de forma ininterrupta. Disponível em:
http://2016.futebolpaulista.com.br/Clubes/Todos+os+Campe%C3%B5es. Acesso em: 25 abr. 2017.
25
também na então capital federal, o Rio de Janeiro. O esporte já passava a ter presença
obrigatória nos jornais, também com o surgimento de periódicos específicos. Conforme
salientado por Silva e Santos (2006, p. 29), nesse período, com a multiplicação dos campos de
várzea pelas grandes cidades, a população mais pobre também começava a fazer parte do
universo futebolístico, o que Mario Filho identifica no livro Histórias do Flamengo (2014)
como uma das razões para a sua rápida propagação.
Em 1914, formou-se pela primeira vez na história uma Seleção de futebol do Brasil,
que cinco anos depois44
conquistaria seu primeiro grande título: o Campeonato Sul-
Americano, esboço da atual Copa América, em uma disputa de turno único dos anfitriões
contra Argentina, Chile e Uruguai. O time brasileiro se filiou de imediato à Confederação
Sulamericana de Futebol (Conmebol) e à Fifa.
De acordo com Napoleão (2006, p. 29), a partida inaugural daquele torneio foi
realizada diante de cerca de 25 mil espectadores, estando entre eles o presidente Delfim
Moreira. Na goleada de 6 a 0 do Brasil contra o Chile, outras milhares de pessoas cercaram o
Estádio das Laranjeiras, então o maior da América do Sul, para tentar observar o confronto
subindo em muros e árvores.
A crescente popularização do esporte decepcionava alguns dos seus precursores, mais
puristas, que temiam a mistura com outras raças, fruto do pensamento eugenista que
dominava parte da sociedade desde a abolição da escravatura, em 1888. Outro medo era o do
crescimento de brigas nas arquibancadas, deixando de lado a celebração independentemente
do resultado. Nessa época, vaias e xingamentos direcionados para os atletas e árbitros já eram
comuns em situações onde a torcida se via desagradada. Em 1925, a Confederação Brasileira
de Desportos (CBD), antecessora da atual Confederação Brasileira de Futebol (CBF), não
permitiu a escalação de jogadores negros ou mestiços para a disputa do mesmo Campeonato
Sul-Americano, então realizado na Argentina, ressaltando o caráter ainda excludente que o
futebol possuía na época. Conforme contado por Silva e Votre (2006, p. 42), os anfitriões,
contando com negros no elenco, acabaram vencendo a competição.
Diante do crescimento da Seleção, a imprensa especializada começou a se
profissionalizar, assim como os clubes de regatas, voltados aos esportes náuticos em suas
44
O torneio foi adiado em um ano por causa da epidemia de gripe espanhola. Disponível em:
http://esportes.terra.com.br/futebol/copaamerica2007/interna/0,,OI1558695-EI8897,00.html. Acesso em: 15 mar.
2017.
26
fundações, passaram a também priorizar o futebol. É o caso do Flamengo, hoje time mais
popular do país45
, fundado em 1895, mas que somente em 1911 passou a ter um departamento
de esportes terrestres46
.
Nesse período, o futebol já era uma modalidade olímpica, sendo o segundo esporte
coletivo a entrar nos Jogos da Era Moderna, depois somente do polo aquático. A modalidade
integrou inicialmente o programa olímpico apenas como exibição nas edições de Paris 1900 e
Saint Louis 1904. Em Londres 1908, houve pela primeira vez um torneio oficial de seleções,
com a vitória dos donos da casa diante da Dinamarca na final. O pódio foi completado pela
Holanda, que ao lado de França, Suécia e Suíça fecha a lista das nações que estiveram na
disputa. A participação apenas de nações europeias foi motivada pelos longos deslocamentos
da época, com as viagens das equipes de outros continentes sendo possíveis apenas por via
marítima.
Em 1924, nos Jogos de Paris, o torneio vencido pelo Uruguai foi responsável por cerca
de 30% da receita de toda a competição, levando ao todo mais de 200 mil pessoas aos
estádios. Tamanho sucesso motivou a Fifa a decidir em 1928, sob o entusiasmo de Jules
Rimet47
durante o congresso da entidade, a criar um campeonato mundial de futebol próprio.
Assim surgia a Copa do Mundo, realizada pela primeira vez em 1930 no Uruguai, também
campeão do torneio. O país, famoso como a Celeste Olímpica por causa das suas conquistas
de medalhas de ouro em 1924 e 1928, parou para acompanhar a final diante da Argentina.
Quase 100 mil pessoas assistiram a vitória por 4 a 2 contra os portenhos no Estádio
Centenário, em Montevidéu. No dia seguinte, para que a população comemorasse, foi
decretado feriado nacional.
O Brasil, que até então jamais havia disputado o futebol nos Jogos Olímpicos, foi um
dos 13 participantes da competição - os demais foram, além do Uruguai, Argentina, Bélgica,
Bolívia, Chile, Estados Unidos, França, Iugoslávia, México, Paraguai, Peru e Romênia. Na
época ainda sem o sistema de eliminatórias, a presença brasileira foi decorrente de um convite
45
Segundo o Datafolha, o time possui a preferência de 17,2% dos torcedores brasileiros. Disponível em:
http://globoesporte.globo.com/futebol/noticia/2010/06/ibope-aponta-flamengo-como-maior-torcida-e-sport-em-
ascensao.html. Acesso em: 16 mar. 2017.
46
O time já estrearia no Campeonato Carioca no ano seguinte. Disponível em:
http://www.flamengo.com.br/site/noticia/detalhe/11289/relembre-a-genesis-do-futebol-do-flamengo. Acesso em:
15 mar. 2017.
47
O francês, terceiro presidente da Fifa, passou a batizar a taça do Mundial a partir de 1946. Disponível em:
http://terceirotempo.bol.uol.com.br/que-fim-levou/jules-rimet-5556. Acesso em: 13 abr. 2017.
27
dos organizadores. A Seleção ficou em sexto lugar, sendo eliminada na fase de grupos. O time
foi ao Uruguai apenas com apenas um rebelde atleta atuante em São Paulo - o atacante
Araken, do Santos -, por causa de uma briga entre as federações locais motivada pela
supremacia carioca na formação da comissão técnica.
O brasileiro, porém, não acompanhou nenhum desses confrontos ao vivo. Segundo
André Ribeiro (2007, p. 76), somente em 1931 seria feita uma transmissão de partida por
rádio, no duelo entre equipes representando os estados de São Paulo e do Paraná. As
transmissões logo cairiam no gosto popular, se tornando habituais especialmente aos fins de
semana.
Em 1938, por exemplo, quatro jornalistas brasileiros foram enviados para cobrir a
Copa do Mundo da França, algo inédito. A Seleção começou a despontar para o protagonismo
internacional ao alcançar a terceira colocação na disputa, vencida pela Itália. Essa foi a
primeira ocasião em que os envolvidos em conflitos estaduais sobre o avanço da
profissionalização do futebol sobre o amadorismo, que, segundo Toledo (2000, p. 10), vinha
ocorrendo ao longo da década, se apaziguaram e o país foi aos campos franceses com seus
melhores jogadores, entre eles o negro Leônidas da Silva, artilheiro do torneio e o primeiro
jogador brasileiro a alcançar os status de ídolo nacional.
2.1 1950: a Copa perdida no Maracanã
Por causa da Segunda Guerra Mundial, a Copa do Mundo seguinte foi disputada
somente em 1950, com o Brasil recebendo pela primeira vez o torneio. No intervalo de 12
anos sem Mundiais, as competições continuaram ocorrendo regionalmente na América do Sul,
servindo para a consolidação dos atletas e clubes profissionais e a progressiva inserção dos
negros, numa forma também de ascensão social (FILHO, 2003, p. 179).
Após o fim da II Grande Guerra, o Brasil obtia bons índices econômicos, com uma
média de 8% de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) por ano. Nesse ritmo, o país
conquistou o direito de sediar a Copa do Mundo durante o congresso pós-guerra da Fifa em
194648
. Seis estádios espalhados pelo país receberam jogos do Mundial, sendo eles o
Pacaembu, em São Paulo, o Independência, em Belo Horizonte, a Vila Capanema, em
Curitiba, o dos Eucaliptos, em Porto Alegre, a Ilha do Retiro, em Recife, e o Maracanã, palco
48
O país, que já sonhava em receber um Mundial desde 1942, foi candidato único na ocasião. Disponível em:
http://zh.clicrbs.com.br/rs/noticia/2007/10/em-1950-brasil-tambem-foi-candidato-unico-a-pais-sede-
1663071.html. Acesso em: 25 abr. 2017.
28
da final, no Rio de Janeiro. Então com capacidade superior a 150 mil presentes, o Maraca,
como é carinhosamente chamado pelos torcedores, hoje leva o nome do jornalista Mario
Filho49
, um dos maiores entusiastas da sua construção. A inauguração oficial do estádio, o
maior do mundo na época, aconteceu somente oito dias antes da primeira partida da Copa.
A população apoiou a empreitada governamental para a construção do estádio, em
grande parte motivada pelo apoio da mídia, como do radialista Ary Barroso, que também
exercia o cargo de vereador graças à popularidade obtida pela sua atuação narrando partidas
de futebol, e do próprio Mario Filho.
O Mundial de 1950 contou novamente com 13 participantes, sendo garantidos
previamente o Brasil como sede e a Itália por ser a campeã mais recente. Participaram ainda,
oriundas do já vigente sistema de eliminatórias internacionais, Bolívia, Chile, Espanha,
Estados Unidos, Inglaterra, Itália, Iugoslávia, México, Paraguai, Suécia, Suíça e Uruguai, que
acabaria se sagrando campeão ao superar o Brasil no confronto que ficou eternizado como o
Maracanazo.
Antes da decisão, a Seleção empolgava os torcedores. Na estreia no quadrangular
final, venceu a Suécia por uma goleada com o placar de 7 a 1. Depois veio outro triunfo com
larga vantagem, um 6 a 1 sobre a Espanha, com direito a torcida cantando a marchinha
Touradas em Madri das arquibancadas50
. No dia da final, lembranças do “campeão” já eram
vendidas nos arredores do estádio. O Brasil seria vencedor mesmo com o empate. Diante do
bem sucedido estilo ofensivo dos brasileiros e das dificuldades que o Uruguai encontrou em
partidas anteriores, a imprensa e o público davam como uma questão de tempo a conquista do
título naquele 16 de julho de 1950. A Seleção era cercada inclusive por políticos, como o
então presidente Eurico Gaspar Dutra, que utilizava a Copa para marcar sua imagem como
líder do país após o forte personalismo da gestão de Getúlio Vargas.
Pouco antes do jogo final, Mendes de Morais, o prefeito do Rio discursou no
Maracanã, sendo ouvido, de acordo com Pimentel (2013, p. 19), por aproximadamente 220
49
O jornalista, além de fomentar o desenvolvimento do futebol carioca, foi o responsável pela criação dos
desfiles das escolas de samba do Rio de Janeiro. Disponível em:
http://globoesporte.globo.com/Esportes/Noticias/Futebol/0,,MUL587551-9825,00-
HA+ANOS+NASCIA+MARIO+FILHO+O+CRIADOR+DAS+MULTIDOES.html. Acesso em: 13 abr. 2017.
50
Naquela altura da Copa, a Espanha era mais temida pelos torcedores que o Uruguai. O jogo registrou o maior
público do futebol mundial até então, sendo pouco depois superado pela partida final. Disponível em:
https://copadomundo.uol.com.br/noticias/redacao/2013/06/30/goleada-em-1950-consagrou-a-marcha-de-
carnaval-touradas-em-madri-ouca.htm. Acesso em: 13 abr. 2017.
29
mil presentes no estádio, número largamente superior a capacidade prevista, obrigando muitas
pessoas a se aglomerarem em pé e de lado, enquanto escutavam suas pouco proféticas
palavras51
.
Um dia antes, o jornal A Noite trazia uma foto da equipe posando com a manchete
“Estes são os campeões do mundo”. Tamanha euforia seria proporcional ao clima de
abatimento que tomou conta do estádio. Schiaffino e Ghiggia marcaram contra o gol de
Barbosa, que carregou pelo resto da vida a imagem de maior culpado pela derrota, em uma
virada do Uruguai por 2 a 1. O Maracanã se calou e os campeões consolaram os vencidos.
Para o autor do segundo gol uruguaio, “o silêncio era tão grande, que se uma mosca estivesse
voando por lá, ouviríamos o seu zumbido”. O sentimento foi resumido dois dias após a final,
em 18 de julho, por José Lins do Rego em crônica no Jornal dos Sports:
Vi um povo de cabeça baixa, de lágrimas nos olhos, sem fala, abandonar o Estádio
Municipal, como se voltasse do enterro de um pai muito amado. Vi um povo
derrotado, e mais que derrotado, sem esperança. Aquilo me doeu no coração. Toda a
vibração dos minutos iniciais da partida reduzida a uma pobre cinza de fogo
apagado. (Disponível em http://www.unesp.br/aci/jornal/206/memoria.php)
O goleiro Barbosa, negro, foi considerado um dos maiores culpados pela derrota,
reavivando a discussão sobre a integração racial no esporte. O abalo após o insucesso foi
tamanho que jornalistas como Mario Filho buscavam consolar a população destacando o
sucesso da organização do torneio. Outra consequência do resultado, ainda que indireta, foi o
retorno de Getúlio Vargas52
ao Palácio do Catete, então sede do poder Executivo, fruto do
descontentamento popular com Dutra.
A derrota, contudo, não abalou o amor do brasileiro pelo futebol. A Seleção retornaria
aos gramados somente em 1952, participando pela primeira vez de uma Olimpíada em
Helsinque, após vencer os Jogos Pan-Americanos, conquistando o ouro diante do time de
juniores do Uruguai, na primeira das incontáveis revanches pelo Maracanazo. O time, com
uma média de idade de 19 anos, caiu nas quartas de final do torneio olímpico diante da
Alemanha. A equipe vencia a partida por 2 a 1 até o último minuto de jogo, quando ocorreu o
empate que forçou a prorrogação. Diante do abalo emocional, o time acabou contabilizando
51
Ele disse que o país não possuía rivais em todo o hemisfério, já saudando aos presentes como vencedores.
Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/especial/fj1804201008.htm. Acesso em: 25 abr. 2017.
52
Presidente entre 1930 e 1945, quando foi derrubado pelos militares, notabilizou-se pelos avanços nas leis
trabalhistas em seu primeiro mandato. Suicidou-se em 1954, quatro anos após ser reconduzido ao cargo pelo
voto popular. Disponível em: https://educacao.uol.com.br/biografias/getulio-dornelles-vargas.jhtm. Acesso em:
13 abr. 2017.
30
mais dois gols. Três dos jogadores do elenco (Vavá, Humberto Tosi e Zózimo) seriam
campeões do mundo em 1958. Diante de outro trauma, a volta ao Maracanã foi mais adiada
ainda, acontecendo apenas em 1954. Como efeito dessa derrota, segundo Rubio (2006, p.
115), os holofotes voltaram-se por completo para o atleta Adhemar Ferreira da Silva, que
conquistou a segunda medalha de ouro da história do país em Jogos Olímpicos53
, no salto
triplo.
A camisa amarela, hoje símbolo nacional, foi escolhida em concurso nesse intervalo,
em 1953, numa realização em parceria entre a CBD e o jornal Correio da Manhã. Foram
enviadas mais de 200 opções, sendo escolhida a proposta de um jovem gaúcho de 18 anos.
Ela substituiu o uniforme branco utilizado no Maracanazo, aposentado em definitivo54
.
2.2 Enfim campeão do mundo - e por cinco vezes
Foi com o uniforme reserva, na cor azul, que o Brasil superou a Suécia, anfitriã do
torneio, na final da Copa do Mundo de 1958, quando conquistou seu primeiro título, numa
vitória por 5 a 2 no estádio Rasunda. Os jogadores ficaram preocupados quando ocorreu o
sorteio referente uso dos uniformes para a final, já que o amarelo era a cor principal de ambas
as equipes, se mostrou favorável aos donos da casa, os dando a prioridade de utilizar a
vestimenta principal. Para confortar a equipe brasileira, obrigada a adotar sua segunda opção,
relata-se que Paulo Machado de Carvalho55
, chefe da delegação, disse que o time seria
campeão com a cor do manto de Nossa Senhora de Aparecida, padroeira do país.
Carvalho foi responsável por ajustes significativos na preparação do selecionado
brasileiro, com a formação de uma comissão técnica que incluía, de acordo com Carravetta
(2012), preparador físico, pedicuro, dentista e psicólogo, além das já habituais presenças de
médico, massagista, roupeiro e treinador. Proprietário da TV Record, a primeira emissora a
53
A primeira foi do atirador Guilherme Paraense em 1920, nos Jogos da Antuérpia, sucedendo conquistas de
prata e bronze na mesma edição, todas no tiro esportivo, esporte em que o Brasil só voltaria a subir ao pódio em
2016, com a prata de Felipe Wu. Disponível em: http://www.surtoolimpico.com.br/2016/05/surto-historia-
guilherme-paraense-o.html. Acesso em: 13 abr. 2017.
54
Na estreia do novo uniforme, o Brasil venceu o Chile por 2 a 0 em partida das Eliminatórias. Disponível em:
http://esportes.estadao.com.br/noticias/futebol,camisa-amarela-da-selecao-foi-escolhida-em-1953-apos-
concurso,1516599. Acesso em: 13 abr. 2017.
55
Apelidado como o “marechal da vitória”, ele anos depois passaria a nomear o estádio do Pacaembu, em São
Paulo. Disponível em: http://www.lance.com.br/todos-esportes/conheca-historia-paulo-machado-carvalho-
marechal-vitoria.html. Acesso em: 13 abr. 2017.
31
transmitir um jogo de futebol no país, ele traçou com antecedência outros detalhes, como os
locais de acomodação na Suécia, permitindo maior tranquilidade ao time.
Antes da Copa, mesmo com a animação de cronistas como Nelson Rodrigues diante
do então garoto Edson Arantes do Nascimento, o Pelé, que havia estreado pelo time principal
somente um ano antes, aos dezesseis de idade, o clima de desconfiança era generalizado, no
que foi cunhado pelo jornalista como o “complexo de vira-latas” do povo brasileiro, em artigo
publicado na revista Manchete Esportiva poucos dias antes da estreia da Seleção no Mundial.
Eis a verdade, amigos: desde 50 que o nosso futebol tem pudor de acreditar em si
mesmo. A derrota frente aos uruguaios, na última batalha, ainda faz sofrer, na cara e
na alma, qualquer brasileiro. Foi uma humilhação nacional que nada, absolutamente
nada, pode curar.
Dizem que tudo passa, mas eu vos digo: menos a dor de cotovelo que nos ficou dos
2x1. E custa crer que um escore tão pequeno possa causar uma dor tão grande. O
tempo passou em vão sobre a derrota. [...]
Guardamos, para nós mesmos, qualquer esperança. Só imagino uma coisa: se o
Brasil vence na Suécia, e volta campeão do mundo! Ah, a fé que escondemos, a fé
que negamos, rebentaria todas as comportas e 60 milhões de brasileiros iam acabar
no hospício. [...]
Só uma coisa nos atrapalha e, por vezes, invalida as nossas qualidades. Quero aludir
ao que eu poderia chamar de “complexo de vira-latas”. Estou a imaginar o espanto
do leitor: “O que vem a ser isso?”. Eu explico.
Por “complexo de vira-latas”, eu entendo a inferioridade em que o brasileiro se
coloca, voluntariamente, em face do resto do mundo. Isto em todos os setores e,
sobretudo, no futebol. [...]
Eu vos digo: o problema do escrete não é mais de futebol, nem de técnica, nem de
tática. Absolutamente. É um problema de fé em si mesmo. O brasileiro precisa se
convencer que não é um vira-latas e que tem futebol para dar e vender, lá na Suécia.
Uma vez que se convença disso, ponham-no para correr em campo e ele precisará de
dez para segurar, como o chinês da anedota. Insisto: para o escrete, ser ou não ser
vira-latas, eis a questão. (Disponível em
http://www.ufrgs.br/cdrom/rodrigues03/rodrigues3.pdf)
A conquista do primeiro título mundial do futebol brasileiro, com gols marcados por
Vavá (2), Pelé (2) e Zagallo, ao menos diminuiu o vira-latismo na época. Todavia, o país pode
assistir aos lances somente com atraso de dois dias pela TV Tupi através de filmes, devido a
inexistência dos videoteipes. Mas ouviu as partidas no pool formado pelas rádios
Bandeirantes, Continental, Panamericana, Nacional e as integrantes da rede dos Diários
Associados. Em simultâneo, a imprensa escrita batia recordes. No dia seguinte ao título, a
Gazeta Esportiva vendeu mais de 400 mil exemplares. Os campeões foram recepcionados
com festa em diversas escalas realizadas no país, onde eram saudados pelo povo no trajeto
entre os aeroportos e as homenagens oficiais.
32
Após a vitória, o futebol brasileiro conquistou um espaço significativo diante do
mundo, com equipes como o Santos de Pelé excursionando ao redor do planeta. O presidente
Juscelino Kubitschek56
, no terceiro ano de seu mandato, também explorou ao máximo o
triunfo. Ele assistiu a final acompanhado de familiares dos jogadores e depois chegou a beber
champanhe na taça Jules Rimet.
Em 1962, a Copa do Mundo voltou ao solo sul-americano, e o Brasil foi bicampeão do
torneio, mantendo praticamente a base de quatro anos antes, tendo para Antunes (2004, p.
229) a obrigação de “provar, de novo, que era o melhor para reafirmar-se moralmente”. Pelé
se contundiu na segunda partida, deixando para Garrincha o papel de craque da edição. Os
gols do 3 a 1 na final sobre a Tchecoslováquia, porém, vieram de Amarildo, Zito e Vavá.
Dessa vez, além da Tupi, a transmissão contou ainda com a TV Record. Ambas conseguiram
melhores condições técnicas graças a um acordo com a rede mexicana Televisa.
Ao retornar, a Seleção foi recebida na recém-inaugurada Brasília pelo presidente João
Goulart. Jango, como era chamado, há havia sido zagueiro nas categorias de base do
Internacional de Porto Alegre. A sua nova cidade no Planalto Central ainda não era
plenamente habitada na época, porém diversos moradores de Goiás vieram receber os
campeões, que desfilaram em carro aberto pelo Eixo Monumental, formando uma multidão
estimada em torno de 50 mil pessoas, que de acordo com os relatos da Folha de S. Paulo
chegou a invadir os jardins do Palácio da Alvorada.
Pelé, mesmo sem participar da decisão da Copa, seguiu brilhando durante o período57
,
com conquistas consecutivas junto ao seu clube, o Santos, da Taça Brasil, embrião do atual
Campeonato Brasileiro, e mesmo do Mundial de Clubes. Já Garrincha não manteve o sucesso,
tendo sua carreira abalada por problemas pessoais, como o alcoolismo.
56
Presidiu o Brasil entre 1956 e 1961. Logo depois, se elegeu senador, tendo os direitos políticos cassados pelo
golpe militar de 1964. Morreu em 1976 num acidente rodoviário tratado pela Comissão da Verdade da Câmara
Municipal de São Paulo como “atentado político”. Disponível em:
http://istoe.com.br/338611_COMISSAO+DA+VERDADE+DE+SP+DECLARA+QUE+JUSCELINO+KUBITS
CHEK+FOI+ASSASSINADO+PELA+DITADURA+MILITAR/. Acesso em: 14 abr. 2017.
57
Em 1969, durante jogo diante do Vasco no Maracanã, ele marcou o seu milésimo gol. Disponível em:
http://acervo.oglobo.globo.com/em-destaque/pele-marcou-seu-milesimo-gol-no-maracana-num-penalti-contra-
vasco-10811259. Acesso em: 25 abr. 2017.
33
Ambos, contudo, eram tidos como essenciais para o tricampeonato, que não veio em
1966, na Inglaterra. Com o Brasil já diante do golpe militar58
, questões políticas ganharam
peso na preparação, dificultando a formação de um time fixo diante de inúmeras convocações
para agradar forças locais. A falta de um esquema coletivo permitia que os adversários
pudessem facilmente anular Pelé. Diante desse quadro, o Brasil ficou somente em 11º lugar,
sua segunda pior colocação na história dos Mundiais.
O mau resultado sucedia uma participação olímpica também aquém das expectativas
nos Jogos de Tóquio, em 1964, com uma eliminação ainda na primeira fase, em que pese a
proibição da presença de jogadores profissionais no torneio olímpico.
Nos Jogos Olímpicos, o desempenho do futebol dos países comunistas foi
arrebatador, ao conquistar todas as medalhas de ouro entre 1952 a 1980. Isso porque,
nessa época, não eram permitidos jogadores profissionais, restando às equipes
convocarem jogadores amadores. Porém, atletas do bloco oriental eram contratados
do governo, como se fossem patrocinados e não profissionais. Com isso, equipes do
Leste Europeu iam às Olimpíadas com força máxima, diferentemente dos países
ocidentais. (VIDIGAL, 2014, p. 21)
Para a Copa do México, em 1970, a Seleção saiu novamente envolta em desconfiança
da população. Na época, o governo militar de Emílio Garrastazu Médici vivia o auge da
repressão, o que levou uma parcela dos intelectuais de esquerda a propor o boicote ao time,
considerando que os entusiastas da equipe estariam de certa forma prestando apoio ao regime.
A ideia não encontrou eco na população, que diante do registro de pleno emprego do período,
manifestava apoio ao presidente. O técnico João Saldanha, um notório comentarista esportivo,
porém até então com pouco currículo como treinador, era mais questionado que o general na
época anterior ao torneio.
Saldanha foi contratado pela CBD, chefiada por João Havelange59
, um ano antes do
Mundial, não só pelo seu conhecimento de futebol, mas também como uma forma de silenciar
as críticas que fazia em sua atividade midiática. Notório militante comunista, ele adotou o
pragmatismo, focando exclusivamente em administrar a Seleção durante sua passagem pelo
58
O presidente João Goulart foi destituído em 31 de março de 1964. Disponível em:
http://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/FatosImagens/Golpe1964. Acesso em: 14 abr. 2017.
59
Atleta de esportes aquáticos nas Olimpíadas de 1936 e 1952, ele dirigiu diversas entidades esportivas,
incluindo a Fifa, da qual foi o primeiro não europeu presidente, entre 1974 e 1998. No fim da vida, porém,
envolto em revelações de escândalos de corrupção, renunciou aos postos honorários que tinha na federação e no
Comitê Olímpico Internacional. Morreu aos 100 anos, durante a Olimpíada do Rio. Disponível em:
http://globoesporte.globo.com/futebol/noticia/2016/08/joao-havelange-ex-presidente-do-coi-e-da-fifa-morre-no-
rio-de-janeiro.html. Acesso em: 14 abr. 2017.
34
cargo, em que alternou durante a preparação um bom desempenho nas Eliminatórias e
insucessos em partidas amistosas.
O treinador, porém, não admitiu a interferência de Médici na convocação, sendo
demitido somente três meses antes da Copa, ao negar o chamado ao atacante Dadá Maravilha.
De acordo com Guterman (2009, p. 169), ele destacou na entrevista coletiva em que falou
sobre a sua saída um diálogo em que teria dito ao presidente que “o senhor escala seu
ministério e eu escalo o meu time”. O líder do país era um real fã de futebol, não
acompanhando a Seleção somente por questões políticas. Na juventude, por exemplo, chegou
a atuar como atacante do Grêmio de Bagé, sua cidade-natal.
Quem assumiu o comando do time às vésperas do Mundial foi Mário Jorge Lobo
Zagallo, vitorioso como jogador em 1958 e 1962. Aposentado em 1966, ele prontamente
iniciou uma carreira como treinador de juvenis no Botafogo. Na Seleção, passou a convocar
Dadá, como era vontade do presidente, apesar de negar em entrevistas ao longo de toda a sua
vida que o tenha feito por pressão.
Na Copa, entre telegramas e telefonemas de Médici, a equipe avançou de forma
convincente até as semifinais, quando pela primeira vez desde o Maracanazo reencontrou o
Uruguai no principal torneio de futebol do mundo. Os campeões de 1950 vinham em franca
decadência, inversamente proporcional à ascensão brasileira com seus dois títulos
conquistados depois do último confronto entre os países por Mundiais. O Brasil venceu de
virada, por 3 a 1, se credenciando a disputar a final diante dos italianos no estádio Azteca.
O governo se aproveitava do clima de união resultante do sucesso da equipe. Pela
primeira vez, grandes aglomerações se formavam em cidades como São Paulo para que os
torcedores acompanhassem juntos os jogos. Até mesmo a música, com a marchinha Pra
Frente Brasil60
, era utilizada como forma de persuasão.
♫ Noventa milhões em ação / Pra frente Brasil, no meu coração / Todos juntos,
vamos pra frente Brasil / Salve a Seleção! / De repente é aquela corrente pra frente /
Parece que todo o Brasil deu as mãos! / Todos ligados na mesma emoção / Tudo é
um só coração / Todos juntos, vamos pra frente Brasil / Salve a Seleção! ♫
A Itália, adversária do Brasil na decisão, se tornou finalista depois de um tenso
confronto contra a Alemanha, marcado como um dos maiores jogos da história das Copas. Os
60
Composta por Miguel Gustavo, a música era originalmente o jingle de uma cervejaria. Disponível em:
http://acervo.oglobo.globo.com/em-destaque/copa-jingles-na-ditadura-pra-frente-brasil-marcou-selecao-do-tri-
no-mexico-12531642. Acesso em: 14 abr. 2017.
35
alemães, que já vinham de uma disputa com tempo extra nas quartas de final contra a
Inglaterra, então campeã, entraram em desvantagem física. Sofreram o gol aos oito minutos
do primeiro tempo, porém conseguiram o empate aos 47 da segunda etapa, forçando uma
nova prorrogação. Sob o calor mexicano, seguiram-se trinta dos mais intensos minutos já
vistos em Mundiais. Entre reviravoltas no placar, o marcador final apontou 4 a 3 para os
italianos.
Dessa forma, o derradeiro confronto daquela Copa se deu entre duas bicampeãs, assim
garantindo ao vencedor da decisão a posse definitiva da taça Jules Rimet. Foi a primeira vez
na história em que dois campeões se encontraram numa decisão de Mundial, feito
acompanhado por mais de 100 mil torcedores na Cidade do México. A população mexicana,
encantada com o futebol brasileiro desde os treinamentos, em grande parte devotava torcida a
favor da Seleção, o que se reforçou com eliminação do time local pela Itália nas quartas de
final. Pelé, Gérson, Jairzinho e Carlos Alberto Torres corresponderam ao esperado pelo
público, goleando os europeus por 4 a 1. Essa equipe foi eleita em enquetes da BBC61
e da
revista World Soccer62
como a melhor de todos os tempos entre todos os esportes e países.
Na capa da Folha de S. Paulo no dia seguinte ao título, a constatação de como o
triunfo fez bem aos planos presidenciais. A manchete destacava o time, enquanto os três
tópicos inferiores faziam relação direta com a política, frisando também a decretação de
feriado nas repartições federais de Brasília e do Rio de Janeiro para a recepção aos campeões.
Sob a chamada “Médici participa do entusiasmo do povo”, foi reproduzida uma declaração
oficial do presidente.
Na hora em que a Seleção nacional de futebol conquista definitivamente a Copa do
Mundo, após memorável campanha, na qual só enfrentou e venceu adversários do
mais alto valor, desejo que todos vejam, no presidente da República, um brasileiro
igual a todos os brasileiros.
Como um homem comum, como um brasileiro que, acima de todas as coisas, tem
um imenso amor ao Brasil e uma crença inabalável neste país e neste povo, sinto-me
profundamente feliz, pois nenhuma alegria é maior no meu coração que a alegria de
ver a felicidade do nosso povo, no sentimento da mais pura exaltação patriótica. [...]
Nesse momento de vitória, trago ao povo minha homenagem, identificando-me todo
com a alegria e a emoção de todas as ruas, para festejar, em nossa incomparável
seleção de futebol, a própria afirmação do valor do homem brasileiro. (Disponível
61
Sete das dez primeiras equipes mencionadas na lista são de futebol. Disponível em:
http://www.bbc.com/portuguese/noticias/story/2005/12/051225_selecaotp.shtml. Acesso em: 14 abr. 2017.
62
Nessa mesma pesquisa, o jogo entre Alemanha e Itália no Mundial de 1970 foi eleito a melhor partida da
história. Disponível em: https://esporte.uol.com.br/futebol/ultimas/2007/07/09/ult59u125308.jhtm. Acesso em:
14 abr. 2017.
36
em http://www.biblioteca.presidencia.gov.br/presidencia/ex-presidentes/emilio-
medici/discursos/1970/16)
O jornal relata que o presidente chegou a descer a rampa do Palácio do Planalto
enrolado na bandeira nacional logo após a conquista, fazendo inclusive embaixadinhas. Ao
falar por telefone com Pelé, o chamou de “imperador terceiro do Brasil”. Todos os jogadores
ganharam 25 mil cruzeiros da Caixa Econômica Federal, o que hoje equivale a cerca de nove
mil reais.
Com o poder do futebol evidenciado, o governo não tardou em pedir à CBD para que
criasse uma disputa coincidente com seu plano de integração nacional, já que a maior disputa
da época, o torneio Roberto Gomes Pedrosa, abarcava apenas os times das regiões Sul e
Sudeste, excetuando-se o Espírito Santo. Assim, em 1971 surgia pela primeira vez o
Campeonato Brasileiro, com 20 times na disputa, que foi sofrendo um progressivo inchaço
motivado por questões políticas, beirando a presença de 100 equipes no final da década. A
popularização dos clubes pelo país, entretanto, não coincidia com uma boa fase da Seleção,
que ficou sem Pelé a partir de 1971, quando ele se aposentou da equipe em um amistoso
contra os iugoslavos aos gritos de “fica, fica, fica” de 138 mil torcedores no Maracanã,
segundo o jornal O Globo.
Para a Copa de 1974, Zagallo seguiu como técnico, enquanto o comando do país já
havia passado ao general Ernesto Geisel, menos afeito ao futebol. O time manteve parte da
base de 1970, que já envelhecida não conseguiu ir além do quarto lugar, mesma posição
conseguida na Olimpíada de Helsinque, em 1976.
No Mundial de 1978, a ditadura mais decisiva foi a da Argentina, sede do torneio. O
formato da competição diferia do atual, com somente a final sendo disputada como um
verdadeiro mata-mata. Naquela ocasião, quem avançava da fase inicial se dividia em dois
novos grupos, cujo líderes formariam o confronto decisivo pelo título. Brasil, Argentina, Peru
e Polônia ficaram no mesmo grupo. Os gigantes sul-americanos venceram seus primeiros
jogos e empataram no confronto direto, chegando igualados em pontuação na última rodada.
As partidas finais, porém, não eram em horário coincidente. A Seleção jogou primeiro,
vencendo a Polônia por 3 a 1, e conseguindo cinco gols de saldo acumulado. Entrando em
campo somente três horas depois e sabendo exatamente do que precisava para avançar à final,
os argentinos conseguiram aplicar 6 a 0 no Peru, que até então fazia razoável campanha, com
vitórias sobre a Escócia e o Irã, e derrotas por placares bem menos elásticos, como o 3 a 0
sofrido diante do Brasil. A Argentina acabou campeã pela primeira vez superando a Holanda
37
em partida no estádio Monumental de Buenos Aires, enquanto o Brasil, diante da estranha
coincidência e por ser o único time invicto na competição, se proclamou “campeão moral”.
Na década seguinte, reforçando o papel cada vez maior dos clubes no cotidiano da
sociedade, as duas equipes com mais torcedores no país foram marcantes para o futebol
nacional não somente pelo gigantismo dos seus aficionados.
O Flamengo consolidou no futebol brasileiro o primeiro atleta após Pelé a ser
comparado ao até hoje único jogador tricampeão mundial63
, como se tornaria hábito com as
revelações do esporte no país nas décadas seguintes. Arthur Antunes Coimbra, o Zico, foi
também o primeiro craque de alto nível em gramados nacionais a ser desenvolvido de acordo
com os preceitos mais modernos do futebol europeu. O garoto inicialmente franzino se
desenvolveu fisicamente no clube, sendo o líder de uma série de conquistas da equipe,
iniciadas pelo Campeonato Carioca em 1978, título que se repetiu nos dois anos seguintes.
Em 1980, com coadjuvantes como Júnior e Leandro, a conquista foi nacional, sendo o ano
posterior marcado pela glória de vencer a Taça Libertadores da América e o Mundial de
Clubes, título ganho sobre os ingleses do Liverpool, com gols de Nunes e Adílio na decisão
vencida por 3 a 0, representando o retorno do Brasil ao topo do futebol mundial, como foi
percebido na festa popular nas ruas do Rio de Janeiro, narrada pelo jornal O Globo como um
“Carnaval na madrugada”, devido ao fuso horário, já que o jogo foi realizado em Tóquio, no
Japão. O presidente João Batista Figueiredo também se pronunciou sobre o triunfo, que,
segundo a Folha de S. Paulo, foi mais comemorado na capital fluminense que o título da
Seleção em 1970.
Juntamente com a torcida brasileira, acompanhei com entusiasmo a partida na qual o
Flamengo representou, com brilho invulgar, o talento e a maestria dos milhares de
jogadores brasileiros de futebol. [...]
Os meus mais efusivos parabéns pela merecida vitória, que traz para os brasileiros o
campeonato mundial de clubes.
Já o Corinthians vivia uma fase sem grandes conquistas em campo, porém de extremo
significado graças ao modelo proposto pelos jogadores, liderados por Sócrates, para a
administração da equipe, com atletas, comissão técnica e dirigentes tendo votos de peso igual
nas decisões do clube. O publicitário Washington Olivetto, diretor do time, capitaneou a ideia,
batizando o movimento como Democracia Corintiana. O clube chegou a entrar em campo
63
Em 2000, na votação de atleta do século da Fifa, Zico ficou atrás somente de Pelé e Garrincha entre os
jogadores brasileiros. Disponível em: http://en03.touri.com/Berichte/FIFA-Spieler/MalePlayer.pdf. Acesso em:
13 abr. 2017.
38
com faixas trazendo textos de incentivo ao regime democrático. Ao também utilizar a camisa
para as mensagens políticas, o time ainda abriu espaço para a futura comercialização do
espaço, de maneira já feita em outras modalidades, como o vôlei.
Com Sócrates e Zico, além de outros jogadores como Falcão e Toninho Cerezo, a
Seleção foi ao Mundial de 1982, na Espanha, contando com um grande otimismo da torcida.
Treinado por Telê Santana64
, o time era tido como favorito para a conquista do
tetracampeonato, impressão reforçada após vencer a Argentina, num 3 a 1 marcado pela
expulsão da então promessa Diego Maradona. Na partida seguinte, bastava o empate diante da
Itália para avançar às semifinais, em um dos mais tradicionais clássicos das Copas, que já
havia ocorrido também na decisão de terceiro lugar da edição anterior do torneio, em jogo
vencido pelo Brasil.
Paolo Rossi, que retornava ao futebol após dois anos de suspensão motivados por um
escândalo de combinação de resultados, marcou os três gols italianos na vitória por 3 a 2
diante da Seleção, num jogo que ficou marcado como a “tragédia do Sarriá”. O apelido foi
uma referência ao estádio onde aconteceu a partida, que alterou os rumos do futebol mundial,
com o pragmatismo dos resultados dos que saíram vencedores daquela edição da competição,
donos de um estilo defensivo que buscava anular a habilidade dos adversários, influenciando
as décadas seguintes, em detrimento ao espetáculo do chamado futebol-arte brasileiro. Falcão
(2012) relata no livro Brasil 82 - o time que perdeu a Copa e conquistou o mundo que os
italianos se mostraram de certa forma até constrangidos com o resultado. Além da vitória no
confronto direto entre os times, o consequente título da Itália ainda rendeu outro incômodo ao
Brasil, que deixou de ser o único tricampeão mundial. Em sua reação, o presidente Figueiredo
finalizou o telegrama direcionado aos jogadores de forma lacônica: “Ânimo forte. Outras
Copas virão”.
O desastre no estádio Sarriá, como relatado pela mídia esportiva nos dias seguintes à
peleja, acentuou a percepção de crise por que o país passava. A abertura democrática
começava a ser ensaiada, com o voto direto da população passando a eleger os governadores
dos estados. Diante da insatisfação com o regime militar, as urnas, que contaram com uma
participação massiva dos eleitores, elegeram opositores em unidades da federação
importantes, como Leonel Brizola no Rio de Janeiro e Tancredo Neves em Minas Gerais.
64
Entre outras conquistas como jogador e treinador, ele comandou o São Paulo nos títulos dos Mundiais de
Clubes em 1992 e 1993. Disponível em: http://oglobo.globo.com/esportes/confira-os-titulos-de-tele-santana-
4588411. Acesso em: 14 abr. 2017.
39
No ano seguinte, os clubes seguiram se destacando no crescimento do futebol no
Brasil. O Flamengo já era tricampeão nacional, marcando uma supremacia naquele começo de
década, e o Grêmio superou por 2 a 1 os alemães do Hamburgo na decisão do Mundial de
Clubes. Mas o esporte no país sofreu também duros baques. Um deles foi a perda da taça
Jules Rimet, que era guardada sem maiores cuidados na sede da então já CBF, no Centro do
Rio de Janeiro. Pesando quase quatro quilos de ouro, a taça possuía um valor inestimável para
a população, que acompanhou por semanas as investigações da Polícia Federal sobre o caso,
repercutido de forma ampla também na imprensa internacional. Ela jamais foi recuperada e o
roubo, que entrou no imaginário popular, chegou a ser reconstituído décadas depois pelo
programa Linha Direta, da TV Globo.
O crime foi planejado pelo representante do Atlético Mineiro na CBF, Sérgio
Pereira Ayres, o Sérgio Peralta. Ele era assíduo frequentador do prédio da entidade e
sabia que a taça Jules Rimet original estava exposta numa vitrine, com vidro à prova
de balas, mas amparado por uma moldura de madeira, pregada na parede. Enquanto
isso, inexplicavelmente, uma réplica do troféu era mantida, em segurança, no cofre.
Peralta arregimentou os comparsas no Bairro do Santo Cristo, zona portuária do Rio,
onde morava. Na noite de 19 de dezembro de 1983, o ex-policial Francisco José
Rocha Rivera, o Chico Barbudo, e o decorador José Luiz Vieira da Silva, o Luiz
Bigode, dominaram com facilidade o único vigia do prédio, arrombaram a moldura,
provavelmente com uma chave de fenda, e removeram o vidro inquebrável. Além da
Jules Rimet, outras três taças foram levadas. O crime só foi desvendado por causa do
ladrão Antonio Setta, conhecido como Broa, considerado pela polícia o melhor
arrombador de cofres do Rio de Janeiro. Ele tinha sido convidado por Sérgio Peralta,
para cometer o crime, mas recusou por razões sentimentais. A polícia descobriu que
a taça foi comprada e derretida em seguida pelo comerciante de ouro Juan Carlos
Hernandez, um argentino que vivia no Brasil desde 1973. No decorrer do processo,
o ouro apreendido com os acusados, que seria o resultado do derretimento da taça,
foi roubado pela polícia. A sentença só veio em 1988. Peralta, Barbudo e Bigode
foram condenados a nove anos de cadeia. (Linha Direta. TV Globo. 1 de junho de
2006. Disponível em http://redeglobo.globo.com/Linhadireta/0,26665,GIJ0-5257-
228151,00.html)
Outra perda sentida pelos brasileiros em 1983 foi a de Garrincha, o principal jogador
do título de 1962, que tinha apenas 49 anos. Apelidado como “alegria do povo”, o craque
sofria com a dependência do álcool, chegando a ser internado por seis vezes nos anos
antecedentes ao falecimento. No Jornal Nacional, Sérgio Chapelin destacou a comoção com o
óbito: “a morte de Mané Garrincha está em grandes manchetes, grandes como as emoções que
ele desperta”. O velório, realizado no Maracanã, formou extensas filas ao redor do estádio.
Em Pau Grande, sua cidade-natal, onde o corpo foi enterrado, a Folha de S. Paulo reportou
que gritos de “ei, Garrincha é nosso rei” foram ouvidos durante o sepultamento, em referência
à ausência de Pelé nos funerais.
Após uma nova retração acentuada do PIB, evidenciando a tendência daquela que
seria considerada a “década perdida”, o ano seguinte marcou o fortalecimento da campanha
40
por eleições diretas também para a Presidência da República, aclamada pela população como
as Diretas Já. Os atletas não se engajaram de forma maciça como outros setores da sociedade,
destacando-se mais a imprensa esportiva. Segundo Guterman (2009), Osmar Santos, um dos
principais narradores do país, apresentou diversos comícios do movimento em São Paulo. A
emenda não avançou de imediato no colégio eleitoral, mas obteve um apoio expressivo.
Em 1985, mesmo com a eleição sendo indireta, a escolha dos congressistas por
Tancredo Neves como o primeiro presidente civil do país foi comemorada entre a população,
com uma celebração que fazia lembrar na ocasião os festejos nos períodos de Copas de
Mundo, de acordo com os registros dos jornalistas. Ele, porém, nem chegou a ser empossado
no cargo, vítima de uma infecção intestinal que o internou no dia anterior ao da posse, numa
agonia compartilhada com o Brasil por semanas, até o falecimento em 21 de abril. Assim, foi
sob o comando de José Sarney, eleito como vice de Tancredo, que o país acompanhou o
Mundial de 1986, iniciado em 31 de maio.
O nacionalismo dos tempos de regime militar já estava em queda também no futebol,
com os principais jogadores da América do Sul, incluindo os brasileiros, atuando na Europa
em variados momentos da década. A Itália era o principal mercado da época, recebendo
craques como Zico, na Udinese65
, diante de uma grande festa por toda a região, relatada por
Nunes (2006, p. 199), e Falcão, na Roma. Na Copa, a equipe novamente treinada por Telê
Santana, marcada pela experiência anterior, não jogava mais para encantar, mas para vencer.
E o fez com relativa facilidade na fase de grupo e nas oitavas de final. Nas quartas, porém,
diante de uma França ainda pouco tradicional, o empate em 1 a 1, e a subsequente eliminação
nos pênaltis.
Dois anos antes, na Olimpíada de Los Angeles, o Brasil já havia perdido justamente
para os franceses na final do futebol, subindo pela primeira vez ao pódio no torneio com a
conquista da prata. O time de vôlei masculino, que havia conseguido lotar o Maracanã em
partida amistosa contra os soviéticos em 1983, também ficou em segundo lugar nos Jogos,
sendo de Joaquim Cruz, nos 800 metros rasos, o único ouro brasileiro.
65
Em 2017, o jogador foi homenageado pelo time e pela torcida durante as comemorações dos 120 anos de
fundação do clube. Disponível em: https://esporte.uol.com.br/futebol/ultimas-noticias/2017/02/19/zico-e-
ovacionado-por-torcida-da-udinese-em-homenagem-inesquecivel.htm. Acesso em: 15 abr. 2017.
41
Em 1988, o torneio olímpico de futebol de Seul trouxe uma nova prata ao futebol,
dessa vez com a derrota diante da União Soviética, em partida decidida por 2 a 1 na
prorrogação. Mais uma vez, o país conquistou apenas um ouro, o de Aurélio Miguel no judô.
Na Copa de 1990, contudo, a chegada à decisão ficou distante do time brasileiro,
eliminado pela Argentina, que seria vice-campeã em final contra a Alemanha, ainda nas
oitavas de final. O time treinado por Sebastião Lazaroni não era o único alvo de protestos na
época, com o governo de Fernando Collor, o primeiro presidente eleito de forma direta após a
ditadura militar, também envolto em uma série de notícias negativas, tanto pelos maus
resultados da economia, como por escândalos de corrupção. Em 1992, ele acabaria sendo alvo
de impeachment. Nesse ano, a Seleção nem mesmo se classificou para disputar o futebol na
Olimpíada de Barcelona, marcada pelo primeiro ouro do país em esportes coletivos, o do
vôlei masculino.
A Seleção de futebol, por sua vez, vivia uma profunda crise, com o time correndo pela
primeira vez o risco de não se classificar para o Mundial. Romário, o principal jogador do
país na época, não era convocado por causa de uma briga com o treinador Carlos Alberto
Parreira. Diante da possibilidade de ficar fora da Copa, porém, o presidente da CBF Ricardo
Teixeira forçou o chamado do então atleta do Barcelona, que marcou os dois gols na vitória
diante do Uruguai dentro do Maracanã no duelo decisivo das Eliminatórias, num contexto
descrito pelo próprio Baixinho, como foi apelidado o hoje senador, em depoimento ao jornal
O Estado de S. Paulo, como o ponto de virada do elenco para o tetracampeonato.
Eu estava meio fora da Seleção desde 1992, quando tive um problema com o
Zagallo e também com o Parreira num amistoso contra a Alemanha. Depois daquilo,
eles me esqueceram e nunca mais fui chamado. Até teve gente que falou na época
que eu não queria mais ser convocado para a Seleção porque não tinha aceitado ficar
no banco, mas isso é mentira.
Na verdade, fiquei irritado por ter ido para o banco contra a Alemanha, mas não pedi
para não ser mais chamado. Foram eles que não me quiseram mais lá.
Mas eu tenho certeza de que se o Brasil tivesse vencido o jogo contra o Uruguai sem
mim, eu não iria para a Copa dos Estados Unidos e talvez nunca mais voltasse para a
Seleção. Ocorre que eles precisaram de mim. Eu sabia que era um jogo em que eles
não tinham outra opção e que eu era a última esperança. Só que quem me convocou
mesmo foi o Ricardo Teixeira. Descobri isso depois.
Então, até por isso, tinha uma responsabilidade maior do que os outros atletas. O
chefe me botou lá, né? O engraçado é que mesmo assim eu me preparei como se
fosse um jogo qualquer. [...]
O Maracanã estava lotado, com mais de 100 mil torcedores, mas eu estava
tranquilão. Sabia que ia fazer coisas diferentes naquele jogo. Logo nos primeiros
minutos, percebi que ia matar a pau. [...]
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  • 1. 0 UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL LUCAS RODRIGUES FÉLIX FUTEBOL NA OLIMPÍADA RIO 2016: HISTÓRIA E COMUNICABILIDADE NO JORNAL NACIONAL NATAL, RN 2017
  • 2. LUCAS RODRIGUES FÉLIX FUTEBOL NA OLIMPÍADA RIO 2016: HISTÓRIA E COMUNICABILIDADE NO JORNAL NACIONAL Monografia apresentada ao Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal do Rio Grande do Norte como requisito parcial para a obtenção do grau de bacharel em Comunicação Social – Jornalismo. Orientação: Prof.ª Dra. Lilian Carla Muneiro. NATAL, RN 2017
  • 3. LUCAS RODRIGUES FÉLIX FUTEBOL NA OLIMPÍADA RIO 2016: HISTÓRIA E COMUNICABILIDADE NO JORNAL NACIONAL Monografia apresentada ao Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal do Rio Grande do Norte como requisito parcial para a obtenção do grau de bacharel em Comunicação Social – Jornalismo, sob a orientação da Prof.ª Dra. Lilian Carla Muneiro. Aprovada em ___ de _______ de 2017 BANCA EXAMINADORA ___________________________________________________________ Prof.ª Dra. Lilian Carla Muneiro Orientadora – Universidade Federal do Rio Grande do Norte ___________________________________________________________ Prof. Dr. Antonino Condorelli Examinador – Universidade Federal do Rio Grande do Norte ___________________________________________________________ Prof. Dr. Luiz Fernando Dal Pian Nobre Examinador – Universidade Federal do Rio Grande do Norte NATAL, RN 2017
  • 4. 3 AGRADECIMENTOS Agradeço primeiramente a Deus, pela força para enfrentar as jornadas da vida, inclusive academicamente. E pela fé em sempre permitir que se enxergue o futuro, motivação necessária para superar os desafios do presente. À minha família, em especial minha mãe Cláudia Andreza, um suporte essencial com seu apoio ao longo de toda a trajetória, e minha tia Francisca Doriela, pela inspiração para os estudos. Aos amigos feitos ao longo da graduação e dos estágios. A Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), o Ministério Público do Trabalho (MPT) e a Advocacia Geral da União (AGU) serão três instituições por que nutrirei grande carinho. Numa feliz coincidência, todas federais. Que possam, cada uma ao seu modo, ajudar o Brasil a ser cada vez mais um lugar justo para os seus cidadãos. E dentro do corpo docente da UFRN, tive a alegria de encontrar Lilian Muneiro, uma orientadora que acreditou neste projeto desde a sua idealização, auxiliando ao máximo na ampliação dos conhecimentos para que se tornasse realidade. Aos amigos do Twitter, um ponto de convergência entre esta e tantas outras ideias. Muito obrigado aos colegas da rede que me inspiram, incentivam e ajudam a tentar ser um jornalista melhor. Em especial, ao Alef de Lima, que possibilitou esta pesquisa com o seu acervo de gravações, e ao Yves Andrade, com quem compartilhei mais de perto o sonho olímpico da Rio 2016. Através deles, represento também várias outras grandes pessoas que conheci durante os Jogos. E aos entrevistados, aos que intermediaram alguns dos contatos e tantos outros que dedicaram um pouco do seu tempo ajudando não apenas nesta monografia, mas também em diversos momentos ao longo do curso.
  • 5. 4 Nossa admiração é ainda maior, pois vocês conseguiram fazer isso em um momento muito difícil na história brasileira. Sempre acreditamos em vocês. A sua paixão pelo esporte e a sua alegria de viver nos inspiram. Thomas Bach, presidente do Comitê Olímpico Internacional, na cerimônia de abertura da Rio 2016
  • 6. 5 RESUMO O futebol e a imprensa se caracterizam desde o surgimento da modalidade no país por uma relação de interdependência, ampliada com o advento da televisão e consequente transmissão dos jogos. Este trabalho trata do predomínio do futebol em relação aos demais esportes na repercussão midiática, especialmente televisiva, analisando em retrospectiva o seu impacto no país e o histórico de exibições da TV Globo na área, assuntos coincidentes em diversos momentos ao longo de décadas, principalmente durante as partidas da Seleção Brasileira. Averigua-se de forma destacada a cobertura realizada pela emissora diante da final masculina entre Brasil e Alemanha durante a Olimpíada de 2016, no Rio de Janeiro, e a edição do Jornal Nacional sobre a conquista brasileira, observando por diferentes vertentes, como entrevistando jornalistas envolvidos, a prioridade dedicada ao futebol mesmo em um evento poliesportivo como os Jogos Olímpicos. Palavras-chave: futebol; Jornal Nacional; Rio 2016; Seleção Brasileira; TV Globo
  • 7. 6 ABSTRACT Football and the press have been characterized since the emergence of the sport in the country by a relation of interdependence, amplified with the advent of television and subsequent broadcasts of the games. This monograph shows the predominance of the repercussion of football in relation to other sports in the media, especially television, analyzing in retrospect its impact on the country and the history of TV Globo transmissions in this field, two issues that intersected at various moments over the decades, mainly during the matches of the Brazilian National Team. An analysis of the broadcaster's coverage of the men's final between Brazil and Germany during the 2016 Olympics in Rio de Janeiro is highlighted, as is the Jornal Nacional news show about the Brazilian victory, observing from a number of different angles, for example as interviewing journalists involved, in the priority that was dedicated to football event during a multi-sport event such as the Olympic Games. Keywords: Brazilian National Team; football; Jornal Nacional; Rio 2016; TV Globo
  • 8. 7 LISTA DE FIGURAS Figura 1 Capturas da vinheta de abertura das transmissões da Rio 2016 na Globo, intituladas Somos Todos Olímpicos .......................................................................................................... 21 Figura 2 Visão externa do prédio do Grupo Globo no Parque Olímpico .............................. 22 Figura 3 Visão interna do prédio do Grupo Globo no Parque Olímpico ............................... 69 Figura 4 Integrantes da cobertura da TV Globo na final olímpica do futebol masculino ...... 70 Figura 5 Inserções visuais da TV Globo durante a final olímpica do futebol masculino ...... 74 Figura 6 Globo, Band, Record e SporTV retransmitem o sinal gerado pela OBS na final do futebol masculino .................................................................................................................... 74 Figura 7 Jogadores e técnico da Seleção Brasileira choram após a conquista do ouro olímpico .................................................................................................................................................. 75 Figura 8 Público no Maracanã durante a final olímpica do futebol masculino ..................... 76 Figura 9 R. Vasconcellos e G. Bueno no estúdio da TV Globo no Parque Olímpico ........... 82 Figura 10 Capturas do clipe do JN sobre o revezamento da tocha olímpica ......................... 84 Figura 11 Reportagem do JN sobre a repercussão internacional da Rio 2016 ...................... 94 Figura 12 Inserções visuais da TV Globo sobre seu prédio no Parque Olímpico em 20 de agosto de 2016 ........................................................................................................................ 97 Figura 13 Eric Faria entrevista Weverton, R. Micale, Marquinhos e R. Augusto ................. 98 Figura 14 Cabine da TV Globo acima das demais posições da imprensa no Maracanã ........ 99 Figura 15 Torcedores acompanham a final olímpica do futebol masculino em telões ........ 100 Figura 16 Capturas do clipe de encerramento do JN em 20 de agosto de 2016 .................. 103 Figura 17 Capturas do clipe de encerramento do JN em 20 de agosto de 2016 .................. 104 Figura 18 Selo de encerramento do Jornal Nacional em 20 de agosto de 2016 ................. 105
  • 9. 8 LISTA DE TABELAS Tabela 1 Relação entre marcas patrocinadoras da TV Globo e da Rio 2016 ......................... 83 Tabela 2 Audiência do Jornal Nacional na Grande São Paulo durante a Rio 2016 .............. 88 Tabela 3 Audiência da TV Globo na Grande São Paulo durante as transmissões de medalhas de ouro brasileiras na Rio 2016 ............................................................................................... 90
  • 10. 9 SUMÁRIO INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 10 1 A TELEVISÃO NO BRASIL ............................................................................................ 12 1.1 TV Globo e esporte, “tudo a ver” ................................................................................. 15 2 BRASIL, O PAÍS DO FUTEBOL .................................................................................... 24 2.1 1950: a Copa perdida no Maracanã .............................................................................. 27 2.2 Enfim campeão do mundo – e por cinco vezes ............................................................ 30 2.3 O Brasil no centro das atenções ................................................................................... 47 2.3.1 A Copa das Copas .............................................................................................. 50 2.4 Chapecoense e o luto pela maior tragédia do futebol ................................................... 54 3 O OURO INÉDITO NA RIO 2016: HISTÓRIA E NARRATIVIDADE NO JN ......... 61 3.1 Um sábado histórico no Maracanã ............................................................................... 65 3.2 As semanas olímpicas no Jornal Nacional .................................................................. 77 3.2.1 20 de agosto de 2016, um dia de ouro ............................................................... 89 3.2.2 Apontamentos da narrativa do JN ...................................................................... 97 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................. 110 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .............................................................................. 112
  • 11. 10 INTRODUÇÃO Trazido ao Brasil no final do século XIX, o futebol se tornou rapidamente um símbolo nacional para além do seu aspecto competitivo, com a Seleção por muitas vezes representando a essência do país e despertando impressões superlativas na população, o que se acentua durante os grandes eventos, como a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos. Nas últimas décadas, uma das maiores responsáveis pela difusão da modalidade no Brasil é a TV Globo, que além da exibição regular de partidas e de contar com uma programação diária dedicada ao tema, utiliza-se do Jornal Nacional, seu principal espaço editorial, para a repercussão dos instantes mais marcantes da vida esportiva – e consequentemente futebolística - nacional. Durante os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, a emissora fez o que considera a maior cobertura da sua história, com diversas atrações, como o JN, sendo apresentadas de um estúdio especialmente instalado no Parque Olímpico. No período do evento, além dos apresentadores habituais, o telejornal foi ancorado também por Galvão Bueno, narrador notório por utilizar a emoção de forma incisiva em suas transmissões, como na final do futebol masculino da Olimpíada de 2016, decidida entre Brasil e Alemanha nos pênaltis. O objeto de análise concentra-se na cobertura empregada pela TV Globo desde a derradeira cobrança de Neymar, que permitiu a conquista da medalha de ouro pela Seleção Brasileira, observando toda a repercussão subsequente nos comentários e entrevistas levados ao ar ainda durante a transmissão, bem como na edição do Jornal Nacional que a sucedeu. Para isto, além dos instantes referidos, foi verificado o padrão de narrativa na cobertura do JN ao longo de todo o período olímpico, assim como o tratamento empregado ao tema. A pesquisa contou com referências sobre o histórico do jornalismo esportivo, concentrando-se metodologicamente na significação da enunciação destacada por Fiorin (2004). Este trabalho organiza-se em três capítulos, sendo o inicial dedicado a resumir brevemente o surgimento da televisão no país, bem como o desenvolvimento da TV Globo ao seu posto de principal rede brasileira, regularmente alinhado com a exibição de grandes coberturas ligadas ao esporte. Recupera-se todo o histórico de transmissões olímpicas do
  • 12. 11 canal desde a estreia em Munique 1972, incluindo-se também a sua postura na única edição em que não possuiu os direitos de exibição dos Jogos, em Londres 2012. O capítulo seguinte destaca, com o auxílio de diversas publicações, a história do futebol nacional desde a sua origem, com o acompanhamento dos avanços inerentes ao crescimento da modalidade, bem como dos mais relevantes jogadores e clubes do país. A principal narrativa nele presente concentra-se na trajetória da Seleção Brasileira, evidenciando a importância dedicada ao time pelo país em variados instantes, inclusive seguindo a evolução das plataformas midiáticas. O terceiro capítulo une as temáticas, demonstrando a relação entre a televisão e o futebol aplicada pela TV Globo com o triunfo brasileiro na Rio 2016. Demonstra-se o discurso utilizado pela emissora, versando ainda sobre o simbolismo de determinadas figuras e instituições. Neste trecho, a pesquisa busca referências, como na comparação de tempo dedicado aos diferentes esportes e na análise de profissionais de mídia envolvidos na cobertura, para constatar se a monocultura esportiva brasileira, voltada de forma majoritária ao futebol, foi ou não alterada pela realização dos Jogos Olímpicos no país.
  • 13. 12 1 A TELEVISÃO NO BRASIL Eletrodoméstico líder em popularidade no país, presente em mais de 97% dos lares, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios1 de 2015 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)2 , a televisão chegou ao Brasil sem atingir de imediato um grande número de telespectadores. Em 18 de setembro de 1950, o público paulista acompanhava a estreia da TV Tupi3 , planejada desde o fim da Segunda Guerra Mundial pelo grupo Diários Associados, liderado por Assis Chateaubriand. O sinal, porém, não chegava a todo o estado, sendo forte especialmente na capital e em cidades mais próximas. Segundo o jornal O Estado de S. Paulo4 , apenas poucas centenas de pessoas acompanharam a transmissão inaugural, exibida para cerca de 200 televisores contrabandeados por Chateaubriand. Alguns desses aparelhos foram instalados em vitrines no Centro da capital paulista para chamar a atenção dos curiosos, enquanto outros foram distribuídos entre personalidades notáveis da sociedade, como o jornalista Roberto Marinho (ALVES, 2008, p. 271). Nos anos 1950, com exibições ainda em preto e branco, a programação limitava-se a duas vertentes básicas, com inspiração no modelo radiofônico, inclusive contratando diversos profissionais oriundos dele, e também nos métodos estadunidenses, tanto na própria televisão quanto no cinema. O conteúdo, voltado majoritariamente ao seleto público elitista com capital econômico para adquirir os aparelhos, ajudava a restringir a audiência inicial, o que não atrapalhava, contudo, na expansão regional das redes, com a inauguração da sucursal carioca da Tupi ocorrendo poucos meses depois. 1 O índice é correspondente a cerca de 66 milhões de domicílios. Disponível em: http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv99054.pdf. Acesso em: 09 jun. 2017. 2 Em 2000, a porcentagem era de 87,2%, ainda ligeiramente inferior aos números referentes ao rádio. Disponível em: http://ultimosegundo.ig.com.br/brasil/2012-04-27/ibge-pela-1-vez-domicilios-brasileiros-tem-mais-tv-e- geladeira-d.html. Acesso em: 11 mar. 2017. 3 O primeiro canal do país ficaria no ar ao longo de trinta anos. Disponível em: http://fernandomorgado.com.br/artigo/tupi-a-historia-completa-da-tv-pioneira. Acesso em: 08 jun. 2017. 4 A afirmação foi feita em um especial sobre as seis décadas da primeira transmissão. Disponível em: http://cultura.estadao.com.br/noticias/televisao,ha-60-anos-era-inaugurada-a-tv-tupi-primeira-emissora-de-tv-do- brasil,611809. Acesso em: 29 mar. 2017.
  • 14. 13 Naquele tempo, o recurso do videoteipe era inexistente, com as exibições ocorrendo ao vivo, sujeitas a gafes. O livro Chatô, o Rei do Brasil (1994) relata que a primeira transmissão foi repleta de percalços. Para desespero generalizado, aconteceu o que ninguém poderia imaginar: uma das câmeras pifou. Não é verdadeira a versão de que o defeito tenha sido provocado por uma garrafa de champanhe quebrada na câmera por Chateaubriand, durante a cerimônia da tarde – até porque não houve batismo com champanhe. A suspeita que reinava entre os técnicos era a de que a água-benta espargida sobre as câmeras por Dom Paulo Rolim Loureiro tivesse molhado e danificado alguma válvula. Mas, qualquer que fosse a causa, ninguém localizar o defeito. E tudo tinha sido ensaiado centenas de vezes para ser transmitido por três câmeras, não duas. (MORAIS, 1994, p. 503) A pouca experiência explicava os problemas. O Brasil era o país primeiro da América Latina a contar com uma emissora e o quarto em todo o mundo, depois apenas dos Estados Unidos, da Inglaterra e da França. A pouca força comercial da plataforma na época tida como “rádio como imagens” era compensada pelo próprio Chateaubriand, que possuía um robusto império midiático sob seu domínio. Como forma de atrair os anunciantes, os programas ganhavam a inclusão dos patrocinadores em seus nomes, algo que já era comum também no rádio. Foi assim com o Repórter Esso, primeiro espaço dedicado regularmente ao jornalismo na televisão brasileira, com estreia em 1952. O programa era produzido pela agência americana McCann Erickson, que também se responsabilizava pela publicidade da rede de postos de gasolina que o batizava. Tinha diversas edições diárias, marcadas por notícias curtas e rápidas. Assim como no jornalismo televisivo, a Tupi foi igualmente pioneira no entretenimento, inclusive na dramaturgia, que se utilizava melhor de que o jornalismo, esse quase que inteiramente lido, do poder de ilustração do novo meio. Seu primeiro grande sucesso foi a adaptação de uma radionovela para a televisão (SILVA, 2004, p. 24). Em 1960, a nova capital federal, Brasília, já foi inaugurada com a cobertura de três canais (TV Nacional, TV Alvorada e TV Brasília). Mas foi a antiga sede do poder, o Rio de Janeiro, que evidenciou o poder televisivo ao longo da década, com a consagração da telenovela O Direito de Nascer, que com seu capítulo final lotou ginásios nas duas maiores cidades do país, mostrando a força do novo meio, que ainda era uma novidade para a maioria das famílias5 . 5 Pelo país, a trama tinha a audiência de cerca de 75% dos televisores existentes. Disponível em: https://economia.uol.com.br/blogs-e-colunas/coluna/reinaldo-polito/2015/08/13/o-direito-de-nascer-50-anos- memoria-de-um-garoto-que-conheceu-os-astros.htm. Acesso em: 12 mai. 2017.
  • 15. 14 Atualmente a maior emissora de televisão da América Latina e do hemisfério Sul6 , a TV Globo foi levada ao ar pela primeira vez em 26 de abril de 1965, sendo o mais importante empreendimento do grupo comandado pelo empresário e jornalista Roberto Marinho7 , que na época já possuía rádio e jornal homônimos8 . De acordo com reportagem de 2014 da revista The Economist9 , 91 milhões de brasileiros sintonizam a rede diariamente. Índices distantes dos da estreia do canal, feita apenas para o Rio de Janeiro às 11 da manhã daquele 26/04, com a exibição do Hino Nacional, seguido por um programa infantil. Nos seus primeiros meses, a Globo seguiria sem empolgar o público. Entre os programas exibidos nessa fase, estava até mesmo o de Silvio Santos – esse, entretanto, restrito somente para São Paulo - que na época ainda não possuía a concessão do seu próprio canal10 . Já no primeiro dia de programação, também foi ao ar a telenovela inicial da história da emissora, embora diversos horários da programação fossem ocupados por enlatados estadunidenses11 . O lançamento e a consequente ampliação canal aproveitaram uma época de grande expansão da televisão entre os brasileiros, com crescimento constante em alcance de público e em participação no mercado publicitário. O regime militar se aproveitava da popularidade do meio para expandir sua ideologia12 , num acordo tácito para a manutenção da ordem vigente, prática que se repetiria também na democracia, com a distribuição de concessões das afiliadas para grupos políticos. 6 A emissora figura também entre as maiores do mundo. Disponível em: http://www.jb.com.br/heloisa- tolipan/noticias/2012/05/09/globo-sobe-em-ranking-e-torna-se-segunda-maior-emissora-do-mundo/. Acesso em: 09 mar. 2017. 7 Ele acompanhou todo o processo de fundação do jornal em 1925. A rádio seria fundada apenas em 1944. Disponível em: http://www.robertomarinho.com.br/vida/trajetoria/empreendedor.htm. Acesso em: 09 mar. 2017. 8 Atualmente, o Grupo Globo figura entre os principais conglomerados de mídia do mundo na somatória de todas as suas plataformas. Disponível em: http://oglobo.globo.com/economia/grupo-globo-o-17-maior-conglomerado- de-midia-do-mundo-16159426. Acesso em: 09 mar. 2017. 9 A publicação lembra que esse número expressivo é atingido apenas somente por um canal anualmente nos Estados Unidos. Disponível em: http://www.economist.com/news/business/21603472-brazils-biggest-media- firm-flourishing-old-fashioned-business-model-globo-domination. Acesso em: 29 mar. 2017. 10 O animador seguiria na TV Globo até 1976. Disponível em: http://memoriaglobo.globo.com/programas/entretenimento/auditorio-e-variedades/programa-silvio- santos/formato.htm. Acesso em: 09 mar. 2017. 11 Entre eles, filmes, séries e desenhos animados. Disponível em: http://noticiasdatv.uol.com.br/noticia/televisao/ha-50-anos-globo-ensaiou-estreia-mas-so-ficou-famosa-com- tragedia-7574. Acesso em: 29 mar. 2017. 12 O lema de integração nacional buscado pela Globo era coincidente aos interesses do governo militar. Disponível em: http://mundoestranho.abril.com.br/historia/como-era-a-vida-no-brasil-da-ditadura/. Acesso em: 09 mar. 2017.
  • 16. 15 No jornalismo, o primeiro noticiário foi o Tele Globo13 , que ia ao ar em duas edições diárias. As informações esportivas eram abordadas também pela atração. Só anos depois surgiria o primeiro espaço exclusivo ao tema, com o Esporte Espetacular14 . Para a emissora, conforme o site institucional Memória Globo, seu primeiro momento significativo para a audiência15 foi a cobertura das enchentes que afetaram a capital fluminense no verão de 1966. Em 1969, o canal já havia se expandido para São Paulo, conseguindo liderar também entre o público paulistano igualmente com a programação jornalística, como na cobertura da chegada do homem à Lua. O sucesso se expandiria conforme o canal se modernizava, passando a adotar rapidamente transmissões a cores, e se interiorizava, ampliando a rede de emissoras para além da região Sudeste, ao que paralelamente também ampliava o modelo com uma grade de programação fixa e diversificada. 1.1 TV Globo e esporte, “tudo a ver” Em 1º de setembro de 1969, entrou no ar outro marco da TV Globo: o Jornal Nacional. Primeiro noticiário exibido nacionalmente, com duração inicial média de 15 minutos, o JN foi formado por vários nomes egressos da imprensa escrita, especialmente do jornal O Globo, pertencente ao mesmo grupo. Desde o princípio já tinha a transmissão fixada de segunda a sábado, porém começava mais cedo do que atualmente, tendo seu horário postergado ao longo dos anos de acordo com os hábitos dos brasileiros, especialmente pelo trânsito nas metrópoles. Em princípio, a atração diferenciava de forma clara o noticiário nacional, internacional e local. As notícias do exterior ganhavam grande espaço por serem 13 Ele é considerado o precursor do atual Jornal Nacional. Disponível em: http://cartaodevisita.r7.com/conteudo/1238/em-1965-surgia-o-tele-globo-o-precursor-do-jornal-nacional-nos- lares-nacionais. Acesso em: 09 mar. 2017. 14 A atração inicialmente também dependia de muito conteúdo estrangeiro, demorando alguns anos para adotar a tendência da programação de valorizar o conteúdo nacional. Segue veiculada até hoje nas manhãs de domingo, sendo apresentada por Fernanda Gentil e Felipe Andreoli. Disponível em: http://terceirotempo.bol.uol.com.br/que-fim-levou/esporte-espetacular-4961. Acesso em: 09 mar. 2017. 15 Antes, o canal chegou a exibir em videoteipe uma partida de futebol amistosa entre Brasil e União Soviética ainda no ano da sua fundação. Disponível em: http://globotv.globo.com/rede-globo/memoria-globo/v/esporte- espetacular-transmissao-do-primeiro-jogo-de-futebol-pela-globo-em-1965-2015/3877033/. Acesso em: 04 mar. 2017.
  • 17. 16 menos sensíveis às restrições impostas pela censura, na época em sua fase mais nociva após a emissão do Ato Institucional nº 5 pelo presidente Costa e Silva16 . Entre outros acordos firmados pouco após a inauguração, a TV Globo se notabilizou historicamente como uma parceira do Comitê Olímpico Internacional (COI) para as transmissões olímpicas. A opção por levar ao ar megaeventos foi uma estratégia da rede para crescer a sua popularidade nacionalmente de forma rápida, aproveitando-se da dimensão desse tipo de competição e seguindo o padrão estrangeiro, em especial estadunidense, que a influenciou por anos, graças ao acordo com a Time-Life, grupo que dava suporte técnico e financeiro nos anos iniciais da Globo. A emissora transmitiu os Jogos de Munique17 sete anos após a sua criação, depois de ter exibido também a Copa do Mundo de 1970. No primeiro importante momento mundial em solo germânico desde a Segunda Guerra Mundial, algumas das provas foram exibidas ao vivo. O número de transmissões, porém, era reduzido. Na época, a geração do sinal internacional ficava sob o comando de uma emissora do país-sede, assim enfocando basicamente os atletas locais. A boa repercussão garantiu mais espaço ao esporte no noticiário de forma regular, com a criação de uma divisão de esportes fixa a partir de 1973, conforme conta o livro Jornal Nacional: a notícia faz história (2004). A cobertura olímpica começou a se ampliar a partir dos Jogos de Moscou, em 1980, quando a Globo, na ocasião compartilhando direitos de transmissão com a TV Cultura, começou a enviar grandes equipes de jornalistas ao local do evento. Foi dessa edição em diante que o canal iniciou a cobertura de aspectos mais amplos dos Jogos, motivado por temas como o boicote de dezenas de países para as competições na então União Soviética. Repórteres de outras editorias também foram deslocados para acompanhar o modo de vida dos soviéticos18 . Em 1984, na disputa em Los Angeles, a TV Globo contou pela primeira vez exclusivamente com um satélite seu, que lhe deu possibilidade da transmissão de seis horas 16 Baixado em 1968, o AI-5 é considerado o momento mais duro da ditadura militar brasileira. Disponível em: http://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/FatosImagens/AI5. Acesso em: 12 mai. 2017. 17 O ataque terrorista do grupo Setembro Negro acabaria por marcar a edição dos Jogos. Disponível em: http://torcedores.com/noticias/2016/07/saiba-qual-foi-primeira-olimpiada-transmitida-ao-vivo-para-o-brasil. Acesso em: 04 mar. 2017. 18 Robert Feith, então correspondente em Londres, foi o principal encarregado desse perfil de matéria. Disponível em: http://memoriaglobo.globo.com/programas/esporte/eventos-e-coberturas/olimpiada-de-moscou- 1980/transmissao-e-cobertura.htm. Acesso em: 04 mar. 2017.
  • 18. 17 diárias de eventos. Essa foi a primeira Olimpíada coberta no local por Galvão Bueno (2015, p. 270), que classifica o evento como “a grande festa do esporte mundial”, ao unir “todos os povos com a filosofia representada pelos cinco anéis entrelaçados”. Ele também fazia entradas no Jornal Nacional comentando sobre os mais importantes resultados. Na época, porém, o principal locutor do canal era Osmar Santos19 . Nos Jogos de Seul, em 1988, os direitos voltaram a ser compartilhados com outras redes, o que causou uma retração da cobertura global, já que Band, Manchete e SBT também transmitiam as competições. Já para a Olimpíada de 1992, em Barcelona, quando retornou a ter transmissão exclusiva, a Globo enviou correspondentes para a Espanha a partir do início do ano, acompanhando os preparativos para o evento, modelo que desde então se repete quando não há repórteres já baseados na sede de uma Copa ou Olimpíada previamente. Em 2017, por exemplo, o repórter Marcelo Courrege foi deslocado para Moscou, onde permanecerá até o Mundial de Futebol da Rússia em 201820 . A competição de 1996 em Atlanta foi a primeira feita também pelo canal por assinatura SporTV21 , pertencente ao grupo, o que não reduziu as transmissões na televisão aberta. Galvão Bueno, já com o status de narrador global número um, fez a cerimônia de abertura ao lado de Fátima Bernardes. 19 Osmar seguiria sendo privilegiado com as principais transmissões ao longo de toda a década, como também em 1986, durante a Copa do Mundo da Espanha. Disponível em: http://uolesportevetv.blogosfera.uol.com.br/2014/05/29/de-comentarista-ao-calaboca-relembre-galvao-bueno- copa-a-copa/. Acesso em: 04 mar. 2017. 20 Antes das Copas de 2006 e 2010, esse papel coube a Renato Ribeiro, hoje diretor-executivo de esportes da TV Globo. Disponível em: https://www.instagram.com/p/BPv5zBQA0fg/. Acesso em: 04 mar. 2017. 21 O canal por assinatura foi lançado em 1991 sob a marca Top Sports, alterada para o nome atual somente em 1995. Disponível em: http://sportv.globo.com/site/noticia/2011/05/sobre-o-sportv.html. Acesso em: 04 mar. 2017. Possui em atividade fixamente três canais, no qual o primeiro é dedicado majoritariamente ao futebol. Frequentemente sinais da transmissão pay-per-view são abertos excepcionalmente e nominados também como canais SporTV quando há uma grande coincidência de eventos ao vivo. O caso mais notório ocorreu nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, quando foram 16 canais exibidos na televisão e até 40 sinais na internet na mais ampla cobertura olímpica já feita por um meio de televisão brasileiro. Disponível em: http://sportv.globo.com/site/programas/rio-2016/noticia/2016/07/sportv-entrega- maior-cobertura-dos-jogos-olimpicos-rio-2016.html. Acesso em: 04 mar. 2017. Um dos mais vigorosos braços da Globosat, a programadora de TV por assinatura do Grupo Globo, que detém ainda outras marcas como Multishow, Viva e GNT, é atualmente um dos 10 canais mais assistidos entre os abertos e fechados. Disponível em: https://tvefamosos.uol.com.br/noticias/ooops/2016/11/08/em-outubro- audiencia-da-tv-aparecida-supera-multishow-discovery-e-warner.htm. Acesso em: 04 mar. 2017.
  • 19. 18 Em Sidney, na Olimpíada de 2000, o número de horas no ar chegou diariamente a nove. O fuso horário da Austrália colaborou para que fossem feitas transmissões praticamente ininterruptas ao longo de toda a madrugada. Para os Jogos de Atenas, em 2004, o grande destaque ficou por conta de um evento realizado em solo brasileiro – e antes do começo das competições. Foi quando a tocha olímpica passou pela primeira vez no Brasil. O percurso do fogo sagrado pelas ruas do Rio de Janeiro como parte do revezamento internacional, que de forma inédita percorria os cinco continentes, foi acompanhado em boa parte do tempo ao vivo pela emissora22 , que mostrou a aglomeração de mais de um milhão de pessoas pelas ruas da cidade. Na Olimpíada de Pequim, em 2008, a rede apostou em replicar o luxo dos anfitriões, construindo estúdios especiais tanto no centro internacional de transmissões no Parque Olímpico, como no Rio de Janeiro. A edição marcou ainda a primeira transmissão olímpica exibida em alta definição ao público brasileiro. Em Londres, na edição de 2012, pela primeira vez desde que começou a o fazer, a TV Globo não transmitiu os Jogos Olímpicos. A licitação internacional feita pelo COI definiu a Record como dona dos direitos de transmissão exclusivos do evento. O canal carioca se limitou a cobrir o evento protocolarmente, muitas vezes usando fotos para não ser obrigado a creditar a concorrente. Em todos os seus programas jornalísticos que repercutiam de forma factual o universo esportivo, foi lida em tom editorial uma explicação pela limitação. Na cobertura das Olimpíadas, o Jornal Nacional seguirá as normas do Comitê Olímpico Internacional, que limita o uso de imagens do evento pelos não detentores de direitos de transmissão. (Jornal Nacional. TV Globo. 25 de julho de 2012. Disponível em http://globotv.globo.com/rede-globo/memoria-globo/v/olimpiadas-de-londres- 2012/4326788/) No Globo Esporte23 , Tiago Leifert24 , então apresentador da edição paulista25 do programa, comentou na edição de 25 de julho de 2012, o primeiro dia de competições do 22 O canal fez flashes durante a programação mostrando os principais instantes do revezamento. Disponível em: http://textual.com.br/case/cob-e-prefeitura-do-rio-revezamento-da-tocha-olimpica-de-atenas-2004-no-rio-de- janeiro/. Acesso em: 04 mar. 2017. 23 O programa é o espaço regular do esporte na grade de programação da Globo desde 1978, quando substituiu o Copa Brasil, que era dedicado apenas ao futebol. É essencialmente exibido de segunda a sábado na hora do almoço desde 1983. Disponível em: http://memoriaglobo.globo.com/programas/esporte/programas- esportivos/globo-esporte/evolucao.htm. Acesso em: 04 mar. 2017. 24 A atração paulista atualmente é comandada por Ivan Moré, que substituiu o próprio Tiago Leifert, quando esse, a exemplo de outros jornalistas da TV Globo, como Zeca Camargo, Fátima Bernardes e Patrícia Poeta, optou em migrar para o entretenimento. A edição do Rio de Janeiro, que responde como rede nacional (ver nota
  • 20. 19 futebol nos Jogos, sobre a situação. Naquela altura, ele confirmou o retorno da TV Globo em 2016, por um acordo de cerca de 200 milhões de dólares26 , tendo em vista que a transmissão dos Jogos no Rio de Janeiro já estava definida como compartilhada entre a própria Globo, a Record e a Band27 . Essa última já havia sido parceira global em Atenas e Pequim. Deixa eu conversar um negócio com vocês. Como vocês sabem, hoje é a abertura extraoficial das Olimpíadas de Londres. A abertura oficial é na sexta-feira, com a festa e tal. O futebol começa antes, começa hoje, tem Brasil e Camarões hoje à tarde, a Seleção feminina jogando. Amanhã tem Brasil e Egito, estreia da Seleção masculina. Vocês sabem também que a Globo não detém os direitos de transmissão dessa Olimpíada de Londres 2012. A gente volta em 2016. Por não deter os direitos, a gente tem que seguir uma série de regras impostas por quem detém os direitos e também pelo Comitê Olímpico Internacional. Então, a partir de hoje no Globo Esporte, a gente tem o direito de exibir por força contratual, dois minutos de imagens. E é isso que a gente vai fazer. É só isso que a gente pode fazer. Não é obviamente o que a gente quer, a gente sabe que vocês estão acostumados a assistir a Olimpíada aqui, dessa vez não vai dar. (Globo Esporte SP. 25 de julho de 2012. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=8ZIPOpduWJQ) A Record, mesmo com a exclusividade, não repetiu os números globais em edições anteriores do evento, com momentos de destaque apenas nos instantes decisivos dos esportes abaixo), é apresentada por Alex Escobar. Disponível em: http://globoesporte.globo.com/sp/noticia/2015/07/de- volta-do-esporte-espetacular-ivan-more-assume-o-globo-esporte-sp.html. Acesso em: 04 mar. 2017. 25 Desde 2009, o Globo Esporte passou a se regionalizar, mirando na época a reversão de uma crise de audiência em São Paulo. Disponível em: http://torcedores.com/noticias/2015/07/globo-esporte-de-tiago-leifert-ajudou- audiencia-da-atracao-a-se-recuperar-de-crise. Acesso em: 04 mar. 2017. A partir de então, outros estados passaram a ir seguidamente ganhando edições próprias para que pudessem otimizar a duração de cerca de 30 minutos com as coberturas locais. Atualmente há versões integralmente próprias do programa em todos os estados do Sul e Centro-Oeste, além de Bahia, Pernambuco, Ceará, Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro, sendo que a edição carioca segue como a de exibição nacional fixa para as praças que não possuem um GE inteiramente local, assim como para totalidade do Brasil em eventos marcantes, como nos Jogos Olímpicos e nos dias subsequentes ao desastre aéreo da Chapecoense. Disponível em: http://natelinha.uol.com.br/colunas/2016/11/30/como-a-televisao-cobriu-o- tragico-acidente-que-ficara-marcado-na-historia-103692.php. Acesso em: 04 mar. 2017. 26 Os direitos dos Jogos de 2012 custaram 60 milhões de dólares para a Record. Disponível em: https://olimpiadas.uol.com.br/noticias/2015/12/10/globo-assegura-direitos-de-transmissao-das-olimpiadas-ate- 2032.htm. Acesso em: 12 mai. 2017. 27 Globo e Band celebraram a aquisição dos direitos de forma conjunta em rara medida. O habitual é que o canal carioca sublicencie suas compras junto aos paulistas. Disponível em: http://oglobo.globo.com/cultura/revista-da- tv/proposta-conjunta-da-globo-band-vence-disputa-pelas-olimpiadas-de-2016-3137429. Acesso em: 04 mar. 2017.
  • 21. 20 coletivos. Liderou com a decisão do futebol entre Brasil e México28 , na qual a Seleção ficou com a prata, guardando a esperada conquista do ouro inédito para o Rio de Janeiro. O ciclo olímpico da Record incluiu também a Olimpíada de Inverno de Vancouver, em 2010. Foi a primeira grande transmissão do evento na televisão aberta do Brasil29 . A Globo acompanhava a versão gelada dos Jogos em reportagens desde 1980, mas jamais havia ousado exibir eventos. Em 2014, todavia, ao retomar os direitos, a emissora mostrou diversos momentos das disputas em Sochi ao vivo30 . Dois anos antes, já havia feito também uma cobertura mais generosa dos Jogos Paralímpicos31 , apesar de nesse caso não transmitir nenhuma competição em tempo real. Ao contar de novo com as Olimpíadas em seu portfólio de direitos esportivos, a Globo é detentora de todas as principais competições ao público brasileiro na atualidade, com exceção dos Jogos Pan-Americanos, propriedade exclusiva da Record desde Guadalajara 201132 . A rede televisiva da família Marinho, além dos Jogos Olímpicos de Verão e Inverno e da Paralimpíada, possui também os campeonatos mundiais de alguns dos principais esportes coletivos do país, como futebol e vôlei33 , e de suas competições nacionais, respectivamente, Brasileirão e Superliga34 . Igualmente são da rede os direitos dos mundiais de atletismo e esportes aquáticos, do UFC e da Fórmula 1, além dos torneios internacionais 28 Diante de finais envolvendo o Brasil também no vôlei feminino e no boxe masculino, a Record foi líder de audiência em 11 de agosto de 2012 das 7h até pouco depois das 18h. Disponível em: http://entretenimento.r7.com/famosos-e-tv/noticias/record-conquista-lideranca-isolada-em-audiencia-com- olimpiadas-20120812.html. Acesso em: 04 mar. 2017. 29 O ineditismo da Record foi recompensado na ocasião por celebrados números de audiência. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=TV7wQgR8F5s. Acesso em: 04 mar. 2017. 30 Foi criado ainda um programa diário ao fim de noite com o resumo das competições. Disponível em: http://redeglobo.globo.com/novidades/esportes/noticia/2014/02/sochi-2014-siga-cobertura-dos-jogos-olimpicos- de-inverno-na-globo.html. Acesso em: 04 mar. 2017. 31 O modelo de boletim noturno replicou a ideia já utilizada na Paralimpíada de Londres. Disponível em: http://globoesporte.globo.com/paralimpiadas/noticia/2012/08/boletim-paralimpico-traz-o-resumo-do-dia-de- disputas-em-londres.html. Acesso em: 04 mar. 2017. 32 Os direitos são válidos até a edição do Pan em Lima, em 2019. Disponível em: http://exame.abril.com.br/marketing/recorde-compra-direitos-de-exlcusividade-do-pan-2019/. Acesso em: 04 mar. 2017. 33 As modalidades aparecem entre as 10 mais assistidas pelos brasileiros dentre as mais de 40 disputadas nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro. Disponível em: http://exame.abril.com.br/marketing/os-10-esportes-mais- assistidos-pelos-brasileiros-na-rio-2016/. Acesso em 04 mar. 2017. 34 Entre clubes e seleções, a Globo transmite aproximadamente 90 jogos de futebol e 15 de vôlei por ano, excetuando-se os grandes eventos.
  • 22. 21 mais grandiosos, como a Liga dos Campeões da Europa e a NBA, liga de basquete dos Estados Unidos. Figura 1. Capturas da vinheta de abertura das transmissões da Rio 2016 na Globo, intituladas Somos Todos Olímpicos (fonte: reprodução/TV) Suas transmissões costumam se destacar pela busca em engajar a torcida, se colocando como parte da mesma e assim criando um vínculo na tentativa de garantir a audiência. Em 2016, o mote de toda a cobertura foi o slogan “somos todos olímpicos”, apresentado ao público em um clipe no Show da Virada35 , a tradicional transmissão de Ano Novo do canal. A prática já é observada desde o Mundial de 1994, quando o tema escolhido foi “a Globo é mais Brasil”. Em 2010, também na Copa do Mundo, a campanha se baseou na ideia que “nosso esporte é torcer pelo Brasil”, enquanto em 2014 se reforçou a buscada união entre emissora e público identificando que “somos um só”, caracterizando o status de tradição desse sentido. Ao longo do ano olímpico, essa aproximação entre a realidade esportiva e a dos indivíduos surgiu em campanhas feitas em ocasiões comemorativas, como o Dia da Mulher36 e a volta às aulas. Segundo a Publicação da Direção Geral de Negócios da Globo em outubro de 2015, o projeto buscou “o envolvimento dos brasileiros com o chamado espírito 35 A apresentadora Mariana Gross definiu o fato da realização dos Jogos Olímpicos como o início de “um ano muito especial”. Disponível em: https://youtu.be/MEyQ7duBaF0?t=1455. Acesso em: 04 mar. 2017. 36 Nessa chamada, foi utilizado o elenco feminino do time de comentaristas do canal para os Jogos Olímpicos. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=KFaKsVEumao. Acesso em 04 mar. 2017.
  • 23. 22 olímpico”, colocando inspiração, educação, admiração e transformação como os pilares básicos do movimento.37 Figura 2. Visão externa do prédio do Grupo Globo no Parque Olímpico (fonte: arquivo pessoal) Para as transmissões no Rio de Janeiro, a Globo realizou a sua maior estrutura em toda a história38 , com a dedicação, por exemplo, de 160 horas de exibições durante o evento39 , assim se dimensionando de forma superior inclusive que a da estadunidense NBC, um feito inédito na história olímpica recente. Destacou-se no projeto, que envolveu mais de dois mil profissionais de forma direta nas transmissões, o estúdio de vidro com 500 metros quadrados erguido na área central do Parque Olímpico, de onde foram apresentados programas da TV Globo, do SporTV e do globoesporte.com. Os dias dos Jogos representaram o ápice de uma ampla cobertura feita desde o momento em que a capital fluminense se tornou cidade olímpica, em 2 de outubro de 2009. Na ocasião, o anúncio da vitória derradeira sobre Madri foi transmitido ao vivo e dominou 37 Na publicação, o diretor Renato Ribeiro lembrou que o envolvimento do público com as modalidades ocorre em grande parte por causa desses ideais (inspiração, educação, admiração e transformação). Disponível em: http://comercial2.redeglobo.com.br/biponline/BIP/BIP_609.pdf. Acesso em 04 mar. 2017. 38 Cerca de 100 horas foram de transmissões ao vivo. Disponível em: http://www.grupoglobo.globo.com/noticias/empresas_grupo_globo_preparam_maior_cobertura_esportiva_da_su a_historia.php. Acesso em: 09 mar. 2017. 39 A decisão acarretou no cancelamento eventual de diversos programas da grade. Disponível em: http://zh.clicrbs.com.br/rs/entretenimento/tv/noticia/2016/08/olimpiada-muda-programacao-da-globo-e-tira- velho-chico-do-ar-na-proxima-sexta-feira-7105463.html. Acesso em: 09 mar. 2017.
  • 24. 23 boa parte dos telejornais do dia, inclusive do Jornal Nacional40 , que dedicou quase a totalidade da sua escalada para a repercussão do fato. 2 de outubro de 2009. O mundo conhece a sede dos Jogos Olímpicos de 2016. Rio de Janeiro. Nossos repórteres mostram como foi a votação histórica do Comitê Olímpico Internacional. A emoção da comitiva brasileira na cerimônia em Copenhague. A comemoração dos nossos atletas com a apuração dos votos. As reações ao resultado nas cidades que perderam a disputa. E a festa popular na praia mais simbólica do Brasil. (Jornal Nacional. TV Globo. 2 de outubro de 2009. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=Kcy2V-E7Gn4) O JN tradicionalmente abre um grande espaço para a cobertura dos Jogos Olímpicos, sendo um dos raros momentos em que o esporte ganha peso suficiente para abrir edições e se sobressair diante das pautas política ou econômica. O fenômeno não é isolado e ocorre ao redor do planeta nas mais diferentes mídias, desde a predominância do jornal impresso. Apesar disso, até 2016 jamais havia deslocado algum de seus principais apresentadores para cobrir o evento in loco, como faz com as Copas do Mundo desde 1998, algo que simboliza a dimensão de grande importância do futebol para o país. 40 A TV Globo acompanhou desde cedo, com o Bom Dia Brasil, o discurso do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva em defesa da candidatura do Rio de Janeiro. Mais tarde, interrompeu a primeira edição dos telejornais locais para exibir as rodadas que eliminaram Chicago e Tóquio da disputa. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=GlIs5AFooUo. Acesso em: 04 mar. 2017. O anúncio oficial veio durante uma edição especial do Jornal Hoje, ancorada por Sandra Annenberg do estúdio habitual em São Paulo e por Alex Escobar, de um especialmente montado para a ocasião no Rio de Janeiro. O JH daquele 2 de outubro de 2009 rendeu 16 pontos de audiência, recorde do ano, superando os 14 pontos da edição de 1º de junho, quando ocorreu a tragédia aérea com o voo 447 da Air France. Disponível em: http://veja.abril.com.br/blog/radar-on-line/rio-2016-um-sucesso-de-audiencia/. Acesso em: 04 mar. 2017. Além do correspondente fixo em Tóquio, a Globo deslocou enviados especiais para Copenhague, na Dinamarca, onde aconteceu a reunião do Comitê Olímpico Internacional, e para as demais cidades derrotadas, Chicago e Madri.
  • 25. 24 2 BRASIL, O PAÍS DO FUTEBOL Entre os muitos estereótipos propagados mundo afora, talvez nenhum identifique tanto o Brasil como o lema de “país do futebol”, apesar do surgimento da modalidade - da forma mais aproximada a como a conhecemos - ter acontecido na Inglaterra. Nenhum outro esporte atinge hoje a dimensão do futebol na vida global. Por exemplo, a Organização das Nações Unidas (ONU) informa possuir 193 países-membros, enquanto a Federação Internacional de Futebol (Fifa), conta com 211 países filiados41 , número superior inclusive ao do Comitê Olímpico Internacional (COI), que possui 206 comitês nacionais como membros. A internacionalização da modalidade é notada inclusive na entrada do futebol no Brasil, sendo trazido da Inglaterra por Charles Miller, um brasileiro descendente de ingleses que deixou o bairro paulistano do Brás rumo à Europa ainda criança, retornando apenas aos vinte anos, após a conclusão dos estudos. Ao voltar, além da primeira bola de futebol a rolar em campos nacionais, ele possuía ainda consciência das regras da modalidade, trazendo em sua bagagem ainda o livro com o conjunto delas42 . Em 1894, o turfe e o remo, eram as modalidades mais destacadas pela imprensa. Somente com a formação de times entre os profissionais das fábricas é que o futebol começou a ganhar atenção, ainda que limitada. O profissionalismo passou a surgir em 1902, com a primeira disputa do Campeonato Paulista43 . Apenas cinco equipes participaram da competição, vencida pelo São Paulo Athletic, time formado por descendentes ou filhos de ingleses, em uma final assistida por quatro mil pessoas nas arquibancadas. O clube deixou de integrar o torneio dez anos depois. Ao longo dos anos seguintes, o futebol foi sendo expandindo, tanto entre as figuras notáveis da sociedade, como entre a população, passando rapidamente a se popularizar 41 A Fifa, desde o primeiro mandato do brasileiro João Havelange, em 1974, adotou um critério de globalização flexível, que considera diversos territórios sem autonomia política como países. Disponível em: http://exame.abril.com.br/mundo/20-paises-que-fazem-parte-da-fifa-mas-nao-da-onu/. Na ONU, foram 51 os países fundadores, incluindo o Brasil, com o número também sendo ampliado ao passar das décadas. Disponível em: https://nacoesunidas.org/conheca/paises-membros/. Acesso em: 25 abr. 2017. 42 Ao deixar a breve carreira como jogador, Charles Miller ainda foi árbitro por diversos anos. Disponível em: http://trivela.uol.com.br/craque-artilheiro-tecnico-cartola-sensacao-na-europa-charles-miller-nao-foi-so-o-pai-do- futebol-no-brasil/. Acesso em: 15 mar. 2017. 43 Desde então, o torneio é organizado anualmente de forma ininterrupta. Disponível em: http://2016.futebolpaulista.com.br/Clubes/Todos+os+Campe%C3%B5es. Acesso em: 25 abr. 2017.
  • 26. 25 também na então capital federal, o Rio de Janeiro. O esporte já passava a ter presença obrigatória nos jornais, também com o surgimento de periódicos específicos. Conforme salientado por Silva e Santos (2006, p. 29), nesse período, com a multiplicação dos campos de várzea pelas grandes cidades, a população mais pobre também começava a fazer parte do universo futebolístico, o que Mario Filho identifica no livro Histórias do Flamengo (2014) como uma das razões para a sua rápida propagação. Em 1914, formou-se pela primeira vez na história uma Seleção de futebol do Brasil, que cinco anos depois44 conquistaria seu primeiro grande título: o Campeonato Sul- Americano, esboço da atual Copa América, em uma disputa de turno único dos anfitriões contra Argentina, Chile e Uruguai. O time brasileiro se filiou de imediato à Confederação Sulamericana de Futebol (Conmebol) e à Fifa. De acordo com Napoleão (2006, p. 29), a partida inaugural daquele torneio foi realizada diante de cerca de 25 mil espectadores, estando entre eles o presidente Delfim Moreira. Na goleada de 6 a 0 do Brasil contra o Chile, outras milhares de pessoas cercaram o Estádio das Laranjeiras, então o maior da América do Sul, para tentar observar o confronto subindo em muros e árvores. A crescente popularização do esporte decepcionava alguns dos seus precursores, mais puristas, que temiam a mistura com outras raças, fruto do pensamento eugenista que dominava parte da sociedade desde a abolição da escravatura, em 1888. Outro medo era o do crescimento de brigas nas arquibancadas, deixando de lado a celebração independentemente do resultado. Nessa época, vaias e xingamentos direcionados para os atletas e árbitros já eram comuns em situações onde a torcida se via desagradada. Em 1925, a Confederação Brasileira de Desportos (CBD), antecessora da atual Confederação Brasileira de Futebol (CBF), não permitiu a escalação de jogadores negros ou mestiços para a disputa do mesmo Campeonato Sul-Americano, então realizado na Argentina, ressaltando o caráter ainda excludente que o futebol possuía na época. Conforme contado por Silva e Votre (2006, p. 42), os anfitriões, contando com negros no elenco, acabaram vencendo a competição. Diante do crescimento da Seleção, a imprensa especializada começou a se profissionalizar, assim como os clubes de regatas, voltados aos esportes náuticos em suas 44 O torneio foi adiado em um ano por causa da epidemia de gripe espanhola. Disponível em: http://esportes.terra.com.br/futebol/copaamerica2007/interna/0,,OI1558695-EI8897,00.html. Acesso em: 15 mar. 2017.
  • 27. 26 fundações, passaram a também priorizar o futebol. É o caso do Flamengo, hoje time mais popular do país45 , fundado em 1895, mas que somente em 1911 passou a ter um departamento de esportes terrestres46 . Nesse período, o futebol já era uma modalidade olímpica, sendo o segundo esporte coletivo a entrar nos Jogos da Era Moderna, depois somente do polo aquático. A modalidade integrou inicialmente o programa olímpico apenas como exibição nas edições de Paris 1900 e Saint Louis 1904. Em Londres 1908, houve pela primeira vez um torneio oficial de seleções, com a vitória dos donos da casa diante da Dinamarca na final. O pódio foi completado pela Holanda, que ao lado de França, Suécia e Suíça fecha a lista das nações que estiveram na disputa. A participação apenas de nações europeias foi motivada pelos longos deslocamentos da época, com as viagens das equipes de outros continentes sendo possíveis apenas por via marítima. Em 1924, nos Jogos de Paris, o torneio vencido pelo Uruguai foi responsável por cerca de 30% da receita de toda a competição, levando ao todo mais de 200 mil pessoas aos estádios. Tamanho sucesso motivou a Fifa a decidir em 1928, sob o entusiasmo de Jules Rimet47 durante o congresso da entidade, a criar um campeonato mundial de futebol próprio. Assim surgia a Copa do Mundo, realizada pela primeira vez em 1930 no Uruguai, também campeão do torneio. O país, famoso como a Celeste Olímpica por causa das suas conquistas de medalhas de ouro em 1924 e 1928, parou para acompanhar a final diante da Argentina. Quase 100 mil pessoas assistiram a vitória por 4 a 2 contra os portenhos no Estádio Centenário, em Montevidéu. No dia seguinte, para que a população comemorasse, foi decretado feriado nacional. O Brasil, que até então jamais havia disputado o futebol nos Jogos Olímpicos, foi um dos 13 participantes da competição - os demais foram, além do Uruguai, Argentina, Bélgica, Bolívia, Chile, Estados Unidos, França, Iugoslávia, México, Paraguai, Peru e Romênia. Na época ainda sem o sistema de eliminatórias, a presença brasileira foi decorrente de um convite 45 Segundo o Datafolha, o time possui a preferência de 17,2% dos torcedores brasileiros. Disponível em: http://globoesporte.globo.com/futebol/noticia/2010/06/ibope-aponta-flamengo-como-maior-torcida-e-sport-em- ascensao.html. Acesso em: 16 mar. 2017. 46 O time já estrearia no Campeonato Carioca no ano seguinte. Disponível em: http://www.flamengo.com.br/site/noticia/detalhe/11289/relembre-a-genesis-do-futebol-do-flamengo. Acesso em: 15 mar. 2017. 47 O francês, terceiro presidente da Fifa, passou a batizar a taça do Mundial a partir de 1946. Disponível em: http://terceirotempo.bol.uol.com.br/que-fim-levou/jules-rimet-5556. Acesso em: 13 abr. 2017.
  • 28. 27 dos organizadores. A Seleção ficou em sexto lugar, sendo eliminada na fase de grupos. O time foi ao Uruguai apenas com apenas um rebelde atleta atuante em São Paulo - o atacante Araken, do Santos -, por causa de uma briga entre as federações locais motivada pela supremacia carioca na formação da comissão técnica. O brasileiro, porém, não acompanhou nenhum desses confrontos ao vivo. Segundo André Ribeiro (2007, p. 76), somente em 1931 seria feita uma transmissão de partida por rádio, no duelo entre equipes representando os estados de São Paulo e do Paraná. As transmissões logo cairiam no gosto popular, se tornando habituais especialmente aos fins de semana. Em 1938, por exemplo, quatro jornalistas brasileiros foram enviados para cobrir a Copa do Mundo da França, algo inédito. A Seleção começou a despontar para o protagonismo internacional ao alcançar a terceira colocação na disputa, vencida pela Itália. Essa foi a primeira ocasião em que os envolvidos em conflitos estaduais sobre o avanço da profissionalização do futebol sobre o amadorismo, que, segundo Toledo (2000, p. 10), vinha ocorrendo ao longo da década, se apaziguaram e o país foi aos campos franceses com seus melhores jogadores, entre eles o negro Leônidas da Silva, artilheiro do torneio e o primeiro jogador brasileiro a alcançar os status de ídolo nacional. 2.1 1950: a Copa perdida no Maracanã Por causa da Segunda Guerra Mundial, a Copa do Mundo seguinte foi disputada somente em 1950, com o Brasil recebendo pela primeira vez o torneio. No intervalo de 12 anos sem Mundiais, as competições continuaram ocorrendo regionalmente na América do Sul, servindo para a consolidação dos atletas e clubes profissionais e a progressiva inserção dos negros, numa forma também de ascensão social (FILHO, 2003, p. 179). Após o fim da II Grande Guerra, o Brasil obtia bons índices econômicos, com uma média de 8% de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) por ano. Nesse ritmo, o país conquistou o direito de sediar a Copa do Mundo durante o congresso pós-guerra da Fifa em 194648 . Seis estádios espalhados pelo país receberam jogos do Mundial, sendo eles o Pacaembu, em São Paulo, o Independência, em Belo Horizonte, a Vila Capanema, em Curitiba, o dos Eucaliptos, em Porto Alegre, a Ilha do Retiro, em Recife, e o Maracanã, palco 48 O país, que já sonhava em receber um Mundial desde 1942, foi candidato único na ocasião. Disponível em: http://zh.clicrbs.com.br/rs/noticia/2007/10/em-1950-brasil-tambem-foi-candidato-unico-a-pais-sede- 1663071.html. Acesso em: 25 abr. 2017.
  • 29. 28 da final, no Rio de Janeiro. Então com capacidade superior a 150 mil presentes, o Maraca, como é carinhosamente chamado pelos torcedores, hoje leva o nome do jornalista Mario Filho49 , um dos maiores entusiastas da sua construção. A inauguração oficial do estádio, o maior do mundo na época, aconteceu somente oito dias antes da primeira partida da Copa. A população apoiou a empreitada governamental para a construção do estádio, em grande parte motivada pelo apoio da mídia, como do radialista Ary Barroso, que também exercia o cargo de vereador graças à popularidade obtida pela sua atuação narrando partidas de futebol, e do próprio Mario Filho. O Mundial de 1950 contou novamente com 13 participantes, sendo garantidos previamente o Brasil como sede e a Itália por ser a campeã mais recente. Participaram ainda, oriundas do já vigente sistema de eliminatórias internacionais, Bolívia, Chile, Espanha, Estados Unidos, Inglaterra, Itália, Iugoslávia, México, Paraguai, Suécia, Suíça e Uruguai, que acabaria se sagrando campeão ao superar o Brasil no confronto que ficou eternizado como o Maracanazo. Antes da decisão, a Seleção empolgava os torcedores. Na estreia no quadrangular final, venceu a Suécia por uma goleada com o placar de 7 a 1. Depois veio outro triunfo com larga vantagem, um 6 a 1 sobre a Espanha, com direito a torcida cantando a marchinha Touradas em Madri das arquibancadas50 . No dia da final, lembranças do “campeão” já eram vendidas nos arredores do estádio. O Brasil seria vencedor mesmo com o empate. Diante do bem sucedido estilo ofensivo dos brasileiros e das dificuldades que o Uruguai encontrou em partidas anteriores, a imprensa e o público davam como uma questão de tempo a conquista do título naquele 16 de julho de 1950. A Seleção era cercada inclusive por políticos, como o então presidente Eurico Gaspar Dutra, que utilizava a Copa para marcar sua imagem como líder do país após o forte personalismo da gestão de Getúlio Vargas. Pouco antes do jogo final, Mendes de Morais, o prefeito do Rio discursou no Maracanã, sendo ouvido, de acordo com Pimentel (2013, p. 19), por aproximadamente 220 49 O jornalista, além de fomentar o desenvolvimento do futebol carioca, foi o responsável pela criação dos desfiles das escolas de samba do Rio de Janeiro. Disponível em: http://globoesporte.globo.com/Esportes/Noticias/Futebol/0,,MUL587551-9825,00- HA+ANOS+NASCIA+MARIO+FILHO+O+CRIADOR+DAS+MULTIDOES.html. Acesso em: 13 abr. 2017. 50 Naquela altura da Copa, a Espanha era mais temida pelos torcedores que o Uruguai. O jogo registrou o maior público do futebol mundial até então, sendo pouco depois superado pela partida final. Disponível em: https://copadomundo.uol.com.br/noticias/redacao/2013/06/30/goleada-em-1950-consagrou-a-marcha-de- carnaval-touradas-em-madri-ouca.htm. Acesso em: 13 abr. 2017.
  • 30. 29 mil presentes no estádio, número largamente superior a capacidade prevista, obrigando muitas pessoas a se aglomerarem em pé e de lado, enquanto escutavam suas pouco proféticas palavras51 . Um dia antes, o jornal A Noite trazia uma foto da equipe posando com a manchete “Estes são os campeões do mundo”. Tamanha euforia seria proporcional ao clima de abatimento que tomou conta do estádio. Schiaffino e Ghiggia marcaram contra o gol de Barbosa, que carregou pelo resto da vida a imagem de maior culpado pela derrota, em uma virada do Uruguai por 2 a 1. O Maracanã se calou e os campeões consolaram os vencidos. Para o autor do segundo gol uruguaio, “o silêncio era tão grande, que se uma mosca estivesse voando por lá, ouviríamos o seu zumbido”. O sentimento foi resumido dois dias após a final, em 18 de julho, por José Lins do Rego em crônica no Jornal dos Sports: Vi um povo de cabeça baixa, de lágrimas nos olhos, sem fala, abandonar o Estádio Municipal, como se voltasse do enterro de um pai muito amado. Vi um povo derrotado, e mais que derrotado, sem esperança. Aquilo me doeu no coração. Toda a vibração dos minutos iniciais da partida reduzida a uma pobre cinza de fogo apagado. (Disponível em http://www.unesp.br/aci/jornal/206/memoria.php) O goleiro Barbosa, negro, foi considerado um dos maiores culpados pela derrota, reavivando a discussão sobre a integração racial no esporte. O abalo após o insucesso foi tamanho que jornalistas como Mario Filho buscavam consolar a população destacando o sucesso da organização do torneio. Outra consequência do resultado, ainda que indireta, foi o retorno de Getúlio Vargas52 ao Palácio do Catete, então sede do poder Executivo, fruto do descontentamento popular com Dutra. A derrota, contudo, não abalou o amor do brasileiro pelo futebol. A Seleção retornaria aos gramados somente em 1952, participando pela primeira vez de uma Olimpíada em Helsinque, após vencer os Jogos Pan-Americanos, conquistando o ouro diante do time de juniores do Uruguai, na primeira das incontáveis revanches pelo Maracanazo. O time, com uma média de idade de 19 anos, caiu nas quartas de final do torneio olímpico diante da Alemanha. A equipe vencia a partida por 2 a 1 até o último minuto de jogo, quando ocorreu o empate que forçou a prorrogação. Diante do abalo emocional, o time acabou contabilizando 51 Ele disse que o país não possuía rivais em todo o hemisfério, já saudando aos presentes como vencedores. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/especial/fj1804201008.htm. Acesso em: 25 abr. 2017. 52 Presidente entre 1930 e 1945, quando foi derrubado pelos militares, notabilizou-se pelos avanços nas leis trabalhistas em seu primeiro mandato. Suicidou-se em 1954, quatro anos após ser reconduzido ao cargo pelo voto popular. Disponível em: https://educacao.uol.com.br/biografias/getulio-dornelles-vargas.jhtm. Acesso em: 13 abr. 2017.
  • 31. 30 mais dois gols. Três dos jogadores do elenco (Vavá, Humberto Tosi e Zózimo) seriam campeões do mundo em 1958. Diante de outro trauma, a volta ao Maracanã foi mais adiada ainda, acontecendo apenas em 1954. Como efeito dessa derrota, segundo Rubio (2006, p. 115), os holofotes voltaram-se por completo para o atleta Adhemar Ferreira da Silva, que conquistou a segunda medalha de ouro da história do país em Jogos Olímpicos53 , no salto triplo. A camisa amarela, hoje símbolo nacional, foi escolhida em concurso nesse intervalo, em 1953, numa realização em parceria entre a CBD e o jornal Correio da Manhã. Foram enviadas mais de 200 opções, sendo escolhida a proposta de um jovem gaúcho de 18 anos. Ela substituiu o uniforme branco utilizado no Maracanazo, aposentado em definitivo54 . 2.2 Enfim campeão do mundo - e por cinco vezes Foi com o uniforme reserva, na cor azul, que o Brasil superou a Suécia, anfitriã do torneio, na final da Copa do Mundo de 1958, quando conquistou seu primeiro título, numa vitória por 5 a 2 no estádio Rasunda. Os jogadores ficaram preocupados quando ocorreu o sorteio referente uso dos uniformes para a final, já que o amarelo era a cor principal de ambas as equipes, se mostrou favorável aos donos da casa, os dando a prioridade de utilizar a vestimenta principal. Para confortar a equipe brasileira, obrigada a adotar sua segunda opção, relata-se que Paulo Machado de Carvalho55 , chefe da delegação, disse que o time seria campeão com a cor do manto de Nossa Senhora de Aparecida, padroeira do país. Carvalho foi responsável por ajustes significativos na preparação do selecionado brasileiro, com a formação de uma comissão técnica que incluía, de acordo com Carravetta (2012), preparador físico, pedicuro, dentista e psicólogo, além das já habituais presenças de médico, massagista, roupeiro e treinador. Proprietário da TV Record, a primeira emissora a 53 A primeira foi do atirador Guilherme Paraense em 1920, nos Jogos da Antuérpia, sucedendo conquistas de prata e bronze na mesma edição, todas no tiro esportivo, esporte em que o Brasil só voltaria a subir ao pódio em 2016, com a prata de Felipe Wu. Disponível em: http://www.surtoolimpico.com.br/2016/05/surto-historia- guilherme-paraense-o.html. Acesso em: 13 abr. 2017. 54 Na estreia do novo uniforme, o Brasil venceu o Chile por 2 a 0 em partida das Eliminatórias. Disponível em: http://esportes.estadao.com.br/noticias/futebol,camisa-amarela-da-selecao-foi-escolhida-em-1953-apos- concurso,1516599. Acesso em: 13 abr. 2017. 55 Apelidado como o “marechal da vitória”, ele anos depois passaria a nomear o estádio do Pacaembu, em São Paulo. Disponível em: http://www.lance.com.br/todos-esportes/conheca-historia-paulo-machado-carvalho- marechal-vitoria.html. Acesso em: 13 abr. 2017.
  • 32. 31 transmitir um jogo de futebol no país, ele traçou com antecedência outros detalhes, como os locais de acomodação na Suécia, permitindo maior tranquilidade ao time. Antes da Copa, mesmo com a animação de cronistas como Nelson Rodrigues diante do então garoto Edson Arantes do Nascimento, o Pelé, que havia estreado pelo time principal somente um ano antes, aos dezesseis de idade, o clima de desconfiança era generalizado, no que foi cunhado pelo jornalista como o “complexo de vira-latas” do povo brasileiro, em artigo publicado na revista Manchete Esportiva poucos dias antes da estreia da Seleção no Mundial. Eis a verdade, amigos: desde 50 que o nosso futebol tem pudor de acreditar em si mesmo. A derrota frente aos uruguaios, na última batalha, ainda faz sofrer, na cara e na alma, qualquer brasileiro. Foi uma humilhação nacional que nada, absolutamente nada, pode curar. Dizem que tudo passa, mas eu vos digo: menos a dor de cotovelo que nos ficou dos 2x1. E custa crer que um escore tão pequeno possa causar uma dor tão grande. O tempo passou em vão sobre a derrota. [...] Guardamos, para nós mesmos, qualquer esperança. Só imagino uma coisa: se o Brasil vence na Suécia, e volta campeão do mundo! Ah, a fé que escondemos, a fé que negamos, rebentaria todas as comportas e 60 milhões de brasileiros iam acabar no hospício. [...] Só uma coisa nos atrapalha e, por vezes, invalida as nossas qualidades. Quero aludir ao que eu poderia chamar de “complexo de vira-latas”. Estou a imaginar o espanto do leitor: “O que vem a ser isso?”. Eu explico. Por “complexo de vira-latas”, eu entendo a inferioridade em que o brasileiro se coloca, voluntariamente, em face do resto do mundo. Isto em todos os setores e, sobretudo, no futebol. [...] Eu vos digo: o problema do escrete não é mais de futebol, nem de técnica, nem de tática. Absolutamente. É um problema de fé em si mesmo. O brasileiro precisa se convencer que não é um vira-latas e que tem futebol para dar e vender, lá na Suécia. Uma vez que se convença disso, ponham-no para correr em campo e ele precisará de dez para segurar, como o chinês da anedota. Insisto: para o escrete, ser ou não ser vira-latas, eis a questão. (Disponível em http://www.ufrgs.br/cdrom/rodrigues03/rodrigues3.pdf) A conquista do primeiro título mundial do futebol brasileiro, com gols marcados por Vavá (2), Pelé (2) e Zagallo, ao menos diminuiu o vira-latismo na época. Todavia, o país pode assistir aos lances somente com atraso de dois dias pela TV Tupi através de filmes, devido a inexistência dos videoteipes. Mas ouviu as partidas no pool formado pelas rádios Bandeirantes, Continental, Panamericana, Nacional e as integrantes da rede dos Diários Associados. Em simultâneo, a imprensa escrita batia recordes. No dia seguinte ao título, a Gazeta Esportiva vendeu mais de 400 mil exemplares. Os campeões foram recepcionados com festa em diversas escalas realizadas no país, onde eram saudados pelo povo no trajeto entre os aeroportos e as homenagens oficiais.
  • 33. 32 Após a vitória, o futebol brasileiro conquistou um espaço significativo diante do mundo, com equipes como o Santos de Pelé excursionando ao redor do planeta. O presidente Juscelino Kubitschek56 , no terceiro ano de seu mandato, também explorou ao máximo o triunfo. Ele assistiu a final acompanhado de familiares dos jogadores e depois chegou a beber champanhe na taça Jules Rimet. Em 1962, a Copa do Mundo voltou ao solo sul-americano, e o Brasil foi bicampeão do torneio, mantendo praticamente a base de quatro anos antes, tendo para Antunes (2004, p. 229) a obrigação de “provar, de novo, que era o melhor para reafirmar-se moralmente”. Pelé se contundiu na segunda partida, deixando para Garrincha o papel de craque da edição. Os gols do 3 a 1 na final sobre a Tchecoslováquia, porém, vieram de Amarildo, Zito e Vavá. Dessa vez, além da Tupi, a transmissão contou ainda com a TV Record. Ambas conseguiram melhores condições técnicas graças a um acordo com a rede mexicana Televisa. Ao retornar, a Seleção foi recebida na recém-inaugurada Brasília pelo presidente João Goulart. Jango, como era chamado, há havia sido zagueiro nas categorias de base do Internacional de Porto Alegre. A sua nova cidade no Planalto Central ainda não era plenamente habitada na época, porém diversos moradores de Goiás vieram receber os campeões, que desfilaram em carro aberto pelo Eixo Monumental, formando uma multidão estimada em torno de 50 mil pessoas, que de acordo com os relatos da Folha de S. Paulo chegou a invadir os jardins do Palácio da Alvorada. Pelé, mesmo sem participar da decisão da Copa, seguiu brilhando durante o período57 , com conquistas consecutivas junto ao seu clube, o Santos, da Taça Brasil, embrião do atual Campeonato Brasileiro, e mesmo do Mundial de Clubes. Já Garrincha não manteve o sucesso, tendo sua carreira abalada por problemas pessoais, como o alcoolismo. 56 Presidiu o Brasil entre 1956 e 1961. Logo depois, se elegeu senador, tendo os direitos políticos cassados pelo golpe militar de 1964. Morreu em 1976 num acidente rodoviário tratado pela Comissão da Verdade da Câmara Municipal de São Paulo como “atentado político”. Disponível em: http://istoe.com.br/338611_COMISSAO+DA+VERDADE+DE+SP+DECLARA+QUE+JUSCELINO+KUBITS CHEK+FOI+ASSASSINADO+PELA+DITADURA+MILITAR/. Acesso em: 14 abr. 2017. 57 Em 1969, durante jogo diante do Vasco no Maracanã, ele marcou o seu milésimo gol. Disponível em: http://acervo.oglobo.globo.com/em-destaque/pele-marcou-seu-milesimo-gol-no-maracana-num-penalti-contra- vasco-10811259. Acesso em: 25 abr. 2017.
  • 34. 33 Ambos, contudo, eram tidos como essenciais para o tricampeonato, que não veio em 1966, na Inglaterra. Com o Brasil já diante do golpe militar58 , questões políticas ganharam peso na preparação, dificultando a formação de um time fixo diante de inúmeras convocações para agradar forças locais. A falta de um esquema coletivo permitia que os adversários pudessem facilmente anular Pelé. Diante desse quadro, o Brasil ficou somente em 11º lugar, sua segunda pior colocação na história dos Mundiais. O mau resultado sucedia uma participação olímpica também aquém das expectativas nos Jogos de Tóquio, em 1964, com uma eliminação ainda na primeira fase, em que pese a proibição da presença de jogadores profissionais no torneio olímpico. Nos Jogos Olímpicos, o desempenho do futebol dos países comunistas foi arrebatador, ao conquistar todas as medalhas de ouro entre 1952 a 1980. Isso porque, nessa época, não eram permitidos jogadores profissionais, restando às equipes convocarem jogadores amadores. Porém, atletas do bloco oriental eram contratados do governo, como se fossem patrocinados e não profissionais. Com isso, equipes do Leste Europeu iam às Olimpíadas com força máxima, diferentemente dos países ocidentais. (VIDIGAL, 2014, p. 21) Para a Copa do México, em 1970, a Seleção saiu novamente envolta em desconfiança da população. Na época, o governo militar de Emílio Garrastazu Médici vivia o auge da repressão, o que levou uma parcela dos intelectuais de esquerda a propor o boicote ao time, considerando que os entusiastas da equipe estariam de certa forma prestando apoio ao regime. A ideia não encontrou eco na população, que diante do registro de pleno emprego do período, manifestava apoio ao presidente. O técnico João Saldanha, um notório comentarista esportivo, porém até então com pouco currículo como treinador, era mais questionado que o general na época anterior ao torneio. Saldanha foi contratado pela CBD, chefiada por João Havelange59 , um ano antes do Mundial, não só pelo seu conhecimento de futebol, mas também como uma forma de silenciar as críticas que fazia em sua atividade midiática. Notório militante comunista, ele adotou o pragmatismo, focando exclusivamente em administrar a Seleção durante sua passagem pelo 58 O presidente João Goulart foi destituído em 31 de março de 1964. Disponível em: http://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/FatosImagens/Golpe1964. Acesso em: 14 abr. 2017. 59 Atleta de esportes aquáticos nas Olimpíadas de 1936 e 1952, ele dirigiu diversas entidades esportivas, incluindo a Fifa, da qual foi o primeiro não europeu presidente, entre 1974 e 1998. No fim da vida, porém, envolto em revelações de escândalos de corrupção, renunciou aos postos honorários que tinha na federação e no Comitê Olímpico Internacional. Morreu aos 100 anos, durante a Olimpíada do Rio. Disponível em: http://globoesporte.globo.com/futebol/noticia/2016/08/joao-havelange-ex-presidente-do-coi-e-da-fifa-morre-no- rio-de-janeiro.html. Acesso em: 14 abr. 2017.
  • 35. 34 cargo, em que alternou durante a preparação um bom desempenho nas Eliminatórias e insucessos em partidas amistosas. O treinador, porém, não admitiu a interferência de Médici na convocação, sendo demitido somente três meses antes da Copa, ao negar o chamado ao atacante Dadá Maravilha. De acordo com Guterman (2009, p. 169), ele destacou na entrevista coletiva em que falou sobre a sua saída um diálogo em que teria dito ao presidente que “o senhor escala seu ministério e eu escalo o meu time”. O líder do país era um real fã de futebol, não acompanhando a Seleção somente por questões políticas. Na juventude, por exemplo, chegou a atuar como atacante do Grêmio de Bagé, sua cidade-natal. Quem assumiu o comando do time às vésperas do Mundial foi Mário Jorge Lobo Zagallo, vitorioso como jogador em 1958 e 1962. Aposentado em 1966, ele prontamente iniciou uma carreira como treinador de juvenis no Botafogo. Na Seleção, passou a convocar Dadá, como era vontade do presidente, apesar de negar em entrevistas ao longo de toda a sua vida que o tenha feito por pressão. Na Copa, entre telegramas e telefonemas de Médici, a equipe avançou de forma convincente até as semifinais, quando pela primeira vez desde o Maracanazo reencontrou o Uruguai no principal torneio de futebol do mundo. Os campeões de 1950 vinham em franca decadência, inversamente proporcional à ascensão brasileira com seus dois títulos conquistados depois do último confronto entre os países por Mundiais. O Brasil venceu de virada, por 3 a 1, se credenciando a disputar a final diante dos italianos no estádio Azteca. O governo se aproveitava do clima de união resultante do sucesso da equipe. Pela primeira vez, grandes aglomerações se formavam em cidades como São Paulo para que os torcedores acompanhassem juntos os jogos. Até mesmo a música, com a marchinha Pra Frente Brasil60 , era utilizada como forma de persuasão. ♫ Noventa milhões em ação / Pra frente Brasil, no meu coração / Todos juntos, vamos pra frente Brasil / Salve a Seleção! / De repente é aquela corrente pra frente / Parece que todo o Brasil deu as mãos! / Todos ligados na mesma emoção / Tudo é um só coração / Todos juntos, vamos pra frente Brasil / Salve a Seleção! ♫ A Itália, adversária do Brasil na decisão, se tornou finalista depois de um tenso confronto contra a Alemanha, marcado como um dos maiores jogos da história das Copas. Os 60 Composta por Miguel Gustavo, a música era originalmente o jingle de uma cervejaria. Disponível em: http://acervo.oglobo.globo.com/em-destaque/copa-jingles-na-ditadura-pra-frente-brasil-marcou-selecao-do-tri- no-mexico-12531642. Acesso em: 14 abr. 2017.
  • 36. 35 alemães, que já vinham de uma disputa com tempo extra nas quartas de final contra a Inglaterra, então campeã, entraram em desvantagem física. Sofreram o gol aos oito minutos do primeiro tempo, porém conseguiram o empate aos 47 da segunda etapa, forçando uma nova prorrogação. Sob o calor mexicano, seguiram-se trinta dos mais intensos minutos já vistos em Mundiais. Entre reviravoltas no placar, o marcador final apontou 4 a 3 para os italianos. Dessa forma, o derradeiro confronto daquela Copa se deu entre duas bicampeãs, assim garantindo ao vencedor da decisão a posse definitiva da taça Jules Rimet. Foi a primeira vez na história em que dois campeões se encontraram numa decisão de Mundial, feito acompanhado por mais de 100 mil torcedores na Cidade do México. A população mexicana, encantada com o futebol brasileiro desde os treinamentos, em grande parte devotava torcida a favor da Seleção, o que se reforçou com eliminação do time local pela Itália nas quartas de final. Pelé, Gérson, Jairzinho e Carlos Alberto Torres corresponderam ao esperado pelo público, goleando os europeus por 4 a 1. Essa equipe foi eleita em enquetes da BBC61 e da revista World Soccer62 como a melhor de todos os tempos entre todos os esportes e países. Na capa da Folha de S. Paulo no dia seguinte ao título, a constatação de como o triunfo fez bem aos planos presidenciais. A manchete destacava o time, enquanto os três tópicos inferiores faziam relação direta com a política, frisando também a decretação de feriado nas repartições federais de Brasília e do Rio de Janeiro para a recepção aos campeões. Sob a chamada “Médici participa do entusiasmo do povo”, foi reproduzida uma declaração oficial do presidente. Na hora em que a Seleção nacional de futebol conquista definitivamente a Copa do Mundo, após memorável campanha, na qual só enfrentou e venceu adversários do mais alto valor, desejo que todos vejam, no presidente da República, um brasileiro igual a todos os brasileiros. Como um homem comum, como um brasileiro que, acima de todas as coisas, tem um imenso amor ao Brasil e uma crença inabalável neste país e neste povo, sinto-me profundamente feliz, pois nenhuma alegria é maior no meu coração que a alegria de ver a felicidade do nosso povo, no sentimento da mais pura exaltação patriótica. [...] Nesse momento de vitória, trago ao povo minha homenagem, identificando-me todo com a alegria e a emoção de todas as ruas, para festejar, em nossa incomparável seleção de futebol, a própria afirmação do valor do homem brasileiro. (Disponível 61 Sete das dez primeiras equipes mencionadas na lista são de futebol. Disponível em: http://www.bbc.com/portuguese/noticias/story/2005/12/051225_selecaotp.shtml. Acesso em: 14 abr. 2017. 62 Nessa mesma pesquisa, o jogo entre Alemanha e Itália no Mundial de 1970 foi eleito a melhor partida da história. Disponível em: https://esporte.uol.com.br/futebol/ultimas/2007/07/09/ult59u125308.jhtm. Acesso em: 14 abr. 2017.
  • 37. 36 em http://www.biblioteca.presidencia.gov.br/presidencia/ex-presidentes/emilio- medici/discursos/1970/16) O jornal relata que o presidente chegou a descer a rampa do Palácio do Planalto enrolado na bandeira nacional logo após a conquista, fazendo inclusive embaixadinhas. Ao falar por telefone com Pelé, o chamou de “imperador terceiro do Brasil”. Todos os jogadores ganharam 25 mil cruzeiros da Caixa Econômica Federal, o que hoje equivale a cerca de nove mil reais. Com o poder do futebol evidenciado, o governo não tardou em pedir à CBD para que criasse uma disputa coincidente com seu plano de integração nacional, já que a maior disputa da época, o torneio Roberto Gomes Pedrosa, abarcava apenas os times das regiões Sul e Sudeste, excetuando-se o Espírito Santo. Assim, em 1971 surgia pela primeira vez o Campeonato Brasileiro, com 20 times na disputa, que foi sofrendo um progressivo inchaço motivado por questões políticas, beirando a presença de 100 equipes no final da década. A popularização dos clubes pelo país, entretanto, não coincidia com uma boa fase da Seleção, que ficou sem Pelé a partir de 1971, quando ele se aposentou da equipe em um amistoso contra os iugoslavos aos gritos de “fica, fica, fica” de 138 mil torcedores no Maracanã, segundo o jornal O Globo. Para a Copa de 1974, Zagallo seguiu como técnico, enquanto o comando do país já havia passado ao general Ernesto Geisel, menos afeito ao futebol. O time manteve parte da base de 1970, que já envelhecida não conseguiu ir além do quarto lugar, mesma posição conseguida na Olimpíada de Helsinque, em 1976. No Mundial de 1978, a ditadura mais decisiva foi a da Argentina, sede do torneio. O formato da competição diferia do atual, com somente a final sendo disputada como um verdadeiro mata-mata. Naquela ocasião, quem avançava da fase inicial se dividia em dois novos grupos, cujo líderes formariam o confronto decisivo pelo título. Brasil, Argentina, Peru e Polônia ficaram no mesmo grupo. Os gigantes sul-americanos venceram seus primeiros jogos e empataram no confronto direto, chegando igualados em pontuação na última rodada. As partidas finais, porém, não eram em horário coincidente. A Seleção jogou primeiro, vencendo a Polônia por 3 a 1, e conseguindo cinco gols de saldo acumulado. Entrando em campo somente três horas depois e sabendo exatamente do que precisava para avançar à final, os argentinos conseguiram aplicar 6 a 0 no Peru, que até então fazia razoável campanha, com vitórias sobre a Escócia e o Irã, e derrotas por placares bem menos elásticos, como o 3 a 0 sofrido diante do Brasil. A Argentina acabou campeã pela primeira vez superando a Holanda
  • 38. 37 em partida no estádio Monumental de Buenos Aires, enquanto o Brasil, diante da estranha coincidência e por ser o único time invicto na competição, se proclamou “campeão moral”. Na década seguinte, reforçando o papel cada vez maior dos clubes no cotidiano da sociedade, as duas equipes com mais torcedores no país foram marcantes para o futebol nacional não somente pelo gigantismo dos seus aficionados. O Flamengo consolidou no futebol brasileiro o primeiro atleta após Pelé a ser comparado ao até hoje único jogador tricampeão mundial63 , como se tornaria hábito com as revelações do esporte no país nas décadas seguintes. Arthur Antunes Coimbra, o Zico, foi também o primeiro craque de alto nível em gramados nacionais a ser desenvolvido de acordo com os preceitos mais modernos do futebol europeu. O garoto inicialmente franzino se desenvolveu fisicamente no clube, sendo o líder de uma série de conquistas da equipe, iniciadas pelo Campeonato Carioca em 1978, título que se repetiu nos dois anos seguintes. Em 1980, com coadjuvantes como Júnior e Leandro, a conquista foi nacional, sendo o ano posterior marcado pela glória de vencer a Taça Libertadores da América e o Mundial de Clubes, título ganho sobre os ingleses do Liverpool, com gols de Nunes e Adílio na decisão vencida por 3 a 0, representando o retorno do Brasil ao topo do futebol mundial, como foi percebido na festa popular nas ruas do Rio de Janeiro, narrada pelo jornal O Globo como um “Carnaval na madrugada”, devido ao fuso horário, já que o jogo foi realizado em Tóquio, no Japão. O presidente João Batista Figueiredo também se pronunciou sobre o triunfo, que, segundo a Folha de S. Paulo, foi mais comemorado na capital fluminense que o título da Seleção em 1970. Juntamente com a torcida brasileira, acompanhei com entusiasmo a partida na qual o Flamengo representou, com brilho invulgar, o talento e a maestria dos milhares de jogadores brasileiros de futebol. [...] Os meus mais efusivos parabéns pela merecida vitória, que traz para os brasileiros o campeonato mundial de clubes. Já o Corinthians vivia uma fase sem grandes conquistas em campo, porém de extremo significado graças ao modelo proposto pelos jogadores, liderados por Sócrates, para a administração da equipe, com atletas, comissão técnica e dirigentes tendo votos de peso igual nas decisões do clube. O publicitário Washington Olivetto, diretor do time, capitaneou a ideia, batizando o movimento como Democracia Corintiana. O clube chegou a entrar em campo 63 Em 2000, na votação de atleta do século da Fifa, Zico ficou atrás somente de Pelé e Garrincha entre os jogadores brasileiros. Disponível em: http://en03.touri.com/Berichte/FIFA-Spieler/MalePlayer.pdf. Acesso em: 13 abr. 2017.
  • 39. 38 com faixas trazendo textos de incentivo ao regime democrático. Ao também utilizar a camisa para as mensagens políticas, o time ainda abriu espaço para a futura comercialização do espaço, de maneira já feita em outras modalidades, como o vôlei. Com Sócrates e Zico, além de outros jogadores como Falcão e Toninho Cerezo, a Seleção foi ao Mundial de 1982, na Espanha, contando com um grande otimismo da torcida. Treinado por Telê Santana64 , o time era tido como favorito para a conquista do tetracampeonato, impressão reforçada após vencer a Argentina, num 3 a 1 marcado pela expulsão da então promessa Diego Maradona. Na partida seguinte, bastava o empate diante da Itália para avançar às semifinais, em um dos mais tradicionais clássicos das Copas, que já havia ocorrido também na decisão de terceiro lugar da edição anterior do torneio, em jogo vencido pelo Brasil. Paolo Rossi, que retornava ao futebol após dois anos de suspensão motivados por um escândalo de combinação de resultados, marcou os três gols italianos na vitória por 3 a 2 diante da Seleção, num jogo que ficou marcado como a “tragédia do Sarriá”. O apelido foi uma referência ao estádio onde aconteceu a partida, que alterou os rumos do futebol mundial, com o pragmatismo dos resultados dos que saíram vencedores daquela edição da competição, donos de um estilo defensivo que buscava anular a habilidade dos adversários, influenciando as décadas seguintes, em detrimento ao espetáculo do chamado futebol-arte brasileiro. Falcão (2012) relata no livro Brasil 82 - o time que perdeu a Copa e conquistou o mundo que os italianos se mostraram de certa forma até constrangidos com o resultado. Além da vitória no confronto direto entre os times, o consequente título da Itália ainda rendeu outro incômodo ao Brasil, que deixou de ser o único tricampeão mundial. Em sua reação, o presidente Figueiredo finalizou o telegrama direcionado aos jogadores de forma lacônica: “Ânimo forte. Outras Copas virão”. O desastre no estádio Sarriá, como relatado pela mídia esportiva nos dias seguintes à peleja, acentuou a percepção de crise por que o país passava. A abertura democrática começava a ser ensaiada, com o voto direto da população passando a eleger os governadores dos estados. Diante da insatisfação com o regime militar, as urnas, que contaram com uma participação massiva dos eleitores, elegeram opositores em unidades da federação importantes, como Leonel Brizola no Rio de Janeiro e Tancredo Neves em Minas Gerais. 64 Entre outras conquistas como jogador e treinador, ele comandou o São Paulo nos títulos dos Mundiais de Clubes em 1992 e 1993. Disponível em: http://oglobo.globo.com/esportes/confira-os-titulos-de-tele-santana- 4588411. Acesso em: 14 abr. 2017.
  • 40. 39 No ano seguinte, os clubes seguiram se destacando no crescimento do futebol no Brasil. O Flamengo já era tricampeão nacional, marcando uma supremacia naquele começo de década, e o Grêmio superou por 2 a 1 os alemães do Hamburgo na decisão do Mundial de Clubes. Mas o esporte no país sofreu também duros baques. Um deles foi a perda da taça Jules Rimet, que era guardada sem maiores cuidados na sede da então já CBF, no Centro do Rio de Janeiro. Pesando quase quatro quilos de ouro, a taça possuía um valor inestimável para a população, que acompanhou por semanas as investigações da Polícia Federal sobre o caso, repercutido de forma ampla também na imprensa internacional. Ela jamais foi recuperada e o roubo, que entrou no imaginário popular, chegou a ser reconstituído décadas depois pelo programa Linha Direta, da TV Globo. O crime foi planejado pelo representante do Atlético Mineiro na CBF, Sérgio Pereira Ayres, o Sérgio Peralta. Ele era assíduo frequentador do prédio da entidade e sabia que a taça Jules Rimet original estava exposta numa vitrine, com vidro à prova de balas, mas amparado por uma moldura de madeira, pregada na parede. Enquanto isso, inexplicavelmente, uma réplica do troféu era mantida, em segurança, no cofre. Peralta arregimentou os comparsas no Bairro do Santo Cristo, zona portuária do Rio, onde morava. Na noite de 19 de dezembro de 1983, o ex-policial Francisco José Rocha Rivera, o Chico Barbudo, e o decorador José Luiz Vieira da Silva, o Luiz Bigode, dominaram com facilidade o único vigia do prédio, arrombaram a moldura, provavelmente com uma chave de fenda, e removeram o vidro inquebrável. Além da Jules Rimet, outras três taças foram levadas. O crime só foi desvendado por causa do ladrão Antonio Setta, conhecido como Broa, considerado pela polícia o melhor arrombador de cofres do Rio de Janeiro. Ele tinha sido convidado por Sérgio Peralta, para cometer o crime, mas recusou por razões sentimentais. A polícia descobriu que a taça foi comprada e derretida em seguida pelo comerciante de ouro Juan Carlos Hernandez, um argentino que vivia no Brasil desde 1973. No decorrer do processo, o ouro apreendido com os acusados, que seria o resultado do derretimento da taça, foi roubado pela polícia. A sentença só veio em 1988. Peralta, Barbudo e Bigode foram condenados a nove anos de cadeia. (Linha Direta. TV Globo. 1 de junho de 2006. Disponível em http://redeglobo.globo.com/Linhadireta/0,26665,GIJ0-5257- 228151,00.html) Outra perda sentida pelos brasileiros em 1983 foi a de Garrincha, o principal jogador do título de 1962, que tinha apenas 49 anos. Apelidado como “alegria do povo”, o craque sofria com a dependência do álcool, chegando a ser internado por seis vezes nos anos antecedentes ao falecimento. No Jornal Nacional, Sérgio Chapelin destacou a comoção com o óbito: “a morte de Mané Garrincha está em grandes manchetes, grandes como as emoções que ele desperta”. O velório, realizado no Maracanã, formou extensas filas ao redor do estádio. Em Pau Grande, sua cidade-natal, onde o corpo foi enterrado, a Folha de S. Paulo reportou que gritos de “ei, Garrincha é nosso rei” foram ouvidos durante o sepultamento, em referência à ausência de Pelé nos funerais. Após uma nova retração acentuada do PIB, evidenciando a tendência daquela que seria considerada a “década perdida”, o ano seguinte marcou o fortalecimento da campanha
  • 41. 40 por eleições diretas também para a Presidência da República, aclamada pela população como as Diretas Já. Os atletas não se engajaram de forma maciça como outros setores da sociedade, destacando-se mais a imprensa esportiva. Segundo Guterman (2009), Osmar Santos, um dos principais narradores do país, apresentou diversos comícios do movimento em São Paulo. A emenda não avançou de imediato no colégio eleitoral, mas obteve um apoio expressivo. Em 1985, mesmo com a eleição sendo indireta, a escolha dos congressistas por Tancredo Neves como o primeiro presidente civil do país foi comemorada entre a população, com uma celebração que fazia lembrar na ocasião os festejos nos períodos de Copas de Mundo, de acordo com os registros dos jornalistas. Ele, porém, nem chegou a ser empossado no cargo, vítima de uma infecção intestinal que o internou no dia anterior ao da posse, numa agonia compartilhada com o Brasil por semanas, até o falecimento em 21 de abril. Assim, foi sob o comando de José Sarney, eleito como vice de Tancredo, que o país acompanhou o Mundial de 1986, iniciado em 31 de maio. O nacionalismo dos tempos de regime militar já estava em queda também no futebol, com os principais jogadores da América do Sul, incluindo os brasileiros, atuando na Europa em variados momentos da década. A Itália era o principal mercado da época, recebendo craques como Zico, na Udinese65 , diante de uma grande festa por toda a região, relatada por Nunes (2006, p. 199), e Falcão, na Roma. Na Copa, a equipe novamente treinada por Telê Santana, marcada pela experiência anterior, não jogava mais para encantar, mas para vencer. E o fez com relativa facilidade na fase de grupo e nas oitavas de final. Nas quartas, porém, diante de uma França ainda pouco tradicional, o empate em 1 a 1, e a subsequente eliminação nos pênaltis. Dois anos antes, na Olimpíada de Los Angeles, o Brasil já havia perdido justamente para os franceses na final do futebol, subindo pela primeira vez ao pódio no torneio com a conquista da prata. O time de vôlei masculino, que havia conseguido lotar o Maracanã em partida amistosa contra os soviéticos em 1983, também ficou em segundo lugar nos Jogos, sendo de Joaquim Cruz, nos 800 metros rasos, o único ouro brasileiro. 65 Em 2017, o jogador foi homenageado pelo time e pela torcida durante as comemorações dos 120 anos de fundação do clube. Disponível em: https://esporte.uol.com.br/futebol/ultimas-noticias/2017/02/19/zico-e- ovacionado-por-torcida-da-udinese-em-homenagem-inesquecivel.htm. Acesso em: 15 abr. 2017.
  • 42. 41 Em 1988, o torneio olímpico de futebol de Seul trouxe uma nova prata ao futebol, dessa vez com a derrota diante da União Soviética, em partida decidida por 2 a 1 na prorrogação. Mais uma vez, o país conquistou apenas um ouro, o de Aurélio Miguel no judô. Na Copa de 1990, contudo, a chegada à decisão ficou distante do time brasileiro, eliminado pela Argentina, que seria vice-campeã em final contra a Alemanha, ainda nas oitavas de final. O time treinado por Sebastião Lazaroni não era o único alvo de protestos na época, com o governo de Fernando Collor, o primeiro presidente eleito de forma direta após a ditadura militar, também envolto em uma série de notícias negativas, tanto pelos maus resultados da economia, como por escândalos de corrupção. Em 1992, ele acabaria sendo alvo de impeachment. Nesse ano, a Seleção nem mesmo se classificou para disputar o futebol na Olimpíada de Barcelona, marcada pelo primeiro ouro do país em esportes coletivos, o do vôlei masculino. A Seleção de futebol, por sua vez, vivia uma profunda crise, com o time correndo pela primeira vez o risco de não se classificar para o Mundial. Romário, o principal jogador do país na época, não era convocado por causa de uma briga com o treinador Carlos Alberto Parreira. Diante da possibilidade de ficar fora da Copa, porém, o presidente da CBF Ricardo Teixeira forçou o chamado do então atleta do Barcelona, que marcou os dois gols na vitória diante do Uruguai dentro do Maracanã no duelo decisivo das Eliminatórias, num contexto descrito pelo próprio Baixinho, como foi apelidado o hoje senador, em depoimento ao jornal O Estado de S. Paulo, como o ponto de virada do elenco para o tetracampeonato. Eu estava meio fora da Seleção desde 1992, quando tive um problema com o Zagallo e também com o Parreira num amistoso contra a Alemanha. Depois daquilo, eles me esqueceram e nunca mais fui chamado. Até teve gente que falou na época que eu não queria mais ser convocado para a Seleção porque não tinha aceitado ficar no banco, mas isso é mentira. Na verdade, fiquei irritado por ter ido para o banco contra a Alemanha, mas não pedi para não ser mais chamado. Foram eles que não me quiseram mais lá. Mas eu tenho certeza de que se o Brasil tivesse vencido o jogo contra o Uruguai sem mim, eu não iria para a Copa dos Estados Unidos e talvez nunca mais voltasse para a Seleção. Ocorre que eles precisaram de mim. Eu sabia que era um jogo em que eles não tinham outra opção e que eu era a última esperança. Só que quem me convocou mesmo foi o Ricardo Teixeira. Descobri isso depois. Então, até por isso, tinha uma responsabilidade maior do que os outros atletas. O chefe me botou lá, né? O engraçado é que mesmo assim eu me preparei como se fosse um jogo qualquer. [...] O Maracanã estava lotado, com mais de 100 mil torcedores, mas eu estava tranquilão. Sabia que ia fazer coisas diferentes naquele jogo. Logo nos primeiros minutos, percebi que ia matar a pau. [...]