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UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS
          UNIDADE ACADÊMICA DE GRADUAÇÃO
  COMUNICAÇÃO SOCIAL COM HABILITAÇÃO EM JORNALISMO




                   ROBERTO FERRARI




                    FÃS DE POKÉMON:
ANÁLISE DA INTERATIVIDADE NOS FÓRUNS POKÉPLUS E POKÉMON
                       MYTHOLOGY




                     SÃO LEOPOLDO
                         2012
Roberto Ferrari




                     FÃS DE POKÉMON:
Análise da interatividade nos fóruns Poképlus e Pokémon Mythology


                                     Trabalho de Conclusão de Curso
                                     apresentado como requisito parcial para a
                                     obtenção do título de Bacharel em
                                     Jornalismo, pelo Curso de Comunicação
                                     Social com Habilitação em Jornalismo da
                                     Universidade do Vale do Rio dos Sinos.

                                     Orientadora: Prof.ª Dr.ª Adriana Amaral




                         São Leopoldo
                              2012
AGRADECIMENTOS




       Agradeço a Deus, primeiramente, por possibilitar a conclusão desde trabalho.
       À minha orientadora, Adriana Amaral, pelo seu empenho e bom humor para sanar
minhas dúvidas e orientar qual caminho seguir. Ao professor Carlos Jahn, por acreditar e
motivar a pesquisa num assunto que realmente me identifico.
       Aos meus antigos colegas de trabalho, especialmente Jorge Bruxel, Valnir Peralta e
Guilherme Fernandes, por despertarem em mim, cada um de uma forma diferente o prazer em
fazer jornalismo.
       À Justina Anghinoni que, em 2005, então minha professora no Ensino Médio, me
motivou a cursar Jornalismo e não ser apenas mais um indivíduo entre muitos. Também
dedico à sua filha, Fernanda Ferrari, minha prima de segundo grau, que me apresentou o
mundo dos pokémons.
       Aos colegas e amigos, especialmente Victor Machado e Luana Bernart. Esta última,
amiga já de longa data, com quem também pude trocar experiências durante a produção do
TCC.
       À minha família.
“A ficção revela a verdade que a realidade
               esconde” (Jessamyn West)
RESUMO

A presente monografia aborda a interatividade dos fãs de Pokémon em fóruns de discussão
online brasileiros. A análise teve como objeto os fóruns dos fansites Poképlus e Pokémon
Mythology. Para este estudo foi realizada a pesquisa bibliográfica, reunindo conceitos sobre
fãs, interatividade, ciberespaço, cultura pop japonesa e comunidades virtuais de teóricos como
Pierre Lévy (1999), Alex Primo (2001), Renata Silva (2009) e Raquel Recuero (2011). A
partir de técnicas de pesquisa empírica qualitativa, como a Teoria Fundamentada (Fragoso,
Recuero e Amaral, 2011) buscou-se compreender as características da interatividade e da
identidade dos fãs de Pokémon inseridos em dois fóruns distintos, observando a estrutura
utilizada para a construção dos diálogos e o conteúdo dos tópicos em discussão. Com essa
reflexão, observa-se que os usuários dos fóruns mencionados se mantém ativos em virtude das
novidades frequentes da franquia Pokémon, como o lançamento de novos jogos. Nesses
espaços os fãs encontram formas de expressar seus conhecimentos sobre os produtos da
marca.

Palavras-chave: Fãs. Pokémon. Comunidades virtuais. Interatividade.
ABSTRACT

This study addresses the interaction of Pokémon fans in Brazilian online discussion forums.
The analysis was based on the forums of the fansite Poképlus and fansite Pokémon
Mythology. For this study a literature search was conducted, bringing together concepts of
fans, interactivity, cyberspace, Japanese pop culture and virtual communities of theorists such
as Pierre Lévy (1999), Alex Primo (2001), Renata Silva (2009) and Rachel Recuero (2011).
As low as empirical qualitative research techniques such as Grounded Theory (Fragoso,
Recuero and Amaral, 2011) sought to understand the characteristics of interactivity and
identity of distinct Pokémon fans inserted in two forums, observing at the structure used for
the construction of the dialogues and content of the topics under discussion. Through this
series of thoughts, it is observed that users of the forums mentioned remains active because of
the frequent news that the Pokémon franchise, as the launch of new games, and that these
spaces are a way of expressing knowledge about the brand's products.

Keywords: Fan. Pokémon. Virtual community. Interactivity.
LISTA DE FIGURAS

FIGURA 1 – Fanart (assinatura) ............................................................................................. 25
FIGURA 2 – Fanart (sprite recolorido) ................................................................................... 25
FIGURA 3 – Cavaleiros do Zodíaco ....................................................................................... 29
FIGURA 4 – Dragon Ball........................................................................................................ 29
FIGURA 5 – Speed Racer ....................................................................................................... 30
FIGURA 6 – Capa da primeira edição do mangá Pokémon Adventures Special ................... 31
FIGURA 7 – Tela inicial do jogo Pokémon Green ................................................................. 35
FIGURA 8 – Ash ..................................................................................................................... 39
FIGURA 9 – Pikachu .............................................................................................................. 41
FIGURA 10 – Página inicial do site Poképlus ........................................................................ 53
FIGURA 11 – Página inicial do site Pokémon Mythology ..................................................... 54
FIGURA 12 – Página inicial do fórum Poképlus .................................................................... 55
FIGURA 13 – Interações no tópico Discussão sobre o anime 2.0 .......................................... 56
FIGURA 14 – Tópicos dentro do sub-fórum Boteco da Poképlus .......................................... 57
FIGURA 15 – Interações no tópico “Esse fórum não ta show!” ............................................. 58
FIGURA 16 – Tópicos dentro do sub-fórum Jogos ................................................................ 59
FIGURA 17 – Interações no tópico “Download de Pokémon Special” .................................. 60
FIGURA 18 – Página inicial do fórum Pokémon Mythology (topo da página)...................... 61
FIGURA 19 – Fórum Pokémon Mythology com layout alternativo “Latios & Latias” ......... 62
FIGURA 20 – Fórum Pokémon Mythology com layout alternativo “Layout 7 anos” ............ 62
FIGURA 21 – Fórum Pokémon Mythology com layout alternativo “Zekrom & Reshiram” 63
FIGURA 22 – Rodapé da página inicial do fórum Pokémon Mythology ............................... 64
FIGURA 23 – Tópicos dentro do sub-fórum Nintendo DS – Geração IV .............................. 65
FIGURA 24 – Interações dentro do tópico “Minha equipe no Platinum”............................... 66
FIGURA 25 – Interações dentro do tópico “Off”.................................................................... 67
FIGURA 26 – Interações dentro do tópico “Sugestão...” ........................................................ 69
FIGURA 27 – Tópicos dentro do sub-fórum Anime e Filmes Pokémon ................................ 70
FIGURA 28 – Interações dentro do tópico “Qual foi...” ......................................................... 71
FIGURA 29 – Interação em tópico onde aparecem as assinaturas e imagens de perfil .......... 74
FIGURA 30 – Página do perfil de usuário no fórum Poképlus ............................................... 75
FIGURA 31 – Página do perfil de usuário no fórum Pokémon Mythology............................ 75
FIGURA 32 – Interações em tópico sobre o anime de Pokémon no fórum Poképlus ............ 76
FIGURA 33 – Interações em tópico sobre novo jogo no fórum Pokémon Mythology .......... 77
LISTA DE TABELAS

TABELA 1 – Resumo comparativo da análise dos fóruns...................................................... 78
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 09
2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS .................................................................... 12
2.1 PESQUISA BIBLIOGRÁFICA ........................................................................................ 12
2.2 PESQUISA EMPÍRICA QUALITATIVA........................................................................ 12
2.2.1 Seleção dos objetos ....................................................................................................... 13
2.2.2 Teoria Fundamentada .................................................................................................. 13
3 O TERMO FÃ E O SEU ESTUDO EM TRABALHOS ACADÊMICOS .................... 15
3.1 FÃS, SUBCULTURAS E A CULTURA PARTICIPATÓRIA ........................................ 19
3.2 FANDOM .......................................................................................................................... 22
3.2.1 Fandom como produtor cultural ................................................................................. 24
4 CULTURA POP JAPONESA ........................................................................................... 26
4.1 O SURGIMENTO DE MANGÁS E ANIMES................................................................. 26
4.1.1 Popularização e realidade atual dos mangás e animes.............................................. 31
4.2 POKÉMON ....................................................................................................................... 34
4.2.1 Pokémon: no contexto da história japonesa ............................................................... 36
4.2.2 Pokémon como fenômeno global ................................................................................. 38
5 COMUNIDADES VIRTUAIS E INTERATIVIDADE ................................................... 42
5.1 REDES DIGITAIS ............................................................................................................ 42
5.1.1 Ciberespaço ................................................................................................................... 43
5.2 INTERAÇÃO E INTERATIVIDADE .............................................................................. 44
5.2.1 Mais sobre a interatividade ......................................................................................... 47
5.3 COMUNIDADES VIRTUAIS .......................................................................................... 48
5.3.1 Fóruns de discussão online .......................................................................................... 51
6 ANÁLISE DOS FÓRUNS POKÉPLUS E POKÉMON MYTHOLOGY ..................... 53
6.1 INTERATIVIDADE NO FÓRUM DO SITE POKÉPLUS .............................................. 55
6.1.1 Considerações sobre o site Poképlus ........................................................................... 60
6.2 INTERATIVIDADE NO FÓRUM POKEMON MYTHOLOGY .................................... 61
6.2.1 Considerações sobre a análise do Pokémon Mythology ............................................ 71
6.3 COMPARATIVO ENTRE OS FÓRUNS ANALISADOS .............................................. 72
6.3.1 Considerações sobre os fãs de Pokémon nos fóruns analisados ............................... 78
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................. 81
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................ 83
9
 


1 INTRODUÇÃO


           Como uma grande rede, a internet aproxima diferentes pessoas em todo o mundo, seja
para trocar e-mails em função do trabalho, para realizar pesquisas acadêmicas ou para criar
novos relacionamentos. Não é difícil encontrar, por exemplo, vários sites sobre um tema em
particular, quando digitado algum termo específico em um dos diferentes mecanismos de
busca disponíveis online. Para quem é fã de algum produto não tão popular no momento, a
internet acaba sendo uma alternativa bastante eficaz para encontrar outros que partilham o
mesmo gosto e querem trocar ideias sobre.
           O ponto de encontro desses fãs pode ser nas mídias sociais ou através de fansites –
criados muitas vezes sem objetivo financeiro algum, apenas como forma de reunir
interessados num mesmo tema. Os fóruns de discussão online são um desses espaços onde os
fãs se reúnem e, como o próprio nome diz, promovem discussões diversas sobre algum objeto
central. Esse tipo de ferramenta normalmente tem vinculo direto com os fansites e, no
jornalismo, também pode ser integrado a algum site de notícias, como recurso para interação
com leitores.
           Para esta pesquisa, optei em analisar dois fóruns de discussão inseridos de maneiras
distintas em fansites brasileiros sobre um mesmo tema: Pokémon. Considerada um fenômeno
mundial, inclusive no Brasil, no fim da década de 1990 e no início dos anos 20001, a franquia
Pokémon foi perdendo visibilidade na mídia com o passar dos anos, mesmo que novos
produtos provenientes da marca ainda sejam lançados. Visto a esse fato, a discussão sobre as
novidades de Pokémon acaba não ocorrendo de uma maneira tão intensa quanto num
ambiente tão democrático que é o ciberespaço (LÉVY, 2000).
           A análise realizada visa entender como os fãs de Pokémon interagem entre si, que
ferramentas utilizam para se comunicar e como se dá o processo de interatividade entre eles.
O estudo se foca no que é discutido em dois ambientes específicos – fórum Poképlus e
Pokémon Mythology – e os resultados provenientes se referem a esses espaços apenas,
mesmo que uma das consequências de uma pesquisa desse tipo também vislumbre como é o
perfil dos usuários inseridos nessas comunidades virtuais.
           Para justificar a importância dessa pesquisa, pode se atrelar ao fato de que fãs de
Pokémon pertencem a um nicho que muito pode ser explorado para produção de conteúdo ou
relacionamento com a marca. Conforme Anderson (2006), a tendência na economia mundial é

1
    Disponível em: <http://epoca.globo.com/edic/19991227/ciencia2.htm>. Acesso em: 30 abr. 2012.

 
10
 


de atender não mais somente as demandas de grandes sucessos do momento e sim, de
trabalhar aquilo que grupos específicos de consumidores realmente desejam. Isso acontece
porque a tecnologia proporciona que vários tipos de produtos tenham facilitados e barateados
seus processos de produção, a internet facilite o acesso do consumidor aos produtos de nicho
e não somente aos mega-sucessos, como ocorre na mídia tradicional, e, por fim, a facilidade
de busca e difusão (através de recomendações entre grupos de amigos em mídias sociais, por
exemplo) para que essa demanda evolua (ANDERSON, 2006, p.37).
       O estudo proposto nesse trabalho se deu a partir de diferentes abordagens
metodológicas, apresentadas no segundo capítulo através dos conceitos de Fragoso, Recuero e
Amaral (2011). Ali é apresentada a importância da utilização da revisão bibliográfica, da
pesquisa empírica qualitativa no processo de coleta de dados e também da aplicação da Teoria
Fundamentada perante o que foi coletado.
       No capítulo seguinte, há a definição e aprofundamento dos tópicos que envolvem o
objeto da pesquisa. O primeiro a ser tratado é o que Luiz (2009) define como fã. A partir
disso, inicia o diálogo com as contribuições de Monteiro (2007), Silva (2009) e Castellano
(2009), relacionando sobre o estudo dos fãs no meio acadêmico. Mascarenhas (2010), Lévy
(2000) e Jenkins (2008) também são mencionados quando se delimita a discussão sobre o que
é e como funcionam os fandoms.
       O capítulo quatro apresenta uma concepção histórica e contextual da cultura pop
japonesa tendo como os principais autores consultados Silva (2009) e Carlos (2009). É neste
capítulo que também ocorre uma abordagem mais profunda sobre o que é Pokémon e qual sua
importância como um produto mercadológico e com potencial atrativo de fãs. Para essa
argumentação Allison (2002) é a principal referência.
       No quinto capítulo é relacionado o conceito de Lévy (1999) voltado às comunidades
virtuais, já que os fóruns a serem analisados posteriormente vêm a se enquadrar como tal.
Recuero (2001) também é fonte para um diálogo mais aprofundado do tema. Já para entender
também o contexto em que estes fóruns estão inseridos, há a discussão sobre o que é o
ciberespaço para Primo (2001), bem como o seu entendimento na diferenciação de interação e
interatividade.
       A descrição, análise e aplicação da Teoria Fundamentada nos fóruns de discussão dos
sites Poképlus e Pokémon Mythology acontecem no capítulo 6. A partir de um olhar
empírico, são narradas e explicadas as interações dos usuários dos fóruns, então fãs de
Pokémon, bem como os recursos que eles têm a sua disposição para se expressar junto aos


 
11
 


demais. Ao final, é feito o comparativo entre os fóruns estudados bem como podem ser
descritos os indivíduos ali inseridos.
       Por fim, são feitas as considerações finais sobre todo o processo de pesquisa,
relacionando o que pode ser concluído com os conceitos delimitados e os dados já coletados.
A compreensão consequente pode trazer ao entendimento quem são os fãs de Pokémon
através de traços de suas identidades, o que fomenta a interatividade entre eles e como se
relacionam no ciberespaço.




 
12
 


2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS


       Neste capítulo, apresentaremos as metodologias de pesquisa utilizadas para o
desenvolvimento do presente trabalho de conclusão de curso: a pesquisa bibliográfica e a
pesquisa empírica qualitativa, segmentada na escolha do objeto e na teoria fundamentada.


2.1 PESQUISA BIBLIOGRÁFICA


       Antes de realizar a pesquisa empírica qualitativa, se fez necessário realizar a leitura e a
revisão bibliográfica de vários conceitos que norteiam o objeto de estudo. O primeiro conceito
abordado é o de “fã”. Para isso, são usadas concepções de Monteiro (2007), Silva (2009) e
Castellano (2009), que fazem uma delimitação de quem são os fãs no contexto histórico e
geral, como são suas características e a forma de atuação perante aos seus ídolos/produtos
com os quais estão ligados. Ainda dentro dessa área, quando se chega ao conceito de fandom,
Mascarenhas (2010) e Lévy (2000) são os autores consultados, explicando as práticas dos fãs,
sendo que o primeiro ainda dialoga com citações de Jenkins (2008).
       No capítulo seguinte, Silva (2009) e Carlos (2009) são os autores principais na
construção do referencial teórico sobre a cultura pop japonesa, na qual Pokémon – tema
abordado mais especificamente por Allison (2002) – é um produto oriundo. Para o capítulo
voltado ao estudo das comunidades virtuais, Lévy (1999) é o principal autor consultado,
sendo que Primo (2001) tem destaque quando se fala em ciberespaço e interatividade e
Recuero (2001) quando nas comunidades virtuais propriamente ditas.
       Concluída a pesquisa bibliográfica, foi possível explicar e delimitar os conceitos
importantes para o desenvolvimento e conclusão após a pesquisa empírica qualitativa, a fim
de dialogar com as versões dos autores junto ao objeto de estudo.


2.2 PESQUISA EMPÍRICA QUALITATIVA


       A pesquisa empírica qualitativa foi escolhida como ferramenta metodológica para esta
pesquisa por buscar, segundo Fragoso, Recuero e Amaral (2011), uma compreensão
aprofundada e holística dos fenômenos que vão ser estudados, os contextualizando e
reconhecendo seu caráter dinâmico. Vale destacar que a pesquisa apresentada não busca




 
13
 


quantificar o número dos fãs de Pokémon brasileiros, e sim, entender como eles interagem em
comunidades virtuais.
       Seguindo esse modelo de ferramenta metodológica, o número de componentes da
amostra não é tão importante e, sim, a relevância do que vai ser analisado. A seleção dos
elementos do que vai ser observado é deliberado e de acordo com as características
necessárias para se chegar a uma conclusão.


2.2.1 Seleção dos objetos


       Levando em consideração que o número de amostragem não é fator determinante na
pesquisa empírica qualitativa, foram selecionados dois fóruns de discussão sobre Pokémon na
internet. Algumas similaridades entre os dois foram determinantes para a escolha, evitando
assim comparar duas comunidades virtuais de características muito convergentes entre si.
Como critério foi delimitado que ambos os fóruns analisados deveriam estar ligados a algum
fansite informativo, ter mais de cinco anos de existência (prevalecendo aqueles com idade
similar) e ter sua estrutura voltada a atender várias áreas dos diversos produtos que formam a
franquia Pokémon. Dentro dessas especificações os fóruns dos sites Poképlus e Pokémon
Mythology foram escolhidos para a realização da análise.
       Feita a seleção, foi iniciada a observação da estrutura organizacional dos fóruns,
levando em consideração a divisão de assuntos e a interatividade nos tópicos já ou então
postado nos dias 5 de fevereiro a 5 de maio de 2012, durante uma hora por dia, mesmo que a
amostragem releve o conteúdo selecionado e não o período.
       A amostragem abrangeu ainda a identidade dos usuários ativos nas interações
observadas, que possibilitou ainda uma conclusão sobre o perfil dos fãs de Pokémon nos
fóruns analisados.


2.2.2 Teoria Fundamentada


       Por trabalhar com muitos dados empíricos, a Teoria Fundamentada surgiu como uma
boa opção para o desenvolvimento desta pesquisa. Dessa forma, a teoria emergiu a partir dos
dados coletados, aplicados à uma observação sistemática, comparação, classificação e análise
do que havia de similar na amostragem num geral. O resultado são variáveis, denominadas
categorias, conceitos e propriedade que surgiram no processo de coleta e análise,


 
14
 


principalmente pela sensibilidade teórica em aplicação ao que foi coletado.      “Nota-se,
portanto, que o envolvimento do pesquisador com o com o campo empírico é chave para a
realização de uma boa análise. Quanto mais sistemático o processo e mais organizado o
pesquisador, também” (FRAGOSO; RECUERO; AMARAL, 2011, p.89).
       Mesmo que na Teoria Fundamentada seja baseada no empírico e a pesquisa iniciada
com uma abordagem indutiva, com os dados falando por si e não através de pré-noções, é
importante que haja uma preconcepção de referencial teórico de outros autores. Nesse
trabalho, essa fundamentação ocorre a partir do que é apresentado já na pesquisa
bibliográfica, mas com novos apontamentos durante a descrição dos dados coletados.




 
15
 


3 O TERMO FÃ E O SEU ESTUDO EM TRABALHOS ACADÊMICOS


       Os fóruns de discussão a serem analisados neste trabalho reúnem fãs de Pokémon.
Esses interagem entre si a partir dos produtos que a franquia Pokémon oferece, de diferentes
maneiras. Para melhor entender como é a relação dos usuários dos fóruns, faz-se necessário
abordar a origem do termo fã e o seu estudo em trabalhos acadêmicos.
       Os fãs que conhecemos hoje surgiram junto ao nascimento das produções culturais
com o poder de atingir o grande público. São indivíduos dedicados a estudar, comentar e
reconhecer profundamente livros, filmes, gibis, seriados de TV, ou qualquer outro produto
cultural que desperte seu interesse (LUIZ, 2009)
       Porém, foi nos últimos anos do século XIX em que surgiu o primeiro registro do termo
fã. Segundo Monteiro (2007), sua utilização foi feita para caracterizar em jornais da época o
seguidor de equipes esportivas profissionais. Naquele período o esporte se consagrava como
uma forma de entretenimento comercial.

                       Durante boa parte do último século, a simples menção da palavra fã parecia mais do
                       que suficiente para acionar, na memória do público/leitor, um determinado conjunto
                       de imagens ou práticas específicas, que quase sempre eram enunciadas de forma a
                       depreciar o discurso desta categoria de consumidores. Espécie de vítima
                       indefensável das estratégias de manipulação engendradas pela Indústria Cultural,
                       cabia ao fã resignar-se de sua condição de extrema vulnerabilidade – vulnerabilidade
                       esta que, no mais das vezes, era justificada em nome de um suposto ‘vazio
                       existencial’ experimentado por ele, que então buscaria, na figura do ídolo ou no
                       consumo ‘compulsivo’ de determinados produtos midiáticos, uma forma de
                       compensar as fraturas da própria identidade. (MONTEIRO, 2007, p. 24).


       Diferente do atual século XXI, onde os fãs são definidos como condutores de uma rica
produção dentro da nova economia digital e sua participação e comprometimento são alvo de
interesse por parte de empresas (SILVA, 2009), Monteiro aponta que apenas se pode agrupar
as representações de fã presentes em filmes, estudos e matérias jornalísticas relacionadas ao
tema nos primórdios sob as imagens de “misantropo obsessivo” e a “massa de garotas
histéricas”.
       Essas duas pré-concepções são decorrentes de um posicionamento crítico em relação
aos efeitos desagregadores da modernidade ocidental. A partir disso teria iniciado um
processo irreversível onde as comunidades tradicionais se esfacelariam e dessa forma
possibilitado o enfim surgimento das sociedades de massa.
       Ainda segundo Monteiro, fragmentando o sentido de comunidade existente nas
sociedades então tradicionais, a Modernidade teria inaugurado uma era consideravelmente


 
16
 


carente de valores morais com função referencial ao indivíduo de forma estável. Assim a
partilha de referências simbólicas – como a relação de solidariedade ou de crescimento
conjunto – se inviabiliza na pretensão da vida moderna de universalização. Porém, o medo em
ser assimilado pela massa faz com que a pessoa queira retirar-se da sociedade, buscando um
mundo particular que ocasiona no afastamento social com família e amigos onde não existem
valores considerados ultrapassados – e, o melhor, eles podem ser preservados. A isso se soma
o fato do indivíduo solitário e com tendências misantrópicas também ser confrontado à
diversidade de estilos de vida e modelos de comportamento sendo que ele só pode construir
uma identidade. Por fim, ele se vê confrontado com problemas de identidade - impensável nas
sociedades tradicionais e estáveis – e acaba por se questionar o sentido da própria existência.


                         A imagem do ídolo surgiria, nesse momento, como um referencial absoluto em um
                         mundo carente de referências estáveis. O ídolo é aquele que soube, diante da
                         pluralidade de referências e estilos disponíveis, fazer as escolhas certas e construir
                         uma identidade coerente em si mesmo. Uma vez que é essa coerência que o
                         indivíduo almeja pra si, como forma de superar os abismos de sentido abertos pela
                         Modernidade, a fixação pela imagem do ídolo surgiria como conseqüência desse
                         vazio existencial. (MONTEIRO, 2007, p. 25).


       Monteiro explica que o fenômeno da idolatria remete, em última instância, às
estratégias de significação mediante as quais determinados indivíduos organizam modalidades
de “estar no mundo”. Perante a isso, por estarem submetidos a essa lógica padronizadora que
visa lucro a qualquer custo, os produtos da Indústria Cultural seriam incapazes de espelhar os
reais desejos e anseios do público, já que estes eram desenvolvidos com vistas a uma
audiência massiva. Estar submetido à condição de dominado era algo até desconhecido por
parte do consumidor e o fetichismo da mercadoria se tornou algo que logo poderia ser
conceituado. Os autores vinculados à Escola de Frankfurt sustentavam de maneira indireta a
produção de abordagens pioneiras no fenômeno da idolatria, ao determinar que fã apenas
estaria associado ao consumo de produtos oriundos da cultura de massa, deixando o termo de
“aficionado” seria mais adequado quando se fosse descrito o consumo de produtos
considerados eruditos.
       Apresentada origem do termo parte-se para a história dos trabalhos acadêmicos sobre
as práticas dos fãs. Esta, segundo Jenson (2001), Monteiro (2007) e Castellano (2009), pode
ser dividida em duas épocas bastante distintas. Na primeira, o fã não só era encarado como
objeto válido de estudo, como o olhar de desprezo lançado por esses teóricos sobre o
fenômeno da tietagem tendia - sob forte influência da teoria crítica da Escola de Frankfurt - a



 
17
 


uma associação entre este comportamento e uma atitude patológica. Assim o fã era o mais
subjugado personagem dentro da massa de consumidores de produtos da mídia. Era o Outro.
       Com o advento dos Estudos Culturais se chega ao segundo momento histórico,
quando, a partir da década de 1970, a mais nova forma de se enxergar o próprio processo
comunicacional é acompanhada de uma outra percepção sobre a condição do fã. Agora ele é
visto como um interessante objeto de estudo, já que ativo e capaz de negociar com elementos
apresentados pela indústria cultural, o fã representa a nova concepção dos efeitos da cultura
de massa, não se enquadrando, como anteriormente visto, em um simples consumidor passivo
e manipulável (CASTELLANO, 2009, p.55).
       Acrescentando à questão do fã, o consumo também passa a ser visto como uma etapa
fundamental no processo de socialização e formação da identidade dos indivíduos. Ele regula
a demarcação de fronteiras no interior da sociedade, transcendendo a antiga concepção
segundo a qual a esfera do consumo era associada a gastos de caráter compulsivo.
       Para Monteiro (2007), o que se destaca é que a celebração desmentida dos discursos e
práticas do fã desconsidera alguns pontos importantes, como as condições de produção, as
decisões econômicas e políticas que orientaram as estratégias de distribuição e
comercialização do artigo midiático que não possuem relevância alguma ou, se possuem, é
restrita exclusivamente ao propósito de identificar o “inimigo” contra o qual o fã irá se
insurgir.


                       De marionete da indústria do consumo e sério candidato ao manicômio judiciário, o
                       fã se converte, pouco a pouco, no exemplo perfeito do receptor, criativo e produtivo.
                       Dotado de uma liberdade quase ilimitada de subversão de códigos e resistência
                       tática, os discursos e as práticas do fã passam a ser localizados em uma dimensão
                       oposta à da lógica que rege a Cultura da Mídia. O fã é aquele que enxerga mais
                       longe, mais rápido e em maior profundidade do que qualquer pessoa dita “normal”.
                       Como se vê, o fã passa da patologia à celebração, mas continua concebido como um
                       “outro extraordinário”, a despeito dos esforços em inserir os discursos e as práticas
                       dos fãs em um registro pertencente à esfera do cotidiano. (MONTEIRO, 2007, p.
                       35).


       Descrevendo os pontos desconsiderados nos discursos anteriores e da mesma forma
que os Estudos Culturais pensam o processo comunicacional como um circuito contínuo não
linear, a relação fã-ídolo também pode ser concebida como um processo contínuo que jamais
vai considerar cada elemento existindo isolado dos demais.
       Assim sendo, há três esferas em constante diálogo: a produção, que na imagem do
ídolo como construção de sentido representa determinado sistema de valores, estimula ao fã
investir numa sensibilidade particular de cunhos diversos; o consumo, que envolve a


 
18
 


assimilação da mensagem e dos valores incorporados pelo ídolo na vivência cotidiana do fã e
a relevância do mesmo no processo de construção da identidade individual e de sua
sociabilidade; e o reinvestimento que corresponde à produção de novos conteúdos,
significados e artigos midiáticos (como fanzines e websites) que configuram a atividade do fã
como um processo de recepção eminentemente ativo, promovendo reinvestimento afetivo.
        Segundo Silva (2009), entre 1980 e 1990 os fãs eram constituídos como audiência de
resistência, conhecidos por ativamente se apropriar e transformar a cultura de massa em seus
próprios produtos culturais. Os fãs viviam às sombras na cultura de massas e mesmo já sendo
atuantes, as empresas de mídia viam seus gostos como não-representativos em relação à
população em geral. Consequentemente após esse período não tardou para a intensificação de
diversos conflitos.


                           As companhias midiáticas estão sendo reforçadas a reavaliar a natureza do
                           envolvimento do consumidor e o valor da participação da audiência em resposta um
                           descolamento dos ambientes midiáticos caracterizado pela digitalização e pelo fluxo
                           dos meios através das múltiplas plataformas, além da fragmentação e da
                           diversificação do mercado e do aumento do poder e da capacidade dos consumidores
                           em dar forma ao fluxo e à recepção do conteúdo midiático. (GREEN; JENKINS,
                                                         2
                           2008, apud SILVA, 2009, p. 2)


        Para Monteiro (2007), durante muito tempo, ser um fã produtivo foi sinônimo de estar
vinculado a determinado fã-clube e o resultado disso foi a predominância das análises sobre
fã-clubes, ao invés de estudos voltados ao fã individual. Estas análises tendem a considerar fã
“produtivo” ou o membro de um fã-clube como sendo “mais fã” do que o indivíduo que
jamais participou de eventos ou ações sociais (convenção, compartilhar fan fiction ou ter o
hábito de sair às ruas vestido como o personagem favorito da TV). Pode-se considerar mais
intrigante investigar em que medida das práticas desse fã individual, até então não tão
interessante, também se inserem em um contexto de interação sociocultural, em partida do
pertencimento a uma comunidade simbólica, seja esta imaginada ou não-presencial, formada
em torno de determinado artista ou produto midiático.
        É preciso destacar que na abordagem sobre estudos de fãs, desenvolvida por Jenkins
(1992), é sugerido que a cultura dos fãs é um fenômeno complexo que envolve múltiplas
formas de participação e níveis de engajamento, saindo da recepção imediata


2
  Tradução de SILVA (2009) para “[…] media companies are being forced to reassess the nature of consumer
engagement and the value of audience participation in response to a shifting media environment characterized by
digitalization and the flow of media across multiple platforms, the further fragmentation and diversification of
the media market, and the increased power and capacity of consumers to shape the flow and reception of media
content”.

 
19
 


do broadcast para a construção de formas alternativas de conteúdo e participação. Silveira
(2009) esclarece que os fãs classificam a adesão ao fandom como um movimento que parte do
isolamento cultural e social em direção a uma participação ativa em um grupo receptivo às
suas produções no qual há um sentimento de pertencimento.
       Da mesma forma em que as contradições e conflitos fazem parte dos estudos sobre fãs,
vê-se que estas situações também estão presentes nas próprias praticas destes indivíduos.
Assim sendo, a compreensão das ações dos fãs dentro do contexto sociocultural e do
pertencimento à determinada comunidade, formada pelo interesse comum por um
determinado produto cultural, se faz necessária para que não se feche a análise e a
interpretação das apropriações dos sujeitos (MONTEIRO, 2007).


3.1 FÃS, SUBCULTURAS E A CULTURA PARTICIPATÓRIA


       Ainda na busca de uma explicação acerca do conceito de fã – e já que se chega ao
ponto de discutir comportamentos individuais e coletivos – chega-se à proposta de Grossberg
(1992 apud SILVEIRA, 2009), que visualiza o comportamento colaborativo entre os fãs e a
ação de resignificar os objetos de adoração como um modelo subcultural, onde os membros
dessas subculturas são um grupo menor da larga fatia de fãs, que deseja agir de forma mais
participativa, que busca uma experiência mais profunda e subjetiva do que simplesmente
consumir o produto de interesse.
       Essa subcultura, segundo Luiz (2009), identificada pelo termo “cultura participatória”,
permite que um fã de quadrinhos de super-heróis, por exemplo, escreva um conto ou produza
um filme amador utilizando os personagens de que gosta em uma história adaptada de um gibi
ou criada originalmente por ele.


                       Apesar desse tipo de apropriação existir há décadas, o conceito de cultura
                       participatória foi cunhado a partir dos estudos de Jenkins (1992), um dos primeiros
                       pesquisadores a chamar a atenção para a importância dessa ‘cultura de fã’, a partir
                       da expansão da internet, que permitiu uma maior facilidade de publicação e
                       divulgação de textos, filmes, desenhos e diversas outras formas de expressão
                       artística e cultural, fazendo com que esse tipo de atividade crescesse
                       exponencialmente. (LUIZ, 2009, p.1)


       Já o termo “subcultura”, segundo Freire Filho (2007 apud SILVEIRA, 2009), surgiu
na década de 1940, quando a juventude era vista como o novo segmento de mercado do pós-
guerra. Se por um lado se via um precursor ambiente de desenvolvimento da economia



 
20
 


capitalista a partir dos grupos de jovens, de outro, rejeitava-se este padrão de comportamento,
criando a imagem fortemente ligada à resistência e à rebeldia.
        O conceito teve outra abordagem desenvolvida com os estudos do Centre Of
Contemporary Cultural Studies (CCCS) da Universidade de Birmingham. Professores e
alunos da instituição propuseram que se desse atenção à questão criativa relacionada às
subculturas de forma positiva. As realizações das subculturas, suas produções e interações
funcionariam como agentes de transformação social, ainda que não revolucionárias.


                           A proposta do CCCS era, em síntese, desconstruir e destronar o conceito
                           mercadológico de cultura juvenil e, em seu lugar, erigir um retrato mais meticuloso
                           das raízes sociais, econômicas e culturais das variadas subculturas juvenis [...] era
                           impreterível avaliar que função a apropriação (criativa, insólita, espetacular) de
                           artefatos da cultura de consumo, do tempo e de espaços territoriais assumia perante
                           as instituições dominantes hegemônicas. (FREIRE FILHO, 2007, p.33, apud
                           SILVEIRA, 2009, p.2).


        A cultura participativa é o termo usado por Jenkins (2008) que Silveira (2009) explica
como contexto atual de crescimento da participação e interferência do público nos processos
de comunicação em diferentes suportes midiáticos. Na atualidade, os sujeitos têm como se
apropriar de conteúdo, recriá-los e distribuí-los diferentes materiais de forma mais fácil,
rápida e barata. Os créditos são obviamente às redes digitais, mas é preciso ter me mente que
não é apenas a tecnologia que gera tais transformações sociais. Novas ferramentas e
tecnologias de produção e distribuição, subculturas que estimulam a produção amadora de
conteúdo e a tendência econômica que favorece a convergência de suportes e produtos
midiáticos são três fatores que estimulam o crescimento da participação dos sujeitos.


                           Se o ambiente midiático atual torna visível o trabalho, antes invisível, dos
                           espectadores, é errado assumir que nós estamos de alguma forma sendo libertados
                           pelo desenvolvimento das tecnologias. Ao invés de falar sobre tecnologias
                           interativas, nós deveríamos documentar as interações que ocorrem entre os
                           consumidores, entre conteúdo e consumidores; e, entre os produtores e os
                                                                                           3
                           consumidores. (JENKINS, 2006a, p.135, apud SILVEIRA, 2009, p.8)


        Embora estivesse ligada a hábitos de consumo e a uma produção mercadológica
específica, a existência das subculturas e suas realizações indicava respostas dos sujeitos
construídas a partir das suas condições de vida, tanto econômicas, quanto sociais e culturais.


3
  Tradução de Silveira (2009) para “If the current media environment makes visible the once invisible work of
media spectatorship, it is wrong to assume that we are somehow being liberated through improved media
technologies. Rather than talking about interactive technologies, we should document the interactions that occur
among media consumers, between media consumers and media texts, and between media consumers and media
producers”.

 
21
 


Mesmo assim não era negada a dimensão ideológica destes grupos, mas que, no entanto, a
abordagem britânica enxergava na resistência das subculturas uma forma de busca pela
existência coletiva.
       Silveira (2009) aborda a formação das subculturas a partir da articulação coletiva de
sentidos que produzia uma identidade de grupo e um processo de reconhecimento com a
alteridade. Assim, a transgressão presente em ações subculturais se dava a partir do momento
em que o uso tradicional de um determinado produto cultural sofria alterações e adquiria um
novo significado, sendo que desta forma a subversão dos usos convencionais de objetos
despontava como uma leitura de oposição à proposta tradicional de consumo.
Consequentemente a relação das subculturas com a cultura dominante se dava num contexto
de opressão, conflito e luta.


                        A pós-modernidade é o momento em que ocorre o desenvolvimento da cibercultura,
                        que deve ser compreendida como a configuração da cultura contemporânea
                        produzida a partir da conexão entre a socialidade e as novas tecnologias digitais. A
                        tecnologia que faz parte desse processo, possui um potencial associativo e
                        agregador, o que facilita a apropriação dos sujeitos e a utilização dessas ferramentas,
                        a partir de demandas próprias de cada grupo de sujeitos (LEMOS, 2004). Para
                        Felinto (2008), a cibercultura é o ápice da convergência entre as formas culturais e
                        tecnologias, onde a expressão formas culturais deve ser entendida como a variedade
                        de práticas sociais, econômicas e políticas. O entendimento da cibercultura deve
                        envolver discursos sociais, narrativas ficcionais, realidades tecnológicas e práticas
                        de consumo, isso porque, nesse contexto, surgem novas formas de sociabilidade, de
                        relação entre a técnica e a vida social, que reconfiguram o consumo cultural e
                        midiático gerando impactos econômicos, políticos, sociais e, obviamente, culturais.
                        (SILVEIRA, 2009, p.3)


       Silveira (2009) dialoga com Jenkins (2008) sobre a necessidade do consumo cultural
ser visto como uma ação coletiva que provoca mudanças de comportamento entre os
interagentes e também por parte deles com os mercados e conteúdos de mídia. Numa visão de
convergência de baixo para cima, os sujeitos estão em busca de novas e diferentes
informações, participando da criação de produtos culturais amadores que derivem das
produções da mídia de massa. Conforme afirma Anderson (2006), com a queda do custo de
acesso à produção dos nichos amplia-se a possibilidade de encontro entre outros
consumidores e estes produtos.
       A cultura da convergência se conceitua a partir de Henry Jenkins (2008) que interliga
o movimento de convergência dos meios de comunicação a outros dois: a cultura participativa
e a inteligência coletiva. O autor enfatiza que o termo não designa simplesmente uma
mudança tecnológica, mas todo um processo, o qual envolve aspectos culturais, sociais e
mercadológicos e que ocorre essencialmente nas interações entre os sujeitos e não apenas nas

 
22
 


máquinas modernas que facilitam o múltiplo fluxo midiático. Silveira (2009) explicita a
palavra convergência a partir da obra de Jenkins (2006) como a circulação de conteúdos por
múltiplos suportes midiáticos, a cooperação entre diversas indústrias de comunicação e o
comportamento migratório dos sujeitos que buscam experiências midiáticas diferenciadas e as
transformações que esse movimento fomenta nos sistemas empresariais.
        Jenkins (2008) diz que fãs são exemplos claros desses novos consumidores, pois são
eles o segmento mais ativo do público das mídias de massa, já que não se contentam apenas
com o conteúdo que recebem e ainda querem se tornar parte do processo de produção e ir
além do que foi disponibilizado.


                            No que diz respeito ao comparativo entre o comportamento dos fãs durante a
                            preponderância na mídia de massa e no momento atual onde esta coexiste em as
                            redes digitais, é possível utilizar como ponto de partida de análise os três aspectos
                            que Jenkins (1992) afirma serem centrais para a esfera da recepção dos fãs. São eles:
                            a aproximação dos conteúdos de suas experiências pessoais, e releitura desses
                            materiais e o processo pelo qual eles trocam informações com outras pessoas sobre o
                            objeto de predileção. Nessas três propostas feitas pelo autor é possível fazer um
                            paralelo mostrando as transformações ocasionadas pelas tecnologias digitais e a
                            apropriação desta pela cultura dos fãs. (SILVEIRA, 2009, p.11).


        Jenkins (2006a) diz ainda que as habilidades de transformar reações pessoais em
interações sociais e a “cultura do espectador” em cultura participativa é uma das principais
características dos fãs. Uma pessoa não se torna fã por assistir regularmente a um programa
de televisão, e sim, segundo o autor, por transformar este programa, no caso, ao assisti-lo, em
algum tipo de atividade cultural, compartilhando opiniões e emoções com os amigos ou
entrando em uma comunidade de fãs que dividem os mesmos interesses.


                            A resposta dos fãs tipicamente envolve não apenas fascinação ou adoração, mas
                            também frustração e antagonismo, e está é a combinação de duas reações que
                            motivam seu engajamento ativo diante da mídia. Porque as narrativas populares com
                            freqüência não satisfazem completamente, os fãs precisam lutar com elas, tentando
                            articular entre para eles mesmos e outras pessoas possibilidades não realizadas
                            dentro da narrativa original. (JENKINS, 1992, p.24)4


3.2 FANDOM


        Conforme salienta Mascarenhas (2010), com a cibercultura e o processo de evolução
dos costumes culturais, fãs de produtos culturais deixam a “platéia” e passa a participar do

4
  Tradução de Silveira (2009) para “The fans’ response typically involves not simply fascination or adoration but
also frustration and antagonism, and it is the combination of the two responses which motivates their active
engagement with the media. Because popular narratives often fail to satisfy, fans must struggle with them, to try
to articulate to themselves and others unrealized possibilities within the original works”.

 
23
 


espetáculo. Assim, devotos recriam culturalmente os produtos que consomem, mudando as
características unilaterais do consumo. Nos fóruns de discussão analisados neste trabalho, por
exemplo, se vê muito ações como esta.


                       A tradução literal se refere ao reino dos fãs, pelo sufixo dom proveniente de
                       kingdom (reino). O fandom caracteriza-se pelos laços de solidariedade criados entre
                       os membros dessa cultura por compartilharem o mesmo interesse e sentimentos. O
                       termo surge ainda em 1990, referindo-se à transformação de produtos da cultura de
                       massa em um produto exclusivo da subcultura dos fãs, devido as suas
                       reapropriações, as quais aconteciam como uma conseqüência do seu sistema
                       organizacional ainda antes da internet, mas que apenas com o auxílio dessa suas
                       ações ganharam maior notoriedade. O fandom contribui com a segmentação da
                       internet e em uma era da propagação da cultura do gratuito no ciberespaço, acaba
                       por sustentar inúmeras produções culturais, como veremos adiante nos estudos sobre
                       o marketing direcionado. (MASCARENHAS, 2010, p.3)


       A movimentação dos fãs na criação de comunidades de conhecimento – e estruturada
em bases tecnológicas e na interface de fácil acesso tal qual no ciberespaço – é baseada no
conceito da inteligência coletiva e entendida como o espaço fluído que abarca as informações
da internet, como aponta Lévy (2000). Segundo o autor, “se os outros são fonte de
conhecimento, a recíproca é imediata” (LÉVY, 2000, p. 28). Esse pressuposto define então
“uma inteligência distribuída por toda parte, incessantemente valorizada, coordenada e
mobilizada em tempo real” (LÉVY, 2000, p. 30), que resulta em uma mobilização efetiva das
competências de cada individuo para sua contribuição com o todo.
       O autor ressalta a necessidade do autoconhecimento para a colaboração com o
conhecimento do grupo. Mascarenhas (2010) explica esse argumento com o fato de que pode-
se compreender que “a inteligência coletiva existe em níveis diferentes, que estão
naturalmente ligados às necessidades humanas e capacidade de raciocínio”. Acrescentando
essa linha de pensamento, para Henry Jenkins, a inteligência coletiva refere-se “a essa
capacidade das comunidades virtuais de alavancar a expertise combinada de seus membros”
(2008, p. 54).
       Segundo Jenkins (2008), tendo a internet potencializando as ações coletivas, o
vislumbre dos processos da inteligência coletiva dentro de comunidades de fãs no ciberespaço
se ressalta ao fato das comunidades serem “as primeiras a adotar o uso criativamente de
mídias emergentes”.




 
24
 


3.2.1 Fandom como produtor cultural


        Por ter uma diversidade de ferramentas ao alcance, os fãs não recebem mais o status
de reprodutores com suas sátiras da mídia de massa. Conforme Mascarenhas (2010), eles
passam a ser classificados como produtores culturais.


                          Tendo a internet não só como fonte de material, mas principalmente como fonte de
                          divulgação, o fandom digitalizou os fanzines, publicações feitas por fãs de forma
                          alternativa, e assim criaram os fansites, que por muitas vezes tem conteúdo mais
                          vasto e coerente do que espaços virtuais oficiais dos ídolos, já que os fansites são
                          frutos de comunidades colaborativas de conhecimento especializado. Do logotipo do
                          site às camisetas vendidas para manter financeiramente a estrutura da página, vemos
                          produtos de fanart, ou arte dos fãs, e que são consumidas e recriadas dentro do seu
                          próprio círculo. Com a popularização do vídeo pelo formato flash, mais leve e
                          naturalmente mais rápido que os demais, através do YouTube, as paródias ganham
                          novamente destaque, mas emergem também recriações que apropriam-se do
                          conteúdo intelectual de uma série televisiva, por exemplo, ao ter seus capítulos
                          refeitos e divulgados pelos fãs, com o roteiro alterado. (MASCARENHAS, 2010,
                          p.4).


        Mascarenhas (2010, p.4) ainda argumenta que em relação às narrativas impressas
como grandes obras da literatura, é possível encontrar um “um universo paralelo de autores-
fãs (ficwriter), com vários volumes publicados de suas histórias favoritas, reescritas de acordo
com seu interesse pessoal e amplamente difundidas no ciberespaço”.
        Nos fóruns de discussão analisados nesse trabalho, existem áreas específicas para
essas manifestações dos fãs. Compartilhar fanfics, fanart e vídeos se torna uma forma de
demonstrar o envolvimento do indivíduo com Pokémon, sendo que o nível dessas produções
beira o profissionalismo em alguns casos. Não há registros de que estas saíram do formato
online, mas nem por isso desmerecem créditos.
        Como forma de estímulo, é comum dentro de um grupo de fandom realizar concursos
internos. Os fãs compartilham suas produções temáticas ou reconhecem as que já foram feitas
num período de tempo. As fanarts normalmente resultam em assinaturas a serem utilizadas no
fórum, imagens de perfil ou sprites5 para apreciação. Como forma de inspiração, também são
compartilhados trabalhos de fãs de outros sites.




5
  Entende-se como sprite, dentro dos fóruns analisados, imagens adaptadas conforme a resolução dos jogos de
Pokémon, como se fossem ser utilizadas por estes. Esses sprites podem ser de personagens humanos, pokémons
(fieis aos originais ou com alterações de cor ou forma) ou novas criaturas, chamadas de fakémon pelos fãs.

 
25
 


                                          Figura 1 – Fanart (assinatura)6.




           Fonte: <http://www.pokemonmythology.org/t9638-presente-signs-publicas>. Acesso em: 17
                                            abr. 2012

                                        Figura 2 – Fanart (sprite recolorido)7.




         Fonte: <http://www.pokemonmythology.org/t30317p30-concurso-de-sprites-2-edicao>. Acesso
                                        em: 17 abr. 2012




          Como as produções dos fãs variam conforme o produto ou ídolo admirado, é discutido
no capítulo a seguir a cultura pop japonesa, onde o tema Pokémon, do qual os fãs são objeto
desse estudo, estão inseridos.




6
    Fan-art feita pelo usuário caioloko no fórum Pokémon Mythology       .
7
    Fan-art feita pelo usuário @Not no fórum Pokémon Mythology

 
26
 


4 CULTURA POP JAPONESA


        Pokémon é um produto da cultura pop japonesa. Para melhor entender o nicho em que
os seus fãs estão inseridos, vale destacar o contexto histórico e como esse surgiu,
relacionando com diferentes fatores, a fim de servir também de embasamento para a análise
que será apresentada no capítulo 6.
        A cultura, segundo Sato (2007) é baseada em consumo8 em qualquer parte do mundo,
assim o que é pop acaba sendo essencialmente um fenômeno cultural e comercial. Coelho
(1981) acrescenta que cultura pop é um sinônimo de cultura de massa. Sato (2007)
complementa ainda que uma cultura pop possui diversas características como criação e
divulgação de contos e novos ícones através da mídia, modismos, a popularidade de um
produto, referencial comum e influência de uma cultura pop de um país para o outro.
        Lyuten (2005) diz que no Japão contemporâneo a cultura pop existe em várias formas,
entre elas aspectos da música popular, no karaokê, games, desenhos animados (chamados
animes), filmes e novelas de TV. Porém, “a forma que mais reflete a tradição cultural
intensamente visual são os mangás (as histórias em quadrinhos japonesas) sendo que
atualmente as imagens dos mangás, consumidos por milhares de pessoas semanalmente,
mostram uma mudança de ideias políticas e culturais do oriente para o ocidente”.
        A autora enfatiza que os temas que envolveram a juventude japonesa em meados dos
anos 70 e 80 se tornaram relevantes à juventude norte-americana, brasileira e europeia a partir
da década de 90 e no novo milênio.


4.1 O SURGIMENTO DE MANGÁS E ANIMES


        Conforme Silva (2009), tanto mangás quanto animes são fenômenos de comunicação
de massa que já fazem parte do cotidiano de jovens de diversas faixas etárias. Sua origem
remonta à Idade Média japonesa. Segundo Luyten (2003), a partir do século XI teve início a
produção de desenhos de origem sacra em rolos de papel. Com o Japão passando por guerras
até o século XV, eram produzidos também cartuns de humor e outros temas populares.




8
 Entende-se como conceito de consumo “o conjunto de processos socioculturais nos quais se realizam a
apropriação e os usos dos produtos” (CANCLINI, 1999, p. 77).

 
27
 



                       As gravuras em madeira do Período Edo representaram um grande salto para os
                       quadrinhos japoneses, uma vez que estas estavam mais livres da arte tradicional,
                       com as obras do artista Katsuchita Hokusai, que criou 15 volumes, designados
                       Hokusai Manga, entre 1814 e 1849. A temática era a vida urbana, com humanos
                       desenhados de forma caricatural. (SILVA, 2009. p.4)

       Silva (2009) cita que, com a abertura dos portos do Japão (ocorrida na Era Meiji, em
1853), começaram a entrar no país as influências estrangeiras. Os quadrinhos começaram a se
transformar e se caracterizar como os atuais mangás. Para que isso ocorresse um dos fatores
decisivos foi a chegada de jornalistas europeus - que faziam charges políticas nos periódicos
daquela época. O nome mangá foi adotado anos mais tarde e se consagrou através do
desenhista Rakuten Kitazawa.
       Carlos (2009) relaciona que o mangá moderno nasce dentro da lógica da Indústria
Cultural sendo que o Japão é o país que mais consome e produz histórias em quadrinhos no
mundo. Para Nagado (2007), esse fato se explica, pois o mangá é uma publicação de baixo
custo e de fácil entendimento, além de reunir assuntos voltados a diferentes faixas etárias de
uma forma muito rica.      “Os japoneses transformaram os quadrinhos em uma poderosa
literatura de massa, capaz de fazer frente ao aparente imbatível domínio da televisão e do
cinema. Na verdade, o mangá exerce uma espécie de controle sobre a TV e o cinema japonês”
(GRAVETT, 2006, p. 14-16).


                       Em 1920 foi iniciada a produção de publicações para crianças e, em 1930, já havia
                       uma segmentação nítida de públicos. Durante a Segunda Guerra, a produção de
                       mangás foi praticamente extinta. A liberdade de expressão só era possível através de
                       pequenos livros de capa vermelha, muito baratos, chamados akai hon. Eles traziam
                       histórias desenhadas por artistas mal-remunerados. Só não lhes era permitido atacar,
                       no conteúdo dos desenhos, as forças norte-americanas de ocupação. Foi neste
                       período que apareceu Ozamu Tezuka, que trabalhou com os akai hon e recriou a
                       linguagem do mangá. Autor de obras como Astro Boy e A Princesa e o Cavaleiro,
                       Ozamu Tezuka, junto com outros artistas importantes, deu início à era moderna do
                       mangá, em 1960. (SILVA, 2009. p.4).


       A produção voltada ao público adolescente, bem como a segmentação por sexo se deu
após a Segunda Guerra Mundial. Silva (2009) destaca que o papel jornal utilizado nas revistas
foi a alternativa disponível devido à escassez de recursos, assim como a impressão
monocromática. Essas características ainda se mantiveram posteriormente.
       Segundo Silva (2009) atualmente cada revista contém de 400 a 500 páginas, trazendo
diferentes histórias, de diferentes autores, com diferentes durações. “Essas publicações são
geralmente semanais. Os autores, chamados de mangakás, detêm os direitos de suas histórias
e recebem participação pelas vendas de produtos e criação de animes, por exemplo. Cada


 
28
 


história é reeditada separadamente em tanko hon, livros de bolso mais caros, para coleção,
com papel e impressão de melhor qualidade, geralmente publicados bimestralmente”.
       A autora explica também que as editoras japonesas atuam em segmentos de mercado
com uma classificação detalhada que engloba temática, faixa etária e gênero. A classificação é
de grande importância para que a difusão dos mangás aconteça em outros países. Entre as
categorias estão: Shogaku (voltada ao púbico infantil, geralmente com temas didáticos e que
aborda diferentes temas), Shoujo (para moças, com enredos melodramáticos e romantismo), e
Shonen (para rapazes, com a temática constante dos valores da rigidez moral e força de
espírito, sendo que a violência é a principal característica).
       Luyten (2003) salienta que existe produção editorial para todos os públicos, como, por
exemplo, para mulheres e homens que já não são mais adolescentes e também para a terceira
idade. A estética dos mangás, entretanto, ganhou destaque no ocidente através de alguns
quadrinistas, como Frank Miller. Dessa volta a divulgação dos quadrinhos japoneses ganhou
uma maior proporção. Só que, paralelo a isso, os desenhos animados – os animes – foram os
responsáveis pela grande difusão dos mangás, cujos enredos penetraram na TV e, após, até no
cinema. Tanto que, no Japão, o mais comum é que um mangá de sucesso origine um anime e,
a partir disso, diversos produtos sejam licenciados.
       Carlos (2009) também ressalta essa característica e ainda faz uma analogia de uma
particularidade do mercado nipônico de entretenimento com o que Henry Jenkins (2008)
define como transmídia, ou seja, quando uma história se desenrola em múltiplos suportes
midiáticos. Segundo a autora, é bastante comum no Japão que quadrinhos sirvam de base para
versões em desenhos animados, videogames ou live-actions (gravações audiovisuais com
atores reais). “Apesar de ser algo corriqueiro para o público japonês, esse processo não é tanto
para o público ocidental, que vem a pouco se inserindo, em comparação com esse mercado
oriental, nessa cultura de convergência, processo que altera tanto a forma de produzir como de
consumir os meios de comunicação” (CARLOS, 2009. p.6).
       A autora enfatiza que desde a década de 60, muitas produções já eram exibidas em
canais de televisões ocidentais. O sucesso, porém, veio somente nos anos 90 através dos
animes como Cavaleiros do Zodíaco, Dragon Ball e Pokémon. Já os mangás, por sua vez,
apesar de anteriormente apenas aparecerem de forma tímida no mercado mundial, começam a
ganhar destaque através destes desenhos animados, gerando fãs específicos desses produtos.




 
29
 


                                   Figura 3 - Cavaleiros do Zodíaco.




                    Fonte: <http://www.rpgvale.com.br>. Acesso em: 30 mar. 2012.


                                        Figura 4 – Dragon Ball.




            Fonte: <http://osguerreirosdragonball.blogspot.com/>. Acesso em: 30 mar. 2012.

       Silva (2009) também aponta o início da entrada dos animes no mercado na década de
60, quando se diferenciaram bastante das animações já existentes, tanto em questões visuais
quanto na estrutura de seus enredos. Na década de 70 grandes sucessos foram os desenhos
como Speed Racer e Astro Boy.


                       Apesar de bem aceitos no ocidente, até a década de 80 tanto o mangá quanto o
                       anime não estavam consolidados o suficiente para uma exportação expressiva. Mas
                       em 1994 a indústria japonesa receberia um expressivo investimento que
                       possibilitaria o começo da era moderna da cultura pop japonesa e sua difusão. Foi o
                       boom dos animes e mangás no ocidente. (SILVA, 2009. p.6)




 
30
 


                                          Figura 5 – Speed Racer.




                        Fonte: <http://seriesedesenhos.com/>. Acesso em: 30 mar. 2012.

        Gravett (2006, p. 156) estima que a indústria de mangá tenha um lucro de 5 bilhões de
dólares por ano, embora somente há pouco tempo ela tenha se despertado ao mercado
internacional. “De acordo com uma pesquisa recente do Instituto de Pesquisa Marubeni, as
exportações de quadrinhos cresceram 300% entre 1992 e 2002, enquanto outros setores
exibiram um crescimento de apenas 15%”.


                           No Brasil, a primeira publicação data de 1988 (“O Lobo Solitário”) e por cerca de
                           dez anos após poucos títulos foram lançado. Entre 1999 e 2001, esse panorama foi
                           se alterando e em março de 2009 era possível encontrar 135 títulos publicados no
                           Brasil por quatro editoras: Conrad, JBC, Panini e NewPOP4. Para se ter idéia da
                           penetração dos audiovisuais do Japão, conforme a revista Henshin (2001),
                           especializada em mangás e animes, entre 2000 e 2001 estavam sendo exibidos 30
                           animes e live-actions nos canais brasileiros. (CARLOS, 2009. p.6)


4.1.1 Popularização e realidade atual dos mangás e animes


        Segundo Silva (2009) há pouco mais de uma década, o acesso a animes no ocidente
era bastante restrito. Mesmo nos Estados Unidos, poucos eram os títulos licenciados –
geralmente feitos por empresas de pequeno porte e de capacidade de distribuição limitada.


                           Como forma de popularizar os animes e também incentivar a distribuição de
                           determinados títulos nos EUA e outros países, alguns fãs de animes decidiram criar
                           seus próprios fansubs no começo da década de 90. Até então, a internet não tinha
                           tantos usuários como hoje, e estes pioneiros usavam fitas de vídeo para distribuir os
                           animes legendados pelos fansubs em detrimento do formato digital. (CINTAS;
                                                  9
                           SÁNCHEZ, 2006, p. 8) .



9
 Tradução de Silva (2009) para “As a way to popularize anime programs and also to encourage certain titles to
be distributed in the USA, and beyond, some anime fans decided to create their own fansubs in the early-90s. At
the time, Internet had not as many users as it has nowadays, and these pioneers used to distribute fansubbed
anime on videotapes rather than in digital format”.

 
31
 


              Figura 6 – Capa da primeira edição do mangá Pokémon Adventures Special.




                 Fonte: <http://www.nautiljon.com/mangas>. Acesso em: 30 mar. 2012.

       Para Carlos (2009), a grande demanda por produções japonesas pelos fãs ocidentais
“nunca foi completamente saciada pelas mídias tradicionais, ou especificamente, pelas
empresas de cada respectivo mercado (impresso e audiovisual), principalmente quando esse
fenômeno comunicacional iniciava-se”.
       A mobilização de fãs específicos é exemplificada por Moliné (2006), tomando como
exemplo os fãs espanhóis de Dragon Ball, que começaram a se organizar independentemente
da mídia comercial.


                       O sucesso foi tão grande que, no início, a não-existência de merchandising baseado
                       na série incentivou os próprios fãs a criarem o seu. Aconteceu um tráfego de
                       fotocópias do mangá original japonês não só entre crianças e adolescentes, mas
                       também entre jovens adultos. A dragonballmania ficou consolidada como o perfeito
                       exemplo da maneira como um mito popular de massas pode ser criado a partir do
                       clamor do público, sem campanhas publicitárias. (MOLINÉ, 2006. p. 59)


       Jenkins (2008) também exemplifica esta situação, porém nos Estados Unidos e em
relação aos audiovisuais:


                       Com o advento dos videocassetes, os fãs americanos conseguiram gravar os
                       programas dos canais com transmissão em japonês e compartilhá-los com amigos de
                       outras regiões. Logo os fãs começaram a fazer contatos no Japão – tanto a juventude
                       local como militares americanos com acesso às novas séries. [...] Fã-clubes
                       americanos surgiram para apoiar o armazenamento e a circulação de animação
                       japonesa. Nos campi das faculdades, organizações de estudantes formaram grandes
                       bibliotecas, com material legal e pirateado, e realizavam exibições destinadas a
                       educar o público sobre os artistas, estilos e gêneros do anime japonês. O Anime
                       Club, do MIT, por exemplo, organiza exibições semanais utilizando material de uma
                       biblioteca com mais de 1.500 filmes e vídeos. (JENKINS, 2008, p. 211-212).




 
32
 


        Carlos (2009) aponta que inicialmente não havia tecnologia suficiente para a
legendagem das cópias, então antes de iniciar a sessão quem tinha o conhecimento da história
explicava para a plateia. Assim, nos fins dos anos 1980 e começo dos 1990, surge o ato de
tradução e legendagem de audiovisuais, feita por fãs e que se denominou fansubbing.
        Silva (2009) define fansub como a produção de um programa japonês traduzido e
legendado por fãs, uma atividade já tradicional e que tem em suas raízes na criação dos
primeiros clubes de anime nas universidades americanas na década de 80. Já scanlation é uma
tradução do mangá para outra língua, feita por fãs utilizando versões escaneadas das páginas
da revista, onde as falas em japonês são apagadas e substituídas com suas respectivas
traduções. Segundo a autora a popularização dos equipamentos utilizados foi fundamental
neste caso, assim como o aparecimento dos editores de imagem.
        A autora cita também que no fim da década de 80, clubes de estudantes já possuíam
um grande volume de material legal e pirata. No começo da década de 90, por sua vez,
surgiram os fansubs como se conhece hoje, começando a traduzir e legendar de forma
amadora, sem objetivos financeiros e para distribuir livremente os animes.


                          Os sistemas de sincronização de tempo para VHS e S-VHS permitiram que os
                          fansubbers dublassem as fitas ao reter o alinhamento exato do texto e da imagem. Os
                          custos elevados dos equipamentos mais avançados significaram que o fansubbing
                          permaneceria um esforço coletivo: os clubes aliavam o tempo e os recursos para
                          assegurar que sua série favorita alcançasse um público amplo. Como os custos
                          caíram, a atividade de fansubbing se espalhou. Rapidamente os clubes passaram a
                          usar a internet para coordenar suas atividades, copiar série em DVD, e assim
                          alcançar uma comunidade mais ampla para tradutores em potencial. (JENKINS,
                                10
                          2008)


        Silva (2009) fala ainda que grandes eventos sobre animes começavam a ser realizados
no mundo na época, principalmente nos Estados Unidos, trazendo artistas e empresas
japonesas – estas com uma primeira chance real de resultados no mercado americano, sendo a
primeira porta de entrada para o conteúdo japonês no ocidente.
        Porém, foi com a disponibilidade do computador pessoal e a internet, já na década de
90, que as atividades dos fãs foram revolucionadas, potencializando o fenômeno para todo o



10
  Tradução de Silva (2009) para “Time-synchronized VHS and S-VHS systems allowed fansubbers to dub tapes
while retaining accurate alignment of text and image. The high costs of the earliest machines meant that
fansubbing would remain a collective effort: Clubs pooled time and resources to ensure their favorite series
reached a wider viewership. As costs fell, fansubbing spread outward. Soon clubs were using the Internet to
coordinate their activities, divvying up series to subtitle and tapping a broader community for would-be
translators”.


 
33
 


mundo. Nesse contexto Jenkins (2008) também acredita que atribui-se à atividade dos fansubs
e scanlators a popularização do conteúdo japonês.


                            As vendas globais da indústria da animação japonesa alcançaram surpreendentes
                            $80 bilhões em 2004, dez vezes o valor alcançado uma década antes. Esse sucesso
                            mundial em parte foi alcançado porque as companhias japonesas prestaram pouca
                            atenção aos tipos de atividade de base – chamada de pirataria, duplicação e
                            circulação desautorizada, ou simplesmente o compartilhamento de arquivos – que as
                            companhias midiáticas americanas parecem tão determinadas a interromper. Muito
                            dos riscos relacionados à entrada nos mercados ocidentais e muitos os custos de
                            experimentação e promoção foram assumidos por consumidores dedicados.
                                                                      11
                            (JENKINS, 2006b apud SILVA, 2009, p.8)


        Para Carlos (2009), mesmo com o sucesso dos produtos midiáticos japoneses e a
tentativa de fãs de colocá-los em circulação para conhecimento e consumo, as dimensões
desse fenômeno não eram tão enormes como se tornariam no ciberespaço.


                            Com o advento dos computadores, principalmente no que tange seus softwares, e a
                            internet, o acesso (característica da cultura digital, conforme Santaella) e circulação
                            dos mangás e audiovisuais ficou muito mais fácil de diversas formas. Primeiro
                            porque se torna menos difícil disponibilizar/conseguir o material bruto
                            (independentemente do suporte original), bastam os recursos de gravações e cópias
                            já não tão incomuns. Segundo, com os diversos programas que os computadores
                            possuem (ou podem ser baixados), a edição de mangás e a legendagem de animes ou
                            live-actions tornou-se mais simples e acessível. Terceiro, essa circulação de
                            originais digitalizados e editados não dependem de localizações geográficas. Quarto,
                            o tempo de todo esse processo (disponibilização, edição, consumo) na rede é, por
                            vezes, diferente em comparação às mídias tradicionais. Quinto, os títulos são
                            escolhidos conforme os interesses dos fãs, não mais sujeitos apenas aos interesses
                            das empresas. (CARLOS, 2009, p. 8)


        Carlos (2009) diz também que assim um determinado grupo de fãs, cujos integrantes
localizam-se em diferentes cidades, estados ou mesmo país, pode resolver editar um mangá
através de programas de edição e o disponibiliza em um site ou blog para leitura online ou
download.
                            Tal mangá pode ser escolhido porque o grupo, por exemplo, só edita quadrinhos
                            voltados para o gênero feminino ou de um determinado quadrinista. E ainda, tal
                            título pode estar sendo naquele mesmo momento publicado no Japão e, em cerca de
                            uma semana, o grupo já oferece a versão digital editada gratuitamente. (CARLOS,
                            2009, p.8)




11
  Tradução de Silva (2009) para The global sales of Japan’s animation industry reached an astonishing $80
billion in 2004, 10 times what they were a decade before. It has won this worldwide success in part because
Japanese media companies paid little attention to the kinds of grassroots activities — call it piracy, unauthorized
duplication and circulation, or simply filesharing — that American media companies seem so determined to shut
down. Much of the risk of entering Western markets and many of the costs of experimentation and promotion
were borne by dedicated consumers”.

 
34
 


          A autora vê que o cenário atual do consumo de produtos da cultura pop japonesa passa
em grande parte pela cibercultura. Segundo ela, o público não mais está “preso” ao que os
canais de televisão exibem ou ao que as editoras publicam. “Na internet, a liberdade de
consumo é maior, cada um escolhe o que deseja e se, quiser, mais do que escolher o que ler
ou assistir, também pode fazer parte do processo de disponibilização desses conteúdos”
(CARLOS, 2009, p.8).
          Para Lévy (2000) é nesse cenário que existe a construção de uma inteligência coletiva,
em que cada um contribui com o pedaço de informação que possui para uma obra maior:


                             Todas as pessoas e grupos realmente desejosos de publicar um texto, uma música ou
                             imagens na World Wide Web podem fazê-lo, tornando as informações disponíveis
                             para um vasto público internacional. Cada um pode assim contribuir para a
                             confecção do imenso hiperdocumento mundial. (LÉVY, 2000, p. 208).


          Levando isso em consideração, Carlos (2009) acredita que o pop japonês foi
adentrando o Ocidente parte por iniciativas privadas, mas principalmente por uma
movimentação de fãs ávidos por consumir esses produtos.
          A partir desse apontamento, entramos no objeto Pokémon, mesmo que este, como vai
ser descrito, não tenha tido sua expansão inicial por reivindicação de fãs, a ação destes foi e é
determinante para que a franquia se mantenha em nível global.


4.2 POKÉMON


          Pokémon (nome abreviação de “pocket monster”) surgiu no Japão em 1995, através
dos jogos de Gameboy12 chamados Pokémon Red e Pokémon Green. A marca, criação dos
amigos Satoshi Tajiri (programador) e Ken Sugimori (desenhista e designer), se expandiu
rapidamente para outras plataformas, gerando histórias em quadrinhos (mangás), desenhos
animados (animes), filmes, cards, bonecos, jogos de vídeo, entre outros. No ano seguinte a
franquia ganhou o mundo com a sua expansão aos Estados Unidos (ALLISON, 2002).
          Tobin (2002) ressalta ainda que com o crescimento de Pokémon fez com que
diferentes empresas se licenciassem junto à franquia, incluindo GameFreak, Creatures,Inc.,
Shogakukan Comics e TV Tokyo, além das companhias estrangeiras, como a subsidiária
Nintendo of América, a Wizards of the Coast (agora uma divisão da Hasbro), 4Kids
Entertainment e a Warner Brothers Network. Dessa forma, a Nintendo criou um conjunto de


12
     Console de videogame portátil na Nintendo.

 
35
 


produtos inter-relacionados que dominaram o consumo infantil de 1996 a 2000,
aproximadamente.
       A trama-comum que gira em torno dos produtos (mangá, anime e games) é a do
protagonista que busca se tornar um mestre pokémon. Para isso, é necessário capturar todos
os 151 pokémons (esse número foi se expandindo conforme criadas as novas "gerações" e
atualmente são mais de seiscentos) que habitam o pokémundo. Nesse mundo, qualquer um
pode se tornar um mestre como Satoshi (Ash, em inglês), que, no anime, é o personagem
central, de 11 anos, e que segue sua jornada junto de dois companheiros: Misty (uma menina
de 11 anos) e Brock (rapaz de 15).
       Nos games, o jogador precisa capturar e controlar seus pokémons – estes que são
criaturas semelhantes a animais ou monstros – evoluí-los através de experiência adquirida em
batalhas e conquistar vitórias contra líderes de ginásio e contra os campeões da Liga Pokémon
(competição que define os mestres Pokémon). “Gotta catch’em all” é o lema de Pokémon,
que, traduzido para a língua portuguesa significa “temos que pegar todos”.
                        FIGURA 7 – Tela inicial do jogo Pokémon Green




           Fonte: <http://pokemondome.zxq.net/?page_id=10>. Acesso em: 29 abr. 2012.

       No auge da franquia, os executivos da Nintendo estavam otimistas de que tinham um
produto como Barbie e Lego – que iria vender para sempre – e que, como Mickey Mouse e
Pato Donald, se tornariam ícones duradouros em todo o mundo. Mas até o final de 2000, a
“febre Pokémon” já havia diminuído no Japão e nos Estados Unidos, mesmo que os mesmos
produtos já existentes estivessem sendo lançados em outros países, inclusive o Brasil.




 
36
 


4.2.1 Pokémon: no contexto da história japonesa


        Segundo aponta Tobin (2002), para entender melhor o significado cultural e
econômico de Pokémon no Japão contemporâneo, é preciso analisar o desenvolvimento e
comercialização da franquia no contexto da história japonesa.

                            Em 1854, quando o comodoro dos EUA, Matthew Perry, levou sua frota na Baía de
                            Tokyo, a estratégia secular do Japão de barrar as idéias e mercadorias ocidentais
                            chegou ao fim. Em resposta à ameaça do poder militar ocidental, a estratégia do
                            Japão mudou para um empréstimo, domesticando as mercadorias estrangeiras e
                            conceitos, mas mantendo valores fundamentais japoneses, como resumido pelo
                            mantra "espírito japonês, aprendizagem ocidental". Durante os anos que
                            antecederam, inclusive a Segunda Guerra Mundial, o Japão mudou de curso e seguiu
                            uma abordagem agressiva no relacionamento com o Ocidente e para a Ásia. O
                            período pós-guerra foi um segundo período de empréstimo cultural intenso, desta
                            vez juntamente com crescente sucesso na venda de "produtos ocidentais" para o
                            Ocidente. O Japão começou a reconstruir sua economia no pós-guerra, exportando
                            bens simples e baratos, mas na década de 1970 o Japão estava desfrutando de
                            sucesso de ser um produtor de alta qualidade, com produtos de alta tecnologia como
                            relógios, câmeras e carros. Na década de 1980, tendo estabelecido uma posição
                            dominante no mercado global em produtos eletrônicos domésticos, o Japão parecia
                            bem posicionado para reinar por muitos anos como uma das nações
                            economicamente mais poderosas do mundo. Mas enquanto os americanos se
                            preocuparam com a forma de jamais fechar o déficit comercial com o Japão, muitos
                            japoneses sabiam que o sucesso era frágil. A fórmula do pós-guerra do Japão para o
                            sucesso econômico, baseado na exportação de bens de consumo e hardware do
                            computador para o Ocidente, provou ser difícil de manter, porque como o padrão
                            japonês de vida e os salários cresceram, tornaram-se vulneráveis à concorrência
                                                                                         13
                            desleal de outros países (TOBIN, 2002, p. 54, tradução nossa)

        O autor destaca ainda que, antecipando o rumo dos acontecimentos, pelo início dos
anos 1980, as empresas japonesas e planejadores econômicos do governo mudaram
estrategicamente a economia da indústria pesada de alta tecnologia e de alta tecnologia para
produtos de informação e cultural. A maioria dos produtos que circulam globalmente,
produzidos em território japonês são sistemas de som, televisores, videocassetes, aparelhos



13
   “In 1854, when U.S. Commodore Matthew Perry led his fleet into Tokyo Bay, Japan’s centuries-old strategy of
barring Western people, ideas, and goods came to end. In response to the threat of Western military power, Japan’s
strategy changed to one of borrowing and domesticating foreign goods and concepts while retaining Japanese core
values, as summed up by the mantra of that era: ‘Japanese spirit, Western learning’. During the years leading up to
and including World War II, Japan switched course and pursued a belligerent approach in relating to the West and
to Asia. The postwar period was a second period of intense cultural borrowing, this time coupled with growing
success in selling ‘Western goods’ to the West. Japan began rebuilding its postwar economy by exporting simple,
inexpensive goods; but by the 1970s Japan was enjoying success as a producer of such high quality, high-tech
goods as watches, cameras, and cars. In the 1980s, having established dominance in the global market in home
electronic goods, Japan seemed well positioned to reign for many years to come as one of the world’s most
economically powerful nations. But while Americans fretted about how we would ever close the trade gap with
Japan, many Japanese knew their success was fragile. Japan’s postwar formula for economic success, based on
exporting consumer goods and computer hardware to the West, proved to be difficult to maintain because as the
Japanese standard of living and salaries rose, they became vulnerable to being undercut by other countries”.

 
37
 


de CD e DVD, máquinas de karaokê, e computadores, mas grande parte do conteúdo que
alimentava essas máquinas era produzida em Los, Angeles e Nova York.
        Na falta de software próprio, na década de 1980 e início de 1990, Sony e outras
empresas de hardware japonesas investiram em estúdios de cinema americanos, gravadoras e
editoras. O desafio para o Japão em meados dos anos 1990 era mudar a forma de compra de
direitos para os produtos da cultura Western para a produção de produtos de exportação com
cultura própria. Conforme relaciona Tobin:

                           O Japão tem uma indústria de forte cultura nacional, com bilhões de ienes gastos
                           anualmente em filmes produzidos internamente e consumidos, música pop,
                           programas de televisão e equipes esportivas. Mas converter esse mercado interno
                           para um sistema internacional foi uma tarefa assustadora. Apesar de seu sucesso na
                           venda de hardware para o Ocidente, com a notável exceção das vendas de jogos de
                           computador em todo o mundo e música pop e direitos de transmissão televisiva do
                           show em Taiwan e Hong Kong (Iwabuchi, 1998), o Japão teve pouco sucesso e de
                           fato fez relativamente poucas tentativas agressivas para exportar software cultural.
                                                                 14
                           (TOBIN, 2002, p. 55, tradução nossa)

        O autor frisa ainda que o Japão sofre com um grande déficit no intercâmbio de
produtos culturais com o Ocidente. Como exemplo, cita que os filmes americanos estão entre
os principais destaques no Japão seguidamente, enquanto os filmes japoneses apenas são
apresentados em casas de arte nos Estados Unidos. Até o Jazz recebe um forte apoio em
Tóquio mais do que em Nova York. A música pop americano e britânica concorre
seguidamente ao topo das paradas japonesas, mas a japonesa encontra apenas um nicho de
mercado fora da Ásia.
        Perante as informações apresentadas, Tobin (2002) chega a um questionamento, sobre
o motivo desse desequilíbrio comercial cultural. Argumenta que isso se dá, principalmente,
pelo efeito lingüístico e da hegemonia cultural do Ocidente anglófono, sendo que o poder
econômico e cultural adquirido a nível mundial nos últimos três primeiros séculos pela
Inglaterra e depois pelos Estados Unidos resultou que o japonês e outros povos que não tem a
língua inglesa como oficial tiveram de aprender a consumir produtos culturais de língua
estrangeira enquanto os americanos e britânicos não. Isso é perceptível, inclusive, no enredo
do anime de Pokémon.



14
   “Japan has a robust domestic culture industry, with billions of yen spent each year on domestically produced
and consumed movies, pop music, television shows, and sports teams. But converting this domestic market to an
international one is a daunting task. Despite its success in selling hardware to the West, with the notable
exception of computer game sales worldwide and pop music and television show rights in Taiwan and Hong
Kong (Iwabuchi, 1998), Japan has had little success and in fact has made relatively few aggressive attempts to
export cultural software”.

 
38
 


                            Produtos japoneses exportados, incluindo Pokémon, já são uma mistura de
                            elementos nativos e emprestados, antes mesmo de serem submetidos a reembalagem
                            de seus exportadores japoneses jus a localização por seus importadores estrangeiros.
                            Ironicamente, muitos dos episódios de televisão Pokémon que foram considerados
                            inadequados para lançamento nos Estados Unidos apresentam elementos em seu
                            enredo que são explicitamente euro-americanos de origem. Elementos, incluindo
                            que os personagens Misty, a Equipe Rocket e mãe de Ash que entram em um
                            concurso de beleza em Acapulco, um guarda-florestal que aponta sua arma para
                            Ash, ou Ash e Misty se comportando como Tarzan, sendo criança selvagens na
                                                                         15
                            selva. (TOBIN, 2002, p. 55, tradução nossa)


4.2.2 Pokémon como fenômeno global


        O sucesso de Pokémon não veio ao acaso. Produtores da franquia decidiram
previamente que para este se tornar algo global, era preciso reduzir a sua identidade cultural.
Conforme Tobin, uma suposição comum da indústria cultural global e popular é que para um
produto cultural japonês encontrar um mercado de massa no exterior, não deve parecer-se
“muito japonês”. O que pode ser feito é basear-se a sua concepção em algo específico e ter
referências, mas ignorar ou apagar o que explicitamente japonês.
        Isso, porém, não é sugerir que não há nada de japonês em Pokémon. Tobin (2002)
salienta que tanto o game Pokémon, o anime e os filmes têm muitos distintamente elementos
japoneses e outras preocupações.




15
   “Japanese products exported abroad, including Pokémon, are already a mixture of indigenous and borrowed
elements even before they are subjected to repackaging by their Japanese exporters and localization by their
foreign importers. Ironically, several of the Pokémon television episodes that have been considered inappropriate
for release in the United States feature plot elements that are explicitly Euro-American in origin, elements
including the Pokémon characters Misty, Team Rocket, and Ash’s mother entering a beauty contest in Acapulco;
a six-gun toting game warden who points his pistol at Ash; and a Tarzan-like feral child Ash and Misty meet in
the jungle”.

 
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Fãs de Pokémon discutem jogos e anime em fóruns

  • 1. UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS UNIDADE ACADÊMICA DE GRADUAÇÃO COMUNICAÇÃO SOCIAL COM HABILITAÇÃO EM JORNALISMO ROBERTO FERRARI FÃS DE POKÉMON: ANÁLISE DA INTERATIVIDADE NOS FÓRUNS POKÉPLUS E POKÉMON MYTHOLOGY SÃO LEOPOLDO 2012
  • 2. Roberto Ferrari FÃS DE POKÉMON: Análise da interatividade nos fóruns Poképlus e Pokémon Mythology Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Jornalismo, pelo Curso de Comunicação Social com Habilitação em Jornalismo da Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Orientadora: Prof.ª Dr.ª Adriana Amaral São Leopoldo 2012
  • 3. AGRADECIMENTOS Agradeço a Deus, primeiramente, por possibilitar a conclusão desde trabalho. À minha orientadora, Adriana Amaral, pelo seu empenho e bom humor para sanar minhas dúvidas e orientar qual caminho seguir. Ao professor Carlos Jahn, por acreditar e motivar a pesquisa num assunto que realmente me identifico. Aos meus antigos colegas de trabalho, especialmente Jorge Bruxel, Valnir Peralta e Guilherme Fernandes, por despertarem em mim, cada um de uma forma diferente o prazer em fazer jornalismo. À Justina Anghinoni que, em 2005, então minha professora no Ensino Médio, me motivou a cursar Jornalismo e não ser apenas mais um indivíduo entre muitos. Também dedico à sua filha, Fernanda Ferrari, minha prima de segundo grau, que me apresentou o mundo dos pokémons. Aos colegas e amigos, especialmente Victor Machado e Luana Bernart. Esta última, amiga já de longa data, com quem também pude trocar experiências durante a produção do TCC. À minha família.
  • 4. “A ficção revela a verdade que a realidade esconde” (Jessamyn West)
  • 5. RESUMO A presente monografia aborda a interatividade dos fãs de Pokémon em fóruns de discussão online brasileiros. A análise teve como objeto os fóruns dos fansites Poképlus e Pokémon Mythology. Para este estudo foi realizada a pesquisa bibliográfica, reunindo conceitos sobre fãs, interatividade, ciberespaço, cultura pop japonesa e comunidades virtuais de teóricos como Pierre Lévy (1999), Alex Primo (2001), Renata Silva (2009) e Raquel Recuero (2011). A partir de técnicas de pesquisa empírica qualitativa, como a Teoria Fundamentada (Fragoso, Recuero e Amaral, 2011) buscou-se compreender as características da interatividade e da identidade dos fãs de Pokémon inseridos em dois fóruns distintos, observando a estrutura utilizada para a construção dos diálogos e o conteúdo dos tópicos em discussão. Com essa reflexão, observa-se que os usuários dos fóruns mencionados se mantém ativos em virtude das novidades frequentes da franquia Pokémon, como o lançamento de novos jogos. Nesses espaços os fãs encontram formas de expressar seus conhecimentos sobre os produtos da marca. Palavras-chave: Fãs. Pokémon. Comunidades virtuais. Interatividade.
  • 6. ABSTRACT This study addresses the interaction of Pokémon fans in Brazilian online discussion forums. The analysis was based on the forums of the fansite Poképlus and fansite Pokémon Mythology. For this study a literature search was conducted, bringing together concepts of fans, interactivity, cyberspace, Japanese pop culture and virtual communities of theorists such as Pierre Lévy (1999), Alex Primo (2001), Renata Silva (2009) and Rachel Recuero (2011). As low as empirical qualitative research techniques such as Grounded Theory (Fragoso, Recuero and Amaral, 2011) sought to understand the characteristics of interactivity and identity of distinct Pokémon fans inserted in two forums, observing at the structure used for the construction of the dialogues and content of the topics under discussion. Through this series of thoughts, it is observed that users of the forums mentioned remains active because of the frequent news that the Pokémon franchise, as the launch of new games, and that these spaces are a way of expressing knowledge about the brand's products. Keywords: Fan. Pokémon. Virtual community. Interactivity.
  • 7. LISTA DE FIGURAS FIGURA 1 – Fanart (assinatura) ............................................................................................. 25 FIGURA 2 – Fanart (sprite recolorido) ................................................................................... 25 FIGURA 3 – Cavaleiros do Zodíaco ....................................................................................... 29 FIGURA 4 – Dragon Ball........................................................................................................ 29 FIGURA 5 – Speed Racer ....................................................................................................... 30 FIGURA 6 – Capa da primeira edição do mangá Pokémon Adventures Special ................... 31 FIGURA 7 – Tela inicial do jogo Pokémon Green ................................................................. 35 FIGURA 8 – Ash ..................................................................................................................... 39 FIGURA 9 – Pikachu .............................................................................................................. 41 FIGURA 10 – Página inicial do site Poképlus ........................................................................ 53 FIGURA 11 – Página inicial do site Pokémon Mythology ..................................................... 54 FIGURA 12 – Página inicial do fórum Poképlus .................................................................... 55 FIGURA 13 – Interações no tópico Discussão sobre o anime 2.0 .......................................... 56 FIGURA 14 – Tópicos dentro do sub-fórum Boteco da Poképlus .......................................... 57 FIGURA 15 – Interações no tópico “Esse fórum não ta show!” ............................................. 58 FIGURA 16 – Tópicos dentro do sub-fórum Jogos ................................................................ 59 FIGURA 17 – Interações no tópico “Download de Pokémon Special” .................................. 60 FIGURA 18 – Página inicial do fórum Pokémon Mythology (topo da página)...................... 61 FIGURA 19 – Fórum Pokémon Mythology com layout alternativo “Latios & Latias” ......... 62 FIGURA 20 – Fórum Pokémon Mythology com layout alternativo “Layout 7 anos” ............ 62 FIGURA 21 – Fórum Pokémon Mythology com layout alternativo “Zekrom & Reshiram” 63 FIGURA 22 – Rodapé da página inicial do fórum Pokémon Mythology ............................... 64 FIGURA 23 – Tópicos dentro do sub-fórum Nintendo DS – Geração IV .............................. 65 FIGURA 24 – Interações dentro do tópico “Minha equipe no Platinum”............................... 66 FIGURA 25 – Interações dentro do tópico “Off”.................................................................... 67 FIGURA 26 – Interações dentro do tópico “Sugestão...” ........................................................ 69 FIGURA 27 – Tópicos dentro do sub-fórum Anime e Filmes Pokémon ................................ 70 FIGURA 28 – Interações dentro do tópico “Qual foi...” ......................................................... 71 FIGURA 29 – Interação em tópico onde aparecem as assinaturas e imagens de perfil .......... 74 FIGURA 30 – Página do perfil de usuário no fórum Poképlus ............................................... 75 FIGURA 31 – Página do perfil de usuário no fórum Pokémon Mythology............................ 75 FIGURA 32 – Interações em tópico sobre o anime de Pokémon no fórum Poképlus ............ 76 FIGURA 33 – Interações em tópico sobre novo jogo no fórum Pokémon Mythology .......... 77
  • 8. LISTA DE TABELAS TABELA 1 – Resumo comparativo da análise dos fóruns...................................................... 78
  • 9. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 09 2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS .................................................................... 12 2.1 PESQUISA BIBLIOGRÁFICA ........................................................................................ 12 2.2 PESQUISA EMPÍRICA QUALITATIVA........................................................................ 12 2.2.1 Seleção dos objetos ....................................................................................................... 13 2.2.2 Teoria Fundamentada .................................................................................................. 13 3 O TERMO FÃ E O SEU ESTUDO EM TRABALHOS ACADÊMICOS .................... 15 3.1 FÃS, SUBCULTURAS E A CULTURA PARTICIPATÓRIA ........................................ 19 3.2 FANDOM .......................................................................................................................... 22 3.2.1 Fandom como produtor cultural ................................................................................. 24 4 CULTURA POP JAPONESA ........................................................................................... 26 4.1 O SURGIMENTO DE MANGÁS E ANIMES................................................................. 26 4.1.1 Popularização e realidade atual dos mangás e animes.............................................. 31 4.2 POKÉMON ....................................................................................................................... 34 4.2.1 Pokémon: no contexto da história japonesa ............................................................... 36 4.2.2 Pokémon como fenômeno global ................................................................................. 38 5 COMUNIDADES VIRTUAIS E INTERATIVIDADE ................................................... 42 5.1 REDES DIGITAIS ............................................................................................................ 42 5.1.1 Ciberespaço ................................................................................................................... 43 5.2 INTERAÇÃO E INTERATIVIDADE .............................................................................. 44 5.2.1 Mais sobre a interatividade ......................................................................................... 47 5.3 COMUNIDADES VIRTUAIS .......................................................................................... 48 5.3.1 Fóruns de discussão online .......................................................................................... 51 6 ANÁLISE DOS FÓRUNS POKÉPLUS E POKÉMON MYTHOLOGY ..................... 53 6.1 INTERATIVIDADE NO FÓRUM DO SITE POKÉPLUS .............................................. 55 6.1.1 Considerações sobre o site Poképlus ........................................................................... 60 6.2 INTERATIVIDADE NO FÓRUM POKEMON MYTHOLOGY .................................... 61 6.2.1 Considerações sobre a análise do Pokémon Mythology ............................................ 71 6.3 COMPARATIVO ENTRE OS FÓRUNS ANALISADOS .............................................. 72 6.3.1 Considerações sobre os fãs de Pokémon nos fóruns analisados ............................... 78 7 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................. 81 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................ 83
  • 10. 9   1 INTRODUÇÃO Como uma grande rede, a internet aproxima diferentes pessoas em todo o mundo, seja para trocar e-mails em função do trabalho, para realizar pesquisas acadêmicas ou para criar novos relacionamentos. Não é difícil encontrar, por exemplo, vários sites sobre um tema em particular, quando digitado algum termo específico em um dos diferentes mecanismos de busca disponíveis online. Para quem é fã de algum produto não tão popular no momento, a internet acaba sendo uma alternativa bastante eficaz para encontrar outros que partilham o mesmo gosto e querem trocar ideias sobre. O ponto de encontro desses fãs pode ser nas mídias sociais ou através de fansites – criados muitas vezes sem objetivo financeiro algum, apenas como forma de reunir interessados num mesmo tema. Os fóruns de discussão online são um desses espaços onde os fãs se reúnem e, como o próprio nome diz, promovem discussões diversas sobre algum objeto central. Esse tipo de ferramenta normalmente tem vinculo direto com os fansites e, no jornalismo, também pode ser integrado a algum site de notícias, como recurso para interação com leitores. Para esta pesquisa, optei em analisar dois fóruns de discussão inseridos de maneiras distintas em fansites brasileiros sobre um mesmo tema: Pokémon. Considerada um fenômeno mundial, inclusive no Brasil, no fim da década de 1990 e no início dos anos 20001, a franquia Pokémon foi perdendo visibilidade na mídia com o passar dos anos, mesmo que novos produtos provenientes da marca ainda sejam lançados. Visto a esse fato, a discussão sobre as novidades de Pokémon acaba não ocorrendo de uma maneira tão intensa quanto num ambiente tão democrático que é o ciberespaço (LÉVY, 2000). A análise realizada visa entender como os fãs de Pokémon interagem entre si, que ferramentas utilizam para se comunicar e como se dá o processo de interatividade entre eles. O estudo se foca no que é discutido em dois ambientes específicos – fórum Poképlus e Pokémon Mythology – e os resultados provenientes se referem a esses espaços apenas, mesmo que uma das consequências de uma pesquisa desse tipo também vislumbre como é o perfil dos usuários inseridos nessas comunidades virtuais. Para justificar a importância dessa pesquisa, pode se atrelar ao fato de que fãs de Pokémon pertencem a um nicho que muito pode ser explorado para produção de conteúdo ou relacionamento com a marca. Conforme Anderson (2006), a tendência na economia mundial é 1 Disponível em: <http://epoca.globo.com/edic/19991227/ciencia2.htm>. Acesso em: 30 abr. 2012.  
  • 11. 10   de atender não mais somente as demandas de grandes sucessos do momento e sim, de trabalhar aquilo que grupos específicos de consumidores realmente desejam. Isso acontece porque a tecnologia proporciona que vários tipos de produtos tenham facilitados e barateados seus processos de produção, a internet facilite o acesso do consumidor aos produtos de nicho e não somente aos mega-sucessos, como ocorre na mídia tradicional, e, por fim, a facilidade de busca e difusão (através de recomendações entre grupos de amigos em mídias sociais, por exemplo) para que essa demanda evolua (ANDERSON, 2006, p.37). O estudo proposto nesse trabalho se deu a partir de diferentes abordagens metodológicas, apresentadas no segundo capítulo através dos conceitos de Fragoso, Recuero e Amaral (2011). Ali é apresentada a importância da utilização da revisão bibliográfica, da pesquisa empírica qualitativa no processo de coleta de dados e também da aplicação da Teoria Fundamentada perante o que foi coletado. No capítulo seguinte, há a definição e aprofundamento dos tópicos que envolvem o objeto da pesquisa. O primeiro a ser tratado é o que Luiz (2009) define como fã. A partir disso, inicia o diálogo com as contribuições de Monteiro (2007), Silva (2009) e Castellano (2009), relacionando sobre o estudo dos fãs no meio acadêmico. Mascarenhas (2010), Lévy (2000) e Jenkins (2008) também são mencionados quando se delimita a discussão sobre o que é e como funcionam os fandoms. O capítulo quatro apresenta uma concepção histórica e contextual da cultura pop japonesa tendo como os principais autores consultados Silva (2009) e Carlos (2009). É neste capítulo que também ocorre uma abordagem mais profunda sobre o que é Pokémon e qual sua importância como um produto mercadológico e com potencial atrativo de fãs. Para essa argumentação Allison (2002) é a principal referência. No quinto capítulo é relacionado o conceito de Lévy (1999) voltado às comunidades virtuais, já que os fóruns a serem analisados posteriormente vêm a se enquadrar como tal. Recuero (2001) também é fonte para um diálogo mais aprofundado do tema. Já para entender também o contexto em que estes fóruns estão inseridos, há a discussão sobre o que é o ciberespaço para Primo (2001), bem como o seu entendimento na diferenciação de interação e interatividade. A descrição, análise e aplicação da Teoria Fundamentada nos fóruns de discussão dos sites Poképlus e Pokémon Mythology acontecem no capítulo 6. A partir de um olhar empírico, são narradas e explicadas as interações dos usuários dos fóruns, então fãs de Pokémon, bem como os recursos que eles têm a sua disposição para se expressar junto aos  
  • 12. 11   demais. Ao final, é feito o comparativo entre os fóruns estudados bem como podem ser descritos os indivíduos ali inseridos. Por fim, são feitas as considerações finais sobre todo o processo de pesquisa, relacionando o que pode ser concluído com os conceitos delimitados e os dados já coletados. A compreensão consequente pode trazer ao entendimento quem são os fãs de Pokémon através de traços de suas identidades, o que fomenta a interatividade entre eles e como se relacionam no ciberespaço.  
  • 13. 12   2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS Neste capítulo, apresentaremos as metodologias de pesquisa utilizadas para o desenvolvimento do presente trabalho de conclusão de curso: a pesquisa bibliográfica e a pesquisa empírica qualitativa, segmentada na escolha do objeto e na teoria fundamentada. 2.1 PESQUISA BIBLIOGRÁFICA Antes de realizar a pesquisa empírica qualitativa, se fez necessário realizar a leitura e a revisão bibliográfica de vários conceitos que norteiam o objeto de estudo. O primeiro conceito abordado é o de “fã”. Para isso, são usadas concepções de Monteiro (2007), Silva (2009) e Castellano (2009), que fazem uma delimitação de quem são os fãs no contexto histórico e geral, como são suas características e a forma de atuação perante aos seus ídolos/produtos com os quais estão ligados. Ainda dentro dessa área, quando se chega ao conceito de fandom, Mascarenhas (2010) e Lévy (2000) são os autores consultados, explicando as práticas dos fãs, sendo que o primeiro ainda dialoga com citações de Jenkins (2008). No capítulo seguinte, Silva (2009) e Carlos (2009) são os autores principais na construção do referencial teórico sobre a cultura pop japonesa, na qual Pokémon – tema abordado mais especificamente por Allison (2002) – é um produto oriundo. Para o capítulo voltado ao estudo das comunidades virtuais, Lévy (1999) é o principal autor consultado, sendo que Primo (2001) tem destaque quando se fala em ciberespaço e interatividade e Recuero (2001) quando nas comunidades virtuais propriamente ditas. Concluída a pesquisa bibliográfica, foi possível explicar e delimitar os conceitos importantes para o desenvolvimento e conclusão após a pesquisa empírica qualitativa, a fim de dialogar com as versões dos autores junto ao objeto de estudo. 2.2 PESQUISA EMPÍRICA QUALITATIVA A pesquisa empírica qualitativa foi escolhida como ferramenta metodológica para esta pesquisa por buscar, segundo Fragoso, Recuero e Amaral (2011), uma compreensão aprofundada e holística dos fenômenos que vão ser estudados, os contextualizando e reconhecendo seu caráter dinâmico. Vale destacar que a pesquisa apresentada não busca  
  • 14. 13   quantificar o número dos fãs de Pokémon brasileiros, e sim, entender como eles interagem em comunidades virtuais. Seguindo esse modelo de ferramenta metodológica, o número de componentes da amostra não é tão importante e, sim, a relevância do que vai ser analisado. A seleção dos elementos do que vai ser observado é deliberado e de acordo com as características necessárias para se chegar a uma conclusão. 2.2.1 Seleção dos objetos Levando em consideração que o número de amostragem não é fator determinante na pesquisa empírica qualitativa, foram selecionados dois fóruns de discussão sobre Pokémon na internet. Algumas similaridades entre os dois foram determinantes para a escolha, evitando assim comparar duas comunidades virtuais de características muito convergentes entre si. Como critério foi delimitado que ambos os fóruns analisados deveriam estar ligados a algum fansite informativo, ter mais de cinco anos de existência (prevalecendo aqueles com idade similar) e ter sua estrutura voltada a atender várias áreas dos diversos produtos que formam a franquia Pokémon. Dentro dessas especificações os fóruns dos sites Poképlus e Pokémon Mythology foram escolhidos para a realização da análise. Feita a seleção, foi iniciada a observação da estrutura organizacional dos fóruns, levando em consideração a divisão de assuntos e a interatividade nos tópicos já ou então postado nos dias 5 de fevereiro a 5 de maio de 2012, durante uma hora por dia, mesmo que a amostragem releve o conteúdo selecionado e não o período. A amostragem abrangeu ainda a identidade dos usuários ativos nas interações observadas, que possibilitou ainda uma conclusão sobre o perfil dos fãs de Pokémon nos fóruns analisados. 2.2.2 Teoria Fundamentada Por trabalhar com muitos dados empíricos, a Teoria Fundamentada surgiu como uma boa opção para o desenvolvimento desta pesquisa. Dessa forma, a teoria emergiu a partir dos dados coletados, aplicados à uma observação sistemática, comparação, classificação e análise do que havia de similar na amostragem num geral. O resultado são variáveis, denominadas categorias, conceitos e propriedade que surgiram no processo de coleta e análise,  
  • 15. 14   principalmente pela sensibilidade teórica em aplicação ao que foi coletado. “Nota-se, portanto, que o envolvimento do pesquisador com o com o campo empírico é chave para a realização de uma boa análise. Quanto mais sistemático o processo e mais organizado o pesquisador, também” (FRAGOSO; RECUERO; AMARAL, 2011, p.89). Mesmo que na Teoria Fundamentada seja baseada no empírico e a pesquisa iniciada com uma abordagem indutiva, com os dados falando por si e não através de pré-noções, é importante que haja uma preconcepção de referencial teórico de outros autores. Nesse trabalho, essa fundamentação ocorre a partir do que é apresentado já na pesquisa bibliográfica, mas com novos apontamentos durante a descrição dos dados coletados.  
  • 16. 15   3 O TERMO FÃ E O SEU ESTUDO EM TRABALHOS ACADÊMICOS Os fóruns de discussão a serem analisados neste trabalho reúnem fãs de Pokémon. Esses interagem entre si a partir dos produtos que a franquia Pokémon oferece, de diferentes maneiras. Para melhor entender como é a relação dos usuários dos fóruns, faz-se necessário abordar a origem do termo fã e o seu estudo em trabalhos acadêmicos. Os fãs que conhecemos hoje surgiram junto ao nascimento das produções culturais com o poder de atingir o grande público. São indivíduos dedicados a estudar, comentar e reconhecer profundamente livros, filmes, gibis, seriados de TV, ou qualquer outro produto cultural que desperte seu interesse (LUIZ, 2009) Porém, foi nos últimos anos do século XIX em que surgiu o primeiro registro do termo fã. Segundo Monteiro (2007), sua utilização foi feita para caracterizar em jornais da época o seguidor de equipes esportivas profissionais. Naquele período o esporte se consagrava como uma forma de entretenimento comercial. Durante boa parte do último século, a simples menção da palavra fã parecia mais do que suficiente para acionar, na memória do público/leitor, um determinado conjunto de imagens ou práticas específicas, que quase sempre eram enunciadas de forma a depreciar o discurso desta categoria de consumidores. Espécie de vítima indefensável das estratégias de manipulação engendradas pela Indústria Cultural, cabia ao fã resignar-se de sua condição de extrema vulnerabilidade – vulnerabilidade esta que, no mais das vezes, era justificada em nome de um suposto ‘vazio existencial’ experimentado por ele, que então buscaria, na figura do ídolo ou no consumo ‘compulsivo’ de determinados produtos midiáticos, uma forma de compensar as fraturas da própria identidade. (MONTEIRO, 2007, p. 24). Diferente do atual século XXI, onde os fãs são definidos como condutores de uma rica produção dentro da nova economia digital e sua participação e comprometimento são alvo de interesse por parte de empresas (SILVA, 2009), Monteiro aponta que apenas se pode agrupar as representações de fã presentes em filmes, estudos e matérias jornalísticas relacionadas ao tema nos primórdios sob as imagens de “misantropo obsessivo” e a “massa de garotas histéricas”. Essas duas pré-concepções são decorrentes de um posicionamento crítico em relação aos efeitos desagregadores da modernidade ocidental. A partir disso teria iniciado um processo irreversível onde as comunidades tradicionais se esfacelariam e dessa forma possibilitado o enfim surgimento das sociedades de massa. Ainda segundo Monteiro, fragmentando o sentido de comunidade existente nas sociedades então tradicionais, a Modernidade teria inaugurado uma era consideravelmente  
  • 17. 16   carente de valores morais com função referencial ao indivíduo de forma estável. Assim a partilha de referências simbólicas – como a relação de solidariedade ou de crescimento conjunto – se inviabiliza na pretensão da vida moderna de universalização. Porém, o medo em ser assimilado pela massa faz com que a pessoa queira retirar-se da sociedade, buscando um mundo particular que ocasiona no afastamento social com família e amigos onde não existem valores considerados ultrapassados – e, o melhor, eles podem ser preservados. A isso se soma o fato do indivíduo solitário e com tendências misantrópicas também ser confrontado à diversidade de estilos de vida e modelos de comportamento sendo que ele só pode construir uma identidade. Por fim, ele se vê confrontado com problemas de identidade - impensável nas sociedades tradicionais e estáveis – e acaba por se questionar o sentido da própria existência. A imagem do ídolo surgiria, nesse momento, como um referencial absoluto em um mundo carente de referências estáveis. O ídolo é aquele que soube, diante da pluralidade de referências e estilos disponíveis, fazer as escolhas certas e construir uma identidade coerente em si mesmo. Uma vez que é essa coerência que o indivíduo almeja pra si, como forma de superar os abismos de sentido abertos pela Modernidade, a fixação pela imagem do ídolo surgiria como conseqüência desse vazio existencial. (MONTEIRO, 2007, p. 25). Monteiro explica que o fenômeno da idolatria remete, em última instância, às estratégias de significação mediante as quais determinados indivíduos organizam modalidades de “estar no mundo”. Perante a isso, por estarem submetidos a essa lógica padronizadora que visa lucro a qualquer custo, os produtos da Indústria Cultural seriam incapazes de espelhar os reais desejos e anseios do público, já que estes eram desenvolvidos com vistas a uma audiência massiva. Estar submetido à condição de dominado era algo até desconhecido por parte do consumidor e o fetichismo da mercadoria se tornou algo que logo poderia ser conceituado. Os autores vinculados à Escola de Frankfurt sustentavam de maneira indireta a produção de abordagens pioneiras no fenômeno da idolatria, ao determinar que fã apenas estaria associado ao consumo de produtos oriundos da cultura de massa, deixando o termo de “aficionado” seria mais adequado quando se fosse descrito o consumo de produtos considerados eruditos. Apresentada origem do termo parte-se para a história dos trabalhos acadêmicos sobre as práticas dos fãs. Esta, segundo Jenson (2001), Monteiro (2007) e Castellano (2009), pode ser dividida em duas épocas bastante distintas. Na primeira, o fã não só era encarado como objeto válido de estudo, como o olhar de desprezo lançado por esses teóricos sobre o fenômeno da tietagem tendia - sob forte influência da teoria crítica da Escola de Frankfurt - a  
  • 18. 17   uma associação entre este comportamento e uma atitude patológica. Assim o fã era o mais subjugado personagem dentro da massa de consumidores de produtos da mídia. Era o Outro. Com o advento dos Estudos Culturais se chega ao segundo momento histórico, quando, a partir da década de 1970, a mais nova forma de se enxergar o próprio processo comunicacional é acompanhada de uma outra percepção sobre a condição do fã. Agora ele é visto como um interessante objeto de estudo, já que ativo e capaz de negociar com elementos apresentados pela indústria cultural, o fã representa a nova concepção dos efeitos da cultura de massa, não se enquadrando, como anteriormente visto, em um simples consumidor passivo e manipulável (CASTELLANO, 2009, p.55). Acrescentando à questão do fã, o consumo também passa a ser visto como uma etapa fundamental no processo de socialização e formação da identidade dos indivíduos. Ele regula a demarcação de fronteiras no interior da sociedade, transcendendo a antiga concepção segundo a qual a esfera do consumo era associada a gastos de caráter compulsivo. Para Monteiro (2007), o que se destaca é que a celebração desmentida dos discursos e práticas do fã desconsidera alguns pontos importantes, como as condições de produção, as decisões econômicas e políticas que orientaram as estratégias de distribuição e comercialização do artigo midiático que não possuem relevância alguma ou, se possuem, é restrita exclusivamente ao propósito de identificar o “inimigo” contra o qual o fã irá se insurgir. De marionete da indústria do consumo e sério candidato ao manicômio judiciário, o fã se converte, pouco a pouco, no exemplo perfeito do receptor, criativo e produtivo. Dotado de uma liberdade quase ilimitada de subversão de códigos e resistência tática, os discursos e as práticas do fã passam a ser localizados em uma dimensão oposta à da lógica que rege a Cultura da Mídia. O fã é aquele que enxerga mais longe, mais rápido e em maior profundidade do que qualquer pessoa dita “normal”. Como se vê, o fã passa da patologia à celebração, mas continua concebido como um “outro extraordinário”, a despeito dos esforços em inserir os discursos e as práticas dos fãs em um registro pertencente à esfera do cotidiano. (MONTEIRO, 2007, p. 35). Descrevendo os pontos desconsiderados nos discursos anteriores e da mesma forma que os Estudos Culturais pensam o processo comunicacional como um circuito contínuo não linear, a relação fã-ídolo também pode ser concebida como um processo contínuo que jamais vai considerar cada elemento existindo isolado dos demais. Assim sendo, há três esferas em constante diálogo: a produção, que na imagem do ídolo como construção de sentido representa determinado sistema de valores, estimula ao fã investir numa sensibilidade particular de cunhos diversos; o consumo, que envolve a  
  • 19. 18   assimilação da mensagem e dos valores incorporados pelo ídolo na vivência cotidiana do fã e a relevância do mesmo no processo de construção da identidade individual e de sua sociabilidade; e o reinvestimento que corresponde à produção de novos conteúdos, significados e artigos midiáticos (como fanzines e websites) que configuram a atividade do fã como um processo de recepção eminentemente ativo, promovendo reinvestimento afetivo. Segundo Silva (2009), entre 1980 e 1990 os fãs eram constituídos como audiência de resistência, conhecidos por ativamente se apropriar e transformar a cultura de massa em seus próprios produtos culturais. Os fãs viviam às sombras na cultura de massas e mesmo já sendo atuantes, as empresas de mídia viam seus gostos como não-representativos em relação à população em geral. Consequentemente após esse período não tardou para a intensificação de diversos conflitos. As companhias midiáticas estão sendo reforçadas a reavaliar a natureza do envolvimento do consumidor e o valor da participação da audiência em resposta um descolamento dos ambientes midiáticos caracterizado pela digitalização e pelo fluxo dos meios através das múltiplas plataformas, além da fragmentação e da diversificação do mercado e do aumento do poder e da capacidade dos consumidores em dar forma ao fluxo e à recepção do conteúdo midiático. (GREEN; JENKINS, 2 2008, apud SILVA, 2009, p. 2) Para Monteiro (2007), durante muito tempo, ser um fã produtivo foi sinônimo de estar vinculado a determinado fã-clube e o resultado disso foi a predominância das análises sobre fã-clubes, ao invés de estudos voltados ao fã individual. Estas análises tendem a considerar fã “produtivo” ou o membro de um fã-clube como sendo “mais fã” do que o indivíduo que jamais participou de eventos ou ações sociais (convenção, compartilhar fan fiction ou ter o hábito de sair às ruas vestido como o personagem favorito da TV). Pode-se considerar mais intrigante investigar em que medida das práticas desse fã individual, até então não tão interessante, também se inserem em um contexto de interação sociocultural, em partida do pertencimento a uma comunidade simbólica, seja esta imaginada ou não-presencial, formada em torno de determinado artista ou produto midiático. É preciso destacar que na abordagem sobre estudos de fãs, desenvolvida por Jenkins (1992), é sugerido que a cultura dos fãs é um fenômeno complexo que envolve múltiplas formas de participação e níveis de engajamento, saindo da recepção imediata 2 Tradução de SILVA (2009) para “[…] media companies are being forced to reassess the nature of consumer engagement and the value of audience participation in response to a shifting media environment characterized by digitalization and the flow of media across multiple platforms, the further fragmentation and diversification of the media market, and the increased power and capacity of consumers to shape the flow and reception of media content”.  
  • 20. 19   do broadcast para a construção de formas alternativas de conteúdo e participação. Silveira (2009) esclarece que os fãs classificam a adesão ao fandom como um movimento que parte do isolamento cultural e social em direção a uma participação ativa em um grupo receptivo às suas produções no qual há um sentimento de pertencimento. Da mesma forma em que as contradições e conflitos fazem parte dos estudos sobre fãs, vê-se que estas situações também estão presentes nas próprias praticas destes indivíduos. Assim sendo, a compreensão das ações dos fãs dentro do contexto sociocultural e do pertencimento à determinada comunidade, formada pelo interesse comum por um determinado produto cultural, se faz necessária para que não se feche a análise e a interpretação das apropriações dos sujeitos (MONTEIRO, 2007). 3.1 FÃS, SUBCULTURAS E A CULTURA PARTICIPATÓRIA Ainda na busca de uma explicação acerca do conceito de fã – e já que se chega ao ponto de discutir comportamentos individuais e coletivos – chega-se à proposta de Grossberg (1992 apud SILVEIRA, 2009), que visualiza o comportamento colaborativo entre os fãs e a ação de resignificar os objetos de adoração como um modelo subcultural, onde os membros dessas subculturas são um grupo menor da larga fatia de fãs, que deseja agir de forma mais participativa, que busca uma experiência mais profunda e subjetiva do que simplesmente consumir o produto de interesse. Essa subcultura, segundo Luiz (2009), identificada pelo termo “cultura participatória”, permite que um fã de quadrinhos de super-heróis, por exemplo, escreva um conto ou produza um filme amador utilizando os personagens de que gosta em uma história adaptada de um gibi ou criada originalmente por ele. Apesar desse tipo de apropriação existir há décadas, o conceito de cultura participatória foi cunhado a partir dos estudos de Jenkins (1992), um dos primeiros pesquisadores a chamar a atenção para a importância dessa ‘cultura de fã’, a partir da expansão da internet, que permitiu uma maior facilidade de publicação e divulgação de textos, filmes, desenhos e diversas outras formas de expressão artística e cultural, fazendo com que esse tipo de atividade crescesse exponencialmente. (LUIZ, 2009, p.1) Já o termo “subcultura”, segundo Freire Filho (2007 apud SILVEIRA, 2009), surgiu na década de 1940, quando a juventude era vista como o novo segmento de mercado do pós- guerra. Se por um lado se via um precursor ambiente de desenvolvimento da economia  
  • 21. 20   capitalista a partir dos grupos de jovens, de outro, rejeitava-se este padrão de comportamento, criando a imagem fortemente ligada à resistência e à rebeldia. O conceito teve outra abordagem desenvolvida com os estudos do Centre Of Contemporary Cultural Studies (CCCS) da Universidade de Birmingham. Professores e alunos da instituição propuseram que se desse atenção à questão criativa relacionada às subculturas de forma positiva. As realizações das subculturas, suas produções e interações funcionariam como agentes de transformação social, ainda que não revolucionárias. A proposta do CCCS era, em síntese, desconstruir e destronar o conceito mercadológico de cultura juvenil e, em seu lugar, erigir um retrato mais meticuloso das raízes sociais, econômicas e culturais das variadas subculturas juvenis [...] era impreterível avaliar que função a apropriação (criativa, insólita, espetacular) de artefatos da cultura de consumo, do tempo e de espaços territoriais assumia perante as instituições dominantes hegemônicas. (FREIRE FILHO, 2007, p.33, apud SILVEIRA, 2009, p.2). A cultura participativa é o termo usado por Jenkins (2008) que Silveira (2009) explica como contexto atual de crescimento da participação e interferência do público nos processos de comunicação em diferentes suportes midiáticos. Na atualidade, os sujeitos têm como se apropriar de conteúdo, recriá-los e distribuí-los diferentes materiais de forma mais fácil, rápida e barata. Os créditos são obviamente às redes digitais, mas é preciso ter me mente que não é apenas a tecnologia que gera tais transformações sociais. Novas ferramentas e tecnologias de produção e distribuição, subculturas que estimulam a produção amadora de conteúdo e a tendência econômica que favorece a convergência de suportes e produtos midiáticos são três fatores que estimulam o crescimento da participação dos sujeitos. Se o ambiente midiático atual torna visível o trabalho, antes invisível, dos espectadores, é errado assumir que nós estamos de alguma forma sendo libertados pelo desenvolvimento das tecnologias. Ao invés de falar sobre tecnologias interativas, nós deveríamos documentar as interações que ocorrem entre os consumidores, entre conteúdo e consumidores; e, entre os produtores e os 3 consumidores. (JENKINS, 2006a, p.135, apud SILVEIRA, 2009, p.8) Embora estivesse ligada a hábitos de consumo e a uma produção mercadológica específica, a existência das subculturas e suas realizações indicava respostas dos sujeitos construídas a partir das suas condições de vida, tanto econômicas, quanto sociais e culturais. 3 Tradução de Silveira (2009) para “If the current media environment makes visible the once invisible work of media spectatorship, it is wrong to assume that we are somehow being liberated through improved media technologies. Rather than talking about interactive technologies, we should document the interactions that occur among media consumers, between media consumers and media texts, and between media consumers and media producers”.  
  • 22. 21   Mesmo assim não era negada a dimensão ideológica destes grupos, mas que, no entanto, a abordagem britânica enxergava na resistência das subculturas uma forma de busca pela existência coletiva. Silveira (2009) aborda a formação das subculturas a partir da articulação coletiva de sentidos que produzia uma identidade de grupo e um processo de reconhecimento com a alteridade. Assim, a transgressão presente em ações subculturais se dava a partir do momento em que o uso tradicional de um determinado produto cultural sofria alterações e adquiria um novo significado, sendo que desta forma a subversão dos usos convencionais de objetos despontava como uma leitura de oposição à proposta tradicional de consumo. Consequentemente a relação das subculturas com a cultura dominante se dava num contexto de opressão, conflito e luta. A pós-modernidade é o momento em que ocorre o desenvolvimento da cibercultura, que deve ser compreendida como a configuração da cultura contemporânea produzida a partir da conexão entre a socialidade e as novas tecnologias digitais. A tecnologia que faz parte desse processo, possui um potencial associativo e agregador, o que facilita a apropriação dos sujeitos e a utilização dessas ferramentas, a partir de demandas próprias de cada grupo de sujeitos (LEMOS, 2004). Para Felinto (2008), a cibercultura é o ápice da convergência entre as formas culturais e tecnologias, onde a expressão formas culturais deve ser entendida como a variedade de práticas sociais, econômicas e políticas. O entendimento da cibercultura deve envolver discursos sociais, narrativas ficcionais, realidades tecnológicas e práticas de consumo, isso porque, nesse contexto, surgem novas formas de sociabilidade, de relação entre a técnica e a vida social, que reconfiguram o consumo cultural e midiático gerando impactos econômicos, políticos, sociais e, obviamente, culturais. (SILVEIRA, 2009, p.3) Silveira (2009) dialoga com Jenkins (2008) sobre a necessidade do consumo cultural ser visto como uma ação coletiva que provoca mudanças de comportamento entre os interagentes e também por parte deles com os mercados e conteúdos de mídia. Numa visão de convergência de baixo para cima, os sujeitos estão em busca de novas e diferentes informações, participando da criação de produtos culturais amadores que derivem das produções da mídia de massa. Conforme afirma Anderson (2006), com a queda do custo de acesso à produção dos nichos amplia-se a possibilidade de encontro entre outros consumidores e estes produtos. A cultura da convergência se conceitua a partir de Henry Jenkins (2008) que interliga o movimento de convergência dos meios de comunicação a outros dois: a cultura participativa e a inteligência coletiva. O autor enfatiza que o termo não designa simplesmente uma mudança tecnológica, mas todo um processo, o qual envolve aspectos culturais, sociais e mercadológicos e que ocorre essencialmente nas interações entre os sujeitos e não apenas nas  
  • 23. 22   máquinas modernas que facilitam o múltiplo fluxo midiático. Silveira (2009) explicita a palavra convergência a partir da obra de Jenkins (2006) como a circulação de conteúdos por múltiplos suportes midiáticos, a cooperação entre diversas indústrias de comunicação e o comportamento migratório dos sujeitos que buscam experiências midiáticas diferenciadas e as transformações que esse movimento fomenta nos sistemas empresariais. Jenkins (2008) diz que fãs são exemplos claros desses novos consumidores, pois são eles o segmento mais ativo do público das mídias de massa, já que não se contentam apenas com o conteúdo que recebem e ainda querem se tornar parte do processo de produção e ir além do que foi disponibilizado. No que diz respeito ao comparativo entre o comportamento dos fãs durante a preponderância na mídia de massa e no momento atual onde esta coexiste em as redes digitais, é possível utilizar como ponto de partida de análise os três aspectos que Jenkins (1992) afirma serem centrais para a esfera da recepção dos fãs. São eles: a aproximação dos conteúdos de suas experiências pessoais, e releitura desses materiais e o processo pelo qual eles trocam informações com outras pessoas sobre o objeto de predileção. Nessas três propostas feitas pelo autor é possível fazer um paralelo mostrando as transformações ocasionadas pelas tecnologias digitais e a apropriação desta pela cultura dos fãs. (SILVEIRA, 2009, p.11). Jenkins (2006a) diz ainda que as habilidades de transformar reações pessoais em interações sociais e a “cultura do espectador” em cultura participativa é uma das principais características dos fãs. Uma pessoa não se torna fã por assistir regularmente a um programa de televisão, e sim, segundo o autor, por transformar este programa, no caso, ao assisti-lo, em algum tipo de atividade cultural, compartilhando opiniões e emoções com os amigos ou entrando em uma comunidade de fãs que dividem os mesmos interesses. A resposta dos fãs tipicamente envolve não apenas fascinação ou adoração, mas também frustração e antagonismo, e está é a combinação de duas reações que motivam seu engajamento ativo diante da mídia. Porque as narrativas populares com freqüência não satisfazem completamente, os fãs precisam lutar com elas, tentando articular entre para eles mesmos e outras pessoas possibilidades não realizadas dentro da narrativa original. (JENKINS, 1992, p.24)4 3.2 FANDOM Conforme salienta Mascarenhas (2010), com a cibercultura e o processo de evolução dos costumes culturais, fãs de produtos culturais deixam a “platéia” e passa a participar do 4 Tradução de Silveira (2009) para “The fans’ response typically involves not simply fascination or adoration but also frustration and antagonism, and it is the combination of the two responses which motivates their active engagement with the media. Because popular narratives often fail to satisfy, fans must struggle with them, to try to articulate to themselves and others unrealized possibilities within the original works”.  
  • 24. 23   espetáculo. Assim, devotos recriam culturalmente os produtos que consomem, mudando as características unilaterais do consumo. Nos fóruns de discussão analisados neste trabalho, por exemplo, se vê muito ações como esta. A tradução literal se refere ao reino dos fãs, pelo sufixo dom proveniente de kingdom (reino). O fandom caracteriza-se pelos laços de solidariedade criados entre os membros dessa cultura por compartilharem o mesmo interesse e sentimentos. O termo surge ainda em 1990, referindo-se à transformação de produtos da cultura de massa em um produto exclusivo da subcultura dos fãs, devido as suas reapropriações, as quais aconteciam como uma conseqüência do seu sistema organizacional ainda antes da internet, mas que apenas com o auxílio dessa suas ações ganharam maior notoriedade. O fandom contribui com a segmentação da internet e em uma era da propagação da cultura do gratuito no ciberespaço, acaba por sustentar inúmeras produções culturais, como veremos adiante nos estudos sobre o marketing direcionado. (MASCARENHAS, 2010, p.3) A movimentação dos fãs na criação de comunidades de conhecimento – e estruturada em bases tecnológicas e na interface de fácil acesso tal qual no ciberespaço – é baseada no conceito da inteligência coletiva e entendida como o espaço fluído que abarca as informações da internet, como aponta Lévy (2000). Segundo o autor, “se os outros são fonte de conhecimento, a recíproca é imediata” (LÉVY, 2000, p. 28). Esse pressuposto define então “uma inteligência distribuída por toda parte, incessantemente valorizada, coordenada e mobilizada em tempo real” (LÉVY, 2000, p. 30), que resulta em uma mobilização efetiva das competências de cada individuo para sua contribuição com o todo. O autor ressalta a necessidade do autoconhecimento para a colaboração com o conhecimento do grupo. Mascarenhas (2010) explica esse argumento com o fato de que pode- se compreender que “a inteligência coletiva existe em níveis diferentes, que estão naturalmente ligados às necessidades humanas e capacidade de raciocínio”. Acrescentando essa linha de pensamento, para Henry Jenkins, a inteligência coletiva refere-se “a essa capacidade das comunidades virtuais de alavancar a expertise combinada de seus membros” (2008, p. 54). Segundo Jenkins (2008), tendo a internet potencializando as ações coletivas, o vislumbre dos processos da inteligência coletiva dentro de comunidades de fãs no ciberespaço se ressalta ao fato das comunidades serem “as primeiras a adotar o uso criativamente de mídias emergentes”.  
  • 25. 24   3.2.1 Fandom como produtor cultural Por ter uma diversidade de ferramentas ao alcance, os fãs não recebem mais o status de reprodutores com suas sátiras da mídia de massa. Conforme Mascarenhas (2010), eles passam a ser classificados como produtores culturais. Tendo a internet não só como fonte de material, mas principalmente como fonte de divulgação, o fandom digitalizou os fanzines, publicações feitas por fãs de forma alternativa, e assim criaram os fansites, que por muitas vezes tem conteúdo mais vasto e coerente do que espaços virtuais oficiais dos ídolos, já que os fansites são frutos de comunidades colaborativas de conhecimento especializado. Do logotipo do site às camisetas vendidas para manter financeiramente a estrutura da página, vemos produtos de fanart, ou arte dos fãs, e que são consumidas e recriadas dentro do seu próprio círculo. Com a popularização do vídeo pelo formato flash, mais leve e naturalmente mais rápido que os demais, através do YouTube, as paródias ganham novamente destaque, mas emergem também recriações que apropriam-se do conteúdo intelectual de uma série televisiva, por exemplo, ao ter seus capítulos refeitos e divulgados pelos fãs, com o roteiro alterado. (MASCARENHAS, 2010, p.4). Mascarenhas (2010, p.4) ainda argumenta que em relação às narrativas impressas como grandes obras da literatura, é possível encontrar um “um universo paralelo de autores- fãs (ficwriter), com vários volumes publicados de suas histórias favoritas, reescritas de acordo com seu interesse pessoal e amplamente difundidas no ciberespaço”. Nos fóruns de discussão analisados nesse trabalho, existem áreas específicas para essas manifestações dos fãs. Compartilhar fanfics, fanart e vídeos se torna uma forma de demonstrar o envolvimento do indivíduo com Pokémon, sendo que o nível dessas produções beira o profissionalismo em alguns casos. Não há registros de que estas saíram do formato online, mas nem por isso desmerecem créditos. Como forma de estímulo, é comum dentro de um grupo de fandom realizar concursos internos. Os fãs compartilham suas produções temáticas ou reconhecem as que já foram feitas num período de tempo. As fanarts normalmente resultam em assinaturas a serem utilizadas no fórum, imagens de perfil ou sprites5 para apreciação. Como forma de inspiração, também são compartilhados trabalhos de fãs de outros sites. 5 Entende-se como sprite, dentro dos fóruns analisados, imagens adaptadas conforme a resolução dos jogos de Pokémon, como se fossem ser utilizadas por estes. Esses sprites podem ser de personagens humanos, pokémons (fieis aos originais ou com alterações de cor ou forma) ou novas criaturas, chamadas de fakémon pelos fãs.  
  • 26. 25   Figura 1 – Fanart (assinatura)6. Fonte: <http://www.pokemonmythology.org/t9638-presente-signs-publicas>. Acesso em: 17 abr. 2012 Figura 2 – Fanart (sprite recolorido)7. Fonte: <http://www.pokemonmythology.org/t30317p30-concurso-de-sprites-2-edicao>. Acesso em: 17 abr. 2012 Como as produções dos fãs variam conforme o produto ou ídolo admirado, é discutido no capítulo a seguir a cultura pop japonesa, onde o tema Pokémon, do qual os fãs são objeto desse estudo, estão inseridos. 6 Fan-art feita pelo usuário caioloko no fórum Pokémon Mythology . 7 Fan-art feita pelo usuário @Not no fórum Pokémon Mythology  
  • 27. 26   4 CULTURA POP JAPONESA Pokémon é um produto da cultura pop japonesa. Para melhor entender o nicho em que os seus fãs estão inseridos, vale destacar o contexto histórico e como esse surgiu, relacionando com diferentes fatores, a fim de servir também de embasamento para a análise que será apresentada no capítulo 6. A cultura, segundo Sato (2007) é baseada em consumo8 em qualquer parte do mundo, assim o que é pop acaba sendo essencialmente um fenômeno cultural e comercial. Coelho (1981) acrescenta que cultura pop é um sinônimo de cultura de massa. Sato (2007) complementa ainda que uma cultura pop possui diversas características como criação e divulgação de contos e novos ícones através da mídia, modismos, a popularidade de um produto, referencial comum e influência de uma cultura pop de um país para o outro. Lyuten (2005) diz que no Japão contemporâneo a cultura pop existe em várias formas, entre elas aspectos da música popular, no karaokê, games, desenhos animados (chamados animes), filmes e novelas de TV. Porém, “a forma que mais reflete a tradição cultural intensamente visual são os mangás (as histórias em quadrinhos japonesas) sendo que atualmente as imagens dos mangás, consumidos por milhares de pessoas semanalmente, mostram uma mudança de ideias políticas e culturais do oriente para o ocidente”. A autora enfatiza que os temas que envolveram a juventude japonesa em meados dos anos 70 e 80 se tornaram relevantes à juventude norte-americana, brasileira e europeia a partir da década de 90 e no novo milênio. 4.1 O SURGIMENTO DE MANGÁS E ANIMES Conforme Silva (2009), tanto mangás quanto animes são fenômenos de comunicação de massa que já fazem parte do cotidiano de jovens de diversas faixas etárias. Sua origem remonta à Idade Média japonesa. Segundo Luyten (2003), a partir do século XI teve início a produção de desenhos de origem sacra em rolos de papel. Com o Japão passando por guerras até o século XV, eram produzidos também cartuns de humor e outros temas populares. 8 Entende-se como conceito de consumo “o conjunto de processos socioculturais nos quais se realizam a apropriação e os usos dos produtos” (CANCLINI, 1999, p. 77).  
  • 28. 27   As gravuras em madeira do Período Edo representaram um grande salto para os quadrinhos japoneses, uma vez que estas estavam mais livres da arte tradicional, com as obras do artista Katsuchita Hokusai, que criou 15 volumes, designados Hokusai Manga, entre 1814 e 1849. A temática era a vida urbana, com humanos desenhados de forma caricatural. (SILVA, 2009. p.4) Silva (2009) cita que, com a abertura dos portos do Japão (ocorrida na Era Meiji, em 1853), começaram a entrar no país as influências estrangeiras. Os quadrinhos começaram a se transformar e se caracterizar como os atuais mangás. Para que isso ocorresse um dos fatores decisivos foi a chegada de jornalistas europeus - que faziam charges políticas nos periódicos daquela época. O nome mangá foi adotado anos mais tarde e se consagrou através do desenhista Rakuten Kitazawa. Carlos (2009) relaciona que o mangá moderno nasce dentro da lógica da Indústria Cultural sendo que o Japão é o país que mais consome e produz histórias em quadrinhos no mundo. Para Nagado (2007), esse fato se explica, pois o mangá é uma publicação de baixo custo e de fácil entendimento, além de reunir assuntos voltados a diferentes faixas etárias de uma forma muito rica. “Os japoneses transformaram os quadrinhos em uma poderosa literatura de massa, capaz de fazer frente ao aparente imbatível domínio da televisão e do cinema. Na verdade, o mangá exerce uma espécie de controle sobre a TV e o cinema japonês” (GRAVETT, 2006, p. 14-16). Em 1920 foi iniciada a produção de publicações para crianças e, em 1930, já havia uma segmentação nítida de públicos. Durante a Segunda Guerra, a produção de mangás foi praticamente extinta. A liberdade de expressão só era possível através de pequenos livros de capa vermelha, muito baratos, chamados akai hon. Eles traziam histórias desenhadas por artistas mal-remunerados. Só não lhes era permitido atacar, no conteúdo dos desenhos, as forças norte-americanas de ocupação. Foi neste período que apareceu Ozamu Tezuka, que trabalhou com os akai hon e recriou a linguagem do mangá. Autor de obras como Astro Boy e A Princesa e o Cavaleiro, Ozamu Tezuka, junto com outros artistas importantes, deu início à era moderna do mangá, em 1960. (SILVA, 2009. p.4). A produção voltada ao público adolescente, bem como a segmentação por sexo se deu após a Segunda Guerra Mundial. Silva (2009) destaca que o papel jornal utilizado nas revistas foi a alternativa disponível devido à escassez de recursos, assim como a impressão monocromática. Essas características ainda se mantiveram posteriormente. Segundo Silva (2009) atualmente cada revista contém de 400 a 500 páginas, trazendo diferentes histórias, de diferentes autores, com diferentes durações. “Essas publicações são geralmente semanais. Os autores, chamados de mangakás, detêm os direitos de suas histórias e recebem participação pelas vendas de produtos e criação de animes, por exemplo. Cada  
  • 29. 28   história é reeditada separadamente em tanko hon, livros de bolso mais caros, para coleção, com papel e impressão de melhor qualidade, geralmente publicados bimestralmente”. A autora explica também que as editoras japonesas atuam em segmentos de mercado com uma classificação detalhada que engloba temática, faixa etária e gênero. A classificação é de grande importância para que a difusão dos mangás aconteça em outros países. Entre as categorias estão: Shogaku (voltada ao púbico infantil, geralmente com temas didáticos e que aborda diferentes temas), Shoujo (para moças, com enredos melodramáticos e romantismo), e Shonen (para rapazes, com a temática constante dos valores da rigidez moral e força de espírito, sendo que a violência é a principal característica). Luyten (2003) salienta que existe produção editorial para todos os públicos, como, por exemplo, para mulheres e homens que já não são mais adolescentes e também para a terceira idade. A estética dos mangás, entretanto, ganhou destaque no ocidente através de alguns quadrinistas, como Frank Miller. Dessa volta a divulgação dos quadrinhos japoneses ganhou uma maior proporção. Só que, paralelo a isso, os desenhos animados – os animes – foram os responsáveis pela grande difusão dos mangás, cujos enredos penetraram na TV e, após, até no cinema. Tanto que, no Japão, o mais comum é que um mangá de sucesso origine um anime e, a partir disso, diversos produtos sejam licenciados. Carlos (2009) também ressalta essa característica e ainda faz uma analogia de uma particularidade do mercado nipônico de entretenimento com o que Henry Jenkins (2008) define como transmídia, ou seja, quando uma história se desenrola em múltiplos suportes midiáticos. Segundo a autora, é bastante comum no Japão que quadrinhos sirvam de base para versões em desenhos animados, videogames ou live-actions (gravações audiovisuais com atores reais). “Apesar de ser algo corriqueiro para o público japonês, esse processo não é tanto para o público ocidental, que vem a pouco se inserindo, em comparação com esse mercado oriental, nessa cultura de convergência, processo que altera tanto a forma de produzir como de consumir os meios de comunicação” (CARLOS, 2009. p.6). A autora enfatiza que desde a década de 60, muitas produções já eram exibidas em canais de televisões ocidentais. O sucesso, porém, veio somente nos anos 90 através dos animes como Cavaleiros do Zodíaco, Dragon Ball e Pokémon. Já os mangás, por sua vez, apesar de anteriormente apenas aparecerem de forma tímida no mercado mundial, começam a ganhar destaque através destes desenhos animados, gerando fãs específicos desses produtos.  
  • 30. 29   Figura 3 - Cavaleiros do Zodíaco. Fonte: <http://www.rpgvale.com.br>. Acesso em: 30 mar. 2012. Figura 4 – Dragon Ball. Fonte: <http://osguerreirosdragonball.blogspot.com/>. Acesso em: 30 mar. 2012. Silva (2009) também aponta o início da entrada dos animes no mercado na década de 60, quando se diferenciaram bastante das animações já existentes, tanto em questões visuais quanto na estrutura de seus enredos. Na década de 70 grandes sucessos foram os desenhos como Speed Racer e Astro Boy. Apesar de bem aceitos no ocidente, até a década de 80 tanto o mangá quanto o anime não estavam consolidados o suficiente para uma exportação expressiva. Mas em 1994 a indústria japonesa receberia um expressivo investimento que possibilitaria o começo da era moderna da cultura pop japonesa e sua difusão. Foi o boom dos animes e mangás no ocidente. (SILVA, 2009. p.6)  
  • 31. 30   Figura 5 – Speed Racer. Fonte: <http://seriesedesenhos.com/>. Acesso em: 30 mar. 2012. Gravett (2006, p. 156) estima que a indústria de mangá tenha um lucro de 5 bilhões de dólares por ano, embora somente há pouco tempo ela tenha se despertado ao mercado internacional. “De acordo com uma pesquisa recente do Instituto de Pesquisa Marubeni, as exportações de quadrinhos cresceram 300% entre 1992 e 2002, enquanto outros setores exibiram um crescimento de apenas 15%”. No Brasil, a primeira publicação data de 1988 (“O Lobo Solitário”) e por cerca de dez anos após poucos títulos foram lançado. Entre 1999 e 2001, esse panorama foi se alterando e em março de 2009 era possível encontrar 135 títulos publicados no Brasil por quatro editoras: Conrad, JBC, Panini e NewPOP4. Para se ter idéia da penetração dos audiovisuais do Japão, conforme a revista Henshin (2001), especializada em mangás e animes, entre 2000 e 2001 estavam sendo exibidos 30 animes e live-actions nos canais brasileiros. (CARLOS, 2009. p.6) 4.1.1 Popularização e realidade atual dos mangás e animes Segundo Silva (2009) há pouco mais de uma década, o acesso a animes no ocidente era bastante restrito. Mesmo nos Estados Unidos, poucos eram os títulos licenciados – geralmente feitos por empresas de pequeno porte e de capacidade de distribuição limitada. Como forma de popularizar os animes e também incentivar a distribuição de determinados títulos nos EUA e outros países, alguns fãs de animes decidiram criar seus próprios fansubs no começo da década de 90. Até então, a internet não tinha tantos usuários como hoje, e estes pioneiros usavam fitas de vídeo para distribuir os animes legendados pelos fansubs em detrimento do formato digital. (CINTAS; 9 SÁNCHEZ, 2006, p. 8) . 9 Tradução de Silva (2009) para “As a way to popularize anime programs and also to encourage certain titles to be distributed in the USA, and beyond, some anime fans decided to create their own fansubs in the early-90s. At the time, Internet had not as many users as it has nowadays, and these pioneers used to distribute fansubbed anime on videotapes rather than in digital format”.  
  • 32. 31   Figura 6 – Capa da primeira edição do mangá Pokémon Adventures Special. Fonte: <http://www.nautiljon.com/mangas>. Acesso em: 30 mar. 2012. Para Carlos (2009), a grande demanda por produções japonesas pelos fãs ocidentais “nunca foi completamente saciada pelas mídias tradicionais, ou especificamente, pelas empresas de cada respectivo mercado (impresso e audiovisual), principalmente quando esse fenômeno comunicacional iniciava-se”. A mobilização de fãs específicos é exemplificada por Moliné (2006), tomando como exemplo os fãs espanhóis de Dragon Ball, que começaram a se organizar independentemente da mídia comercial. O sucesso foi tão grande que, no início, a não-existência de merchandising baseado na série incentivou os próprios fãs a criarem o seu. Aconteceu um tráfego de fotocópias do mangá original japonês não só entre crianças e adolescentes, mas também entre jovens adultos. A dragonballmania ficou consolidada como o perfeito exemplo da maneira como um mito popular de massas pode ser criado a partir do clamor do público, sem campanhas publicitárias. (MOLINÉ, 2006. p. 59) Jenkins (2008) também exemplifica esta situação, porém nos Estados Unidos e em relação aos audiovisuais: Com o advento dos videocassetes, os fãs americanos conseguiram gravar os programas dos canais com transmissão em japonês e compartilhá-los com amigos de outras regiões. Logo os fãs começaram a fazer contatos no Japão – tanto a juventude local como militares americanos com acesso às novas séries. [...] Fã-clubes americanos surgiram para apoiar o armazenamento e a circulação de animação japonesa. Nos campi das faculdades, organizações de estudantes formaram grandes bibliotecas, com material legal e pirateado, e realizavam exibições destinadas a educar o público sobre os artistas, estilos e gêneros do anime japonês. O Anime Club, do MIT, por exemplo, organiza exibições semanais utilizando material de uma biblioteca com mais de 1.500 filmes e vídeos. (JENKINS, 2008, p. 211-212).  
  • 33. 32   Carlos (2009) aponta que inicialmente não havia tecnologia suficiente para a legendagem das cópias, então antes de iniciar a sessão quem tinha o conhecimento da história explicava para a plateia. Assim, nos fins dos anos 1980 e começo dos 1990, surge o ato de tradução e legendagem de audiovisuais, feita por fãs e que se denominou fansubbing. Silva (2009) define fansub como a produção de um programa japonês traduzido e legendado por fãs, uma atividade já tradicional e que tem em suas raízes na criação dos primeiros clubes de anime nas universidades americanas na década de 80. Já scanlation é uma tradução do mangá para outra língua, feita por fãs utilizando versões escaneadas das páginas da revista, onde as falas em japonês são apagadas e substituídas com suas respectivas traduções. Segundo a autora a popularização dos equipamentos utilizados foi fundamental neste caso, assim como o aparecimento dos editores de imagem. A autora cita também que no fim da década de 80, clubes de estudantes já possuíam um grande volume de material legal e pirata. No começo da década de 90, por sua vez, surgiram os fansubs como se conhece hoje, começando a traduzir e legendar de forma amadora, sem objetivos financeiros e para distribuir livremente os animes. Os sistemas de sincronização de tempo para VHS e S-VHS permitiram que os fansubbers dublassem as fitas ao reter o alinhamento exato do texto e da imagem. Os custos elevados dos equipamentos mais avançados significaram que o fansubbing permaneceria um esforço coletivo: os clubes aliavam o tempo e os recursos para assegurar que sua série favorita alcançasse um público amplo. Como os custos caíram, a atividade de fansubbing se espalhou. Rapidamente os clubes passaram a usar a internet para coordenar suas atividades, copiar série em DVD, e assim alcançar uma comunidade mais ampla para tradutores em potencial. (JENKINS, 10 2008) Silva (2009) fala ainda que grandes eventos sobre animes começavam a ser realizados no mundo na época, principalmente nos Estados Unidos, trazendo artistas e empresas japonesas – estas com uma primeira chance real de resultados no mercado americano, sendo a primeira porta de entrada para o conteúdo japonês no ocidente. Porém, foi com a disponibilidade do computador pessoal e a internet, já na década de 90, que as atividades dos fãs foram revolucionadas, potencializando o fenômeno para todo o 10 Tradução de Silva (2009) para “Time-synchronized VHS and S-VHS systems allowed fansubbers to dub tapes while retaining accurate alignment of text and image. The high costs of the earliest machines meant that fansubbing would remain a collective effort: Clubs pooled time and resources to ensure their favorite series reached a wider viewership. As costs fell, fansubbing spread outward. Soon clubs were using the Internet to coordinate their activities, divvying up series to subtitle and tapping a broader community for would-be translators”.  
  • 34. 33   mundo. Nesse contexto Jenkins (2008) também acredita que atribui-se à atividade dos fansubs e scanlators a popularização do conteúdo japonês. As vendas globais da indústria da animação japonesa alcançaram surpreendentes $80 bilhões em 2004, dez vezes o valor alcançado uma década antes. Esse sucesso mundial em parte foi alcançado porque as companhias japonesas prestaram pouca atenção aos tipos de atividade de base – chamada de pirataria, duplicação e circulação desautorizada, ou simplesmente o compartilhamento de arquivos – que as companhias midiáticas americanas parecem tão determinadas a interromper. Muito dos riscos relacionados à entrada nos mercados ocidentais e muitos os custos de experimentação e promoção foram assumidos por consumidores dedicados. 11 (JENKINS, 2006b apud SILVA, 2009, p.8) Para Carlos (2009), mesmo com o sucesso dos produtos midiáticos japoneses e a tentativa de fãs de colocá-los em circulação para conhecimento e consumo, as dimensões desse fenômeno não eram tão enormes como se tornariam no ciberespaço. Com o advento dos computadores, principalmente no que tange seus softwares, e a internet, o acesso (característica da cultura digital, conforme Santaella) e circulação dos mangás e audiovisuais ficou muito mais fácil de diversas formas. Primeiro porque se torna menos difícil disponibilizar/conseguir o material bruto (independentemente do suporte original), bastam os recursos de gravações e cópias já não tão incomuns. Segundo, com os diversos programas que os computadores possuem (ou podem ser baixados), a edição de mangás e a legendagem de animes ou live-actions tornou-se mais simples e acessível. Terceiro, essa circulação de originais digitalizados e editados não dependem de localizações geográficas. Quarto, o tempo de todo esse processo (disponibilização, edição, consumo) na rede é, por vezes, diferente em comparação às mídias tradicionais. Quinto, os títulos são escolhidos conforme os interesses dos fãs, não mais sujeitos apenas aos interesses das empresas. (CARLOS, 2009, p. 8) Carlos (2009) diz também que assim um determinado grupo de fãs, cujos integrantes localizam-se em diferentes cidades, estados ou mesmo país, pode resolver editar um mangá através de programas de edição e o disponibiliza em um site ou blog para leitura online ou download. Tal mangá pode ser escolhido porque o grupo, por exemplo, só edita quadrinhos voltados para o gênero feminino ou de um determinado quadrinista. E ainda, tal título pode estar sendo naquele mesmo momento publicado no Japão e, em cerca de uma semana, o grupo já oferece a versão digital editada gratuitamente. (CARLOS, 2009, p.8) 11 Tradução de Silva (2009) para The global sales of Japan’s animation industry reached an astonishing $80 billion in 2004, 10 times what they were a decade before. It has won this worldwide success in part because Japanese media companies paid little attention to the kinds of grassroots activities — call it piracy, unauthorized duplication and circulation, or simply filesharing — that American media companies seem so determined to shut down. Much of the risk of entering Western markets and many of the costs of experimentation and promotion were borne by dedicated consumers”.  
  • 35. 34   A autora vê que o cenário atual do consumo de produtos da cultura pop japonesa passa em grande parte pela cibercultura. Segundo ela, o público não mais está “preso” ao que os canais de televisão exibem ou ao que as editoras publicam. “Na internet, a liberdade de consumo é maior, cada um escolhe o que deseja e se, quiser, mais do que escolher o que ler ou assistir, também pode fazer parte do processo de disponibilização desses conteúdos” (CARLOS, 2009, p.8). Para Lévy (2000) é nesse cenário que existe a construção de uma inteligência coletiva, em que cada um contribui com o pedaço de informação que possui para uma obra maior: Todas as pessoas e grupos realmente desejosos de publicar um texto, uma música ou imagens na World Wide Web podem fazê-lo, tornando as informações disponíveis para um vasto público internacional. Cada um pode assim contribuir para a confecção do imenso hiperdocumento mundial. (LÉVY, 2000, p. 208). Levando isso em consideração, Carlos (2009) acredita que o pop japonês foi adentrando o Ocidente parte por iniciativas privadas, mas principalmente por uma movimentação de fãs ávidos por consumir esses produtos. A partir desse apontamento, entramos no objeto Pokémon, mesmo que este, como vai ser descrito, não tenha tido sua expansão inicial por reivindicação de fãs, a ação destes foi e é determinante para que a franquia se mantenha em nível global. 4.2 POKÉMON Pokémon (nome abreviação de “pocket monster”) surgiu no Japão em 1995, através dos jogos de Gameboy12 chamados Pokémon Red e Pokémon Green. A marca, criação dos amigos Satoshi Tajiri (programador) e Ken Sugimori (desenhista e designer), se expandiu rapidamente para outras plataformas, gerando histórias em quadrinhos (mangás), desenhos animados (animes), filmes, cards, bonecos, jogos de vídeo, entre outros. No ano seguinte a franquia ganhou o mundo com a sua expansão aos Estados Unidos (ALLISON, 2002). Tobin (2002) ressalta ainda que com o crescimento de Pokémon fez com que diferentes empresas se licenciassem junto à franquia, incluindo GameFreak, Creatures,Inc., Shogakukan Comics e TV Tokyo, além das companhias estrangeiras, como a subsidiária Nintendo of América, a Wizards of the Coast (agora uma divisão da Hasbro), 4Kids Entertainment e a Warner Brothers Network. Dessa forma, a Nintendo criou um conjunto de 12 Console de videogame portátil na Nintendo.  
  • 36. 35   produtos inter-relacionados que dominaram o consumo infantil de 1996 a 2000, aproximadamente. A trama-comum que gira em torno dos produtos (mangá, anime e games) é a do protagonista que busca se tornar um mestre pokémon. Para isso, é necessário capturar todos os 151 pokémons (esse número foi se expandindo conforme criadas as novas "gerações" e atualmente são mais de seiscentos) que habitam o pokémundo. Nesse mundo, qualquer um pode se tornar um mestre como Satoshi (Ash, em inglês), que, no anime, é o personagem central, de 11 anos, e que segue sua jornada junto de dois companheiros: Misty (uma menina de 11 anos) e Brock (rapaz de 15). Nos games, o jogador precisa capturar e controlar seus pokémons – estes que são criaturas semelhantes a animais ou monstros – evoluí-los através de experiência adquirida em batalhas e conquistar vitórias contra líderes de ginásio e contra os campeões da Liga Pokémon (competição que define os mestres Pokémon). “Gotta catch’em all” é o lema de Pokémon, que, traduzido para a língua portuguesa significa “temos que pegar todos”. FIGURA 7 – Tela inicial do jogo Pokémon Green Fonte: <http://pokemondome.zxq.net/?page_id=10>. Acesso em: 29 abr. 2012. No auge da franquia, os executivos da Nintendo estavam otimistas de que tinham um produto como Barbie e Lego – que iria vender para sempre – e que, como Mickey Mouse e Pato Donald, se tornariam ícones duradouros em todo o mundo. Mas até o final de 2000, a “febre Pokémon” já havia diminuído no Japão e nos Estados Unidos, mesmo que os mesmos produtos já existentes estivessem sendo lançados em outros países, inclusive o Brasil.  
  • 37. 36   4.2.1 Pokémon: no contexto da história japonesa Segundo aponta Tobin (2002), para entender melhor o significado cultural e econômico de Pokémon no Japão contemporâneo, é preciso analisar o desenvolvimento e comercialização da franquia no contexto da história japonesa. Em 1854, quando o comodoro dos EUA, Matthew Perry, levou sua frota na Baía de Tokyo, a estratégia secular do Japão de barrar as idéias e mercadorias ocidentais chegou ao fim. Em resposta à ameaça do poder militar ocidental, a estratégia do Japão mudou para um empréstimo, domesticando as mercadorias estrangeiras e conceitos, mas mantendo valores fundamentais japoneses, como resumido pelo mantra "espírito japonês, aprendizagem ocidental". Durante os anos que antecederam, inclusive a Segunda Guerra Mundial, o Japão mudou de curso e seguiu uma abordagem agressiva no relacionamento com o Ocidente e para a Ásia. O período pós-guerra foi um segundo período de empréstimo cultural intenso, desta vez juntamente com crescente sucesso na venda de "produtos ocidentais" para o Ocidente. O Japão começou a reconstruir sua economia no pós-guerra, exportando bens simples e baratos, mas na década de 1970 o Japão estava desfrutando de sucesso de ser um produtor de alta qualidade, com produtos de alta tecnologia como relógios, câmeras e carros. Na década de 1980, tendo estabelecido uma posição dominante no mercado global em produtos eletrônicos domésticos, o Japão parecia bem posicionado para reinar por muitos anos como uma das nações economicamente mais poderosas do mundo. Mas enquanto os americanos se preocuparam com a forma de jamais fechar o déficit comercial com o Japão, muitos japoneses sabiam que o sucesso era frágil. A fórmula do pós-guerra do Japão para o sucesso econômico, baseado na exportação de bens de consumo e hardware do computador para o Ocidente, provou ser difícil de manter, porque como o padrão japonês de vida e os salários cresceram, tornaram-se vulneráveis à concorrência 13 desleal de outros países (TOBIN, 2002, p. 54, tradução nossa) O autor destaca ainda que, antecipando o rumo dos acontecimentos, pelo início dos anos 1980, as empresas japonesas e planejadores econômicos do governo mudaram estrategicamente a economia da indústria pesada de alta tecnologia e de alta tecnologia para produtos de informação e cultural. A maioria dos produtos que circulam globalmente, produzidos em território japonês são sistemas de som, televisores, videocassetes, aparelhos 13 “In 1854, when U.S. Commodore Matthew Perry led his fleet into Tokyo Bay, Japan’s centuries-old strategy of barring Western people, ideas, and goods came to end. In response to the threat of Western military power, Japan’s strategy changed to one of borrowing and domesticating foreign goods and concepts while retaining Japanese core values, as summed up by the mantra of that era: ‘Japanese spirit, Western learning’. During the years leading up to and including World War II, Japan switched course and pursued a belligerent approach in relating to the West and to Asia. The postwar period was a second period of intense cultural borrowing, this time coupled with growing success in selling ‘Western goods’ to the West. Japan began rebuilding its postwar economy by exporting simple, inexpensive goods; but by the 1970s Japan was enjoying success as a producer of such high quality, high-tech goods as watches, cameras, and cars. In the 1980s, having established dominance in the global market in home electronic goods, Japan seemed well positioned to reign for many years to come as one of the world’s most economically powerful nations. But while Americans fretted about how we would ever close the trade gap with Japan, many Japanese knew their success was fragile. Japan’s postwar formula for economic success, based on exporting consumer goods and computer hardware to the West, proved to be difficult to maintain because as the Japanese standard of living and salaries rose, they became vulnerable to being undercut by other countries”.  
  • 38. 37   de CD e DVD, máquinas de karaokê, e computadores, mas grande parte do conteúdo que alimentava essas máquinas era produzida em Los, Angeles e Nova York. Na falta de software próprio, na década de 1980 e início de 1990, Sony e outras empresas de hardware japonesas investiram em estúdios de cinema americanos, gravadoras e editoras. O desafio para o Japão em meados dos anos 1990 era mudar a forma de compra de direitos para os produtos da cultura Western para a produção de produtos de exportação com cultura própria. Conforme relaciona Tobin: O Japão tem uma indústria de forte cultura nacional, com bilhões de ienes gastos anualmente em filmes produzidos internamente e consumidos, música pop, programas de televisão e equipes esportivas. Mas converter esse mercado interno para um sistema internacional foi uma tarefa assustadora. Apesar de seu sucesso na venda de hardware para o Ocidente, com a notável exceção das vendas de jogos de computador em todo o mundo e música pop e direitos de transmissão televisiva do show em Taiwan e Hong Kong (Iwabuchi, 1998), o Japão teve pouco sucesso e de fato fez relativamente poucas tentativas agressivas para exportar software cultural. 14 (TOBIN, 2002, p. 55, tradução nossa) O autor frisa ainda que o Japão sofre com um grande déficit no intercâmbio de produtos culturais com o Ocidente. Como exemplo, cita que os filmes americanos estão entre os principais destaques no Japão seguidamente, enquanto os filmes japoneses apenas são apresentados em casas de arte nos Estados Unidos. Até o Jazz recebe um forte apoio em Tóquio mais do que em Nova York. A música pop americano e britânica concorre seguidamente ao topo das paradas japonesas, mas a japonesa encontra apenas um nicho de mercado fora da Ásia. Perante as informações apresentadas, Tobin (2002) chega a um questionamento, sobre o motivo desse desequilíbrio comercial cultural. Argumenta que isso se dá, principalmente, pelo efeito lingüístico e da hegemonia cultural do Ocidente anglófono, sendo que o poder econômico e cultural adquirido a nível mundial nos últimos três primeiros séculos pela Inglaterra e depois pelos Estados Unidos resultou que o japonês e outros povos que não tem a língua inglesa como oficial tiveram de aprender a consumir produtos culturais de língua estrangeira enquanto os americanos e britânicos não. Isso é perceptível, inclusive, no enredo do anime de Pokémon. 14 “Japan has a robust domestic culture industry, with billions of yen spent each year on domestically produced and consumed movies, pop music, television shows, and sports teams. But converting this domestic market to an international one is a daunting task. Despite its success in selling hardware to the West, with the notable exception of computer game sales worldwide and pop music and television show rights in Taiwan and Hong Kong (Iwabuchi, 1998), Japan has had little success and in fact has made relatively few aggressive attempts to export cultural software”.  
  • 39. 38   Produtos japoneses exportados, incluindo Pokémon, já são uma mistura de elementos nativos e emprestados, antes mesmo de serem submetidos a reembalagem de seus exportadores japoneses jus a localização por seus importadores estrangeiros. Ironicamente, muitos dos episódios de televisão Pokémon que foram considerados inadequados para lançamento nos Estados Unidos apresentam elementos em seu enredo que são explicitamente euro-americanos de origem. Elementos, incluindo que os personagens Misty, a Equipe Rocket e mãe de Ash que entram em um concurso de beleza em Acapulco, um guarda-florestal que aponta sua arma para Ash, ou Ash e Misty se comportando como Tarzan, sendo criança selvagens na 15 selva. (TOBIN, 2002, p. 55, tradução nossa) 4.2.2 Pokémon como fenômeno global O sucesso de Pokémon não veio ao acaso. Produtores da franquia decidiram previamente que para este se tornar algo global, era preciso reduzir a sua identidade cultural. Conforme Tobin, uma suposição comum da indústria cultural global e popular é que para um produto cultural japonês encontrar um mercado de massa no exterior, não deve parecer-se “muito japonês”. O que pode ser feito é basear-se a sua concepção em algo específico e ter referências, mas ignorar ou apagar o que explicitamente japonês. Isso, porém, não é sugerir que não há nada de japonês em Pokémon. Tobin (2002) salienta que tanto o game Pokémon, o anime e os filmes têm muitos distintamente elementos japoneses e outras preocupações. 15 “Japanese products exported abroad, including Pokémon, are already a mixture of indigenous and borrowed elements even before they are subjected to repackaging by their Japanese exporters and localization by their foreign importers. Ironically, several of the Pokémon television episodes that have been considered inappropriate for release in the United States feature plot elements that are explicitly Euro-American in origin, elements including the Pokémon characters Misty, Team Rocket, and Ash’s mother entering a beauty contest in Acapulco; a six-gun toting game warden who points his pistol at Ash; and a Tarzan-like feral child Ash and Misty meet in the jungle”.