Este documento apresenta um resumo de três frases de um trabalho de conclusão de curso sobre redes sociais e interatividade no celular. O trabalho discute a evolução histórica dos sistemas de telefonia celular e dos aparelhos, o celular como campo de estudos comparando os modelos japonês e norte-americano, a convergência de mídia e novas possibilidades de uso, interatividade e imersão, interface, teoria de redes, linguagens, expressão individual, consumo, marketing, e tendências futuras. O autor realizou uma
Redes Sociais e Interatividade no Celular: Novas possibilidades no modelo Japonês e Norte-Americano.
1. UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA
FACULDADE DE COMUNICAÇÃO SOCIAL
Gustavo Dore Rodrigues
Redes Sociais e Interatividade no Celular:
Novas possibilidades no modelo Japonês e Norte-Americano.
Juiz de Fora
Novembro de 2008
2. Gustavo Dore Rodrigues
Redes Sociais e Interatividade no Celular:
Novas possibilidades no modelo Japonês e Norte-Americano.
Trabalho de Conclusão de Curso
Apresentado como requisito para a obtenção de
grau de Bacharel em Comunicação Social
na Faculdade de Comunicação Social da UFJF
Orientador: Prof. Dr. Potiguara Mendes da
Silveira Jr.
Juiz de Fora
Novembro de 2008
3. Gustavo Dore Rodrigues
Redes Sociais e Interatividade no Celular:
Novas possibilidades no modelo Japonês e Norte-Americano.
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito para obtenção de grau de
Bacharel em Comunicação Social na Faculdade de Comunicação Social da UFJF.
Orientador: Prof. Dr. Potiguara Mendes da Silveira Jr.
Trabalho de Conclusão de Curso aprovado em 27/11/2008
pela banca composta pelos seguintes membros:
____________________________________________________
Prof. Dr. Potiguara Mendes da Silveira Jr. (UFJF) - Orientador
____________________________________________________
Profa. Dra. Francisco José Paoliello Pimenta (UFJF) - Convidado
____________________________________________________
Prof. Dr. Nilson Assunção Alvarenga (UFJF) – Convidado
Conceito obtido _______________
Juiz de Fora
Novembro de 2008
4. Dedico esse trabalho a todos que, como eu,
são apaixonados pelas novas gadgets e acham
que podem fazer dessa paixão algo
interessante e divertido.
5. AGRADECIMENTOS
Agradeço primeiramente aos meus pais, Vertulino e Rita, que
sempre me incentivaram e por me proporcionarem um ambiente de
estudo muito agradável, além de terem cedido todo o espaço de
todas as prateleiras para os meus livros e quadrinhos. Ao meu irmão
Bruno por sempre me dar atenção quando foi preciso. Peço
desculpas por não ter-lhes dedicado maior atenção.
Agradeço a todos os professores da Facom, que ajudaram a
construir minhas bases de pensamento. Em especial, à professora
Marta Pinheiro, que me deu um pontapé incial.
Agradeço ao governo japonês por ter me dado suporte durante um
ano em seu país. Algo que mudou o rumo e o ritmo da minha vida.
Ao Kazuo Sato Sensei, que me convidou para suas aulas e fez da
minha visita ao Japão algo muito mais prazeroso e profundo.
Agradeço a todos os amigos do PET que estavam sempre abertos
para o debate de idéias. É um lugar muito especial para mim pois só
ali me sentia “em casa” dentro da Facom. Um grande abraço para o
nosso tutor, Francisco Pimenta, que me mostrou que para sermos
sérios não precisamos ser chatos.
Agradeço, principalmente, ao amigo e professor Potiguara Mendes
da Silvera Jr., que me mostrou que havia espaço para pensar
diferente. Obrigado por todo o apoio e incentivo. Foi um grande
prazer ter sido seu orientando.
Por último, à Nintedo, à Shonen Jump, ao Foo Fighters, aos
Beatles, à Sony, à Marvel, ao Bill Waterson, ao Charles Schultz, à
JK Rowling, ao Isaac Asimov, ao Tarantino, ao Laerte, ao 10
pãezinhos e muitos outros, que por meio de seus produtos culturais
moldaram não só a minha personalidade, mas meu senso estético e
me proporcionam horas infinitas de prazer.
6. RESUMO
Estudo sobre a convergência de mídia com base nas teorias de rede e emergência.
Utilizando como referência teórica os estudos já feitos sobre celular no Brasil, Estados Unidos
e Japão, pretendemos discutir mudanças tecnológicas e socias dele advindas. A comparação
entre os modos de utilização nos três países pode contribuir para mostrar novas possibilidades
de seu uso no Brasil. Uma pesquisa de campo com universitários de Juiz de Fora completa o
trabalho.
Palavras chave: telefone celular; keitai; redes; interatividade; interface
7. SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO.................................................................................................................. 1
2 EVOLUÇÃO DO SISTEMA DE TELEFONIA CELULAR.......................................... 3
2.1 SISTEMAS DE TRANSMISSÃO.................................................................................... 3
2.2 TRÊS GERAÇÕES DE APARELHOS............................................................................. 6
3 O CELULAR COMO CAMPO DE ESTUDOS.............................................................. 8
3.1 PESSOAL, PORTÁTEIS E PEDESTRES – POR QUE O JAPÃO?................................ 9
3.2 CONSIDERANDO O AMBIENTE.................................................................................. 11
3.3 RELEVÂNCIA DO TEMA E METODOLOGIA EMPREGADA................................... 14
4 CONVERGÊNCIA DE MÍDIA: CELULAR COMO CULTURA POP........................ 16
4.1 EVOLUÇÃO E NÃO LINEARIDADE............................................................................ 16
4.2 A PRÓTESE DO LEITOR IMERSIVO............................................................................ 18
5 INTERATIVIDADE E IMERSÃO................................................................................... 20
5.1 INTERAÇÃO: CARACTERÍSTICAS DE EMERGÊNCIA............................................ 22
5.2 POSSIBILIDADES DE IMERSÃO................................................................................. 26
6 INTERFACE: UNINDO INTERATIVIDADE E IMERSÃO........................................ 29
6.1 A TV PARA CELULAR.................................................................................................... 32
6.2 INTERNET PARA CELULAR......................................................................................... 33
7 TEORIA DE REDES E CELULAR................................................................................. 37
7.1 REDES ALEATÓRIAS..................................................................................................... 40
7.2 SEIS GRAUS DE SEPARAÇÃO E A TEORIA DO MUNDO-PEQUENO.................... 41
7.3 REDES SEM ESCALA..................................................................................................... 43
7.4 REDES SOCIAIS ON-LINE E OFF-LINE: UMA BARREIRA QUE SE DISSOLVE... 44
8 LINGUAGENS E EXPRESSÃO INDIVIDUAL............................................................. 47
8.1 POSSIBILIDADES NA EDUCAÇÃO............................................................................. 49
8.2 VOZ OU MENSAGEM.................................................................................................... 50
9 FETICHE E CONSUMO.................................................................................................. 52
9.1 MARKETING E PUBLICIDADE.................................................................................... 54
9.2 NOVOS MODELOS E A 3G............................................................................................. 56
10 PESQUISA........................................................................................................................ 58
10.1 CONSUMO: MERCADO, DESIGN, FUNCIONALIDADE E PERSONALIZAÇÃO.59
10.2 AS REDES SOCIAIS...................................................................................................... 62
11 REALITY MINING E OUTRAS TENDÊNCIAS......................................................... 67
11.1 GARIMPANDO A REALIDADE................................................................................... 67
11.2 OUTRAS POSSIBILIDADES........................................................................................ 70
12 CONCLUSÃO.................................................................................................................. 73
13 REFERÊNCIAS............................................................................................................... 77
8. 1
1 INTRODUÇÃO
Este trabalho inicia as pesquisas sobre telefones celulares no campo da comunicação
em Juiz de Fora. Durante os próximos capítulos serão apresentados estudos sobre redes
sociais, design, comportamento, interface e consumo. Por toda a pesquisa, comparações com
estudos norte-americanos e, principalmente, japoneses serão realizados a fim de apontar
diferenças e similaridades culturais para proporcionar o entendimento de possibilidades
futuras no uso dos telefones celulares pelos brasileiros.
O capítulo 2 mostra uma breve história do desenvolvimento dos sistemas de
transmissão e dos aparelhos celulares. Dados estatíticos com relação às tecnologias de
transmissão, ao número de usuários, e às gerações de telefonia celular são discutidos com
bases histórico-econômicas
O capítulo 3 apresenta o campo de estudos, considerando as especificidades do
telefone celular, a relevância do Japão para a pesquisa, a importância do tema e a metodologia
empregada. O capítulo 4 discute as novas tendências com relação a convergência de mídias, a
evolução dos formatos e conteúdos, e à mudança do próprio receptor, trazendo as bases para
as discussões nos próximos capítulos.
Na 5ª parte deste trabalho, a interatividade e imersão para o celular são analisadas por
meio de comparações com jogos eletrônicos, internet, e interfaces de realidade virtual. O 6º
capítulo complementa o 5º, trazendo a interface como elemento unificador entre as discussões
9. 2
de formatos e interação. Neste capítulo também são levantadas discussões sobre a adaptação
de formatos para uma nova TV e internet pelos aparelhos portáteis.
No capítulo 7 está a principal parte do trabalho. As teorias de redes são apresentadas
como base para as discussões sobre redes sociais on-line e off-line. A teoria de redes sem
escala, de László Barabási, em complento à teoria de MD Magno, é utilizada como
fundamentação teórica para a pesquisa.
O 8º capítulo levanta questões sobre mudanças de linguagem, comportamento e
expressão individual. Possibilidades ligadas à educação também são debatidas. A 9ª parte da
pesquisa considera o consumo e as implicações da evolução da telefonia celular no marketing
e na publicidade, já considerando a tecnologia 3G.
A pesquisa de campo é o foco do 10º capítulo. O método de pesquisa é descrito
detalhadamente e são abordadas questões relativas a consumo e à formação de redes sociais e
localização de pólos de contatos. O 11º capítulo mostra tendências para a utilização do
telefone celular nos próximos anos e no futuro. O capítulo 12 apresenta a conclusão do
trabalho e caminhos para novas pesquisas.
Divirtam-se.
10. 3
2 EVOLUÇÃO DO SISTEMA DE TELEFONIA CELULAR
Em 1959 foi criado o primeiro aparelho de telefonia móvel. Foi desenvolvido pela
Ericson e pesava cerca de 40 quilos. Era chamado de sistema automático de telefonia móvel, e
não passava de um emissor de freqüências de rádio. Foi utilizado por navios e automóveis.
Em 1973, a Motorola faz a primeira chamada de um telefone celular. Porém, só em 1983 ele
passa ser comercializado nos Estados Unidos. No Brasil, as políticas públicas de telefonia
celular foram decididas em 1984, com o sistema americano sendo adotado. Em 1990 dez mil
linhas são implantadas no Rio de Janeiro, mas apenas em 1993 o telefone celular passa a ser
comercializado em grande escala no país. No Japão, começou a ser comercializado em 1987,
mas não atingiu popularidade até 1993.
A partir do começo da década de 90, o telefone celular passa a evoluir em formatos,
duração da bateria, qualidade de som, interface. As mensagens de texto, SMS (Short Mesage
Service), foram inventadas no fim da década de 80 e em 1992 começam a ser utilizadas na
Inglaterra. Em 1999 a empresa japonesa NTT DoCoMo lança o i-mode, que possibilita o
acesso à internet. Ele passa a possuir três formas básicas de comunicação: por voz, mensagem
de texto e e-mail.
2.1 SISTEMAS DE TRANSMISSÃO
Ao mesmo tempo em que os aparelhos evoluem, os sistemas de transmissão de dados
11. 4
estão constantemente sendo aprimorados. A Europa, no começo da década de 80, tinha
sistemas diferenciados de telefonia móvel para cada país. Em 1981, os estudos
franco-germânicos ganham destaque e se denominam GSM, Groupe Spécial Mobile. Com a
adesão de outros países, o grupo vai crescendo até ser implantado, em 1989, no Instituto
Europeu de Normas de Telecomunicações, que muda a sigla GSM para Global Special Mobile.
Os Estados Unidos apresentaram grande resistência ao sistema europeu adotando o TDMA1, e,
mais tarde, o CDMA2. Atualmente, algumas empresas americanas já adotam o GSM para
oferecer serviços de comunicação globais. Abaixo, temos um quadro comparativo entre os
1 TDMA: Time Division Multiple Acess. Tradução livre: Acesso Múltiplo por Divisão de Tempo.
2 CDMA: Code Division Multiple Acess. Tradução livre: Acesso Múltiplo por Divisão de Código.
12. 5
sistemas de telefonia celular pelo mundo. Repare que em três bilhões e seiscentos milhões de
linhas, a tecnologia GSM engloba quase três bilhões.
O Japão também utilizou durante muito tempo somente o próprio sistema. Apenas
com a evolução do GSM para a utilização de internet banda larga é que as empresas japonesas
resolveram adotá-lo. Com a estagnação do mercado de telefonia celular japonês, as empresas
que desenvolvem os aparelhos prometem investir em mercados globais, sendo a adoção do
GSM uma medida interessante para negócios.
O Brasil adota o sistema GSM, TDMA e CDMA, sendo o GSM o principal deles.
Segundo o site Open Handset Allience3, temos 1,5 bilhões de televisores no mundo enquanto
o número de celulares já ultrapassa três bilhões. Dados da Anatel estimam que até o fim de
2008 o número de linhas de celular no Brasil chegue a 147 milhões. A última contagem feita
em setembro registrou 138,3 milhões de usuários4. Segundo dados do IBGE de dezembro de
2007, a população brasileira atual é de 183,9 milhões de habitantes. A média atual brasileira
deve girar em torno de 0,75 linhas por habitante. Esse dado não é preciso pois consideramos
que uma pessoa pode ter mais do que uma linha. Mas ele serve para deixar claro o sucesso
desse produto. A Anatel projeta que até 2018 o Brasil chegue à marca de um celular por
habitante, estimando a população brasileira em torno de 250 milhões.
3 Dados disponíveis em www.openhandsetallience.com Acessado em: 01/11/2008
4 Fonte: G1 http://g1.globo.com/Noticias/Economia_Negocios/0,,MUL760613-9356,00.html Acessado em:
30/10/2008.
13. 6
2.2 TRÊS GERAÇÕES DE APARELHOS
Os aparelhos celulares apresentam, até o momento, quatro fases de evolução. A
primeira geração de celulares utilizava tecnologia analógica AMPS (Advanced Mobile Phone
Service). Foi desativada no Brasil em junho de 2008. A segunda geração de telefones
celulares utiliza as tecnologias TDMA, CDMA e GSM. A segunda geração é marcada pela
evolução da interface dos aparelhos, com telas coloridas e toques polifônicos. Nesta geração
também foi possível a utilização de chips de memória, com informações sobre o usuário, que
podem ser trocados de aparelho (tecnologia GSM). Existe uma fase transitória chamada de
geração 2.5. Telefones celulares que utilizam essa tecnologia, os smartphones5, já possuem
acesso à internet em baixa velocidade.
A grande vantagem dos celulares de terceira geração, 3G, é a possibilidade da internet
em banda larga. Existem várias tecnologias ainda em desenvolvimento. Como o Brasil adota
prioritariamente a tecnologia GSM, a UMTS6, que é uma evolução do GSM, deve ser a mais
utilizada nos próximos anos. Já estão sendo feitos testes para uma quarta geração de telefonia
celular, com inovações que vão desde internet 10 vezes mais rápida que dos aparelhos 3G, até
a possibilidade de conexão à internet de qualquer aparelho eletrônico por meio de um cartão
5 UMTS: Universal Mobile Telecommunications Service. Tradução livre: Serviço de Telecomunicação Móvel
Universal.
6 Smartphones são celulares baseados em sistemas operacionais complexos que concorrem diretamente com os
palmtops. Exemplo: Blackberry e MotoQ.
14. 7
específico7.
Os smartphones são, em sua maioria, baseados no Windows, em uma versão especial
para telefones celulares. No fim de setembro de 2008, o Google lançou seu sistema
operacional para aparelhos celulares, o Android, para não só facilitar a produção de software
para celular, mas também para entrar no mercado de portáteis. O Google propõe uma
padronização de sistemas operacionais. Atualmente, para se fazer um simples joguinho, ele
deve ser testado em cerca de 120 a 140 modelos de aparelhos diferentes. Além das milhares
de pequenas adaptações que devem ser feitas com relação ao tamanho da tela e interação com
o teclado de cada modelo especifico. Linguagens de programação simples, como Java, tentam
facilitar o processo. Porém, nem todo aparelho possui a linguagem Java por ser uma licença
paga para telefones celulares.
A mudança constante desses sistemas são apenas sinais de que ainda não atingimos a
maturidade dos telefones celulares e que ainda teremos muito a acrescentar nos próximos anos.
No Japão, Daisuke Okabe (2006) fala sobre uma maturidade do sistema japonês de telefonia.
Essa maturidade representa mudanças graduais de tecnologia, e não saltos. Ela também
explica a forma como o japonês lida com o telefone celular, tanto no espaço privado como no
espaço público, como veremos mais adiante neste trabalho.
7 Informações retiradas de http://www.4gmobile.com/ Acessado em 03/11/2008.
15. 8
3 O CELULAR COMO CAMPO DE ESTUDOS
Assim como a internet é estuda por Tim Berners-Lee, criador da World Wide Web,
como um organismo vivo, o telefone celular parece outra formação “viva” que, aos poucos,
está entrando em simbiose com a internet. O nome célula, derivado da organização por torres
de transmissão e antenas de uma região, é muito propício para brincar com a proposta de um
organismo vivo.
Zygmunt Bauman (2005) sugere que, hoje, a relação entre os valores sociais,
estéticos e tecnológicos são líquidos, e devem ser compreendidos dentro de uma sociedade
capitalista. Ser líquido significa que as mudanças na sociedade são tão rápidas que não há
tempo para a consolidação. Essa identidade líquida permite a troca, a mudança, o status de
permanente renovação. Ao mesmo tempo, esse ambiente de liquidez parece corroborar a
teoria de Steven Johnson (2005), na qual a cultura pop está criando pessoas mais inteligentes e
sobrecarregadas de informação. A cultura pop está sempre mudando para dar conta das
alterações da nova audiência que surge a cada dia. A cultura pop parece conseguir trazer o
novo sem chocar demais a audiência.
O telefone celular é cultura pop. Algo que pode ser visto não só pela identidade
visual das marcas ligadas a astros de cinema, mas por sua grande aceitação em todas as
camadas sociais. O discurso de que, no Brasil, tecnologia é para ricos, é defasado pelos
telefones celulares. Além de quase três quartos da população possuir um telefone celular, é
16. 9
comum que pessoas de baixa renda, pelo status e valor agregado às marcas, tenham aparelhos
de alto custo. Com base nesse fato, algumas novas questões surgem: Colocar internet de
banda larga acessível a esses celulares pode trazer inclusão digital? E a alfabetização digital,
não poderia estar sendo pensada a partir do celular?
Devemos começar a procurar novos caminhos a partir das possibilidades
tecnológicas. Pensar que o primeiro contato de alguém com a internet tem que ser via
computador é algo que será ultrapassado em pouco tempo. Da mesma forma que estudamos e
analisamos o conteúdo da televisão, proponho que façamos uma pesquisa também sobre os
celulares e incluir nessa discussão o conteúdo de softwares, games e mesmo páginas da
internet específicas para o acesso portátil.
No Japão, já existe uma geração que não teve contato com o computador em casa.
Japoneses que nasceram a partir de 1984-85 correm o risco de não terem desenvolvido
habilidade com computadores. Os aparelhos celulares japoneses, os keitais, unem à
mobilidade às principais funções do computador: edição de texto, conexão com a internet e
tratamento de fotos. O jovem japonês não vê necessidade de comprar um computador.
3.1 PESSOAL, PORTÁTEIS E PEDESTRES – POR QUE O JAPÃO?
A formação japonesa de uma sociedade com valores identitários de alta tecnologia,
17. 10
com robôs e kawaii8 como valores estéticos, pode ser referido ao período que se inicia com o
fim da II Guerra Mundial. Durante a ocupação do Japão pelos Estados Unidos, os americanos
tiveram que lidar com o nihonjiron (singularidade da identidade Japonesa), mudanças na
economia, na educação, no sistema militar e principalmente na constituição. Takashi
Murakami (2005) sugere que, com o artigo 9 da constituição japonesa, os Estados Unidos
“forçaram o povo japonês dentro de uma mentalidade de dependência sobre a proteção da
poderosa força militar americana.” Após esse período, a assimilação de tecnologia estrangeira
e os grandes investimentos governamentais em desenvolvimento tecnológico nas últimas
décadas criaram a identidade de “um país para o futuro.” No campo cultural, a domesticação
(TOBIN, 1992) da cultura ocidental e a manutenção de velhos costumes reforçaram o
nihonjiron.
Atualmente, o ambiente japonês de alto consumo e alta tecnologia disponível para a
maior parte da população, aliado a uma comunicação interpessoal cuidadosamente elaborada,
é um lugar propício para o aparecimento de novas mídias, inovativas e de longo alcance em
poder de persuasão e no número de pessoas atingidas. Pela perspectiva proposta por Mcluhan
(2003) – na qual, influenciados pelas novas tecnologias, a produção e a percepção do
conteúdo vêm sendo alterada – serão feitos apontamentos sobre as possibilidades de utilização
do celular como mídia e expressão individual.
8 Kawaii é uma estética na qual o fofo, o infantil e o inocente são os elementos de valor de um objeto ou pessoa.
Como exemplo, temos a Hello Kitty, da empresa Sanrio. (DORE, 2008)
18. 11
Em um mundo globalizado, o modo de vida japonês, com um aparelho celular que
converge todas as mídias disponíveis e está conectado 24 horas por dia, parece o futuro
próximo para os países em desenvolvimento como o Brasil. Mas mesmo assim, o Japão tem
sua paixão especial pelos portáteis. Os longos períodos gastos com transporte, os
apartamentos pequenos, a customização, o grande mercado consumidor de livros, jogos
eletrônicos, música, gadgets em geral e, principalmente, TV, favorecem a cultura keitai no
Japão.
Neste trabalho iremos nos referir aos telefones celulares japoneses como keitai, que
significa telefone portátil em japonês, como sugere Shin Mizukoshi. O uso de terminologias
diferenciadas irá facilitar a comparação com o telefone celular brasileiro e ressaltar
características únicas que representam certa maturidade das mídias portáteis no modelo
japonês. Mizuko Ito explica o significado do termo baseado na cultura japonesa:
“Um keitai não é tanto sobre uma nova capacidade técnica ou liberdade de movimento, mas é sobre
uma confortável e íntima ligação tecnosocial, um aparelho pessoal para o suporte de comunicações
que são constantes, leves, e presença comum no dia a dia.” (ITO, 2005).
3.2 CONSIDERANDO O AMBIENTE
Como explicado por Étienne Barral (1999), o modo de vida do japonês é geralmente
marcado pelo transporte, trabalho e sono, com poucas horas de lazer. Paul Gravett (2004)
também fala sobre os grandes períodos dos japoneses dentro do transporte público e dentro de
casa, e como isso influencia as formas de diversão. Com o recente crescimento econômico
19. 12
brasileiro, a sensação é de que nos aproximamos mais dessa dinâmica do que de uma Europa
que busca reduzir as horas de trabalho individual e utilizar mais o espaço público.
Esse tipo de rotina é um terreno fértil para os portáteis. Muitos querem aproveitar o
tempo do transporte, considerado um não-lugar (AUGÉ, 1994), para momentos de lazer,
estudo, trabalho ou relacionamentos. Quem utiliza um mecanismo portátil fica blindado9,
protegido contra outros que queiram conversar. Ele fica suspenso das interferências do local.
As relações de presença física se tornam menos importantes do que as relações sociais por
interesses individuais.
É muito atraente para aqueles que passam longos períodos no transporte público
poderem utilizar desse tempo para, por exemplo, a manutenção dos laços sociais. Ligar para
um amigo ou mandar uma mensagem para a namorada pode ser uma boa maneira de gastar o
tempo. Com a internet para celular se popularizando no Brasil, espera-se um aumento do
isolamento dentro do transporte público, assim como aconteceu no Japão no começo dos anos
2000 (OKABE, 2006).
Para o estudo dos portáteis de uma forma geral, temos que levar em consideração o
ambiente em que a ação está acontecendo. O aparelho fica em estado de latência, e apesar de
sua presença ser importante, ela só é notada quando entra em ação, quando toca ou quando o
9 Kanashiro, Marta. Corpos Blindados. Disponível em:
http://cienciaecultura.bvs.br/scielo.php?pid=S0009-67252005000100005&script=sci_arttext Acessado em:
04/11/2008.
20. 13
tiramos do bolso para usar. Esse uso pode ser tanto para fazer uma ligação, quanto para olhar
hora ou jogar um game.
Mizukoshi Shin fez uma pesquisa internacional comparando o modo de uso dos
celulares no Japão com o uso na Finlândia. Ele comparou as diferenças entre a utilização do
aparelho por grupos de universitários (MIZUKOSHI 2006). Em sua metodologia de pesquisa,
o ambiente no qual a ação era concebida alterava radicalmente os resultados. Entre os países
ficou fácil verificar que em ambientes parecidos o comportamento é diferente.
Mizukoshi reuniu um grupo de dezoito estudantes do mestrado em Socio-Informação
e Estudos da Comunicação da Universidade de Tókio e os separou em cinco grupos. Cada
grupo apresentou duas situações cotidianas de utilização do aparelho celular. Baseado em um
método etnográfico que analisa a simulação da situação, cada grupo fingiu estar em um
determinado ambiente e representou como utilizam o celular de acordo com a situação.
O mesmo experimento foi repetido em Helsink, mas apenas com duas equipes.
Quando colocados numa situação parecida, com um grupo de amigos em um bar, os japoneses
levantavam da mesa ou viravam de lado para falar ao telefone. No entanto os finlandeses
falavam ao telefone sem desviar a posição frente aos amigos da mesa. O experimento
comprovava que a operação “falar ao telefone celular” varia de acordo com o ambiente e a
cultura, ou seja, é socialmente construída.
Jonathan Franzen, escritor americano, teve um texto sobre como o celular alterou os
21. 14
espaços públicos em Nova York publicado pela Folha de São Paulo10. Ele comenta, de forma
pessimista, como as conversas dos outros são invasivas de nosso espaço e de como o uso do
telefone celular aumenta a invisibilidade social dos caixas de mercado e lojas de convêniencia,
quando o cliente está passando suas compras com o aparelho no ouvido. Frazen atribui ao 11
de setembro a liberdade americana de expressar seus sentimentos em público e que isso, na
Nova York de hoje, faz com as emoções dos outros cheguem até nós.
3.3 RELEVÂNCIA DO TEMA E METODOLOGIA EMPREGADA
Toda tecnologia nova passa por um período de adaptação até sua domesticação.
Relata-se que, até bem pouco tempo, quando viajavam de avião, todos vestiam roupas finas e
trajes de festa. Hoje, cada um procura uma maneira de se sentir confortável, com adoção do
jeans ou mesmo bermudas. Com o celular, o processo foi parecido. Ele surge como objeto de
homens de negócios com grande adoção de empresas de construção que não teriam redes de
telefone fixo ainda instaladas. Porém, com o barateamento do custo e a redução do tamanho
do aparelho, atualmente o celular é comum e todos entendem facilmente como operá-lo. Foi
domesticado (BARON, 2006). A domesticação da tecnologia portátil e a grande penetração
devido ao baixo custo e às vantagens de comunicação fazem do telefone celular um tema de
estudo relevante.
10 “Só chamei porque te amo”. Folha de São Paulo - Caderno +Mais!. Publicado em 16/11/2008
22. 15
A metodologia que foi utilizada neste trabalho considera dois aspectos: (1) leituras e
pesquisa bibliográficas, sobre teoria de redes sociais, psicanálise, estética, mídia, cibercultura
e estudos socioculturais. (2) Realizamos uma análise qualitativa a partir de entrevistas com
alunos universitários de Juiz de Fora. A pesquisa de campo adotou uma amostragem de 101
alunos de quatro instituições de ensino superior de Juiz de Fora, sendo uma pública e três
particulares. Foram entrevistadas 54 mulheres e 47 homens. Apenas uma pessoa não possuía,
caracterizando que 99% dos universitários em Juiz de Fora têm telefone celular. A pequena
amostragem serve apenas para indicar as tendências de comportamento, não podendo ser
utilizada como verdade absoluta.
O público jovem foi escolhido pela aparente desenvoltura no uso do aparelho celular
nesta faixa etária. Este público também foi escolhido para fins de comparação com estudos já
feitos no Japão e nos Estados Unidos. Estas pesquisas apontam mudanças comportamentais,
de sociabilização e linguagem, advindas da domesticação do aparelho celular em seus países.
Este trabalho tem como foco as redes sociais, portanto, a sociabilização será motivo
de comparação. A análise apresenta como novidade a discussão sobre a influência das redes
sociais on-line nas redes off-line, o que pode facilitar a localização de pólos, que são pessoas
com alto grau de concentração de contatos.
23. 16
4 CONVERGÊNCIA DE MÍDIA: CELULAR COMO CULTURA POP
As pressões de marketing e do e-biz criam imagens apocalípticas de transformação
com o claro objetivo de valorizar o produto. Entramos em “um estranho estado de expectativa
de um pós-futuro que nunca chega, mas que se promete a milhões e milhões de potenciais
usuários globais” (BEIGUELMAN, 2003). Televisão, computador, videogame, livro, mp3,
telefone, tudo isso em um único aparelho, mas de uma forma diferente.
4.1 EVOLUÇÃO E NÃO LINEARIDADE
Apesar de o celular de terceira geração parecer ser “tudo o que a gente sempre quis”
em um único aparelho, ele não passa de uma interface ainda pobre, com conexões de baixo
potencial imersivo e grandes limitações técnicas. No entanto, os três bilhões de celulares
existentes no mundo são potencializadores de uma “democratização estética”, uma vez que
virtualmente11 possibilitam o acesso de todos à reprodução de uma obra de arte.
O telefone celular, como cultura pop, possui a interessante característica, ressaltada
por Steven Johnson, de, pela constante exigência do público, evoluir constantemente. Ele
apresenta cada vez mais complexidade, não só tecnológica mas de conteúdo. As empresas, ao
direcionar seu conteúdo para celular, estão desenvolvendo formatos mais complexos de mídia
11 No sentido adotado por Pierre Levy em O que é virtual?, de 1996. Em resumo, Pierre Levy não contrapõe o
real ao virtual, mas considera virtual como o conhecimento das possibilidades a partir de uma formação. “A
árvore está virtualmente na semente”, mas ela pode não vir a existir.
24. 17
interativa. E nós, sem nada ter que fazer, dormindo, evoluímos.
“Algo ocorreu com a cultura pop - as coisas que pensávamos ser lixo, no sentido da cognição e da
inteligência, na realidade se mostraram saudáveis, intelectualmente falando O que eu chamo de Curva
do Dorminhoco seria, então, a tendência da cultura pop, nos últimos 30 anos, a ficar mais e mais
complexa e a exigir mais da inteligência das pessoas.” (JOHNSON, 2005)
Uma outra tendência é a não-linearidade, por ser esta a marca da Internet e do
cérebro humano. Em alguns anos, com a convergência midiática e a transformação de
televisão e internet em uma coisa só, a não linearidade de pensamento tende a predominar.
José Luis Cébrian fala sobre a geração que nasceu em meados da década de oitenta, no
começo da popularização das mídias digitais.
“Eles (jovens de zero a vinte anos) são a primeira geração que chegará à maioridade na era digital.
Estão imersos em bytes. Para essa população cada vez mais numerosa com acesso à rede, as
ferramentas digitais não são tecnologia mais complicada do que a televisão ou a geladeira”
(CEBRIÁN, 1999)
Considerando o celular com internet, a lógica não-linear da World Wide Web poderá
ser percebida no aparelho portátil. O usuário de um telefone celular pode jogar um
MMORPG12 e ficar estabelecendo contatos sociais, matando monstros, ou mesmo divagando
pelo cenário. Esse tipo de ação é não-linear, com muitas possibilidades de narrativa ou até a
construção da própria história. A dificuldade para a comunicação está em se criar novas
12 MMORPG. Massive Multiplayer On-line Role Playing Game. Nesse tipo de plataforma, o jogador
geralmente comanda um personagem e pode ele mesmo, decidir em que ordem cumprir as tarefas, não
cumpri-las, vagar pelo cenário, estabelecer relações sociais, caracterizando uma narrativa não-linear.
25. 18
formas de conteúdo dinâmico, além do jogo on-line, que desperte o interesse desse espectador
cada vez mais exigente. Como criar uma televisão para celular, com narrativas não-lineares, e
ainda fazer disso algo lucrativo para as empresas? Em pouco tempo acharemos a resposta.
4.2 A PRÓTESE DO LEITOR IMERSIVO
O Homem não compreende a si mesmo e, na busca de compreender-se, cria próteses
para se representar. Com o aprimoramento das técnicas de projeção do sistema nervoso
central, sua relação com a tecnologia aumenta, a interação é cada vez maior. Como exemplo,
já existe um chip que, implantado no cérebro, é capaz de identificar estímulos neurais e trocar
o canal da TV, ligar aparelhos domésticos e até programar o forno de microondas. Esse
processo de tecnologização, de robotização do homem, uma vez iniciado é impossível ser
paralisado. O celular é um elo desse processo evolutivo.
O contato com o celular foi indiferenciado a tal ponto que possuir um aparelho não é
sinal de modernidade. Talvez por sua aproximação com o telefone comum, o celular, de
maneira geral, não ganha status de “aparelho eletrônico moderno” como um Palmtop, um
Ipod ou mesmo um computador. Mostrar habilidade no manuseio do celular não chega a ser
uma característica que ressalte a capacidade tecnológica de uma pessoa.
Mas não podemos nos esquecer que estamos lidando com algo completamente novo,
distinto do antigo telefone e também do computador. Lúcia Santaella, em 2004, traça o perfil
26. 19
do cognitivo do leitor imersivo na internet. O que ela não leva em consideração é a
potencialidade do celular em transformar seus usuários em leitores imersivos. No caso do
computador, o custo financeiro é alto e exige certo esforço por parte do usuário. A interface
simples do celular e a familiaridade das pessoas com o telefone comum diminuem as barreiras
para que isso aconteça. Para atualizar o texto de Santaella, basta trocar o “clique” do mouse
pela tela touchscreen de um telefone celular.
“Trata-se, na verdade, de um leitor implodido cuja subjetividade se mescla na hipersubjetividade de
infinitos textos num grande caleidoscópio tridimensional onde cada novo nó e nexo pode conter uma
outra grande rede numa outra dimensão. Enfim, o que se tem aí é um universo novo que parece
realizar o sonho ou alucinação alucinógena borgiana da biblioteca de Babel, uma biblioteca virtual,
mas que funciona como uma promessa eterna de se tornar real a cada “clique” do mouse.”
(SANTAELLA, 2004)
27. 20
5 INTERATIVIDADE E IMERSÃO
O celular pressupõe um alto nível de interação a partir do fato que quem possui um
aparelho está interagindo com ele 24 horas por dia, 7 dias por semana. Até o fim da década de
90, muitas pessoas ainda desligavam o celular à noite ou quando estavam em casa para não
serem incomodadas ou economizar bateria. No entanto, a necessidade de se manter acessível
fora do ambiente de trabalho e de privacidade individual, aliada ao aumento do tempo das
baterias, mantém o celular ligado e perto de você. A presença dele no bolso já se mostra como
uma forma de interação. Ele faz parte de você.
"Vídeo, tela interativa, multimídia, Internet, realidade virtual: a interatividade nos ameaça por toda
parte. (...) Num certo nível maquinal, de imersão na maquinária virtual, não há mais distinção entre
homem/máquina: a máquina situa-se nos dois lados da interface. Talvez não sejamos mais do que
espaços pertencentes a ela." (BAUDRILARD, 1997)
O que é interatividade? Temos a sensação de que tocar é interatividade, o que não é
verdade. Livros envolventes como o Retrato de Dorian Gray 13 podem ser muito mais
interativos do que mídias digitais como aqueles CD-Roms enciclopédicos do meio da década
de 90. Interatividade deve ser avaliada como uma relação no nível da consciência que
consegue envolver quem interage. Um controle remoto não deve ser considerado como
interativo. Os celulares buscam essa interatividade utilizando de várias ferramentas, algumas
delas sim, tocáveis.
13 Livro mais famoso de Oscar Wilde, autor inglês do século XVIII.
28. 21
Em 2008, a Apple utilizou como carro chefe de desenvolvimento o seu Iphone com
tela sensível ao toque. Unindo o toque à estética moderna, em um design de interface com
animações e ícones bonitinhos, podemos sugerir uma relação de feedback positivo entre
interatividade, imersão e prazer. Quanto mais interativo, maior a imersão e consequentemente,
o prazer. É a imersão proporcionada pelos jogos eletrônicos uma das bases de seu sucesso, ela
estimula o divertimento.
Interatividade é um dos focos de desenvolvimento das mídias. Tanto para as mídias
portáteis ou não portáteis, o videogame têm sido o grande inovador na interação com o
usuário. A Nintendo desenvolveu o Nintendo Wii, que além do controle com sensor de
movimento e pequenas outras funções, têm uma “balança” que permite jogos como
snowboard ou exercícios como Yoga. As três grandes empresas de jogos, Sony, Nintendo e
Microsoft, adotaram uma guitarra, bateria e até mesmo microfone como acessório dos seus
jogos de ritmo. Outro caso é o Nintendo DS, videogame portátil que conta com duas telas e
duas câmeras de vídeo, o que modifica não só o controle do jogador sobre o jogo como sua
imersão.
O nível de interatividade que o hardware permite altera a relação do usuário com o
game, modifica a linguagem utilizada nos jogos para se tornarem atraentes através da
dinâmica interatividade-imersão-prazer. Dessa forma, o Iphone, da Apple trouxe a tela
touchscreen para celular com uma interface interativa e interessante. O telefone celular da
29. 22
Apple não é o primeiro aparelho com touchscreen, mas foi o primeiro que conseguiu agregar
essa função com uma interface atrativa. A linguagem do Iphone prioriza entretenimento, com
acesso fácil à internet, softwares e games ao invés de priorizar a ligação telefônica.
5.1 INTERAÇÃO: CARACTERÍSTICAS DE EMERGÊNCIA
Alex Primo define interatividade como diversas formas criativas de trabalhar usando
várias maneiras de interação em uma apresentação, em que o emissor consiga transmitir a
mensagem para o receptor. Através de uma interatividade bem planejada, o
emissor/criador/designer pode alcançar um maior controle sobre o receptor. O designer define
se é mais importante que o usuário tenha um acesso prioritário à internet ou à agenda de
contatos. Isso pode ser notado pela disposição e acessibilidade dos botões, por exemplo.
Existe uma mensagem transmitida pela interface. Com esse raciocínio em mente podemos não
só direcionar estratégias de utilização de software como podemos criar alternativas para que o
usuário customize seu aparelho e sua interface.
A customização entra como fator de emergência dentro da tecnologia. Por um
incentivo tecnológico da empresa, que abre uma possibilidade (muitas vezes sem essa
pretensão), o aparelho tem sua interatividade alterada pelos próprios consumidores. No Brasil,
as ligações de 3 segundos são uma ação, um movimento, considerado emergente, bottom-up.
Mesmo sem o planejamento da empresa, os jovens, principalmente adolescentes em idade de
30. 23
Ensino Médio passaram a utilizar essa função para reduzir o preço das suas faturas no fim do
mês.
Alex Primo analisa duas formas básicas de interação nos meios eletrônicos: Interação
Reativa e Interação Mútua. A primeira é considerada fraca e limitada, já a segunda se
apresenta como completa. O tempo todo se lida com as duas formas dentro do celular.
Prioritariamente, trabalhamos com Interação Reativa, que é o tipo de interação com meios
eletrônicos que já fornece padrões preestabelecidos de interatividade. Assim, as ações do
usuário seguem determinadas regras existentes no programa. Podemos observar esse padrão
em celulares de primeira geração e as primeiras linhas de segunda geração, que não permite a
troca, dentro da interface, de informações que já não tenham sido pré-estabelecidas. A partir
do momento que o telefone celular passa a fornecer conexão com a internet, esta conexão
altera a interação.
A Interação Reativa se caracteriza por sistemas fechados, os quais apresentam
relações unilaterais e lineares, que ficam presas aos pares estímulo–resposta, ação e reação. A
pessoa que está com o telefone apenas reage aos estímulos dados, não tendo possibilidade de
alterar os agentes daqueles estímulos. O sistema não evolui, pois não efetua trocas com o
ambiente, além de serem presos à sua fase inicial: se uma situação não foi prevista, ela não irá
produzir o mesmo resultado que outra situação anteriormente planejada, e pode até não
produzir efeito algum. A interpretação das mensagens não depende da capacidade cognitiva
31. 24
do receptor, criando um processo de automatismo. Se aparece na tela um ícone de uma carta,
é porque devemos abri-la, a possiblidade de não abertura também é levada em consideração.
Se o telefone toca, ou vibra, é porque devemos olhar para a tela ou colocar o aparelho
próximo do ouvido.
Por outro lado, a interação on-line em redes sociais pode ser considerada de Interação
Mútua, pois permite trocas de informações reais com outras pessoas, resultando em maior
imersão na interface e em uma possibilidade evolutiva do programa. A internet oscila entre
momentos de Interação Mútua e Interação Reativa. Para fins didáticos, podemos imaginar que
quando lemos um jornal na internet a interação é reativa, mas quando editamos a Wikipedia a
interação é mútua.
Como sistema aberto, entendemos que é possível a troca de informações entre os
jogadores dentro da rede, com limitações de acordo com a configuração de seu aparelho
portátil. Os sistemas interativos mútuos estão direcionados, de maneira geral, para a evolução
e desenvolvimento, já que esse fluxo de informação faz com que a evolução aconteça segundo
um processo de negociação entre as partes. A partir das trocas de informações que vão além
da emissão da voz, as ações dos aparelhos portáteis conectados à rede têm a possibilidade de
ocorrer de maneira interdependente, de modo que cada link, cada pólo, pode influenciar a
ação dos outros e também ser influenciado. Cada mensagem depende da capacidade cognitiva
do receptor para ser compreendida pelo aparelho, e, como isso varia de pessoa para pessoa,
32. 25
não se pode prever todas as movimentações. Alex Primo explica esse processo:
“Enfim, por ser um sistema aberto e por pressupor processos interpretativos (entre outros fatores), não
se pode jamais pré-determinar que uma certa ação gerará determinado efeito. Logo a interação mútua
é um processo emergente, isto é, ela vai sendo definida durante o processo. Portanto, as correlações
existem, mas não determinam necessariamente relações de causalidade. Enfim, podemos dizer que os
sistemas reativos se baseiam no objetivismo, enquanto os sistemas de interação mútua se calcam no
relativismo.” (PRIMO, 1998)
Steven Johnson escreve sobre isso no último capítulo de seu livro Emergência - a
dinâmica de redes em formigas, cérebros, cidades e softwares, ao citar alguns jogos on-line e
a capacidade de customização como representantes das características de organização em
bottom-up. Em uma plataforma com Interação Mútua, as pessoas alteram seu ambiente, seus
softwares e podem fazer parte de um ambiente que foi, em sua maioria, criado e alterado por
outros usuários, sem ser necessária a interferência da companhia que desenvolveu o software.
Mas a empresa não deixa de fazer parte. Ela incentiva os usuários a continuar
desenvolvendo seus softwares, sua interação com outros usuários por meio de concessões,
patrocínios e mesmo reconhecimento em sites oficiais como a Apple Store, que publica os
softwares mais interessantes feitos de forma independente. Desse modo, há um crescimento
em bottom-up e administração em top-down², que é como funciona a rede de celulares. O
sistema operacional para celulares Android, do Google, promete ser aberto a essas novas
possibilidades de alterações feitas pelos próprios usuários.
33. 26
5.2 POSSIBILIDADES DE IMERSÃO
Lúcia Santaella traça um panorama da imersão em cinco níveis³. Qual o nível que
pode ser atingido nos telefones celulares? Em geral, os aparelhos portáteis atingem apenas o
primeiro, chamado por ela de imersão por conexão. Nesse caso, o corpo fica ligado ao
aparelho pelo teclado e, através do acionamento dos sentidos, visão e tato principalmente, a
mente mergulha naquele universo. Alguns aparelhos elevam a imersão a seu grau máximo,
que é o da simulação quase perfeita da realidade. É o que projetos como o CAVE, sala de
realidade virtual, tentam atingir. O nível 5 seria, basicamente, a Matrix. No filme Matrix, de
1999, os irmãos Wachowski reuniram mitologias gregas e orientais em um cenário cyberpunk
para criar um mundo em que os humanos entram, por meio de conexões entre cabos e o
cérebro, em um ambiente virtual, controlado pela máquina. Eles imergem de forma tão
completa que não distiguem que estão em um mundo paralelo. O filme trouxe reflexões sobre
a relação entre homens e robôs e os limites da realidade virtual.
Para melhorar a imersão e, conseqüentemente, o prazer do usuário de celular,
projetos de óculos pequenos, que consigam projetar imagens, (como o de Tom Cruise no
início de Missão Impossível 2), parecem ser o próximo passo. McLuhan entende a tecnologia
como extensão do homem, nossa consciência é apoiada o tempo todo em cima de objetos
externos como se eles fizessem parte do nosso corpo. Amplificar essa característica tem sido a
função da pesquisa de hardware para imersão.
34. 27
O Iphone eleva a imersão a um outro nível dentro dos celulares. Com sua interface
priorizando a tela em touchscreen, um nível de intermediação é retirado. A própria pessoa
poder trocar a tela sem passar pelo intermédio do teclado. O mediador existe, a tela transmite
as informações e só assim o ícone embaixo do seu dedo é acessado. Mas a sensação é de que
esse meio não existe.
A imersão por avatar, considerada de nível 2 por Santaella, também é possível dentro
do celular. Até o momento foi utilizada apenas nas redes sociais e nos jogos on-line. Algo
ainda não explorado nos aparelhos para funções de telefonia.
Os avatares podem ainda apresentar formas distantes da realidade, atingindo um
número maior de pessoas por identificação ou escolhas de características físicas. Depois do
personagem criado somos jogados em um mundo virtual on-line, em que o realismo não é
necessariamente a meta. À medida que seu mundo parece se comportar de modo consistente e
que o usuário entenda, ele terá menos dificuldade de imergir no ambiente e suspender sua
descrença.
Existem pesquisas que sugerem que os ambientes de interação por avatares seriam
uma possibilidade para a internet, com aplicações na publicidade e aproximação do mundo
real do virtual (PIMENTA e LORENA, 2007). No entanto, a necessidade de um hardware
com alta capacidade de processamento e internet banda larga ainda impossibilita a
popularização desta tecnologia no Brasil. Para o celular, os avatares como principal
35. 28
possibilidade ficam ainda mais limitados devido a características específicas de internet e
modelo do aparelho. Já existe uma versão do Second Life14 para celular que pode ser baixada
no site http://www.vollee.com/secondlife para portadores de telefones com internet 3G.
Mas nem sempre imersão e interatividade são o melhor caminho. O computador Mac
demorou muito tempo para entrar nos escritórios, exceto nos de designers e empresas de
áudiovisual, por parecer mais um brinquedo do que uma ferramenta de trabalho. (JOHNSON,
2001)
14 Software para interação de pessoas on-line que tem como a base a utilização de avatares.
36. 29
6 INTERFACE: UNINDO INTERATIVIDADE E IMERSÃO
O que é Interface? Podemos simplificar com: é o que faz a comunicação com um
aparelho eletrônico. Steven Johnson (2001) leva o conceito além e explica que, em nossa
cultura da interface, essa troca de informações com a máquina é uma poderosa ferramenta de
comunicação. Ele afirma que o desenvolvimento de uma interface não deixa de ser uma obra
de arte, assim como um projeto arquitetônico. Sua teoria parece se apoiar na cultura da
imagem, de Walter Benjamim, ligada à capacidade de uma interface gráfica nos
computadores.
Para exemplificar o poder da interface, Johnson recorre a um caso de 1995, quando a
Microsoft foi acusada de truste por colocar um ícone que direcionava o acesso à internet
direto de sua área de trabalho. As outras empresas do ramo acusavam que, com aquela medida,
a Microsoft conseguiria nove milhões de novos assinantes de internet em um ano. Na época, a
America On-line era a maior empresa no setor e possuía três milhões de assinantes. “Quanta
confusão por causa de um ícone”, explica Johnson.
Assim como, em um projeto arquitetônico ou de urbanização, “cada decisão do
projeto ecoa e amplifica um conjunto de valores, um pressuposto acerca da sociedade mais
ampla que a emoldura”, explica Steven Johnson. O design de interfaces pode ser considerado
uma junção da arte com a tecnologia de nossa época. Ela concentra vários tipos de arte
diferentes, como cinema, quadrinhos, música e relaciona tudo isso ao uso de computação
37. 30
gráfica de alta qualidade e diferentes formas de interação. “Não há artistas que trabalhem no
meio da comunicação de interface que não sejam também engenheiros” (JOHNSON, 1997).
Aprimorando o conceito, podemos dizer, então, que Interface é o meio pelo qual o
computador representa-se a si mesmo para o usuário, de modo que a interação entre usuário e
computador seja facilitada.
Para o designer de interfaces, o desafio é balancear a interatividade e o nível de
imersão possibilitada pelo hardware de acordo com um pressuposto usuário. Assim como o
jornalista pressupõe um leitor para adaptar sua linguagem, o designer de interface cria em
função de um usuário. Os jovens representam um perfil específico pois já nasceram em um
mundo multisensorial que vai muito além de controles verbais ou simplesmente gráficos.
É importante estudar essas diferenças de interação para aumentar a capacidade de
evolução do aparelho e, conseqüentemente, esperar um crescimento no interesse do usuário.
Utilizamos “esperar” porque essa evolução aleatória pode gerar um desinteresse, algo que
venha atrapalhar a evolução em algum nível. Teoricamente, quanto maior a interação mútua,
maior as chances de seu produto/aparelho/software ter melhor aceitação e propiciar prazer.
Para evitar que a troca de informação gere problemas como a dificuldade de
navegabilidade da interface, que pode gerar desinteresse, as empresas criam mecanismos
reguladores de interação. O YouTube é um exemplo de uma interação mútua em que um
usuário pode postar seu vídeo, dar opinião sobre outros, sugerir melhoras para a empresa,
38. 31
discutir e interagir com vídeos de outras pessoas, criar conexões dos vídeos entre si. No
entanto, mecanismos reguladores em top-down e auto-reguladores em bottom-up foram
adicionados para que regras de conduta não possam ser violadas.
Para exemplificar o sistema Top-down, a empresa coloca pessoas responsáveis por
verificar se o conteúdo postado está de acordo com as normas de transmissão. Mas a interação
possui tantos links e pólos de conteúdo que é inviável para a empresa possuir funcionários
suficientes para regular todo o sistema. Para isso eles criam, na interface, um link que
denuncia os vídeos que violam as regras. Eles incentivam um sistema de vigilância
emergencial feita pelos próprios usuários.
No Brasil, os telefones celulares desenvolveram certo padrão de interface que
privilegia as funções ligadas à telefonia comum, como discagem e agenda de contatos.
Seguindo a teoria de Mizuko Ito, de que a tecnologia varia de acordo com os padrões
sócio-culturais, podemos entender por que o Iphone, da Apple, coloca o entretenimento, como
ouvir música e usar aplicativos, em primeiro lugar. A interface de entretenimento nada mais é
do que uma metáfora de como os americanos se vêem. Os japoneses, por sua vez, criam
interfaces com muitas animações e ícones bonitinhos, beirando o infantil. Steven Johnson nos
chama a atenção para como o Windows faz referência ao escritório, com pastas e arquivos
para organização. Para ele, a interface é essa auto-representação.
39. 32
6.1 A TV PARA CELULAR
Apesar de todas as possibilidades de novas funções no celular, a TV no celular tem
recebido considerável destaque. Isto porque as pessoas costumam trazer resquícios das
formações antigas para entender as novas. Mcluhan nos chama a atenção para o híbrido:
“O híbrido, ou encontro de dois meios, constitui um momento de verdade e revelação, do
qual nasce a forma nova. Isto porque o paralelo de dois meios nos mantém nas fronteiras
entre formas que nos despertam da narcose narcísica. O momento do encontro dos meios é
um momento de libertação do entorpecimento e do transe que eles impõem aos nossos
sentidos.” (MCLUHAN, 2003)
Na mistura entre os meios temos a possibilidade de ir além do que estamos
acostumados. Se a programação na TV é baseada em programas de 30 minutos ou 1 hora,
agora, para a televisão no celular, não precisamos seguir esse padrão, podemos criar novos.
Outro ponto importante que Mcluhan explica é que as pessoas alteradas pelo meio vêem o
conteúdo de forma diferente. À medida que domesticamos o telefone celular, as linguagens
vão sendo alteradas.
No Japão, os novos celulares possuem dois sistemas de TV: o de recepção analógica
e o One-seg, que tem recepção digital e é específico para portáteis, celulares e videogames.
Este sistema acompanha sempre um link embaixo da tela sobre o programa que está sendo
transmitido. Se estiver passando o jornal, clica-se no link e a interface muda para o site do
jornal. Outra vantagem do sistema One-seg é que, em alguns celulares, é possível gravar uma
programação de até 30 minutos com a memória do próprio aparelho.
40. 33
E como colocar toda a possibilidade de canais e acesso dentro do celular que, por ser
pequeno, tem a navegabilidade e usabilidade tão comprometida? Novas maneiras de
organização e classificação precisam ser criadas, o que demonstra mais uma vez o caráter
efêmero dos celulares como temos agora.
6.2 INTERNET PARA CELULAR
As aproximações culturais entre Brasil e Estados Unidos colocam a internet como a
nova tendência para o telefone celular. Conectar-se à internet ganhou bastante destaque no
Iphone. Apesar de já ser possível conectar em qualidade razoável pelos smartphones, a
interface da tela touchscreen com possibilidade de zoom trouxe vantagens razoáveis para o
aparelho da Apple. O Brasil ainda enfrenta grandes barreiras político-econômicas para o
desenvolvimento dos celulares de terceira geração. Ainda não existe visibilidade por parte dos
criadores de políticas públicas brasileiros para as possibilidades de inclusão digital advindas
da popularização da internet no celular.
No Japão, a internet para celular foi implantada em 1999 pela empresa NTT
DoCoMo. A partir do i-mode, a interface foi reconfigurada para se adaptar à nova função. Em
alguns aparelhos um novo botão para abertura de um navegador foi adicionado. A maioria dos
aparelhos teve apenas um ícone acrescentado em seu sistema operacional.
É interessante constatar certa “regressão” no webdesign japonês. Para se adaptar a
41. 34
um número maior de pessoas conectadas à internet pelo keitai do que pelo computador, as
empresas sentiram a necessidade de desenvolver plataformas mais simples para serem
acessadas adequadamente pelo keitai. Os keitais, em geral, possuem tela de tamanho reduzido
e navegação por botões (alguns poucos modelos apresentam touchscreen), e não pelo mouse
como estamos acostumados no computador. Além da velocidade da conexão ser
sensivelmente mais lenta do que a conexão por computador. Para se adaptar a essas
características, os sites ficaram mais simples e seguem, em sua maioria, um padrão vertical,
com informação e links formados majoritariamente por texto e pequenas imagens.
Acima temos o screenshot de um site de uma empresa de táxi. Repare que apenas
imagens pequenas são utilizadas. A fonte de texto é pequena e as informações simplificadas.
Adaptações que priorizam o acesso pelo keitai.
Algumas empresas, para não perder a funcionalidade de seus websites, lançam duas
42. 35
versões, uma para Internet e outra para o celular. Existem, no Japão, servidores especializados
em internet para keitai. Muitos destes só conseguem ser acessados através do celular.
Outra consideração importante no design de interface para keitai no Japão foi a
criação do QR Code, o código de barras para celular. Aproveitando da capacidade de câmera
na maioria dos keitais, foi criado um sistema em que o keitai reconhece aquele código e o
transforma em um link para uma página de internet. Com essa função, não é necessário digitar
no campo de endereço do navegador do keitai o caminho para a página desejada. Ao invés de
digitar http://www.mcdonalds.co.jp, é necessário apenas que a pessoa procure em qualquer
anúncio do Mcdonalds o QR Code. Esse código, lido pela câmera do keitai irá direcionar o
navegador direto para http://w.mdj.jp.
Quando um site é acessado pelo keitai, um reconhecimento é feito e caso a empresa
possua site para acesso portátil, o usuário é automaticamente redirecionado. Em muitos casos
o site só pode ser visto pelo keitai e o acesso através do computador é negado. No caso acima,
o site do Mcdonalds para keitai tem acesso restrito. Esse acesso restrito para keitais, mesmo
dentro da World Wide Web, evidencia uma influência sociocultural na utilização da tecnologia,
como defende Mizuko Ito.
Como os celulares também dispõem de um sistema operacional limitado, a única
tecnologia de boa qualidade gráfica disponível em larga escala que pode ser utilizada para
internet é a linguagem Java. Ao contrário das linguagens convencionais, que são compiladas
43. 36
para um código nativo do sistema operacional, a linguagem Java é compilada por um
bytecode que é lido por uma máquina virtual. Isso significa que, uma vez instalada a máquina
virtual Java, qualquer aparelho é capaz de rodar os aplicativos.
A interface que prioriza o acesso à internet não é só uma demanda do consumidor. As
empresas têm o interesse que se use o celular para se conectar, pois além de pagar uma taxa
extra, ainda direciona o acesso para os sites das próprias empresas para a compra de produtos
para personalização do seu aparelho, como toques de celular, papéis de parede, e jogos.
A Adobe, responsável pelo conteúdo Flash15, já fez acordos com empresas de chips
para capacitar a utilização de seus recursos nos portáteis. Se a evolução dos aparelhos chegar
no Brasil antes da evolução da internet, vamos ter que pensar na internet para telefone celular
no país de outra forma, sem a potência da internet, mas com grande posibilidade de recursos.
15 Software utilizado em grande escala na internet que permite recursos gráficos e interativos, como vídeos e jogos, com
arquivos pequenos, mas que exigem determinada potência do processador.
44. 37
7 TEORIA DE REDES E CELULAR
Albert Lásló Barabási cita em seus estudos que a teoria de redes só pôde ser
analisada atualmente devido ao desenvolvimento de técnicas de mapeamento dos processos.
Ele explica que, na Europa medieval, lugares que eram desconhecidos tinham um dragão
desenhado no mapa. A partir das explorações de lugares de difícil acesso pelo
desenvolvimento da sociedade, o número de dragões foi diminuindo. É assim que funciona o
nosso estudo. A partir dos mecanismos de mapeamento da Internet e dos telefones celulares
pode-se analisar esses sistemas que se portam como organismos vivos e apagar os dragões dos
nossos mapas.
O telefone celular em rede nos remete à proposição de uma inteligência coletiva, pois,
com o celular, podemos falar sobre esta inteligência mediada por uma prótese. Qualquer um
que tenha um telefone celular está virtualmente conectado a todos os aparelhos celulares e
computadores do mundo. Uma novamente coletiva agora criada artificialmente. Por este
motivo, ser artificial, pode ser mapeada e estudada. Podemos entender um pouco mais sobre
essa mente a partir da teoria de redes.
Partimos do princípio de que a internet foi desenvolvida por pessoas. Quando
interagimos com um software, podemos inferir que em última instância estamos interagindo
com o criador daquele programa. Não é um diálogo entre humano e máquina, mas sim entre
cérebro e prótese, não diferenciando sujeito e objeto. Quando o homem inventa os robôs,
45. 38
nossas formações contaminam a produção (MAGNO, 2005). Seguindo este raciocínio, os
primeiros celulares tinham que parecer com os telefones que existiam em casa para fazer
sentido como telefone. Hoje, eles se parecem mais com videogames portáteis porque a
mentalidade mudou.
Ao considerar, tanto a internet, o celular, quanto o ser humano, como formação,
deixa claro que não consideramos a idéia de pessoa como indivíduo, ou separação entre
sujeito e objeto. Tudo são formações que existem independentes da existência do homem.
Aplicando esse conceito a teoria de redes proposta pela nova psicanálise, essas
formações tornam-se necessariamente Pólos, que por sua vez são constituídas por Foco e
Franja. Abaixo uma representação gráfica da teoria. O centro das esferas são Pólos. As esferas
caracterizam a zona focal. As linhas caracterizam as franjas.
46. 39
Uma pessoa é um pólo. O aparelho celular pode ser um dos focos da formação
pessoa. A Franja se configura como possibilidade de alcance indeterminado a outras
formações, a tudo, não necessariamente outros telefones celulares. Mas isso só é possível se
considerarmos o aparelho celular como uma formação, ao invés de objeto, e as pessoas como
um aglomerado complexo de formações, e não como sujeito. O celular seria uma extensão
tecnológica para o foco comunicação, o que coincide com os ideais Mcluhianos.
Como Magno sugere, o ganho dessa teoria sobre outras teorias dos sistemas é o
acréscimo da Hiperdeterminação. O homem, como formação hiperdeterminada, considera a
chance do novo, da criação, como parte do processo. Existe um empuxo, uma pulsão, que
direciona o movimento para o desejo de sua própria extinção. Como não conseguimos
extinguir, vamos ao limite e voltamos. Esse limite é o ponto de criação. A partir desse lugar
suspenso, observa-se melhor as formações e tudo se indiferencia. O oposto também é levado
em consideração como uma das muitas possibilidades.
Essa teoria também considera um quarto elemento: o tempo. Tudo o que há é
temporalizado e tem uma duração. Se pensarmos que possuir telefone celular em algum
momento foi motivo de status, hoje isso virou, é indiferente. Da mesma forma que um dia o
aparelho celular virá a ser substituído por outro meio de comunicação mais eficiente para dar
conta dessa busca por uma conexão plena. Com um telefone celular em nossas mãos estamos
(re)conectados tecnologicamente, por uma prótese, a todos os aparelhos, e consequentemente
47. 40
às pessoas, no planeta terra, criando um mundo pequeno16, uma aldeia global.
7.1 REDES ALEATÓRIAS
Os estudos de redes começaram dos estudos de grafos, feitos por matemáticos, e só
depois de muito tempo foram adotados pelas ciências sociais a fim de estudar a formação de
redes sociais. Um grafo é um conjunto de nós conectados por arestas que, em conjunto,
formam uma rede.
O modelo de redes sociais proposto pelos matemáticos Paul Erdös e Alfred Rényl,
em 1959, considerava que todos os nós de uma mesma rede teriam uma média comum de
conexões. Seu experimento social consistia em considerar que, ao fim de uma festa, todos os
participantes teriam conhecido mais ou menos o mesmo número de pessoas. Pela teoria de
redes aleatórias, todas as pessoas daquela festa sairiam conectadas de alguma forma pela
interação aleatória. João tem um link com Maria porque conheceu José, que conheceu Pedro,
que conheceu Maria.
A teoria de Erdös e Rényl se mostra muito democrática por considerar que todos na
festa tiveram a mesma chance de conhecer pessoas. Ela não avalia o motivo pelo qual as
pessoas procuraram umas as outras. Se uma pessoa na festa tivesse uma grande habilidade de
fazer amigos, ou fosse muito bonita e atraísse a atenção para si, ela teria um número muito
superior de links do que as outras, retirando o fator aleatório da rede e criando um padrão de
16 Referente à teoria small-world network, desenvolvida por Duncan Watts e Steven Strogatz
48. 41
conexão relativo à habilidade de interação social.
Em uma simples análise da Internet é fácil perceber que as páginas não contêm o
mesmo número de links, nem tem a mesma chance de serem encontradas. Raquel Recuero
critica a teoria de redes aleatórias:
“Entretanto, as relações entre os indivíduos na comunicação mediada por computador não
são aleatórias. As pessoas levam em conta diversos fatores ao escolher conectar-se ou não a
alguém. Os laços sociais, portanto, são estabelecidos sob prismas muito específicos de
interesses comuns de cada nó.” (RECUERO, 2004)
7.2 SEIS GRAUS DE SEPARAÇÃO E A TEORIA DO MUNDO-PEQUENO
Stanley Milgram ficou famoso por sua experiência social em que sugere comprovar a
teoria dos seis graus de separação entre as pessoas. Ele enviou cartas a indivíduos aleatórios
pedindo que essas cartas chegassem a um alvo específico. Pediu também que quando uma
carta fosse passada para a próxima pessoa, uma outra fosse enviada a ele para monitoração do
processo. Ao fim do experimento o número médio foi de 6 graus de separação. Pela sensação
de proximidade que a apenas 6 graus de separação todos estamos conectados, a teoria foi
chamada de mundo-pequeno.
No entanto, Judith S. Kleinfeld (2002) faz uma dura crítica a aceitação do
experimento de Milgram. Ela discute a validade dos documentos que não explicam o que
havia sido escrito nas cartas que Milgram enviou, e que apenas 5% das cartas enviadas
49. 42
chegaram ao seu destino. Kleinfeld, que vem do ramo da psicologia, também coloca em
discussão a fácil aceitação dos acadêmicos ao pobre resultado mostrado por Milgram. Para ela,
as pessoas gostariam de viver em um mundo pequeno, pois essa imagem nos parece mais
aconchegante.
A teoria do mundo-pequeno voltou a chamar atenção em 1998 com um artigo de
Duncan Watts e Steven Strogatz em que eles tentam explicar matematicamente os seis graus
de separação. O modelo de Watts e Strogatz mostra que em redes altamente conectadas os
graus de separação tendem a ser cada vez menores. Com isso eles constatam a formação de
cluster. Um cluster seria uma rede com muitas ligações. Voltando ao exemplo da festa, os
participantes formam um cluster, um mundo-pequeno, altamente conectado, em que os nós
têm um grau muito pequeno de separação. Considerar o cluster é importante para
entendermos que esferas sociais diferentes formam seus próprios mundos-pequenos, que
interagem entre si por meio de pessoas que pertencem a mais de um grupo social.
Essa teoria falha em ainda considerar os links de forma aleatória, dizendo, mais uma
vez, que as possibilidades de conexão de todas as pessoas são iguais. Se assim fosse, a chance
de uma pessoa entrar na minha página pessoal e no google seriam as mesmas. Isso acontece
porque a teoria de Watts e Strogatz não leva em consideração os fatores que motivam essa
conexão. A teoria de mundos-pequenos não releva o teor das interações e laços sociais e sua
influência na rede.
50. 43
Duncan Watts e Steven Strogatz chegaram a tentar repetir o experimento das cartas
de Milgram por correio eletrônico. Só que não foram bem sucedidos. A maioria das pessoas
não via vantagem em repassar o e-mail. Pequenos incentivos foram acrescentados, o que
surgiu efeito.
De certa forma, a teoria de Watts e Strogatz remete à teoria de Mark Granovetter, que
diz os laços fracos seriam mais importantes para a criação das redes sociais do que os laços
fortes. Granovetter considera os níveis de interação social e explica que os laços fortes, com
relação à família e amigos próximos, reduzem a possibilidade de novas conexões. Para ele, as
pessoas que mantém muitos laços fracos são os responsáveis pela manutenção das redes
altamente conectadas e, por isso, responsáveis pela manutenção dos mundos-pequenos.
7.3 REDES SEM ESCALA
A teoria de “redes sem escala”, proposta por László Barabási em 2003, resolve
alguns problemas das teorias anteriores. Por considerar a conexão em hubs, em pólos, o
modelo é melhor aplicável à dinâmica da internet. Ao invés de redes aleatórias com número
de conexões semelhantes a todos os nós, temos alguns pólos de maior convergência que
tendem a crescer exponencialmente, comparado a um nó de poucas conexões.
No caso da Internet, Barabási cita o Yahoo e o Google como os maiores hubs.
Segundo análises estatísticas de monitoração das conexões na internet, ele supõe que quando
51. 44
mais conexões um pólo recebe, maior as chances de mais pessoas se conectarem a ele.
Seguindo essa linha de pensamento, Barabási resume sua teoria em: “os ricos ficam mais
ricos.”
A principal falha dessa proposta é não analisar os motivos pelos quais alguns sites se
tornam pólos. László Barabási apenas ressalta que sendo pólo, as chances de crescer são
maiores. Raquel Recuero também ressalta que esta teoria não considera o custo para a
manutenção dos laços sociais. Os pólos das redes sem escala simplesmente acumulariam links,
sem considerar nenhuma interação de troca de informação entre eles.
No entanto, a teoria de redes sem escala é interessante para que possamos pensar nas
pessoas que funcionam como pólos das relações sociais. Barabási sugere o exemplo das
eleições. A cada eleição escolhemos pessoas que irão se transformar em pólos, em nível
nacional ou regional. A eleição ainda corrobora a idéia de que “os ricos ficam mais ricos” se
supormos que para uma pessoa ser eleita ela já deve ser um pólo dentro de sua comunidade ou
de sua região.
7.4 REDES SOCIAIS ON-LINE E OFF-LINE: UMA BARREIRA QUE SE DISSOLVE
Os telefones celulares vêm como potencializadores dessas relações. Uma pessoa que
utiliza muito o aparelho celular é provavelmente um pólo de sua rede social. Misa Matsuda
(2006) apresenta um período no Japão, em meados da década de 90, em que algumas pessoas
52. 45
criticavam quem utilizava o celular em áreas públicas, como no trem, por exemplo, por
acharem que quem falava no celular negava a importância do contato com as pessoas
próximas fisicamente. A pesquisa de campo de Matsuda, de caráter antropológico, mostrava
que jovens com alto uso de celular diziam utilizá-lo por não ter interesse nas pessoas fora do
seu ciclo de amigos. No entanto, outras pesquisas, que avaliavam o conteúdo das ligações,
logo revelaram que a maioria dos telefonemas eram feitos para pessoas com laços fortes,
família e amigos, ou seja, relativamente próximas fisicamente. Grande parte das ligações
tinham o objetivo de marcar encontros. Quanto mais a pessoa utilizava o celular, mais
sociável parecia ser.
No Japão, as redes sociais on-line são majoritariamente acessadas pelo telefone
celular. O que representa uma pequena fusão entre a lista de contatos do aparelho e a lista de
amigos da rede social. Isso indica uma dissolução da suposta barreira on-line / off-line.
Atualmente, o principal site de relacionamentos no Japão é chamado MIXI. Ele apresenta
algumas diferenças com relação ao Orkut. Assim como a rede mais utilizada no Brasil, o
MIXI é baseado em comunidades que se conectam para fazer amigos com interesses em
comum. Porém, ele tem como principal função a manutenção de um diário, um blog, que vai
por e-mail para todos da sua lista de contatos. A parte direcionada para as fotos é colocada em
segundo plano. Com o acesso aos contatos das redes sociais on-line com a mesma facilidade
da agenda de telefone podemos inferir que quem possui muitos contatos nas redes on-line é
53. 46
um possível pólo nas redes off-line.
No Brasil a tecnologia ainda apresenta barreiras a essa afirmação. No entanto, o
acesso à internet vem crescendo no país e a mentalidade vem sendo alterada. Antes, existia o
estereótipo do nerd, que tinha muitos amigos on-line e poucos off-line. Porém, com o sucesso
do Orkut isso mudou. Olhando rapidamente, temos a sensação de que as pessoas com muitos
contatos on-line são também pólos de redes sociais off-line.
Kakuko Miyata (2005), ao contrário, defende que essa barreira ainda é perceptível no
Japão. Ele discute que as redes formadas pelo computador tendem a ser muito mais ricas em
variedade do que as formadas pelo telefone. Mesmo que a pessoa possa acessar a internet pelo
keitai, Miyata argumenta que o comportamento nas duas é muito diferente. Para ele, o keitai
seria ruim para chat, por exemplo, o que implica que a conversa ficaria reduzida a duas
pessoas, enquanto com o PC teríamos muito mais possibilidades.
As discussões do autor ficam reduzidas à evolução do keitai. Em pouco tempo os
aparelhos poderão ser tão eficientes quanto um computador, e para muitas funções já o são.
Ele também não leva em consideração que cada aparelho tem que ser visto de acordo com
seus próprios conceitos e teorias. Devemos resistir à tentação de olhar para o celular como um
computador de mão, mesmo que em alguns momentos ele se porte dessa forma. Myata
também nos remete à discussão de Granovetter sobre laços fracos sendo responsáveis por
redes mais ricas.
54. 47
8 LINGUAGENS E EXPRESSÃO INDIVIDUAL
Os celulares prometem ser uma grande fonte de informação e de expressão pessoal
nos próximos anos. Shin Muzukoshi (2004) trabalha com o estudo de redes de fotologs e
outras comunidades sociais que só pode ser acessados e postados através de celular. Por ser
um objeto de uso individual, ser portátil e apresentar as possibilidades técnicas necessárias,
ele se mostra ideal para esse tipo de mídia. Mizukoshi aponta o celular como a grande
promessa para a expressão individual de jovens para os próximos anos.
A Rede Bandeirantes tem no jornal da manhã um “repórter celular”, que vai para
algum ponto estratégico e enquanto filma o fato, fala a notícia, sem a sua presença na tela.
Uma inovação no jornalismo que ainda está em fase de teste. No entanto, é interessante como
possibilidade de renovação das linguagens jornalísticas.
Uma preocupação referente ao uso dos celulares remete às discussões sobre a
influência da internet entre os jovens. Os jovens estariam escrevendo errado, ignorando regras
gramaticais, utilizando de abreviações, sem paciência para pensamentos longos e complexos
por meio da escrita. Com o celular, isso fica evidente pela velocidade com que a informação é
trocada. Supõe-se que o usuário esteja constantemente atento ao seu celular, e por isso
espera-se uma resposta instantânea.
No Japão, como os keitais recebem diretamente e-mails, espera-se que a resposta aos
e-mails também seja imediata. Não só a velocidade, mas o desconforto de uma tela pequena
55. 48
para leitura e de um teclado numérico para digitação fazem com que essa alteração da escrita
seja potencializada. É o que Naomi Baron comenta no começo de seu livro, Always On,
quando discute se a linguagem escrita na internet fez com que a “escrita ruim” superasse a
“escrita boa”. Ela, como pesquisadora de lingüística, discute com parâmetros em utilização do
formal e do informal. Baron chega à conclusão que, na era da internet e das mensagens
instantâneas, importa muito pouco se a escrita é ruim, desde que haja comunicação. A
mentalidade foi alterada.
Os livros para celular no Japão são uma demonstração clara da adaptação das
linguagens. Chamados de Keitai Shosetsu, (literalmente “novela para celular”), os livros para
celular no Japão têm algumas características próprias do meio. O público alvo desses
romances costuma ser estudantes do ensino médio e mulheres na faixa dos 20 anos de idade.
Seus autores são também formados pelo próprio grupo. Os romances geralmente têm muitos
diálogos e parágrafos pequenos para se adaptar à tela do celular. As histórias são curtas e
geralmente tem entre 200 e 500 páginas, sendo que cada página apresenta cerca de 500
caracteres japoneses (algo em torno de meia página A4 em fonte Times New Roman, tamanho
12). Os críticos de livros tentavam utilizar as mesmas regras que utilizavam para os livros
impressos para o novo material. Pois que o livro de celular foi considerado superficial e mal
escrito.
Ishihara Chiaki, especialista em literatura japonesa na universidade de Waseda,
56. 49
explica que os jovens começaram a escrever a partir da grande afinidade com escrever e-mails
pelo celular. Ishihara sugere que eles não eram escritores antes e muitos nem passaram pela
cultura do computador e sempre utilizaram apenas celulares, a tecnologia criou os novos
escritores. A cultura foi modificada pelo próprio aparelho.
8.1 POSSIBILIDADES NA EDUCAÇÃO
Uma possibilidade latente do celular é a sua utilização na educação. O uso simples da
tecnologia por um professor, que envia a matéria ou conteúdos complementares para o celular
dos alunos, pode trazer um novo ânimo para os estudos e manter o aluno com o conteúdo
acessível para estudo em qualquer lugar. No Japão isso é possível, mas os professores, em
geral, não o fazem. Padrões culturais que incentivam a utilização de sistemas antigos de
ensino inibem essa possibilidade.
No entanto, os alunos não deixam a tecnologia inutilizada. Os estudantes japoneses
aproveitam seus celulares com câmeras de boa qualidade e, frequentemente, tiram fotos do
quadro negro após a aula. No fim dos anos 90, com o crescimento do uso de celulares no
Japão, eles chegaram a ser proibidos em sala de aula. Hoje, com o aumento do número de
estudantes com celular ele é aceito no modo silencioso. Até mesmo porque muitos celulares
apresentam softwares específicos para estudo, como tradutores lingüísticos e dicionário,
muito além da simples calculadora.
57. 50
Podemos dizer que houve uma indiferenciação com relação ao uso do aparelho. Os
parâmetros de “faz bem ou mau” deixaram de ser considerados. Encara-se o fato de o celular
estar presente e como devemos trabalhar com isso. Não utilizá-los como ferramenta, como faz
o sistema de educação básica japonês, é apenas uma das alternativas.
Uma mudança de hábito causada pelo telefone celular é uma olhada no aparelho logo
que a aula termina. Fato muito comum entre os japoneses devido ao hábito de resonder
prontamente os e-mails, já pode ser constatado entre os estudantes brasileiros, mas não na
mesma proporção.
Existem também experiências de professores que, no ensino da língua, já utilizam os
emoticons como parte do aprendizado. Kanda University, uma faculdade no Japão, possui um
curso específico para o ensino da língua japonesa para estrangeiros. Algumas aulas eram
específicas para o aprendizado da comunicação de símbolos via internet. No caso, a
comunicação foi considerada mais importante do que a linguagem formal. Se Naomi Baron
(2006) reclama que a linguagem “ruim” superou a linguagem “boa”, é porque os usuários de
celular priorizam a comunicação rápida em detrimento das normas formais.
8.2 VOZ OU MENSAGEM
Uma grande diferença cultural ressaltada por muitos estudiosos da telefonia celular é
o modo como o Japão adotou a utilização de mensagens de texto e e-mail como principal
58. 51
forma de comunicação. Tomoyuki Okada, baseado em pesquisas do Mobile Communication
Research Group, descobriu que japoneses, entre o 15 e 24 anos, costumam escrever cerca de
10 mensagens por dia, entre SMS e e-mails. Enquanto 23 por cento declarou fazer uma a duas
ligações por dia e 27 por cento declarou realizar duas a seis ligações por semana. Mizuko Ito
também explica que muitos japoneses usam mais mensagens pois alegam que há assuntos em
que o texto é a melhor forma de se comunicar.
Nos Estados Unidos, Naomi Baron perguntou aos estudantes se das últimas dez
utilizações do celular, tanto para falar como para receber, quantas haviam sido mensagens. Ela
chegou a uma média de 3 mensagens de texto para cada 7 ligações por voz. A mesma
pergunta foi feita aos universitários de Juiz de Fora. O resultado foi igual ao dos americanos.
Na pesquisa em Juiz de Fora, 75% dos estudantes ainda declararam utilizar mais a ligação por
voz do que mensagem de texto.
59. 52
9 FETICHE E CONSUMO
Considerando o celular como fetiche. Como uma formação capaz de gerar gozo, no
sentido de gozar de uma boa capacidade de comunicação. Não é difícil encontrar na internet
cenas de sexo com o celular; pessoas falando ao celular durante o ato sexual, celular como
brinquedo erótico ou, transmissões ao vivo da câmera de celular de anônimos. Na concepção
de Freud, o fetiche ocorre quando o objeto passa a ser a referência de gozo do órgão sexual.
Nessa concepção, o celular se encaixa como fetiche a partir do momento que se torna objeto
do desejo do consumo para atingir um prazer.
Assim como no Brasil, no Japão, a venda de celulares supera a venda de
computadores pessoais por motivos óbvios. Preço, portabilidade e funcionalidade. A edição
especial da revista Veja de setembro de 2008 tem como matéria de capa a venda de
computadores no Brasil. Se compararmos com o Japão, essa seria uma etapa da evolução
digital. Primeiro um grande aumento no consumo de computadores pessoais para acesso à
internet. Com a possibilidade de acesso à internet via celular e a funcionalidade do 3G, a
redução da venda dos computadores é inevitável, considerando que o celular é mais barato,
portátil e de fácil manuseio. Atualmente, os jovens são os grandes consumidores nesse setor.
Como projeção espera-se que no futuro o uso seja mantido por essas pessoas, o que colocará
todas as faixas etárias como usuários.
Uma outra mudança relativa a consumo foi com relação ao dinheiro. A Sony inovou
60. 53
em criar o sistema FeliCa, que utiliza um chip que transmite informações seguras por
proximidade, sem contato. Em parceria com a empresa NTT DoCoMo, lançaram o primeiro
“celular carteira”, que, por possuir o chip, serve para fazer compras utilizando serviços de
crédito e débito. O sistema se espalhou para todas as empresas de telecomunicações no Japão
e atualmente cerca de 50 milhões de pessoas, metade dos usuários no país, utilizam o telefone
celular para esses serviços.
Os usuários desses telefones não precisam sacar dinheiro ou se preocupar com trocos
pequenos, como explica o comercial do sistema FeliCa. Quase todas as lojas já aceitam a
compra por telefone celular. Muitos computadores já possuem o chip para que compras feitas
pela internet possam ser discontadas direto pelo seu aparelho. As empresas ainda cadastram os
usuários em um sistema de pontos pelo uso do crédito que incentivam cada vez mais o
consumo desse serviço. No Japão o sistema também foi adotado no transporte público para
pagar as passagens direto na roleta, evitando filas e agilizando o acesso a trens e ônibus. O
FeliCa ainda traz a possibilidade de ser utilizado como identificação apenas, podendo ser
utilizado como cartão de ponto em empresas.
A demanda por esse sistema em nível global existe, mas ainda há muitas barreiras
culturais e de proximidade entre as empresas de crédito e comunicação. Esse sistema
corrobora mais uma vez linha teórica adotada por Mizuko Ito que considera a utilização da
tecnologia algo dependente das relações socioculturais de um país. A tecnologia existe, mas
61. 54
nem todos podem adotá-la.
9.1 MARKETING E PUBLICIDADE
Os celulares trazem também grandes mudanças no marketing. Com essa nova
tecnologia disponível as operadoras deixaram de ser apenas intermediadores de chamadas
telefônicas para se transformarem em provedoras de conteúdo e serviços que envolvam a
transmissão de dados. Desse modo elas não só aumentam suas receitas como criam novos
mercados. Hoje, 33% do faturamento das operadoras de celular coreanas e japonesas vêm de
mensagens de texto e dos serviços multimídia, como download de músicas. No Brasil, a
proporção é de apenas 8,5%17.
Além das possibilidades de propaganda por e-mail, como já se faz no computador, o
celular ainda trás a vantagem, aos anunciantes, de ser mais limitado do que o computador com
recursos para fugir da publicidade indesejada. Na maioria dos celulares que conectam na
internet, não dá para abrir muitas janelas de navegação, impedindo que se troque de conteúdo
enquanto outro está carregando. A Nokia anunciou em setembro um celular que possui
downloads gratuitos de música. Nesse caso o celular está alterando também o mercado
musical, mudando sistemas de distribuição e de recepção das músicas. Pensando na mudança
do mercado, algumas distribuidoras já anunciaram que irão começar a vender músicas em
17 Revista Exame: http://portalexame.abril.com.br/revista/exame/edicoes/0918/mundo/m0159328.htm
62. 55
cartões microSD18 para substituir em certa proporção o CD.
Pelo mundo, menos de 1% de todo conteúdo consumido pelo Ipod, na Apple Store, é
vídeo. Isso é pouco em volume mas é bastante em dinheiro. O mercado de vídeos para celular
também está em expansão e promete alterar o formato das grandes produções de cinema. O
microvídeo, com menos de 5 minutos, já se mostra como a alternativa mais viável à
velocidade de transmissão e ao nível de atenção do usuário.
O mercado editorial de livros no Japão também vem sofrendo alterações. O jornal
New York Times publicou que em 2007, entre os 10 livros mais vendidos no Japão, 5 haviam
sido escritos para celular19. Estes livros geralmente são de autores na faixa dos 20-25 anos e
são escritos diretamente no celular. Além de serem vendidos on-line, muitos conseguem
ultrapassar a pequena tela e viram livros impressos. Como o Brasil não é um país de tradição
no mercado editorial de romances, as chances deste mercado se expandir por essa via são
pequenas. Porém, adaptando essa possibilidade ao mercado brasileiro, poderemos ver em
alguns anos o crescimento desse setor para livros de humor, com pequenas piadas.
Um outro exemplo de modificação de estratégias de marketing é a do cereal
Sucrilhos, da Kellogs, que para atingir o público infantil e adolescente. Ao invés de oferecer
brinquedos colecionáveis, como de costume, fez uma edição em que oferece jogos para
18 Os cartões MicroSD são uma linha compacta de memória portátil. Patenteada pela San Disk, muitos celulares
já vem com a entrada para leitura desse tipo de cartão de memória.
19 Disponível em http://www.nytimes.com/2008/01/20/world/asia/20japan.html