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05Projeto
"MEMÓRIA-Nona Ilha"
VIEIRA, Alberto
AS FESTAS DO DIVINO, DAS ILHAS PARA O BRASIL?
UM CAMINHO AINDA POR REVELAR
THE CELEBRATION OF THE ATLANTIC ISLANDS DIVINE HOLY SPIRIT
IN BRAZIL? A PATH TO UNFOLD
Cadernos de divulgação do CEHA.
Projeto “Memória-Nona Ilha”/DRC/SRETC, N.º 05.
VIEIRA, Alberto, As festas do divino, das ilhas para o Brasil? Um caminho ainda por revelar.
Funchal. Setembro de 2016.
Miguelzinho Dutra (1810-1875) Festa do Divino Espírito Santo em ITU em 1835. Museu Republicano de Itu. SP/BR.
2CADERNOS DE DIVULGAÇÃO DO CEHA
AS FESTAS DO DIVINO, DAS ILHAS PARA O BRASIL?
UM CAMINHO AINDA POR REVELAR
(http://goo.gl/H2ZhCx)
ALBERTO VIEIRA*
CEHA-SRETC-MADEIRA
(http://goo.gl/osncCF)
ALBERTO VIEIRA. N. 1956. S. Vicente, Madeira. Títulos
Académicos e Situação Profissional: 2016- Coordenador
do CEHA e de projetos de investigação; 2013-2015: Dire-
tor de Serviços do CEHA; 2008- Presidente do CEHA, 1999
- Investigador Coordenador do CEHA; 1991-Doutor em
História (área de História dos Descobrimentos e Expansão
Portuguesa), na Universidade dos Açores; 1980. Licencia-
tura em História pela Universidade de Lisboa. Atividade
científica. Pertence a várias academias da especialidade
e intervém com consultor científico em publicações pe-
riódicas especializadas. É Investigador-convidado do CLE-
PUL-Lisboa. Membro da Cátedra Infante Dom Henrique.
Desenvolveu trabalhos de investigação nos domínios da
História do Meio Ambiente e Ecológica, História da Ciên-
cia e da Técnica, O Mundo das Ilhas e as Ilhas do Mundo,
História da Autonomia, História da Ciência e da Tecnolo-
gia, História da Escravatura, História da Vinha e do Vinho,
História das Instituições Financeiras, História do Açúcar.
Atualmente desenvolveu estudos e coordena projetos
sobre Historia Oral /Autobiográfica, com os projetos: ME-
MÓRIAS das Gentes que fazem a História; NONA ILHA- as
Mobilidades Madeirenses; AUTONOMIA. Memórias e tes-
temunhos. Publicações. Tem publicado diversos estudos,
em livros e artigos de revistas e atas de colóquios, sobre
a História da Madeira, dos espaços insulares atlânticos,
da Nissologia/Nesologia e sobre os temas de investigação
referidos acima. Informação curricular desenvolvida em:
http://goo.gl/osncCF.
As festas do divino, das ilhas para o Brasil?
Um caminho ainda por revelar
3CADERNOS DE DIVULGAÇÃO DO CEHA
“...o culto do Espírito Santo poderia passar como simples porme-
nor etnográfico, folclórico e histórico, se não fossem as suas implica-
ções actuais e a sua importância para a posição futura no mundo da
cultura de língua portuguesa.”
(SILVA, Agostinho da, 1967: 39)
“…virá esse império [entenda-se o reino do Espírito Santo] esten-
dido a todas as nações do Mundo, a todas elas revelando o Espírito, e
a todas elas, e a todos os homens nelas, mergulhando naquilo que será
a solução da antinomia vida-morte.”
(SILVA, Agostinho da, 1988: 199 e 198)
“... [o] anacronismo: o mais imperdoável dos pecados, no enten-
der de uma ciência do tempo.”
(Marc Bloch, 1976, A História, Lisboa,
Publicações Europa-América, p. 149)
“O abuso ideológico mais comum da história baseia-se antes em
anacronismo que em mentiras. [o anacronismo é] …, o pior pecado do
historiador.”
(HOBSBAWM, 1998: 28, 248)
As festas do divino, das ilhas para o Brasil?
Um caminho ainda por revelar
4CADERNOS DE DIVULGAÇÃO DO CEHA
RESUMO
As festas do divino são, frequentemente, uti-
lizadas como um elemento identitário das ligações
culturais entre o Brasil e os espaços insulares, levan-
do a uma desmesurada valorização desses vínculos,
muitas vezes a partir de uma realidade atual e não
da época em que as manifestações começaram a ter
lugar. Assim, a partir de uma análise da realidade das
festas do Divino, nos Açores e na Madeira, atenden-
do às suas semelhanças e diferenças, procuraremos
entender a sua atual manifestação, no sentido de
buscar as múltiplas influências madeirenses, açoria-
nas e até mesmo doutras origens geográficas de Por-
tugal continental.
Esta tendência para a definição de uma cultu-
ra regional, em épocas muito antigas, não poderá,
porém, ser entendida como anacrónica, no sentido
em que se pretende transpor para o passado uma
realidade identitária arquipelágica atual, construída
e reforçada com o movimento de autonomia, na sua
última fase, a partir de 1976?
Não será este o pecado mortal da historiografia
insular, ao pretender remeter esta identidade cultu-
ral diferenciadora, construída com o processo auto-
nómico, para épocas anteriores, mesmo para mea-
dos do século XVIII?
Entendemos, ainda, que a tradição cultural do
divino Espírito Santo é um elemento identitário da
cultura portuguesa. A diferenciação geográfica de
múltiplas influências culturais nos núcleos de povoa-
mento ou de emigração deve-se, pois, fazer sentir de
igual forma, tendo em conta os grupos e a origem
geográfica que as determina. Neste sentido, mais do
que apresentar resultados, a nossa intervenção será
chamar a atenção para múltiplos aspetos que de-
terminam as mobilidades humanas com origem nas
ilhas, de forma particular, nos arquipélagos da Ma-
deira e Açores e, tendo em conta um aspeto muito
comum, a sua religiosidade e práticas religiosas.
PALAVRAS-CHAVE: Açores, Brasil, Divino, Espíri-
to Santo, ilhas, Madeira, religiosidade.
ABSTRACT
The Divine Holy Spirit festivities are frequently
the most immediate connection between Brazil and
the Atlantic Islands, hence having emerged a strong
valorization of the celebration as it is done presently
without understanding its original context.
Based on the commemoration in both Azores
and Madeira Islands we will seek to understand how
the rituals are done nowadays trying to depict its
multiple influences.
Isn’t there a general tendency in regional
studies to perceive these type of religious and
cultural manifestation as mere transpositions from
past to present, especially reinforced with the
Autonomous movements since 1976? We believe
that to ground this cultural identity, which emerged
during autonomy launching, into the past and even
back to the 18th
century, is a great historical failure.
On the other hand we are certain that the Holy
Spirit tradition is part of the Portuguese Identity. As
a consequence, we agree that differences according
to geographical diversity cannot be denied. Our
presentation will not show results. On the contrary, it
will call attention to the multiple aspects connected
to mobility within the Archipelagos of Madeira and
Azores, hence trying to evidence its similarity in
terms of religiosity.
KEY WORDS: Azores, Brazil, Holy Spirit, Islands,
Madeira, religion.
As festas do divino, das ilhas para o Brasil?
Um caminho ainda por revelar
5CADERNOS DE DIVULGAÇÃO DO CEHA
A ABRIR
O Espírito Santo é o obreiro da fraternidade, co-
munhão e partilha. É um elemento emblemático da
cultura atlântica dos portugueses.
Como ilhéus que veem o mundo, não da sua
própria ilha, mas do Atlântico, o que nos faz insula-
res, sem distinção de território (ilha ou arquipélago),
a boiar no imenso oceano, queremos que a fraterni-
dade e a partilha de que o mar oceano é metáfora
não se fiquem apenas pelas palavras, mas que se der-
ramem em tudo aquilo que fazemos e que este mes-
mo desejo se infunda na nossa vida e escrita, seja ela
qual for. Ser insular é partilhar um oceano, um largo
horizonte de sonhos e desejos. É receber os efeitos
purificadores do sal da maresia, que nos acompanha,
diariamente, e que traz a harmonia de quem partilha
um espaço/território comum.
Nascidos na Madeira, sentimo-nos mais insula-
res que madeirenses. Conhecemos bem as ilhas e a
História dos arquipélagos da Madeira, dos Açores, de
muitas regiões brasileiras e da ilha de Santa Catarina,
mas nada nos obriga a quaisquer compromissos com
memórias passadas e presentes que impliquem, da
nossa parte, a apropriação territorial, quanto a pro-
tagonismos, tradições e influências culturais.
O processo de afirmação da regionalidade, em
vez da naturalidade, levou-nos a atropelar a História
e a vê-la com um olhar, que liga tudo e todos a um
lugar, de preferência ao nosso.
Caímos, inevitavelmente, no anacronismo tem-
poral e espacial. Fazemos os rumos e conhecimentos
históricos orbitar em torno do nosso “poio”/região,
esquecendo o resto e prestando um péssimo servi-
ço ao conhecimento historiográfico e à investigação
histórica.
Por impulso da política e tradição regional so-
mos, na perspetiva de HOBSBAWM (1998: 248), os
Miguelzinho Dutra (1810-1875) Festa do Divino Espírito Santo, em ITU em 1835.
Museu Republicano de Itu. SP/BR. (Painel azulejo na entrada do Museu Republicano)
As festas do divino, das ilhas para o Brasil?
Um caminho ainda por revelar
6CADERNOS DE DIVULGAÇÃO DO CEHA
maiores pecadores da História1
. E porque não que-
remos que nos acusem deste pecado, aqui estamos
para propor outras formas de investigação e escrita,
face a esta e outras realidades. Assumimos, então,
este modo de olhar como um espaço de comunhão e
de partilha. Exatamente como as festas dos lugares,
em que tudo se partilha com todos – o lazer, a diver-
são, o alimento – e onde ninguém é excluído. Uma
outra partilha, portanto2
.
O PROBLEMA
Olhamos geralmente o passado através da visão
que temos do momento atual. O que implica obri-
gatoriamente uma leitura desajustada e anacrónica
dessa realidade que pretendemos trazer para o pre-
sente. Assim, de uma forma simplista, diferenciámos
o território insular, de acordo com a atual apropria-
ção do sistema político-administrativo – Madeira e
Açores - e pensámos que, no passado, tudo se pas-
sava de igual forma e que as populações originárias
destes territórios eram madeirenses e açorianos e
não “naturais de…” ou “moradores em”3
. Esta ideia
identitária de espaço é uma construção mental, que
hoje faz todo o sentido, o que não acontece no pas-
1	 Note-se que FALCON, Francisco, (“História e cidadania.” Revista
Acervo 21.2 (2011): 123-144.) situa “….a tentação teleológica e o
anacronismo presentista. “tentação teleológica” consiste em se inter-
pretar a cidadania em qualquer espaço-tempo, sempre em função de
seu vir-a-ser, isto é, daquilo que o historiador já sabe de antemão
acerca do curso posterior de tal cidadania. Sob tal ótica, as histó-
rias da cidadania apresentam-se sempre como algum tipo de estudo
das “origens” da cidadania. O “anacronismo presentista” se situa em
posição oposta à anterior. Toda forma ou manifestação histórica de
“cidadania” tende a ser julgada perante o tribunal do conceito atual
de cidadania. Em consequência, a cidadania de outros tempos e lug-
ares peca sempre por falta ou incompletude.” (FALCON, 2011: 126-
127).
2	 Para GUARINELLO (2001, 972), “A festa é uma produção do coti-
diano, uma ação coletiva, que se dá num tempo e lugar definido e
especial, implicando a concentração de afetos e emoções em torno
de um objeto que é celebrado e comemorado e cujo produto princi-
pal é a simbolização da unidade dos participantes na esfera de uma
determinada identidade. Festa é um ponto de confluência das ações
sociais cujo fim é a própria reunião ativa de seus participantes”. Cf.
GUARINELLO, N. L, 2001, Festa, trabalho e cotidiano. In: JANC-
SÓ, I.; KANTOR, I. (Orgs). Festa, cultura e sociabilidade na Améri-
ca Portuguesa. São Paulo: Hucitec/ Edusp; FERREIRA, L. F. O lugar
festivo – a festa como essência espaço-temporal do lugar. Espaço e
cultura, UERJ, RJ, n. 15, p. 7-21, jan./jun. 2003; de Oliveira, A. N., &
Calvente, M. D. C. M. H. (2012). As múltiplas funções das festas no
espaço geográfico. INTERAÇÕES, Campo Grande, v. 13, n. 1, p. 81-
92, jan./jun. 2012.
3	 De acordo com L. SANTOS (1999: 52), na identificação dos casais
madeirenses que foram, no século XVIII, para o Brasil, refere-se “da
ilha da Madeira…” e nos livros de matricula aparecem como “mora-
dor na….” (SANTOS, 1999: 105).
sado anterior ao século XX4
. Vejamos: na documenta-
ção, os madeirenses ou açorianos não são identifica-
dos como tal, mas como portugueses, naturais desta
ou daquela ilha, retirando-lhe a diferenciação cultu-
ral que hoje fazemos. Por outro lado, as associações
que se criam nos diversos espaços de emigração não
levam o epíteto da origem local dos seus fundadores,
mas sim a designação de “Portuguesa”, como suce-
de, por exemplo, no século XIX, nas Antilhas5
. Há, na
verdade, uma tradição e cultura comuns, partilhada
por todos e que poderá ser definida por matizes es-
pecíficas, tendo, no caso da Madeira, o culto a nossa
Senhora do Monte e, nos Açores, o do Senhor Santo
Cristo6
. Diferente é a atitude dos emigrantes, a partir
do século XX, que passam a identificar-se como ma-
deirenses ou açorianos7
.
Este olhar o passado de acordo com uma visão
atual é um dos mais pesados equívocos ou “pecados”
- para utilizar a expressão de Eric Hobsbawm (1998:
248) - do historiador que, embora tenha sempre isto
como uma recomendação fundamental da sua mis-
são, esquece-se quase sempre dela, no momento
fulcral8
. Neste quadro, parece-nos necessário refletir
4	 Para o debate dos localismos e nacionalismos Cf. ANDERSON, Ben-
edict, 2008. Comunidades imaginadas: reflexões sobre a origem e a
difusão do nacionalismo. São Paulo, Companhia das Letras; CANNY,
Nicholas & PAGDEN, Anthony, 1987. Colonial Identity in the Atlan-
tic world, 1500-1800. Princeton, Princeton University Press; Moura,
D. (2013). Naturais das vilas e cidades: reformulações de identidades
na América Portuguesa (1740-1802). Dimensões, (31), 56-76.
5	 Cf. Noel Menezes, 1986, Scenes from the History pf The Portuguese in
Guyana, London, univ. Publication, pp. 113, 124.
6	 Por exemplo, para a Madeira, o culto a Nossa Senhora do Monte, que
chegou às Antilhas, Angola e Estados Unidos, enquanto nos Açores,
o culto do Senhor Santo Cristo foi espalhado por todas as comunida-
des de açorianos, nomeadamente nos Estados Unidos da América.
7	 É o que sucede nos Estados Unidos da América, onde, em Oakland,
na Califórnia, um grupo de madeirenses cria, em 1913, a Associação
Protector União Madeirense do Estado da Califórnia (MENDON-
ÇA, D. M. B., 2007, Da Madeira a New Bedford: Um capítulo ignorado
da emigração portuguesa nos Estados Unidos da América, Funchal,
DRAC: 177). E o mesmo sucede, mais tarde, no Curaçau (Do Rego,
C., 2012, The Portuguese immigrant in Curaçao: immigration, partici-
pation and integration in 20th century. Uitgeverij SWP. 2012).
8	 “ O anacronismo – a acreditar em nossos dicionários e enciclopédias
– “é uma violação do curso do tempo, da cronologia”, a “incorreta or-
ganização temporal de ideais, coisas ou pessoas, ou em termos mais
convincentes, em inglês, “anything done or existing out of date, hen-
ce, anything with the present” (alguma coisa feita ou existente que
se tornou obsoleta, portanto, algo adequado a uma época passada,
mas que não está de acordo com o presente.) ” ENZENSBERG, Hans
Magnus. A massa folhada do tempo: meditação sobre o anacronismo.
In: Ziquezague. Ensaios. Tradução: Marcos José da Cunha. Rio de Ja-
neiro: Imago, 2003. p. 12. E, ainda: “O anacrônico seria, portanto,
a tentativa de olhar para um tempo outro e com ele realizar diálo-
gos e conexões, enquanto o contemporâneo tenta manter os olhos
fixos no seu tempo, mas só consegue captá-lo perfeitamente como
ele é, se realizar um deslocamento anacrônico. Seria, pois, impos-
As festas do divino, das ilhas para o Brasil?
Um caminho ainda por revelar
7CADERNOS DE DIVULGAÇÃO DO CEHA
sobre algumas questões relacionadas com os anacro-
nismos da historiografia madeirense e açoriana9
.
DOS ANACRONISMOS DE MADEIRENSES
E AÇORIANOS
A diferenciação de açorianos e madeirenses,
como marco identitário de uma realidade cultural e
histórica, com dimensão territorial diferenciada, é
uma criação recente e filia-se nas correntes de pen-
samento político regionalista. Ora, isto remete-nos
para o debate da naturalidade ou regionalidade dos
insulares. Neste sentido, antes do século XIX, falar de
açorianos ou madeirenses poderá ser considerado
anacrónico10
, uma vez que não existe uma identidade
sível perceber o tempo no momento exato em que ele é concebido,
é preciso enxergá-lo no instante em que passou e deixou para trás
seus valores. Só é possível compreender o tempo em sua totalidade
com o olhar mirado no ontem, através da desconexão e dissociação
com o presente. Sobre essas afirmações, convocamos AGAMBEN
(2009) novamente: Pertence verdadeiramente ao seu tempo, é verda-
deiramente contemporâneo, aquele que não coincide perfeitamente
com este, nem está adequado às suas pretensões e é, portanto, nesse
sentido, inatual; mas exatamente por isso, exatamente através desse
deslocamento e desse anacronismo, ele é capaz, mais do que os ou-
tros, de perceber e apreender o seu tempo”. (AGAMBEN, 2009, p.
58-59). AGAMBEN, Giorgio. O que é o contemporâneo? In: _____.
O que é contemporâneo? E outros ensaios. Tradução: Vinícius Nicas-
tro Honesko. Chapecó, SC: Argos, 2009. p. 55-73. Sobre o debate em
torno da questão do anacronismo Cf.: García Barrientos, J. L. (1996).
Anacronismo y ficcón (notas para una introducción). Universidad de
Murcia; Claude Dubar, «François Hartog, Régimes d’historicité, Pré-
sentisme et expériences du temps», Temporalités [Enligne], 2 | 2004,
mis en ligne le 29 juin 2009, consulta a 11 agosto 2016. URL: http://
temporalites.revues.org/794; Dosse, François. “De l’usage raisonné
de l’anachronisme”. EspacesTemps Les Cahiers n.o 87-88 (2005): 156-
171; Didi-Huberman, Georges. “Apertura: Historia del arte como dis-
ciplina anacrónica”. En Ante el tiempo. Historia del arte y anacronis-
mo de las imágenes. Georges Didi-Huberman. Buenos Aires: Adriana
Hidalgo Editora, 2008, 31-97; Olarte, R. S. (2009). Del anacronismo
en Historia y en Ciencias Sociales.Historia crítica, (1), 278-299; Cha-
ves Maldonado, M. E. (2016). El anacronismo en la historia: error o
posibilidad? A propósito de las reflexiones sobre el tiempo en Carlo
Ginzburg, Marc Bloch y Georges Didi-Huberman. Revista Historia y
Sociedad, (30), 45-73.
9	 Atente-se que, segundo Marc Bloch (BLOCH, Marc. Apologia da his-
tória ou o ofício do historiador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor,
2001, p. 60) apenas hoje “Nunca se explica plenamente um fenômeno
histórico fora do estudo do seu momento”.
10	 Recordemos algumas recomendações sobre os perigos dos anacro-
nismos no discurso histórico: “Os historiadores do contemporâneo,
do tempo presente, ignoram-no. A história contemporânea difere
assim (há outras razões para esta diferença) da história das épocas
anteriores. Esta dependência da história do passado em relação ao
presente deve levar o historiador a tomar certas precauções. Ela é
inevitável e legitima, na medida em que o passado não deixa de viver
e de se tomar presente. Esta longa duração do passado não deve, no
entanto, impedir o historiador de se distanciar do passado, uma dis-
tância reverente, necessária para o respeitar e evitar o anacronismo.
(...) Dessa forma, a historiografia surge como sequência de novas lei-
turas do passado, plena de perdas e ressurreições, falhas de memória
e revisões. Estas atualizações também podem afetar o vocabulário do
instituída e com registo na História. Deste modo, de-
verá referir-se, sim, a “natural de” ou “nascido em”,
como habitualmente refere a documentação. Desta
forma, esta carga identitária regional poderá condi-
cionar muitas dificuldades e alterações no discurso
histórico, quando usada para épocas passadas. Esta
ideia de madeirenses ou açorianos, que somos, ape-
nas hoje, por força de uma identidade diferenciado-
ra definida pela Geografia e construída pela Cultura,
História e Política, não pode ser transportada para
um passado, onde as marcas dessa diferenciação cul-
tural, não estavam definidas nem balizadas de forma
institucional. Há uma matriz cultural portuguesa, é
certo, com cambiantes, na atualidade, em relação
aos arquipélagos da Madeira e Açores, que acompa-
nhou todo o processo de expansão e de mobilidade
dos reinóis e insulares e que não pode ser negada,
à luz das atuais visões diferenciadoras definidas ao
nível político institucional.
Até século XX, os emigrantes são identificados
como portugueses e reúnem-se em torno da portu-
galidade. As instituições, filantrópicas ou não, assu-
mem, no nome, essa caraterística da nacionalidade.
À medida que avança a afirmação da regionalidade,
surgem as casas e associações com caráter regional,
mas a sua grande divulgação só começou na déca-
da de quarenta do século XX, com o Estado Novo.
Não nos podemos, ainda, esquecer de que a ideia de
região com uma entidade cultural própria é apenas
uma ideia do século XX.
Há uma corrente do pensamento político que
parte da região para definir uma identidade colada ao
espaço/território, com impacto importante no pen-
samento político europeu de princípios do século XX.
O regionalismo surge em França, a partir de finais do
século XIX e cedo se alargou até à Península Ibérica. É
um movimento aberto a todos os sectores políticos e
socioprofissionais da sociedade e que pretende defen-
der os interesses da região, da sua diferenciação cul-
tural através da promoção da Cultura e da História11
.
historiador, introduzindo-lhe anacronismos conceituais e verbais,
que falseiam gravemente a qualidade do seu trabalho.” Le Goff, Jac-
ques, História e memória, Campinas, SP Editora da UNICAMP, 1990
p. 25, 28.
11	 Sobre o Regionalismo na Europa, ver: Luís Duran i Ventosa, Regio-
nalisme I Federalisne, Barcelona, 1993; Miquel Dels Sants Oliver, La
Questió Regional, Barcelona, 1987; ORDUÑA, Enrique, El regionalis-
mo en Castilla y León, Valladolid, 1986. SANTAMARIA_ORDUÑA,
Martin Artajo, Documentos para la Historia dell regionalismo en Es-
paña, Madrid, 1977; Christian Gras, Régions et Regionalisme en Fran-
ce du XVIIIe siécle à nous jours, Paris, 1977; Francisco Veloso, Alguns
As festas do divino, das ilhas para o Brasil?
Um caminho ainda por revelar
8CADERNOS DE DIVULGAÇÃO DO CEHA
O movimento regionalista não se firmou ape-
nas no combate pela autonomia ou pela descen-
tralização político-administrativa. Os seus arautos
foram personalidades que se destacaram no estudo
e promoção da História e da Cultura regional. Nes-
te contexto, tivemos na Madeira as comemorações
do IV Centenário do Descobrimento da Madeira,
que decorreu nos anos de 1922 e 1923. Enquadra-
do nestas festividades, surgiu o projeto de publica-
ção do “Elucidário Madeirense”, que se afirma como
um repositório do saber madeirense, regional, que
contribui para reforçar a imagem e a ideia de região,
aqui entendida como arquipélago/região. Ainda em
consonância com este discurso, que foi responsável
por uma significativa produção historiográfica, sur-
gem a defesa e o combate pela autonomia. Um gru-
po de intelectuais madeirenses deu, então, origem
à chamada tertúlia, “O Cenáculo”, destacando-se
personalidades como o Major Reis Gomes e o Padre
Fernando Augusto da Silva.
A construção do regionalismo procura diversos
alicerces dentro do discurso científico, cultural e lite-
rário. A par da afirmação destas políticas e movimen-
tos em prol da região, desenvolvem-se os estudos
locais e regionais. A História local e regional ganha
evidência e diferencia-se da nacional. Constrói-se o
panteão de heróis regionais. Desta forma, a promo-
ção dos estudos literários, etnográficos e históricos foi
uma realidade no primeiro quartel do século XX. Mui-
tos dos que se evidenciaram na luta autonomista fo-
ram também vultos de relevo no panorama literário12
.
O movimento regionalista foi uma manifestação
que ganhou forma no primeiro quartel do século XX
e que chegou a toda a periferia de Portugal. Foi ele
a força vivificadora das regiões, da identificação e
afirmação da sua cultura e valores, face a um Estado
autocrático que fazia do Terreiro do Paço, em Lisboa,
o seu umbigo, o centro do mundo.
A região é uma forma de olhar e criar o espa-
ço. É uma construção do discurso científico e políti-
co, que se pode materializar num espaço geográfico
e que se afirma por critérios objetivos da História,
Linguística, Economia, Política e Etnografia. Daqui
Aspectos do Pensamento Regionalista, in Scientia Iuridica, t. XXIII,
n.º 126-127, 1974; Thiébaut Flory, Le Mouvement Régionaliste Fran-
çais, Paris, 1966; Charles-Brun, Le Regionalisme, Paris, 1911.
12	 VIEIRA, Alberto, Guia Para a História e Investigação das Ilhas Atlân-
ticas, Funchal, 1994.
resulta a multiplicidade das variantes do discurso do
regionalismo e anti regionalismo. Atente-se a que, no
debate científico e no discurso académico, a ênfase
vai para o regionalismo político, literário, arquitetóni-
co e económico. Enquanto os primeiros fazem apelo
ao local, à região, no sentido restrito, aqui, este movi-
mento, que se afirmou a partir da década de oitenta
do século XX, apela à formação de grupos regionais
de países, no sentido de estabelecer políticas econó-
micas de coordenação, que favorecem o comércio à
escala regional, atuando como uma forma de coesão
económico-social dos Estados envolvidos.
No campo da Literatura e da Língua, temos ain-
da de distinguir aquilo que se entende por regionalis-
mos, isto é, palavras e expressões com assento e cria-
ção local, do regionalismo como produção literária,
que se afirma nas diversas formas de expressão pela
valorização do local e das suas formas de expressão.
Paul BOIS13
afirma que a região é uma construção da
História e não da Geografia. Desta forma, o regiona-
lismo é o mecanismo histórico que está na origem
e afirmação da região, entendida como um espaço
simbólico, definido pelo homem, delimitado pela po-
lítica e que se constrói no tempo pela ação diferen-
ciadora das demais regiões que o delimitam ou com
as quais se enfrenta.
O discurso regional é a construção e identifica-
ção da região através da língua ou dos dialetos, dos
usos, tradições e costumes que fazem a essência da
regionalidade. Expressa-se no combate político, pela
defesa dos interesses do espaço em questão, pelo es-
bater das barreiras da centralização, através de for-
mas políticas de administração intermédias que, em
termos institucionais, se materializam em municípios,
províncias, regiões autónomas ou estados federados.
Desta forma, apresenta-se como uma manifestação
clara contra as desigualdades da política de revolta
contra o estado central e, enfim, de diabolização do
centro e da metrópole. A consciência regional cons-
trói-se e afirma-se através dos movimentos e grupos
regionais, das políticas de afirmação da região, atra-
vés da História Regional e Local, dos congressos re-
gionalistas, da criação literária enfocada na região, da
criação de espaços culturais e museológicos14.
13	 BOIS, Paul, 1960, Paysans de l’Ouest, des structures économiques et
sociales aux options politiques depuis l’époque révolutionnaire, Pa-
ris-Haia: Mouton.
14	 VIGIER, Philippe, 1977, Régions et Régionalisme en France au XIXe
Siècles, in GRAS, C. e LIVET, G, Régions et Regionalisme en France
As festas do divino, das ilhas para o Brasil?
Um caminho ainda por revelar
9CADERNOS DE DIVULGAÇÃO DO CEHA
O regionalismo é o discurso da periferia, em
combate com os macrocéfalos centros de decisão e
domínio. É por isso que se afirma e se exacerba em
espaços ou regiões mais periféricos, afastados do cen-
tro ou isolados da demais envolvência social e política.
Daí a sua forte expressão transmontana e insular. Não
será por acaso que as primeiras casas regionais apa-
recem como expressão desta periferia na capital. Em
1905, surgiu a casa de Trás-os-Montes e Alto Douro e,
passados dois anos, a da ilha da Madeira15
. A presen-
ça da casa da Madeira chega até Lourenço Marques,
onde teve expressão entre 1937-69. Depois, nos anos
20, a exacerbação do regionalismo gerou novas casas,
contando com o apoio do madeirense José Vicente
de Freitas, então presidente da Câmara de Lisboa.
Cedo, o Estado Novo se apercebeu da sua importân-
cia, convertendo-as em sustentáculo do nacionalis-
mo e unidade nacional, integrando-as no movimento
corporativo, criando, em 1945, o Conselho Superior
do Regionalismo Português.16.
As casas regionais e
os congressos regionais integram-se no Estado Novo
unitário e convertem o discurso regionalista à ideia
de unidade da nação17
. Não será isto uma forma dis-
farçada de anti regionalismo? Esta intervenção do
Estado Novo reformula o regionalismo, não apenas
em termos políticos e institucionais, mas também em
termos da arquitetura, surgindo, como movimento
arquitetónico, a casa portuguesa ou regional de Raul
Lino, com esta expressão do falso regionalismo.
É certamente nas ilhas que esta expressão do
regionalismo mais se torna visível. Há um discurso
insular da regionalidade que se afirma pela presença
do mar, pela definição clara das fronteiras que o mar
traçou. E este ganhou diversas formas de expressão
e reforça-se ainda mais em espaços arquipelágicos,
como as Canárias e os Açores, por exemplo.
A AÇORIANIZAÇÃO HISTÓRICA DO BRASIL
Na tradição e memória coletiva de alguns seto-
du XVIIIe siècle à nous Jours, Paris, PUF, pp. 165-174 ; GRAS, Chris-
tian, 1982, La Revolte dês Régions d’Europe Occidentale de 1916 à nous
Jours, Paris, Presses universitaires de France.
15	 MELO, Daniel, 2004, Longe da vista perto do coração: o associativis-
mo regionalista no contexto colonial português, Coimbra, CES-FEUC.
16	 Sobre as casas regionais, cf. FORTE, Maria João Figueiredo, 1996, As
casas regionais em Lisboa: a Casa das Beiras, Lisboa, FCSH-UNL, tese
de mestrado
17	 Cf. CATROGA, F., 2005, Nação, mito e rito: religião civil e comemora-
cionismo: EUA, França e Portugal. NUDOC-UFC, Museu do Ceará.
res brasileiros, parece existir uma ideia corrente da
ligação do território brasileiro, aos Açores. Ou será
antes a impressão, quase generalizada de que Aço-
res é sinónimo de ilhas, englobando os arquipélagos
dos Açores e Madeira. Atente-se que, no Brasil, al-
guns dos discursos historiográficos relacionados com
a expansão da cultura sacarina e dos engenhos, a
emigração e o transplante de usos e tradições, são
quase sempre sinónimo de Açores, sem que isso cor-
responda a uma devida fundamentação de caráter
documental e à verdade histórica.
Entretanto, uma tradição brasileira diz-nos
que o engenho de Erasmos de Santos é apresenta-
do como uma aportação açoriana, sendo o modelo
ou estilo arquitetónico dito “açoriano” 18
, como se o
arquipélago dos Açores tivesse tido uma afirmação
evidente na economia açucareira e gentes experi-
mentadas na cultura e técnica do açúcar. A mesma
situação repete-se em Santa Catarina, onde tudo o
que é português/ilhéu é quase sempre entendido
como açoriano. Sem dúvida o facto mais significativo
de tudo isto está na intenção de certa historiografia
em ignorar outros insulares como os madeirenses19
e
mesmo os reinóis, fazendo depender dos açorianos
o legado cultural dos colonos portugueses que apor-
taram a terras brasileiras, no século XVIII. Recorde-
mo-nos que, a 7 de junho de 1886, desembarcaram,
18	 Esta ideia é pública e afirmada pelas entidades oficias, como por al-
guma historiografia, como é o caso de SAIA, L., 1978 (1958), Morada
Paulista. 2A, ed. São Paulo, Perspectiva. Cf. Sobre o engenho, veja-se:
STOLS, Eddy. 1968, Um dos primeiros documentos sobre o Engenho
dos Schetz em São Vicente. Revista de História. São Paulo, 37: (4º tri-
mestre): 407-419, 1968. Maria Regina da Cunha Rodrigues,1960, A
documentação antuerpiana sobre o Engenho São Jorge dos Erasmos
e o prof. dr. Hermann Kellenbenz, Revista de História. São Paulo, 76:
(3ºtrimestre): 407-419, 1968; ANDREATTA, Margarida Davina, 1999,
O engenho S. Jorge dos Erasmos: Prospeção Arqueológica, Histórica e
Industrial, REVISTA USP, São Paulo, n.41, p. 28-47, março/maio; José
Luiz de MORAIS, Silvia Cristina PIEDADE and Eliete Pythagoras Bri-
to MAXIMINO, Arqueologia da terra brasilis: o engenho são jorge dos
Erasmos, na capitania de São Vicente, Revista de Arqueologia America-
na, N.º 23, Arqueología Histórica (2004/2005), pp. 349-384.
19	 BOITEUX, Lucas Alexandre, Açorianos e Madeirenses em Santa Ca-
tarina, Revista do I. Hist. e Geog. Brasileiro, Vol. 219, Rio de Janeiro,
1953; FERRAZ, Maria de Lourdes de Freitas, Emigração Madeirense
para o Brasil no Século XVIII, Islenha, Funchal, 1988, nº 2, 88-101.
PEREIRA, Nereu do Vale, Notas sobre a Participação Madeirense na
Colonização da Ilha de Santa Catarina, in As Ilhas e o Brasil, Fun-
chal, 2000, 337-348. PIAZZA, Walter, Madeirenses no Povoamen-
to de Santa Catarina (Brasil) Século XVIII, in Actas do I Colóquio
Internacional de História da Madeira, Funchal, 1989; id., A epopeia
Açorico-Madeirense (1746-1756), Florianópolis, VFS c/ Sunardelli,
1992 [Edição CEHA Funchal 1999]. SANTOS, Maria Licínia Fernan-
des dos, Os Madeirenses na colonização do Brasil, Funchal, CEHA,
1999. SILVA, José Manuel Azevedo e, Africanos e Madeirenses no
Povoamento e Colonização da Amazónia no Tempo do Marquês de
Pombal, in As Ilhas e o Brasil, Funchal, 2000, 365-374.
As festas do divino, das ilhas para o Brasil?
Um caminho ainda por revelar
10CADERNOS DE DIVULGAÇÃO DO CEHA
em Belém, 20 famílias oriundas da Madeira, que os
jornais locais referem como “açorianos”20
.
Não será despropósito referir que esta atitude
radical incomoda, por vezes, os estudiosos catarinen-
ses. Assim, nos Anais da segunda semana de Estudos
açorianos que decorreu em Florianópolis em 1987,
o Prof. Nereu Pereira desabava que “tudo que diga
e se faça entre nós é tido como cultura açoriana”,
enquanto Juliani Brignol é perentório: “junto com os
casais açorianos, vieram para Desterro também fa-
mílias das ilhas da Madeira. (…) embora os açorianos
formem a maioria em termos de comunidade do in-
terior da ilha é inadequado tributar somente a eles
a ocupação do território.”21
Tão evidente protagonis-
mo para tão pouca valorização e atenção da História
atlântica e intercontinental e imperial.
Há uma “açorianização” da emigração insular
no Brasil, esquecendo-se a presença da Madeira des-
de os primórdios do século XVI. Acontece assim no
Estado de Santa Catarina para o século XVIII, como
para esta época do estudo com os madeirenses que
chegaram ao Pará. Mais uma vez, esta invisibilidade
dos madeirenses e a confusão com açorianos joga de
forma desfavorável, na hora de procedermos à sua
contabilização.
AS FESTAS E O CULTO DO DIVINO
DO CONTINENTE PARA AS ILHAS
Há uma ideia generalizada sobre a importância
do envolvimento do culto do divino Espirito Santo e
da mística franciscana, no processo de expansão por-
tuguesa. Daí a importância que assume esta corren-
te em termos da devoção popular das populações,
materializada na origem dos oragos de capelas, no
nome dos lugares22
.
20	 «Os Açorianos». In: Diário de Belém, n.°131, 12 junho 1886, p. 2;
idem, n.º 132, 13 junho de 1886; idem, n.º 133, 15 de junho de 1886.
Cf. FREITAS, Nelly de, Des Vignes aux Caféiers: Étude socio-écono-
mique et statistique sur l’émigration de l’archipel de Madère vers São
Paulo à la fin du XIXe siècle, Funchal, CEHA, 2014, pp. 299-300.
21	 Anais da 2ª Semana de Estudos Açorianos, Florianópolis, 1989, pp.
165, 291.
22	 Cf. LIMA, 1988: p. 5; Rocha, 2008: p. 26. Vemos no Diário de Notícias
do Funchal 7 de maio de 1961 que “O tradicional povo madeirense.
E não podia de maneira alguma andar arredado destas manifestações
Litúrgicas e por isso em toda a sua ilha é relembrado o Espírito Santo
com todo o seu esplendor. Desde o povoamento da Madeira, logo
que João Gonçalves Zarco mandou erigir uma capela aquele Santo
em Camara de Lobos e João Esmeraldo em 1508 igualmente levantou
na sua propriedade da Lombada da Ponta do Sol, outra igreja com o
mesmo nome se começou a festejar a citada festa.”
Neste enunciado das festas do Espírito Santo,
daremos importância à memória descritiva da tradi-
ção madeirense, uma vez que esta tem sido esque-
cida e pode trazer elementos para um debate em
torno das influências da religiosidade popular das po-
pulações portuguesas emigrantes no Brasil. No caso
específico dos Açores e das diversas regiões do Brasil,
a diversidade de estudos facilita-nos a tarefa, reme-
tendo para estes a elucidação das vivências conside-
radas mais caraterísticas. Daí a relação exaustiva da
bibliografia que apresentamos no final deste ensaio.
A Madeira foi, a partir de princípios do século
XV, a primeira etapa da expansão do culto ao divino
Espírito Santo. A devoção ao Espírito Santo acompa-
nha os primeiros povoadores da Madeira e estava
de forma omnipresente na sua religiosidade. João
Gonçalves Zarco, o chefe das primeiras expedições
de reconhecimento e povoamento das ilhas do ar-
quipélago madeirense, pode ser considerado um
devoto do “Divino”, de forma que, ao começar a de-
marcar o território em Câmara de Lobos para o seu
usufruto, reservou um espaço para a construção de
uma capela em honra do Espírito Santo. Ainda hoje,
Capela Espírito Santo em Câmara de Lobos
As festas do divino, das ilhas para o Brasil?
Um caminho ainda por revelar
11CADERNOS DE DIVULGAÇÃO DO CEHA
esta ermida é um dos centros da devoção da Festa do
Pentecostes, nesta comunidade paroquial. Depois, o
mesmo Zarco, no Funchal, na primeira igreja erguida
sob a invocação de Nossa Senhora da Conceição, vol-
tou a criar uma capela interior dedicada ao Espírito
Santo. A mesma devoção ao Espírito Santo aconte-
ceu noutras capelas, como em Machico, Caniço, Ca-
lheta, Lombada da Ponta de Sol e Porto Santo. Deve-
mos ainda assinalar capelas de interior em diversas
igrejas, como na demolida igreja do convento de São
Francisco, no Funchal, no Convento de Santa Clara,
na matriz de Santa Cruz e na de Machico. Nestas e
noutras capelas, surgem pinturas onde o simbolismo
do Espírito Santo está presente em línguas de fogo e
na pomba, como é o caso, por exemplo da capela da
Lombada do Esmeraldo, datada de 1508, na Ponta de
Sol23
.
23	 Cf. FERREIRA, Manuel Juvenal Pita, “A ordem Seráfica na Madeira”,
Das Artes e da História da Madeira, 1964, vol. VI, N.º 32, pp. 13-
21; SILVA, Fernando Augusto da, 1945, Subsídios para a História da
Diocese do Funchal.1435, 1800, Funchal; VIEIRA, Alberto, O deve e
o haver da caridade e misericórdia no espaço atlântico Formas de as-
sistência e proteção aos doentes, expostos, pobres e escravos nos séculos
A devoção dos madeirenses ao divino Espírito
Santo na Madeira torna-se ainda mais visível nas con-
frarias e irmandades em honra do Espírito Santo, na
importância da comunidade franciscana que acom-
panhou João Gonçalves Zarco, no seu processo de
reconhecimento e povoamento, o que releva, ainda
mais, este culto. É esta mística, transposta pelos fran-
ciscanos para a Madeira e, depois, para os Açores e
outros lugares onde os portugueses chegaram, que
ficou a marcar uma forma particular da religiosidade
popular, que evoluiu no tempo e de lugar para lugar,
assumindo dimensões diversas da sua expressão ri-
tual e dos festejos profanos.
Para a Madeira, temos um breve retrato desta
vivência popular das festas do Divino para o último
quartel do século XVIII: Seja hum abuso por exemplo
o que praticavão nos vodos do Espirito Santo, como
chamavão, pela Festa de Pentecoste com os seus cha-
mados ímperios, que em cada rua da Cidade se osten-
XVI-XVIII, Funchal. Julho de 2015 (formato digital). Disponível em:
https://app. box.com/s/vx100zeac8q8cui8rz2lhfv3l649qgwg.
Capela do Espírito Santo. Lombada da Ponta de Sol
Figuração da Pomba. Capela da Lombada na Ponta de Sol
Capela do Espírito Santo-Lombada do Esmeraldo. 1894
Figuração da pomba. Capela do Espírito Santo, Câmara de Lobos
As festas do divino, das ilhas para o Brasil?
Um caminho ainda por revelar
12CADERNOS DE DIVULGAÇÃO DO CEHA
tavão: A piedoza consideração da Ordem do Liv.5.º
N.º 5, tinha permittido os ditos vodos certamente
com o unico motivo, como hé a todas as mais puras
luzes manifesto, de que nelles se praticava a simples,
e santa caridade dos fieis para com o proximo mais
necessitado; mas porém as chamadas esmolas, que
se extorquiáo por sortes de gramde valor; os sump-
tuozos Theatros publicos, que se eregiao; as compe-
tencias de luxo nelles; as gulas; as ebriedades; e as
demasias, que até á noite do dia do Espirito Santo se
commetião, e até a concurrencia de ambos os sexos,
que em noites successivas vinhão por entre sombras,
e com muitas offensas de Deos applaudir a illumina-
çáo, e as orquestras de musica naquelles Theatros da
vaidade; tudo isto foi regulado com a prohibição das
lucrozas, e violentas sortes acceitando só as esmo-
las que os fieis quizessem dar por caridade, e com a
unica permissão das solemnidades das igrejas, e dos
Theatros simplices, e decentes, em que os vodos da-
quelle dia não passassem de sopas, vaca, e arroz, e
pão, e vinho, em beneficio dos pobres que concorres-
sem; applicando-se o restante, se o houvesse, para
esmolas particulares de pessoas recolhidas, e neces-
sitadas.24
24	 Breve e verdadeira construção dos princípios e progressos do Governo
que Jose Antonio de Sa Pereira fez na ilha da Madeira. S. d. (1777?),
in CASTRO E ALMEIDA, Eduardo de, org., Archivo de Marinha e
Ultramar, inventário: Madeira e Porto Santo, Coimbra, Biblioteca Na-
cional de Lisboa, 1907- 1909, 2 vols (vol. 1: 1613-1819; vol. 2: 1820-
1833), 1907, n.º 4846, p. 311.
Relativamente aos séculos XIX e XX, temos ou-
tras descrições sobre o ritual e atividades envolven-
tes. Mas estamos já sob as influências de algumas
mudanças levadas a cabo por D. Manuel Agostinho
Barreto, entre 1876 a 1911, período em que foi bis-
po do Funchal25
. Assim, em 28 de março de 1892, o
bispo proibiu o uso do cetro e da coroa e a presen-
ça dos músicos. E, noutra pastoral de 24 de abril de
190026
, recomenda cuidados especiais nas diversas
festas populares em que se inclui a do Divino Espírito
Santo, quanto à comida e aparato profano ligado às
diversas festividades.Mas nem tudo aconteceu con-
forme as recomendações episcopais. Assim, destas
festividades do Divino, já com a reforma episcopal,
ganharam fama, as de S. João da Ribeira27
, hoje to-
talmente desaparecidas, as da segunda-feira de Pen-
tecostes na Camacha, cuja tradição é muito antiga, e
as da freguesia de S. Vicente no norte da ilha, que as-
sumem uma dimensão própria, na aproximação dos
25	 Sobre este bispo. Cf. COELHO, Francisco Senra, “D. Manuel Agosti-
nho Barreto – O Homem e o seu Tempo”, in FRANCO, José Eduardo
et al. (coord.), Diocese do Funchal: a Primeira Diocese Global: Histó-
ria, Cultura e Espiritualidades, vol. II, Lisboa, Esfera da Caos Edito-
res, 2015, pp. 577-606; TRINDADE, Cristina, 2016, Barreto, Manuel
Agostinho. Disponível em: http://aprenderamadeira.net/barreto-
-manuel-agostinho/.
26	 História e Devoção ao Divino Espirito Santo no Madeiro, CEHA-SR-
TC, Funchal 2001, pp. 152-156.
27	O Diário de Notícias (n.º 183, 26 de maio de 1877, p. 1) informa so-
bre a festa do Espírito Santo na igreja de S. Roque, como “bodo aos
pobres”. Refere, ainda, que só em S. João da Ribeira o império é pre-
parado com maior esplendor.
Saloias. Madeira
As festas do divino, das ilhas para o Brasil?
Um caminho ainda por revelar
13CADERNOS DE DIVULGAÇÃO DO CEHA
familiares e amigos.
As celebrações do Império de S. João da Ribei-
ra eram as principais do concelho do Funchal, sendo
muito conhecidas e referenciadas e aconteciam no
fim-de-semana: no sábado, havia o cortejo das ver-
duras e hortaliças desde a Rua Conde Canavial até à
copa, sendo o cortejo aberto por uma bandeira de S.
João, ladeada de crianças vestidas de saloias; no do-
mingo, os festejos começavam logo às 8h da manhã,
com o cortejo das insígnias para o império, desde a
igreja de S. Pedro. Após a missa, na capela, era ofe-
recido um bodo aos pobres, às 14h, fazia-se a distri-
buição de panos e alimentos crus, lenha aos mesmos
pobres e, às 16h, rifavam-se os diversos produtos do
império28
.
Em 1909, João Reis Gomes29
descreve as festas
do Espírito Santo neste império de S. João da Ribeira:
“No primeiro domingo de novena, realiza-se em
S. João o «Imperio do Espirito Santo». Sob um
amplo toldo fixo ornamentado a flores e verdura
e iluminado a lanternins chineses, está dispos-
ta a mesa, vistosa e profusamente adornada a
plantas, frutas, bolos, peixes e cordeiros de ovos
e· açúcar, onde deve ser servido lauto jantar a
doze pobres, todos vestidos de novo por conta
dos festeiros. Ao fundo, numa alegria de lumes,
ostenta-se a baixela de prata, grande mas he-
terogénea pela diversidade de gosto e desenho
28	 Diário de Notícias, n.º 11982, 12 de junho de 1914, p. 2; idem, n.º
11983, 13 de junho de 1914, p. 2; idem, n.º 12350, 18 de junho de
1915, p. 2.
29	 Foi de novo publicado em 1942 na compilação De bom humor…(co-
lectânea ), Funchal, 1942, pp. 213-219.
das várias peças emprestadas, por muitos, para
a decoração da «copa». E ali que se erguem a
bandeira e o pendão do Espírito Santo, feitos de
seda vermelha, tendo ao centro, sobre um trian-
gulo branco, de asas abertas, a casta pomba
simbólica.
Chama-se «Imperio» a mesa e «copa» prepara-
das para o grande bodo cristão.
Afora os doze pobres que tomam lugar a mesa,
outros muitos são socorridos com fatos, lenha,
pão, carne, arroz e hortaliças. A festa e, além
de alegre e pitoresca, profundamente simpática
por seus fins caritativos.
Durante sete domingos, percorrem os festeiros
do Espírito Santo a sua freguesia, levando, um,
o estandarte, outro, o pendão, e outros a coroa
imperial e o cetro, colhendo as esmolas para o
Imperio. Vão acompanhados de uma pequena
orquestra composta de rabeca, violas e rajões,
todos com opa vermelha, e de um grupo de pe-
quenas, as «saloias», vestidas a moda das anti-
gas companhias da Madeira.
Entram em todas as casas, e fazem o peditório
por meio de trovas com musica própria, (…)”30
E remata: “A costumeira passou desta Ilha, leva-
da pelos emigrantes, para algumas localidades
da Guiana inglesa, onde, nas igrejas católicas,
se pratica ainda a coroação. Entre nos, madei-
renses, o alto critério do ilustre Prelado da Dio-
cese tem acabado com esses usos ridículos a
que o povo tinha grande e decidido apego.”31
30	 GOMES, 1942: 214.
31	 GOMES, 1942: 216.
Saloias. Madeira
As festas do divino, das ilhas para o Brasil?
Um caminho ainda por revelar
14CADERNOS DE DIVULGAÇÃO DO CEHA
A segunda-feira do Espírito Santo na Camacha
era um arraial muito procurado pela população do
Funchal, animando as estradas e caminhos, rumo
à freguesia32
. Na primeira metade do século XX, as
mercearias e casas de pasto publicitam o serviço de
almoços33
, a olaria do Funchal mantém abertas as
portas para servir os romeiros e muitas mercearias,
no percurso para a Camacha, também estão prontas
a acolher os romeiros. À chegada ao centro da fre-
guesia, ocorria um cortejo dos romeiros, apeados ou
a cavalo34
.
Há um aspeto a salientar nesta forma de viver
as festas do Espírito Santo, que é realçado por todos:
o bodo aos 12 pobres35
, a visita pascal das insígnias,
nomeadamente da coroa36
e as ofertas dos fregueses,
32	 Outra celebração importante, que atrai muita gente da vizinhança
para a visita das insígnias do Espirito Santo, era a quinta-feira da
Ascensão na levada do Pico no Ribeiro Serrão (PEREIRA, Eduardo,
1989, Ilhas de Zargo, Funchal, CMF, II, p. 493.). Já na Serra de Água,
tínhamos o encerramento das visitas do Divino, com a subida das
insígnias à Encumeada, o que fazia reunir muito povo da freguesia
e da de S. Vicente (PEREIRA, 1989: 483-484). De entre as datas
especiais para a visita do Espirito Santo, deveremos considerar o
facto de, no Rosário, em S. Vicente, esta se celebrar sempre no dia
primeiro de maio.
33	 Como sucede com a Mercearia Martins (Diário de Notícias, n.º
11966, 27 de maio de 1914, p. 2).
34	 Diário de Notícias, n.º 12688, 13 de junho de 1916, p. 2.
35	 Assim, no Diário de Notícias (30 de junho de 1911, p. 2) diz-se que “E’
no proximo domingo que se realisa, com toda a pompa na parochial
egreja de Santa Maria Maior, a festa do Espirito Santo, com abun-
dante bodo aos pobres. Na vespera, pelas 4 horas da tarde, sahirá da
«Fabrica Alegria)), o pão, dôces e hortaliças, que serão distribuidos
aos pobres, sendo acompanhados pelas insígnias do Espirito Santo
e pela phylarmonica Artistico Madeirense. A festa Começará ás 11
horas, prégando ao Evangelho o rev.” padre Camacho, cura d’aquella
freguezia, e na cópa fará uma pratica o rev. o padre Jacintho da Con-
ceição Nunes, digno cura da Sé Cathedral.”
36	 Através do Diário de Notícias (n.º 9428, 25 de maio de 1907 p. 2) sa-
bemos que “Corôa de prata na alfandega d’esta cidade foi ontem des-
em géneros (pão, doces, alfenim, verduras, hortali-
ças) que depois eram rifadas ou leiloadas na copa37
.
Referem-se, ainda, aos chamados impérios onde
tudo isto acontecia38
. Em 16 de julho de 190539
, no
império do Monte, foram rifados vários ramos de al-
fenim, como pão-de-ló e, ainda, diversas construções
feitas em doce de castelos, coroas e animais (vaca,
carneiro e galinha). Fala-se de um “cordeirinho de
ovos-reais”, em doce cobiçado por todos, mas que só
tinham direito a saborear os que o rifassem40
. Tam-
bém temos informação das ofertas feitas em pães de
açúcar, uma tradição que deveria ser muito antiga41
.
O principal da cerimónia acontecia no sábado
e domingo, culminando, neste último dia, com uma
missa em que o pregador do sermão era figura de
cartaz42
. A segunda-feira era também celebrada por
pachada para a egreja parochial da freguezia da Ribeira Brava, uma
magnifica corôa de prata, encimada por uma pomba representativa
do Espirito Santo.”
37	 Diz o Diário de Notícias (n.º 9072, 31 de maio de 1906 p. 3) que
“No proxímo sabbado serão conduzidos o pão, hortaliças, etc., que
hão-de figurar na copa do Espirito Santo, de Santo António, desde a
Levada do Cavallo até o adro d’aquella freguezia, levando na frente
uma confraria, as insignias do Espirito Santo e sendo seguidos d’uma
philarmonica.”
38	O Diário de Notícias (n.º 9078, 6 de junho de 1906 p. 3) refere o im-
pério de Santo António.
39	 Diário de Notícias, n.º 8760, 20 de julho de 1905 p. 2. São 13 ramos de
alfenim e 10 pães-de-ló.
40	 Cf. SARMENTO, A. A., As Pequenas Industrias da Madeira, Funchal,
1943, p. 99; idem, Quadros sem aro desenhados à pena na ilha da
Madeira, Funchal, 1944, p. 43.
41	 Cf. PEREIRA, Eduardo, 1989, Ilhas de Zargo, II, Funchal CMF; p.
550-551.
42	O Diário de Notícias (n.º 9072, 31 de maio de 1906 p. 3) anunciava
que “No proxímo sabbado serão conduzidos o pão, hortaliças, etc.,
que hão-de figurar na copa do Espirito Santo, de Santo António, des-
de a Levada do Cavallo até o adro d’aquella freguezia, levando na
frente uma confraria, as insignias do Espirito Santo e sendo seguidos
Cortejo da segunda-feira do Espírito Santo na Camacha
As festas do divino, das ilhas para o Brasil?
Um caminho ainda por revelar
15CADERNOS DE DIVULGAÇÃO DO CEHA
todos43
. Para a copa e bodo, o mordomo procurava
preparar o melhor manjar, com doces e frutos para
servir aos doze pobres. Poderia acontecer algum
percalço a manchar o brilhantismo do momento44
,
como aconteceu no dia 29 de maio de 1915, em que,
durante a noite, alguém desmanchou o barracão da
copa que havia sido feito para a festa do dia seguin-
te45
.
Estes episódios e a forma como os jornais anun-
ciavam as festividades, como se divulgava a disponi-
bilidade de embarcações que levariam os fiéis, para
as cerimónias nas diversas freguesias46
, ou o serviço
de comboios para, no Monte47
acompanhar o referi-
do arraial, revelam da importância que a população
madeirense atribuía a estas festividades em torno do
Espírito Santo, nomeadamente ao arraial que fazia
parte destes dois dias de festa. O arraial anunciava-se
com o bodo aos pobres e a presença de uma banda
filarmónica48
. Na segunda-feira a seguir à festa do Es-
pírito Santo, ninguém trabalhava e tinha continuida-
de a festa49
.
d’uma philarmonica. As festividades que se realizam no domingo na
respectiva egreja revestirão todo o brilhantisrno, sendo pregador ao
Evangelho o revd. o padre Gonçalves.” E noutro Diário de Notícias
(n.º 9426, 23 de maio de 1907 p. 1) vemos idêntico anúncio e con-
vocatória: Realiza-se no domingo proximo, com todo o apparato; na
parochial egreja de S. Gonçalo, a festa do Espirito Santo, prégando ao
Evangelho o revd.º conego João Quirino Gonçalves. Haverá boda a
12 pobre, sendo no domingo ás 7 horas ela manhã distribuidas esmo-
las em generos, legumes, verduras, etc. Os artigos que hão de figurar
na copa serão acompanhados, desde a egreja de Nossa Senhora do
Monte do Carmo, pela confitaria do Santissimo Sacramento pelas
insignias do Espirito Santo, por uma orchestra e pela philarmonica
Artistico Funchalense, que tambem toca no arraial.”
43	 Temos a informação que em 1827 em S. Vicente as festas do Espiri-
to Santo tinham lugar durante três dias, pois num documento desta
data referem-se “os três dias do Espirito Santo.” (cf. RIBEIRO, João,
2005, S. Vicente-Subsídios para a História do Concelho, Funchal, p.
199).
44	 Vemos no Diário de Notícias (n.º 10505, 15 de maio de 1910,p. 3)
uma “declaração de João Silva, denunciando Augusto Faria, festeiro
de Espírito Santo de S. Martinho que encomendara morangos e nãos
quis depois. “
45	 Diário de Notícias, n.º 12331, 30 de maio de 1905 p. 2.
46	 Os jornais anunciam excursões a para vivenciar as festas do Espírito
Santo: Santa Cruz (Diário de Notícias, n.º 3719, 5 junho de 1889, p.
4); Machico (Diário de Notícias, n.º 3725, 2 de junho de 1889, p. 4);
Ponta de Sol (Diário de Notícias, n.º 7814, 22 de maio de 1902); Câ-
mara de Lobos, Ponta de Sol e Calheta (Diário de Notícias, n.º 8718,
8 de junho de 1905, p. 4); Porto Novo (Diário de Notícias, n.º 8711, 1
de junho de 1905, p. 3); Porto Santo (Diário de Notícias, n.º 8749, 9
de julho de 1905, p. 4).
47	Cf. Diário de Notícias, n.º 5761, 22 de maio de 1896, p. 3; idem, n.º
7666, 13 de julho de 1902, p. 1.
48	 Como sucedeu no Monte (Diário de Notícias, n.º 8753, 18 de julho de
1905, p. 2); Porto do Moniz (Diário de Notícias, n.º 9080, 8 de junho
de 1906, p. 1).
49	 As chamadas oitavas dos dias festivos eram sempre dias de descanso
Um dos aspetos singulares da tradição das fes-
tas do Divino, documentada desde o século XX, é a
inclusão das saloias, que acompanham o cortejo da
visita com cânticos alusivos, à entrada e saída de
cada casa.
Na atualidade, não obstante o reavivar do cul-
to em toda a ilha, nos últimos anos, podemos afir-
mar que as festas do Espírito Santo mudaram. Esta
mudança era já notória na década de sessenta para
o espaço urbano e apenas as freguesias rurais man-
tinham a tradição, sob o olhar atento da estrutura
paroquial50
. Na Camacha, a segunda-feira do Pen-
tecostes ainda segue a antiga tradição, mas sem o
desusado movimento de romeiros do passado, na
medida em que, hoje, os devotos têm, nesse dia,
obrigações sociais e profissionais. Também a tradi-
ção do bodo aos doze pobres desapareceu, porque a
solidariedade social ganhou novas formas de expres-
são e o Estado passou a ter uma participação ativa
nesse departamento. É certo que mudou a forma de
participação, mas manteve-se a essência da vivência
familiar, da abundância e da partilha. Na atualidade,
são bastante evidentes a vivência do Espírito Santo
na Camacha, S. Vicente, Ribeira Brava, Caniçal, Fajã
e ninguém trabalhava. Deste modo era nesta data que os capitães fa-
ziam o alardo a todas forças da ordenança, situação que se repetia na
oitava do Natal e da Páscoa. (VERISSIMO, Nelson, 2000, Relações de
Poder na Sociedade Madeirense do século XVII, Funchal, DRAC, 324).
50	 Cf. “ As Festas do Espirito Santo”, Diário de Notícias, 07.05.1961,
onde se refere que “… as Festas do Espirito Santo no Funchal, estão
praticamente apagadas seria de modo interessante, fazê-las com todo
o seu brilhantismo e trazer até nós o seu secular cunho, transportan-
do-nos longe desta época de loucura que os homens andam atraves-
sando.”
Saloias. Madeira
As festas do divino, das ilhas para o Brasil?
Um caminho ainda por revelar
16CADERNOS DE DIVULGAÇÃO DO CEHA
da Ovelha, Calheta…
O culto ao Espírito Santo chegou primeiro à Ma-
deira e depois partiu, rumo a novas ilhas, como os
Açores, ou a outras terras, entretanto descobertas.
A segunda etapa do processo de ocupação das ilhas
atlânticas foi o arquipélago dos Açores, para onde os
portugueses levaram a experiência da Madeira, no-
meadamente em termos das práticas e devoção ao
Divino, com reflexos evidentes na religiosidade das
populações locais. Certamente que uma diferente
evolução do processo histórico, o confronto das po-
pulações com outras realidades quotidianas, levarão
a que, quer nos Açores, quer na Madeira, comecem
a surgir formas diversas de expressão da mesma es-
piritualidade. E há factores que podem ter sido im-
portantes, no sentido da evolução de um culto, como,
por exemplo, a intervenção da estrutura da própria
igreja católica, condicionando ou limitando a expres-
são da devoção popular em torno do Divino. Foi isso
que aconteceu na Madeira, a partir do século XIX e
que não veio a suceder nos Açores. E, se tivermos em
conta a relação que se estabeleceu entre o fenómeno
emigratório de insulares para o Brasil, veremos que
esta mobilidade de madeirenses e açorianos aconte-
ceu numa época em que o culto ao divino era em tudo
semelhante. É por isso que, quer os emigrantes da
Madeira, quer os dos Açores, tão apegados e esta re-
ligiosidade popular, não deixaram para trás o culto do
Divino. Desta forma, o culto ao Espírito Santo é uma
matriz identitária da religiosidade popular portugue-
sa, que chega a todo o lado pela mão dos continentais
ou das populações oriundas da Madeira e Açores.51
51	 MENEZES (1986: 92-97) refere em 1898, na Guiana, espaço de emi-
grantes com origem na Madeira, as festas do Divino Espírito Santo.
AS FESTAS E O CULTO DO DIVINO
NO BRASIL
Também no Brasil, a exemplo das ilhas, chegou
a Festa do Divino, assim como das festas referentes
à devoção dos santos populares, que ainda hoje as-
sumem uma dimensão importante no quotidiano de
muitas áreas do país52
. A partir dos múltiplos estu-
dos e referências, temos conhecimento de que as
festas, ainda hoje, assumem grande importância, em
diversas cidades e estados, havendo, inclusivamente
um Estado com a designação de Espírito Santo. Este
nome partiu do proprietário da capitania, que aí che-
gou em 23 de maio de 1535, dia de Pentecostes, para
fundar o povoado, naquela que é hoje a Vila Velha.
Tenha-se em conta que esta capitania foi herdada
pelo seu sobrinho Francisco de Aguiar, mas mesmo
assim, nisto não vimos qualquer possibilidade de se
estabelecer uma ligação com a ida de emigrantes da
Madeira.
O culto ao divino Espirito Santo aconteceu por
52	 De acordo com M. CARVALHO (2008:2) “Estudos e pesquisas re-
gistram ser o culto do Divino uma das mais antigas expressões do
catolicismo popular brasileiro (PACHECO, et al: 2005). De fato, a
Festa do Divino Espírito Santo constitui-se uma secular tradição re-
ligiosa, originária de Portugal, que se difunde em diferentes regiões
brasileiras, com dimensões próprias e peculiares”. E, segundo Carlos
de Lima (1981) a festa do divino “chegou ao Brasil no século XVI
e ganhou popularidade e prestígio no País, notadamente no Rio de
Janeiro, São Paulo (Irmãos de Canoa), Minas Gerais, Paraná, Santa
Catarina, Maranhão e Goiás”.
Segunda-feira do Espírito Santo na Camacha
Miguel Arcanjo Benício da Assunção Dutra (1810 - 1875)
Festa do Divino; Bandeira do Divino
As festas do divino, das ilhas para o Brasil?
Um caminho ainda por revelar
17CADERNOS DE DIVULGAÇÃO DO CEHA
todo o Brasil, assim como as manifestações de cará-
ter religioso e profano, tendo como origem os diver-
sos colonos e, depois, emigrantes oriundos do conti-
nente português e das ilhas. Todavia, pouco se sabe
sobre a situação desta manifestação na religiosidade
popular até ao século XVIII, dando-se, quase sempre,
como ponto de partida a grande chegada dos aço-
rianos, no último quartel desta centúria53
. Esta apro-
priação pelo arquipélago açoriano, porém, parece
pouco provável, na medida em que o culto do divino
é valorizado em todo o espaço nacional, assumindo
diversas formas e situações. Haverá necessidade de
buscar informação sobre o quotidiano e religiosidade
popular capaz de revelar este enigma. Desta forma,
podemos dizer que já existem muitos estudos sobre
o tema, mas muito ainda haverá por fazer.
A devoção e festas populares, de um modo par-
ticular as festas em honra do Espírito Santo, assumi-
ram uma expressão e uma vivência diferenciadas, de
acordo com o processo de ocupação europeia do ter-
ritório brasileiro e a criação de comunidades. Hoje,
esta devoção persiste em diversos estados brasilei-
ros, expandindo-se de norte a sul do território da-
quele país54
, sendo de referir:
–– BAÍA: Palmas do Alto, Porto Seguro, Reconca-
vo, Salvador.
–– GOIÁS: Corumba, Formosa, Jaragué, Pirenó-
polis.
–– MARANHÃO: Alcântara, S. João de Ribamar,
…55
.
53	 Jukevic (2005:81) refere os primeiros registos em 1761, para Guara-
tinguetá em S. Paulo e, em 1785, para Salvador da Baía.
54	 Segundo Carlos de Lima (2001: 10) “Hoje ainda é encontrada a tra-
dição da festa nos Estados do Amazonas, Espírito Santo, Goiás, Ma-
ranhão, Minas Gerais, Paraná, Rio de Janeiro e no Distrito Federal”.
Para Marise Barbosa (2002:44) estas “podem ser encontradas em al-
guns estados do Brasil: Pará, Maranhão, Piauí, Bahia, Espírito Santo,
Minas Gerais, Rio de Janeiro, Goiás, São Paulo, Santa Catarina, Rio
Grande do Sul.)”. Gustavo Pacheco (PACHECO et al, 2005:4) afirma
que “Festas do Divino podem ser encontradas nas mais diferentes
regiões do país, de Santa Catarina ao Amapá, apresentando caracte-
rísticas distintas em cada local, mas mantendo em comum elementos
como a pomba branca e a santa coroa, a coroação de imperadores e a
distribuição de esmolas”.
55	 Segundo M. Carvalho (2008:6) “É inconteste o crescente destaque da
Festa do Divino Espírito Santo no calendário cultural maranhense. O
Centro de Cultura Popular Domingos Vieira Filho, órgão da Supe-
rintendência de Cultura Popular da Secretaria de Estado da Cultura,
tem cadastradas 150 festas do Divino do Maranhão, sendo 66 da ca-
pital e 84 do interior do Estado, num total de 23 municípios: São Luis,
Alcântara, Anajatuba, Bacurituba, Bequimão, Cajari, Caxias, Cedral,
Codó, Humberto de Campos, Icatu, Itapecuru-Mirim, Matinha, Ma-
rinzal, Paço do Lumiar, Palmeirândia, Penalva, Pinheiro, São Bento,
Santa Helena, São José de Ribamar, Rosário e Viana. Há mais de uma
–– MINAS GERAIS: Ouro Preto, São João del Rei.
–– RIO DE JANEIRO: Parati.
–– RIO GRANDE DO SUL: Caçaporva do Sul, Gra-
vatá, Jaguarapão, Pelotas.
–– RONDONIA: Vale do Guaporé.
–– SANTA CATARINA: Camboriú, Santo Amaro da
Imperariz, ilha de Santa Catarina.
–– SÃO PAULO: Laras, São Luís de Piraitinga, Tie-
té.
Tendo em conta os estudos até ao presente rea-
lizados sobre estas festividades e vivências popula-
res, nota-se uma diversidade na sua expressão. As
realizações rituais aproximam-se daquilo que atual-
mente se faz nos Açores, assim como no continente
português e na Madeira. É, enfim, uma vivência da
religiosidade popular nos trópicos, transplantada pe-
los portugueses do Atlântico Norte e que foi ganhan-
do uma diversa expressão, de acordo com a época
em que começou a acontecer e a origem daqueles
que foram os obreiros da sua construção, no novo
território.
década, o referido Centro vem desenvolvendo um trabalho sistemá-
tico de apoio e incentivo às festas maranhenses do Divino Espírito
Santo. Hoje, este trabalho consubstancia-se no “Projeto Divino Ma-
ranhão”, compreendendo uma diversificada programação de ativida-
des, inspirada no saber e no fazer da gente do Divino. Em verdade,
esta política de apoio dos órgãos estatais ao Divino Maranhense é um
fenômeno contemporâneo que tende a se aprofundar neste fecundo
encontro Estado/cultura popular.”. A razão desta popularidade é ex-
plicada por Gustavo Pacheco (PACHECO et al. 2005: 4) “Em meados
do século XIX” a tradição da festa do Divino estava firmemente en-
raizada entre a população de Alcântara, de onde se teria espalhado
para o resto do Maranhão, tornando-se muito popular entre as diver-
sas camadas da sociedade, especialmente os mais pobres. Essa popu-
laridade entre os setores mais humildes da população maranhense,
inclusive os escravos, talvez possa ser explicada pela ênfase não só na
fartura, mas também na fraternidade e na igualdade, que o culto ao
Divino costuma apresentar” .
As festas do divino, das ilhas para o Brasil?
Um caminho ainda por revelar
18CADERNOS DE DIVULGAÇÃO DO CEHA
OS DISCURSOS HISTORIOGRÁFICOS SOBRE
AS FESTAS E O CULTO DO DIVINO NO BRASIL
Não existe um discurso comum dos investigado-
res brasileiros, quanto às raízes das festas do Divino.
Assim, temos três leituras diferenciadas:
– os que consideram esta ser uma manifestação
da cultura e devoção religiosa portuguesa e que che-
ga ao Brasil por essa via, ignorando ou não valorizan-
do qualquer ligação insular-açoriana56
.
– aqueles que defendem uma ligação direta aos
Açores, pondo o olhar na realidade presente desta
devoção no arquipélago57
. De entre estes, há quem
56	 CHAVES, 2010; ROCHA, 2008: p. 26. Diz-nos M. Carvalho (2008:
4) que “A festa do Divino e sua Corte imaginária, que ganha vida na
fé e na devoção, é um elo que articula Portugal e Brasil, na tessitura
histórica da colonização. É essa uma via investigativa delineada por
estudiosos da religiosidade popular…”.
57	 ALMEIDA, 2008, 115; CARVALHO, 2006; CONTINS, 2003, 117;
CORREA, 2012; FRADE, 2005, 32. GONÇALVES, 2004, 2008; NU-
NES, 2012. Assim temos que segundo ANGELO (2011, 1) “A festa do
Divino Espírito Santo é uma das manifestações culturais e religiosas
mais relevantes da comunidade açoriana e de seus descendentes, tan-
to nos Açores quanto em outras localidades para onde emigraram.”
esqueça as especificidades que o culto assumiu na
sua cidade e tente reinventá-lo, de acordo com a
atual forma ritualística açoriana.
– os que se limitam a dar conta do fenómeno,
sem se preocupar com as suas possíveis ligações e
Depois Silva (2012, 5) refere que, “De Portugal, essas manifestações
passaram a se repetir nas Ilhas dos Açores e de lá foram levadas para
o Brasil, especialmente para Santa Catarina onde se dá o maior assen-
tamento de açorianos. Essa foi uma forma desse povo manter sua re-
ligiosidade, revelada na devoção ao Espírito de Deus.”. Sérgio Figuei-
redo FERRETI, (2005, 8) “No mundo português, conforme diversos
autores, essa festa se difundiu a partir dos Açores, levada, sobretudo
pelos franciscanos. Sabemos que no início dos tempos coloniais, Por-
tugal mandou casais açorianos para povoar o Brasil, sobretudo nas
regiões próximas aos limites do Tratado de Tordesilhas, que passava,
ao Norte, perto Belém do Pará e, ao sul, em Laguna, no atual estado
de Santa Catarina. Talvez por isso, nessas regiões, como no interior
do país, em Goiás essa festa até hoje continue muito importante, em-
bora seja realizada também em outros estados como São Paulo e Rio
de Janeiro. Na literatura específica constata-se sua ausência em vá-
rios estados, sobretudo no Nordeste, na região que vai de Sergipe ao
Piauí, talvez em função do tipo de ação missionária aí desenvolvida
no passado.” GRAEBIN (2012, 2) “No Rio Grande do Sul, as festas
do Espírito Santo foram introduzidas no século XVIII, pelos colo-
nizadores portugueses, notadamente, os procedentes das ilhas dos
Açores que se fixaram e colonizaram diversos espaços, sendo muitas
as cidades sul-riograndenses que festejam o Espírito Santo.“ E, por
lapso, SOUZA, 2012, refere que este culto “foi iniciado no Alenquer
nos Açores”.
Ilha de Santa Catarina.1843
As festas do divino, das ilhas para o Brasil?
Um caminho ainda por revelar
19CADERNOS DE DIVULGAÇÃO DO CEHA
origens remotas58
.
São raros os autores que fazem referência a
uma possível ligação ou intromissão da Madeira no
processo59
.
Há uma corrente muito forte nos vários domí-
nios do conhecimento que associa aos Açores as fes-
tividades em torno do Divino. Todavia, raros são os
casos em que se passa para além desta constatação,
sem apresentar o fundamento. A maioria dos textos
que consultámos parte de uma ideia preconcebida
de que as festas do Divino chegaram ao Brasil por
via dos Açores. Senão, vejamos: “De Portugal, essas
manifestações passaram a se repetir nas Ilhas dos
Açores e de lá foram levadas para o Brasil, especial-
mente para Santa Catarina onde se dá o maior as-
sentamento de açorianos. Essa foi uma forma desse
povo manter sua religiosidade, revelada na devoção
ao Espírito de Deus. (…) Por meio de seus relatos his-
toriográficos, o autor esse leva a crer que não houve
uma descontinuidade entre as festas realizadas no
58	 SPINELLI, 2011.
59	 COSTA, 1999; GONÇALVES, 2008: p. 69; NUNES, 2012; p. 3; RO-
CHA, 2013.
Arquipélago dos Açores e as celebrações realizadas
no litoral catarinense.”60
Parte-se de uma constatação que passa pela
atual vivência das festas do Espírito Santo nos Aço-
res, à qual se pretende associar o passado, apenas
a partir do século XVIII61
, com a emigração de casais
açorianos. Parte-se quase sempre desta última reali-
dade, afirmando que “os primeiros habitantes que se
estabeleceram em Camboriú vieram dessa região dos
Açores…”62
Ou então que esta festa só começa a ter
lugar no sul, com a chegada dos casais açorianos63
.
Depois desta afirmação inicial da açorianidade das
festas do Espírito Santo, no Brasil, os múltiplos tra-
balhos de investigação realizados revelam que esta
expressão da religiosidade popular não é exclusiva
dos Açores, pelo que a sua chegada ao Brasil pode
ter múltiplas origens64
.
Na maioria dos autores que defende esta liga-
ção aos Açores, não há um compromisso com esta
origem, relegando-se a afirmação inicial para ou-
tros65
. Isto quer dizer que é uma verdade feita, aceite
e reproduzida, não havendo lugar a qualquer análise
comparada.
60	 SILVA, 2012, p. 5, 8.
61	 Daqui resulta uma diversidade de afirmações: A festa do Divino Es-
pírito Santo é uma das manifestações culturais e religiosas mais re-
levantes da comunidade açoriana e de seus descendentes, tanto nos
Açores quanto em outras localidades para onde emigraram. (…) A
festa do Divino Espírito Santo, tanto no Brasil quanto em Portugal,
nos Açores, onde as raízes festivas se encontram, possui em suas di-
nâmicas a incorporação de elementos culturais locais em suas amplas
e variadas formas de celebrar o Pentecostes.” (ANGELO, p. , 7).
	 “No Rio Grande do Sul, as festas do Espírito Santo foram introduzi-
das no século XVIII, pelos colonizadores portugueses, notadamente,
os procedentes das ilhas dos Açores que se fixaram e colonizaram
diversos espaços, sendo muitas as cidades sul-riograndenses que fes-
tejam o Espírito Santo”. (GRAEBIN, 2012, p. 2)
62	 SILVA, 2012, p. 2
63	 CONTINS, 2003, p. 117
64	 Cf.: “Sobre as origens da festa podemos afirmar sem margem para
dúvidas que as Festas do Espírito Santo que existem hoje nos Estados
Unidos da América, Canadá, Bermudas e Havaí tiveram origem nos
Açores. Porém, grande parte das Festas do Espírito Santo realizadas
por todo Brasil provavelmente tiveram origem nas festas realizadas
na parte continental de Portugal, poucas podem, talvez ter origem
diretamente nos Açores, uma vez que em Portugal (continente), du-
rante o século XV a XVIII, existiam inúmeras Festas do Espírito San-
to com coroação, cortejo, bodos e todas as insígnias que encontramos
em comum nas Festas do Espírito Santo conhecida na Europa e Amé-
ricas. E mesmo por haver um certo sincretismo com manifestações
culturais afro-brasileiras, como no caso dos congados ou das festas
celebradas no Estado do Maranhão.” (CORREA, 2013,p. 7.)
65	 Cf. FERRETI, 2005, p. 8.
Catedral de Florianópolis
As festas do divino, das ilhas para o Brasil?
Um caminho ainda por revelar
20CADERNOS DE DIVULGAÇÃO DO CEHA
O DOCE E O ALFENIM
NAS FESTAS DO DIVINO
O doce faz parte da nossa vida e quotidiano.
Está presente à mesa, de forma especial em momen-
tos festivos. Herdamos dos árabes as palavras que o
definem, como as tradicionais técnicas de fabrico e
alguns hábitos inerentes ao seu uso. Por isso, o ma-
deirense tem sempre um doce para oferecer a quem
recebe em sua casa. São várias as formas de fabrico e
de apresentação do doce. Em Portugal, sempre hou-
ve uma verdadeira arte da doçaria, que se divulgou
no mundo. De todos, o mais afamado e reconhecido
historicamente é o ALFENIM, uma massa de açúcar
branco apresentado em figurinhas, que, no passado,
era oferecido em bandejas de prata e substituía mui-
tos dos chamados doces e rebuçados que continuam
a fazer, hoje como ontem, o apetite e a gulodice de
novos e graúdos.
O alfenim foi conhecido em Portugal desde a
medievalidade e ganhou importância no quotidiano
da sociedade, a partir da divulgação do açúcar, em
meados do século XV, com as elevadas produções da
ilha da Madeira. A ilha, como espaço de produção de
açúcar, especializou-se na arte da doçaria, transpon-
do o seu perímetro e chegando aos Açores, Canárias
e Brasil. No Atlântico, o primeiro alfenim foi produzi-
do na Madeira, tendo, depois, chegado a todo o lado,
afirmando-se como o doce mais nobre, servido na
casa das famílias importantes e usado como dádiva
nas festas do Divino.
Na Madeira, a sua presença fica praticamente
pelo registo da documentação até princípios do sécu-
lo XX, mas, em algumas ilhas dos Açores e em alguns
Estados do Brasil, continua vivo, alimentado pela per-
sistência das festas em honra do Divino Espírito San-
to. São duas marcas emblemáticas da tradição e cul-
tura portuguesa que têm na Madeira e, depois, nos
Açores, um momento que não pode ser ignorado.
Do árabe fanid, mas com origem no persa pa-
nid, alfenim quer dizer branco. No latim, aparece
como alphanicum, alfenid, alpenid, alfanix, no italia-
no penito, no espanhol alfeñique (sendo no México
alfenique), em francês penides, épénide, penidon, pe-
noin e, popularmente como peningue. A primeira vez
que temos fixado o termo na Madeira é em 146966
,
com a grafia alfinij. No século XVI, aparece referido
no continente português em Gil Vicente, Jorge Ferrei-
ra de Vasconcelos. Naidea Nunes (2003) refere que,
na Madeira, o alfenim aparece na documentação
com as seguintes designações: alfinij (1469), alffiny
(1488), alfenjm (1490, 1517), alfenj (1498), alfeny
(1517), alfynjm (1523), alfenij (1579) e remata que
é “um termo muito antigo, do árabe fânid, que em
catalão teria a forma affenic, adquirindo, em caste-
lhano, a forma alfenique, que surge nas Canárias com
a grafia alfinique (1540).”67
Este tem forte expressão
no México com as caveiras do “día de los muertos”.
Segundo Naideia Nunes (2010: 56), “No Brasil, o ter-
mo alfenim apenas existe no Nordeste, onde foi con-
servado, provavelmente por se tratar da primeira re-
gião açucareira brasileira. Nos restantes estados do
Brasil, como podemos ver, apenas encontrámos as
denominações rapadura mole, puxa e puxa-puxa ou
rapadura puxa-puxa, para o denominar.”
Nas ilhas dos Açores, o alfenim manteve-se na
tradição dos ex-votos das festas do Espírito Santo nas
ilhas Terceira, Graciosa e S. Jorge, onde ainda hoje
persiste a tradição de fazer este doce. Nos Açores, a
indicação mais antiga que temos do alfenim surge em
1532, no inventário do testamento de Antão Martins
66	 «...os lavradores vendem muito bem suas novidades e frutos, lemos
no dito documento, e também mulheres de boas pessoas e muitos
pobres levam açúcares baixos em tantas maneiras de conservas e alfe-
nim e confeitos de que hão grandes proveitos que dão remédio a suas
vidas e dão grande nome há terra nas partes onde vão e dizem bento
seja o que a povoou, em que tais coisas se dão e fazem (25 de Agosto
de 1469, ARM, Registo da Câmara do Funchal, Tomo I, Pág. 2, vº).
67	 NUNES, N., 2003, Palavras Doces. Terminologia e tecnologia histó-
ricas e actuais da cultura açucareira: do Mediterrâneo ao Atlântico.
Funchal: Centro de Estudos de História do Atlântico, Secretaria Re-
gional do Turismo e Cultura, p. 159.
Coroa de alfenim. Ilha Terceira
As festas do divino, das ilhas para o Brasil?
Um caminho ainda por revelar
21CADERNOS DE DIVULGAÇÃO DO CEHA
na Terceira68
. Aí fala-se uma pedra de fazer alfenim.
Depois, no século XIX, é referido na Horta, onde, até
1870, “as freiras do convento da Glória mandavam
no dia de S. Marcos, aos membros da collegiada da
igreja matriz, antes da hora das ladainhas maiores
que se celebram em tal dia, uma bandeja com uma
coroa formada por pequenos cornos de alfenim, ten-
do no centro flores artificiaes e um com o maior desti-
nado ao Vigário.”69
Depois, temos em 1832, de novo
as freiras da Horta a oferecerem a D. Pedro Duque de
Bragança lavores doces de alfenim: “Devemos aqui
mencionar que na vespera do regresso de S. M. as
freiras do Mosteiro da Gloria, fizeram- lhe um avul-
tado presente de doces para a viagem, incluindo no
mesmo outros tantos corações de alfenim, como o
numero de religiosas, de tamanho natural e tendo
cada um em letras doiradas as iniciaes do nome da
diferente.”70
Pérez Vidal71
destaca a importância da
indústria, dando conta de intercâmbio de doces e
conservas terceirenses com as Canárias. Destaca, ain-
da, o intercâmbio de mestres açucareiros nos três ar-
quipélagos atlânticos. Nas Canárias, o termo alcorças
(1540) surge a designar uma massa branca de açúcar
com que se fazem figuras, o que poderá estabelecer
uma ligação com o alfenim.
Não sabemos quando se iniciou a feitura do
alfenim na ilha Terceira e a sua ligação às festas do
Divino. Mas as notícias e referências surgem soltas
a atestar este doce como uma das formas de bem
receber dos terceirenses e uma presença constante
no quotidiano. Esta ligação às festas do Espírito Santo
não acontecia apenas nos Açores. Brandão72
afirma:
“Como em algumas festas mais tradicionais do Divi-
no, preserva-se o costume herdado da Idade Média
portuguesa de uma distribuição farta e generosa
de comida a todos os presentes, completa-se o ciclo
dos gestos e de sorte que uma festa popular é a mis-
tura, ao mesmo tempo espontânea e ordenada, de
68	 GIL, Maria Olimpia da, O Arquipélago dos Açores no século XVII.
Aspectos Sócio-Economicos (1575-1675), Castelo Branco, ed. Autor,
1979, 60.
69	 CHAVES, F. A., As festas de S. Marcos nalgumas ilhas dos Açores e a
sua origem provavel, in Arquivo dos Açores, XIII, 1983, p. 195.
70	 O SENHOR D. PE DRO ·IV (1832), in Arquivo dos Açores, VIII, 1982,
p. 36.
71	 J. Pérez Vidal (1967), «Las conservas almibradas de las Azares y las
confeiteira dos Açores, Canarias», Separata do vol. XIV do Boletim
do Instituto Histórico da Ilha Terceira, Angra do Heroísmo, Tipogra-
fia Andrade, pp. 2-3.
72	 BRANDÃO, Carlos Rodrigues, 2001. A cultura na rua. 2ª. ed. Cam-
pinas: Papirus. P. 13.
momentos de rezar, cantar, dançar, desfilar, ver, tor-
cer, cantar. Enfim, de ‘festar’”. Outro autor, Borges73
,
reforça a ideia, ao afirmar que: “O culto do Espírito
Santo tem um grande incremento a partir do século
XII-XIII aquando do “Milagre das Rosas” da Rainha
Santa Isabel e a Coroação dos Pobres na Vila de Alen-
quer iniciando-se a Devoção ao Divino do Espírito
Santo - Terceira Pessoa da Santíssima Trindade, sim-
bolizado pela Pomba Branca. Mais tarde, o “alfenim”
ou “al-fenid” devido à sua brancura, entendida como
pureza e purificação, foi assimilado e introduzido no
culto religioso cristão. Desde então, o doce “alfenim”
foi transformado em peças de arte gastronómicas
tais como a Pomba Branca representando o Espírito
Santo, e todos os outros símbolos utilizados no ritual
de celebração da Festa do Espírito Santo ou dos San-
tos Padroeiros como a coroa, a rosquilha de pão, os
animais e outros motivos decorativos que eram doa-
dos à Irmandade do Espírito Santo ou outras e, mais
tarde, leiloados revertendo a venda para a organiza-
ção da festa. No caso de graça obtida, a pessoa en-
comenda à doceira que confecione uma peça com a
simbologia ou outras formas, em “alfenim”, indican-
do o peso da peça que pretende, a parte do corpo
que beneficiou de uma graça do Divino Espírito San-
to: um braço, uma perna, um pé, etc..” O “alfenim”
surge assim, associado às Festas do Espírito Santo e
dos Santos Padroeiros, ofertado em retribuição das
graças obtidas.
Acontece que esta tradição não é exclusiva de
algumas ilhas dos Açores, pois também existiu na
Madeira até princípios do século XX, e chegou a di-
versas partes do Brasil, mantendo ou não esta ligação
ao culto do Espírito Santo e aos santos padroeiros.
Em alguns territórios esta situação está associada às
festas do fim de ano e aos Reis Magos. Para o pri-
meiro caso, temos os municípios de Montanhas - RN,
Nova Cruz-RN, Jacaraú-PB, Mataraca-PB, Grande Ma-
manguape-PB, Caiçara-PB e Jacaraú-PB no Estado
do Rio Grande do Norte74
. Ainda, no município de
73	 BORGES, J. H. Pires, 2007. Alfenim, o sabor árabe no ritual cristão.
Associação de Guias e Intérpretes dos Açores. Sábado, 16 de Junho
de 2007. Disponível em: < http://guiasinterpretesacores.blogspot.
com/2007/06/alfenim-o-sabor-rabe-no-ritual-cristo.html>acesso
em 15 de Dez. 2009.
74	 SILVA, 2010.
As festas do divino, das ilhas para o Brasil?
Um caminho ainda por revelar
22CADERNOS DE DIVULGAÇÃO DO CEHA
Montanhas75
e em Caiçara,76
este aparece associado
às festas dos Reis Magos. O alfenim também aparece
no Maranhão, mas não está associado às festividades
do divino77
. Desta forma, a relação mais evidente do
alfenim às festas do Divino acontece em Goiás78
e Pi-
renópolis79
.
Das mesas do reino, o alfenim passou para as
das ilhas e daqui para o Brasil. Foi companheiro da
cana-de-açúcar. Há uma tradição portuguesa da do-
çaria conventual e caseira que se expandiu e que cer-
tamente tem um toque madeirense, no sentido de
que a divulgação da cultura, do processo de fabrico
do açúcar e da doçaria parte para as outras ilhas e,
depois, para o Brasil a partir da Madeira, porque foi
na Madeira que, na década de 20 do século XV, se ini-
ciou, de forma extensiva, a cultura da cana sacarina.
Desta forma, será difícil credibilizar algumas ideias-
-feitas de que a ligação deste doce com as festas do
Divino pertence aos Açores. A divulgação do açúcar
e da arte da doçaria teve uma ação muito forte de
madeirenses, que os levaram aos Açores e também
ao Brasil. A continuidade do alfenim nos Açores e no
Brasil deve-se à vivência atual de tradições popula-
res, ligadas ao culto do Espírito Santo, que também
existiu na Madeira até ao século XX, e que, por razões
que desconhecemos, desapareceu, em favor de ou-
tros doces, como o bolo de mel.
75	 SILVA, C. C. B. (2010, October). Alfenins o doce na festa. In V CON-
NEPI-2010. Disponível em: http://connepi.ifal.edu.br/ocs/index.
php/connepi/CONNEPI2010/paper/viewFile/807/525. Consulta em
21-08-2016. Cf, ainda, CASCUDO, L. C. História da Alimentação no
Brasil. Belo Horizonte: Ed. Itatiaia; São Paulo: Ed. da Universidade de
São Paulo, 1983; FREYRE, Gilberto. Açúcar: uma sociologia do doce,
com receitas de bolos e de doces do Nordeste do Brasil. São Paulo: Com-
panhia das Letras, 1997; NAVES, Maria Margareth Veloso. COSTA,
Nilce Maria da Silva Campos; CORREIA, Márcia Helena Sache;
GONZAGA, Ana Laura Berberian; GIL, Maria de Fátima. Goiás. In:
FISBERG, Mauro; WEHBA, Jamal; COZZOLINO, Silvia Maria Fran-
ciscato. Um, dois, feijão com arroz: Alimentação no Brasil de norte a
sul. 1 a ed. São Paulo: Atheneu, cap 2, 2002, 436, p. 18-36.
76	 CARVALHO, 2012.
77	 ROCHA, 2013.
78	 SOUZA, 2006; KUWAEE, 2009.
79	 VEIGA, 2008; GERALDES, 2013.
As festas do divino, das ilhas para o Brasil?
Um caminho ainda por revelar
23CADERNOS DE DIVULGAÇÃO DO CEHA
CONCLUSÃO
É ponto assente que o culto ao Divino Espírito
Santo faz parte da cultura portuguesa. Há religiosi-
dade popular em torno deste culto, que ganhou di-
versas formas ritualistas, sem perder a sua matriz
inicial da dádiva, partilha e misericórdia. É certo que,
no decurso do processo histórico, foram existindo
e ganhando posição, na sociedade, diversas formas
de solidariedade social, levando a que este ritual do
Pentecostes, de cariz popular, acabasse por perder
algumas das caraterísticas e ganhasse nova forma,
não obstante na sua essência, as ideias de partilha e
de abundância continuarem sempre presentes. Esta
tem expressão em termos da mesa, da comida e a
doçaria. Os doze pobres já não se expõem publica-
mente à caridade popular, mas estão presentes nesta
disponibilidade e partilha do pão e dos doces.
Há, porém, outro aspeto: os dados recolhidos e
as dúvidas que se colocam sobre a origem e paterni-
dade dos festejos em torno do Divino. No mundo de
influência portuguesa, por via continental e insular,
propomos que, no remate deste congresso, de forma
fraterna como o tema o sugere, seja criado um grupo
de trabalho interdisciplinar para estudo das diver-
sas manifestações de caráter religioso e profano, em
torno das festas do divino, sinalizando as múltiplas
singularidades de cada região e evidenciando aquilo
que de mais importante os une.
Porque queremos que o Espírito Santo seja o elo
da fraternidade entre os investigadores que se de-
bruçam sobre a religiosidade popular, tal como o foi
desde o século XV, entre os portugueses, das diversas
regiões do país, na diáspora.
Porque, como Marc Bloch, amamos a História,
queremos contribuir para que se desfaçam todos os
equívocos e anacronismos que, de forma consciente
ou inconsciente, pululam na nossa História comum80
,
sem nunca perdermos de vista “que nunca um fenó-
meno histórico se explica plenamente fora do estudo
do seu momento.”81
Por fim, congratulamo-nos e agradecemos à
organização deste congresso pela forma como orga-
nizou este evento, permitindo a abertura de perspe-
tivas, no sentido de uma visão global, e não local ou
regional, da importância do culto ao divino Espírito
Santo na cultura europeia e Atlântica. Daí que faça-
mos votos para que este seja o momento inaugural
da revisão das ideias feitas acerca deste assunto e
que, com a publicação das atas, se abra um novo ca-
minho no estudo e abordagem desta vertente impor-
tante da nossa cultura e religiosidade. O nosso ensaio
pretende, apenas, ser um modesto contributo para
esta nova era da História do Divino Espírito Santo na
História do mundo atlântico, com especial destaque
para os espaços insulares.
E, porque como Joaquim de Flora (c.
1132-1202)82
, ainda continuamos a acreditar no ad-
vento da “era do Espírito Santo”, pautada pela afir-
mação da paz, do amor, da bondade entre os homens
do mundo, comecemos por lançar as sementes para
que esta nova era tenha origem no conhecimento e
na investigação científica interdisciplinar.
80	 Assim, queremos, como Marc Bloch (1976, A História, Lisboa, Publi-
cações Europa-América, p. 149) apagar toda e qualquer possibilidade
do “ anacronismo: o mais imperdoável dos pecados, no entender de
uma ciência do tempo.”
81	 BLOCH, 1976, 35. Para uma maior elucidação juntamos a transcri-
ção do parágrafo em questão: “Em suma: nunca um fenómeno histó-
rico se explica plenamente fora do estudo do seu momento. E isto é
válido para todas as etapas da evolução. Para aquela em que vivemos,
como para outras. Já um provérbio árabe o dissera: «Os homens pa-
recem-se mais com o seu tempo que com os seus pais.» Foi por se
ter olvidado esta sabedoria: oriental que se desacreditou às vezes o
estudo do passado. “ (Bloch, 1976, 35-36).
82	 Cf. FRANCO, 2005, 2014.
Saloias. Madeira
As festas do divino, das ilhas para o Brasil?
Um caminho ainda por revelar
24CADERNOS DE DIVULGAÇÃO DO CEHA
ANEXO: 1. AS FESTAS DO ESPÍRITO SANTO NA IMPRENSA FUNCHALENSE
Diário de Notícias. 1895/06/02, p. 2
Diário de Notícias. 1896/05/22, p. 2
Diário de Notícias. 1896/05/29, p. 1
Diário de Notícias.1900/06/16, p. 1
As festas do divino, das ilhas para o Brasil?
Um caminho ainda por revelar
25CADERNOS DE DIVULGAÇÃO DO CEHA
Diário de Notícias.
1896/05/29, p. 3
Diário de Notícias. 1902/07/13, p. 1
Diário de Notícias. 1903/06/07, p. 2
Diário de Notícias. 1905/05/08, p. 3
Diário de Notícias. 1905/07/09, p. 2
Diário de Notícias. 1906/06/08, p. 1
Diário de Notícias. 1912/09/15, p. 3
Diário de Notícias.1914/04/16, p. 1
Diário de Notícias.1914/05/27, p. 3
As festas do divino, das ilhas para o Brasil?
Um caminho ainda por revelar
26CADERNOS DE DIVULGAÇÃO DO CEHA
Diário de Notícias.1914/06/12, p. 2
Diário de Notícias.1914/06/13, p. 2
Diário de Notícias.1914/11/12, p. 1
Diário de Notícias.1915/05/30, p. 2
Diário de Notícias.1915/06/18, p. 2
Diário de Notícias.1916/06/06, p. 3
Diário de Notícias.1916/06/13, p. 2
Diário de Notícias.1917/04/21, p. 1
As festas do divino, das ilhas para o Brasil?
Um caminho ainda por revelar
27CADERNOS DE DIVULGAÇÃO DO CEHA
ANEXO: 2. As Festas do Espírito Santo em Anúncios de Cabotagem Marítima.
Diário de Notícias.1889/06/05,
p. 4
Diário de Notícias.
1889/06/13, p. 4
Diário de Notícias.
1897/06/01, p. 4
Diário de Notícias.
1902/05/22, p. 4
Diário de Notícias.
1903/05/27, p. 4
Diário de Notícias.
1905/06/01, p. 3
Diário de Notí-
cias.1905/07/13, p. 4
Heraldo da Madeira.
1905/08/10, p. 4
Diário de Notícias.
1906/06/08, p. 4
As festas do divino, das ilhas para o Brasil?
Um caminho ainda por revelar
28CADERNOS DE DIVULGAÇÃO DO CEHA
BIBLIOGRAFIA
O tema do divino Espírito Santo tem despertado
múltiplas atenções no mundo de influência portu-
guesa. Estamos perante uma situação muito marcan-
te da religiosidade popular que persiste no tempo e
que desperta a atenção de investigadores de diversas
áreas83
. Há um entusiasmo que, por vezes, os leva
83	 Assim, “É vasta a literatura produzida sobre as festas do Divino Es-
pírito Santo. Estudiosos de folclore (Cascudo, 1962; Moraes Filho,
1999; Van Gennep, 1947, 1949), 2 historiadores (Abreu, 1999; Melo
e Souza, 1994), antropólogos (Brandão, 1978; Leal, 1994; 2001; Sal-
vador, 1981; 1987) têm produzido uma extensa bibliografia sobre a
ocorrência dessas festas na Europa, no Arquipélago dos Açores, na
Ilha da Madeira, no Brasil, nos Estados Unidos e no Canadá.” (GON-
CALVES, 2008, p. 69). Os estudos realizados por antropólogos e por
historiadores têm focalizado essa celebração em contextos sócio-cul-
turais específicos: nos Açores (Leal, 1994; 2001); no Brasil (Abreu,
1999; Brandão, 1978; Melo e Souza, 1994); e nos Estados Unidos,
especialmente Califórnia (Salvador, 1981, 1987). Neste artigo focali-
zaremos essas festas no contexto da cidade do Rio de Janeiro, recor-
rendo, quando necessário, aos dados de que dispomos em relação ao
contexto norte-americano dessas celebrações, especialmente a Nova
Inglaterra, uma das regiões norte-americanas fortemente associadas
à imigração açoriana. “ (GONÇALVES, 2008, p. 70).
a perder a distância e faz com que os estudiosos se
envolvam no processo e na vivência das festividades.
Nos Açores, é evidente a sua presença e assiduidade
na cultura e quotidiano84
, mas é no Brasil que encon-
tramos maior número de estudos, mas com um olhar
orientado apenas para as manifestações açorianas,
esquecendo-se as eventuais influências de outras re-
giões de Portugal continental ou da Madeira.
A lista que aqui apresentamos não pretende ser
uma compilação dos estudos sobre o tema, mas tão
só a relação dos estudos que nos serviram de refe-
rência e reflexão para o presente ensaio.
AÇORES
AFONSO, João, 1969, Defesa do Património Tradicio-
nal dos Açores. As Festas do Espirito Santo e
excelência da sua tradicionalidade, Revista
Atlântida, 13, Angra do Heroísmo IAC, pp. 30-
59.
ANGELO, E. R. B. As festas do Divino Espírito Santo
nas ilhas Terceira e São Miguel nos Açores.
Revista Eletrônica de Turismo Cultural, 3 (1),
37-56. http://www.eca.usp. br/turismocultu-
ral/05.A%C3%A7ores_Elis.pdf.
BORGES, J. H. Pires, 2007. Alfenim, o sabor árabe no
ritual cristão. Associação de Guias e Intérpre-
tes dos Açores. Sábado, 16 de Junho de 2007.
Disponível em:< http://guiasinterpretesaco-
res.blogspot.com/2007/06/alfenim-o-sabor-
-rabe-no-ritual-cristo.html>acesso em 15 de
Dez. 2009.
COSTA, Antonieta, 1999, O poder e as Irmandades do
Espírito Santo, Lisboa: Editora Rei dos Livros.
COSTA, Maria Antonieta Moreira da, Espírito Santo:
O Culto e a Festa em espaços Lusófonos - Uma
lição de História. Disponível em: <http://www.
portaldodivino.com/Textos_2008/texto1.
htm> Consultado em 20 Jun. 2010.
COSTA, Francisco Carreiro da, 1957, As festas do Espi-
84	 Cf.: “Nos Açores, a festa tornou-se tão identificadora da cultura aço-
riana que a data dedicada ao arquipélago é comemorada no dia de
Pentecostes, conhecido como o Dia da Pombinha, tendo sido insti-
tuída por decretado, como feriado regional, desde de 1980, dia dos
Açores. Fato que tem vindo a ser explorado cada vez mais por todo
o Arquipélago, havendo até mesmo uma certa promoção turística
voltada aos festejos do Espírito Santo, existindo inclusive uma festa
promovida pela autoridade municipal local, a Festa do Espírito Santo
de Ponta Delgada. (…)” CORREA, 2013,p. 5.
Estandarte do Divino Espírito Santo. Madeira
As festas do divino, das ilhas para o Brasil?
Um caminho ainda por revelar
29CADERNOS DE DIVULGAÇÃO DO CEHA
rito Santo nos Açores. Breve noticia a seu res-
peito, em cada uma das ilhas do arquipélago,
Revista Insulana, XIII, 1, pp. 5-54.
DIAS, Francisco, Maduro, 1989, O culto do Espírito
Santo, in Oceanos, n.º 1, pp. 79-81.
DUARTE, L. F., 2006, Feitios do Divino: formas de re-
presentação do Espírito Santo nos Açores. Ar-
tifícios & artefactos: entre o literário e o antro-
pológico, Lisboa, 7Letras, pp. 63-71.
DUARTE, Mário. RAACH, Karl-Heinz, 2002. Os Impé-
rios da Ilha Terceira. Angra do Heroísmo, Aço-
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ENES, Carlos, 1996, As Festas do Espirito Santo nos
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sas da decadência, In Revista Ler Historia, 31,
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Internacional sobre as Festas do Espírito Santo,
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reedição em 1980 pelo Instituto Universitário
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na nos EUA. In: Congresso Internacional sobre
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tions of California, p. 299-310.
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United States: Arguments about History, Cultu-
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Tagus Press.
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trato de Grupo. Boletim da Comissão Mara-
nhense de Folclore, São Luís, n. 53, p. 3-7.
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pírito santo dos Açores. Boletim da Comissão
Maranhense de Folclore, São Luís; n.º 24., p.
14-16., dez.
LIMA, Gervásio, 1932, Festas do Divino Espirito San-
to, Angra do Heroísmo, Tip. Andrade.
LIMA, Manuel C. Baptista. 1985. A Introdução do Cul-
to do Divino Espírito Santo nos Açores e a sua
influência na simbólica e arquitetura religiosa
dos séculos XV e XVI. In: Os Impérios do Espí-
rito Santo e a Simbólica do Império. Angra do
Heroísmo: Instituto Histórico da Ilha Terceira.
As festas do divino, das ilhas para o Brasil?
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Festas do Divino nas ilhas e Brasil
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  • 1. 05Projeto "MEMÓRIA-Nona Ilha" VIEIRA, Alberto AS FESTAS DO DIVINO, DAS ILHAS PARA O BRASIL? UM CAMINHO AINDA POR REVELAR THE CELEBRATION OF THE ATLANTIC ISLANDS DIVINE HOLY SPIRIT IN BRAZIL? A PATH TO UNFOLD Cadernos de divulgação do CEHA. Projeto “Memória-Nona Ilha”/DRC/SRETC, N.º 05. VIEIRA, Alberto, As festas do divino, das ilhas para o Brasil? Um caminho ainda por revelar. Funchal. Setembro de 2016. Miguelzinho Dutra (1810-1875) Festa do Divino Espírito Santo em ITU em 1835. Museu Republicano de Itu. SP/BR.
  • 2. 2CADERNOS DE DIVULGAÇÃO DO CEHA AS FESTAS DO DIVINO, DAS ILHAS PARA O BRASIL? UM CAMINHO AINDA POR REVELAR (http://goo.gl/H2ZhCx) ALBERTO VIEIRA* CEHA-SRETC-MADEIRA (http://goo.gl/osncCF) ALBERTO VIEIRA. N. 1956. S. Vicente, Madeira. Títulos Académicos e Situação Profissional: 2016- Coordenador do CEHA e de projetos de investigação; 2013-2015: Dire- tor de Serviços do CEHA; 2008- Presidente do CEHA, 1999 - Investigador Coordenador do CEHA; 1991-Doutor em História (área de História dos Descobrimentos e Expansão Portuguesa), na Universidade dos Açores; 1980. Licencia- tura em História pela Universidade de Lisboa. Atividade científica. Pertence a várias academias da especialidade e intervém com consultor científico em publicações pe- riódicas especializadas. É Investigador-convidado do CLE- PUL-Lisboa. Membro da Cátedra Infante Dom Henrique. Desenvolveu trabalhos de investigação nos domínios da História do Meio Ambiente e Ecológica, História da Ciên- cia e da Técnica, O Mundo das Ilhas e as Ilhas do Mundo, História da Autonomia, História da Ciência e da Tecnolo- gia, História da Escravatura, História da Vinha e do Vinho, História das Instituições Financeiras, História do Açúcar. Atualmente desenvolveu estudos e coordena projetos sobre Historia Oral /Autobiográfica, com os projetos: ME- MÓRIAS das Gentes que fazem a História; NONA ILHA- as Mobilidades Madeirenses; AUTONOMIA. Memórias e tes- temunhos. Publicações. Tem publicado diversos estudos, em livros e artigos de revistas e atas de colóquios, sobre a História da Madeira, dos espaços insulares atlânticos, da Nissologia/Nesologia e sobre os temas de investigação referidos acima. Informação curricular desenvolvida em: http://goo.gl/osncCF. As festas do divino, das ilhas para o Brasil? Um caminho ainda por revelar
  • 3. 3CADERNOS DE DIVULGAÇÃO DO CEHA “...o culto do Espírito Santo poderia passar como simples porme- nor etnográfico, folclórico e histórico, se não fossem as suas implica- ções actuais e a sua importância para a posição futura no mundo da cultura de língua portuguesa.” (SILVA, Agostinho da, 1967: 39) “…virá esse império [entenda-se o reino do Espírito Santo] esten- dido a todas as nações do Mundo, a todas elas revelando o Espírito, e a todas elas, e a todos os homens nelas, mergulhando naquilo que será a solução da antinomia vida-morte.” (SILVA, Agostinho da, 1988: 199 e 198) “... [o] anacronismo: o mais imperdoável dos pecados, no enten- der de uma ciência do tempo.” (Marc Bloch, 1976, A História, Lisboa, Publicações Europa-América, p. 149) “O abuso ideológico mais comum da história baseia-se antes em anacronismo que em mentiras. [o anacronismo é] …, o pior pecado do historiador.” (HOBSBAWM, 1998: 28, 248) As festas do divino, das ilhas para o Brasil? Um caminho ainda por revelar
  • 4. 4CADERNOS DE DIVULGAÇÃO DO CEHA RESUMO As festas do divino são, frequentemente, uti- lizadas como um elemento identitário das ligações culturais entre o Brasil e os espaços insulares, levan- do a uma desmesurada valorização desses vínculos, muitas vezes a partir de uma realidade atual e não da época em que as manifestações começaram a ter lugar. Assim, a partir de uma análise da realidade das festas do Divino, nos Açores e na Madeira, atenden- do às suas semelhanças e diferenças, procuraremos entender a sua atual manifestação, no sentido de buscar as múltiplas influências madeirenses, açoria- nas e até mesmo doutras origens geográficas de Por- tugal continental. Esta tendência para a definição de uma cultu- ra regional, em épocas muito antigas, não poderá, porém, ser entendida como anacrónica, no sentido em que se pretende transpor para o passado uma realidade identitária arquipelágica atual, construída e reforçada com o movimento de autonomia, na sua última fase, a partir de 1976? Não será este o pecado mortal da historiografia insular, ao pretender remeter esta identidade cultu- ral diferenciadora, construída com o processo auto- nómico, para épocas anteriores, mesmo para mea- dos do século XVIII? Entendemos, ainda, que a tradição cultural do divino Espírito Santo é um elemento identitário da cultura portuguesa. A diferenciação geográfica de múltiplas influências culturais nos núcleos de povoa- mento ou de emigração deve-se, pois, fazer sentir de igual forma, tendo em conta os grupos e a origem geográfica que as determina. Neste sentido, mais do que apresentar resultados, a nossa intervenção será chamar a atenção para múltiplos aspetos que de- terminam as mobilidades humanas com origem nas ilhas, de forma particular, nos arquipélagos da Ma- deira e Açores e, tendo em conta um aspeto muito comum, a sua religiosidade e práticas religiosas. PALAVRAS-CHAVE: Açores, Brasil, Divino, Espíri- to Santo, ilhas, Madeira, religiosidade. ABSTRACT The Divine Holy Spirit festivities are frequently the most immediate connection between Brazil and the Atlantic Islands, hence having emerged a strong valorization of the celebration as it is done presently without understanding its original context. Based on the commemoration in both Azores and Madeira Islands we will seek to understand how the rituals are done nowadays trying to depict its multiple influences. Isn’t there a general tendency in regional studies to perceive these type of religious and cultural manifestation as mere transpositions from past to present, especially reinforced with the Autonomous movements since 1976? We believe that to ground this cultural identity, which emerged during autonomy launching, into the past and even back to the 18th century, is a great historical failure. On the other hand we are certain that the Holy Spirit tradition is part of the Portuguese Identity. As a consequence, we agree that differences according to geographical diversity cannot be denied. Our presentation will not show results. On the contrary, it will call attention to the multiple aspects connected to mobility within the Archipelagos of Madeira and Azores, hence trying to evidence its similarity in terms of religiosity. KEY WORDS: Azores, Brazil, Holy Spirit, Islands, Madeira, religion. As festas do divino, das ilhas para o Brasil? Um caminho ainda por revelar
  • 5. 5CADERNOS DE DIVULGAÇÃO DO CEHA A ABRIR O Espírito Santo é o obreiro da fraternidade, co- munhão e partilha. É um elemento emblemático da cultura atlântica dos portugueses. Como ilhéus que veem o mundo, não da sua própria ilha, mas do Atlântico, o que nos faz insula- res, sem distinção de território (ilha ou arquipélago), a boiar no imenso oceano, queremos que a fraterni- dade e a partilha de que o mar oceano é metáfora não se fiquem apenas pelas palavras, mas que se der- ramem em tudo aquilo que fazemos e que este mes- mo desejo se infunda na nossa vida e escrita, seja ela qual for. Ser insular é partilhar um oceano, um largo horizonte de sonhos e desejos. É receber os efeitos purificadores do sal da maresia, que nos acompanha, diariamente, e que traz a harmonia de quem partilha um espaço/território comum. Nascidos na Madeira, sentimo-nos mais insula- res que madeirenses. Conhecemos bem as ilhas e a História dos arquipélagos da Madeira, dos Açores, de muitas regiões brasileiras e da ilha de Santa Catarina, mas nada nos obriga a quaisquer compromissos com memórias passadas e presentes que impliquem, da nossa parte, a apropriação territorial, quanto a pro- tagonismos, tradições e influências culturais. O processo de afirmação da regionalidade, em vez da naturalidade, levou-nos a atropelar a História e a vê-la com um olhar, que liga tudo e todos a um lugar, de preferência ao nosso. Caímos, inevitavelmente, no anacronismo tem- poral e espacial. Fazemos os rumos e conhecimentos históricos orbitar em torno do nosso “poio”/região, esquecendo o resto e prestando um péssimo servi- ço ao conhecimento historiográfico e à investigação histórica. Por impulso da política e tradição regional so- mos, na perspetiva de HOBSBAWM (1998: 248), os Miguelzinho Dutra (1810-1875) Festa do Divino Espírito Santo, em ITU em 1835. Museu Republicano de Itu. SP/BR. (Painel azulejo na entrada do Museu Republicano) As festas do divino, das ilhas para o Brasil? Um caminho ainda por revelar
  • 6. 6CADERNOS DE DIVULGAÇÃO DO CEHA maiores pecadores da História1 . E porque não que- remos que nos acusem deste pecado, aqui estamos para propor outras formas de investigação e escrita, face a esta e outras realidades. Assumimos, então, este modo de olhar como um espaço de comunhão e de partilha. Exatamente como as festas dos lugares, em que tudo se partilha com todos – o lazer, a diver- são, o alimento – e onde ninguém é excluído. Uma outra partilha, portanto2 . O PROBLEMA Olhamos geralmente o passado através da visão que temos do momento atual. O que implica obri- gatoriamente uma leitura desajustada e anacrónica dessa realidade que pretendemos trazer para o pre- sente. Assim, de uma forma simplista, diferenciámos o território insular, de acordo com a atual apropria- ção do sistema político-administrativo – Madeira e Açores - e pensámos que, no passado, tudo se pas- sava de igual forma e que as populações originárias destes territórios eram madeirenses e açorianos e não “naturais de…” ou “moradores em”3 . Esta ideia identitária de espaço é uma construção mental, que hoje faz todo o sentido, o que não acontece no pas- 1 Note-se que FALCON, Francisco, (“História e cidadania.” Revista Acervo 21.2 (2011): 123-144.) situa “….a tentação teleológica e o anacronismo presentista. “tentação teleológica” consiste em se inter- pretar a cidadania em qualquer espaço-tempo, sempre em função de seu vir-a-ser, isto é, daquilo que o historiador já sabe de antemão acerca do curso posterior de tal cidadania. Sob tal ótica, as histó- rias da cidadania apresentam-se sempre como algum tipo de estudo das “origens” da cidadania. O “anacronismo presentista” se situa em posição oposta à anterior. Toda forma ou manifestação histórica de “cidadania” tende a ser julgada perante o tribunal do conceito atual de cidadania. Em consequência, a cidadania de outros tempos e lug- ares peca sempre por falta ou incompletude.” (FALCON, 2011: 126- 127). 2 Para GUARINELLO (2001, 972), “A festa é uma produção do coti- diano, uma ação coletiva, que se dá num tempo e lugar definido e especial, implicando a concentração de afetos e emoções em torno de um objeto que é celebrado e comemorado e cujo produto princi- pal é a simbolização da unidade dos participantes na esfera de uma determinada identidade. Festa é um ponto de confluência das ações sociais cujo fim é a própria reunião ativa de seus participantes”. Cf. GUARINELLO, N. L, 2001, Festa, trabalho e cotidiano. In: JANC- SÓ, I.; KANTOR, I. (Orgs). Festa, cultura e sociabilidade na Améri- ca Portuguesa. São Paulo: Hucitec/ Edusp; FERREIRA, L. F. O lugar festivo – a festa como essência espaço-temporal do lugar. Espaço e cultura, UERJ, RJ, n. 15, p. 7-21, jan./jun. 2003; de Oliveira, A. N., & Calvente, M. D. C. M. H. (2012). As múltiplas funções das festas no espaço geográfico. INTERAÇÕES, Campo Grande, v. 13, n. 1, p. 81- 92, jan./jun. 2012. 3 De acordo com L. SANTOS (1999: 52), na identificação dos casais madeirenses que foram, no século XVIII, para o Brasil, refere-se “da ilha da Madeira…” e nos livros de matricula aparecem como “mora- dor na….” (SANTOS, 1999: 105). sado anterior ao século XX4 . Vejamos: na documenta- ção, os madeirenses ou açorianos não são identifica- dos como tal, mas como portugueses, naturais desta ou daquela ilha, retirando-lhe a diferenciação cultu- ral que hoje fazemos. Por outro lado, as associações que se criam nos diversos espaços de emigração não levam o epíteto da origem local dos seus fundadores, mas sim a designação de “Portuguesa”, como suce- de, por exemplo, no século XIX, nas Antilhas5 . Há, na verdade, uma tradição e cultura comuns, partilhada por todos e que poderá ser definida por matizes es- pecíficas, tendo, no caso da Madeira, o culto a nossa Senhora do Monte e, nos Açores, o do Senhor Santo Cristo6 . Diferente é a atitude dos emigrantes, a partir do século XX, que passam a identificar-se como ma- deirenses ou açorianos7 . Este olhar o passado de acordo com uma visão atual é um dos mais pesados equívocos ou “pecados” - para utilizar a expressão de Eric Hobsbawm (1998: 248) - do historiador que, embora tenha sempre isto como uma recomendação fundamental da sua mis- são, esquece-se quase sempre dela, no momento fulcral8 . Neste quadro, parece-nos necessário refletir 4 Para o debate dos localismos e nacionalismos Cf. ANDERSON, Ben- edict, 2008. Comunidades imaginadas: reflexões sobre a origem e a difusão do nacionalismo. São Paulo, Companhia das Letras; CANNY, Nicholas & PAGDEN, Anthony, 1987. Colonial Identity in the Atlan- tic world, 1500-1800. Princeton, Princeton University Press; Moura, D. (2013). Naturais das vilas e cidades: reformulações de identidades na América Portuguesa (1740-1802). Dimensões, (31), 56-76. 5 Cf. Noel Menezes, 1986, Scenes from the History pf The Portuguese in Guyana, London, univ. Publication, pp. 113, 124. 6 Por exemplo, para a Madeira, o culto a Nossa Senhora do Monte, que chegou às Antilhas, Angola e Estados Unidos, enquanto nos Açores, o culto do Senhor Santo Cristo foi espalhado por todas as comunida- des de açorianos, nomeadamente nos Estados Unidos da América. 7 É o que sucede nos Estados Unidos da América, onde, em Oakland, na Califórnia, um grupo de madeirenses cria, em 1913, a Associação Protector União Madeirense do Estado da Califórnia (MENDON- ÇA, D. M. B., 2007, Da Madeira a New Bedford: Um capítulo ignorado da emigração portuguesa nos Estados Unidos da América, Funchal, DRAC: 177). E o mesmo sucede, mais tarde, no Curaçau (Do Rego, C., 2012, The Portuguese immigrant in Curaçao: immigration, partici- pation and integration in 20th century. Uitgeverij SWP. 2012). 8 “ O anacronismo – a acreditar em nossos dicionários e enciclopédias – “é uma violação do curso do tempo, da cronologia”, a “incorreta or- ganização temporal de ideais, coisas ou pessoas, ou em termos mais convincentes, em inglês, “anything done or existing out of date, hen- ce, anything with the present” (alguma coisa feita ou existente que se tornou obsoleta, portanto, algo adequado a uma época passada, mas que não está de acordo com o presente.) ” ENZENSBERG, Hans Magnus. A massa folhada do tempo: meditação sobre o anacronismo. In: Ziquezague. Ensaios. Tradução: Marcos José da Cunha. Rio de Ja- neiro: Imago, 2003. p. 12. E, ainda: “O anacrônico seria, portanto, a tentativa de olhar para um tempo outro e com ele realizar diálo- gos e conexões, enquanto o contemporâneo tenta manter os olhos fixos no seu tempo, mas só consegue captá-lo perfeitamente como ele é, se realizar um deslocamento anacrônico. Seria, pois, impos- As festas do divino, das ilhas para o Brasil? Um caminho ainda por revelar
  • 7. 7CADERNOS DE DIVULGAÇÃO DO CEHA sobre algumas questões relacionadas com os anacro- nismos da historiografia madeirense e açoriana9 . DOS ANACRONISMOS DE MADEIRENSES E AÇORIANOS A diferenciação de açorianos e madeirenses, como marco identitário de uma realidade cultural e histórica, com dimensão territorial diferenciada, é uma criação recente e filia-se nas correntes de pen- samento político regionalista. Ora, isto remete-nos para o debate da naturalidade ou regionalidade dos insulares. Neste sentido, antes do século XIX, falar de açorianos ou madeirenses poderá ser considerado anacrónico10 , uma vez que não existe uma identidade sível perceber o tempo no momento exato em que ele é concebido, é preciso enxergá-lo no instante em que passou e deixou para trás seus valores. Só é possível compreender o tempo em sua totalidade com o olhar mirado no ontem, através da desconexão e dissociação com o presente. Sobre essas afirmações, convocamos AGAMBEN (2009) novamente: Pertence verdadeiramente ao seu tempo, é verda- deiramente contemporâneo, aquele que não coincide perfeitamente com este, nem está adequado às suas pretensões e é, portanto, nesse sentido, inatual; mas exatamente por isso, exatamente através desse deslocamento e desse anacronismo, ele é capaz, mais do que os ou- tros, de perceber e apreender o seu tempo”. (AGAMBEN, 2009, p. 58-59). AGAMBEN, Giorgio. O que é o contemporâneo? In: _____. O que é contemporâneo? E outros ensaios. Tradução: Vinícius Nicas- tro Honesko. Chapecó, SC: Argos, 2009. p. 55-73. Sobre o debate em torno da questão do anacronismo Cf.: García Barrientos, J. L. (1996). Anacronismo y ficcón (notas para una introducción). Universidad de Murcia; Claude Dubar, «François Hartog, Régimes d’historicité, Pré- sentisme et expériences du temps», Temporalités [Enligne], 2 | 2004, mis en ligne le 29 juin 2009, consulta a 11 agosto 2016. URL: http:// temporalites.revues.org/794; Dosse, François. “De l’usage raisonné de l’anachronisme”. EspacesTemps Les Cahiers n.o 87-88 (2005): 156- 171; Didi-Huberman, Georges. “Apertura: Historia del arte como dis- ciplina anacrónica”. En Ante el tiempo. Historia del arte y anacronis- mo de las imágenes. Georges Didi-Huberman. Buenos Aires: Adriana Hidalgo Editora, 2008, 31-97; Olarte, R. S. (2009). Del anacronismo en Historia y en Ciencias Sociales.Historia crítica, (1), 278-299; Cha- ves Maldonado, M. E. (2016). El anacronismo en la historia: error o posibilidad? A propósito de las reflexiones sobre el tiempo en Carlo Ginzburg, Marc Bloch y Georges Didi-Huberman. Revista Historia y Sociedad, (30), 45-73. 9 Atente-se que, segundo Marc Bloch (BLOCH, Marc. Apologia da his- tória ou o ofício do historiador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001, p. 60) apenas hoje “Nunca se explica plenamente um fenômeno histórico fora do estudo do seu momento”. 10 Recordemos algumas recomendações sobre os perigos dos anacro- nismos no discurso histórico: “Os historiadores do contemporâneo, do tempo presente, ignoram-no. A história contemporânea difere assim (há outras razões para esta diferença) da história das épocas anteriores. Esta dependência da história do passado em relação ao presente deve levar o historiador a tomar certas precauções. Ela é inevitável e legitima, na medida em que o passado não deixa de viver e de se tomar presente. Esta longa duração do passado não deve, no entanto, impedir o historiador de se distanciar do passado, uma dis- tância reverente, necessária para o respeitar e evitar o anacronismo. (...) Dessa forma, a historiografia surge como sequência de novas lei- turas do passado, plena de perdas e ressurreições, falhas de memória e revisões. Estas atualizações também podem afetar o vocabulário do instituída e com registo na História. Deste modo, de- verá referir-se, sim, a “natural de” ou “nascido em”, como habitualmente refere a documentação. Desta forma, esta carga identitária regional poderá condi- cionar muitas dificuldades e alterações no discurso histórico, quando usada para épocas passadas. Esta ideia de madeirenses ou açorianos, que somos, ape- nas hoje, por força de uma identidade diferenciado- ra definida pela Geografia e construída pela Cultura, História e Política, não pode ser transportada para um passado, onde as marcas dessa diferenciação cul- tural, não estavam definidas nem balizadas de forma institucional. Há uma matriz cultural portuguesa, é certo, com cambiantes, na atualidade, em relação aos arquipélagos da Madeira e Açores, que acompa- nhou todo o processo de expansão e de mobilidade dos reinóis e insulares e que não pode ser negada, à luz das atuais visões diferenciadoras definidas ao nível político institucional. Até século XX, os emigrantes são identificados como portugueses e reúnem-se em torno da portu- galidade. As instituições, filantrópicas ou não, assu- mem, no nome, essa caraterística da nacionalidade. À medida que avança a afirmação da regionalidade, surgem as casas e associações com caráter regional, mas a sua grande divulgação só começou na déca- da de quarenta do século XX, com o Estado Novo. Não nos podemos, ainda, esquecer de que a ideia de região com uma entidade cultural própria é apenas uma ideia do século XX. Há uma corrente do pensamento político que parte da região para definir uma identidade colada ao espaço/território, com impacto importante no pen- samento político europeu de princípios do século XX. O regionalismo surge em França, a partir de finais do século XIX e cedo se alargou até à Península Ibérica. É um movimento aberto a todos os sectores políticos e socioprofissionais da sociedade e que pretende defen- der os interesses da região, da sua diferenciação cul- tural através da promoção da Cultura e da História11 . historiador, introduzindo-lhe anacronismos conceituais e verbais, que falseiam gravemente a qualidade do seu trabalho.” Le Goff, Jac- ques, História e memória, Campinas, SP Editora da UNICAMP, 1990 p. 25, 28. 11 Sobre o Regionalismo na Europa, ver: Luís Duran i Ventosa, Regio- nalisme I Federalisne, Barcelona, 1993; Miquel Dels Sants Oliver, La Questió Regional, Barcelona, 1987; ORDUÑA, Enrique, El regionalis- mo en Castilla y León, Valladolid, 1986. SANTAMARIA_ORDUÑA, Martin Artajo, Documentos para la Historia dell regionalismo en Es- paña, Madrid, 1977; Christian Gras, Régions et Regionalisme en Fran- ce du XVIIIe siécle à nous jours, Paris, 1977; Francisco Veloso, Alguns As festas do divino, das ilhas para o Brasil? Um caminho ainda por revelar
  • 8. 8CADERNOS DE DIVULGAÇÃO DO CEHA O movimento regionalista não se firmou ape- nas no combate pela autonomia ou pela descen- tralização político-administrativa. Os seus arautos foram personalidades que se destacaram no estudo e promoção da História e da Cultura regional. Nes- te contexto, tivemos na Madeira as comemorações do IV Centenário do Descobrimento da Madeira, que decorreu nos anos de 1922 e 1923. Enquadra- do nestas festividades, surgiu o projeto de publica- ção do “Elucidário Madeirense”, que se afirma como um repositório do saber madeirense, regional, que contribui para reforçar a imagem e a ideia de região, aqui entendida como arquipélago/região. Ainda em consonância com este discurso, que foi responsável por uma significativa produção historiográfica, sur- gem a defesa e o combate pela autonomia. Um gru- po de intelectuais madeirenses deu, então, origem à chamada tertúlia, “O Cenáculo”, destacando-se personalidades como o Major Reis Gomes e o Padre Fernando Augusto da Silva. A construção do regionalismo procura diversos alicerces dentro do discurso científico, cultural e lite- rário. A par da afirmação destas políticas e movimen- tos em prol da região, desenvolvem-se os estudos locais e regionais. A História local e regional ganha evidência e diferencia-se da nacional. Constrói-se o panteão de heróis regionais. Desta forma, a promo- ção dos estudos literários, etnográficos e históricos foi uma realidade no primeiro quartel do século XX. Mui- tos dos que se evidenciaram na luta autonomista fo- ram também vultos de relevo no panorama literário12 . O movimento regionalista foi uma manifestação que ganhou forma no primeiro quartel do século XX e que chegou a toda a periferia de Portugal. Foi ele a força vivificadora das regiões, da identificação e afirmação da sua cultura e valores, face a um Estado autocrático que fazia do Terreiro do Paço, em Lisboa, o seu umbigo, o centro do mundo. A região é uma forma de olhar e criar o espa- ço. É uma construção do discurso científico e políti- co, que se pode materializar num espaço geográfico e que se afirma por critérios objetivos da História, Linguística, Economia, Política e Etnografia. Daqui Aspectos do Pensamento Regionalista, in Scientia Iuridica, t. XXIII, n.º 126-127, 1974; Thiébaut Flory, Le Mouvement Régionaliste Fran- çais, Paris, 1966; Charles-Brun, Le Regionalisme, Paris, 1911. 12 VIEIRA, Alberto, Guia Para a História e Investigação das Ilhas Atlân- ticas, Funchal, 1994. resulta a multiplicidade das variantes do discurso do regionalismo e anti regionalismo. Atente-se a que, no debate científico e no discurso académico, a ênfase vai para o regionalismo político, literário, arquitetóni- co e económico. Enquanto os primeiros fazem apelo ao local, à região, no sentido restrito, aqui, este movi- mento, que se afirmou a partir da década de oitenta do século XX, apela à formação de grupos regionais de países, no sentido de estabelecer políticas econó- micas de coordenação, que favorecem o comércio à escala regional, atuando como uma forma de coesão económico-social dos Estados envolvidos. No campo da Literatura e da Língua, temos ain- da de distinguir aquilo que se entende por regionalis- mos, isto é, palavras e expressões com assento e cria- ção local, do regionalismo como produção literária, que se afirma nas diversas formas de expressão pela valorização do local e das suas formas de expressão. Paul BOIS13 afirma que a região é uma construção da História e não da Geografia. Desta forma, o regiona- lismo é o mecanismo histórico que está na origem e afirmação da região, entendida como um espaço simbólico, definido pelo homem, delimitado pela po- lítica e que se constrói no tempo pela ação diferen- ciadora das demais regiões que o delimitam ou com as quais se enfrenta. O discurso regional é a construção e identifica- ção da região através da língua ou dos dialetos, dos usos, tradições e costumes que fazem a essência da regionalidade. Expressa-se no combate político, pela defesa dos interesses do espaço em questão, pelo es- bater das barreiras da centralização, através de for- mas políticas de administração intermédias que, em termos institucionais, se materializam em municípios, províncias, regiões autónomas ou estados federados. Desta forma, apresenta-se como uma manifestação clara contra as desigualdades da política de revolta contra o estado central e, enfim, de diabolização do centro e da metrópole. A consciência regional cons- trói-se e afirma-se através dos movimentos e grupos regionais, das políticas de afirmação da região, atra- vés da História Regional e Local, dos congressos re- gionalistas, da criação literária enfocada na região, da criação de espaços culturais e museológicos14. 13 BOIS, Paul, 1960, Paysans de l’Ouest, des structures économiques et sociales aux options politiques depuis l’époque révolutionnaire, Pa- ris-Haia: Mouton. 14 VIGIER, Philippe, 1977, Régions et Régionalisme en France au XIXe Siècles, in GRAS, C. e LIVET, G, Régions et Regionalisme en France As festas do divino, das ilhas para o Brasil? Um caminho ainda por revelar
  • 9. 9CADERNOS DE DIVULGAÇÃO DO CEHA O regionalismo é o discurso da periferia, em combate com os macrocéfalos centros de decisão e domínio. É por isso que se afirma e se exacerba em espaços ou regiões mais periféricos, afastados do cen- tro ou isolados da demais envolvência social e política. Daí a sua forte expressão transmontana e insular. Não será por acaso que as primeiras casas regionais apa- recem como expressão desta periferia na capital. Em 1905, surgiu a casa de Trás-os-Montes e Alto Douro e, passados dois anos, a da ilha da Madeira15 . A presen- ça da casa da Madeira chega até Lourenço Marques, onde teve expressão entre 1937-69. Depois, nos anos 20, a exacerbação do regionalismo gerou novas casas, contando com o apoio do madeirense José Vicente de Freitas, então presidente da Câmara de Lisboa. Cedo, o Estado Novo se apercebeu da sua importân- cia, convertendo-as em sustentáculo do nacionalis- mo e unidade nacional, integrando-as no movimento corporativo, criando, em 1945, o Conselho Superior do Regionalismo Português.16. As casas regionais e os congressos regionais integram-se no Estado Novo unitário e convertem o discurso regionalista à ideia de unidade da nação17 . Não será isto uma forma dis- farçada de anti regionalismo? Esta intervenção do Estado Novo reformula o regionalismo, não apenas em termos políticos e institucionais, mas também em termos da arquitetura, surgindo, como movimento arquitetónico, a casa portuguesa ou regional de Raul Lino, com esta expressão do falso regionalismo. É certamente nas ilhas que esta expressão do regionalismo mais se torna visível. Há um discurso insular da regionalidade que se afirma pela presença do mar, pela definição clara das fronteiras que o mar traçou. E este ganhou diversas formas de expressão e reforça-se ainda mais em espaços arquipelágicos, como as Canárias e os Açores, por exemplo. A AÇORIANIZAÇÃO HISTÓRICA DO BRASIL Na tradição e memória coletiva de alguns seto- du XVIIIe siècle à nous Jours, Paris, PUF, pp. 165-174 ; GRAS, Chris- tian, 1982, La Revolte dês Régions d’Europe Occidentale de 1916 à nous Jours, Paris, Presses universitaires de France. 15 MELO, Daniel, 2004, Longe da vista perto do coração: o associativis- mo regionalista no contexto colonial português, Coimbra, CES-FEUC. 16 Sobre as casas regionais, cf. FORTE, Maria João Figueiredo, 1996, As casas regionais em Lisboa: a Casa das Beiras, Lisboa, FCSH-UNL, tese de mestrado 17 Cf. CATROGA, F., 2005, Nação, mito e rito: religião civil e comemora- cionismo: EUA, França e Portugal. NUDOC-UFC, Museu do Ceará. res brasileiros, parece existir uma ideia corrente da ligação do território brasileiro, aos Açores. Ou será antes a impressão, quase generalizada de que Aço- res é sinónimo de ilhas, englobando os arquipélagos dos Açores e Madeira. Atente-se que, no Brasil, al- guns dos discursos historiográficos relacionados com a expansão da cultura sacarina e dos engenhos, a emigração e o transplante de usos e tradições, são quase sempre sinónimo de Açores, sem que isso cor- responda a uma devida fundamentação de caráter documental e à verdade histórica. Entretanto, uma tradição brasileira diz-nos que o engenho de Erasmos de Santos é apresenta- do como uma aportação açoriana, sendo o modelo ou estilo arquitetónico dito “açoriano” 18 , como se o arquipélago dos Açores tivesse tido uma afirmação evidente na economia açucareira e gentes experi- mentadas na cultura e técnica do açúcar. A mesma situação repete-se em Santa Catarina, onde tudo o que é português/ilhéu é quase sempre entendido como açoriano. Sem dúvida o facto mais significativo de tudo isto está na intenção de certa historiografia em ignorar outros insulares como os madeirenses19 e mesmo os reinóis, fazendo depender dos açorianos o legado cultural dos colonos portugueses que apor- taram a terras brasileiras, no século XVIII. Recorde- mo-nos que, a 7 de junho de 1886, desembarcaram, 18 Esta ideia é pública e afirmada pelas entidades oficias, como por al- guma historiografia, como é o caso de SAIA, L., 1978 (1958), Morada Paulista. 2A, ed. São Paulo, Perspectiva. Cf. Sobre o engenho, veja-se: STOLS, Eddy. 1968, Um dos primeiros documentos sobre o Engenho dos Schetz em São Vicente. Revista de História. São Paulo, 37: (4º tri- mestre): 407-419, 1968. Maria Regina da Cunha Rodrigues,1960, A documentação antuerpiana sobre o Engenho São Jorge dos Erasmos e o prof. dr. Hermann Kellenbenz, Revista de História. São Paulo, 76: (3ºtrimestre): 407-419, 1968; ANDREATTA, Margarida Davina, 1999, O engenho S. Jorge dos Erasmos: Prospeção Arqueológica, Histórica e Industrial, REVISTA USP, São Paulo, n.41, p. 28-47, março/maio; José Luiz de MORAIS, Silvia Cristina PIEDADE and Eliete Pythagoras Bri- to MAXIMINO, Arqueologia da terra brasilis: o engenho são jorge dos Erasmos, na capitania de São Vicente, Revista de Arqueologia America- na, N.º 23, Arqueología Histórica (2004/2005), pp. 349-384. 19 BOITEUX, Lucas Alexandre, Açorianos e Madeirenses em Santa Ca- tarina, Revista do I. Hist. e Geog. Brasileiro, Vol. 219, Rio de Janeiro, 1953; FERRAZ, Maria de Lourdes de Freitas, Emigração Madeirense para o Brasil no Século XVIII, Islenha, Funchal, 1988, nº 2, 88-101. PEREIRA, Nereu do Vale, Notas sobre a Participação Madeirense na Colonização da Ilha de Santa Catarina, in As Ilhas e o Brasil, Fun- chal, 2000, 337-348. PIAZZA, Walter, Madeirenses no Povoamen- to de Santa Catarina (Brasil) Século XVIII, in Actas do I Colóquio Internacional de História da Madeira, Funchal, 1989; id., A epopeia Açorico-Madeirense (1746-1756), Florianópolis, VFS c/ Sunardelli, 1992 [Edição CEHA Funchal 1999]. SANTOS, Maria Licínia Fernan- des dos, Os Madeirenses na colonização do Brasil, Funchal, CEHA, 1999. SILVA, José Manuel Azevedo e, Africanos e Madeirenses no Povoamento e Colonização da Amazónia no Tempo do Marquês de Pombal, in As Ilhas e o Brasil, Funchal, 2000, 365-374. As festas do divino, das ilhas para o Brasil? Um caminho ainda por revelar
  • 10. 10CADERNOS DE DIVULGAÇÃO DO CEHA em Belém, 20 famílias oriundas da Madeira, que os jornais locais referem como “açorianos”20 . Não será despropósito referir que esta atitude radical incomoda, por vezes, os estudiosos catarinen- ses. Assim, nos Anais da segunda semana de Estudos açorianos que decorreu em Florianópolis em 1987, o Prof. Nereu Pereira desabava que “tudo que diga e se faça entre nós é tido como cultura açoriana”, enquanto Juliani Brignol é perentório: “junto com os casais açorianos, vieram para Desterro também fa- mílias das ilhas da Madeira. (…) embora os açorianos formem a maioria em termos de comunidade do in- terior da ilha é inadequado tributar somente a eles a ocupação do território.”21 Tão evidente protagonis- mo para tão pouca valorização e atenção da História atlântica e intercontinental e imperial. Há uma “açorianização” da emigração insular no Brasil, esquecendo-se a presença da Madeira des- de os primórdios do século XVI. Acontece assim no Estado de Santa Catarina para o século XVIII, como para esta época do estudo com os madeirenses que chegaram ao Pará. Mais uma vez, esta invisibilidade dos madeirenses e a confusão com açorianos joga de forma desfavorável, na hora de procedermos à sua contabilização. AS FESTAS E O CULTO DO DIVINO DO CONTINENTE PARA AS ILHAS Há uma ideia generalizada sobre a importância do envolvimento do culto do divino Espirito Santo e da mística franciscana, no processo de expansão por- tuguesa. Daí a importância que assume esta corren- te em termos da devoção popular das populações, materializada na origem dos oragos de capelas, no nome dos lugares22 . 20 «Os Açorianos». In: Diário de Belém, n.°131, 12 junho 1886, p. 2; idem, n.º 132, 13 junho de 1886; idem, n.º 133, 15 de junho de 1886. Cf. FREITAS, Nelly de, Des Vignes aux Caféiers: Étude socio-écono- mique et statistique sur l’émigration de l’archipel de Madère vers São Paulo à la fin du XIXe siècle, Funchal, CEHA, 2014, pp. 299-300. 21 Anais da 2ª Semana de Estudos Açorianos, Florianópolis, 1989, pp. 165, 291. 22 Cf. LIMA, 1988: p. 5; Rocha, 2008: p. 26. Vemos no Diário de Notícias do Funchal 7 de maio de 1961 que “O tradicional povo madeirense. E não podia de maneira alguma andar arredado destas manifestações Litúrgicas e por isso em toda a sua ilha é relembrado o Espírito Santo com todo o seu esplendor. Desde o povoamento da Madeira, logo que João Gonçalves Zarco mandou erigir uma capela aquele Santo em Camara de Lobos e João Esmeraldo em 1508 igualmente levantou na sua propriedade da Lombada da Ponta do Sol, outra igreja com o mesmo nome se começou a festejar a citada festa.” Neste enunciado das festas do Espírito Santo, daremos importância à memória descritiva da tradi- ção madeirense, uma vez que esta tem sido esque- cida e pode trazer elementos para um debate em torno das influências da religiosidade popular das po- pulações portuguesas emigrantes no Brasil. No caso específico dos Açores e das diversas regiões do Brasil, a diversidade de estudos facilita-nos a tarefa, reme- tendo para estes a elucidação das vivências conside- radas mais caraterísticas. Daí a relação exaustiva da bibliografia que apresentamos no final deste ensaio. A Madeira foi, a partir de princípios do século XV, a primeira etapa da expansão do culto ao divino Espírito Santo. A devoção ao Espírito Santo acompa- nha os primeiros povoadores da Madeira e estava de forma omnipresente na sua religiosidade. João Gonçalves Zarco, o chefe das primeiras expedições de reconhecimento e povoamento das ilhas do ar- quipélago madeirense, pode ser considerado um devoto do “Divino”, de forma que, ao começar a de- marcar o território em Câmara de Lobos para o seu usufruto, reservou um espaço para a construção de uma capela em honra do Espírito Santo. Ainda hoje, Capela Espírito Santo em Câmara de Lobos As festas do divino, das ilhas para o Brasil? Um caminho ainda por revelar
  • 11. 11CADERNOS DE DIVULGAÇÃO DO CEHA esta ermida é um dos centros da devoção da Festa do Pentecostes, nesta comunidade paroquial. Depois, o mesmo Zarco, no Funchal, na primeira igreja erguida sob a invocação de Nossa Senhora da Conceição, vol- tou a criar uma capela interior dedicada ao Espírito Santo. A mesma devoção ao Espírito Santo aconte- ceu noutras capelas, como em Machico, Caniço, Ca- lheta, Lombada da Ponta de Sol e Porto Santo. Deve- mos ainda assinalar capelas de interior em diversas igrejas, como na demolida igreja do convento de São Francisco, no Funchal, no Convento de Santa Clara, na matriz de Santa Cruz e na de Machico. Nestas e noutras capelas, surgem pinturas onde o simbolismo do Espírito Santo está presente em línguas de fogo e na pomba, como é o caso, por exemplo da capela da Lombada do Esmeraldo, datada de 1508, na Ponta de Sol23 . 23 Cf. FERREIRA, Manuel Juvenal Pita, “A ordem Seráfica na Madeira”, Das Artes e da História da Madeira, 1964, vol. VI, N.º 32, pp. 13- 21; SILVA, Fernando Augusto da, 1945, Subsídios para a História da Diocese do Funchal.1435, 1800, Funchal; VIEIRA, Alberto, O deve e o haver da caridade e misericórdia no espaço atlântico Formas de as- sistência e proteção aos doentes, expostos, pobres e escravos nos séculos A devoção dos madeirenses ao divino Espírito Santo na Madeira torna-se ainda mais visível nas con- frarias e irmandades em honra do Espírito Santo, na importância da comunidade franciscana que acom- panhou João Gonçalves Zarco, no seu processo de reconhecimento e povoamento, o que releva, ainda mais, este culto. É esta mística, transposta pelos fran- ciscanos para a Madeira e, depois, para os Açores e outros lugares onde os portugueses chegaram, que ficou a marcar uma forma particular da religiosidade popular, que evoluiu no tempo e de lugar para lugar, assumindo dimensões diversas da sua expressão ri- tual e dos festejos profanos. Para a Madeira, temos um breve retrato desta vivência popular das festas do Divino para o último quartel do século XVIII: Seja hum abuso por exemplo o que praticavão nos vodos do Espirito Santo, como chamavão, pela Festa de Pentecoste com os seus cha- mados ímperios, que em cada rua da Cidade se osten- XVI-XVIII, Funchal. Julho de 2015 (formato digital). Disponível em: https://app. box.com/s/vx100zeac8q8cui8rz2lhfv3l649qgwg. Capela do Espírito Santo. Lombada da Ponta de Sol Figuração da Pomba. Capela da Lombada na Ponta de Sol Capela do Espírito Santo-Lombada do Esmeraldo. 1894 Figuração da pomba. Capela do Espírito Santo, Câmara de Lobos As festas do divino, das ilhas para o Brasil? Um caminho ainda por revelar
  • 12. 12CADERNOS DE DIVULGAÇÃO DO CEHA tavão: A piedoza consideração da Ordem do Liv.5.º N.º 5, tinha permittido os ditos vodos certamente com o unico motivo, como hé a todas as mais puras luzes manifesto, de que nelles se praticava a simples, e santa caridade dos fieis para com o proximo mais necessitado; mas porém as chamadas esmolas, que se extorquiáo por sortes de gramde valor; os sump- tuozos Theatros publicos, que se eregiao; as compe- tencias de luxo nelles; as gulas; as ebriedades; e as demasias, que até á noite do dia do Espirito Santo se commetião, e até a concurrencia de ambos os sexos, que em noites successivas vinhão por entre sombras, e com muitas offensas de Deos applaudir a illumina- çáo, e as orquestras de musica naquelles Theatros da vaidade; tudo isto foi regulado com a prohibição das lucrozas, e violentas sortes acceitando só as esmo- las que os fieis quizessem dar por caridade, e com a unica permissão das solemnidades das igrejas, e dos Theatros simplices, e decentes, em que os vodos da- quelle dia não passassem de sopas, vaca, e arroz, e pão, e vinho, em beneficio dos pobres que concorres- sem; applicando-se o restante, se o houvesse, para esmolas particulares de pessoas recolhidas, e neces- sitadas.24 24 Breve e verdadeira construção dos princípios e progressos do Governo que Jose Antonio de Sa Pereira fez na ilha da Madeira. S. d. (1777?), in CASTRO E ALMEIDA, Eduardo de, org., Archivo de Marinha e Ultramar, inventário: Madeira e Porto Santo, Coimbra, Biblioteca Na- cional de Lisboa, 1907- 1909, 2 vols (vol. 1: 1613-1819; vol. 2: 1820- 1833), 1907, n.º 4846, p. 311. Relativamente aos séculos XIX e XX, temos ou- tras descrições sobre o ritual e atividades envolven- tes. Mas estamos já sob as influências de algumas mudanças levadas a cabo por D. Manuel Agostinho Barreto, entre 1876 a 1911, período em que foi bis- po do Funchal25 . Assim, em 28 de março de 1892, o bispo proibiu o uso do cetro e da coroa e a presen- ça dos músicos. E, noutra pastoral de 24 de abril de 190026 , recomenda cuidados especiais nas diversas festas populares em que se inclui a do Divino Espírito Santo, quanto à comida e aparato profano ligado às diversas festividades.Mas nem tudo aconteceu con- forme as recomendações episcopais. Assim, destas festividades do Divino, já com a reforma episcopal, ganharam fama, as de S. João da Ribeira27 , hoje to- talmente desaparecidas, as da segunda-feira de Pen- tecostes na Camacha, cuja tradição é muito antiga, e as da freguesia de S. Vicente no norte da ilha, que as- sumem uma dimensão própria, na aproximação dos 25 Sobre este bispo. Cf. COELHO, Francisco Senra, “D. Manuel Agosti- nho Barreto – O Homem e o seu Tempo”, in FRANCO, José Eduardo et al. (coord.), Diocese do Funchal: a Primeira Diocese Global: Histó- ria, Cultura e Espiritualidades, vol. II, Lisboa, Esfera da Caos Edito- res, 2015, pp. 577-606; TRINDADE, Cristina, 2016, Barreto, Manuel Agostinho. Disponível em: http://aprenderamadeira.net/barreto- -manuel-agostinho/. 26 História e Devoção ao Divino Espirito Santo no Madeiro, CEHA-SR- TC, Funchal 2001, pp. 152-156. 27 O Diário de Notícias (n.º 183, 26 de maio de 1877, p. 1) informa so- bre a festa do Espírito Santo na igreja de S. Roque, como “bodo aos pobres”. Refere, ainda, que só em S. João da Ribeira o império é pre- parado com maior esplendor. Saloias. Madeira As festas do divino, das ilhas para o Brasil? Um caminho ainda por revelar
  • 13. 13CADERNOS DE DIVULGAÇÃO DO CEHA familiares e amigos. As celebrações do Império de S. João da Ribei- ra eram as principais do concelho do Funchal, sendo muito conhecidas e referenciadas e aconteciam no fim-de-semana: no sábado, havia o cortejo das ver- duras e hortaliças desde a Rua Conde Canavial até à copa, sendo o cortejo aberto por uma bandeira de S. João, ladeada de crianças vestidas de saloias; no do- mingo, os festejos começavam logo às 8h da manhã, com o cortejo das insígnias para o império, desde a igreja de S. Pedro. Após a missa, na capela, era ofe- recido um bodo aos pobres, às 14h, fazia-se a distri- buição de panos e alimentos crus, lenha aos mesmos pobres e, às 16h, rifavam-se os diversos produtos do império28 . Em 1909, João Reis Gomes29 descreve as festas do Espírito Santo neste império de S. João da Ribeira: “No primeiro domingo de novena, realiza-se em S. João o «Imperio do Espirito Santo». Sob um amplo toldo fixo ornamentado a flores e verdura e iluminado a lanternins chineses, está dispos- ta a mesa, vistosa e profusamente adornada a plantas, frutas, bolos, peixes e cordeiros de ovos e· açúcar, onde deve ser servido lauto jantar a doze pobres, todos vestidos de novo por conta dos festeiros. Ao fundo, numa alegria de lumes, ostenta-se a baixela de prata, grande mas he- terogénea pela diversidade de gosto e desenho 28 Diário de Notícias, n.º 11982, 12 de junho de 1914, p. 2; idem, n.º 11983, 13 de junho de 1914, p. 2; idem, n.º 12350, 18 de junho de 1915, p. 2. 29 Foi de novo publicado em 1942 na compilação De bom humor…(co- lectânea ), Funchal, 1942, pp. 213-219. das várias peças emprestadas, por muitos, para a decoração da «copa». E ali que se erguem a bandeira e o pendão do Espírito Santo, feitos de seda vermelha, tendo ao centro, sobre um trian- gulo branco, de asas abertas, a casta pomba simbólica. Chama-se «Imperio» a mesa e «copa» prepara- das para o grande bodo cristão. Afora os doze pobres que tomam lugar a mesa, outros muitos são socorridos com fatos, lenha, pão, carne, arroz e hortaliças. A festa e, além de alegre e pitoresca, profundamente simpática por seus fins caritativos. Durante sete domingos, percorrem os festeiros do Espírito Santo a sua freguesia, levando, um, o estandarte, outro, o pendão, e outros a coroa imperial e o cetro, colhendo as esmolas para o Imperio. Vão acompanhados de uma pequena orquestra composta de rabeca, violas e rajões, todos com opa vermelha, e de um grupo de pe- quenas, as «saloias», vestidas a moda das anti- gas companhias da Madeira. Entram em todas as casas, e fazem o peditório por meio de trovas com musica própria, (…)”30 E remata: “A costumeira passou desta Ilha, leva- da pelos emigrantes, para algumas localidades da Guiana inglesa, onde, nas igrejas católicas, se pratica ainda a coroação. Entre nos, madei- renses, o alto critério do ilustre Prelado da Dio- cese tem acabado com esses usos ridículos a que o povo tinha grande e decidido apego.”31 30 GOMES, 1942: 214. 31 GOMES, 1942: 216. Saloias. Madeira As festas do divino, das ilhas para o Brasil? Um caminho ainda por revelar
  • 14. 14CADERNOS DE DIVULGAÇÃO DO CEHA A segunda-feira do Espírito Santo na Camacha era um arraial muito procurado pela população do Funchal, animando as estradas e caminhos, rumo à freguesia32 . Na primeira metade do século XX, as mercearias e casas de pasto publicitam o serviço de almoços33 , a olaria do Funchal mantém abertas as portas para servir os romeiros e muitas mercearias, no percurso para a Camacha, também estão prontas a acolher os romeiros. À chegada ao centro da fre- guesia, ocorria um cortejo dos romeiros, apeados ou a cavalo34 . Há um aspeto a salientar nesta forma de viver as festas do Espírito Santo, que é realçado por todos: o bodo aos 12 pobres35 , a visita pascal das insígnias, nomeadamente da coroa36 e as ofertas dos fregueses, 32 Outra celebração importante, que atrai muita gente da vizinhança para a visita das insígnias do Espirito Santo, era a quinta-feira da Ascensão na levada do Pico no Ribeiro Serrão (PEREIRA, Eduardo, 1989, Ilhas de Zargo, Funchal, CMF, II, p. 493.). Já na Serra de Água, tínhamos o encerramento das visitas do Divino, com a subida das insígnias à Encumeada, o que fazia reunir muito povo da freguesia e da de S. Vicente (PEREIRA, 1989: 483-484). De entre as datas especiais para a visita do Espirito Santo, deveremos considerar o facto de, no Rosário, em S. Vicente, esta se celebrar sempre no dia primeiro de maio. 33 Como sucede com a Mercearia Martins (Diário de Notícias, n.º 11966, 27 de maio de 1914, p. 2). 34 Diário de Notícias, n.º 12688, 13 de junho de 1916, p. 2. 35 Assim, no Diário de Notícias (30 de junho de 1911, p. 2) diz-se que “E’ no proximo domingo que se realisa, com toda a pompa na parochial egreja de Santa Maria Maior, a festa do Espirito Santo, com abun- dante bodo aos pobres. Na vespera, pelas 4 horas da tarde, sahirá da «Fabrica Alegria)), o pão, dôces e hortaliças, que serão distribuidos aos pobres, sendo acompanhados pelas insígnias do Espirito Santo e pela phylarmonica Artistico Madeirense. A festa Começará ás 11 horas, prégando ao Evangelho o rev.” padre Camacho, cura d’aquella freguezia, e na cópa fará uma pratica o rev. o padre Jacintho da Con- ceição Nunes, digno cura da Sé Cathedral.” 36 Através do Diário de Notícias (n.º 9428, 25 de maio de 1907 p. 2) sa- bemos que “Corôa de prata na alfandega d’esta cidade foi ontem des- em géneros (pão, doces, alfenim, verduras, hortali- ças) que depois eram rifadas ou leiloadas na copa37 . Referem-se, ainda, aos chamados impérios onde tudo isto acontecia38 . Em 16 de julho de 190539 , no império do Monte, foram rifados vários ramos de al- fenim, como pão-de-ló e, ainda, diversas construções feitas em doce de castelos, coroas e animais (vaca, carneiro e galinha). Fala-se de um “cordeirinho de ovos-reais”, em doce cobiçado por todos, mas que só tinham direito a saborear os que o rifassem40 . Tam- bém temos informação das ofertas feitas em pães de açúcar, uma tradição que deveria ser muito antiga41 . O principal da cerimónia acontecia no sábado e domingo, culminando, neste último dia, com uma missa em que o pregador do sermão era figura de cartaz42 . A segunda-feira era também celebrada por pachada para a egreja parochial da freguezia da Ribeira Brava, uma magnifica corôa de prata, encimada por uma pomba representativa do Espirito Santo.” 37 Diz o Diário de Notícias (n.º 9072, 31 de maio de 1906 p. 3) que “No proxímo sabbado serão conduzidos o pão, hortaliças, etc., que hão-de figurar na copa do Espirito Santo, de Santo António, desde a Levada do Cavallo até o adro d’aquella freguezia, levando na frente uma confraria, as insignias do Espirito Santo e sendo seguidos d’uma philarmonica.” 38 O Diário de Notícias (n.º 9078, 6 de junho de 1906 p. 3) refere o im- pério de Santo António. 39 Diário de Notícias, n.º 8760, 20 de julho de 1905 p. 2. São 13 ramos de alfenim e 10 pães-de-ló. 40 Cf. SARMENTO, A. A., As Pequenas Industrias da Madeira, Funchal, 1943, p. 99; idem, Quadros sem aro desenhados à pena na ilha da Madeira, Funchal, 1944, p. 43. 41 Cf. PEREIRA, Eduardo, 1989, Ilhas de Zargo, II, Funchal CMF; p. 550-551. 42 O Diário de Notícias (n.º 9072, 31 de maio de 1906 p. 3) anunciava que “No proxímo sabbado serão conduzidos o pão, hortaliças, etc., que hão-de figurar na copa do Espirito Santo, de Santo António, des- de a Levada do Cavallo até o adro d’aquella freguezia, levando na frente uma confraria, as insignias do Espirito Santo e sendo seguidos Cortejo da segunda-feira do Espírito Santo na Camacha As festas do divino, das ilhas para o Brasil? Um caminho ainda por revelar
  • 15. 15CADERNOS DE DIVULGAÇÃO DO CEHA todos43 . Para a copa e bodo, o mordomo procurava preparar o melhor manjar, com doces e frutos para servir aos doze pobres. Poderia acontecer algum percalço a manchar o brilhantismo do momento44 , como aconteceu no dia 29 de maio de 1915, em que, durante a noite, alguém desmanchou o barracão da copa que havia sido feito para a festa do dia seguin- te45 . Estes episódios e a forma como os jornais anun- ciavam as festividades, como se divulgava a disponi- bilidade de embarcações que levariam os fiéis, para as cerimónias nas diversas freguesias46 , ou o serviço de comboios para, no Monte47 acompanhar o referi- do arraial, revelam da importância que a população madeirense atribuía a estas festividades em torno do Espírito Santo, nomeadamente ao arraial que fazia parte destes dois dias de festa. O arraial anunciava-se com o bodo aos pobres e a presença de uma banda filarmónica48 . Na segunda-feira a seguir à festa do Es- pírito Santo, ninguém trabalhava e tinha continuida- de a festa49 . d’uma philarmonica. As festividades que se realizam no domingo na respectiva egreja revestirão todo o brilhantisrno, sendo pregador ao Evangelho o revd. o padre Gonçalves.” E noutro Diário de Notícias (n.º 9426, 23 de maio de 1907 p. 1) vemos idêntico anúncio e con- vocatória: Realiza-se no domingo proximo, com todo o apparato; na parochial egreja de S. Gonçalo, a festa do Espirito Santo, prégando ao Evangelho o revd.º conego João Quirino Gonçalves. Haverá boda a 12 pobre, sendo no domingo ás 7 horas ela manhã distribuidas esmo- las em generos, legumes, verduras, etc. Os artigos que hão de figurar na copa serão acompanhados, desde a egreja de Nossa Senhora do Monte do Carmo, pela confitaria do Santissimo Sacramento pelas insignias do Espirito Santo, por uma orchestra e pela philarmonica Artistico Funchalense, que tambem toca no arraial.” 43 Temos a informação que em 1827 em S. Vicente as festas do Espiri- to Santo tinham lugar durante três dias, pois num documento desta data referem-se “os três dias do Espirito Santo.” (cf. RIBEIRO, João, 2005, S. Vicente-Subsídios para a História do Concelho, Funchal, p. 199). 44 Vemos no Diário de Notícias (n.º 10505, 15 de maio de 1910,p. 3) uma “declaração de João Silva, denunciando Augusto Faria, festeiro de Espírito Santo de S. Martinho que encomendara morangos e nãos quis depois. “ 45 Diário de Notícias, n.º 12331, 30 de maio de 1905 p. 2. 46 Os jornais anunciam excursões a para vivenciar as festas do Espírito Santo: Santa Cruz (Diário de Notícias, n.º 3719, 5 junho de 1889, p. 4); Machico (Diário de Notícias, n.º 3725, 2 de junho de 1889, p. 4); Ponta de Sol (Diário de Notícias, n.º 7814, 22 de maio de 1902); Câ- mara de Lobos, Ponta de Sol e Calheta (Diário de Notícias, n.º 8718, 8 de junho de 1905, p. 4); Porto Novo (Diário de Notícias, n.º 8711, 1 de junho de 1905, p. 3); Porto Santo (Diário de Notícias, n.º 8749, 9 de julho de 1905, p. 4). 47 Cf. Diário de Notícias, n.º 5761, 22 de maio de 1896, p. 3; idem, n.º 7666, 13 de julho de 1902, p. 1. 48 Como sucedeu no Monte (Diário de Notícias, n.º 8753, 18 de julho de 1905, p. 2); Porto do Moniz (Diário de Notícias, n.º 9080, 8 de junho de 1906, p. 1). 49 As chamadas oitavas dos dias festivos eram sempre dias de descanso Um dos aspetos singulares da tradição das fes- tas do Divino, documentada desde o século XX, é a inclusão das saloias, que acompanham o cortejo da visita com cânticos alusivos, à entrada e saída de cada casa. Na atualidade, não obstante o reavivar do cul- to em toda a ilha, nos últimos anos, podemos afir- mar que as festas do Espírito Santo mudaram. Esta mudança era já notória na década de sessenta para o espaço urbano e apenas as freguesias rurais man- tinham a tradição, sob o olhar atento da estrutura paroquial50 . Na Camacha, a segunda-feira do Pen- tecostes ainda segue a antiga tradição, mas sem o desusado movimento de romeiros do passado, na medida em que, hoje, os devotos têm, nesse dia, obrigações sociais e profissionais. Também a tradi- ção do bodo aos doze pobres desapareceu, porque a solidariedade social ganhou novas formas de expres- são e o Estado passou a ter uma participação ativa nesse departamento. É certo que mudou a forma de participação, mas manteve-se a essência da vivência familiar, da abundância e da partilha. Na atualidade, são bastante evidentes a vivência do Espírito Santo na Camacha, S. Vicente, Ribeira Brava, Caniçal, Fajã e ninguém trabalhava. Deste modo era nesta data que os capitães fa- ziam o alardo a todas forças da ordenança, situação que se repetia na oitava do Natal e da Páscoa. (VERISSIMO, Nelson, 2000, Relações de Poder na Sociedade Madeirense do século XVII, Funchal, DRAC, 324). 50 Cf. “ As Festas do Espirito Santo”, Diário de Notícias, 07.05.1961, onde se refere que “… as Festas do Espirito Santo no Funchal, estão praticamente apagadas seria de modo interessante, fazê-las com todo o seu brilhantismo e trazer até nós o seu secular cunho, transportan- do-nos longe desta época de loucura que os homens andam atraves- sando.” Saloias. Madeira As festas do divino, das ilhas para o Brasil? Um caminho ainda por revelar
  • 16. 16CADERNOS DE DIVULGAÇÃO DO CEHA da Ovelha, Calheta… O culto ao Espírito Santo chegou primeiro à Ma- deira e depois partiu, rumo a novas ilhas, como os Açores, ou a outras terras, entretanto descobertas. A segunda etapa do processo de ocupação das ilhas atlânticas foi o arquipélago dos Açores, para onde os portugueses levaram a experiência da Madeira, no- meadamente em termos das práticas e devoção ao Divino, com reflexos evidentes na religiosidade das populações locais. Certamente que uma diferente evolução do processo histórico, o confronto das po- pulações com outras realidades quotidianas, levarão a que, quer nos Açores, quer na Madeira, comecem a surgir formas diversas de expressão da mesma es- piritualidade. E há factores que podem ter sido im- portantes, no sentido da evolução de um culto, como, por exemplo, a intervenção da estrutura da própria igreja católica, condicionando ou limitando a expres- são da devoção popular em torno do Divino. Foi isso que aconteceu na Madeira, a partir do século XIX e que não veio a suceder nos Açores. E, se tivermos em conta a relação que se estabeleceu entre o fenómeno emigratório de insulares para o Brasil, veremos que esta mobilidade de madeirenses e açorianos aconte- ceu numa época em que o culto ao divino era em tudo semelhante. É por isso que, quer os emigrantes da Madeira, quer os dos Açores, tão apegados e esta re- ligiosidade popular, não deixaram para trás o culto do Divino. Desta forma, o culto ao Espírito Santo é uma matriz identitária da religiosidade popular portugue- sa, que chega a todo o lado pela mão dos continentais ou das populações oriundas da Madeira e Açores.51 51 MENEZES (1986: 92-97) refere em 1898, na Guiana, espaço de emi- grantes com origem na Madeira, as festas do Divino Espírito Santo. AS FESTAS E O CULTO DO DIVINO NO BRASIL Também no Brasil, a exemplo das ilhas, chegou a Festa do Divino, assim como das festas referentes à devoção dos santos populares, que ainda hoje as- sumem uma dimensão importante no quotidiano de muitas áreas do país52 . A partir dos múltiplos estu- dos e referências, temos conhecimento de que as festas, ainda hoje, assumem grande importância, em diversas cidades e estados, havendo, inclusivamente um Estado com a designação de Espírito Santo. Este nome partiu do proprietário da capitania, que aí che- gou em 23 de maio de 1535, dia de Pentecostes, para fundar o povoado, naquela que é hoje a Vila Velha. Tenha-se em conta que esta capitania foi herdada pelo seu sobrinho Francisco de Aguiar, mas mesmo assim, nisto não vimos qualquer possibilidade de se estabelecer uma ligação com a ida de emigrantes da Madeira. O culto ao divino Espirito Santo aconteceu por 52 De acordo com M. CARVALHO (2008:2) “Estudos e pesquisas re- gistram ser o culto do Divino uma das mais antigas expressões do catolicismo popular brasileiro (PACHECO, et al: 2005). De fato, a Festa do Divino Espírito Santo constitui-se uma secular tradição re- ligiosa, originária de Portugal, que se difunde em diferentes regiões brasileiras, com dimensões próprias e peculiares”. E, segundo Carlos de Lima (1981) a festa do divino “chegou ao Brasil no século XVI e ganhou popularidade e prestígio no País, notadamente no Rio de Janeiro, São Paulo (Irmãos de Canoa), Minas Gerais, Paraná, Santa Catarina, Maranhão e Goiás”. Segunda-feira do Espírito Santo na Camacha Miguel Arcanjo Benício da Assunção Dutra (1810 - 1875) Festa do Divino; Bandeira do Divino As festas do divino, das ilhas para o Brasil? Um caminho ainda por revelar
  • 17. 17CADERNOS DE DIVULGAÇÃO DO CEHA todo o Brasil, assim como as manifestações de cará- ter religioso e profano, tendo como origem os diver- sos colonos e, depois, emigrantes oriundos do conti- nente português e das ilhas. Todavia, pouco se sabe sobre a situação desta manifestação na religiosidade popular até ao século XVIII, dando-se, quase sempre, como ponto de partida a grande chegada dos aço- rianos, no último quartel desta centúria53 . Esta apro- priação pelo arquipélago açoriano, porém, parece pouco provável, na medida em que o culto do divino é valorizado em todo o espaço nacional, assumindo diversas formas e situações. Haverá necessidade de buscar informação sobre o quotidiano e religiosidade popular capaz de revelar este enigma. Desta forma, podemos dizer que já existem muitos estudos sobre o tema, mas muito ainda haverá por fazer. A devoção e festas populares, de um modo par- ticular as festas em honra do Espírito Santo, assumi- ram uma expressão e uma vivência diferenciadas, de acordo com o processo de ocupação europeia do ter- ritório brasileiro e a criação de comunidades. Hoje, esta devoção persiste em diversos estados brasilei- ros, expandindo-se de norte a sul do território da- quele país54 , sendo de referir: –– BAÍA: Palmas do Alto, Porto Seguro, Reconca- vo, Salvador. –– GOIÁS: Corumba, Formosa, Jaragué, Pirenó- polis. –– MARANHÃO: Alcântara, S. João de Ribamar, …55 . 53 Jukevic (2005:81) refere os primeiros registos em 1761, para Guara- tinguetá em S. Paulo e, em 1785, para Salvador da Baía. 54 Segundo Carlos de Lima (2001: 10) “Hoje ainda é encontrada a tra- dição da festa nos Estados do Amazonas, Espírito Santo, Goiás, Ma- ranhão, Minas Gerais, Paraná, Rio de Janeiro e no Distrito Federal”. Para Marise Barbosa (2002:44) estas “podem ser encontradas em al- guns estados do Brasil: Pará, Maranhão, Piauí, Bahia, Espírito Santo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Goiás, São Paulo, Santa Catarina, Rio Grande do Sul.)”. Gustavo Pacheco (PACHECO et al, 2005:4) afirma que “Festas do Divino podem ser encontradas nas mais diferentes regiões do país, de Santa Catarina ao Amapá, apresentando caracte- rísticas distintas em cada local, mas mantendo em comum elementos como a pomba branca e a santa coroa, a coroação de imperadores e a distribuição de esmolas”. 55 Segundo M. Carvalho (2008:6) “É inconteste o crescente destaque da Festa do Divino Espírito Santo no calendário cultural maranhense. O Centro de Cultura Popular Domingos Vieira Filho, órgão da Supe- rintendência de Cultura Popular da Secretaria de Estado da Cultura, tem cadastradas 150 festas do Divino do Maranhão, sendo 66 da ca- pital e 84 do interior do Estado, num total de 23 municípios: São Luis, Alcântara, Anajatuba, Bacurituba, Bequimão, Cajari, Caxias, Cedral, Codó, Humberto de Campos, Icatu, Itapecuru-Mirim, Matinha, Ma- rinzal, Paço do Lumiar, Palmeirândia, Penalva, Pinheiro, São Bento, Santa Helena, São José de Ribamar, Rosário e Viana. Há mais de uma –– MINAS GERAIS: Ouro Preto, São João del Rei. –– RIO DE JANEIRO: Parati. –– RIO GRANDE DO SUL: Caçaporva do Sul, Gra- vatá, Jaguarapão, Pelotas. –– RONDONIA: Vale do Guaporé. –– SANTA CATARINA: Camboriú, Santo Amaro da Imperariz, ilha de Santa Catarina. –– SÃO PAULO: Laras, São Luís de Piraitinga, Tie- té. Tendo em conta os estudos até ao presente rea- lizados sobre estas festividades e vivências popula- res, nota-se uma diversidade na sua expressão. As realizações rituais aproximam-se daquilo que atual- mente se faz nos Açores, assim como no continente português e na Madeira. É, enfim, uma vivência da religiosidade popular nos trópicos, transplantada pe- los portugueses do Atlântico Norte e que foi ganhan- do uma diversa expressão, de acordo com a época em que começou a acontecer e a origem daqueles que foram os obreiros da sua construção, no novo território. década, o referido Centro vem desenvolvendo um trabalho sistemá- tico de apoio e incentivo às festas maranhenses do Divino Espírito Santo. Hoje, este trabalho consubstancia-se no “Projeto Divino Ma- ranhão”, compreendendo uma diversificada programação de ativida- des, inspirada no saber e no fazer da gente do Divino. Em verdade, esta política de apoio dos órgãos estatais ao Divino Maranhense é um fenômeno contemporâneo que tende a se aprofundar neste fecundo encontro Estado/cultura popular.”. A razão desta popularidade é ex- plicada por Gustavo Pacheco (PACHECO et al. 2005: 4) “Em meados do século XIX” a tradição da festa do Divino estava firmemente en- raizada entre a população de Alcântara, de onde se teria espalhado para o resto do Maranhão, tornando-se muito popular entre as diver- sas camadas da sociedade, especialmente os mais pobres. Essa popu- laridade entre os setores mais humildes da população maranhense, inclusive os escravos, talvez possa ser explicada pela ênfase não só na fartura, mas também na fraternidade e na igualdade, que o culto ao Divino costuma apresentar” . As festas do divino, das ilhas para o Brasil? Um caminho ainda por revelar
  • 18. 18CADERNOS DE DIVULGAÇÃO DO CEHA OS DISCURSOS HISTORIOGRÁFICOS SOBRE AS FESTAS E O CULTO DO DIVINO NO BRASIL Não existe um discurso comum dos investigado- res brasileiros, quanto às raízes das festas do Divino. Assim, temos três leituras diferenciadas: – os que consideram esta ser uma manifestação da cultura e devoção religiosa portuguesa e que che- ga ao Brasil por essa via, ignorando ou não valorizan- do qualquer ligação insular-açoriana56 . – aqueles que defendem uma ligação direta aos Açores, pondo o olhar na realidade presente desta devoção no arquipélago57 . De entre estes, há quem 56 CHAVES, 2010; ROCHA, 2008: p. 26. Diz-nos M. Carvalho (2008: 4) que “A festa do Divino e sua Corte imaginária, que ganha vida na fé e na devoção, é um elo que articula Portugal e Brasil, na tessitura histórica da colonização. É essa uma via investigativa delineada por estudiosos da religiosidade popular…”. 57 ALMEIDA, 2008, 115; CARVALHO, 2006; CONTINS, 2003, 117; CORREA, 2012; FRADE, 2005, 32. GONÇALVES, 2004, 2008; NU- NES, 2012. Assim temos que segundo ANGELO (2011, 1) “A festa do Divino Espírito Santo é uma das manifestações culturais e religiosas mais relevantes da comunidade açoriana e de seus descendentes, tan- to nos Açores quanto em outras localidades para onde emigraram.” esqueça as especificidades que o culto assumiu na sua cidade e tente reinventá-lo, de acordo com a atual forma ritualística açoriana. – os que se limitam a dar conta do fenómeno, sem se preocupar com as suas possíveis ligações e Depois Silva (2012, 5) refere que, “De Portugal, essas manifestações passaram a se repetir nas Ilhas dos Açores e de lá foram levadas para o Brasil, especialmente para Santa Catarina onde se dá o maior assen- tamento de açorianos. Essa foi uma forma desse povo manter sua re- ligiosidade, revelada na devoção ao Espírito de Deus.”. Sérgio Figuei- redo FERRETI, (2005, 8) “No mundo português, conforme diversos autores, essa festa se difundiu a partir dos Açores, levada, sobretudo pelos franciscanos. Sabemos que no início dos tempos coloniais, Por- tugal mandou casais açorianos para povoar o Brasil, sobretudo nas regiões próximas aos limites do Tratado de Tordesilhas, que passava, ao Norte, perto Belém do Pará e, ao sul, em Laguna, no atual estado de Santa Catarina. Talvez por isso, nessas regiões, como no interior do país, em Goiás essa festa até hoje continue muito importante, em- bora seja realizada também em outros estados como São Paulo e Rio de Janeiro. Na literatura específica constata-se sua ausência em vá- rios estados, sobretudo no Nordeste, na região que vai de Sergipe ao Piauí, talvez em função do tipo de ação missionária aí desenvolvida no passado.” GRAEBIN (2012, 2) “No Rio Grande do Sul, as festas do Espírito Santo foram introduzidas no século XVIII, pelos colo- nizadores portugueses, notadamente, os procedentes das ilhas dos Açores que se fixaram e colonizaram diversos espaços, sendo muitas as cidades sul-riograndenses que festejam o Espírito Santo.“ E, por lapso, SOUZA, 2012, refere que este culto “foi iniciado no Alenquer nos Açores”. Ilha de Santa Catarina.1843 As festas do divino, das ilhas para o Brasil? Um caminho ainda por revelar
  • 19. 19CADERNOS DE DIVULGAÇÃO DO CEHA origens remotas58 . São raros os autores que fazem referência a uma possível ligação ou intromissão da Madeira no processo59 . Há uma corrente muito forte nos vários domí- nios do conhecimento que associa aos Açores as fes- tividades em torno do Divino. Todavia, raros são os casos em que se passa para além desta constatação, sem apresentar o fundamento. A maioria dos textos que consultámos parte de uma ideia preconcebida de que as festas do Divino chegaram ao Brasil por via dos Açores. Senão, vejamos: “De Portugal, essas manifestações passaram a se repetir nas Ilhas dos Açores e de lá foram levadas para o Brasil, especial- mente para Santa Catarina onde se dá o maior as- sentamento de açorianos. Essa foi uma forma desse povo manter sua religiosidade, revelada na devoção ao Espírito de Deus. (…) Por meio de seus relatos his- toriográficos, o autor esse leva a crer que não houve uma descontinuidade entre as festas realizadas no 58 SPINELLI, 2011. 59 COSTA, 1999; GONÇALVES, 2008: p. 69; NUNES, 2012; p. 3; RO- CHA, 2013. Arquipélago dos Açores e as celebrações realizadas no litoral catarinense.”60 Parte-se de uma constatação que passa pela atual vivência das festas do Espírito Santo nos Aço- res, à qual se pretende associar o passado, apenas a partir do século XVIII61 , com a emigração de casais açorianos. Parte-se quase sempre desta última reali- dade, afirmando que “os primeiros habitantes que se estabeleceram em Camboriú vieram dessa região dos Açores…”62 Ou então que esta festa só começa a ter lugar no sul, com a chegada dos casais açorianos63 . Depois desta afirmação inicial da açorianidade das festas do Espírito Santo, no Brasil, os múltiplos tra- balhos de investigação realizados revelam que esta expressão da religiosidade popular não é exclusiva dos Açores, pelo que a sua chegada ao Brasil pode ter múltiplas origens64 . Na maioria dos autores que defende esta liga- ção aos Açores, não há um compromisso com esta origem, relegando-se a afirmação inicial para ou- tros65 . Isto quer dizer que é uma verdade feita, aceite e reproduzida, não havendo lugar a qualquer análise comparada. 60 SILVA, 2012, p. 5, 8. 61 Daqui resulta uma diversidade de afirmações: A festa do Divino Es- pírito Santo é uma das manifestações culturais e religiosas mais re- levantes da comunidade açoriana e de seus descendentes, tanto nos Açores quanto em outras localidades para onde emigraram. (…) A festa do Divino Espírito Santo, tanto no Brasil quanto em Portugal, nos Açores, onde as raízes festivas se encontram, possui em suas di- nâmicas a incorporação de elementos culturais locais em suas amplas e variadas formas de celebrar o Pentecostes.” (ANGELO, p. , 7). “No Rio Grande do Sul, as festas do Espírito Santo foram introduzi- das no século XVIII, pelos colonizadores portugueses, notadamente, os procedentes das ilhas dos Açores que se fixaram e colonizaram diversos espaços, sendo muitas as cidades sul-riograndenses que fes- tejam o Espírito Santo”. (GRAEBIN, 2012, p. 2) 62 SILVA, 2012, p. 2 63 CONTINS, 2003, p. 117 64 Cf.: “Sobre as origens da festa podemos afirmar sem margem para dúvidas que as Festas do Espírito Santo que existem hoje nos Estados Unidos da América, Canadá, Bermudas e Havaí tiveram origem nos Açores. Porém, grande parte das Festas do Espírito Santo realizadas por todo Brasil provavelmente tiveram origem nas festas realizadas na parte continental de Portugal, poucas podem, talvez ter origem diretamente nos Açores, uma vez que em Portugal (continente), du- rante o século XV a XVIII, existiam inúmeras Festas do Espírito San- to com coroação, cortejo, bodos e todas as insígnias que encontramos em comum nas Festas do Espírito Santo conhecida na Europa e Amé- ricas. E mesmo por haver um certo sincretismo com manifestações culturais afro-brasileiras, como no caso dos congados ou das festas celebradas no Estado do Maranhão.” (CORREA, 2013,p. 7.) 65 Cf. FERRETI, 2005, p. 8. Catedral de Florianópolis As festas do divino, das ilhas para o Brasil? Um caminho ainda por revelar
  • 20. 20CADERNOS DE DIVULGAÇÃO DO CEHA O DOCE E O ALFENIM NAS FESTAS DO DIVINO O doce faz parte da nossa vida e quotidiano. Está presente à mesa, de forma especial em momen- tos festivos. Herdamos dos árabes as palavras que o definem, como as tradicionais técnicas de fabrico e alguns hábitos inerentes ao seu uso. Por isso, o ma- deirense tem sempre um doce para oferecer a quem recebe em sua casa. São várias as formas de fabrico e de apresentação do doce. Em Portugal, sempre hou- ve uma verdadeira arte da doçaria, que se divulgou no mundo. De todos, o mais afamado e reconhecido historicamente é o ALFENIM, uma massa de açúcar branco apresentado em figurinhas, que, no passado, era oferecido em bandejas de prata e substituía mui- tos dos chamados doces e rebuçados que continuam a fazer, hoje como ontem, o apetite e a gulodice de novos e graúdos. O alfenim foi conhecido em Portugal desde a medievalidade e ganhou importância no quotidiano da sociedade, a partir da divulgação do açúcar, em meados do século XV, com as elevadas produções da ilha da Madeira. A ilha, como espaço de produção de açúcar, especializou-se na arte da doçaria, transpon- do o seu perímetro e chegando aos Açores, Canárias e Brasil. No Atlântico, o primeiro alfenim foi produzi- do na Madeira, tendo, depois, chegado a todo o lado, afirmando-se como o doce mais nobre, servido na casa das famílias importantes e usado como dádiva nas festas do Divino. Na Madeira, a sua presença fica praticamente pelo registo da documentação até princípios do sécu- lo XX, mas, em algumas ilhas dos Açores e em alguns Estados do Brasil, continua vivo, alimentado pela per- sistência das festas em honra do Divino Espírito San- to. São duas marcas emblemáticas da tradição e cul- tura portuguesa que têm na Madeira e, depois, nos Açores, um momento que não pode ser ignorado. Do árabe fanid, mas com origem no persa pa- nid, alfenim quer dizer branco. No latim, aparece como alphanicum, alfenid, alpenid, alfanix, no italia- no penito, no espanhol alfeñique (sendo no México alfenique), em francês penides, épénide, penidon, pe- noin e, popularmente como peningue. A primeira vez que temos fixado o termo na Madeira é em 146966 , com a grafia alfinij. No século XVI, aparece referido no continente português em Gil Vicente, Jorge Ferrei- ra de Vasconcelos. Naidea Nunes (2003) refere que, na Madeira, o alfenim aparece na documentação com as seguintes designações: alfinij (1469), alffiny (1488), alfenjm (1490, 1517), alfenj (1498), alfeny (1517), alfynjm (1523), alfenij (1579) e remata que é “um termo muito antigo, do árabe fânid, que em catalão teria a forma affenic, adquirindo, em caste- lhano, a forma alfenique, que surge nas Canárias com a grafia alfinique (1540).”67 Este tem forte expressão no México com as caveiras do “día de los muertos”. Segundo Naideia Nunes (2010: 56), “No Brasil, o ter- mo alfenim apenas existe no Nordeste, onde foi con- servado, provavelmente por se tratar da primeira re- gião açucareira brasileira. Nos restantes estados do Brasil, como podemos ver, apenas encontrámos as denominações rapadura mole, puxa e puxa-puxa ou rapadura puxa-puxa, para o denominar.” Nas ilhas dos Açores, o alfenim manteve-se na tradição dos ex-votos das festas do Espírito Santo nas ilhas Terceira, Graciosa e S. Jorge, onde ainda hoje persiste a tradição de fazer este doce. Nos Açores, a indicação mais antiga que temos do alfenim surge em 1532, no inventário do testamento de Antão Martins 66 «...os lavradores vendem muito bem suas novidades e frutos, lemos no dito documento, e também mulheres de boas pessoas e muitos pobres levam açúcares baixos em tantas maneiras de conservas e alfe- nim e confeitos de que hão grandes proveitos que dão remédio a suas vidas e dão grande nome há terra nas partes onde vão e dizem bento seja o que a povoou, em que tais coisas se dão e fazem (25 de Agosto de 1469, ARM, Registo da Câmara do Funchal, Tomo I, Pág. 2, vº). 67 NUNES, N., 2003, Palavras Doces. Terminologia e tecnologia histó- ricas e actuais da cultura açucareira: do Mediterrâneo ao Atlântico. Funchal: Centro de Estudos de História do Atlântico, Secretaria Re- gional do Turismo e Cultura, p. 159. Coroa de alfenim. Ilha Terceira As festas do divino, das ilhas para o Brasil? Um caminho ainda por revelar
  • 21. 21CADERNOS DE DIVULGAÇÃO DO CEHA na Terceira68 . Aí fala-se uma pedra de fazer alfenim. Depois, no século XIX, é referido na Horta, onde, até 1870, “as freiras do convento da Glória mandavam no dia de S. Marcos, aos membros da collegiada da igreja matriz, antes da hora das ladainhas maiores que se celebram em tal dia, uma bandeja com uma coroa formada por pequenos cornos de alfenim, ten- do no centro flores artificiaes e um com o maior desti- nado ao Vigário.”69 Depois, temos em 1832, de novo as freiras da Horta a oferecerem a D. Pedro Duque de Bragança lavores doces de alfenim: “Devemos aqui mencionar que na vespera do regresso de S. M. as freiras do Mosteiro da Gloria, fizeram- lhe um avul- tado presente de doces para a viagem, incluindo no mesmo outros tantos corações de alfenim, como o numero de religiosas, de tamanho natural e tendo cada um em letras doiradas as iniciaes do nome da diferente.”70 Pérez Vidal71 destaca a importância da indústria, dando conta de intercâmbio de doces e conservas terceirenses com as Canárias. Destaca, ain- da, o intercâmbio de mestres açucareiros nos três ar- quipélagos atlânticos. Nas Canárias, o termo alcorças (1540) surge a designar uma massa branca de açúcar com que se fazem figuras, o que poderá estabelecer uma ligação com o alfenim. Não sabemos quando se iniciou a feitura do alfenim na ilha Terceira e a sua ligação às festas do Divino. Mas as notícias e referências surgem soltas a atestar este doce como uma das formas de bem receber dos terceirenses e uma presença constante no quotidiano. Esta ligação às festas do Espírito Santo não acontecia apenas nos Açores. Brandão72 afirma: “Como em algumas festas mais tradicionais do Divi- no, preserva-se o costume herdado da Idade Média portuguesa de uma distribuição farta e generosa de comida a todos os presentes, completa-se o ciclo dos gestos e de sorte que uma festa popular é a mis- tura, ao mesmo tempo espontânea e ordenada, de 68 GIL, Maria Olimpia da, O Arquipélago dos Açores no século XVII. Aspectos Sócio-Economicos (1575-1675), Castelo Branco, ed. Autor, 1979, 60. 69 CHAVES, F. A., As festas de S. Marcos nalgumas ilhas dos Açores e a sua origem provavel, in Arquivo dos Açores, XIII, 1983, p. 195. 70 O SENHOR D. PE DRO ·IV (1832), in Arquivo dos Açores, VIII, 1982, p. 36. 71 J. Pérez Vidal (1967), «Las conservas almibradas de las Azares y las confeiteira dos Açores, Canarias», Separata do vol. XIV do Boletim do Instituto Histórico da Ilha Terceira, Angra do Heroísmo, Tipogra- fia Andrade, pp. 2-3. 72 BRANDÃO, Carlos Rodrigues, 2001. A cultura na rua. 2ª. ed. Cam- pinas: Papirus. P. 13. momentos de rezar, cantar, dançar, desfilar, ver, tor- cer, cantar. Enfim, de ‘festar’”. Outro autor, Borges73 , reforça a ideia, ao afirmar que: “O culto do Espírito Santo tem um grande incremento a partir do século XII-XIII aquando do “Milagre das Rosas” da Rainha Santa Isabel e a Coroação dos Pobres na Vila de Alen- quer iniciando-se a Devoção ao Divino do Espírito Santo - Terceira Pessoa da Santíssima Trindade, sim- bolizado pela Pomba Branca. Mais tarde, o “alfenim” ou “al-fenid” devido à sua brancura, entendida como pureza e purificação, foi assimilado e introduzido no culto religioso cristão. Desde então, o doce “alfenim” foi transformado em peças de arte gastronómicas tais como a Pomba Branca representando o Espírito Santo, e todos os outros símbolos utilizados no ritual de celebração da Festa do Espírito Santo ou dos San- tos Padroeiros como a coroa, a rosquilha de pão, os animais e outros motivos decorativos que eram doa- dos à Irmandade do Espírito Santo ou outras e, mais tarde, leiloados revertendo a venda para a organiza- ção da festa. No caso de graça obtida, a pessoa en- comenda à doceira que confecione uma peça com a simbologia ou outras formas, em “alfenim”, indican- do o peso da peça que pretende, a parte do corpo que beneficiou de uma graça do Divino Espírito San- to: um braço, uma perna, um pé, etc..” O “alfenim” surge assim, associado às Festas do Espírito Santo e dos Santos Padroeiros, ofertado em retribuição das graças obtidas. Acontece que esta tradição não é exclusiva de algumas ilhas dos Açores, pois também existiu na Madeira até princípios do século XX, e chegou a di- versas partes do Brasil, mantendo ou não esta ligação ao culto do Espírito Santo e aos santos padroeiros. Em alguns territórios esta situação está associada às festas do fim de ano e aos Reis Magos. Para o pri- meiro caso, temos os municípios de Montanhas - RN, Nova Cruz-RN, Jacaraú-PB, Mataraca-PB, Grande Ma- manguape-PB, Caiçara-PB e Jacaraú-PB no Estado do Rio Grande do Norte74 . Ainda, no município de 73 BORGES, J. H. Pires, 2007. Alfenim, o sabor árabe no ritual cristão. Associação de Guias e Intérpretes dos Açores. Sábado, 16 de Junho de 2007. Disponível em: < http://guiasinterpretesacores.blogspot. com/2007/06/alfenim-o-sabor-rabe-no-ritual-cristo.html>acesso em 15 de Dez. 2009. 74 SILVA, 2010. As festas do divino, das ilhas para o Brasil? Um caminho ainda por revelar
  • 22. 22CADERNOS DE DIVULGAÇÃO DO CEHA Montanhas75 e em Caiçara,76 este aparece associado às festas dos Reis Magos. O alfenim também aparece no Maranhão, mas não está associado às festividades do divino77 . Desta forma, a relação mais evidente do alfenim às festas do Divino acontece em Goiás78 e Pi- renópolis79 . Das mesas do reino, o alfenim passou para as das ilhas e daqui para o Brasil. Foi companheiro da cana-de-açúcar. Há uma tradição portuguesa da do- çaria conventual e caseira que se expandiu e que cer- tamente tem um toque madeirense, no sentido de que a divulgação da cultura, do processo de fabrico do açúcar e da doçaria parte para as outras ilhas e, depois, para o Brasil a partir da Madeira, porque foi na Madeira que, na década de 20 do século XV, se ini- ciou, de forma extensiva, a cultura da cana sacarina. Desta forma, será difícil credibilizar algumas ideias- -feitas de que a ligação deste doce com as festas do Divino pertence aos Açores. A divulgação do açúcar e da arte da doçaria teve uma ação muito forte de madeirenses, que os levaram aos Açores e também ao Brasil. A continuidade do alfenim nos Açores e no Brasil deve-se à vivência atual de tradições popula- res, ligadas ao culto do Espírito Santo, que também existiu na Madeira até ao século XX, e que, por razões que desconhecemos, desapareceu, em favor de ou- tros doces, como o bolo de mel. 75 SILVA, C. C. B. (2010, October). Alfenins o doce na festa. In V CON- NEPI-2010. Disponível em: http://connepi.ifal.edu.br/ocs/index. php/connepi/CONNEPI2010/paper/viewFile/807/525. Consulta em 21-08-2016. Cf, ainda, CASCUDO, L. C. História da Alimentação no Brasil. Belo Horizonte: Ed. Itatiaia; São Paulo: Ed. da Universidade de São Paulo, 1983; FREYRE, Gilberto. Açúcar: uma sociologia do doce, com receitas de bolos e de doces do Nordeste do Brasil. São Paulo: Com- panhia das Letras, 1997; NAVES, Maria Margareth Veloso. COSTA, Nilce Maria da Silva Campos; CORREIA, Márcia Helena Sache; GONZAGA, Ana Laura Berberian; GIL, Maria de Fátima. Goiás. In: FISBERG, Mauro; WEHBA, Jamal; COZZOLINO, Silvia Maria Fran- ciscato. Um, dois, feijão com arroz: Alimentação no Brasil de norte a sul. 1 a ed. São Paulo: Atheneu, cap 2, 2002, 436, p. 18-36. 76 CARVALHO, 2012. 77 ROCHA, 2013. 78 SOUZA, 2006; KUWAEE, 2009. 79 VEIGA, 2008; GERALDES, 2013. As festas do divino, das ilhas para o Brasil? Um caminho ainda por revelar
  • 23. 23CADERNOS DE DIVULGAÇÃO DO CEHA CONCLUSÃO É ponto assente que o culto ao Divino Espírito Santo faz parte da cultura portuguesa. Há religiosi- dade popular em torno deste culto, que ganhou di- versas formas ritualistas, sem perder a sua matriz inicial da dádiva, partilha e misericórdia. É certo que, no decurso do processo histórico, foram existindo e ganhando posição, na sociedade, diversas formas de solidariedade social, levando a que este ritual do Pentecostes, de cariz popular, acabasse por perder algumas das caraterísticas e ganhasse nova forma, não obstante na sua essência, as ideias de partilha e de abundância continuarem sempre presentes. Esta tem expressão em termos da mesa, da comida e a doçaria. Os doze pobres já não se expõem publica- mente à caridade popular, mas estão presentes nesta disponibilidade e partilha do pão e dos doces. Há, porém, outro aspeto: os dados recolhidos e as dúvidas que se colocam sobre a origem e paterni- dade dos festejos em torno do Divino. No mundo de influência portuguesa, por via continental e insular, propomos que, no remate deste congresso, de forma fraterna como o tema o sugere, seja criado um grupo de trabalho interdisciplinar para estudo das diver- sas manifestações de caráter religioso e profano, em torno das festas do divino, sinalizando as múltiplas singularidades de cada região e evidenciando aquilo que de mais importante os une. Porque queremos que o Espírito Santo seja o elo da fraternidade entre os investigadores que se de- bruçam sobre a religiosidade popular, tal como o foi desde o século XV, entre os portugueses, das diversas regiões do país, na diáspora. Porque, como Marc Bloch, amamos a História, queremos contribuir para que se desfaçam todos os equívocos e anacronismos que, de forma consciente ou inconsciente, pululam na nossa História comum80 , sem nunca perdermos de vista “que nunca um fenó- meno histórico se explica plenamente fora do estudo do seu momento.”81 Por fim, congratulamo-nos e agradecemos à organização deste congresso pela forma como orga- nizou este evento, permitindo a abertura de perspe- tivas, no sentido de uma visão global, e não local ou regional, da importância do culto ao divino Espírito Santo na cultura europeia e Atlântica. Daí que faça- mos votos para que este seja o momento inaugural da revisão das ideias feitas acerca deste assunto e que, com a publicação das atas, se abra um novo ca- minho no estudo e abordagem desta vertente impor- tante da nossa cultura e religiosidade. O nosso ensaio pretende, apenas, ser um modesto contributo para esta nova era da História do Divino Espírito Santo na História do mundo atlântico, com especial destaque para os espaços insulares. E, porque como Joaquim de Flora (c. 1132-1202)82 , ainda continuamos a acreditar no ad- vento da “era do Espírito Santo”, pautada pela afir- mação da paz, do amor, da bondade entre os homens do mundo, comecemos por lançar as sementes para que esta nova era tenha origem no conhecimento e na investigação científica interdisciplinar. 80 Assim, queremos, como Marc Bloch (1976, A História, Lisboa, Publi- cações Europa-América, p. 149) apagar toda e qualquer possibilidade do “ anacronismo: o mais imperdoável dos pecados, no entender de uma ciência do tempo.” 81 BLOCH, 1976, 35. Para uma maior elucidação juntamos a transcri- ção do parágrafo em questão: “Em suma: nunca um fenómeno histó- rico se explica plenamente fora do estudo do seu momento. E isto é válido para todas as etapas da evolução. Para aquela em que vivemos, como para outras. Já um provérbio árabe o dissera: «Os homens pa- recem-se mais com o seu tempo que com os seus pais.» Foi por se ter olvidado esta sabedoria: oriental que se desacreditou às vezes o estudo do passado. “ (Bloch, 1976, 35-36). 82 Cf. FRANCO, 2005, 2014. Saloias. Madeira As festas do divino, das ilhas para o Brasil? Um caminho ainda por revelar
  • 24. 24CADERNOS DE DIVULGAÇÃO DO CEHA ANEXO: 1. AS FESTAS DO ESPÍRITO SANTO NA IMPRENSA FUNCHALENSE Diário de Notícias. 1895/06/02, p. 2 Diário de Notícias. 1896/05/22, p. 2 Diário de Notícias. 1896/05/29, p. 1 Diário de Notícias.1900/06/16, p. 1 As festas do divino, das ilhas para o Brasil? Um caminho ainda por revelar
  • 25. 25CADERNOS DE DIVULGAÇÃO DO CEHA Diário de Notícias. 1896/05/29, p. 3 Diário de Notícias. 1902/07/13, p. 1 Diário de Notícias. 1903/06/07, p. 2 Diário de Notícias. 1905/05/08, p. 3 Diário de Notícias. 1905/07/09, p. 2 Diário de Notícias. 1906/06/08, p. 1 Diário de Notícias. 1912/09/15, p. 3 Diário de Notícias.1914/04/16, p. 1 Diário de Notícias.1914/05/27, p. 3 As festas do divino, das ilhas para o Brasil? Um caminho ainda por revelar
  • 26. 26CADERNOS DE DIVULGAÇÃO DO CEHA Diário de Notícias.1914/06/12, p. 2 Diário de Notícias.1914/06/13, p. 2 Diário de Notícias.1914/11/12, p. 1 Diário de Notícias.1915/05/30, p. 2 Diário de Notícias.1915/06/18, p. 2 Diário de Notícias.1916/06/06, p. 3 Diário de Notícias.1916/06/13, p. 2 Diário de Notícias.1917/04/21, p. 1 As festas do divino, das ilhas para o Brasil? Um caminho ainda por revelar
  • 27. 27CADERNOS DE DIVULGAÇÃO DO CEHA ANEXO: 2. As Festas do Espírito Santo em Anúncios de Cabotagem Marítima. Diário de Notícias.1889/06/05, p. 4 Diário de Notícias. 1889/06/13, p. 4 Diário de Notícias. 1897/06/01, p. 4 Diário de Notícias. 1902/05/22, p. 4 Diário de Notícias. 1903/05/27, p. 4 Diário de Notícias. 1905/06/01, p. 3 Diário de Notí- cias.1905/07/13, p. 4 Heraldo da Madeira. 1905/08/10, p. 4 Diário de Notícias. 1906/06/08, p. 4 As festas do divino, das ilhas para o Brasil? Um caminho ainda por revelar
  • 28. 28CADERNOS DE DIVULGAÇÃO DO CEHA BIBLIOGRAFIA O tema do divino Espírito Santo tem despertado múltiplas atenções no mundo de influência portu- guesa. Estamos perante uma situação muito marcan- te da religiosidade popular que persiste no tempo e que desperta a atenção de investigadores de diversas áreas83 . Há um entusiasmo que, por vezes, os leva 83 Assim, “É vasta a literatura produzida sobre as festas do Divino Es- pírito Santo. Estudiosos de folclore (Cascudo, 1962; Moraes Filho, 1999; Van Gennep, 1947, 1949), 2 historiadores (Abreu, 1999; Melo e Souza, 1994), antropólogos (Brandão, 1978; Leal, 1994; 2001; Sal- vador, 1981; 1987) têm produzido uma extensa bibliografia sobre a ocorrência dessas festas na Europa, no Arquipélago dos Açores, na Ilha da Madeira, no Brasil, nos Estados Unidos e no Canadá.” (GON- CALVES, 2008, p. 69). Os estudos realizados por antropólogos e por historiadores têm focalizado essa celebração em contextos sócio-cul- turais específicos: nos Açores (Leal, 1994; 2001); no Brasil (Abreu, 1999; Brandão, 1978; Melo e Souza, 1994); e nos Estados Unidos, especialmente Califórnia (Salvador, 1981, 1987). Neste artigo focali- zaremos essas festas no contexto da cidade do Rio de Janeiro, recor- rendo, quando necessário, aos dados de que dispomos em relação ao contexto norte-americano dessas celebrações, especialmente a Nova Inglaterra, uma das regiões norte-americanas fortemente associadas à imigração açoriana. “ (GONÇALVES, 2008, p. 70). a perder a distância e faz com que os estudiosos se envolvam no processo e na vivência das festividades. Nos Açores, é evidente a sua presença e assiduidade na cultura e quotidiano84 , mas é no Brasil que encon- tramos maior número de estudos, mas com um olhar orientado apenas para as manifestações açorianas, esquecendo-se as eventuais influências de outras re- giões de Portugal continental ou da Madeira. A lista que aqui apresentamos não pretende ser uma compilação dos estudos sobre o tema, mas tão só a relação dos estudos que nos serviram de refe- rência e reflexão para o presente ensaio. AÇORES AFONSO, João, 1969, Defesa do Património Tradicio- nal dos Açores. As Festas do Espirito Santo e excelência da sua tradicionalidade, Revista Atlântida, 13, Angra do Heroísmo IAC, pp. 30- 59. ANGELO, E. R. B. As festas do Divino Espírito Santo nas ilhas Terceira e São Miguel nos Açores. Revista Eletrônica de Turismo Cultural, 3 (1), 37-56. http://www.eca.usp. br/turismocultu- ral/05.A%C3%A7ores_Elis.pdf. BORGES, J. H. Pires, 2007. Alfenim, o sabor árabe no ritual cristão. Associação de Guias e Intérpre- tes dos Açores. Sábado, 16 de Junho de 2007. Disponível em:< http://guiasinterpretesaco- res.blogspot.com/2007/06/alfenim-o-sabor- -rabe-no-ritual-cristo.html>acesso em 15 de Dez. 2009. COSTA, Antonieta, 1999, O poder e as Irmandades do Espírito Santo, Lisboa: Editora Rei dos Livros. COSTA, Maria Antonieta Moreira da, Espírito Santo: O Culto e a Festa em espaços Lusófonos - Uma lição de História. Disponível em: <http://www. portaldodivino.com/Textos_2008/texto1. htm> Consultado em 20 Jun. 2010. COSTA, Francisco Carreiro da, 1957, As festas do Espi- 84 Cf.: “Nos Açores, a festa tornou-se tão identificadora da cultura aço- riana que a data dedicada ao arquipélago é comemorada no dia de Pentecostes, conhecido como o Dia da Pombinha, tendo sido insti- tuída por decretado, como feriado regional, desde de 1980, dia dos Açores. Fato que tem vindo a ser explorado cada vez mais por todo o Arquipélago, havendo até mesmo uma certa promoção turística voltada aos festejos do Espírito Santo, existindo inclusive uma festa promovida pela autoridade municipal local, a Festa do Espírito Santo de Ponta Delgada. (…)” CORREA, 2013,p. 5. Estandarte do Divino Espírito Santo. Madeira As festas do divino, das ilhas para o Brasil? Um caminho ainda por revelar
  • 29. 29CADERNOS DE DIVULGAÇÃO DO CEHA rito Santo nos Açores. Breve noticia a seu res- peito, em cada uma das ilhas do arquipélago, Revista Insulana, XIII, 1, pp. 5-54. DIAS, Francisco, Maduro, 1989, O culto do Espírito Santo, in Oceanos, n.º 1, pp. 79-81. DUARTE, L. F., 2006, Feitios do Divino: formas de re- presentação do Espírito Santo nos Açores. Ar- tifícios & artefactos: entre o literário e o antro- pológico, Lisboa, 7Letras, pp. 63-71. DUARTE, Mário. RAACH, Karl-Heinz, 2002. Os Impé- rios da Ilha Terceira. Angra do Heroísmo, Aço- res, Portugal: Blu Edições. ENES, Carlos, 1996, As Festas do Espirito Santo nos Açores. Razões para a sua permanência e cau- sas da decadência, In Revista Ler Historia, 31, pp. 145-155. ENES, Carlos, 2010, “As Festas do Espírito Santo nos Açores: Razões param a sua Permanência e Causas da Decadência”, Actas do IV Congresso Internacional sobre as Festas do Espírito Santo, San José CA, Portuguese Heritage Publications of California, 91- 102 (e-book). FREITAS, Pe. B. José Sena, 1878, Impérios do Espirito Santo, in Arquivo dos Açores, pp. 182-192(com reedição em 1980 pelo Instituto Universitário dos Açores). GONÇALVES, José Reginaldo Santos. 2001. As festas do Divino Espírito Santo entre açorianos na Nova Inglaterra. mimeo. IFCS/UFRJ. Rio de Ja- neiro. GOULART, Tony P. et al, 2002, The Holy Ghost Festas, A historic perpspective of the Portuguese in Ca- lifórnia, Portuguese Chamber of Commerce of Califórnia, San José, California. LEAL, J., 1984. Etnografia dos Impérios de Santa Bár- bara (Santa Maria, Açores). Lisboa: Instituto Português do Património Cultural. LEAL, João, 1994, As Festas do Espírito Santo nos Aço- res. Um Estudo de Antropologia Social, Lisboa, Pub. Dom Quixote. LEAL, João, 1996, “Festa e Emigração numa Freguesia Açoriana”, Baptista, F. O., J. P. Brito e B. Pereira (eds.), O Voo do Arado, Lisboa, Museu Nacio- nal de Etnologia, 582-589. LEAL, J., 2000, Traditions Locales et Émigration: les Fêtes du Saint-Esprit aux Açores, Ethnologie Française XXX (1): 51-60. LEAL, João and Adélaïde Vanhove, 2000a, “Tradition locales et émigration: les fêtes du Saint-Esprit aux Açores” in Ethnologie française, 30 (1): pp. 51-60. LEAL, J., 2004, A Pomba e a Águia: as Festas do Espíri- to Santo nas Comunidades Açorianas dos EUA. ln Actas do III Colóquio “O Faial e a Periferia Atlântica nos Séculos XV a .IT, Horta, Núcleo Cultural da Horta! Câmara Municipal da Horta! Casa da Cultura da Horta: 153-174. LEAL, J., 2009, Travelling Rituals: azorean Holy Ghost Festivals in Southeastern New England. In: HOLTON, K; KLIMT, A. (Orgs.). Community, Cul- ture and the Makings o Identity. Dartmouth, MA: Portuguese-Americans along the Eastern Seaboard; Center for Portuguese Studies and Culture - University of Massachusetts, p. 127- 144. LEAL, João, 2009a, “Rituais em Trânsito: Festas do Es- pírito Santo, Transnacionalidade, Etnicidade”, Jorge Crespo. Estudos em Homenagem, Lis- boa, Sem Luz, 57- 80. LEAL, J. 2010, O Espírito Santo e a Etnicidade Açoria- na nos EUA. In: Congresso Internacional sobre as festas do Espírito Santo, 4., 2010. San José. Anais... San Jose: Portuguese Heritage Publica- tions of California, p. 299-310. LEAL, João, 2011, Azorean Identity in Brazil and the United States: Arguments about History, Cultu- re and Transnational Connections. Dartmouth: Tagus Press. LEAL, J., 2012, Festas do Divino em São Luís. Um Re- trato de Grupo. Boletim da Comissão Mara- nhense de Folclore, São Luís, n. 53, p. 3-7. LIMA, C. de, 2002. Reportagem-viagem ao divino es- pírito santo dos Açores. Boletim da Comissão Maranhense de Folclore, São Luís; n.º 24., p. 14-16., dez. LIMA, Gervásio, 1932, Festas do Divino Espirito San- to, Angra do Heroísmo, Tip. Andrade. LIMA, Manuel C. Baptista. 1985. A Introdução do Cul- to do Divino Espírito Santo nos Açores e a sua influência na simbólica e arquitetura religiosa dos séculos XV e XVI. In: Os Impérios do Espí- rito Santo e a Simbólica do Império. Angra do Heroísmo: Instituto Histórico da Ilha Terceira. As festas do divino, das ilhas para o Brasil? Um caminho ainda por revelar