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CÓDIGOPOSTAL
A2053N
FOTOGRAFIA DE PEPE BRIX
“Código Postal: A2053N” é um trabalho fotográfico que documenta
a vida a bordo do Navio Joana Princesa, um dos 13 sobreviventes da
frota portuguesa de navios de pesca longínqua.
A2053N é o conjunto de carateres que representa a matricula do
navio. Por ano o Joana Princesa faz em média 2 viagens que tomam
aos tripulantes uma média de 8 meses. Durante todo esse tempo, sob
condições inacreditáveis, a mais de 2000 milhas das suas familias, o
navio torna-se a casa de cada um destes homens.
A ria de Aveiro ainda é uma opção e quase todos ainda a exploram nos
períodos que passam em terra. Contudo, a sua sobreexploração, que
é agora uma forte ameaça, e o orgulho nos 500 anos de viagens aos
grandes bancos da Terra Nova para a pesca do bacalhau continua a
levar centenas de homens para o mar.
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A2053N
No parque de pescas, junto à estufa onde trocam de roupa depois de
virem do convés, e onde deixam secar os fatos e as botas enquanto
não chega a hora da próxima manobra, fica o porão da proa. A esco-
tilha no topo do porão forma um pequeno degrau no chão. Muitas
vezes aqui vimos para sentar e fumar um cigarro. Nos dias de pesca a
escotilha é apenas um poiso de passagem entre os que estão a acabar
o quarto e os que se preparam para entrar ao serviço. Quando o mar
não nos deixa pescar, ou o navio está em navegação para o próximo
pesqueiro, o cigarro que se acende nesse asilo quente e silencioso é
apenas um pretexto para deixar entoar a saudade em sossego, e trazer
as mulheres e filhos ao pensamento. Quando não há cansaço para dar
ao corpo, aproamos o pensamento à vontade de voltar para casa. É
curioso que essa espécie de porão meditativo onde nos vamos sen-
tar tantas vezes, é o último dos três a ser carregado. É ele que nos
diz, com alguma relatividade, em quanto tempo o navio estará pronto
para a viagem de regresso, sem que se comprometa o lucro que nos
trará alimento e pagará as contas.
Enquanto esse dia não chega, o tabaco e a fé que depositamos em
Deus tornam a espera mais razoável.
Assim, num cigarro de cada vez, vamos escapando à rotina que o
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bairros, para a ria que nos espera e para a família que deixamos em
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  • 2. “Código Postal: A2053N” é um trabalho fotográfico que documenta a vida a bordo do Navio Joana Princesa, um dos 13 sobreviventes da frota portuguesa de navios de pesca longínqua. A2053N é o conjunto de carateres que representa a matricula do navio. Por ano o Joana Princesa faz em média 2 viagens que tomam aos tripulantes uma média de 8 meses. Durante todo esse tempo, sob condições inacreditáveis, a mais de 2000 milhas das suas familias, o navio torna-se a casa de cada um destes homens. A ria de Aveiro ainda é uma opção e quase todos ainda a exploram nos períodos que passam em terra. Contudo, a sua sobreexploração, que é agora uma forte ameaça, e o orgulho nos 500 anos de viagens aos grandes bancos da Terra Nova para a pesca do bacalhau continua a levar centenas de homens para o mar. CÓDIGOPOSTAL A2053N
  • 3.
  • 4.
  • 5.
  • 6.
  • 7. No parque de pescas, junto à estufa onde trocam de roupa depois de virem do convés, e onde deixam secar os fatos e as botas enquanto não chega a hora da próxima manobra, fica o porão da proa. A esco- tilha no topo do porão forma um pequeno degrau no chão. Muitas vezes aqui vimos para sentar e fumar um cigarro. Nos dias de pesca a escotilha é apenas um poiso de passagem entre os que estão a acabar o quarto e os que se preparam para entrar ao serviço. Quando o mar não nos deixa pescar, ou o navio está em navegação para o próximo pesqueiro, o cigarro que se acende nesse asilo quente e silencioso é apenas um pretexto para deixar entoar a saudade em sossego, e trazer as mulheres e filhos ao pensamento. Quando não há cansaço para dar ao corpo, aproamos o pensamento à vontade de voltar para casa. É curioso que essa espécie de porão meditativo onde nos vamos sen- tar tantas vezes, é o último dos três a ser carregado. É ele que nos diz, com alguma relatividade, em quanto tempo o navio estará pronto para a viagem de regresso, sem que se comprometa o lucro que nos trará alimento e pagará as contas. Enquanto esse dia não chega, o tabaco e a fé que depositamos em Deus tornam a espera mais razoável. Assim, num cigarro de cada vez, vamos escapando à rotina que o navio nos emprega, desviando o pensamento para as ruas dos nossos bairros, para a ria que nos espera e para a família que deixamos em terra. “nãotardaráseDeusquiser”
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