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Tratado
de Perícias Criminalísticas
organização: Domingos Tochetto
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Ranvier Feitosa Aragão
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Sumário
APRESENTAÇÃO/ 7
PREFÁCIO/9
Capítulo I
Introdução / 11
Capítulo II
Estudo Técnico das Vias de Trânsito / 23
Capítulo III
Preferência de Passagem / 61
Capítulo IV
Estudo Técnico dos Veículos / 71
Capítulo V
Acidentes de Tráfego em Curvas /113
Capítulo VI
Velocidade de Frenagem /143
Capítulo VII
Métodos Alternativos de Cálculo de Velocidade / 171
Capítulo VIll
Aplicações do Princípio da Conservação da Quantidade de Movimento na Recons-
tituição de Acidentes de Tráfego /197
Capítulo IX
Psicodinâmica dos Acidentes de Tráfego / 215
Capítulo X
Estereodinâmica nos Acidentes de Tráfego /229
Capítulo Xl
Atropelamento / 247
Capítulo XII
Tópicos Especiais / 275
Capítulo XIll
Dinâmica de Acidentes de Tráfego / 291
CAPÍTULO I
INTRODUÇÃO
Historicidade
o automóvel surgiu pelo desejo da sociedade contemporânea usu-
fruirde um rápido meio de transporte e de comunicação, sintonizado com o
ritmo da vida moderna; vencer grandes distâncias no menor tempo possível.
Os veículos automotores, de passeio ou de carga, ao lado de ou-
tros sistemas de locomoção facilitam a vida das pessoas, geram riquezas,
conferindo prestígio e prazer a quem os possui ou dirige.
Criado dum misto de carência e de idealismo, paralelamente, os
incipientesproblemas de trânsito incrementam-se para hoje assumir, ao lado
das doenças, drogas, guerras e a devastação do meio ambiente, um lu-
gar de destaque na pauta de preocupação da sociedade atual, de modo
que, diariamente, membros desta sociedade são vítimas da negligência,
da imperícia, da imprudência, da fadiga, da vaidade, da pressa excessi-
va, da falta de educação, dos desvios de comportamento dos padrões
legais, das limitações humanas para dirigir e, em menor escala, de fatores
ambientais, das deficiências das estradas e dos veículos, acarretando con-
seqüências sociais e econômicas danosas ao indivíduo e à sociedade a que
ele pertence, a qual, da forma como está organizada, não pode prescin-
dir do veículo no atendimento aos variados interesses comunitários.
Os problemas do trânsito surgiram com o aparecimento da dili-
gência no século XVII,evoluindo a partir de 1885, com a construção do
primeiro automóvel movido a gasolina, por Carl Benz - o Pai do Auto-
móvel. Consta que o primeiro acidente automobilístico ocorreu em Lon-
dres, em 1896 e, na tarde de 13 de setembro de 1899, em Nova York,
morreu o primeiro homem vítima de acidente automobilístico.
Parece que a primeira notícia na imprensa brasileira sobre auto-
móvel saiu no então A Província de São Paulo, em 29 de janeiro de
INTRODUÇÃO 11
1876; quem primeiro pilotou um automóvel em São Paulo foi Santos
Dumont, um Daimler-Benz, em 1883 e, no Rio de Janeiro, em 1897, foi
José do Patrocínio, coincidentemente, o protagonista do primeiro aciden-
te, em 1897, ocasião na qual tinha como passageiro o poeta Olavo Bilac.
Desde então, com a expansão da indústria automobilística e a sua
conseqüente popularização como artigo comercial, produzido em série,
as ocorrências de trânsito fazem parte do cotidiano da chamada civiliza-
ção moderna, tidas por alguns como verdadeira catástrofe.
Impossível de serem eliminadas, avultou a imperativa obrigatorie-
dade de diminuí-Ias e, à medida que os conflitos de trânsito iam apare-
cendo, mentes abnegadas e realizadoras idealizavam medidas que res-
tringissem, ao mínimo, sua ocorrência, surgindo os prenúncios dos códi-
gos de trânsito dos dias de hoje.
Remontando ao passado, só para termos uma idéia, já em 1835,
na Inglaterra, foi promulgada a célebre Lei da Estrada. Inspirada nas
normas da etiqueta social e boas maneiras, convencionava a obrigato-
riedade de ceder a direita à carruagem do outro.
O trânsito hoje se processa até entre países, dando margem para
que um motorista habilitado num determinado país ou um veículo licen-
ciado noutro país, possam dirigir e trafegar fora de suas origens, dando
ensejo à Convenção sobre o Trânsito Viário de Viena - CTV, celebrada
a 8 de novembro de 1968, com o objetivo de facilitar o trânsito viário
internacional e de aumentar a segurança nas rodovias mediante a ado-
ção de regras uniformes de trânsito.
O Brasil, como uma das partes contratantes, teve a sua promulga-
ção pelo Decreto Federal n° 86.714, de 10 de dezembro de 1981 e o
novo Código Nacional de Trânsito deve adaptar-se a esse dispositivos.
Apesar de tudo, com o contínuo aumento da potência e da efi-
ciência dos motores, paralelamente ao aprimoramento dos variados sis-
temas veiculares e à utilização de vias que permitem um tráfego com
velocidades cada vez maiores e ao próprio homem, registra-se o cres-
cente número de ocorrências de trânsito, nas quais nosso país, infeliz-
mente, ocupa posição de destaque.
Enquanto as leis procuravam ordenar o trânsito com o máximo de
segurança para motoristas e pedestres, as vias iam sendo projetadas e
construídas dentro do melhor que a engenharia rodoviária podia ofere-
cer, aliando adequados traçados a novas técnicas e a materiais de cons-
trução civil, aperfeiçoamentos acompanhados pelo automóvel, particu-
12 ACIDENTES DE TRÂNSITO: ASPECTOS TÉCNICOS E JURÍDICOS
larmente, de modo mais significativo, depois da eletrônica embarcada,
incorporando amortecedores eletrônicos, sistema antibloqueio de freios
(ABS),direção servo assistida elétrica, injeção eletrônica multiponto, caixa
de câmbio com acionamento elétrico, itens que tornam o automóvel con-
temporâneo mais veloz, eficiente, econômico, aerodinâmico e seguro.
Inobstante aos melhoramentos, somente no século XXI é que os
futuristas esperam contar com estradas e veículos totalmente à prova de
maus motoristas. Nesta direção, desde 1986, a Comunidade Européia
desenvolve o projeto Prometheus e nos Estados Unidos, o Instituto de
Estudos do Transporte da Universidade da Califórnia, em Richmond,
persegue no objetivo de torna-r realidade as rodovias inteligentes e os
automóveis guiados por computador, à semelhança do piloto automáti-
co dos aviões.
Consegue-se melhorar tudo. O homem, com o dom da inteligên-
cia, tem construído carros e estradas que, se respeitados certos limites
operacionais, praticamente seriam imunes a falhas; todavia, não conse-
gue melhorar a si mesmo, continuando com as mesmas características
psicofisiológicas que o descredencia para pilotar veículos automotores.
Parece exagero, mas o homem, infere-se de uma análise mais aprofun-
dada, não foi feito para dirigir, tendo, mesmo, do ponto de vista das so-
licitações impostas pelo trânsito, várias e graves deficiências.
Outros complicadores são as agruras da vida moderna; a necessi-
dade de vencer maiores distâncias, a exiguidade de tempo, as preocu-
pações, o estresse, o álcool, as drogas, etc., verdadeiras causas subjetivas
dos acidentes de tráfego, restando aos governos, como alternativa, in-
vestir em campanhas educacionais de trânsito e, até, reformular os currí-
culos escolares com a inserção de disciplinas sobre o trânsito.
A etiologia das causas dos acidentes de tráfego está circunscrita à
trilogia: homem - veículo - estrada, isolada ou conjuntamente, em inter-
dependência com o meio ambiente. Paradoxalmente ao aperfeiçoa-
mento das unidades de tráfego e das novas idealizações das vias de cir-
culação, com materiais de construção, perfil, traçado e sinalização ergo-
nomicamente executados em função da conjugação do homem moder-
no com os demais fatores, verifica-se o contínuo crescimento do número
de acidentes, não só devido ao aumento da frota mas, particularmente e
acima de tudo, ao homem que é o maior responsável individual pelos
acidentes de tráfego, até mesmo porque o veículo é totalmente depen-
dente deste.
INTRODUçAo 13
Na verdade o próprio homem é a primeira causa dos acidentes de
tráfego. Segundo estatísticas, 70% dos acidentes são devidos ao homem;
15% a deficiências de segurança, inclusive, defeitos no pavimento das vias
públicas; 12% a falhas mecânicas do veículo e 3% a ocorrências fortuitas
ou imprevisíveis, tais como, neblina, poeira, fumaça, chuva e animais.
Várias pesquisas realizadas chegam a atribuir ao condutor cerca de
70 a 80% das responsabilidades dos acidentes. Neste sentido é apre-
sentada uma tabela que relaciona os acidentes de tráfego fatais com a
maneira correta de dirigir.
MANEIRA iNCORRETA DE DIRIGIR ACIDENTES FATAIS
Velocidade inadequada
Preferência de passagem ou não ceder a vez
Dirigir a esquerda do eixo em vias de duas faixas e dois
sentidos de tráfego
Ultrapassagem imprópria
Desobediência ao semáforo
Distância inadequada em relação ao veículo da frente
Fazer curva de maneira imprópria
Outros
26,9
25,0
12,4
1,9
1,2
1,0
0,6
9,5
Causas não devidas ao condutor 21,5
Subtotal 78,5
TOTAL 100,0
Embora a indústria automobilística não tenha ainda conseguido
fabricar componentes totalmente à prova de falhas, responsáveis por
muitos acidentes, e as artérias de circulação apresentarem condições in-
seguras, sejam defeitos não reparados, carência ou inadequação de si-
nalização dos pontos críticos ou de situações transitórias de perigo ou
ainda, de logros técnicos na concepção de projeto e execução, tudo co-
meça com o homem, seja por deficiência na educação ou no compor-
tamento desajustado ou devido as limitações psicofisiológicas inerentes à
espécie que não consegue um desempenho responsivo adequado e sufi-
ciente, em determinados espaços e tempos, para a não consumação dos
sinistros.
Inobstante aos benefícios proporcionados pelos meios de trans-
portes rodoviários, o trânsito é uma das preocupações da civilização
moderna, ao ponto do delito do automóvel ter sido cognominado de
delito dos tempos modernos ou um delito da civilização. As perdas de
14 ACIDENTES DE TRÂNSITO: ASPECTOS TÉCNICOS E JumDICOS
vidas humanas, mutilações de pessoas, neuroses, frustrações e, por último,
a poluição ambiental, e ante a impossibilidade de eliminação, reclamam
a alternativa de diminui-los, restringindo, ao mínimo, sua ocorrência,
através do equacionamento em busca da tranqüilidade, segurança, con-
fiabilidade, etc., assim surgiram muitas disciplinas visando satisfazer uma
ou mais dessas necessidades da sociedade.
Em 1926, em Harward, foi realizado o primeiro curso de engenha-
ria de tráfego - ramo da engenharia que cuida do planejamento, projeto
geométrico e de operação do trânsito nas vias, e, em 1931, foi criado o
ITE - Institute of Traffic Engineers, que estabeleceu os primeiros técnicos
na engenharia de tráfego. Quando tudo falha e sobrevem o acidente, no
desiderato de conhecer as causas, atua a criminalística, através da disci-
plina acidentes de tráfego, cuja razão de ser será apresentada nos tópi-
cos subseqüentes.
Da Perícia e dos Peritos
Primeiramente, por exigência da lei processual penal brasileira vi-
gente, há a necessidade legal da perícia sempre que a infração penal
deixar vestígios, salvo na exceção prevista em lei. Por outro lado a perí-
cia de acidente de tráfego procura estabelecer a causa mater do evento,
para a aplicação das medidas legais cabíveis e preventivas, a fim de de-
finir as situações ou pontos potencialmente perigosos, para o encami-
nhamento de soluções.
A perícia é um meio de prova, a chamada prova técnica ou rainha
das provas, é a prova material do acontecimento, metodicamente elabo-
radas, o como e o porquê do fato investigado. Calcada exclusivamente
em evidências físicas palpáveis, divorciada do empirismo, das intuições
metafísicas, das exegeses legais e tudo o mais estranho ao domínio do
concreto; consiste na aplicação de conhecimentos técnicos e científicos
especializados, concernentes ao veículo, ao homem e à estrada, visando
reconstituir o fato pretérito, puramente à luz da ciência material, através
de estudo, análise e interpretação dos vestígios assinaláveis ou deduzí-
veis, acontecimentos ou circunstâncias que deixam traços sensíveis aos
sentidos humanos objetivos e, ao fim, emitir juízo sobre eles.
A perícia, em outras palavras, é inspecionar e registrar os veículos
destroçados, as posições, situações e natureza das avarias, as condições
INTRODUÇÃO 15
~.I
operacionais dos veículos, suas posições de imobilizações, os cadáveres,
se houver; as manchas em geral, os vestígios de solo - as marcas de der-
rapagem, frenagem e outras deixadas no pavimento, juntamente com os
demais elementos que podem se desprender das carroçarias; o estado
do solo, as sinalizações, etc.; e a partir da complexão de todos os ele-
mentos levantados, processá-los, e através de dedução e indução lógi-
cas, fazer a recomposição do evento, contar a estória e formular juízo
técnico de valor, o que representa a perícia.
Consoante Rogério Lauria Tucci:
Em síntese, prova pericial, ou perícia, consiste na modalidade de prova
em que a pessoa especializada é instada à colheita de elementos instrutórios,
cuja percepção depende de conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos.
A perícia é um processo técnico-comportamental, cientificamente
sistemático na revelação da prova da qual emanam as percepções e as
conclusões dos fatos produtores do inteligente convencimento pericial,
cuja finalidade, precípua, é a formulação de juízos técnico-científicos
que, valorados juridicamente, devem levar ao convencimento o juiz no
seu livre julgamento.
A perícia deve-se ao perito. Na acepção mais rigorosa, perito é o
sujeito ativo da perícia. Perito criminal ou criminalístico é o funcionário
público especializado em determinada matéria, objeto de perícia, inte-
grante dos institutos de criminalística, portando-se como perito perci-
piente na chamada perícia de mera constatação (ou vistoria), na verifica-
ção do fato, simplesmente, retratando o seu estado ou situação, sem
análise ou interpretação; ou ainda, atua como perito judicante ao perce-
ber fatos e traduzi-los, emitindo juízo (opinião técnica e/ou científica) de
natureza eminentemente técnica a respeito deles, conforme estatuem os
arts. 159, § 10
e 277 do CPP; arts. 145, 421 e 422 do CPC e art. 3° da
Lei n° 5.584/70, atuando com independência e soberania, devendo, nas
conclusões prolatadas de seu labor pericial, alhear-se de quaisquer espé-
cie de interferência ou influência exteriores, subjugando-se aos princípios
éticos, deontológicos e doutrinários do sistema criminalístico e conforme
o princípio do /iure conuencimento, ao qual o juiz de direito também se
subordina, de acordo com a visão da criminalística e não a de qualquer
outra ciência, técnica, arte ou sistema disciplinar.
A materialização da perícia é o laudo - o parecer por escrito dos
peritos - que além de conciso, claro, objetivo e pertinente, haverá, in-
16 ACIDENTES DE TRÂNSITO: ASPECTOS TÉCNICOS E JURíDICOS
dispensavelmente, de ser fundamentado, o que significa a ordenação e a
apresentação lógicas do procedimento mental responsável pela elabora-
ção de juízos e das bases técnico-científicos legais e irrefragáveis, em que
se cristalizam as idéias reveladas.
Esta prova para continuar a merecer o valor e a importância que
lhe são creditadas, exige, de parte de quem a elabora, uma formalidade
na ordenação de idéias, a utilização de escorreitas propriedades voca-
bulares na redação que, indispensavelmente, requer afirmações com
justificações e conclusões com fundamentações, sem se afastar, sob
qualquer pretexto ou hipótese, do mundo das leis naturais.
Conceito de Acidente de Tráfego
Acidente de tráfego é incidente involuntário do qual participam,
pelo menos, um veículo em movimento; pedestres e obstáculos fixos,
isolado ou conjuntamente, ocorrido numa via terrestre, resultando danos
ao patrimônio, lesões físicas ou morte.
Segundo o entendimento de vários autores, tráfego é o movi-
mento de pedestres, veículos ou animais sobre vias terrestres, conside-
rando quanto a cada unidade de per si, isto é, a dinâmica do desloca-
mento físico de pessoas, animais e veículos no seu aspecto individual.
Trânsito seria o movimento de veículos, pessoas ou animais, segundo
percursos geralmente preestabelecidos, considerando quanto ao con-
junto; em outras palavras, seria a dinâmica da locomoção de cargas,
animais e pessoas, pelas vias públicas, em quantidade ou grupo.
À luz desse entendimento, só faz sentido falar no trânsito de uma
cidade ou local específico e como os acidentes que investigamos são
acontecimentos restritos a uma determinada área de todo um sistema
viário, adota-se o termo acidente de tráfego ao invés de acidente de
trânsito, que nos parece inadequado.
Todavia, Ascendino Cavalcante, em sua consagrada obra Crimi-
nalística básica, sugere a substituição do termo acidente de ... por ocor-
rência de ... ou delitos de ... , visto que, no primeiro caso, já estaria ha
vendo um prejulgamento da etiologia do mesmo, função que não com-
pete ao perito.
INTRODUÇÃO 1 7
Classificação Geral dos Acidentes de Tráfego
ACIDENTE SIMPLES
Envolve somente uma unidade de tráfego. É o caso de um veículo
que abandona a artéria e vai se chocar contra um obstáculo fixo e o
atropelamento.
ACIDENTE MÚLTIPLO
É o tipo mais freqüente, envolve duas ou mais unidades de tráfe-
go, tais como nas colisões, abalroamentos e atropelamentos.
ACIDENTE SEM CONTATO
Quando uma unidade de tráfego contribui para o acidente, mas
não interage plenamente com a outra, sem entrar em contato físico. É o
caso de um veículo que, imprevisivelmente, inflete na mão de direção
do outro, provocando um brusco desvio direcional deste, desencadean-
do um acidente.
Tipos de Ocorrências
Há uma nomenclatura usada pelos peritos e acatada pela justiça
para tipificar as principais modalidades de acidentes de tráfego. Embora
alguns desses termos possam não ser os mais apropriados, foram consa-
grados pelo uso em todos os quadrantes do território pátrio, empregados
por diferentes gerações de técnicos e transmitidos através dos tempos:
• colisão: é o embate entre dois ou mais veículos em movimento;
• abalroamento: é o embate de veículo em movimento contra
outro que se encontra parado;
• choque: é o embate de um veículo contra um obstáculo fixo,
tais como árvores, muros, defensas, etc.;
• atropelamento: é o tipo de acidente de tráfego múltiplo, onde
um veículo colide contra pessoas ou animais;
• capotamento: evento no qual o veículo, por causas as mais di-
versas, gira em torno de seu eixo vertical e, na fase final de imobilização,
apresenta-se apoiado sobre a sua cobertura, com as rodas para cima;
18 ACIDENTES DE TRÂNSITO: ASPECTOS TÉCNICOS E JURÍDICOS
• tombamento: evento no qual o veículo, por causas as mais di-
versas, gira em torno de seu eixo vertical e, na fase final de imobilização.
apresenta-se apoiado sobre uma das laterais;
• precipitação: queda livre de um veículo por ação da gravidade
e que ocorre por causas as mais diversas, como perda de direção, ma-
nobra brusca, etc.;
• colisão em cadeia, colisão sucessiva ou tamponamento: quando um
veículo embate na traseira de outro que segue imediatamente a sua frente,
o qual por sua vez impulsionado, esbarra naquele que segue imediata-
mente à sua dianteira, podendo envolver várias unidades de tráfego;
• mista: conjugação de dois ou mais tipos de eventos, como cho-
que com tombamento, atropelamento com choque, etc.;
• colisão humana: num acidente de tráfego típico, comumente,
ocorrem duas formas de embate:
- uma delas, que constitui o acidente de tráfego propriamente
dito, enquadrado numa das classificações acima, é configurado pelo
choque do veículo contra um obstáculo fixo ou móvel. Quando o veí-
culo interage com um obstáculo, sua estrutura começa a se deformar,
amassar-se ou romper-se, até a completa imobilização do mesmo o que
ocorre como conseqüência da transformação de energia cinética em tra-
balho físico. Estas alterações mórficas serão tanto mais acentuadas
quanto mais elevadas sejam a massa do veículo em causa e a velocida-
de que o animava, sendo esta última o fator preponderante no grau de
seriedade dos acidentes;
- o outro embate, o qual poderíamos chamá-Ia de colisão huma-
na, consiste no choque dos ocupantes do veículo que, por inércia, conti-
nuando em movimento, vão de encontro às partes rígidas do mesmo e
muitas vezes são projetadas para o exterior.
Tudo isso ocorre em micro-intervalos de tempo, semelhantes ao
de um pestanejar de olhos. Quando o veículo colido, isto é, na primeira
colisão, ao que asseveramos, vão sendo produzidas deformações até a
imobilização do mesmo que ocorre, segundo estimativas, dentro de 0,1
de segundo. Enquanto o veículo não pára, seus ocupantes, devido à
propriedade física dos corpos em conservarem seus estados de movi-
mento, são arremessados de seus assentos e, em torno de 0,2 de segun-
dos após a primeira colisão, atingem o painel, volante de direção, teto,
para-brisa, retrovisor, etc., ou são arremessados para fora do veículo,
caso seus ocupantes não estejam solidários aos bancos por cintos de se-
gurança.
INTRODUÇÃO 19
Designação das Interações Veiculares
o veículo é um corpo extenso que percorre uma determinada tra-
jetória. Dependendo da orientação do percurso e da região estrutural
impactada, as interações veiculares recebem designações especiais, úteis
na descrição dos acidentes.
Assim, genericamente, o choque, o abalroamento e a colisão po-
dem ser melhor definidas com a adução da seguinte terminologia, auto-
definida nas ilustrações a seguir.
FRONTAL
~ [[]] [[]J
SEMI-FRONTAL
~ [[]]
[([]J ~
~ []]I][([]J ~
Pela direita Pela esquerda
FRICÇÃO LATERAL
~ [[]] ~
[[]J
[[]J []]I]
Pela direita Pela esquerda
TRANSVERSAL ANTERIOR
c::::1 [[]]
,Q.
~
~
1J c::::1 m=n
20 ACIDENTES DE TRÂNSITO: ASPECTOS TÉCNICOS E JURÍDICOS
TRANSVERSAL MÉDIA
Pela direita Pela esquerda
TRANSVERSAL OBLÍQUA
t ,
eQ Q~
I 
Por impulsão Por oposição Pela direita Pela esquerda
TRANSVERSAL ÂNTERO-POSTERIOR
Pela direita Pela esquerda
Acidentes Ferroviários
Embora as colisões em passagens de níveis (cruzamento em nível
de via pública com via férrea) entre veículo automotor e composição fer-
roviária, em maior número, configurem colisão transversal simples, na
nossa opinião, por envolver cadeia de condições bem diferente dos aci-
dentes de tráfego comuns no trânsito urbano ou rodoviário, devem ser
tratadas como perícia em matéria de engenharia.
INTRODUÇÃO 21

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1-Ac Trans-Ravier Feitosa Aragão0001.pdf

  • 1. Tratado de Perícias Criminalísticas organização: Domingos Tochetto ·S ito { , Ranvier Feitosa Aragão I "- ·-t ~ .-- ,.. --' ._--- ...-
  • 2. Sumário APRESENTAÇÃO/ 7 PREFÁCIO/9 Capítulo I Introdução / 11 Capítulo II Estudo Técnico das Vias de Trânsito / 23 Capítulo III Preferência de Passagem / 61 Capítulo IV Estudo Técnico dos Veículos / 71 Capítulo V Acidentes de Tráfego em Curvas /113 Capítulo VI Velocidade de Frenagem /143 Capítulo VII Métodos Alternativos de Cálculo de Velocidade / 171 Capítulo VIll Aplicações do Princípio da Conservação da Quantidade de Movimento na Recons- tituição de Acidentes de Tráfego /197 Capítulo IX Psicodinâmica dos Acidentes de Tráfego / 215 Capítulo X Estereodinâmica nos Acidentes de Tráfego /229 Capítulo Xl Atropelamento / 247 Capítulo XII Tópicos Especiais / 275 Capítulo XIll Dinâmica de Acidentes de Tráfego / 291
  • 3. CAPÍTULO I INTRODUÇÃO Historicidade o automóvel surgiu pelo desejo da sociedade contemporânea usu- fruirde um rápido meio de transporte e de comunicação, sintonizado com o ritmo da vida moderna; vencer grandes distâncias no menor tempo possível. Os veículos automotores, de passeio ou de carga, ao lado de ou- tros sistemas de locomoção facilitam a vida das pessoas, geram riquezas, conferindo prestígio e prazer a quem os possui ou dirige. Criado dum misto de carência e de idealismo, paralelamente, os incipientesproblemas de trânsito incrementam-se para hoje assumir, ao lado das doenças, drogas, guerras e a devastação do meio ambiente, um lu- gar de destaque na pauta de preocupação da sociedade atual, de modo que, diariamente, membros desta sociedade são vítimas da negligência, da imperícia, da imprudência, da fadiga, da vaidade, da pressa excessi- va, da falta de educação, dos desvios de comportamento dos padrões legais, das limitações humanas para dirigir e, em menor escala, de fatores ambientais, das deficiências das estradas e dos veículos, acarretando con- seqüências sociais e econômicas danosas ao indivíduo e à sociedade a que ele pertence, a qual, da forma como está organizada, não pode prescin- dir do veículo no atendimento aos variados interesses comunitários. Os problemas do trânsito surgiram com o aparecimento da dili- gência no século XVII,evoluindo a partir de 1885, com a construção do primeiro automóvel movido a gasolina, por Carl Benz - o Pai do Auto- móvel. Consta que o primeiro acidente automobilístico ocorreu em Lon- dres, em 1896 e, na tarde de 13 de setembro de 1899, em Nova York, morreu o primeiro homem vítima de acidente automobilístico. Parece que a primeira notícia na imprensa brasileira sobre auto- móvel saiu no então A Província de São Paulo, em 29 de janeiro de INTRODUÇÃO 11
  • 4. 1876; quem primeiro pilotou um automóvel em São Paulo foi Santos Dumont, um Daimler-Benz, em 1883 e, no Rio de Janeiro, em 1897, foi José do Patrocínio, coincidentemente, o protagonista do primeiro aciden- te, em 1897, ocasião na qual tinha como passageiro o poeta Olavo Bilac. Desde então, com a expansão da indústria automobilística e a sua conseqüente popularização como artigo comercial, produzido em série, as ocorrências de trânsito fazem parte do cotidiano da chamada civiliza- ção moderna, tidas por alguns como verdadeira catástrofe. Impossível de serem eliminadas, avultou a imperativa obrigatorie- dade de diminuí-Ias e, à medida que os conflitos de trânsito iam apare- cendo, mentes abnegadas e realizadoras idealizavam medidas que res- tringissem, ao mínimo, sua ocorrência, surgindo os prenúncios dos códi- gos de trânsito dos dias de hoje. Remontando ao passado, só para termos uma idéia, já em 1835, na Inglaterra, foi promulgada a célebre Lei da Estrada. Inspirada nas normas da etiqueta social e boas maneiras, convencionava a obrigato- riedade de ceder a direita à carruagem do outro. O trânsito hoje se processa até entre países, dando margem para que um motorista habilitado num determinado país ou um veículo licen- ciado noutro país, possam dirigir e trafegar fora de suas origens, dando ensejo à Convenção sobre o Trânsito Viário de Viena - CTV, celebrada a 8 de novembro de 1968, com o objetivo de facilitar o trânsito viário internacional e de aumentar a segurança nas rodovias mediante a ado- ção de regras uniformes de trânsito. O Brasil, como uma das partes contratantes, teve a sua promulga- ção pelo Decreto Federal n° 86.714, de 10 de dezembro de 1981 e o novo Código Nacional de Trânsito deve adaptar-se a esse dispositivos. Apesar de tudo, com o contínuo aumento da potência e da efi- ciência dos motores, paralelamente ao aprimoramento dos variados sis- temas veiculares e à utilização de vias que permitem um tráfego com velocidades cada vez maiores e ao próprio homem, registra-se o cres- cente número de ocorrências de trânsito, nas quais nosso país, infeliz- mente, ocupa posição de destaque. Enquanto as leis procuravam ordenar o trânsito com o máximo de segurança para motoristas e pedestres, as vias iam sendo projetadas e construídas dentro do melhor que a engenharia rodoviária podia ofere- cer, aliando adequados traçados a novas técnicas e a materiais de cons- trução civil, aperfeiçoamentos acompanhados pelo automóvel, particu- 12 ACIDENTES DE TRÂNSITO: ASPECTOS TÉCNICOS E JURÍDICOS
  • 5. larmente, de modo mais significativo, depois da eletrônica embarcada, incorporando amortecedores eletrônicos, sistema antibloqueio de freios (ABS),direção servo assistida elétrica, injeção eletrônica multiponto, caixa de câmbio com acionamento elétrico, itens que tornam o automóvel con- temporâneo mais veloz, eficiente, econômico, aerodinâmico e seguro. Inobstante aos melhoramentos, somente no século XXI é que os futuristas esperam contar com estradas e veículos totalmente à prova de maus motoristas. Nesta direção, desde 1986, a Comunidade Européia desenvolve o projeto Prometheus e nos Estados Unidos, o Instituto de Estudos do Transporte da Universidade da Califórnia, em Richmond, persegue no objetivo de torna-r realidade as rodovias inteligentes e os automóveis guiados por computador, à semelhança do piloto automáti- co dos aviões. Consegue-se melhorar tudo. O homem, com o dom da inteligên- cia, tem construído carros e estradas que, se respeitados certos limites operacionais, praticamente seriam imunes a falhas; todavia, não conse- gue melhorar a si mesmo, continuando com as mesmas características psicofisiológicas que o descredencia para pilotar veículos automotores. Parece exagero, mas o homem, infere-se de uma análise mais aprofun- dada, não foi feito para dirigir, tendo, mesmo, do ponto de vista das so- licitações impostas pelo trânsito, várias e graves deficiências. Outros complicadores são as agruras da vida moderna; a necessi- dade de vencer maiores distâncias, a exiguidade de tempo, as preocu- pações, o estresse, o álcool, as drogas, etc., verdadeiras causas subjetivas dos acidentes de tráfego, restando aos governos, como alternativa, in- vestir em campanhas educacionais de trânsito e, até, reformular os currí- culos escolares com a inserção de disciplinas sobre o trânsito. A etiologia das causas dos acidentes de tráfego está circunscrita à trilogia: homem - veículo - estrada, isolada ou conjuntamente, em inter- dependência com o meio ambiente. Paradoxalmente ao aperfeiçoa- mento das unidades de tráfego e das novas idealizações das vias de cir- culação, com materiais de construção, perfil, traçado e sinalização ergo- nomicamente executados em função da conjugação do homem moder- no com os demais fatores, verifica-se o contínuo crescimento do número de acidentes, não só devido ao aumento da frota mas, particularmente e acima de tudo, ao homem que é o maior responsável individual pelos acidentes de tráfego, até mesmo porque o veículo é totalmente depen- dente deste. INTRODUçAo 13
  • 6. Na verdade o próprio homem é a primeira causa dos acidentes de tráfego. Segundo estatísticas, 70% dos acidentes são devidos ao homem; 15% a deficiências de segurança, inclusive, defeitos no pavimento das vias públicas; 12% a falhas mecânicas do veículo e 3% a ocorrências fortuitas ou imprevisíveis, tais como, neblina, poeira, fumaça, chuva e animais. Várias pesquisas realizadas chegam a atribuir ao condutor cerca de 70 a 80% das responsabilidades dos acidentes. Neste sentido é apre- sentada uma tabela que relaciona os acidentes de tráfego fatais com a maneira correta de dirigir. MANEIRA iNCORRETA DE DIRIGIR ACIDENTES FATAIS Velocidade inadequada Preferência de passagem ou não ceder a vez Dirigir a esquerda do eixo em vias de duas faixas e dois sentidos de tráfego Ultrapassagem imprópria Desobediência ao semáforo Distância inadequada em relação ao veículo da frente Fazer curva de maneira imprópria Outros 26,9 25,0 12,4 1,9 1,2 1,0 0,6 9,5 Causas não devidas ao condutor 21,5 Subtotal 78,5 TOTAL 100,0 Embora a indústria automobilística não tenha ainda conseguido fabricar componentes totalmente à prova de falhas, responsáveis por muitos acidentes, e as artérias de circulação apresentarem condições in- seguras, sejam defeitos não reparados, carência ou inadequação de si- nalização dos pontos críticos ou de situações transitórias de perigo ou ainda, de logros técnicos na concepção de projeto e execução, tudo co- meça com o homem, seja por deficiência na educação ou no compor- tamento desajustado ou devido as limitações psicofisiológicas inerentes à espécie que não consegue um desempenho responsivo adequado e sufi- ciente, em determinados espaços e tempos, para a não consumação dos sinistros. Inobstante aos benefícios proporcionados pelos meios de trans- portes rodoviários, o trânsito é uma das preocupações da civilização moderna, ao ponto do delito do automóvel ter sido cognominado de delito dos tempos modernos ou um delito da civilização. As perdas de 14 ACIDENTES DE TRÂNSITO: ASPECTOS TÉCNICOS E JumDICOS
  • 7. vidas humanas, mutilações de pessoas, neuroses, frustrações e, por último, a poluição ambiental, e ante a impossibilidade de eliminação, reclamam a alternativa de diminui-los, restringindo, ao mínimo, sua ocorrência, através do equacionamento em busca da tranqüilidade, segurança, con- fiabilidade, etc., assim surgiram muitas disciplinas visando satisfazer uma ou mais dessas necessidades da sociedade. Em 1926, em Harward, foi realizado o primeiro curso de engenha- ria de tráfego - ramo da engenharia que cuida do planejamento, projeto geométrico e de operação do trânsito nas vias, e, em 1931, foi criado o ITE - Institute of Traffic Engineers, que estabeleceu os primeiros técnicos na engenharia de tráfego. Quando tudo falha e sobrevem o acidente, no desiderato de conhecer as causas, atua a criminalística, através da disci- plina acidentes de tráfego, cuja razão de ser será apresentada nos tópi- cos subseqüentes. Da Perícia e dos Peritos Primeiramente, por exigência da lei processual penal brasileira vi- gente, há a necessidade legal da perícia sempre que a infração penal deixar vestígios, salvo na exceção prevista em lei. Por outro lado a perí- cia de acidente de tráfego procura estabelecer a causa mater do evento, para a aplicação das medidas legais cabíveis e preventivas, a fim de de- finir as situações ou pontos potencialmente perigosos, para o encami- nhamento de soluções. A perícia é um meio de prova, a chamada prova técnica ou rainha das provas, é a prova material do acontecimento, metodicamente elabo- radas, o como e o porquê do fato investigado. Calcada exclusivamente em evidências físicas palpáveis, divorciada do empirismo, das intuições metafísicas, das exegeses legais e tudo o mais estranho ao domínio do concreto; consiste na aplicação de conhecimentos técnicos e científicos especializados, concernentes ao veículo, ao homem e à estrada, visando reconstituir o fato pretérito, puramente à luz da ciência material, através de estudo, análise e interpretação dos vestígios assinaláveis ou deduzí- veis, acontecimentos ou circunstâncias que deixam traços sensíveis aos sentidos humanos objetivos e, ao fim, emitir juízo sobre eles. A perícia, em outras palavras, é inspecionar e registrar os veículos destroçados, as posições, situações e natureza das avarias, as condições INTRODUÇÃO 15
  • 8. ~.I operacionais dos veículos, suas posições de imobilizações, os cadáveres, se houver; as manchas em geral, os vestígios de solo - as marcas de der- rapagem, frenagem e outras deixadas no pavimento, juntamente com os demais elementos que podem se desprender das carroçarias; o estado do solo, as sinalizações, etc.; e a partir da complexão de todos os ele- mentos levantados, processá-los, e através de dedução e indução lógi- cas, fazer a recomposição do evento, contar a estória e formular juízo técnico de valor, o que representa a perícia. Consoante Rogério Lauria Tucci: Em síntese, prova pericial, ou perícia, consiste na modalidade de prova em que a pessoa especializada é instada à colheita de elementos instrutórios, cuja percepção depende de conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos. A perícia é um processo técnico-comportamental, cientificamente sistemático na revelação da prova da qual emanam as percepções e as conclusões dos fatos produtores do inteligente convencimento pericial, cuja finalidade, precípua, é a formulação de juízos técnico-científicos que, valorados juridicamente, devem levar ao convencimento o juiz no seu livre julgamento. A perícia deve-se ao perito. Na acepção mais rigorosa, perito é o sujeito ativo da perícia. Perito criminal ou criminalístico é o funcionário público especializado em determinada matéria, objeto de perícia, inte- grante dos institutos de criminalística, portando-se como perito perci- piente na chamada perícia de mera constatação (ou vistoria), na verifica- ção do fato, simplesmente, retratando o seu estado ou situação, sem análise ou interpretação; ou ainda, atua como perito judicante ao perce- ber fatos e traduzi-los, emitindo juízo (opinião técnica e/ou científica) de natureza eminentemente técnica a respeito deles, conforme estatuem os arts. 159, § 10 e 277 do CPP; arts. 145, 421 e 422 do CPC e art. 3° da Lei n° 5.584/70, atuando com independência e soberania, devendo, nas conclusões prolatadas de seu labor pericial, alhear-se de quaisquer espé- cie de interferência ou influência exteriores, subjugando-se aos princípios éticos, deontológicos e doutrinários do sistema criminalístico e conforme o princípio do /iure conuencimento, ao qual o juiz de direito também se subordina, de acordo com a visão da criminalística e não a de qualquer outra ciência, técnica, arte ou sistema disciplinar. A materialização da perícia é o laudo - o parecer por escrito dos peritos - que além de conciso, claro, objetivo e pertinente, haverá, in- 16 ACIDENTES DE TRÂNSITO: ASPECTOS TÉCNICOS E JURíDICOS
  • 9. dispensavelmente, de ser fundamentado, o que significa a ordenação e a apresentação lógicas do procedimento mental responsável pela elabora- ção de juízos e das bases técnico-científicos legais e irrefragáveis, em que se cristalizam as idéias reveladas. Esta prova para continuar a merecer o valor e a importância que lhe são creditadas, exige, de parte de quem a elabora, uma formalidade na ordenação de idéias, a utilização de escorreitas propriedades voca- bulares na redação que, indispensavelmente, requer afirmações com justificações e conclusões com fundamentações, sem se afastar, sob qualquer pretexto ou hipótese, do mundo das leis naturais. Conceito de Acidente de Tráfego Acidente de tráfego é incidente involuntário do qual participam, pelo menos, um veículo em movimento; pedestres e obstáculos fixos, isolado ou conjuntamente, ocorrido numa via terrestre, resultando danos ao patrimônio, lesões físicas ou morte. Segundo o entendimento de vários autores, tráfego é o movi- mento de pedestres, veículos ou animais sobre vias terrestres, conside- rando quanto a cada unidade de per si, isto é, a dinâmica do desloca- mento físico de pessoas, animais e veículos no seu aspecto individual. Trânsito seria o movimento de veículos, pessoas ou animais, segundo percursos geralmente preestabelecidos, considerando quanto ao con- junto; em outras palavras, seria a dinâmica da locomoção de cargas, animais e pessoas, pelas vias públicas, em quantidade ou grupo. À luz desse entendimento, só faz sentido falar no trânsito de uma cidade ou local específico e como os acidentes que investigamos são acontecimentos restritos a uma determinada área de todo um sistema viário, adota-se o termo acidente de tráfego ao invés de acidente de trânsito, que nos parece inadequado. Todavia, Ascendino Cavalcante, em sua consagrada obra Crimi- nalística básica, sugere a substituição do termo acidente de ... por ocor- rência de ... ou delitos de ... , visto que, no primeiro caso, já estaria ha vendo um prejulgamento da etiologia do mesmo, função que não com- pete ao perito. INTRODUÇÃO 1 7
  • 10. Classificação Geral dos Acidentes de Tráfego ACIDENTE SIMPLES Envolve somente uma unidade de tráfego. É o caso de um veículo que abandona a artéria e vai se chocar contra um obstáculo fixo e o atropelamento. ACIDENTE MÚLTIPLO É o tipo mais freqüente, envolve duas ou mais unidades de tráfe- go, tais como nas colisões, abalroamentos e atropelamentos. ACIDENTE SEM CONTATO Quando uma unidade de tráfego contribui para o acidente, mas não interage plenamente com a outra, sem entrar em contato físico. É o caso de um veículo que, imprevisivelmente, inflete na mão de direção do outro, provocando um brusco desvio direcional deste, desencadean- do um acidente. Tipos de Ocorrências Há uma nomenclatura usada pelos peritos e acatada pela justiça para tipificar as principais modalidades de acidentes de tráfego. Embora alguns desses termos possam não ser os mais apropriados, foram consa- grados pelo uso em todos os quadrantes do território pátrio, empregados por diferentes gerações de técnicos e transmitidos através dos tempos: • colisão: é o embate entre dois ou mais veículos em movimento; • abalroamento: é o embate de veículo em movimento contra outro que se encontra parado; • choque: é o embate de um veículo contra um obstáculo fixo, tais como árvores, muros, defensas, etc.; • atropelamento: é o tipo de acidente de tráfego múltiplo, onde um veículo colide contra pessoas ou animais; • capotamento: evento no qual o veículo, por causas as mais di- versas, gira em torno de seu eixo vertical e, na fase final de imobilização, apresenta-se apoiado sobre a sua cobertura, com as rodas para cima; 18 ACIDENTES DE TRÂNSITO: ASPECTOS TÉCNICOS E JURÍDICOS
  • 11. • tombamento: evento no qual o veículo, por causas as mais di- versas, gira em torno de seu eixo vertical e, na fase final de imobilização. apresenta-se apoiado sobre uma das laterais; • precipitação: queda livre de um veículo por ação da gravidade e que ocorre por causas as mais diversas, como perda de direção, ma- nobra brusca, etc.; • colisão em cadeia, colisão sucessiva ou tamponamento: quando um veículo embate na traseira de outro que segue imediatamente a sua frente, o qual por sua vez impulsionado, esbarra naquele que segue imediata- mente à sua dianteira, podendo envolver várias unidades de tráfego; • mista: conjugação de dois ou mais tipos de eventos, como cho- que com tombamento, atropelamento com choque, etc.; • colisão humana: num acidente de tráfego típico, comumente, ocorrem duas formas de embate: - uma delas, que constitui o acidente de tráfego propriamente dito, enquadrado numa das classificações acima, é configurado pelo choque do veículo contra um obstáculo fixo ou móvel. Quando o veí- culo interage com um obstáculo, sua estrutura começa a se deformar, amassar-se ou romper-se, até a completa imobilização do mesmo o que ocorre como conseqüência da transformação de energia cinética em tra- balho físico. Estas alterações mórficas serão tanto mais acentuadas quanto mais elevadas sejam a massa do veículo em causa e a velocida- de que o animava, sendo esta última o fator preponderante no grau de seriedade dos acidentes; - o outro embate, o qual poderíamos chamá-Ia de colisão huma- na, consiste no choque dos ocupantes do veículo que, por inércia, conti- nuando em movimento, vão de encontro às partes rígidas do mesmo e muitas vezes são projetadas para o exterior. Tudo isso ocorre em micro-intervalos de tempo, semelhantes ao de um pestanejar de olhos. Quando o veículo colido, isto é, na primeira colisão, ao que asseveramos, vão sendo produzidas deformações até a imobilização do mesmo que ocorre, segundo estimativas, dentro de 0,1 de segundo. Enquanto o veículo não pára, seus ocupantes, devido à propriedade física dos corpos em conservarem seus estados de movi- mento, são arremessados de seus assentos e, em torno de 0,2 de segun- dos após a primeira colisão, atingem o painel, volante de direção, teto, para-brisa, retrovisor, etc., ou são arremessados para fora do veículo, caso seus ocupantes não estejam solidários aos bancos por cintos de se- gurança. INTRODUÇÃO 19
  • 12. Designação das Interações Veiculares o veículo é um corpo extenso que percorre uma determinada tra- jetória. Dependendo da orientação do percurso e da região estrutural impactada, as interações veiculares recebem designações especiais, úteis na descrição dos acidentes. Assim, genericamente, o choque, o abalroamento e a colisão po- dem ser melhor definidas com a adução da seguinte terminologia, auto- definida nas ilustrações a seguir. FRONTAL ~ [[]] [[]J SEMI-FRONTAL ~ [[]] [([]J ~ ~ []]I][([]J ~ Pela direita Pela esquerda FRICÇÃO LATERAL ~ [[]] ~ [[]J [[]J []]I] Pela direita Pela esquerda TRANSVERSAL ANTERIOR c::::1 [[]] ,Q. ~ ~ 1J c::::1 m=n 20 ACIDENTES DE TRÂNSITO: ASPECTOS TÉCNICOS E JURÍDICOS
  • 13. TRANSVERSAL MÉDIA Pela direita Pela esquerda TRANSVERSAL OBLÍQUA t , eQ Q~ I Por impulsão Por oposição Pela direita Pela esquerda TRANSVERSAL ÂNTERO-POSTERIOR Pela direita Pela esquerda Acidentes Ferroviários Embora as colisões em passagens de níveis (cruzamento em nível de via pública com via férrea) entre veículo automotor e composição fer- roviária, em maior número, configurem colisão transversal simples, na nossa opinião, por envolver cadeia de condições bem diferente dos aci- dentes de tráfego comuns no trânsito urbano ou rodoviário, devem ser tratadas como perícia em matéria de engenharia. INTRODUÇÃO 21