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JANTAR DE
       ASSOBIO



   F ulano apostou com Beltrano que havia de conseguir
jantar naquele restaurante, ali da esquina, sem pagar cheta.
   O caso passou-se assim. Fulano sentou-se a uma mesa e
veio o empregado informar:
   – Temos sopa de agriões. Deseja sopa?
   O nosso amigo Fulano limitou-se a soltar duas
assobiadelas, que o criado interpretou à sua maneira,
trazendo-lhe um prato de sopa.
   A seguir, o criado perguntou ao silencioso cliente se
queria provar uma dobrada à moda do Porto, acabadinha de
fazer. Mais duas assobiadelas de resposta.
   Veio a dobrada.
   E assim sucessivamente, o vinho, a fruta, o doce. Por
fim, a conta.

                             1
Aqui chegado, Fulano rejeitou o papelinho com a
despesa do jantar. E pela primeira vez falou:
   – Não pago.
   Chamado pelo criado aflito, veio o dono do restaurante,
que ouviu esta explicação de Fulano, muito seguro das suas
razões:
   – Eu nunca pedi nada. O empregado vinha e perguntava
se eu queria isto e aquilo. Eu assobiava e ele trazia a
comida. O que é dado, nunca se recusa. Mas como nunca
pedi, não devo nada.
   E Fulano saiu do restaurante, todo emproado, de palito
na boca, perante o pasmo do patrão e do criado.
   Beltrano, que o esperava cá fora e a tudo assistira,
através da montra do restaurante, teve de dar-se por
vencido. Fulano ganhara a aposta e um jantar de graça.
   Mas Beltrano não se conformou e, à sua conta, resolveu,
no dia seguinte, fazer o mesmo que Fulano fizera.
   Encontrou Cicrano e perguntou-lhe:
   – Queres apostar em como eu vou ali àquele restaurante
jantar sem gastar um tostão?
   Cicrano encolheu os ombros, mas apostou.
   Quando Beltrano se sentou a uma mesa e o criado veio
com a terrina da sopa, as duas assobiadelas do freguês
puseram o empregado de sobreaviso.
   Foi a correr, lá dentro, avisar o patrão:
   – Está cá outro com a mesma história dos assobios. O
que é que eu faço?
   – Pergunta-lhe se ele quer mais sopa – disse o patrão,
arregaçando as mangas da camisa.
   Aos dois assobios, criado e patrão agarraram em
Beltrano e correram-no do restaurante, a pontapés.

                            2
Há receitas que resultam uma vez, mas à segunda mais
vale não experimentar. O Beltrano aprova o que aqui fica
dito, soltando dois tristes assobios.


  FIM




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  • 1. JANTAR DE ASSOBIO F ulano apostou com Beltrano que havia de conseguir jantar naquele restaurante, ali da esquina, sem pagar cheta. O caso passou-se assim. Fulano sentou-se a uma mesa e veio o empregado informar: – Temos sopa de agriões. Deseja sopa? O nosso amigo Fulano limitou-se a soltar duas assobiadelas, que o criado interpretou à sua maneira, trazendo-lhe um prato de sopa. A seguir, o criado perguntou ao silencioso cliente se queria provar uma dobrada à moda do Porto, acabadinha de fazer. Mais duas assobiadelas de resposta. Veio a dobrada. E assim sucessivamente, o vinho, a fruta, o doce. Por fim, a conta. 1
  • 2. Aqui chegado, Fulano rejeitou o papelinho com a despesa do jantar. E pela primeira vez falou: – Não pago. Chamado pelo criado aflito, veio o dono do restaurante, que ouviu esta explicação de Fulano, muito seguro das suas razões: – Eu nunca pedi nada. O empregado vinha e perguntava se eu queria isto e aquilo. Eu assobiava e ele trazia a comida. O que é dado, nunca se recusa. Mas como nunca pedi, não devo nada. E Fulano saiu do restaurante, todo emproado, de palito na boca, perante o pasmo do patrão e do criado. Beltrano, que o esperava cá fora e a tudo assistira, através da montra do restaurante, teve de dar-se por vencido. Fulano ganhara a aposta e um jantar de graça. Mas Beltrano não se conformou e, à sua conta, resolveu, no dia seguinte, fazer o mesmo que Fulano fizera. Encontrou Cicrano e perguntou-lhe: – Queres apostar em como eu vou ali àquele restaurante jantar sem gastar um tostão? Cicrano encolheu os ombros, mas apostou. Quando Beltrano se sentou a uma mesa e o criado veio com a terrina da sopa, as duas assobiadelas do freguês puseram o empregado de sobreaviso. Foi a correr, lá dentro, avisar o patrão: – Está cá outro com a mesma história dos assobios. O que é que eu faço? – Pergunta-lhe se ele quer mais sopa – disse o patrão, arregaçando as mangas da camisa. Aos dois assobios, criado e patrão agarraram em Beltrano e correram-no do restaurante, a pontapés. 2
  • 3. Há receitas que resultam uma vez, mas à segunda mais vale não experimentar. O Beltrano aprova o que aqui fica dito, soltando dois tristes assobios. FIM 3