O documento descreve como um jantar casual em um restaurante chamado "O Elefante" em Salzburgo inspirou José Saramago a escrever seu conto "A Viagem do Elefante". Uma ex-leitora do Instituto Camões forneceu mais informações sobre a viagem real de um elefante de Portugal para a Áustria no século XVI, que Saramago usou como base para sua história. Anos depois, ela ajudou Saramago a recuperar as informações quando ele perdeu os arquivos originais.
Como um jantar em Salzburgo inspirou o conto de Saramago 'A Viagem do Elefante
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A Viagem do Elefante, de José Saramago
Bolsas de Estudo Numa curta nota de abertura à sua mais recente obra literária, A Viagem do Elefante (Editorial Caminho, 2008), José
Saramago dirige um agradecimento público a Gilda Lopes Encarnação, sem cuja intervenção - escreve o Nobel da
Edição
Literatura português - o conto, dado à estampa em Novembro passado, «não existiria». «Se Gilda Lopes Encarnação
Apoio à Edição não fosse leitora de português na Universidade de Salzburgo, se eu não tivesse sido convidado para ir falar aos
Revista Camões alunos, se Gilda não me tivesse convidado para jantar no restaurante O Elefante, este livro não existiria.» -
Saramago dixit.
Encarte JL
Catálogo IC Número 134 · 14 de Janeiro de 2009 · Suplemento do JL n.º 999, ano XXVIII
Obras Traduzidas Não é todos os dias que um escritor com a importância de José Saramago agradece a contribuição de alguém - seja
ela de que natureza for - para a sua obra. Para Gilda Lopes Encarnação, leitora do Instituto Camões (IC) na
Acordos Culturais
Universidade de Salzburgo entre 1997 e 2003, o «agradável» agradecimento «foi muito inesperado» e «um pouco
Apoios à internacionalização exagerado», segundo ela própria disse a Saramago, na apresentação oficial da obra, no Centro Cultural de Belém, a
3 de Dezembro. «Ele respondeu-me que não, de forma alguma. Disse-me: ‘não está uma palavra a mais do que
Informação Institucional deveria estar e agora tem que se aguentar', sempre no seu tom jocoso que lhe é característico», evoca a hoje
professora da escola secundária André Gouveia, em Évora.
Para Gilda Lopes Encarnação, a ida de Saramago a Salzburgo
quando aí se encontrava e o que daí resultou foi um «episódio
importante» na sua vida. Mas percebeu que para Saramago
«também foi importante de alguma forma essa passagem» pela
cidade austríaca. E dá-se conta ainda de «como um conjunto de
acontecimentos casuais, absolutamente contingentes, podem dar
origem a algo importante ou pelo menos de interesse na vida de um
escritor - interesse do ponto de vista narrativo».
Se, como o elefante Salomão, «sempre chegamos ao sítio aonde
nos esperam», a enunciação dos três ‘ses' usados por Saramago
para explicar a origem de A Viagem do Elefante parecem mostrar
como o acaso pontua o caminho.
Na nota de agradecimento e em entrevistas, Saramago dá sempre
a mesma versão do acontecimento ‘fundador' do conto que
escreveria anos depois de visitar Salzburgo. À Lusa ele relatou assim esse evento, situado pela ex-leitora do IC a 24
de Novembro 1999: «Creio que no próprio dia da minha chegada fomos jantar com outros professores a um
restaurante que se chamava `O Elefante`. O simples nome do restaurante não era suficiente para despertar a minha
curiosidade, mas a verdade é que lá dentro havia uma escultura relativamente grande representando um elefante e
havia, sobretudo, um friso de pequenas esculturas que, entre a Torre de Belém, que era a primeira, e outra de um
monumento ou edifício público que representaria Viena, marcava o itinerário do elefante entre Lisboa e Viena.
Perguntei-lhe [a Gilda Lopes Encarnação] o que era aquilo, ela contou-me e, naquele momento, eu senti que aquilo
podia dar uma históriaquot;, relatou Saramago.
«Aquilo» era a viagem de meses do elefante Salomão, que no século XVI foi oferecido pelo rei português D. João III
ao arquiduque Maximiliano da Áustria, genro do Imperador Carlos V, e levado por terra e mar de Belém, onde
alegadamente se encontrava depois de trazido da Índia, para Viena de Áustria, numa viagem em que a escassa
informação histórica existente, reunida por Gilda Lopes Encarnação e canalizada para Saramago, foi suprida pela
imaginação do escritor num texto reconhecidamente irónico e bem humorado, apesar de, pelo meio, ter adoecido
gravemente.
O hotel Elefante
Saramago não só jantou no restaurante O Elefante, como ficou alojado em Salzburgo no hotel anexo com o mesmo
nome. «A escolha do hotel Elefante não foi premeditada. Foi um mero acaso. E teve a ver com o facto de o hotel
estar situado no centro da cidade de Salzburgo, mesmo no coração da cidade, numa das travessas mais conhecidas
[...]. Pensei em reservar lá o quarto para José Saramago, uma vez que poderíamos conhecer a cidade».
http://www.instituto-camoes.pt/encarte-jl/acaso-e-imaginacao-2.html 1/6/2009
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«À entrada do hotel há uma enorme estátua de um elefante. E lembro-
me que, logo quando eu entrei com Saramago no hotel, ele me
perguntou o porquê. Foi logo de facto o interesse imediato. E eu, -
como digo, a escolha do hotel foi ingénua - não conhecia muito da
história do hotel. Mas sabia que aquele elefante unia as histórias dos
dois países, de Portugal e da Áustria», recorda a ex-leitora.
No restaurante anexo - ainda no mesmo edifício - existe outra estátua
do elefante «e o friso em madeira que Saramago refere na primeira
página do livro. É um friso que simboliza o itinerário do próprio elefante,
desde a Torre de Belém até à catedral de Santo Estêvão em Viena.
Quando ele viu o friso no restaurante, ainda mais se interessou»,
lembra a ex-leitora.
Respondendo ao interesse manifestado por José Saramago, Gilda
Lopes Encarnação - que sabia ter o evento figurado a ver com o
reinado de D. João III e com a oferta que o rei português tinha feito a
Maximiliano da Áustria - procurou mais informação, mas «a
documentação histórica existente na Áustria não é muito grande».
Recorreu à biblioteca universitária de Salzburgo e obteve informação do
professor Dieter Messner, à época director do Departamento Ibero-
românico da Universidade de Salzburgo, e um especialista em Estudos Portugueses. «E foi essa informação que eu
depois traduzi e mandei, mais tarde, por correio a Saramago», em finais de 1999.
Não acabaria aqui a intervenção da ex-leitora do Instituto Camões. No largo interregno entre a visita a Salzburgo e a
redacção do conto, Saramago, refere Gilda Lopes Encarnação, «esteve envolvido na escrita de outros romances -
nomeadamente O Homem Duplicado, As Intermitências da Morte». Mas, «há cerca de dois anos, também por
intermédio do Instituto Camões», o escritor contactou-a novamente, dizendo-lhe que «tinha perdido tudo». «Não
sabia onde é que se encontrava já nada», refere.
«Felizmente, já regressada a Portugal, tinha ainda entre os ficheiros informáticos - já não os originais, porque tinha
mandado os originais, com outras imagens - a tradução. E foi isso que lhe fiz chegar novamente, há dois anos».
Seguiu-se «a construção da narrativa que o público conhece, que teve todas aquelas adversidades, da doença do
próprio escritor no ano passado, que esteve muito tempo parado, mas que chegou ao fim...»
Deste breve contacto com Saramago em Salzburgo, Gilda Lopes Encarnação, que já estava familiarizada e estudava
a obra do Nobel da Literatura português, mas que não o conhecia pessoalmente, ficou «muito impressionada com a
sua forma de estar, a sua forma de ser», sobretudo com o seu «humanismo», «naturalidade» e «espontaneidade».
Afinal de contas, está-se a falar do homem que em Portugal tem fama de ser arrogante, duro e distante. «Não foi
isso que vivi», afirma. «Foi de facto uma pessoa muito humana que encontrei, muito íntegra, muito fiel às suas
convicções. E isso impressionou-me. De certa forma é também uma das referências na minha vida».
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