SlideShare uma empresa Scribd logo
1 de 2
Calendário da Revolução Francesa 
A Revolução Francesa foi um processo histórico que pretendia romper profundamente 
com o passado monárquico, feudal e cristão que vigorava na França, indo além da criação 
da República e da cassação de privilégios sociais e econômicos. Na fase mais extremista 
desse processo, entre 1792 e 1794, os revolucionários pretendiam também alterar raízes 
culturais da população. Nessa proposta, inclusive a contagem do tempo deveria ser 
transformada. Foi com esse intuito que se instituiu ocalendário da Revolução Francesa. 
Como o antigo calendário gregoriano tinha por base eventos cristãos, os revolucionários 
franceses pretenderam criar um novo calendário que representasse a visão de mundo da 
burguesia. Para isso seria necessário usar do racionalismo e eliminar as referências 
religiosas da marcação do tempo. 
Dessa forma, o ano I deixou de ser o ano do nascimento de Cristo. O ano I do Calendário 
francês passou a ser o ano da instauração da República, em 1793. O primeiro dia do 
calendário francês correspondia, então, ao dia 22 de novembro de 1793 do calendário 
gregoriano. 
Ainda com o objetivo de excluir as referências religiosas, o matemático Gilbert Romme 
instituiu semanas de 10 dias, com três semanas em cada um dos 12 meses. Sendo assim, 
cada mês teria 30 dias. O objetivo era eliminar os domingos, pelo fato de ser dia de 
adoração a Deus. Os feriados cristãos também foram retirados do calendário. 
Com o auxílio do poeta Fabre d’Eglantine, os meses foram nomeados da maneira exposta 
abaixo, que apresenta a correlação com as datas do calendário gregoriano: 
Outono 
Vindimiário (vendémiaire, referência à colheita da uva): 22 de setembro a 21 de outubro; 
Brumário (brumaire, referência às brumas, aos nevoeiros): 22 de outubro a 20 de 
novembro; 
Frimário (frimaire, referência às geadas): 21 de novembro a 20 de dezembro. 
Inverno 
Nivoso (nivôse, referência à neve): 21 de dezembro a 19 de janeiro; 
Pluvioso (pluviôse, referência às chuvas): 20 de janeiro a 18 de fevereiro; 
Ventoso (ventôse, referência aos ventos): 19 de fevereiro a 20 de março.
Primavera 
Germinal (germinal, referência à germinação): 21 de março a 19 de abril; 
Florial (floréal, referência às flores): 20 de abril a 19 de maio; 
Prairial (prairial, referência aos prados): 20 de maio a 18 de junho. 
Verão 
Messidor (messidor, referência às colheitas): 19 de junho a 18 de julho; 
Termidor (thermidor, referência ao calor): 19 de julho a 17 de agosto; 
Frutidor (fructidor, referência ao fruto, à frutificação.): 18 de agosto a 20 de setembro. 
Como o cálculo dos dias somaria 360 dias, foram instituídos os dias dos sans-culottes, 
feriados realizados entre 17 de setembro e 21 de setembro do calendário gregoriano. Uma 
manutenção seria a ocorrência do dia bissexto a cada quatro anos, com o objetivo de 
adequar o tempo do calendário ao tempo natural dos movimentos do planeta. 
Os dias passaram a ser numerados de um a dez, com as seguintes nomenclaturas: 
primidi, duodi, tridi, quartidi, quintidi, sextidi, septidi, octidi, nonidi e décadi. Posteriormente, 
os dias receberam nomes de plantas, minerais e animais. A marcação do tempo dentro de 
um único dia também foi alterada. Cada dia teria 10 horas, cada hora, 100 minutos; e cada 
minuto, 100 segundos. O sistema decimal era, dessa forma, a base da reelaboração do 
calendário, evidenciando a influência do racionalismo e da matemática como contraponto à 
influência religiosa na marcação do tempo. 
O calendário da Revolução Francesa foi abolido em 1805, quando Napoleão estava no 
poder. A reação de boa parte da população contribuiu para que ele fosse abolido, além do 
fato de Napoleão ter também abandonado alguns princípios revolucionários, como a 
própria República. 
A criação do calendário mostrou o quão profundo pode ser um processo revolucionário e o 
quanto é difícil transformar hábitos e convenções há muito arraigados na vida coletiva da 
população.

Mais conteúdo relacionado

Destaque (19)

Modulos de la web de jimdo
Modulos de la web de jimdoModulos de la web de jimdo
Modulos de la web de jimdo
 
Combinação imbatível
Combinação imbatívelCombinação imbatível
Combinação imbatível
 
Combinação imbatível
Combinação imbatívelCombinação imbatível
Combinação imbatível
 
Boletim cedb 01
Boletim cedb 01Boletim cedb 01
Boletim cedb 01
 
J vc
J vcJ vc
J vc
 
Poster Redefor - Produção de Texto
Poster Redefor - Produção de TextoPoster Redefor - Produção de Texto
Poster Redefor - Produção de Texto
 
Anteproyectofinal
AnteproyectofinalAnteproyectofinal
Anteproyectofinal
 
Pr serv modelo_ata_eleicao
Pr serv modelo_ata_eleicaoPr serv modelo_ata_eleicao
Pr serv modelo_ata_eleicao
 
A Voz Desportiva de Coimbra e sua Região | 14 de Junho 1943
A Voz Desportiva de Coimbra e sua Região | 14 de Junho 1943A Voz Desportiva de Coimbra e sua Região | 14 de Junho 1943
A Voz Desportiva de Coimbra e sua Região | 14 de Junho 1943
 
Modulos de jimdo alex
Modulos de jimdo alexModulos de jimdo alex
Modulos de jimdo alex
 
Mortes no trânsito infográfico
Mortes no trânsito infográficoMortes no trânsito infográfico
Mortes no trânsito infográfico
 
Plano pousada e bar do peão 2015
Plano pousada e bar do peão 2015Plano pousada e bar do peão 2015
Plano pousada e bar do peão 2015
 
O que é sorte?
O que é sorte?O que é sorte?
O que é sorte?
 
Lista de exercícios análise combinatória
Lista de exercícios   análise combinatóriaLista de exercícios   análise combinatória
Lista de exercícios análise combinatória
 
Culturaorg
CulturaorgCulturaorg
Culturaorg
 
JORNAL DE VISÃO - COLÉGIO VISÃO
JORNAL DE VISÃO - COLÉGIO VISÃOJORNAL DE VISÃO - COLÉGIO VISÃO
JORNAL DE VISÃO - COLÉGIO VISÃO
 
Folheto+maio pt+inglês
Folheto+maio pt+inglêsFolheto+maio pt+inglês
Folheto+maio pt+inglês
 
Motivación
MotivaciónMotivación
Motivación
 
Mme m00-003-a
Mme m00-003-aMme m00-003-a
Mme m00-003-a
 

Semelhante a Calendário Revolução Francesa 40 Dias

O estudo da história 1º ano - 2012
O estudo da história    1º ano - 2012O estudo da história    1º ano - 2012
O estudo da história 1º ano - 2012historiando
 
O estudo da história 1º ano - 2012
O estudo da história    1º ano - 2012O estudo da história    1º ano - 2012
O estudo da história 1º ano - 2012historiando
 
O estudo da história 1º ano - 2012
O estudo da história    1º ano - 2012O estudo da história    1º ano - 2012
O estudo da história 1º ano - 2012historiando
 
História e tempo
História e tempoHistória e tempo
História e tempodmflores21
 
2 conceito de tempo, datacao e calendarios
2  conceito de tempo, datacao e calendarios2  conceito de tempo, datacao e calendarios
2 conceito de tempo, datacao e calendariosPIB Penha
 
O TEMPO NA HISTÓRIA - HISTÓRIA TEMPO E ESPAÇO
O TEMPO NA HISTÓRIA - HISTÓRIA TEMPO E ESPAÇOO TEMPO NA HISTÓRIA - HISTÓRIA TEMPO E ESPAÇO
O TEMPO NA HISTÓRIA - HISTÓRIA TEMPO E ESPAÇOAna Selma Sena Santos
 
Historia 1EM 1BIM
Historia  1EM 1BIM Historia  1EM 1BIM
Historia 1EM 1BIM Alice MLK
 
O Tempo e a História - 6o ano
O Tempo e a História - 6o anoO Tempo e a História - 6o ano
O Tempo e a História - 6o anoLucas Degiovani
 
2°periodização da história
2°periodização da história2°periodização da história
2°periodização da históriaAjudar Pessoas
 
O estudo da história 1º ano - 2013
O estudo da história    1º ano - 2013O estudo da história    1º ano - 2013
O estudo da história 1º ano - 2013historiando
 
Aula história e o tempo
Aula história e o tempoAula história e o tempo
Aula história e o tempoRosely Monteiro
 
INTRODUÇÃO AO ESTUDO DE HISTÓRIA- DBN
INTRODUÇÃO AO ESTUDO DE HISTÓRIA- DBNINTRODUÇÃO AO ESTUDO DE HISTÓRIA- DBN
INTRODUÇÃO AO ESTUDO DE HISTÓRIA- DBNDanilo Novaes
 
Sistemas sociais e culturais de notação de tempo ao longo da história
Sistemas sociais e culturais de notação de tempo ao longo da históriaSistemas sociais e culturais de notação de tempo ao longo da história
Sistemas sociais e culturais de notação de tempo ao longo da históriaprofdu
 
Instrumentos de medição do tempo
Instrumentos de medição do tempoInstrumentos de medição do tempo
Instrumentos de medição do tempoKelly Delfino
 

Semelhante a Calendário Revolução Francesa 40 Dias (20)

A contagem do tempo
A contagem do tempoA contagem do tempo
A contagem do tempo
 
Introdução ao estudo da história pps
Introdução ao estudo da história ppsIntrodução ao estudo da história pps
Introdução ao estudo da história pps
 
O estudo da história 1º ano - 2012
O estudo da história    1º ano - 2012O estudo da história    1º ano - 2012
O estudo da história 1º ano - 2012
 
O estudo da história 1º ano - 2012
O estudo da história    1º ano - 2012O estudo da história    1º ano - 2012
O estudo da história 1º ano - 2012
 
O estudo da história 1º ano - 2012
O estudo da história    1º ano - 2012O estudo da história    1º ano - 2012
O estudo da história 1º ano - 2012
 
História e tempo
História e tempoHistória e tempo
História e tempo
 
2 conceito de tempo, datacao e calendarios
2  conceito de tempo, datacao e calendarios2  conceito de tempo, datacao e calendarios
2 conceito de tempo, datacao e calendarios
 
A profecia de daniel 7 25
A profecia de daniel 7 25A profecia de daniel 7 25
A profecia de daniel 7 25
 
O TEMPO NA HISTÓRIA - HISTÓRIA TEMPO E ESPAÇO
O TEMPO NA HISTÓRIA - HISTÓRIA TEMPO E ESPAÇOO TEMPO NA HISTÓRIA - HISTÓRIA TEMPO E ESPAÇO
O TEMPO NA HISTÓRIA - HISTÓRIA TEMPO E ESPAÇO
 
Contagem do tempo2
Contagem do tempo2Contagem do tempo2
Contagem do tempo2
 
Historia 1EM 1BIM
Historia  1EM 1BIM Historia  1EM 1BIM
Historia 1EM 1BIM
 
O Tempo e a História - 6o ano
O Tempo e a História - 6o anoO Tempo e a História - 6o ano
O Tempo e a História - 6o ano
 
2°periodização da história
2°periodização da história2°periodização da história
2°periodização da história
 
O estudo da história 1º ano - 2013
O estudo da história    1º ano - 2013O estudo da história    1º ano - 2013
O estudo da história 1º ano - 2013
 
Aula históriaeotempo
Aula históriaeotempoAula históriaeotempo
Aula históriaeotempo
 
Aula história e o tempo
Aula história e o tempoAula história e o tempo
Aula história e o tempo
 
Aula históriaeotempo
Aula históriaeotempoAula históriaeotempo
Aula históriaeotempo
 
INTRODUÇÃO AO ESTUDO DE HISTÓRIA- DBN
INTRODUÇÃO AO ESTUDO DE HISTÓRIA- DBNINTRODUÇÃO AO ESTUDO DE HISTÓRIA- DBN
INTRODUÇÃO AO ESTUDO DE HISTÓRIA- DBN
 
Sistemas sociais e culturais de notação de tempo ao longo da história
Sistemas sociais e culturais de notação de tempo ao longo da históriaSistemas sociais e culturais de notação de tempo ao longo da história
Sistemas sociais e culturais de notação de tempo ao longo da história
 
Instrumentos de medição do tempo
Instrumentos de medição do tempoInstrumentos de medição do tempo
Instrumentos de medição do tempo
 

Calendário Revolução Francesa 40 Dias

  • 1. Calendário da Revolução Francesa A Revolução Francesa foi um processo histórico que pretendia romper profundamente com o passado monárquico, feudal e cristão que vigorava na França, indo além da criação da República e da cassação de privilégios sociais e econômicos. Na fase mais extremista desse processo, entre 1792 e 1794, os revolucionários pretendiam também alterar raízes culturais da população. Nessa proposta, inclusive a contagem do tempo deveria ser transformada. Foi com esse intuito que se instituiu ocalendário da Revolução Francesa. Como o antigo calendário gregoriano tinha por base eventos cristãos, os revolucionários franceses pretenderam criar um novo calendário que representasse a visão de mundo da burguesia. Para isso seria necessário usar do racionalismo e eliminar as referências religiosas da marcação do tempo. Dessa forma, o ano I deixou de ser o ano do nascimento de Cristo. O ano I do Calendário francês passou a ser o ano da instauração da República, em 1793. O primeiro dia do calendário francês correspondia, então, ao dia 22 de novembro de 1793 do calendário gregoriano. Ainda com o objetivo de excluir as referências religiosas, o matemático Gilbert Romme instituiu semanas de 10 dias, com três semanas em cada um dos 12 meses. Sendo assim, cada mês teria 30 dias. O objetivo era eliminar os domingos, pelo fato de ser dia de adoração a Deus. Os feriados cristãos também foram retirados do calendário. Com o auxílio do poeta Fabre d’Eglantine, os meses foram nomeados da maneira exposta abaixo, que apresenta a correlação com as datas do calendário gregoriano: Outono Vindimiário (vendémiaire, referência à colheita da uva): 22 de setembro a 21 de outubro; Brumário (brumaire, referência às brumas, aos nevoeiros): 22 de outubro a 20 de novembro; Frimário (frimaire, referência às geadas): 21 de novembro a 20 de dezembro. Inverno Nivoso (nivôse, referência à neve): 21 de dezembro a 19 de janeiro; Pluvioso (pluviôse, referência às chuvas): 20 de janeiro a 18 de fevereiro; Ventoso (ventôse, referência aos ventos): 19 de fevereiro a 20 de março.
  • 2. Primavera Germinal (germinal, referência à germinação): 21 de março a 19 de abril; Florial (floréal, referência às flores): 20 de abril a 19 de maio; Prairial (prairial, referência aos prados): 20 de maio a 18 de junho. Verão Messidor (messidor, referência às colheitas): 19 de junho a 18 de julho; Termidor (thermidor, referência ao calor): 19 de julho a 17 de agosto; Frutidor (fructidor, referência ao fruto, à frutificação.): 18 de agosto a 20 de setembro. Como o cálculo dos dias somaria 360 dias, foram instituídos os dias dos sans-culottes, feriados realizados entre 17 de setembro e 21 de setembro do calendário gregoriano. Uma manutenção seria a ocorrência do dia bissexto a cada quatro anos, com o objetivo de adequar o tempo do calendário ao tempo natural dos movimentos do planeta. Os dias passaram a ser numerados de um a dez, com as seguintes nomenclaturas: primidi, duodi, tridi, quartidi, quintidi, sextidi, septidi, octidi, nonidi e décadi. Posteriormente, os dias receberam nomes de plantas, minerais e animais. A marcação do tempo dentro de um único dia também foi alterada. Cada dia teria 10 horas, cada hora, 100 minutos; e cada minuto, 100 segundos. O sistema decimal era, dessa forma, a base da reelaboração do calendário, evidenciando a influência do racionalismo e da matemática como contraponto à influência religiosa na marcação do tempo. O calendário da Revolução Francesa foi abolido em 1805, quando Napoleão estava no poder. A reação de boa parte da população contribuiu para que ele fosse abolido, além do fato de Napoleão ter também abandonado alguns princípios revolucionários, como a própria República. A criação do calendário mostrou o quão profundo pode ser um processo revolucionário e o quanto é difícil transformar hábitos e convenções há muito arraigados na vida coletiva da população.