Este documento discute estratégias para desorientar a prática vocacional através da teoria, questionando a divisão entre teoria e prática. Também critica a divulgação como objetivo em si e defende que os processos criativos devem ser compartilhados e emancipatórios, não individuais. Por fim, descreve uma experiência que misturou lugares e culturas diferentes.
1. MANUAL DESNORTEADOR DE
SOBREVIVÊNCIA VOCACIONAL
1. A TEORIA É NECESSÁRIAMENTE DIFERENTE DA PRÁTICA
1.1 Busque o Material Norteador toda vez que precisar ser desorientado.
(Pouco importa se você leu o Material Norteador no inicio, meio ou final
de
seu
trabalho
de
“um
ano”
dentro
do
Programa
Vocacional. O Material
Norteador deve ser buscado toda vez em que a prática de orientar se
confundir com a
prática de martelar
pregos. Toda teoria
deve vir para
desorientar a
prática).
1.2 Invente uma fala
nova toda vez que
te perguntarem: O
Que é Vocacional?
(Toda teoria é pura
invenção. Então,
por que não se
jogar em um
processo criativo
emancipatório de discursos? Por que não recriar o Programa Vocacional
a todo o momento? Só o que não vale é reproduzir textos massificados).
2. A DIVULGAÇÃO É ILUSÃO
2.1 Nenhuma distribuição de panfletos vai te trazer Vocacionados. (É isso.)
2.2 Nenhuma divulgação artística é divulgação. (Ação Cultural, Formação de
Público, Mostra de Processo, tudo isso é a divulgação artística, menos
divulgação artística. Divulgação Artística não pode ser um objetivo-
pretexto para amenizar a responsabilidade do fazer criativo e da
potência da ação do artista
frente ao espectador).
Era
uma vez
uma cidade
onde as pessoas
entendiam a diferença
entre arte e entretenimento.
Nesta cidade, o Programa Vocacional
havia acabado há 2 anos.
Era uma vez uma
cidade onde as
pessoas livremente
escolhiam fazer parte
de processos educativos
que geravam emancipação.
Nesta cidade, o Programa
Vocacional havia acabado há 5
anos.
Coordenadora Artistico-Pedagógica: Peticia Carvalho
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2. O Material
Norteador é
como um oásis
no meio do deserto.
Mas não um oásis de salvação,
um local para ficar.
O oásis do Material Norteador
aparece no deserto para caotizar a imagem.
Para provocar a despermanência do olhar.
Um oásis gerador de caos.
Manual de Sobrevivência a um Vocacional Liquido:
1. Seja Liquido.
2. Seja Liquido.
3. Seja Liquido.
4. Responda Óleo.
5. Seja Liquido.
6. Seja Liquido.
7. Ganhe um gelo.
8. Seja Liquido.
9. Seja Liquido.
10. Seja Liquido.
11. Espirre.
12. Seja Liquido.
13. Oriente Liquido.
14. Oriente Liquido.
15. Ouça seu próprio borbulhar.
16. Oriente Liquido.
17. Engula Sal.
18. Fique com cara de açúcar.
19. Seja Liquido.
20. Processe o Liquido.
21. Processe o Liquido.
22. Processe o Liquido.
23. Crie tijolo.
24. Oriente Liquido.
25. Seja Liquido.
26. Seja Liquido.
27. Veja o Liquido no espelho.
28. Seja Liquido.
29. Liquido Emancipado.
30. Liquide-se.
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3. 3. O PROCESSO NÃO HABITA UMA BANHEIRA DE
HIDROMASSAGEM
3.1 Todo processo deve ser emancipador. (A emancipação se dá no
entendimento da potencialidade coletiva do saber-fazer, logo, habitar o
processo não pode ser um habitar individualista. O processo deve ser, a
todo momento, compartilhado.)
3.2 O processo não é o oposto complementar do produto. (Pensar a arte sob
a ótica do processo não é negar o produto artístico. É somente mudar o
foco do trabalho. Processo e produto estão sempre presentes no
trabalho do artista, mas focar-se em uma ou em outra característica
evidencia escolhas politicas da arte.)
3.3 O processo criativo é rio. (Assim como o rio, em um processo criativo,
existem os que habitam esse processo e os que bebem ou se banham
nele a qualquer momento. O
processo criativo não pode ser
uma banheira de hidromassagem
onde me afundo e somente saio dela
com uma sensação individual
de bem estar e com o corpo
enrugado. A potência do
processo deve possibilitar a
instauração de produtos a todo
momento.)
Era uma vez uma cidade
onde os processos criativos
faziam parte da cultura local.
Nesta cidade, o Programa
Vocacional havia acabado
há 10 anos.
O Dia em que as Nuvens Caíram (A Zona Leste, a Paraiba e eu)
20 de agosto de 2015. 17 horas. Estou no trem. Volto do Jardim Romano para casa, Santa
Cecilia. A experiência de hoje me fez rir. As coincidências existem ou somos nós que as
criamos?
Eu nasci no interior de São Paulo, moro na metrópole há 11 anos. Em 2013 iniciei minha
atuação no Programa Vocacional. No mesmo ano iniciei minha pesquisa de mestrado, onde
realizo pesquisas de campo no estado da Paraíba.
Hoje, acabo de visitar um coletivo de teatro que habita o Jardim Romano e acompanhar
seu trabalho no bairro. O coletivo se chama Estopô Balaio. Alguns integrantes do grupo são
migrantes de estados da Região Nordeste.
A menina que nos recebeu tinha um sotaque gostoso. Senti-me há 5 anos atrás, quando
conheci um coletivo de circo de rua de João Pessoa – PB, o Perambularte. Faço minha
pesquisa de campo em uma comunidade quilombola graças a eles. Ir para lá também é um
pretexto para vê-los.
Aprendi a apreciar o pôr do sol na Paraíba e aprendi a pôr essa apreciação em prática em
2014. Amava ver o sol no ônibus, voltando de Sapopemba, após visitar os equipamentos
que eu coordenava.
Hoje eu estava no Jardim Romano, mas o coletivo, o sotaque, o sol, me faziam também, um
pouco Paraíba. Afinal, como não se desterritorializar no local e no dia em que as nuvens
caem?
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4. ATENÇÃO:
ESSE
ENSAIO
FOI
CRIADO
A
DERIVA.
(OUÇA
A
SUA
VERSÃO
EM
AUDIO).
4. CRIE A
CULTURA DA
MANUTENÇÃO
DA DUVIDA OU
DA
INCERTEZA.
(Ela é potente
nas
orientações e
nas reuniões
de equipe. Mas
costuma
também
acontecer
(ops): nas
assembleias,
na Divisão de
Formação e no
Vocacional
2015).
5. ENSAIE AO
CAMINHAR.
(Se o caminho
de casa até o
equipamento é
distante,
aproveite para
ensaiar. O
ensaio de
pesquisa nada
mais é do que a
própria ação
de caminhar:
da carne, do
pensar, do
teclar...).
Era uma vez
uma cidade
onde toda a
geografia
construída
por um
homem tinha
como objetivo
estimular os
passantes,
espectadores,
a criar. Nesta
cidade, o
Programa
Vocacional
havia acabado
há 20 anos.
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