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Somos o que sobrou. Os que devem se juntar como derrotados
em busca da obrigatória última vitória.
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A Batalha da Londres
A Decisão
Lince, Raven e eu caminhamos entre as árvores desfolhadas e de
galhos congelados do St. James Park – o lugar passou por um am-
plo replantio alguns anos antes, numa tentativa de simbolizar al-
guma coisa boa que estava sendo feita pelo “meio-ambiente”.
Quando a guerra chegou na cidade, as árvores acabaram se mistu-
rando às barricadas de concreto e carros abandonados que vira-
ram sucatas.
Lince e eu vasculhamos alguns dos veículos enferrujados à pro-
cura de qualquer coisa que possamos usar como arma. Raven
mostra-se sempre atenta, ignorando as fortes dores das queima-
duras.
– Por que chamam de “Protocolo 66”? – pergunta Lince en-
quanto abre vagarosamente a porta de um pequeno cami-
nhão.
– 66 da Era Comum, quando os romanos sitiaram Jerusa-
lém. Os cristãos fugiram deixando tudo para trás sem
nem pensar duas vezes em largar suas casas, parentes,
amigos judeus e qualquer bem que possuíam – respondo.
– E porque todos não deixaram a cidade?
– Eles acreditavam que seus exércitos poderiam conter os
inimigos, e claro, como qualquer ser humano, imagina-
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vam que uma grande destruição jamais aconteceria, sim-
plesmente continuaram levando suas vidas.
– E a destruição veio?
– Quatro anos depois os romanos destruíram tudo. Foi uma
carnificina, assim como os igualistas estão fazendo.
Lince suprime um grito empolgado que se forma em sua gargan-
ta quando encontra um objeto que logo se torna uma arma útil.
– Nunca vi alguém tão feliz com um pé de cabra – Raven
desvia sua atenção para o jovem.
– Com esse pé de cabra nós expulsaremos nossos romanos!
– diz ele com vigor.
Eu não demoro encontrar uma barra de ferro maciço e continua-
mos a caminhada em direção a Buckingham.
– – – – –
“Acho que esta sala servirá”,Victor expira em exaltação quando
entram na Sala do Trono. Todo o explendor da sala foi retirado
assim que a monarquia deixou de existir; o carpete vermelho se
encontra aos pedaços e os detalhes de ouro das imponentes colu-
nas não existem mais – em grande parte sumiram pelas mãos de
saqueadores.
– Fiquem à vontade!
Os soldados de escolta se afastam do grupo de líderes políticos.
– Senhores, animação! A guerra vai acabar hoje e vocês fa-
rão parte disso!
Ele caminha na frente da fileira, mirando as faces incorruptíveis
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dos chefes de estado.
– Querem saber? Tenho um jogo que pode nos animar.
Nessa manhã eu recebi uma oferta alguns minutos antes
de revelarmos nossa infiltração – ele para de andar e se
vira para a fileira. – O próprio Grande Igualista me ligou,
disse que eu poderia escolher um de vocês para executar.
Pode ser um teste para mim, o Grande Igualista deve que-
rer ver do que sou capaz, pode estar determinando o meu
futuro no pós-guerra... só sei que é algo que eu não posso
deixar passar, é claro!
Seus olhos percorrem os dez representantes, mas antes que possa
dizer algo, um de seus soldados se aproxima e diz, beirando seu
ouvido, que os soldados inimigos foram completamente vencidos
no palácio. Victor pede para que ele coordene uma patrulha nos
arredores.
– Negócios! – Victor diz aos sequestrados. – Preparem-se,
um de vocês não verá o dia acabar.
– É melhor perder o pôr do sol do que vê-lo em seu país!
Comece por mim.
Em passos firmes Victor se coloca de frente a Viorica, aproxi-
mando seu corpo ao dela a ponto dela sentir sua respiração quen-
te e com um leve odor de vodka.
– Você será mesmo um grande desperdício! Inteligente, co-
rajosa e bela, além de tudo. Se tivesse aceitado a igualdade
antes... se tivesse aceitado! – usando a ponta de sua arma,
ele afasta uma mecha dos cabelos negros que caíram na
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frente da testa de Viorica. – Está mesmo decidida a sacri-
ficar a Romênia?
– Você mesmo disse que logo todos nós estaremos mortos
em algum ritual macabro do seu Grande Igualista. Vence-
ram a guerra.
Victor se aproxima ainda mais, deixando a ponta de seu nariz a
menos de dois centímetros do nariz dela.
– Não fazemos rituais, nossa missão é mostrar a igualdade
ao mundo. Igualdade é amor. Vários poetas, pensadores e
cientistas tentaram explicar o que é o amor, mas nunca
encontraram uma definição de inteireza para essa palavra,
para esse sentimento. Como você define o amor?
Viorica fica em silêncio, tentando se recuar do hálito quente de
Victor.
– Esse sentimento, essa coisa, esse algo imaterial que cha-
mamos de “amor” é simplesmente uma força poderosa
que não pode se extinguir por completo. Restará uma pe-
quena fração dele no ser humano mais imundo e violento.
É essa força que nos faz tomar decisões desafiadoras, lutar
pela igualdade. Essa força move minha nação, move meu
exército, move o gatilho da minha arma. É nesse ponto
em que nossas políticas se diferem, enquanto vocês bus-
cam simplesmente por uma solução, nós buscamos pela
igualdade, que por fim, é a solução que vocês mesmos
procuram, mas são cegos demais para ver – ele se afasta
de Viorica. – O sistema igualista é a expressão política do
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amor. E sim, senhorita Viorica, eu a mataria agora se a
Romênia fosse nosso alvo prioritário.
Os olhos dele se perdem por alguns instantes em Alek,observan-
do sua pele avermelhada e um suor fino se escorrendo pelas têm-
poras. Victor sorri sutilmente.
– Fique tranquilo, Alek, eu não vou matá-la agora. Talvez te
executemos primeiro para que não precise vê-la morrer.
Russos! – ele debocha. – Não sabem esconder os senti-
mentos quando se tratam de uma mulher.
Victor dá alguns passos para a direita e pucha Diedrik Rot para
fora da fileira, fazendo-o cair de joelhos em seguida. “A Alemanha
será a primeira de nossas últimas conquistas”. O presidente cai de
rosto no chão quando a bala perfura seu crânio.
– – – – –
De relance vejo Raven levantando a mão num gesto que faz nos-
so trio parar de andar. Ela olha para mim e indica com o olhar um
lugar á frente, por fim ela toca a orelha – um sinal para dizer que
ouviu algo naquela direção.
Lince está com o pé de cabra em posição de ataque.
Percebo um movimento à minha esquerda – um pisar mal plane-
jado que acaba esmigalhando a neve com muito ruído. Não é tão
fácil se manter escondido num cenário branco como esse, quem
está nos seguindo talvez não seja tão bem treinado para esse am-
biente.
Começo a dobrar os joelhos lentamente, instintivamente Lince e
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Ravem me imitam, mas antes que o primeiro segundo do movi-
mento se passe, três soldados saem de detrás de alguns carros.
– Parados! – um deles grita, enquanto todos miram em nós
suas armas.
Instantes depois um dos soldados que ficou em silêncio meneia a
cabeça e abaixa sua arma, confundindo seus companheiros – o
que gritou conosco faz até um movimento duvidoso desviando
sua arma de nós para o colega.
– Abel, eles não tem medalhas – diz o homem.
O chamado Abel leva em conta a observação do amigo e nos
manda abaixar, retirar as jaquetas e exibir os pescoços. O pouco
tempo exposto ao frio faz com que Lince comece a tremer.
– Nos desculpem, pensamos que eram igualistas. Sou Abel
Lênin, guarda do palácio. Vocês são do esquadrão de
apoio?
– Sim – respondo. – Sabem se mais alguém do nosso lado
sobrou?
– Pelo menos não que eu tenha visto. Num momento vigiá-
vamos os corredores e arredores e no outro estávamos
atirando contra nossos próprios parceiros.
– E os chefes de estado?
– Não sei, não os vimos desde que se trancaram num dos
gabinetes.
– Ainda devem estar vivos, eles não perderiam a chance de
fazer estardalhaço... com a morte daquelas pessoas eles
conquistam o mundo – diz Raven.
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– Comandante – Lince começa a sorrir. – Tem alguma coi-
sa muito estranha acontecendo aqui – ele adquire um tom
mais sério. – Estamos há uns quinze minutos do bombar-
deio, mas os igualistas ainda estão aqui.
– Eles também são suicidas – um dos soldados de Abel res-
ponde.
– Pode até ser, mas mesmo assim não faz sentido. Edimbur-
go foi bombardeada na madrugada e Belfast nos avisou do
ataque há pouco tempo. São mais de cinco horas entre o
ataque e o aviso, sendo que o voo de Edimburgo a Lon-
dres duraria pouco mais de uma hora. Devíamos ter sido
bombardeados antes do sol nascer.
– É claro! – chuto um montinho de neve. – Belfast já pode-
ria estar corrompida naquele momento – começo a rir
quando entendo o truque.
“Comandante?”, Abel inclina sua cabeça.
– Caímos muito bem na armadilha deles, vocês não enten-
deram? A primeira coisa que faríamos seria evacuar Lon-
dres, e acabamos de fazer isso. Juntamos todos os civis
num só lugar... prontos para o abate em massa. Enviamos
soldados nos trens para Newport, enfraquecendo ainda
mais as forças na cidade.
– Ou colocando os carrascos junto com os civis – comple-
menta Raven.
Nossa próxima decisão é óbvia: Buckingham. Eu e Lince recebe-
mos de Abel e um de seus companheiros duas facas; uso uma tira
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da barra da minha calça para prender a faca na ponta do meu bas-
tão de ferro e continuamos a descida para o palácio. Quando che-
gamos nas beiradas do St. James Park nos escondemos atrás de
carros sucateados enquanto observamos dois soldados sentados
nos entulhos do que foi o Victoria Memorial, as medalhas doura-
das estão penduradas em seus pescoços.
“Acertá-los daqui vai chamar atenção”, Raven sussurra. Desamar-
ro a faca do meu bastão e digo que não precisaremos de projéteis
barulhentos.
– Como está sua mira, Lince? – pergunto.
– Em dias.
Nós dois nos arrastamos agachados por detrás dos carros. Ao nos
aproximarmos da beira da rua, quase a ponto de sermos vistos,
sacamos nossas facas e levantamos em um único impulso. Os sol-
dados reagem à nossa presença levando as mãos aos coldres, mas
nossas facas saltam de nossas mãos muito mais rápidas.
A faca de Lince é certeira em seu caminho até o olho de um deles,
mas a minha se encrava no ombro do outro soldado. Um segundo
me resta para improvisar algum ataque que o impeça de atirar em
nós, denunciando nossa chegada.
Quando sua mão pucha a arma vejo Lince se lançar num pulo
quase horizontal, agarrando o soldado de onde estava sentado.
No chão e lutando contra o homem, Lince consegue arrancar dele
sua arma, mas não antes de levar um pesado soco. Depois de levar
uma joelhada no estômago, Lince gira a faca dentro do ombro do
soldado ao mesmo tempo que enfia o cotovelo na boca dele para
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suprimir seu grito.
Numa só puxada a faca está livre e praticamente no mesmo ins-
tante é encravada no pescoço do soldado inimigo.
– Me desculpe, irmão, mas se isso não acontecer você nos
impedirá de salvar o que restou do mundo – Lince se le-
vanta. – Pensei que sua mira também estivesse em dias –
ele sorri.
– Acho que estou ficando velho – respondo. – Ah, não quis
interromper sua luta, ouvi dizer que americanos tem um
orgulho bem forte.
– Talvez um pouco – ele se abaixa e pega a arma do solda-
do. – Foi uma boa briga! – estufando o peito, ele a engati-
lha.
“Impressionante”, Abel e os outros se juntam a nós.
Enquanto pego a arma do primeiro soldado morto o brilho das
medalhas reflete em meus olhos. Retiro-as dos cadáveres e ergo-
as para Abel e seus colegas.
– Vamos pagar na mesma moeda? – ergo a sobrancelha para
eles.
– – – – –
Sentado no antigo trono da realeza, Victor admira seus troféus
humanos ainda impactados pelo corpo de Diedrik estirado no
chão, onde já se formou uma considerável possa de sangue.
“Nesse exato momento nossos aviões estão sob Berlim. Conse-
guem imaginar os gritos, os tetos desabando? A culpa é toda de
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vocês.”
As portas se abrem e soldados entram trazendo reféns: o esqua-
drão de apoio.
– Senhor, encontramos esses soldados tentando invadir o
palácio. Acredito que sejam quem o senhor esperava.
Victor abre um sorriso largo quando encara o comandante. Ele
se levanta do trono e vai até o grupo.
– Então você sobreviveu à explosão? – ele se vira para Ra-
ven, observando sua pele queimada. – Talvez fosse me-
lhor ter morrido.
– Não antes de enfiar uma bala em você – ela responde.
Victor sorri e retira uma faca da cintura, depois raspa sua lâmina
no braço de Raven que está em carne viva. Ela apenas ofega, ja-
mais demonstraria tamanha dor para o inimigo.
Os olhos do comandante se desviam para o corpo do presidente
alemão e por fim aos outros nove sobreviventes chefes de estado.
Numa análise rápida, ele nota que o aparentemente mais forte é
Alek Volkof, de modo que lhe dá uma sutil piscada.
Victor não nota, mas o comandante pisa levemente no pé do sol-
dado que o escolta – Abel, usando uma das medalhas que pega-
ram. Uma fração de segundo depois Abel e seu companheiro er-
guem suas armas, se viram para os outros soldados fiéis ao igua-
lismo e os liquidam.
O comandante dá um forte soco na face de Victor, tonteando-o e
depois parte para cima dele. Abel devolve a metralhadora de Ra-
ven, que passa a vigiar a porta. Lince vai até os chefes de estado,
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conferindo se estão bem e os preparando para fuga.
Os soldados que guardavam a porta do lado de fora resolvem en-
trar, mas logo são abatidos por Raven.
– Comandante, com certeza os outros ouviram o disparo da
metralhadora e logo estarão aqui – avisa ela.
– – – – –
Victor fica com os lábios e o nariz sangrando depois do soco que
o dei. Ouço Raven dizer alguma coisa, mas uma dor fina no meu
abdome acaba tirando toda minha atenção – passo a enxergar so-
mente eu e Victor na sala quando entendo que a dor fina foi cau-
sada pela faca dele entrando em mim.
Uso minha cabeça para golpear a dele, deixando-o desorientado.
Envolvo o cabo da faca e a arranco de mim. “Morra com sua
igualdade!”, digo ao enterrar a faca nas costelas de Victor.
Quando me ergo, Lince arregala os olhos para a minha ferida e o
sangue escorrendo pela minha farda.
– Estou bem! Vamos tirar vocês daqui.
– Tem um blindado no Salão de Baile – Alek me diz.
Estendo uma arma para ele.
– Terá de nos ajudar a sair. A política não enferrujou sua
mira, não é?
– Com certeza não, comandante!
– Raven, você conduz.
Antes que ela possa responder, o som do disparo de três tiros en-
chem a sala. Victor, se arrastando no chão, está com a arma em
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punho.
O soldado amigo de Abel cai de joelhos, o peito perfurado. Antes
que ele possa cair por completo, Raven já metralhou Victor de
alto a baixo.
Deixamos o Salão do Trono e seguimos pelos corredores. Eu,
Lince, Abel e Raven nos esforçamos ao máximo para proteger os
políticos, que caminham aninhados e encurvados. Não nos im-
portamos com o barulho de nossos passos rápidos.
– Você está bem? – me pergunta Abel.
– Sim, foi um corte superficial.
Assim que fecho a boca, sinto o queimor penetrando meu ombro
direito – uma bala, cujo soldado responsável é logo abatido, mas
não por nós e sim pelo último soldado de Abel, que havia ficado
para contatar Ethan usando os rádios dos primeiros igualistas que
matamos.
– Soldado! Conseguiu falar com Ethan?
– Sim, Kensigntom foi tomada, mas não caiu antes de lutar
e vários dos soldados deles foram mortos. O grupo de
Ethan recuperou o avião e está nos esperando.
– Ótimo!
Passo minha arma para Abel e continuamos. Assim que atraves-
samos o Salão Azul e entramos na Sala de Jantar, já olhando para
dentro do Salão de Baile, sai de dentro dele uma fileira de dez
igualistas com armas prontas, apontadas em nós. Recuamos ins-
tantes antes de sermos alvejados. Nos escondemos voltando para
o Salão Azul.
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Raven e os outros ainda tentam revidar, mas competir com dez
armas atirando constantemente contra nós não dá muitos resulta-
dos.
– Vamos morrer aqui! – a primeira ministra do Reino Uni-
do, da qual me foge o nome, começa a gritar.
A fileira avança impetuosamente, não parando de disparar nem
sequer por um segundo. Três deles nós conseguimos derrubar.
– Sem munição! – anuncia Raven.
– Sem munição! – Lince também dá seu aviso.
Olho para Abel e seu amigo. A arma que eu havia passado para
Abel também se esvazia.
– Sem munição! – Volkof também grita, o que o faz ter um
momento de descuido, se tornando alvo entregue aos ini-
migos. Sua morte só não é consumada porque o compa-
nheiro de Abel , em ato abnegado, coloca-se no caminho
do tiro.
Alek ainda tenta puxá-lo para fora da linha de confronto, porém
mais projéteis perfuram o soldado, dando-lhe fim.
Só resta Abel com seus últimos tiros. Os igualistas estão no meio
da Sala de Jantar e quando perceberem que não temos mais como
revidar, correrão até nós.
Abel pucha a gatilho mas não há disparo.
Ouvimos os passos pesados da fileira se aproximando de nós, es-
banjando tiros.
No mesmo instante, somos jogados para os lados quando a Sala
de Jantar explode, sendo envolvida por uma bola de fogo e esti-
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lhaços.
Levanto, sacudindo a poeira e vejo aparecer no meio da fumaça
Ethan e os outros soldados que estavam com ele.
– Achei que precisavam de ajuda – diz ele.
– Na hora certa! Como chegou aqui?
– Encontrei uma sucata.
Levantamos e corremos até o blindado. Lince já pula para a dire-
ção enquanto Raven e Abel ajudam os políticos subirem no veícu-
lo. Partimos a toda velocidade para a Birdcage Walk, onde encon-
tramos a sucata de Ethan – o avião-jato que estava em Kensign-
tom.
Enquanto os motores adquirem potência, vejo alguém despen-
cando no chão.
– – – – –
Assim que nos recostamos nos bancos do blindado, noto Viorica
com a mão sobre a barriga, esboçando um olhar perdido. Pareço
perder todos os sentidos quando vejo sangue em sua mão.
– Viorica?! – coloco as mãos em seus ombros.
– Acho que não escapei, no final das contas, Alek.
Olho para seu abdome e encontro uma perfuração de bala, pouco
abaixo do estômago.
– Aquela fileira acabou me acertando enquanto tentávamos
fugir.
Olho para os lados. Todos estão chocados o bastante para não
notarem que ela está ferida. Quando percebo já chegamos ao avi-
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ão. Assim que embarcamos, Viorica não aguenta mais e se deita
no chão, um tanto quanto se despencando. Aparo-a com um abra-
ço gentil e me sento ao seu lado.
– Você vai conseguir! Logo chegaremos no continente.
Ela deslisa a mão pela minha face. Seus olhos estão se fechando.
– Viorica, por favor, eu queria muito ouvir o final do dis-
curso que estava fazendo quando fomos interrompidos
hoje mais cedo. Você dizia que acreditava numa solução
para salvar nosso mundo. Qual é a solução, Viorica? No
que você acredita?
Ela começa a dizer numa voz que vai se enfraquecendo:
– Resumimos nossos governos para acabar com a burocra-
cia... reuniões como aquelas são burocráticas e não de-
viam acontecer. Acredito na união, Alek. Acredito que to-
dos nós devemos nos unir, não como países ou políticos,
mas como seres de uma raça que está por um fio.
– Eu concordo, eu concordo – meus olhos se esquentam.
Algum soldado se agacha ao nosso lado trazendo uma maleta de
primeiros socorros. Assim que ele toca na ferida, Viorica cerra os
dentes por causa da dor.
– Você pode cuidar do meu povo? – uma lágrima escorre
dos olhos dela.
– Claro! É claro...
Ela fecha os olhos. Chamo por seu nome, mas não há resposta.
Desliso a mão por seu rosto, mas não há qualquer contração mus-
cular. O soldado checa seus sinais vitais, mas não vejo qualquer fé
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em seus olhos.
– Sinto muito – diz ele. – Não há mais nada que possamos
fazer.
Dou um beijo na testa dela e me recosto na lataria do avião. To-
dos os chefes de estado estão em silêncio, observando-nos. Somos
agora os últimos oito líderes mundiais que lutam contra o Igualis-
mo. Somos o que sobrou. Os que devem se juntar como derrota-
dos em busca da obrigatória última vitória.
“Comandante, estamos recebendo mensagens”, ouço a voz da-
quele jovem soldado que parece ter assumido o posto de co-pilo-
to. “Repasse”, diz o comandante.
“Londres, aqui é a base de Paris. Estamos no escuro sobre o que
aconteceu aí, se houver alguém na escuta, por favor nos informe
da situação. Há alguns minutos a Alemanha foi invadida e Berlim
destruída por detonação nuclear, aquelas fronteiras agora estão
em poder da Nação Igualista. Newport foi atacada há poucos mi-
nutos... não sobrou ninguém. Ainda temos esperança de que os
chefes de estado estejam vivos. Por favor, se alguém ouvir, entre
em contato. Estaremos sempre na escuta.”
– Lince, grave,por favor – o comandante dá a ordem. – Pa-
ris, aqui é Londres. Protocolo 66 executado. Os políticos
estão seguros, mas perdemos o Reino Unido. Pousaremos
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Sobreviventes reunidos para última batalha em Londres

  • 3. http://www.trilogiaosrenegados.blogspot.com.br/ Somos o que sobrou. Os que devem se juntar como derrotados em busca da obrigatória última vitória.
  • 5. http://www.trilogiaosrenegados.blogspot.com.br/ A Batalha da Londres A Decisão Lince, Raven e eu caminhamos entre as árvores desfolhadas e de galhos congelados do St. James Park – o lugar passou por um am- plo replantio alguns anos antes, numa tentativa de simbolizar al- guma coisa boa que estava sendo feita pelo “meio-ambiente”. Quando a guerra chegou na cidade, as árvores acabaram se mistu- rando às barricadas de concreto e carros abandonados que vira- ram sucatas. Lince e eu vasculhamos alguns dos veículos enferrujados à pro- cura de qualquer coisa que possamos usar como arma. Raven mostra-se sempre atenta, ignorando as fortes dores das queima- duras. – Por que chamam de “Protocolo 66”? – pergunta Lince en- quanto abre vagarosamente a porta de um pequeno cami- nhão. – 66 da Era Comum, quando os romanos sitiaram Jerusa- lém. Os cristãos fugiram deixando tudo para trás sem nem pensar duas vezes em largar suas casas, parentes, amigos judeus e qualquer bem que possuíam – respondo. – E porque todos não deixaram a cidade? – Eles acreditavam que seus exércitos poderiam conter os inimigos, e claro, como qualquer ser humano, imagina-
  • 6. http://www.trilogiaosrenegados.blogspot.com.br/ vam que uma grande destruição jamais aconteceria, sim- plesmente continuaram levando suas vidas. – E a destruição veio? – Quatro anos depois os romanos destruíram tudo. Foi uma carnificina, assim como os igualistas estão fazendo. Lince suprime um grito empolgado que se forma em sua gargan- ta quando encontra um objeto que logo se torna uma arma útil. – Nunca vi alguém tão feliz com um pé de cabra – Raven desvia sua atenção para o jovem. – Com esse pé de cabra nós expulsaremos nossos romanos! – diz ele com vigor. Eu não demoro encontrar uma barra de ferro maciço e continua- mos a caminhada em direção a Buckingham. – – – – – “Acho que esta sala servirá”,Victor expira em exaltação quando entram na Sala do Trono. Todo o explendor da sala foi retirado assim que a monarquia deixou de existir; o carpete vermelho se encontra aos pedaços e os detalhes de ouro das imponentes colu- nas não existem mais – em grande parte sumiram pelas mãos de saqueadores. – Fiquem à vontade! Os soldados de escolta se afastam do grupo de líderes políticos. – Senhores, animação! A guerra vai acabar hoje e vocês fa- rão parte disso! Ele caminha na frente da fileira, mirando as faces incorruptíveis
  • 7. http://www.trilogiaosrenegados.blogspot.com.br/ dos chefes de estado. – Querem saber? Tenho um jogo que pode nos animar. Nessa manhã eu recebi uma oferta alguns minutos antes de revelarmos nossa infiltração – ele para de andar e se vira para a fileira. – O próprio Grande Igualista me ligou, disse que eu poderia escolher um de vocês para executar. Pode ser um teste para mim, o Grande Igualista deve que- rer ver do que sou capaz, pode estar determinando o meu futuro no pós-guerra... só sei que é algo que eu não posso deixar passar, é claro! Seus olhos percorrem os dez representantes, mas antes que possa dizer algo, um de seus soldados se aproxima e diz, beirando seu ouvido, que os soldados inimigos foram completamente vencidos no palácio. Victor pede para que ele coordene uma patrulha nos arredores. – Negócios! – Victor diz aos sequestrados. – Preparem-se, um de vocês não verá o dia acabar. – É melhor perder o pôr do sol do que vê-lo em seu país! Comece por mim. Em passos firmes Victor se coloca de frente a Viorica, aproxi- mando seu corpo ao dela a ponto dela sentir sua respiração quen- te e com um leve odor de vodka. – Você será mesmo um grande desperdício! Inteligente, co- rajosa e bela, além de tudo. Se tivesse aceitado a igualdade antes... se tivesse aceitado! – usando a ponta de sua arma, ele afasta uma mecha dos cabelos negros que caíram na
  • 8. http://www.trilogiaosrenegados.blogspot.com.br/ frente da testa de Viorica. – Está mesmo decidida a sacri- ficar a Romênia? – Você mesmo disse que logo todos nós estaremos mortos em algum ritual macabro do seu Grande Igualista. Vence- ram a guerra. Victor se aproxima ainda mais, deixando a ponta de seu nariz a menos de dois centímetros do nariz dela. – Não fazemos rituais, nossa missão é mostrar a igualdade ao mundo. Igualdade é amor. Vários poetas, pensadores e cientistas tentaram explicar o que é o amor, mas nunca encontraram uma definição de inteireza para essa palavra, para esse sentimento. Como você define o amor? Viorica fica em silêncio, tentando se recuar do hálito quente de Victor. – Esse sentimento, essa coisa, esse algo imaterial que cha- mamos de “amor” é simplesmente uma força poderosa que não pode se extinguir por completo. Restará uma pe- quena fração dele no ser humano mais imundo e violento. É essa força que nos faz tomar decisões desafiadoras, lutar pela igualdade. Essa força move minha nação, move meu exército, move o gatilho da minha arma. É nesse ponto em que nossas políticas se diferem, enquanto vocês bus- cam simplesmente por uma solução, nós buscamos pela igualdade, que por fim, é a solução que vocês mesmos procuram, mas são cegos demais para ver – ele se afasta de Viorica. – O sistema igualista é a expressão política do
  • 9. http://www.trilogiaosrenegados.blogspot.com.br/ amor. E sim, senhorita Viorica, eu a mataria agora se a Romênia fosse nosso alvo prioritário. Os olhos dele se perdem por alguns instantes em Alek,observan- do sua pele avermelhada e um suor fino se escorrendo pelas têm- poras. Victor sorri sutilmente. – Fique tranquilo, Alek, eu não vou matá-la agora. Talvez te executemos primeiro para que não precise vê-la morrer. Russos! – ele debocha. – Não sabem esconder os senti- mentos quando se tratam de uma mulher. Victor dá alguns passos para a direita e pucha Diedrik Rot para fora da fileira, fazendo-o cair de joelhos em seguida. “A Alemanha será a primeira de nossas últimas conquistas”. O presidente cai de rosto no chão quando a bala perfura seu crânio. – – – – – De relance vejo Raven levantando a mão num gesto que faz nos- so trio parar de andar. Ela olha para mim e indica com o olhar um lugar á frente, por fim ela toca a orelha – um sinal para dizer que ouviu algo naquela direção. Lince está com o pé de cabra em posição de ataque. Percebo um movimento à minha esquerda – um pisar mal plane- jado que acaba esmigalhando a neve com muito ruído. Não é tão fácil se manter escondido num cenário branco como esse, quem está nos seguindo talvez não seja tão bem treinado para esse am- biente. Começo a dobrar os joelhos lentamente, instintivamente Lince e
  • 10. http://www.trilogiaosrenegados.blogspot.com.br/ Ravem me imitam, mas antes que o primeiro segundo do movi- mento se passe, três soldados saem de detrás de alguns carros. – Parados! – um deles grita, enquanto todos miram em nós suas armas. Instantes depois um dos soldados que ficou em silêncio meneia a cabeça e abaixa sua arma, confundindo seus companheiros – o que gritou conosco faz até um movimento duvidoso desviando sua arma de nós para o colega. – Abel, eles não tem medalhas – diz o homem. O chamado Abel leva em conta a observação do amigo e nos manda abaixar, retirar as jaquetas e exibir os pescoços. O pouco tempo exposto ao frio faz com que Lince comece a tremer. – Nos desculpem, pensamos que eram igualistas. Sou Abel Lênin, guarda do palácio. Vocês são do esquadrão de apoio? – Sim – respondo. – Sabem se mais alguém do nosso lado sobrou? – Pelo menos não que eu tenha visto. Num momento vigiá- vamos os corredores e arredores e no outro estávamos atirando contra nossos próprios parceiros. – E os chefes de estado? – Não sei, não os vimos desde que se trancaram num dos gabinetes. – Ainda devem estar vivos, eles não perderiam a chance de fazer estardalhaço... com a morte daquelas pessoas eles conquistam o mundo – diz Raven.
  • 11. http://www.trilogiaosrenegados.blogspot.com.br/ – Comandante – Lince começa a sorrir. – Tem alguma coi- sa muito estranha acontecendo aqui – ele adquire um tom mais sério. – Estamos há uns quinze minutos do bombar- deio, mas os igualistas ainda estão aqui. – Eles também são suicidas – um dos soldados de Abel res- ponde. – Pode até ser, mas mesmo assim não faz sentido. Edimbur- go foi bombardeada na madrugada e Belfast nos avisou do ataque há pouco tempo. São mais de cinco horas entre o ataque e o aviso, sendo que o voo de Edimburgo a Lon- dres duraria pouco mais de uma hora. Devíamos ter sido bombardeados antes do sol nascer. – É claro! – chuto um montinho de neve. – Belfast já pode- ria estar corrompida naquele momento – começo a rir quando entendo o truque. “Comandante?”, Abel inclina sua cabeça. – Caímos muito bem na armadilha deles, vocês não enten- deram? A primeira coisa que faríamos seria evacuar Lon- dres, e acabamos de fazer isso. Juntamos todos os civis num só lugar... prontos para o abate em massa. Enviamos soldados nos trens para Newport, enfraquecendo ainda mais as forças na cidade. – Ou colocando os carrascos junto com os civis – comple- menta Raven. Nossa próxima decisão é óbvia: Buckingham. Eu e Lince recebe- mos de Abel e um de seus companheiros duas facas; uso uma tira
  • 12. http://www.trilogiaosrenegados.blogspot.com.br/ da barra da minha calça para prender a faca na ponta do meu bas- tão de ferro e continuamos a descida para o palácio. Quando che- gamos nas beiradas do St. James Park nos escondemos atrás de carros sucateados enquanto observamos dois soldados sentados nos entulhos do que foi o Victoria Memorial, as medalhas doura- das estão penduradas em seus pescoços. “Acertá-los daqui vai chamar atenção”, Raven sussurra. Desamar- ro a faca do meu bastão e digo que não precisaremos de projéteis barulhentos. – Como está sua mira, Lince? – pergunto. – Em dias. Nós dois nos arrastamos agachados por detrás dos carros. Ao nos aproximarmos da beira da rua, quase a ponto de sermos vistos, sacamos nossas facas e levantamos em um único impulso. Os sol- dados reagem à nossa presença levando as mãos aos coldres, mas nossas facas saltam de nossas mãos muito mais rápidas. A faca de Lince é certeira em seu caminho até o olho de um deles, mas a minha se encrava no ombro do outro soldado. Um segundo me resta para improvisar algum ataque que o impeça de atirar em nós, denunciando nossa chegada. Quando sua mão pucha a arma vejo Lince se lançar num pulo quase horizontal, agarrando o soldado de onde estava sentado. No chão e lutando contra o homem, Lince consegue arrancar dele sua arma, mas não antes de levar um pesado soco. Depois de levar uma joelhada no estômago, Lince gira a faca dentro do ombro do soldado ao mesmo tempo que enfia o cotovelo na boca dele para
  • 13. http://www.trilogiaosrenegados.blogspot.com.br/ suprimir seu grito. Numa só puxada a faca está livre e praticamente no mesmo ins- tante é encravada no pescoço do soldado inimigo. – Me desculpe, irmão, mas se isso não acontecer você nos impedirá de salvar o que restou do mundo – Lince se le- vanta. – Pensei que sua mira também estivesse em dias – ele sorri. – Acho que estou ficando velho – respondo. – Ah, não quis interromper sua luta, ouvi dizer que americanos tem um orgulho bem forte. – Talvez um pouco – ele se abaixa e pega a arma do solda- do. – Foi uma boa briga! – estufando o peito, ele a engati- lha. “Impressionante”, Abel e os outros se juntam a nós. Enquanto pego a arma do primeiro soldado morto o brilho das medalhas reflete em meus olhos. Retiro-as dos cadáveres e ergo- as para Abel e seus colegas. – Vamos pagar na mesma moeda? – ergo a sobrancelha para eles. – – – – – Sentado no antigo trono da realeza, Victor admira seus troféus humanos ainda impactados pelo corpo de Diedrik estirado no chão, onde já se formou uma considerável possa de sangue. “Nesse exato momento nossos aviões estão sob Berlim. Conse- guem imaginar os gritos, os tetos desabando? A culpa é toda de
  • 14. http://www.trilogiaosrenegados.blogspot.com.br/ vocês.” As portas se abrem e soldados entram trazendo reféns: o esqua- drão de apoio. – Senhor, encontramos esses soldados tentando invadir o palácio. Acredito que sejam quem o senhor esperava. Victor abre um sorriso largo quando encara o comandante. Ele se levanta do trono e vai até o grupo. – Então você sobreviveu à explosão? – ele se vira para Ra- ven, observando sua pele queimada. – Talvez fosse me- lhor ter morrido. – Não antes de enfiar uma bala em você – ela responde. Victor sorri e retira uma faca da cintura, depois raspa sua lâmina no braço de Raven que está em carne viva. Ela apenas ofega, ja- mais demonstraria tamanha dor para o inimigo. Os olhos do comandante se desviam para o corpo do presidente alemão e por fim aos outros nove sobreviventes chefes de estado. Numa análise rápida, ele nota que o aparentemente mais forte é Alek Volkof, de modo que lhe dá uma sutil piscada. Victor não nota, mas o comandante pisa levemente no pé do sol- dado que o escolta – Abel, usando uma das medalhas que pega- ram. Uma fração de segundo depois Abel e seu companheiro er- guem suas armas, se viram para os outros soldados fiéis ao igua- lismo e os liquidam. O comandante dá um forte soco na face de Victor, tonteando-o e depois parte para cima dele. Abel devolve a metralhadora de Ra- ven, que passa a vigiar a porta. Lince vai até os chefes de estado,
  • 15. http://www.trilogiaosrenegados.blogspot.com.br/ conferindo se estão bem e os preparando para fuga. Os soldados que guardavam a porta do lado de fora resolvem en- trar, mas logo são abatidos por Raven. – Comandante, com certeza os outros ouviram o disparo da metralhadora e logo estarão aqui – avisa ela. – – – – – Victor fica com os lábios e o nariz sangrando depois do soco que o dei. Ouço Raven dizer alguma coisa, mas uma dor fina no meu abdome acaba tirando toda minha atenção – passo a enxergar so- mente eu e Victor na sala quando entendo que a dor fina foi cau- sada pela faca dele entrando em mim. Uso minha cabeça para golpear a dele, deixando-o desorientado. Envolvo o cabo da faca e a arranco de mim. “Morra com sua igualdade!”, digo ao enterrar a faca nas costelas de Victor. Quando me ergo, Lince arregala os olhos para a minha ferida e o sangue escorrendo pela minha farda. – Estou bem! Vamos tirar vocês daqui. – Tem um blindado no Salão de Baile – Alek me diz. Estendo uma arma para ele. – Terá de nos ajudar a sair. A política não enferrujou sua mira, não é? – Com certeza não, comandante! – Raven, você conduz. Antes que ela possa responder, o som do disparo de três tiros en- chem a sala. Victor, se arrastando no chão, está com a arma em
  • 16. http://www.trilogiaosrenegados.blogspot.com.br/ punho. O soldado amigo de Abel cai de joelhos, o peito perfurado. Antes que ele possa cair por completo, Raven já metralhou Victor de alto a baixo. Deixamos o Salão do Trono e seguimos pelos corredores. Eu, Lince, Abel e Raven nos esforçamos ao máximo para proteger os políticos, que caminham aninhados e encurvados. Não nos im- portamos com o barulho de nossos passos rápidos. – Você está bem? – me pergunta Abel. – Sim, foi um corte superficial. Assim que fecho a boca, sinto o queimor penetrando meu ombro direito – uma bala, cujo soldado responsável é logo abatido, mas não por nós e sim pelo último soldado de Abel, que havia ficado para contatar Ethan usando os rádios dos primeiros igualistas que matamos. – Soldado! Conseguiu falar com Ethan? – Sim, Kensigntom foi tomada, mas não caiu antes de lutar e vários dos soldados deles foram mortos. O grupo de Ethan recuperou o avião e está nos esperando. – Ótimo! Passo minha arma para Abel e continuamos. Assim que atraves- samos o Salão Azul e entramos na Sala de Jantar, já olhando para dentro do Salão de Baile, sai de dentro dele uma fileira de dez igualistas com armas prontas, apontadas em nós. Recuamos ins- tantes antes de sermos alvejados. Nos escondemos voltando para o Salão Azul.
  • 17. http://www.trilogiaosrenegados.blogspot.com.br/ Raven e os outros ainda tentam revidar, mas competir com dez armas atirando constantemente contra nós não dá muitos resulta- dos. – Vamos morrer aqui! – a primeira ministra do Reino Uni- do, da qual me foge o nome, começa a gritar. A fileira avança impetuosamente, não parando de disparar nem sequer por um segundo. Três deles nós conseguimos derrubar. – Sem munição! – anuncia Raven. – Sem munição! – Lince também dá seu aviso. Olho para Abel e seu amigo. A arma que eu havia passado para Abel também se esvazia. – Sem munição! – Volkof também grita, o que o faz ter um momento de descuido, se tornando alvo entregue aos ini- migos. Sua morte só não é consumada porque o compa- nheiro de Abel , em ato abnegado, coloca-se no caminho do tiro. Alek ainda tenta puxá-lo para fora da linha de confronto, porém mais projéteis perfuram o soldado, dando-lhe fim. Só resta Abel com seus últimos tiros. Os igualistas estão no meio da Sala de Jantar e quando perceberem que não temos mais como revidar, correrão até nós. Abel pucha a gatilho mas não há disparo. Ouvimos os passos pesados da fileira se aproximando de nós, es- banjando tiros. No mesmo instante, somos jogados para os lados quando a Sala de Jantar explode, sendo envolvida por uma bola de fogo e esti-
  • 18. http://www.trilogiaosrenegados.blogspot.com.br/ lhaços. Levanto, sacudindo a poeira e vejo aparecer no meio da fumaça Ethan e os outros soldados que estavam com ele. – Achei que precisavam de ajuda – diz ele. – Na hora certa! Como chegou aqui? – Encontrei uma sucata. Levantamos e corremos até o blindado. Lince já pula para a dire- ção enquanto Raven e Abel ajudam os políticos subirem no veícu- lo. Partimos a toda velocidade para a Birdcage Walk, onde encon- tramos a sucata de Ethan – o avião-jato que estava em Kensign- tom. Enquanto os motores adquirem potência, vejo alguém despen- cando no chão. – – – – – Assim que nos recostamos nos bancos do blindado, noto Viorica com a mão sobre a barriga, esboçando um olhar perdido. Pareço perder todos os sentidos quando vejo sangue em sua mão. – Viorica?! – coloco as mãos em seus ombros. – Acho que não escapei, no final das contas, Alek. Olho para seu abdome e encontro uma perfuração de bala, pouco abaixo do estômago. – Aquela fileira acabou me acertando enquanto tentávamos fugir. Olho para os lados. Todos estão chocados o bastante para não notarem que ela está ferida. Quando percebo já chegamos ao avi-
  • 19. http://www.trilogiaosrenegados.blogspot.com.br/ ão. Assim que embarcamos, Viorica não aguenta mais e se deita no chão, um tanto quanto se despencando. Aparo-a com um abra- ço gentil e me sento ao seu lado. – Você vai conseguir! Logo chegaremos no continente. Ela deslisa a mão pela minha face. Seus olhos estão se fechando. – Viorica, por favor, eu queria muito ouvir o final do dis- curso que estava fazendo quando fomos interrompidos hoje mais cedo. Você dizia que acreditava numa solução para salvar nosso mundo. Qual é a solução, Viorica? No que você acredita? Ela começa a dizer numa voz que vai se enfraquecendo: – Resumimos nossos governos para acabar com a burocra- cia... reuniões como aquelas são burocráticas e não de- viam acontecer. Acredito na união, Alek. Acredito que to- dos nós devemos nos unir, não como países ou políticos, mas como seres de uma raça que está por um fio. – Eu concordo, eu concordo – meus olhos se esquentam. Algum soldado se agacha ao nosso lado trazendo uma maleta de primeiros socorros. Assim que ele toca na ferida, Viorica cerra os dentes por causa da dor. – Você pode cuidar do meu povo? – uma lágrima escorre dos olhos dela. – Claro! É claro... Ela fecha os olhos. Chamo por seu nome, mas não há resposta. Desliso a mão por seu rosto, mas não há qualquer contração mus- cular. O soldado checa seus sinais vitais, mas não vejo qualquer fé
  • 20. http://www.trilogiaosrenegados.blogspot.com.br/ em seus olhos. – Sinto muito – diz ele. – Não há mais nada que possamos fazer. Dou um beijo na testa dela e me recosto na lataria do avião. To- dos os chefes de estado estão em silêncio, observando-nos. Somos agora os últimos oito líderes mundiais que lutam contra o Igualis- mo. Somos o que sobrou. Os que devem se juntar como derrota- dos em busca da obrigatória última vitória. “Comandante, estamos recebendo mensagens”, ouço a voz da- quele jovem soldado que parece ter assumido o posto de co-pilo- to. “Repasse”, diz o comandante. “Londres, aqui é a base de Paris. Estamos no escuro sobre o que aconteceu aí, se houver alguém na escuta, por favor nos informe da situação. Há alguns minutos a Alemanha foi invadida e Berlim destruída por detonação nuclear, aquelas fronteiras agora estão em poder da Nação Igualista. Newport foi atacada há poucos mi- nutos... não sobrou ninguém. Ainda temos esperança de que os chefes de estado estejam vivos. Por favor, se alguém ouvir, entre em contato. Estaremos sempre na escuta.” – Lince, grave,por favor – o comandante dá a ordem. – Pa- ris, aqui é Londres. Protocolo 66 executado. Os políticos estão seguros, mas perdemos o Reino Unido. Pousaremos em sua base em uma hora. Sou o comandante Nathan Grey, levando sobreviventes, feridos e baixas. Se ouvirem, respondam. Estaremos sempre vigiando.