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Fechados em um dos gabinetes do palácio de Buckingham, os dez
mais influentes chefes de estado colocavam em pauta as medidas
políticas e as táticas de guerra para o novo mundo que havia se
formado diante deles na mesma velocidade de um piscar de olhos
e continuava a se construir nas convulsões das fileiras de comba-
te.
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A Batalha de Londres
parte 2
“Vivemos nas ruínas dos nossos avôs, senhor presidente. Só con-
sigo enxergar em sua proposta o fim de qualquer independência
que ainda reste. Só vai resultar na centralização do poder, como o
que acontece entre nossos inimigos”, o presidente Russo-Asiático
refuta com seu sotaque marcante.
– O senhor mesmo fundiu sua nação com a Ásia, senhor
Volkof, não entendo porque impõe-se à proposta do se-
nhor Sartori – diz Viorica, representante da Romênia.
– Foi somente com o norte asiático, o que sobrou. Fiz isso
para que aquele povo não morresse depois dos Igualistas
arrasarem com suas cidades. Não se pode comparar com a
fusão de todos os nossos países.
– O senhor mesmo disse que vivemos em ruínas, devemos
construir algo novo, então. Quando absorvemos o resto
da França, salvamos muitas vidas, e é isso o que vai acon-
tecer caso sigamos o plano de Sartori – diz Diedrik Rot,
presidente alemão.
– Volkof também disse que isso é o mesmo que nossos ini-
migos fizeram – a ministra pública Greta, da União Árti-
ca, se manifesta. – Eu entendo plenamente o motivo da
proposta de Sartori, afinal a Suécia, Finlândia e Noruega
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se tornaram uma só nação para se fortificarem. Foi uma
decisão tomada em consentimento mútuo. Unir três paí-
ses teve suas consequências, embora não nos arrependa-
mos, mas estamos falando das dez nações maiores e eu
concordo com Alek Volkof quando disse que seria centra-
lização de poder.
– Seriam dois presidentes no mundo, colocaríamos a guerra
e o destino da humanidade nas costas dessas duas pessoas
e isso não é moralmente correto, há milhões de pessoas lá
fora acostumadas com votos civis, poderíamos causar no-
vas revoltas sociais – diz Dalton, presidente da Geórgia.
– Revoltas sociais? O povo está com medo de ser vaporiza-
do por algum ataque nuclear! – contesta Ramon Castro,
primeiro ministro da Espanha. – Eles precisam de uma
solução real e acredito que a união é a melhor resposta.
– União, e não unificação – rebate Tigran, primeiro civil da
Armênia. – Meu país faz divisa com a Nação Igualista,
imagino que se nos tornássemos uma só nação, a porta de
entrada dos exércitos deles seria o território da Armênia.
– Considere então a Russo-Ásia, senhor primeiro civil. Nós
não temos qualquer divisa com o resto do que seria essa
nova nação proposta por Sartori. Seríamos um território
isolado, um alvo para afastar os Igualistas do pedaço prin-
cipal, já que metade da Rússia é deles agora?
– Acredito que todos aqui interpretaram a ideia de Sartori,
mas não a entenderam. Não precisamos formar uma só
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nação, ou tornar alguém o único presidente contra os
Igualistas. Faríamos uma coalizão, uma cúpula, agiríamos
como um só governo, mas mantendo nossas independên-
cias – Heidi Acker, do Reino Unido, se pronuncia.
– Está propondo a recriação da ONU, primeira ministra?
Não se lembra que foi ela a dar os primeiros tiros dessa
guerra?
– Não, senhor Volkof, não foi isso que eu disse. O povo
precisa de alguma esperança, e ela tem de vir dessa sala, o
mais rápido possível! É excelente que continuemos a
compartilhar soldados e nos unir em frentes de batalha,
mas o que fazemos pelos civis? O que eles estão vendo
além de destruição e morte? Precisam sentir que estamos
trabalhando juntos, precisamos ganhar nosso povo para
ganharmos essa guerra!
– Quer ganhar nosso povo, primeira ministra? Então quei-
me os Igualistas assim como eles fazem conosco! Enquan-
to não tivermos a coragem que eles tem para explodir ogi-
vas nucleares, continuaremos perdendo soldados e civis.
– Quando detonarmos a primeira bomba nuclear, senhor
Alek, enviaremos a mensagem que não nos importamos
com mais nada – o presidente da Turquia finalmente se
manifesta. – Os Igualistas se juntaram e acredito que isso
colabora muito mais para a vantagem que levam do que a
coragem que eles tem de detonar ogivas nucleares. Por
isso sou a favor da coalizão, não podemos ficar para trás,
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esperando pelo próximo bombardeio.
O silêncio se torna denso dentro do gabinete. Viorica – um ver-
dadeiro prodígio ao alcançar a liderança de um país quando ain-
da beirava os trinta anos – tenta recuperar a sensatez do debate:
– Senhores, infelizmente só demos voltas nesses três dias de
reunião. Nosso tempo é tão precioso quanto os soldados
que perdemos nesse período. Os mapas geográficos estão
mudando a todo momento... quem sabe o que já aconte-
ceu lá fora enquanto estivemos presos aqui? Vi pontos po-
sitivos no que todos disseram, ideias que devem ser discu-
tidas, mas infelizmente o curto prazo que temos não vai
deixar que tomemos a decisão perfeita. Acredito que a so-
lução...
O grito de uma sirene enche a sala, fazendo com que Viorica olhe
para a janela – ela, assim como todos os outros na sala, sabem o
que significa. Os chefes de estado se levantam e logo um soldado
bate na porta, abrindo-a logo em seguida.
– Excelências, precisamos tirá-los daqui.
– O que está acontecendo? – pergunta Heidi.
– Recebemos uma mensagem do esquadrão de apoio, Ethan
nos disse que há bombardeiros inimigos em direção a
Londres. Edimburgo foi bombardeada nessa madrugada,
ataque nuclear, infelizmente não sobrou nada.
– E as bases em Belfast e Newport?
– Belfast levantou acampamento e está indo para o conti-
nente. Newport está à espera dos refugiados londrinos
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para também partirem.
– Nos levarão para lá? – pergunta Ramon Castro.
– Não senhor, há um avião preparado na base em Kensin-
gton para tirá-los daqui.
– O quê? – Heidi meneia a cabeça. – Soldado, está dizendo
que todos estão partindo?
– Senhora, o Protocolo 66 foi acionado para o Reino Unido.
A primeira ministra se apoia no encosto da cadeira em que estava
sentada.
– Quem acionou? – pergunta ela.
– O comandante do esquadrão de apoio à segurança de vos-
sas excelências, e em colaboração a ele, preciso tirá-los
daqui. Por favor, venham comigo!
– – – – –
Miro Victor enquanto ele aponta sua arma para o meio dos meus
olhos. Devo admitir a sagacidade de sua traição; há seis meses
junto conosco e conseguiu disfarçar qualquer movimento, qual-
quer falha em seu disfarce. Mas uma coisa não pode ser superada:
sou mais forte que ele.
– Ninguém pode impedir o que vai acontecer hoje, coman-
dante. A igualdade vai finalmente existir entre nós.
Num instante em que seus olhos vacilam, agarro sua mão que se-
gura a arma e me levanto, comprimindo Victor contra a lataria do
baú do caminhão, desviando sua arma para fora – de relance vejo
Ethan pulando da cabine de seu caminhão.
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– Rapazes! – diz Victor num tom vigoroso.
Quatro dos outros soldados que estão conosco se levantam, um
deles aponta a arma para Lince, outros dois para os quatro solda-
dos ainda leais e o último mira direto em Ethan, que, em pé na
rua, já estava erguendo sua arma contra Victor.
– Comandante, por favor, não vamos tornar isso num rio
de sangue antes da hora, não é? – a voz de Victor sai en-
gasgada por causa do meu braço comprimindo seu pesco-
ço.
Resisto por alguns segundos, mas o solto.
– Excelente! – ele ajeita o uniforme, puxando para fora do
colarinho um medalha Igualista. – Homens, para fora!
Hoje será um dia incrível e não queremos que percam
nada.
Enquanto descemos do caminhão, ouvimos trios sendo dispara-
dos dentro de um outro. “Continuem caminhando”, diz Victor.
Ele nos alinha no meio da rua, nos colocando de joelhos e mãos
na cabeça.
Mais cinco soldados traidores que estavam no penúltimo cami-
nhão chegam. Um dele diz a Victor:
– Senhor, o motorista abateu um dos nossos, tivemos de
matá-lo.
– Perdas irrelevantes.
De soslaio vejo Raven e seus atiradores com armas prontas, mi-
rando nos inimigos.
– Infelizmente não tenho homens entre seus atiradores, en-
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tão terei de descartá-los.
Victor tira um pequeno dispositivo do bolso e aperta um dos bo-
tões. O calor da explosão do caminhão onde Raven e os outros es-
tavam interrompe por alguns momentos o frio do inverno lon-
drino.
– Sabe qual é a principal diferença entre nós e vocês? – sua
arma fica sempre mirada em minha cabeça. – Não temos
medo de puxar o gatilho. Não temos medo de fazer qual-
quer coisa para salvar o nosso mundo, salvá-lo principal-
mente de pessoas como você e aquele bando de hipócritas
reunidos em Buckingham.
– Acha que isso é lutar pela igualdade? – pergunto.
– Comandante, o senhor não sabe o que é igualdade. Igual-
dade é como uma chama que não pode ser contida, aos
poucos se tornando um incêndio. Por que acha que nosso
mundo declinou e chegou ao ponto em que estamos? A
luta pela igualdade nos fez chegar aqui. A luta pela igual-
dade é o que desvirtua o homem, ao mesmo tempo que o
torna perfeitamente íntegro. E essa luta termina hoje.
Alguns dos soldados dele nos revistam, tirando nossas armas e
aparelhos de comunicação.
– Existem mais pessoas normais no mundo do que Igualis-
tas como você, elas nunca se renderão.
Victor solta uma risada que fica grotesca em sua voz grossa.
– As pessoas lá fora estão com medo porque vocês não pro-
varam a elas que podem protegê-las, que podem guiá-las
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para um novo modo de vida, um em que tudo funcione
como deveria e que elas possam ser felizes de verdade.
– E vocês podem?
– Nós já fizemos isso.
“Senhor, tudo pronto”, um dos soldados diz depois de se comuni-
car em um rádio.
– Nosso tempo com vocês acabou – Victor se aproxima de
mim, deslisando a ponta da arma em minha cabeça. –
Logo o calor da igualdade cairá sobre essa cidade, e tenho
ordens expressas para deixar você e seus homens serem
abraçados por ele. Como eu queria poder colocar uma
bala na sua cabeça! Mas você contemplará as chamas de
um novo mundo, sentirá o fogo que consumirá tudo o
que resta do sistema fracassado que estamos deixando
para trás, comandante!
– Não disse que nossa diferença é sua coragem de puxar o
gatilho? Vá em frente.
Victor guarda a arma no coldre e desce um forte soco em meu
rosto.
– Apenas contemple o futuro, comandante!
Ele e sua matilha entram nos caminhões, mas antes de partirem,
ele diz:
– Não adiante pedir ajuda a Kensington, nós estamos lá
também... deve ter sido um massacre. Não se preocupe
com os refugiados, serão bem-vindos à Nação Igualista.
Não tentem vir atrás de nós, serão alvejados no ato... mas
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é claro que virão, então, até breve, comandante.
Os caminhões partem, descendo a Birdcage Walk.
– Eles vão para Buckingham, executarão todos os chefes de
estado, e aí o mundo será deles.
– Não se pudermos impedir, Lince – Raven, com a roupa e
pele queimada, um dos braços em carne viva, aparece em
nossa frente, tendo sua metralhadora pendurada em um
dos ombros.