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Prólogo
Onde tudo começou...
"O Sol surgia preguiçosamente por trás dos altos picos rochosos,
que se expandiam em alturas titânicas, escondendo o palácio dos visitantes
inoportunos, geralmente viajantes, que buscavam entradas clandestinas
pelo mar. As gigantescas montanhas encaixavam-se perfeitamente no
terreno árido, dando contraste à paisagem desértica e inóspita que as
cercava. O palácio fora construído sobre um dos picos menores.
Todos naquele Reino, assim como em todo o continente,
conheciam a história daquela magnífica estrutura, mas não deixavam de
admirar cada vez que a viam – ainda mais tratando-se de uma construção
feita com tanto zelo. A precisão em cada pilastra, em cada detalhe dos
intrincados desenhos que enfeitavam as tapeçarias, tudo fora
minuciosamente trabalhado em favor da perfeição.
Uma figura solitária encontrava-se parada no jardim repleto de
espécies típicas da região, cuja arquitetura possibilitava um esconderijo dos
ardentes raios de Sol. Era tudo tão exorbitante que desejava nunca mais sair
dali. Tinha, porém, uma importante missão a cumprir, e o dever sempre
vinha em primeiro lugar.
Seus grandes olhos expressivos concentravam-se nas cores ricas
que se expandiam pelo céu juntamente com o Sol – responsável por tornar
todos os dias mais belos naquele mundo. Era uma honra para ela observar
tão exótico e inesperado fenômeno da natureza, pois, de onde vinha, tal
espetáculo não era tão apreciado.
Na verdade, em seu local de origem não havia a oportunidade de
apreciá-lo. Sua raça não tinha contato com o Sol.
Um suspiro fraco escapou de seus lábios, pura melancolia exposta
nas íris radiantes, que demonstrava o quanto desejava ficar ali eternamente,
para apreciar a beleza cercada pelo árido deserto, e o quanto seu coração
ansiava por jamais retornar ao caos que se mostrava sua vida longe
daqueles muros. O curioso era que seres da sua raça deveriam detestar uma
região daquelas, porém sua reação era contrária.
Era um absurdo pensar que a cada dia se sentia mais inclinada a
desacatar as ordens que lhe foram dadas.
Toda vez que tais pensamentos lhe passavam pela cabeça, um
insistente palpitar em sua mente a fazia se lembrar de seu dever. Aquilo
que mais importava em toda a sua vida! Dar-se ao luxo de realizar seus
próprios desejos não fazia parte da vida de alguém como ela. Tinha de
fazer o que lhe fora ordenado, o destino daquele mundo dependia dela – e
de mais três companheiros.
Aproveitando a distração da maioria dos guardas – ela passara
dias observando o horário em que eles trocavam de ronda, e descobrira que
o melhor momento era ao amanhecer –, caminhou incerta pelos corredores
largos do palácio. Conhecia-os bem desde sua última estadia naquele
exótico Reino, na verdade, bem até demais. Ah, se alguém suspeitasse o
quanto tinha se envolvido com aquele lugar... Se alguém de sua família
chegasse a imaginar as histórias que ela guardava em seu âmago, sabia que
sofreria eternamente. Ela tinha consciência das consequências e, por isso,
desejava partir. Um choque na confiança ecoaria longinquamente. Era a
única maneira de quebrar os vínculos deixados ali. Ela precisava fazer isso!
Com uma corrida ligeira e ágil, logo as escadarias de mármore
branco surgiram ao alcance de seus olhos. Ao parar para examinar o local,
não pôde deixar de pensar que aquele era um importante caminho. Ter
realizado aquela viagem dava início à contagem regressiva.
E, surpreendentemente, ao descer as escadarias, seus passos
mostraram-se precisos, pois havia entendido que não podia voltar atrás.
Todo o plano estava correndo bem e, com sorte, fugiria dali sem que
ninguém a atrapalhasse. Principalmente sem que eleaparecesse.
Após um longo lance de degraus, encontrou-se no nível um.
Havia memorizado com facilidade o lugar onde encontraria o alvo de sua
missão, portanto, continuou descendo e só parou ao final, no nível cinco.
Ali, as celas escondiam criaturas temidas, capturadas em sangrentos
combates, e também aquele que tanto procurava. Ao andar entre as celas,
tentou ignorar a aura negra que emanava de cada minúsculo espaço. A
maldade corroía aquelas grades de prata – metal utilizado apenas para
guardar os monstros mais mortíferos – e também o ar ao seu redor, que
estava muito mais denso, como se uma força poderosa estivesse lentamente
se erguendo. E no fundo sabia que tal suposição era verdadeira.
Quando um dos monstros a viu, começou a uivar e urrar, seus
berros guturais ecoavam pelas frias paredes daquele calabouço, o que fez
com que os outros despertassem, e logo o caos estava instalado.
Correu cela por cela até o fim do corredor, e na última delas
encontrou aquele que deveria ser resgatado. Sem as chaves, o processo para
libertá-lo foi mais demorado. Ele, porém, parecia relutante em fugir. Não
conhecia a criatura que o estava salvando. Como confiaria nela? Contudo,
ao ouvir um simples nome ecoando da boca de sua salvadora, percebeu que
estavam do mesmo lado naquela luta – agora deveriam apenas fugir para
que a missão fosse cumprida. Ao menos parte dela.
O problema maior se deu quando terminaram de subir as escadas
de mármore, com os ecos monstruosos acompanhando-os passo a passo.
Parados na única saída daquele calabouço estavam diversos soldados
armados com flechas certeiras – o maior temor dos fugitivos –, as pontas
prateadas reluzindo ao brilho das tochas. Entre eles estava também aquele
que não deveria estar ali. Ela não gostaria de encontrá-lo naquela situação.
E, em seu olhar, pôde ver a mais pura incredulidade.
Havia confiado tanto nela para receber uma apunhalada nas costas
como aquela... Mas ela não tinha tempo para explicações.
A missão era mais importante.
– Deixe-nos passar – pediu ela com firmeza.
– Primeiro deverão passar por nós.
– Temos uma missão a cumprir – retrucou o
resgatado, incrivelmente impaciente. O homem que os bloqueava encarou-
o com asco, não lhe dirigindo a palavra.
– Por quê? – A pergunta se dirigia à traidora, que sentiu seu
coração comprimir-se tamanha tristeza. O olhar do homem que confiara
nela agora era de puro pesar. Mas ela não podia revelar os detalhes daquela
fuga.
– Porque foi necessário. – Ela desembainhou uma espada,
lançando, em seguida, um punhal longo para o ex-detento.
O combate teve início e sua conclusão decidiria parte do futuro de
Warthia."

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  • 2. Onde tudo começou... "O Sol surgia preguiçosamente por trás dos altos picos rochosos, que se expandiam em alturas titânicas, escondendo o palácio dos visitantes inoportunos, geralmente viajantes, que buscavam entradas clandestinas pelo mar. As gigantescas montanhas encaixavam-se perfeitamente no terreno árido, dando contraste à paisagem desértica e inóspita que as cercava. O palácio fora construído sobre um dos picos menores. Todos naquele Reino, assim como em todo o continente, conheciam a história daquela magnífica estrutura, mas não deixavam de admirar cada vez que a viam – ainda mais tratando-se de uma construção feita com tanto zelo. A precisão em cada pilastra, em cada detalhe dos intrincados desenhos que enfeitavam as tapeçarias, tudo fora minuciosamente trabalhado em favor da perfeição. Uma figura solitária encontrava-se parada no jardim repleto de espécies típicas da região, cuja arquitetura possibilitava um esconderijo dos ardentes raios de Sol. Era tudo tão exorbitante que desejava nunca mais sair dali. Tinha, porém, uma importante missão a cumprir, e o dever sempre vinha em primeiro lugar. Seus grandes olhos expressivos concentravam-se nas cores ricas que se expandiam pelo céu juntamente com o Sol – responsável por tornar todos os dias mais belos naquele mundo. Era uma honra para ela observar tão exótico e inesperado fenômeno da natureza, pois, de onde vinha, tal espetáculo não era tão apreciado. Na verdade, em seu local de origem não havia a oportunidade de apreciá-lo. Sua raça não tinha contato com o Sol. Um suspiro fraco escapou de seus lábios, pura melancolia exposta nas íris radiantes, que demonstrava o quanto desejava ficar ali eternamente, para apreciar a beleza cercada pelo árido deserto, e o quanto seu coração
  • 3. ansiava por jamais retornar ao caos que se mostrava sua vida longe daqueles muros. O curioso era que seres da sua raça deveriam detestar uma região daquelas, porém sua reação era contrária. Era um absurdo pensar que a cada dia se sentia mais inclinada a desacatar as ordens que lhe foram dadas. Toda vez que tais pensamentos lhe passavam pela cabeça, um insistente palpitar em sua mente a fazia se lembrar de seu dever. Aquilo que mais importava em toda a sua vida! Dar-se ao luxo de realizar seus próprios desejos não fazia parte da vida de alguém como ela. Tinha de fazer o que lhe fora ordenado, o destino daquele mundo dependia dela – e de mais três companheiros. Aproveitando a distração da maioria dos guardas – ela passara dias observando o horário em que eles trocavam de ronda, e descobrira que o melhor momento era ao amanhecer –, caminhou incerta pelos corredores largos do palácio. Conhecia-os bem desde sua última estadia naquele exótico Reino, na verdade, bem até demais. Ah, se alguém suspeitasse o quanto tinha se envolvido com aquele lugar... Se alguém de sua família chegasse a imaginar as histórias que ela guardava em seu âmago, sabia que sofreria eternamente. Ela tinha consciência das consequências e, por isso, desejava partir. Um choque na confiança ecoaria longinquamente. Era a única maneira de quebrar os vínculos deixados ali. Ela precisava fazer isso! Com uma corrida ligeira e ágil, logo as escadarias de mármore branco surgiram ao alcance de seus olhos. Ao parar para examinar o local, não pôde deixar de pensar que aquele era um importante caminho. Ter realizado aquela viagem dava início à contagem regressiva. E, surpreendentemente, ao descer as escadarias, seus passos mostraram-se precisos, pois havia entendido que não podia voltar atrás. Todo o plano estava correndo bem e, com sorte, fugiria dali sem que ninguém a atrapalhasse. Principalmente sem que eleaparecesse.
  • 4. Após um longo lance de degraus, encontrou-se no nível um. Havia memorizado com facilidade o lugar onde encontraria o alvo de sua missão, portanto, continuou descendo e só parou ao final, no nível cinco. Ali, as celas escondiam criaturas temidas, capturadas em sangrentos combates, e também aquele que tanto procurava. Ao andar entre as celas, tentou ignorar a aura negra que emanava de cada minúsculo espaço. A maldade corroía aquelas grades de prata – metal utilizado apenas para guardar os monstros mais mortíferos – e também o ar ao seu redor, que estava muito mais denso, como se uma força poderosa estivesse lentamente se erguendo. E no fundo sabia que tal suposição era verdadeira. Quando um dos monstros a viu, começou a uivar e urrar, seus berros guturais ecoavam pelas frias paredes daquele calabouço, o que fez com que os outros despertassem, e logo o caos estava instalado. Correu cela por cela até o fim do corredor, e na última delas encontrou aquele que deveria ser resgatado. Sem as chaves, o processo para libertá-lo foi mais demorado. Ele, porém, parecia relutante em fugir. Não conhecia a criatura que o estava salvando. Como confiaria nela? Contudo, ao ouvir um simples nome ecoando da boca de sua salvadora, percebeu que estavam do mesmo lado naquela luta – agora deveriam apenas fugir para que a missão fosse cumprida. Ao menos parte dela. O problema maior se deu quando terminaram de subir as escadas de mármore, com os ecos monstruosos acompanhando-os passo a passo. Parados na única saída daquele calabouço estavam diversos soldados armados com flechas certeiras – o maior temor dos fugitivos –, as pontas prateadas reluzindo ao brilho das tochas. Entre eles estava também aquele que não deveria estar ali. Ela não gostaria de encontrá-lo naquela situação. E, em seu olhar, pôde ver a mais pura incredulidade. Havia confiado tanto nela para receber uma apunhalada nas costas como aquela... Mas ela não tinha tempo para explicações.
  • 5. A missão era mais importante. – Deixe-nos passar – pediu ela com firmeza. – Primeiro deverão passar por nós. – Temos uma missão a cumprir – retrucou o resgatado, incrivelmente impaciente. O homem que os bloqueava encarou- o com asco, não lhe dirigindo a palavra. – Por quê? – A pergunta se dirigia à traidora, que sentiu seu coração comprimir-se tamanha tristeza. O olhar do homem que confiara nela agora era de puro pesar. Mas ela não podia revelar os detalhes daquela fuga. – Porque foi necessário. – Ela desembainhou uma espada, lançando, em seguida, um punhal longo para o ex-detento. O combate teve início e sua conclusão decidiria parte do futuro de Warthia."