O poema descreve a bênção de uma locomotiva antes de sua viagem. Um bispo é chamado para batizar a máquina e converter sua alma à fé católica, removendo qualquer heresia protestante, já que foi construída na Inglaterra. O bispo deve ensinar a locomotiva a rezar e lançar água benta em sua caldeira para que possa andar com a graça de Deus.
1. Texto 5 | A bênção da locomotiva, in “A velhice do Padre Eterno”, de Guerra Junqueiro
A obra está completa. A máquina flameja,
Desenrolando o fumo em ondas pelo ar.
Mas, antes de partir mandem chamar a Igreja,
Que é preciso que um bispo a venha baptizar.
Como ela é concerteza o fruto de Caím,
A filha da razão, da independência humana,
Botem-lhe na fornalha uns trechos em latim,
E convertam-na à fé Católica Romana.
Devem nela existir diabólicos pecados,
Porque é feita de cobre e ferro; e estes metais
Saem da natureza, ímpios, excomungados,
Como saímos nós dos ventres maternais!
Vamos, esconjurai-lhes o demo que ela encerra,
Extraí a heresia ao aço lampejante!
Ela acaba de vir das forjas d'Inglaterra,
E há-de ser com certeza um pouco protestante.
Para que o monstro corra em férvido galope,
Como um sonho febril, num doido turbilhão,
Além do maquinista é necessário o hissope,
E muita teologia... além de algum carvão.
Atirem-lhe uma hóstia à boca fumarenta,
Preguem-lhe alguns sermões, ensinem-lhe a rezar,
E lancem na caldeira um jorro d'água benta,
Que com água do céu talvez não possa andar.