Relatório Final Comissão Nacional da Verdade - Mortos e desaparecidos 1970 1971
Aprendendo com o acidente do A340 em Toronto
1. Boletim Interno
de Segurança de Vôo
Agosto de 2008
Compulsão pelo Pouso:
Aprendendo com o Erro
Em 2 de agosto de 2005, um A340 da Air France foi destruído após sair da pista em Toronto. A
aeronave estava pesada e a meteorologia adversa. A aproximação desestabilizou-se na curta final. No
presente artigo, o acidente é analisado sob a perspectiva do modelo T.E.M. As AMEAÇAS são listadas e
seu reconhecimento e gerenciamento são discutidos. O mesmo processo é aplicado aos ERROS. No
final, os Estados Indesejáveis da Aeronave são descritos e as lições aprendidas são discutidas.
O
A340-300 da AF decolou de Paris para Gerenciamento de Ameaças. Entretanto, a partir de
Toronto com 297 passageiros e 12 certo ponto na aproximação, a tripulação não foi
tripulantes a bordo. Na aproximação, o mais capaz de perceber novas ameaças. Além
ATC informou que haveria atrasos por causa de disso, ameaças que já haviam sido identificadas
chuva e trovoada. Na final para a pista 24L, o não foram mais gerenciadas adequadamente.
ATC avisou que a última aeronave reportara
braking action poor. O radar de bordo do AF Reconhecimento e Gerenciamento
mostrava precipitação pesada aproximando-se das Ameaças Encontradas
pelo setor NW. A 200 FT AGL, com autopilot e Meteorologia (Rota e Chegada)
autothrust desacoplados, a aeronave começou a Reconhecida: sim Gerenciada: sim
ficar alta e a ground speed aumentou. O aparelho Antes da decolagem, a tripulação tomou
cruzou a cabeceira 40 FT acima do glide. ciência da ameaça de trovoadas no destino. Para
Durante o flare, a aeronave adentrou área isso, solicitou 3 toneladas de combustível extra,
de chuva forte e o contato visual com a pista permitindo 23 minutos de espera. Em cruzeiro, a
deteriorou-se bastante. As trovoadas se tripulação acompanhou a meteorologia para
intensificaram, com grande incidência de raios na Toronto e alternativas. Na última hora do vôo, as
cabeceira oposta. A aeronave tocou o solo 1250m condições deterioraram-se rapidamente, o que
após a cabeceira da pista, que possui 2750m de obrigou a tripulação a reavaliar seus alternados,
extensão. Os reversores foram selecionados 12,8 modificando sua primeira opção para Otawwa
segundos após. A aeronave não conseguiu parar (YOW). Dez minutos antes do pouso, a tripulação
nos limites da pista, ultrapassou a cabeceira oposta observou retornos de radar em vermelho na rota
a 80 KT e incendiou-se ao parar sobre um campo. de aproximação e decidiu prosseguir com cautela.
Todos conseguiram sair, mas 10 passageiros e 2 Para gerenciar a ameaça, a tripulação revisou o
tripulantes sofreram ferimentos graves. procedimento de windshear recovery e discutiu o
perfil para uma eventual arremetida, incluindo
Ameaças possíveis desvios dos CBs. O PM informava os
Durante o vôo de cruzeiro e a descida inicial, ventos ao PF. Até esse momento, a tripulação
a tripulação demonstrou estratégias efetivas de ainda acreditava numa possível arremetida.
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2. Boletim Interno
de Segurança de Vôo
Agosto de 2008
Meteorologia (Aproximação e Pouso) para 3360m com o uso de reversores. O ato de
Reconhecida: sim Gerenciada: não passar a cabeceira a 100 FT (o que ocorreu),
Na aproximação, a tripulação estabeleceu aumentou a distância em 950m. (Airbus FCTM).
contato visual com o solo entre 2 e 3 NM da pista.
Havia chuva forte com trovoada nas laterais e Vento cruzado / cauda
retornos em vermelho na cabeceira oposta. Reconhecida: não Gerenciada: não
Durante 5 minutos, a precipitação e o granizo Em virtude da alta carga de trabalho e da
chegaram a 100mm/hora! Ao cruzar a cabeceira, a saturação nos estágios finais da aproximação e
aeronave adentrou área de chuva pesada e raios, pouso, o vento cruzado não foi identificado, nem a
com visibilidade muito reduzida. A tripulação nada mudança para vento de cauda. A 1000 FT acima
fez para gerenciar essas ameaças. do campo, o ND indicava vento de través pela
direita, de 15 a 20 KT, considerado acima do limite
Combustível Remanescente para pista contaminada. Abaixo de 300 FT o vento
Reconhecida: sim Gerenciada: sim mudou para uma componente de cauda de 10 KT,
Em virtude dos atrasos em YYZ, foi aumentando a ground speed. A tripulação não
necessário efetuar espera. A tripulação notou, nem comentou a condição do vento.
acompanhou o combustível remanescente e o
tempo disponível para espera. Após selecionar Visibilidade Reduzida
YOU como alternado, calcularam em 14 minutos o Reconhecida: sim Gerenciada: não
tempo de espera em YYZ. O EAT informado seria No flare, a tripulação perdeu contato visual
próximo ao tempo máximo de espera. Por duas com a pista por causa da chuva e precisou usar
vezes, a tripulação externou preocupação ao as janelas laterais. Isso contribuiu para o flare
ATC, pois a vetoração os estava afastando muito longo e pouso além da zona de toque. A chuva
da pista. Minutos depois, a tripulação revisou a era tão forte que os wipers não foram suficientes.
política da empresa para declarar minimum fuel. O sistema rain repellent havia sido reinstalado há
3 anos, mas a tripulação não sabia disso.
Condições da Pista
Reconhecida: sim Gerenciada: sim/não Aproximação desestabilizada / Alta energia
A pista estava contaminada (mais de 3mm Reconhecida: não Gerenciada: não
de água). Os pilotos disseram posteriormente, O autothrust e o autopilot foram desligados
que a aparência da superfície era espelhada. A a 300 FT AGL. Devido a um aumento manual de
última aeronave a pousar havia declarado braking potência e ao maior vento de cauda, a aeronave
action poor. O autobrake foi mudado de LOW cruzou a cabeceira da pista 40 FT acima do glide.
para MED. Minutos antes do pouso, talvez em O PM fez callouts indicando esse desvio. Após
reposta ao reporte da outra aeronave. O Cmte. isso, os inputs nos comandos sugerem que o PF
lembrou da necessidade de um pouso mais firme. encontrou dificuldade em controlar a aeronave; a
Entretanto, essas estratégias não podem ser carga de trabalho era alta. A aproximação
consideradas suficientes, haja vista a situação da desestabilizou-se apenas nos estágios finais.
pista (contaminada) e seu comprimento.
Alta Carga de Trabalho
Comprimento da Pista Reconhecida: não Gerenciada: não
Reconhecida: não Gerenciada: não Na fase final de aproximação e pouso, a
A tripulação não calculou a distância carga de trabalho saturou a tripulação, que ficou
requerida para pouso na 24L, apesar da condição fixada no pouso. Isso significa que os pilotos não
meteorológica, nem incluiu seu comprimento estavam totalmente conscientes das mudanças
(2750m) no briefing. Para pouso em uma pista de vento, ou de quanta pista estava sendo
molhada, brakes low, sem vento, full flap, e sem utilizada no flare. Isso resultou no atraso na
considerar o uso de reverso, a distância requerida atuação dos reversores. Finalmente, a alta carga
seria de 2196m. Para a condição de 10 Kt de vento de trabalho prejudicou o julgamento e o processo
de cauda e pista contaminada, essa distância sobe de tomada de decisão em continuar o pouso.
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3. Boletim Interno
de Segurança de Vôo
Agosto de 2008
Perfil de Arremetida Obscurecido por CBs que essa margem era inexistente se considerado
Gerenciada: o vento de cauda. Dois minutos antes do pouso, o
Reconhecida: sim Inicialmente: sim comprimento da pista (exatos 2743m) foi
Na fase final: não verbalizado, mas nenhuma ação ocorreu.
Na aproximação final, a tripulação fez um
briefing para uma arremetida não-padrão entre Aproximação Conduzida sob
dois CBs. Entretanto, ao aproximar-se da Trovoadas e Chuva Forte
cabeceira, os pilotos notaram a presença de Reconhecido: Gerenciado: não
trovoadas e raios. Todavia, nesse momento eles já Inicialmente: sim
não mais consideravam a arremetida como uma Na fase final: não
opção e estavam totalmente fixados em pousar. Apesar da ameaça na aproximação,
identificada pelos retornos do radar em vermelho,
Pouso Além da Zona de Toque a tripulação optou por prosseguir. O erro só foi
Reconhecida: não Gerenciada: não percebido quando a tripulação tomou real ciência
A aeronave pousou 1250m após o início da meteorologia. Entretanto, a percepção do erro
da pista de 2750m. A tripulação não percebeu que ocorreu tarde demais para o gerenciamento
naquelas condições a pista remanescente não adequado (que poderia ter sido uma simples
seria suficiente para o pouso. Apesar do pouso arremetida).
longo, o reversor só foi comandado após 12
segundos, atingindo full apenas aos 17 segundos. Vento de través acima dos limites, seguido de
pouso com vento de cauda
Erros Reconhecido: não Gerenciado: não
A tripulação utilizou poucas estratégias de O vento de través estava acima dos limites
Gerenciamento de Erro. A maior parte dos erros para pouso em pista molhada, aumentando ainda
não teve conseqüências imediatas. As mais a carga de trabalho. Posteriormente, havia
implicações só se manifestaram na fase final da componente de vento de cauda de até 10 KT na
aproximação, quando a carga de trabalho já era curta final. Devido à alta carga de trabalho e à
muito alta, resultando em uma fixação em pousar. distração, o vento de cauda e o vento de través
A maioria dos erros poderia ter sido nem foram percebidos.
evitada com simples medidas.
Reconhecimento e
Gerenciamento dos Erros
Falhas no Briefing
Reconhecido: não Gerenciado: não
Vinte minutos antes da chegada, a
tripulação conduziu o briefing de aproximação e
pouso. O briefing não contemplava o comprimento
da pista e nem o procedimento de arremetida,
itens críticos para a situação. Entretanto, a
arremetida não-padrão, necessária em virtude da
meteorologia, foi comentada quando a tripulação
tomou ciência das formações.
Comprimento de Pista Requerido
Reconhecido: não Gerenciado: não
O cálculo de distância de pouso não levou
em conta as condições presentes: pista molhada
ou contaminada. Portanto, a tripulação não estava
ciente da mínima margem de erro disponível, ou
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4. Boletim Interno
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Agosto de 2008
Falha em usar todo o automatismo disponível havia pousado além da zona de toque. Além
Reconhecido: não Gerenciado: não disso, nas condições presentes, a aeronave não
O PF encontrou dificuldade em manter a teria como parar na distância remanescente.
velocidade e desconectou o autothrust a 300 FT.
O gerenciamento inadequado da velocidade e da Assumir que o ATC alertaria a tripulação caso
potência deixou a aeronave alta e veloz sobre a as condições se tornassem inseguras
cabeceira da pista. O autothrust poderia ter Reconhecido: não Gerenciado: não
minimizado esse erro, se tivesse permanecido Os pilotos erroneamente assumiram que o
acoplado, pois o PF teria uma tarefa a menos ATC os alertaria caso a meteorologia se tornasse
para gerenciar. Além disso, devido à alta carga de insegura para o pouso. O ATC não tem essa
trabalho, baixa visibilidade, e quase nenhum função e nem meios para fazê-lo. Essa análise
contato visual com a pista, a atenção dos pilotos cabe à tripulação. Sempre.
estava focada para fora da aeronave. O scan de
velocidade e outros instrumentos foi insuficiente. Estados Indesejáveis da Aeronave
O autothrust poderia ter ajudado na situação. Alto sobre a cabeceira (40FT acima do glide);
Flare consumindo 1250m antes do toque;
Não execução de uma Arremetida Incapacidade de parar dos limites da pista;
Reconhecido: não Gerenciado: não A tripulação entrou em uma armadilha em que,
A aproximação desestabilizada, a condição a partir de determinado momento, tanto o pouso
da pista, a meteorologia marginal, e a dificuldade quanto a arremetida seriam situações de risco.
em controlar a aeronave no flare, são alertas que
sugerem a necessidade de uma arremetida. Outros Pontos Observados
Analisados em conjunto, tornam a decisão ainda O CRM inicial e a comunicação entre os
mais clara. Contudo, como vimos em AMEAÇAS, a pilotos e com a tripulação foi, na maior parte, bom.
tripulação deixou a decisão para tão tarde que até Os pilotos informaram suas necessidades ao ATC
mesmo a arremetida apresentaria riscos, pois o e solicitaram informações atualizadas sobre a
perfil seria impactado por formações pesadas. A meteorologia e a espera.
tripulação se comprometeu com um pouso para o Ao contrário do Brasil, em países como
qual não haveria alternativas possíveis, criando uma EUA, França e Canadá, a torre não fecha o
situação da qual não teriam como sair. aeroporto por chuva ou vento. Entretanto, muitos
pilotos erroneamente acreditam que o aeroporto
Uso Tardio do Reversor será declarado fechado se as condições se
Reconhecido: não Gerenciado: não tornarem ruins para a operação. O ATC pode
restringir o fluxo de aeronaves por motivos
meteorológicos, mas geralmente isso tem mais a
ver com separação de tráfegos em vôo. A decisão
final pela decolagem ou pouso é sempre do piloto.
Em um período de nove minutos, quatro
aeronaves aproximaram antes do AF358. Todas
estavam sujeitas a condições semelhantes às
encontradas pelo AF. Em todos os casos, a opção
foi pelo pouso. Isso demonstra uma tendência em
O PM não fez o callout padrão para spoilers, só se considerar o resultado final das ações.
nem alertou sobre os reversores, que só atingiram a Muito provavelmente, os outros pousos não foram
aceleração máxima 17 segundos após o pouso. investigados, apesar de terem executado
aproximações de risco. Na época do acidente, a
Pouso Além da Zona de Toque política da AF determinava que só o Cmte.
Reconhecido: não Gerenciado: não poderia decidir pela arremetida. Entretanto, o co-
A aeronave pousou 1250m após o início piloto era responsável por sugerir a arremetida, se
da pista de 2750m. A tripulação não percebeu que julgasse necessário.
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5. Boletim Interno
de Segurança de Vôo
Agosto de 2008
Lições Aprendidas
1. Tenha uma arremetida sempre em mente, ao
invés de fixar-se no pouso. As condições em que
geralmente ocorre a fixação geralmente são as
mesmas condições que exigem uma arremetida.
Arremeta sempre que a situação escapar do seu
controle ou entendimento.
2. Compreenda o grande aumento na distância de
pouso devido a pequenas mudanças nas
condições (por exemplo: vento de cauda, pista
molhada ou contaminada) ou por ação da
tripulação (por exemplo: high energy approach,
demora em selecionar full reverse thrust).
3. Aproximações em tempestades ou áreas de
Relatório da Investigação atividade convectiva, são arriscadas. O risco
Após decidir pelo pouso, a tripulação usou independe de quantas aproximações nessas
toda a sua energia para se concentrar na mesmas condições o piloto já efetuou.
manobra e deixou de observar pistas que 4. O ATC pode não fechar um aeroporto mesmo
poderiam indicar uma revisão dessa em condições muito ruins para a operação
decisão. Essas pistas incluem: a pista segura. O fato de um aeroporto estar aberto não
parecia um lago; a aeronave estava acima significa que ele está seguro para pousos e
do glide; o toque seria além da zona de decolagens. A decisão é sempre sua!
toque; o vento estava aumentando e sua
direção mudando; foi reportado braking
action poor; a visibilidade era praticamente
zero na área da cabeceira. Reveja cada ameaça e cada erro apresentado
Transportation Safety Board of Canada
nesse case e pergunte-se: o que eu faria se
investigation report (4.2.2).
isso ocorresse em meu próximo vôo?
Todo acidente pode e deve ser evitado!!!
SIPAER GOL - SAODX
Assessoria de Segurança de Vôo
safety@golnaweb.com.br
(11) 5091 2177 / 2169 / 2158
O presente Boletim é uma compilação de informações disponibilizadas por autoridades aeronáuticas nacionais e internacionais,
fabricantes, operadores, etc. O objetivo do texto é introduzir e/ou revisar procedimentos e padrões operacionais, técnicas de vôo, melhores
práticas e de fatores humanos para aumentar a consciência em relação a temas importantes para a Segurança de Vôo.
Contudo, o conteúdo aqui apresentado não deve substituir nenhuma legislação, regulamentação, ou manuais operacionais em vigor. Em
caso de conflito, os documentos oficiais, AFM / MEL / FCOM / QRH / FCTM, devem sempre prevalecer. No interesse da Segurança de
Vôo, o presente Boletim pode ser reproduzido, ou traduzido, em sua totalidade ou em parte, em toda em qualquer mídia, desde que a fonte
seja citada. Vetado uso comercial. A GOL não pode ser responsabilizada pelo uso desse Boletim.
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