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Tecnologia e Bem-Estar, Autonomia e Domínio
Ruy José Guerra Barretto de Queiroz, Professor Associado, Centro de Informática da UFPE

Difícil encontrar um aspecto da vida contemporânea que não seja afetado pela tecnologia. Em
casa, no trabalho, nos cuidados com a saúde, no lazer, estamos constantemente rodeados por
tecnologia. É natural que se imagine que a tecnologia tenha um impacto significativo sobre
nosso bem-estar. Aliás, bem-estar tem se tornado um termo “quente” nos últimos tempos,
seja no meio acadêmico, seja nos círculos da política. Desde o estabelecimento de uma revista
científica dedicada aos estudos da felicidade (“Journal of Happiness Studies”, publicado desde
2000 pela Springer), até a defesa da intervenção de governos na promoção da felicidade dos
cidadãos capitaneada pelo controvertido economista e cientista político britânico Richard
Layard (autor de “Happiness: Lessons from a New Science”, Penguin, 2005) e repercutida em
publicações como “Well-being: How to lead the good life and what government should do to
help” (Organizado por Simon Griffiths e Richard Reeves, Julho 2009) da Social Market
Foundation, são inúmeras as tentativas de se entender por que o sentimento de bem-estar das
pessoas não tem aumentado na proporção do crescimento da riqueza e das oportunidades
geradas pela sociedade moderna.

Levando-se em conta que a cada dia a sociedade aumenta sua dependência da tecnologia da
informação, cabe perguntar o quanto essa tecnologia acrescenta ou decrementa ao
sentimento de bem-estar nas pessoas. É surpreendente constatar que poucos esforços de
pesquisa científica têm surgido sobre o tema que toca o papel da tecnologia da informação na
influência sobre as pessoas no que tange à sensação de satisfação com a vida. Na verdade,
invariavelmente as referências à tecnologia da informação são de natureza negativa, em geral
sugerindo ser a causa principal do isolamento dos indivíduos. Ocorre também que a impressão
geral é a de que a tecnologia dá mais peso a valores como eficiência, produtividade,
sistematização e rapidez em detrimento a aspectos da qualidade de vida menos mensuráveis,
porém cada vez mais valorosos, levando quase que necessariamente a uma redução na
qualidade de vida.

Um relatório de recente pesquisa intitulado “The Information Dividend: Can IT make you
‘happier’?” (Maio 2010), produzido pela “BCS – The Chartered Institute for IT”, chega à
conclusão de que a tecnologia da informação pode fazer as pessoas mais felizes. Num estudo
realizado sobre massas de dados globais e sobre as respostas de mais de 35.000 questionários
coletados em todo o mundo e analisados no “World Values Survey”, os autores concluem que
a tecnologia da informação tem um impacto positivo sobre a satisfação com a vida mesmo
quando se leva em conta a renda e outros fatores reconhecidamente importantes na
determinação do bem-estar. Os resultados sugerem que a tecnologia da informação
desempenha o papel de passar a sensação de que se tem mais poder sobre a própria vida,
levando a um sentimento de maior liberdade, autonomia e controle e, consequentemente,
maior satisfação. Segundo o relatório, se houvesse uma fórmula para expressar os resultados
esta diria que o acréscimo no sentimento de liberdade e controle acarreta no aumento do
bem-estar. “Daí, o impacto da tecnologia da informação tem, na verdade, mais chances de ser
ainda maior que as correlações diretas sugerem.”
Como dividendo da informação, ao que tudo indica, a tecnologia da informação dá força aos
sem-força. Ainda conforme o relatório da BCS, a maior parcela da melhora na satisfação com a
vida que vem da tecnologia da informação flui para os menos privilegiados na sociedade. Os de
baixa renda e com menos qualificações educacionais parecem se beneficiar mais do acesso à
tecnologia da informação que os mais abastados e/ou mais educados.

Em “Technology and Psychological Well-being” (Cambridge University Press, Outubro 2009),
coletânea de artigos científicos organizada por Yair Amichai-Hamburger, com “o objetivo de
criar um entendimento abrangente do impacto da tecnologia no bem-estar assim como
propiciar ferramentas para aprimorar o impacto positivo da tecnologia”, os autores se dedicam
a analisar as principais questões em torno de temas fundamentais como comunicação,
internet, medicina, transporte, gênero, fatores humanos, ambiente de trabalho.

No capítulo “Internet and well-being”, Yair Amichai-Hamburger e Azy Barak analisam o
impacto da internet no bem-estar de seus usuários, destacando as características peculiares do
ambiente da internet tais como maior anonimidade, diminuição da importância da aparência
física, maior controle sobre o tempo, o local, e o ritmo das interações, assim como a facilidade
de encontrar semelhantes e o impacto psicológico sobre os usuários. Objetivamente, aos
autores interessa investigar a influência da internet nas diversas esferas da vida
contemporânea. No nível pessoal, por exemplo, o papel da internet é avaliado como um
veículo para revelar o “eu real” e o “verdadeiro eu mesmo”, ou seja, como um meio de
reformatar as identidades individuais e subjetivas.

Em artigo publicado na revista New Scientist intitulado “Free yourself from oppression by
technology” (27/12/09), Amichai-Hamburger começa questionando se estamos sendo servidos
pelas maravilhas da tecnologia ou se delas nos tornamos escravos. Sob forma de conclusão,
Amichai-Hamburger prescreve a teoria da auto-determinação desenvolvida pelos psicólogos
Edward Deci e Richard Ryan da University of Rochester no estado de New York, que identifica
elementos vitais de um desenvolvimento pessoal saudável a serem utilizados no que ele
chama de recalibração de nosso relacionamento com a tecnologia. Autonomia, competência,
relacionamento próximo e pensamento crítico se constituem nos pilares sobre os quais
podemos estabelecer uma relação equilibrada com a tecnologia.

A bem da verdade, a autonomia e o sentimento de competência parecem fazer parte do que
seriam os elementos básicos da motivação para o trabalho criativo. Em seu mais recente livro
“Drive: The Surprising Truth About What Motivates Us” (Riverhead Hardcover, Dezembro
2009), Daniel Pink argumenta que, nas empresas e nos negócios, é preciso reavaliar os
modelos tradicionais de incentivo, e que experimentos científicos relevantes confirmam que,
num certo nível, o incentivo monetário tende a dar o efeito contrário: quando uma tarefa
envolve qualquer coisa além da habilidade puramente mecânica, incentivar um melhor
desempenho na verdade produz resultados piores. Segundo Pink, isso se deve ao fato de que
nós humanos somos biologicamente ligados a fatores específicos que podem nos ajudar a
sermos mais produtivos: autonomia, domínio e propósito.

Autonomia seria nosso desejo de conduzir nossas vidas na direção que desejamos, ao invés de
recebermos ordens sobre o que fazer ou para onde ir. “Quando escolhemos realizar tarefas
por nossa conta, nossa capacidade de completá-las de uma maneira eficiente e hábil dispara.”
Domínio diria respeito ao ímpeto que temos para aprender coisas novas e dominar novas
habilidades. Para algumas pessoas, tocar um instrumento musical no final de semana,
enquanto que para outras contribuir para projetos de software de código aberto, tudo isso diz
respeito à busca por satisfação pela capacidade de vencer um desafio com domínio.

Propósito seria nossa busca por sentir que o que fazemos vale a pena, nos levando ao topo da
pirâmide de Maslow: auto-estima e auto-realização.

Com efeito, além das necessidades básicas, o que parece nos motivar é a capacidade de
crescer e evoluir, atingir todo nosso potencial. Casos célebres como o regime de “20 por cento
do tempo” adotado pela Google (já utilizado pela 3M nos anos 1950’s na versão “15 por
cento”), no qual o funcionário trabalha em projetos de sua própria escolha durante um dia
inteiro por semana (e que deu resultados como Gmail, Google Maps, Google News, Google
Earth), e o esquema “Results Only Work Environment” da rede Best Buy no qual os
empregados podem trabalhar sem horário fixo e da forma que escolherem desde que atinjam
as metas especificadas, parecem corroborar o potencial da abordagem preconizada por Pink.

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  • 2. Como dividendo da informação, ao que tudo indica, a tecnologia da informação dá força aos sem-força. Ainda conforme o relatório da BCS, a maior parcela da melhora na satisfação com a vida que vem da tecnologia da informação flui para os menos privilegiados na sociedade. Os de baixa renda e com menos qualificações educacionais parecem se beneficiar mais do acesso à tecnologia da informação que os mais abastados e/ou mais educados. Em “Technology and Psychological Well-being” (Cambridge University Press, Outubro 2009), coletânea de artigos científicos organizada por Yair Amichai-Hamburger, com “o objetivo de criar um entendimento abrangente do impacto da tecnologia no bem-estar assim como propiciar ferramentas para aprimorar o impacto positivo da tecnologia”, os autores se dedicam a analisar as principais questões em torno de temas fundamentais como comunicação, internet, medicina, transporte, gênero, fatores humanos, ambiente de trabalho. No capítulo “Internet and well-being”, Yair Amichai-Hamburger e Azy Barak analisam o impacto da internet no bem-estar de seus usuários, destacando as características peculiares do ambiente da internet tais como maior anonimidade, diminuição da importância da aparência física, maior controle sobre o tempo, o local, e o ritmo das interações, assim como a facilidade de encontrar semelhantes e o impacto psicológico sobre os usuários. Objetivamente, aos autores interessa investigar a influência da internet nas diversas esferas da vida contemporânea. No nível pessoal, por exemplo, o papel da internet é avaliado como um veículo para revelar o “eu real” e o “verdadeiro eu mesmo”, ou seja, como um meio de reformatar as identidades individuais e subjetivas. Em artigo publicado na revista New Scientist intitulado “Free yourself from oppression by technology” (27/12/09), Amichai-Hamburger começa questionando se estamos sendo servidos pelas maravilhas da tecnologia ou se delas nos tornamos escravos. Sob forma de conclusão, Amichai-Hamburger prescreve a teoria da auto-determinação desenvolvida pelos psicólogos Edward Deci e Richard Ryan da University of Rochester no estado de New York, que identifica elementos vitais de um desenvolvimento pessoal saudável a serem utilizados no que ele chama de recalibração de nosso relacionamento com a tecnologia. Autonomia, competência, relacionamento próximo e pensamento crítico se constituem nos pilares sobre os quais podemos estabelecer uma relação equilibrada com a tecnologia. A bem da verdade, a autonomia e o sentimento de competência parecem fazer parte do que seriam os elementos básicos da motivação para o trabalho criativo. Em seu mais recente livro “Drive: The Surprising Truth About What Motivates Us” (Riverhead Hardcover, Dezembro 2009), Daniel Pink argumenta que, nas empresas e nos negócios, é preciso reavaliar os modelos tradicionais de incentivo, e que experimentos científicos relevantes confirmam que, num certo nível, o incentivo monetário tende a dar o efeito contrário: quando uma tarefa envolve qualquer coisa além da habilidade puramente mecânica, incentivar um melhor desempenho na verdade produz resultados piores. Segundo Pink, isso se deve ao fato de que nós humanos somos biologicamente ligados a fatores específicos que podem nos ajudar a sermos mais produtivos: autonomia, domínio e propósito. Autonomia seria nosso desejo de conduzir nossas vidas na direção que desejamos, ao invés de recebermos ordens sobre o que fazer ou para onde ir. “Quando escolhemos realizar tarefas por nossa conta, nossa capacidade de completá-las de uma maneira eficiente e hábil dispara.”
  • 3. Domínio diria respeito ao ímpeto que temos para aprender coisas novas e dominar novas habilidades. Para algumas pessoas, tocar um instrumento musical no final de semana, enquanto que para outras contribuir para projetos de software de código aberto, tudo isso diz respeito à busca por satisfação pela capacidade de vencer um desafio com domínio. Propósito seria nossa busca por sentir que o que fazemos vale a pena, nos levando ao topo da pirâmide de Maslow: auto-estima e auto-realização. Com efeito, além das necessidades básicas, o que parece nos motivar é a capacidade de crescer e evoluir, atingir todo nosso potencial. Casos célebres como o regime de “20 por cento do tempo” adotado pela Google (já utilizado pela 3M nos anos 1950’s na versão “15 por cento”), no qual o funcionário trabalha em projetos de sua própria escolha durante um dia inteiro por semana (e que deu resultados como Gmail, Google Maps, Google News, Google Earth), e o esquema “Results Only Work Environment” da rede Best Buy no qual os empregados podem trabalhar sem horário fixo e da forma que escolherem desde que atinjam as metas especificadas, parecem corroborar o potencial da abordagem preconizada por Pink.