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GUILHERME EDUARDO ZERBINATTI PAPATERRA
STRANDED ASSETS E O PETRÓLEO NO BRASIL
Trabalho de Conclusão de Curso - Monografia
apresentada ao Departamento de Estudos da
Escola Superior de Guerra como requisito à
obtenção do diploma do Curso de Altos Estudos de
Política e Estratégia.
Orientador: Prof. Dr. Sérgio Kostin.
Rio de Janeiro
2019
©2019ESG
Este trabalho, nos termos de legislação
que resguarda os direitos autorais, é
considerado propriedade da ESCOLA
SUPERIOR DE GUERRA (ESG). É
permitida a transcrição parcial de textos do
trabalho, ou mencioná-los, para
comentários e citações, desde que sem
propósitos comerciais e que seja feita a
referência bibliográfica completa. Os
conceitos expressos neste trabalho são de
responsabilidade do autor e não
expressam qualquer orientação
institucional da ESG.
_________________________________
Guilherme Eduardo Zerbinatti Papaterra
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Elaborada por Patricia Imbroizi Ajus – CRB-7/3716
Papaterra, Guilherme Eduardo Zerbinatti
STRANDED ASSETS E O PETRÓLEO NO BRASIL / Especialista em
Regulação Guilherme Eduardo Zerbinatti Papaterra. - Rio de Janeiro:
ESG, 2019.
XX f.: il.
Orientador: Prof. Dr. Sérgio Kostin.
Trabalho de Conclusão de Curso - Monografia apresentada ao
Departamento de Estudos da Escola Superior de Guerra como requisito
à obtenção do diploma do Curso de Altos Estudos de Política e
Estratégia (CAEPE), 2019.
1. Petróleo 2. “Pré-sal” 3. Ativos encalhados 4. Recurso encalhados
5. Transição Energéticaarbono I. Título.
P277s Papaterra, Guilherme Eduardo Zerbinatti.
Stranded assets e o petróleo no Brasil / Especialista em Regulação
Guilherme Eduardo Zerbinatti Papaterra. - Rio de Janeiro: ESG, 2019.
61 f.: il.
Orientador: Prof. Dr. Sérgio Kostin.
Trabalho de Conclusão de Curso - Monografia apresentada ao
Departamento de Estudos da Escola Superior de Guerra como requisito à
obtenção do diploma do Curso de Altos Estudos de Política e Estratégia
(CAEPE), 2019.
1. Petróleo – Brasil. 2. Pré-sal. 3. Ativos encalhados. 4. Recursos
encalhados. 5. Transição Energética I. Título.
CDD - 553.28
Dedico esse trabalho aos meus pais
Antonio de Pádua Foloni Papaterra (in
memorian) e Neuza Maria Zerbinatti
Papaterra, que dedicaram a vida para a
minha formação e sempre me apoiaram
nos meus projetos.
AGRADECIMENTO
À ANP, por proporcionar oportunidade de qualificação profissional.
Ao Prof. Dr. Luís Eduardo Duque Dutra pelo grande incentivo acadêmico no
tema, parceria e amizade.
Ao Prof. Capitão de Mar e Guerra (RM1) Caetano Tepedino Martins, pelo
apoio a normatização deste trabalho.
Ao meu orientador, Prof. Dr. Sérgio Kostin, pela disponibilidade e confiança.
The Stone Age did not end for lack of stone,
and the Oil Age will end long before the
world runs out of oil.
Sheik Ahmed Zaki Yamani (ex-ministro da
OPEP), 2000
RESUMO
Embora a velocidade seja uma incógnita, a economia de baixo carbono é global, de
natureza estrutural e a transição já está em curso. Neste cenário, a ideia de que parte
significativa dos recursos de combustíveis fósseis possuem potencial para se tornar
inutilizados (“encalhados”) desencadeou discussão sobre o risco de se investir no
setor de hidrocarbonetos. O objetivo principal deste trabalho foi apresentar o tema
stranded assets (“ativos encalhados”) e suas implicações sobre os recursos
petrolíferos brasileiros. A análise do problema foi qualitativa e introdutória acerca do
risco de perda de valor destes recursos. Infere-se que o Brasil possui entre 39 bilhões
a 48 bilhões de boe em recursos de hidrocarbonetos descobertos, cujo risco de não
produção se apresenta muito baixo. Em termos quantitativos, o país possui cerca de
3,7 milhões de km² de áreas sedimentares com pouco conhecimento geológico. O
montante estimado de recursos prospectivos recuperáveis, não descobertos, de
petróleo no Brasil está na ordem de 50 a 60 bilhões de barris. Levando-se em conta
que os projetos de E&P de petróleo possuem longa maturação, o risco de “encalhe”
destes volumes de hidrocarbonetos é elevado. A conclusão indica que, diante da
hipótese de perda de valor destes recursos, medidas de aceleração na monetização
dos recursos já descobertos, de estimulo ao conhecimento geológico e geofísico em
áreas sedimentares com baixa densidade de dados e informações e aprimoramentos
no processo de licenciamento ambiental do setor de petróleo e gás natural, devem ser
priorizadas pelos tomadores de decisão.
Palavras-chave: Petróleo – Brasil. Pré-sal. Ativos encalhados. Recursos encalhados.
Transição Energética.
ABSTRACT
Although the speed is an unknown, the low carbon economy is global, of a structural
nature and the transition is already underway. In this scenario, the idea that a significant
part of fossil fuel resources have the potential to become stranded triggered a
discussion on the risk of investing in the hydrocarbon sector. The main objective of this
work was to present the theme stranded assets and its implications on Brazilian
petroleum resources. The problem analysis was qualitative and introductory about the
risk of loss of value of these resources. It is inferred that Brazil has between 39 billion
and 48 billion boe in discovered hydrocarbon resources, whose risk of non-production
is very low. In quantitative terms, the country has about 3.7 million km² of sedimentary
areas with little geological knowledge. The estimated amount of undiscovered
prospective recoverable oil resources in Brazil is in the range of 50 to 60 billion barrels.
The estimated amount of undiscovered prospective recoverable oil resources in Brazil
is in the range of 50 to 60 billion barrels. Given that oil E&P projects have a long
maturity, the risk of hydrocarbon stranding these hydrocarbon volume is high. The
conclusion indicates that, given the hypothesis of loss of value of these resources,
acceleration measures in the monetization of already discovered resources,
stimulation of geological and geophysical knowledge in sedimentary areas with low
data and information density and improvements in the environmental licensing process
of the oil and natural gas sector should be prioritized by decision makers.
Keywords: Petroleum - Brazil. Pre-salt. Stranded assets. Stranded resources. Energy
Transition.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
FIGURA 1 Classificação e categorização de Recursos e Reservas de
petróleo e gás natural.........................................................23
FIGURA 2 Estimativa de reservas “encalhadas” de hidrocarbonetos ..28
FIGURA 3 Representação dos equivalentes de dióxido de carbono nos
recursos fósseis e potencial de “ativos encalhados” ..........29
FIGURA 4 Ciclo hipotético de projeto de E&P .....................................33
FIGURA 5 Áreas sedimentares do Brasil.............................................44
FIGURA 6 Blocos exploratórios sob concessão por rodada de
licitações.............................................................................45
FIGURA 7 Mapa temático sobre a necessidade de Conhecimento nas
áreas sedimentares brasileiras...........................................48
LISTA DE TABELAS
TABELA 1 Distribuição regional de reservas não produzidas
("encalhadas") antes de 2050 de 2˚C com e sem CCS......31
TABELA 2 Período entre a adjudicação da concessão e o primeiro
óleo.....................................................................................39
TABELA 3 Período entre a adjudicação da concessão e o primeiro gás
natural.................................................................................39
TABELA 4 Período ocorrido entre a adjudicação da concessão e o
início da produção dos principais campos de petróleo do
Brasil...................................................................................40
TABELA 5 Recursos e Reservas de petróleo e gás natural no Brasil
(ano base 2018) ................................................................42
TABELA 6 Memória de cálculo do potencial de compensação financeira
a União ..............................................................................52
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
AAPG American Association of Petroleum Geologists (Associação Americana de
Geólogos de Petróleo)
ANP Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis
AP água profunda
AR água rasa
AUP água ultraprofunda
BOE Barrels of Oil Equivalent (Barris de óleo equivalente)
CCS Carbon Capture and Storage (Captura e Armazenamento de Gás
Carbônico)
CO2 Dióxido de Carbono
EPE Empresa de Pesquisa Energética
E&P Exploração e Produção
EUA Estados Unidos da América
GEE Gases do Efeito Estufa
Gt Giga toneladas (bilhão de toneladas)
iNDC Intended Nationally Determined Contribution (Fundamentos para a
Elaboração da Pretendida Contribuição Nacionalmente Determinada)
IRENA International Renewable Energy Agency (Agência Internacional de Energia
Renovável)
MC Mar Costeiro
MMA Ministério do Meio Ambiente
NDC Nationally Determined Contribution (Contribuição Nacionalmente
Determinada)
OCDE Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico
ODA Other Developing Asian Countries (Outros Países Asiáticos Desenvolvidos)
PAD Plano de Avaliação de Descoberta
PEM Programa Exploratório Mínimo
PIB Produto Interno Bruto
PRMS Petroleum Resources Management System (Sistema de Classificação dos
Recursos Petrolíferos)
SEG Society of Exploration Geophysicists (Sociedade dos Geofísicos de
Exploração)
SPE Society of Petroleum Engineers (Sociedade dos Engenheiros de Petróleo)
SPEE Society of Petroleum Evaluation Engineers (Sociedade dos Engenheiros de
Avaliação de Petróleo)
TC terra costeira
TI terra interior
UNFCCC United Nations Framework Convention on Climate Change (Convenção-
Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima)
WPC World Petroleum Council (Conselho Mundial de Petróleo)
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ............................................................................... 13
2
O PROBLEMA DOS ATIVOS E RECURSOS “ENCALHADOS”
DE PETRÓLEO E GÁS NATURAL................................................
17
2.1 DEFINIÇÕES.................................................................................. 18
2.1.1 Ativo e Recurso ............................................................................ 18
2.1.2 Ativos “Encalhados” (Stranded Assets) .................................... 19
2.1.3 Recursos “Encalhados” (Stranded Resources) ........................ 21
2.1.4 Recursos e Reservas de Petróleo e Gás Natural....................... 22
2.2
A 21ª CONFERÊNCIA DAS PARTES (COP21 – ACORDO DE
PARIS)............................................................................................
25
2.2.1 O Acordo de Paris e o Brasil ....................................................... 26
2.3 IMPACTO GLOBAL DOS ATIVOS “ENCALHADOS”...................... 28
3
ASPECTOS GERAIS DE EXPLORAÇÃO E PRODUÇÃO (E&P)
DE PETRÓLEO E GÁS NATURAL................................................
32
3.1 ESTÁGIOS DE E&P ....................................................................... 33
3.1.1 Identificação e Acesso de Oportunidades Exploratórias.......... 34
3.1.2 Exploração .................................................................................... 35
3.1.3 Avaliação....................................................................................... 36
3.1.4 Desenvolvimento.......................................................................... 37
3.1.5 Produção....................................................................................... 37
3.1.6 Abandono...................................................................................... 38
3.2
PERÍODO ENTRE OUTORGA E PRIMEIRO ÓLEO OU GÁS
NATURAL.......................................................................................
38
4
HIPÓTESE DE RECURSOS E ATIVOS “ENCALHADOS” DE
PETRÓLEO E GÁS NATURAL NO BRASIL .................................
41
4.1
RECURSOS E RESERVAS DE PETRÓLEO E GÁS NATURAL
DO BRASIL ....................................................................................
41
4.2 POTENCIAL EXPLORATÓRIO DO BRASIL .................................. 43
4.3
O RISCO DE ATIVOS E RECURSOS “ENCALHADOS” NO
BRASIL...........................................................................................
49
5 CONCLUSÃO ................................................................................ 54
REFERÊNCIAS.............................................................................. 57
13
1 INTRODUÇÃO
De acordo com McGlade e Ekins (2015), cerca de um terço das reservas de
petróleo, metade das reservas de gás natural e mais de quatro quintos das reservas
de carvão mineral, não serão aproveitados até 2050, se a intenção for conter o
aquecimento global em até 2ºC.
Na 21ª Conferência das “Partes” signatárias da Convenção-Quadro das
Nações Unidas sobre Mudança do Clima (United Nations Framework Convention on
Climate Change - UNFCCC1), em Paris, no ano de 2015, foi adotado um novo acordo
com o objetivo central de fortalecer a resposta global à ameaça da mudança do clima
e de reforçar a capacidade dos países para lidar com os impactos decorrentes dessas
mudanças (BRASIL, 2017c).
O compromisso no Acordo de Paris ocorre no sentido de manter o aumento
da temperatura média global menor que 2°C acima dos níveis pré-industriais e de
envidar esforços para limitar o aumento da temperatura a 1,5°C acima dos níveis pré-
industriais (UNITED NATIONS, 2015).
Para Mercure et al. (2018), a queda dos preços da energia renovável e o
rápido aumento do investimento em tecnologias de baixo carbono, podem ocasionar
a perda de riqueza global das companhias do setor fóssil num montante entre
1 a 4 trilhões de dólares americanos, desencadeando uma crise financeira global.
Nessas circunstâncias, podemos depreender que, independentemente do
impacto das novas políticas climáticas globais, a transição energética2, já em
andamento, sinaliza o inexorável declínio da era do petróleo no médio a longo prazo.
A demanda por petróleo deve atingir seu pico em 2033 (McKINSEY ENERGY
INSIGHTS, 2019). Sobre este tema, de acordo com relatórios do Painel
Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas o consumo de combustível fóssil pode
cair drasticamente para mitigar a mudança climática e a
1 A Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (United Nations Framework
Convention on Climate Change - UNFCCC), elaborada durante a Conferência das Nações Unidas
para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro em 1992, a Rio 92, tem o
objetivo de estabilizar as concentrações de gases de efeito estufa na atmosfera em um nível que
impeça uma interferência humana perigosa no sistema climático. (BRASIL, 2017c).
2 O conceito de transição energética adotado neste estudo, refere-se a mudança gradual da
dependência de combustíveis fósseis, numa transição para economia de baixo carbono, vide nota
11, diversificando-se a matriz energética com aumento do uso de energia renováveis e limpas. (Nota
nossa).
14
poluição urbana até 2100 (INTERGOVERNMENTAL PANEL ON CLIMATE CHANGE,
2018).
De acordo com o Boletim de Recursos e Reservas de Petróleo e Gás Natural
2018 (AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO, GÁS NATURAL E BIOCOMBUSTÍVEIS
(Brasil), 2018b) o Brasil possui oficialmente aproximadamente 33 bilhões de barris de
óleo equivalente (boe3) em recursos descobertos4 (reservas e recursos contingentes).
Adicionados as estimativas divulgadas pela Agência Nacional do Petróleo,
Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) dos volumes excedentes do contrato de cessão
onerosa (AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO, GÁS NATURAL E
BIOCOMBUSTÍVEIS (Brasil), 2017), podemos inferir que o Brasil possui entre
39 bilhões a 48 bilhões de boe em recursos de hidrocarbonetos descobertos.
Aproximadamente 96% dos volumes de petróleo encontram-se em ambiente marítimo
(offshore), na margem continental5 brasileira.
Quanto aos recursos recuperáveis6
de hidrocarbonetos, estimativas da Rystad
Energy (2019), apontam para cerca de 99 bilhões de barris de petróleo no Brasil.
As perspectivas de se dobrar os volumes de hidrocarbonetos descobertos no
Brasil estão ancoradas nas áreas inexploradas de elevado potencial geológico no
“pré-sal7”, descoberta em 2007, e nas novas fronteiras exploratórias marítima situadas
na região Norte e Nordeste (margem equatorial brasileira8 e margem continental
3 Unidade que permite a conversão de um volume de gás natural em volume de óleo equivalente,
com base na equivalência energética entre o petróleo e o gás natural. O fator de conversão equivale
a 1.000 m3 de gás ≈ 6,28981 bbl. (Nota nossa).
4 De acordo com a Resolução ANP 47/2014, os volumes recuperáveis estimados serão classificados
como reservas e recursos contingentes, quando descobertos, ou prospectivos, quando não
descobertos. (AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO, GÁS NATURAL E BIOCOMBUSTÍVEIS
(Brasil), 2014). Na seção 2 apresentamos a definição de reservas e recursos contingentes (Nota
nossa).
5 Do ponto de vista morfológico e fisiográfico as margens continentais representam a zona de
transição entre os continentes e as bacias oceânicas. Situam-se abaixo do nível do mar embora
façam parte do continente. Segundo a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar
compreende o prolongamento submerso da massa terrestre do Estado costeiro e é constituída pelo
leito e subsolo da plataforma continental, pelo talude e pela elevação continental. Não compreende
nem os grandes fundos oceânicos, com as suas cristas oceânicas, nem o seu subsolo. (UNITED
NATIONS, 1982).
6 De acordo com a Rystad Energy, recursos recuperáveis compreendem a estimativa média dos
volumes dos campos descobertos, mais os recursos contingentes em descobertas, acrescentados
de recursos prospectivos com risco em campos não descobertos. (RYSTAD ENERGY, 2019).
7 Segundo Papaterra (2010), estratigraficamente, o intervalo “pré-sal” é representado por todos os
estratos depositados temporalmente antes do pacote evaporítico, do final do Aptiano. A área de
abrangência dos reservatórios do “pré-sal” distribui-se essencialmente pelas bacias sedimentares
de Santos e Campos, situadas na margem continental brasileira. (Nota nossa).
8 As bacias sedimentares desta Margem compreendem a região offshore do Norte da bacia Potiguar
(estado do RN) até a bacia da Foz do Amazonas, no extremo norte do País, limítrofe com a Guiana
Francesa. (Nota nossa).
15
Nordeste), cujo potencial geológico é reconhecido mundialmente.
Embora a velocidade da transição energética seja uma incógnita, a questão
dos ativos e recursos “encalhados9” de hidrocarbonetos (Oil and Gas Stranded
Assets/Resources) será colocada aos produtores e aos países detentores destes
recursos.
A discussão sobre os efeitos da transição energética no setor de
hidrocarbonetos Brasil possui relevância estratégica ao Estado, bem como ao
desenvolvimento econômico do País. Acrescenta-se também, face a concentração
dos recursos de hidrocarbonetos no Brasil ocorrer em ambiente marítimo, a
importância estratégica de Defesa do Atlântico Sul expressa na Política Nacional de
Defesa (BRASIL, 2016b) e na Estratégia Nacional de Defesa (BRASIL, 2016a), o qual
acolhe a denominada “Amazônia Azul”10, ecossistema de área comparável à
Amazônia brasileira e de vital relevância para o País.
O trabalho terá como objetivo principal apresentar o tema stranded assets e
suas implicações sobre os recursos petrolíferos brasileiros. A análise do problema
será qualitativa e introdutória acerca do risco de perda de valor destes recursos. A
delimitação ora proposta se impõe devido à grande complexidade do tema e a
incógnita sobre a velocidade da transição energética para uma economia de baixo
carbono11.
Quanto ao desenvolvimento, terá como base a pesquisa, seleção e avaliação
crítica de trabalhos técnicos publicados sobre o tema Stranded Oil and Gas Assets. O
material utilizado envolveu dezenas de artigos, relatórios de consultorias e instituições
de pesquisa sobre energia que abordam o risco de ativos de hidrocarbonetos se
tornarem irrecuperáveis ou afundados (“encalhados”).
9 Recursos encalhados (stranded resources) refere-se a recursos não usados. Ativos encalhados
(stranded assets) é o ativo que está perdendo ou perdeu valor. Por exemplo, os recursos
petrolíferos podem tornar-se “encalhados” se não puderem ser produzidos, investimentos (ativos)
feitos para produzir esses recursos podem tornarem-se “encalhados” se a produção tiver que ser
interrompida. (BOS; GUPTA, 2019). A seção 2.1 apresenta as definições destes termos de forma
pormenorizada. (Nota nossa).
10 Representa um conceito político-estratégico que abrange os espaços oceânicos e ribeirinhos, com
área de 5,7 milhões de km², que compõem as Águas Jurisdicionais Brasileiras. Em virtude de
possuir uma área equivalente a 67% do nosso território terrestre, com dimensão e biodiversidade
semelhantes ao da Amazônia Verde, convencionou-se chamá-la de “Amazônia Azul”. (MARINHA
DO BRASIL, 2019).
11 Economia de baixo carbono é uma configuração propositiva do ambiente de negócios, que
favorece novas tecnologias em prol da preservação do meio ambiente e da redução da emissão de
Gases do Efeito Estufa (GEE), especialmente o dióxido de carbono (CO2). (CONSELHO
EMPRESARIAL BRASILEIRO PARA O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL; INSTITUTO CLIMA
E SOCIEDADE, 2018).
16
Na segunda seção procurou-se apresentar definições técnicas, estimativas
globais de risco de perda de valor de reservas de hidrocarbonetos e uma introdução
sobre a discussões de acordo global que busca combater os efeitos das mudanças
climáticas no mundo, em especial ao Acordo de Paris.
Na sequência, procuramos definir os aspectos gerais do ciclo de Exploração
e Produção (E&P) no setor de petróleo e gás natural, enfatizando o aspecto temporal,
item fundamental para tomada de decisões estratégicas do Estado (seção 3).
Por fim, com base neste referencial, tentou-se analisar os riscos dos recursos
e ativos do Brasil tornarem-se “encalhados” (seção 4).
Não se utilizaram dados proprietários nem confidenciais, seja de empresas,
seja de órgãos públicos.
O estudo visa também servir como referência para aqueles que possuem
interesse em se aprofundar neste tema, bem como, para os tomadores de decisão do
setor petrolífero nacional.
17
2 O PROBLEMA DOS RECURSOS E ATIVOS “ENCALHADOS” DE
PETRÓLEO E GÁS NATURAL (STRANDED OIL AND GAS
ASSESTS/RESOURCES)
O arranque para uma economia de baixo carbono tem se tornado de extrema
relevância na agenda internacional. Cada vez mais esta temática tem chamado a
atenção de empresas, investidores, bancos, seguradoras, reguladores e formadores
de política.
Embora a velocidade seja uma incógnita, a ideia de que parte significativa dos
recursos de combustíveis fósseis possuem potencial para se tornar inutilizados
(“encalhados”) desencadeou uma discussão sobre o risco de se investir neste setor,
em especial aos hidrocarbonetos.
A possibilidade desses recursos e ativos tornarem-se inutilizados vem sendo
reforçada diante de uma política global sobre mudanças climáticas, materializada nos
compromissos assumidos no Acordo de Paris (UNITED NATIONS, 2015), que visa,
em última hipótese, a redução de emissão de gases de efeito estufa.
Neste debate sobre o risco de ativos e recursos de hidrocarbonetos se
tornarem irrecuperáveis, observa-se a ameaça de uma redução drástica no valor de
mercado das grandes empresas de petróleo e consequente impacto na economia
global, bem como em fundos de pensão e aposentadoria.
Mercure et al. (2018, p. 588) aponta uma perda de riqueza global das
companhias do setor fóssil num montante entre 1 a 4 trilhões de dólares americanos,
como consequência da queda dos preços da energia renovável e o rápido aumento
do investimento em tecnologias de baixo carbono.
Para fins teórico e melhor compreensão das nomenclaturas utilizadas neste
trabalho, apresentaremos inicialmente a definição contábil de ativo e recurso, as
diferenças entre ativos e recursos “encalhados”, e os termos técnicos relacionados
com os recursos e reservas de petróleo e gás natural.
Na sequência, apresentaremos um resumo do Acordo de Paris, cuja
importância nesta discussão deve-se ao acordo global que busca combater os efeitos
das mudanças climáticas no mundo.
Finalmente, mencionaremos informações de trabalhos acadêmicos com
estimativas globais de perda de valor de ativos e recursos de hidrocarbonetos.
18
2.1 DEFINIÇÕES
Diretamente ligado à contabilidade, a definição de ativo e recurso é de
extrema relevância para a correta compreensão do problema apresentado neste
trabalho. Em apertada síntese, estes conceitos envolvem os resultados de um evento
que ocorreu no passado e a geração de benefício econômico futuro.
De mesma importância, o entendimento da diferença entre os termos ativos e
recursos “encalhados”, e no caso concreto aplicado a indústria de petróleo e gás
natural, a utilização precisa dos conceitos recursos e reservas, muitas das vezes
erroneamente utilizadas como sinônimos, são essenciais para a análise do risco de
volumes de hidrocarbonetos tornarem-se sem valor econômico.
2.1.1 Ativo e Recurso
Sob a ótica da teoria contábil, os ativos (assim como os passivos) fazem parte
da contabilidade de uma empresa e são registrados no balanço patrimonial, um
relatório contábil que demonstra a posição financeira e econômica da organização,
úteis à tomada de decisão em relação a investimentos, créditos e similares.
Segundo o Manual de Contabilidade Aplicada ao Setor Público (BRASIL,
2018a, p. 144-145, grifo nosso): “Ativo é um recurso controlado no presente pela
entidade como resultado de evento passado. [...] Recurso é um item com
potencial de serviços ou com a capacidade de gerar benefícios econômicos. [...]”
A forma física não é uma condição necessária para um recurso. O potencial de
serviços ou a capacidade de gerar benefícios econômicos podem surgir diretamente
do próprio recurso ou dos direitos de sua utilização. O controle do recurso envolve a
capacidade da entidade em utilizar o recurso (ou controlar o uso por terceiros) de
modo que haja a geração do potencial de serviços ou dos benefícios econômicos
originados do recurso para o cumprimento dos seus objetivos de prestação de
serviços, entre outros. A definição de ativo exige que o recurso controlado pela
entidade no presente tenha surgido de um evento passado, por meio de
transação com ou sem contraprestação.
19
O Manual (BRASIL, 2018a) define transação sem contraprestação aquela em
que a entidade recebe ativos ou serviços ou tem passivos extintos e em contrapartida
entrega valor irrisório ou nenhum valor em troca. Considera-se, ainda, como transação
sem contraprestação, a situação em que a entidade fornece diretamente alguma
compensação em troca de recursos recebidos, mas tal compensação não se aproxima
do valor justo dos recursos recebidos.
Com relação a transações com contraprestação é aquela em que a entidade
recebe ativos ou serviços ou tem passivos extintos e entrega valor aproximadamente
igual em troca, prioritariamente sob a forma de dinheiro, bens, serviços ou uso de
ativos (BRASIL, 2018a).
2.1.2 Ativos “Encalhados” (Stranded Assets)
De acordo com Crew e Kleindorfer (1999), para um ativo ser considerado
“encalhado” ele deve incorrer em uma perda significativa de valor. Adicionalmente,
esta perda de valor deve estar diretamente relacionada ao resultado de alterações
legislativas ou regulatórias.
Segundo Papaterra e Dutra (2018), o termo inglês stranded assets, mal
traduzido como ativos “encalhados”, foi cunhado para assimilar o risco de se tornarem
irrecuperáveis, ou afundados, em razão da desregulamentação e de modificações
supervenientes verificadas durante a década de 1980 nos setores de infraestrutura
com as privatizações.
Já o think-tank internacional Carbon Tracker define como ativos “encalhados”
os recursos fósseis que, em algum momento antes do final de sua vida econômica,
não são mais capazes de obter retorno econômico como resultado de mudanças
associadas à transição para uma economia de baixo carbono (CARBON TRACKER
INITIATIVE, [201-]).
Em uma abordagem semelhante, a Agência Internacional de Energia
caracteriza como “ativos encalhados” os investimentos que já foram realizados, mas
que, em algum momento antes do fim da sua vida econômica (como assumido no
ponto de decisão de investimento) já não são capazes de assegurar retorno
econômico como resultado de mudanças de mercado e ambiente regulatório trazido
20
pela “política climática” (INTERNATIONAL ENERGY AGENCY, 2013).
Por sua vez, Caldecott et al., numa abordagem essencialmente relacionada
ao meio ambiente, apresentam os seguintes riscos que podem resultar em “ativos
encalhados”:
 desafios ambientais (por exemplo, mudanças climáticas,
degradação do capital natural
 transformações nos recursos naturais e fósseis (e.g., abundância
de shale gas12
, escassez de fosfato)
 novos regulamentos governamentais (por exemplo, precificação de
carbono, regulamentação da poluição do ar)
 redução dos custos de tecnologia limpa (e.g., energia solar
fotovoltaica, energia eólica, veículos elétricos)
 evoluções nas normas sociais (por exemplo, campanha em
desinvestimento de combustíveis fósseis) e no comportamento do
consumidor (e.g., diretrizes de esquemas para certificação de
produtos)
 contenciosos (por exemplo, responsabilidade por emissão de
carbono) e alterações de interpretações legais (e.g., obrigações
fiduciárias ou requisitos de publicidade ou divulgação de
informações)13
(CALDECOTT et al., 2016, p. 75-76, grifo do autor).
Utilizando-se de um conceito mais amplo e sintético, a instituição Generation
Foundation define Stranded Assests como “[...] um ativo que perde seu valor
econômico bem antes da sua expectativa de vida útil, devido a mudanças na
legislação, regulamentação, forças de mercado, inovação disruptiva, normas sociais
ou choques ambientais [...]”14 (GENERATION FOUNDATION, 2013, p. 21, tradução
nossa).
12 Shale gas ou gás de folhelho é produzido de rochas argilosas ricas em matéria orgânica, que
servem como rocha-fonte, trapa e reservatório para o gás natural. Os folhelhos têm permeabilidade
muito baixa (centenas de nanodarcies) requerendo fraturas naturais ou estimulação por
fraturamento hidráulico. Novas tecnologias, especialmente a perfuração de poços horizontais com
longa extensão combinada com intenso fraturamento hidráulico, permitiram a produção de gás em
vazões econômicas. (BRASIL, 2012).
13 “[…]
• Environmental challenges (e.g., climate change, water constraints)
• Changing resource landscapes (e.g., shale gas, phosphate availability)
• New government regulations (e.g., carbon pricing, air pollution regulation)
• Falling clean technology costs (e.g., solar photovoltaic, onshore wind)
• Evolving social norms (e.g., fossil fuel divestment) and consumer behavior (e.g., certification
schemes)
• Litigation and changing statutory interpretations (e.g., changes in the application of existing laws
and legislation)” (CALDECOTT et al., 2016, p. 75-76, grifo do autor).
14 "[…] an asset which loses economic value well ahead of its anticipated useful life, whether that is a
result of changes in legislation, regulation, market forces, disruptive innovation, societal norms, or
environmental shocks. […]” (GENERATION FOUNDATION, 2013, p. 21).
21
No caso específico do setor de hidrocarbonetos, Ploeg (2016) discorre que as
três ameaças que colocam em riscos os produtores de petróleo e gás natural são:
a) a baixa prolongada dos preços do petróleo e do gás;
b) o endurecimento da política climática e a rigidez no orçamento de
emissões cumulativas de carbono; e
c) a inovação tecnológica produzindo substitutos baratos para petróleo e
gás.
Para fim teórico deste trabalho, bem como de circunscrição e discussão sobre
os “ativos encalhados” de hidrocarbonetos, adotaremos o conceito da instituição
Generation Foundation (2013), conjugados com as ameaças que colocam em riscos
os produtores de petróleo e gás natural apresentadas por Ploeg (2016).
2.1.3 Recursos “Encalhados” (Stranded Resources)
Conforme definido na seção 2.1.1, recurso é um item potencial ou com a
capacidade de gerar benefícios econômicos. O recurso se transforma num ativo no
momento em que há investimento comercial e a utilização.
Bos e Gupta (2019) definem recursos “encalhados” aqueles recursos
considerados antieconômicos ou que não podem ser desenvolvidos ou extraídos de
acordo em função de: a) mudanças tecnológicas, b) aspectos espaciais15, c)
mudanças regulatórias, d) limitações políticas ou de mercado e, e) mudanças nas
normas sociais e ambientais.
De forma semelhante aos ativos, para fim teórico deste trabalho, bem como
de circunscrição e discussão sobre os recursos “encalhados” de hidrocarbonetos,
adotaremos a definição Bos e Gupta (2019), conjugados com as ameaças que
colocam em riscos os produtores de petróleo e gás natural apresentadas por Ploeg
(2016).
15 Refere-se a dimensão espacial apresentada em Bos e Gupta (2019). Onde os primeiros a chegar
utilizam-se dos seus próprios recursos e dos recursos de outros países para o seu próprio
desenvolvimento, deixando pouco espaço de utilização ambiental para os retardatários se
desenvolverem. (Nota nossa).
22
2.1.4 Recursos e Reservas de Petróleo e Gás Natural
Recursos de petróleo e gás natural é a quantidade de petróleo e/ou gás
natural que se estima existir originalmente em acumulações descobertas ou não.
A ANP, autarquia federal responsável legal pelo acompanhamento e
fiscalização das atividades da indústria do petróleo, na Resolução 47/2014 define
recursos como todos os volumes de petróleo e gás natural que ocorrem naturalmente
(recuperáveis ou não), descobertos ou não, somados aos volumes já produzidos
(AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO, GÁS NATURAL E BIOCOMBUSTÍVEIS
(Brasil), 2014).
Por seu turno, o termo reservas é um conceito técnico-econômico. Segundo
a Resolução 47/2014, reservas são definidas como as quantidades de petróleo e gás
natural estimadas de serem comercialmente recuperáveis através de projetos de
explotação16 de reservatórios descobertos, a partir de uma determinada data, sob
condições definidas. Para que volumes sejam classificados como reservas, os
mesmos devem ser descobertos, recuperáveis, comerciais e remanescentes, numa
determinada data de referência, com base em projetos de explotação (AGÊNCIA
NACIONAL DO PETRÓLEO, GÁS NATURAL E BIOCOMBUSTÍVEIS (Brasil), 2014).
Ademais, para que uma quantidade de petróleo ou gás Natural seja
classificada como reservas, deverá ser constatada uma razoável certeza de
capacidade de produção do(s) reservatório(s)17, verificada por produção (AGÊNCIA
NACIONAL DO PETRÓLEO, GÁS NATURAL E BIOCOMBUSTÍVEIS (Brasil), 2014).
No Brasil, a classificação e categorização de Recursos e Reservas está
alinhada com o Sistema de Gerenciamento de Recursos Petrolíferos
16
O termo técnico Explotação (do inglês exploitation) refere-se a retirada ou extração de
hidrocarbonetos presentes em reservatórios. Por sua vez, o termo Exploração (do inglês
exploration) refere-se a fase de pesquisa. (Nota nossa).
17 No caso de Recursos Convencionais, o termo Reservatório refere-se a uma formação rochosa de
subsuperfície que contém uma Acumulação natural individual e separada de Petróleo ou Gás
Natural móveis, confinado por rochas/formações impermeáveis, e é caracterizada por um único
sistema de pressão. No caso de Recursos Não Convencionais, este termo refere-se às
Acumulações que abrangem extensa área e não são afetadas significativamente por influências
hidrodinâmicas. (AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO, GÁS NATURAL E BIOCOMBUSTÍVEIS
(Brasil), 2014).
23
(Petroleum Resources Management System - PRMS18).
A figura 1 apresenta o sistema de classificação adotado pela ANP na
Resolução 47/2014. Neste quadro, o eixo vertical representa a classificação dos
projetos, considerando a chance (risco) de ser desenvolvido e alcançar o status de
produção comercial. O eixo horizontal representa a categorização por nível de
incerteza (técnica) de quantidades potencialmente recuperáveis.
Figura 1 – Classificação e categorização de Recursos e Reservas de petróleo e gás
natural
Fonte: Elaboração própria, adaptado de Agência Nacional do Petróleo, Gás
Natural e Biocombustíveis (Brasil) (2014, p. 07).
18 Petroleum Resources Management System (PRMS): Sistema de classificação dos Recursos
petrolíferos, patrocinado por diversas entidades internacionais como a SPE (Society of Petroleum
Engineers), AAPG (American Association of Petroleum Geologists), WPC (World Petroleum
Council), SPEE (Society of Petroleum Evaluation Engineers) e SEG (Society of Exploration
Geophysicists), reconhecido como referência para a indústria de petróleo e gás mundial. (AGÊNCIA
NACIONAL DO PETRÓLEO, GÁS NATURAL E BIOCOMBUSTÍVEIS (Brasil), 2014).
VolumeinPlace
VolumeDescobertoinPlace
ComercialSub-comercial
Reservas
Provada
(1P)
Provada +
Provável
(2P)
Provada +
Provável +
Possível
(3P)
Produção
(1C)
Recurso Contigente
(2C) (3C)
Não Recuperável
Recurso Prospectivo
Baixa
Estimativa
Melhor
Estimativa
Alta
Estimativa
VolumeNão
Descobertoin
Place
Não Recuperável
Incerteza
Comercialidade
24
Nesta classificação podemos notar dois grandes grupos de Recursos, o
descoberto (compreendendo Reservas e Recursos Contingentes) e o não descoberto
(Recurso Prospectivo).
Os volumes de reserva são categorizados de acordo com o seguinte nível de
incerteza:
a) Provadas ou 1P: indica um alto grau de confiança de que a quantidade
será recuperada. Quando são usados métodos probabilísticos, a
probabilidade de que a quantidade recuperada seja igual ou maior que a
estimativa deverá ser de pelo menos 90%);
b) Prováveis: menos provável que a das reservas provadas, mas de maior
certeza em relação à das Reservas Possíveis. Quando são usados
métodos probabilísticos, a probabilidade de que a quantidade recuperada
seja igual ou maior que a soma das estimativas das Reservas Provada e
Provável (2P) deverá ser de pelo menos 50%; e
c) Possíveis: quantidade de petróleo ou gás natural que a análise de dados
de geociências e de engenharia indica como menos provável de se
recuperar do que as reservas prováveis. Quando são usados métodos
probabilísticos, a probabilidade de que a quantidade recuperada seja
maior ou igual à soma das estimativas das Reservas Provada, Provável e
Possível (3P) deverá ser de pelo menos 10% (AGÊNCIA NACIONAL DO
PETRÓLEO, GÁS NATURAL E BIOCOMBUSTÍVEIS (Brasil), 2014).
As quantidades de petróleo ou gás Natural potencialmente recuperável, de
reservatórios descobertos, por meio de projetos de desenvolvimento, mas cuja
Produção, na data de referência, não é comercialmente viável devido a uma ou mais
contingências são classificados como Recursos Contingentes (AGÊNCIA NACIONAL
DO PETRÓLEO, GÁS NATURAL E BIOCOMBUSTÍVEIS (Brasil), 2014).
Já a quantidade de petróleo ou gás Natural que, em uma determinada data, é
potencialmente recuperável a partir de acumulações não descobertas, porém
passíveis de ser objeto de futuros projetos de desenvolvimento, são classificadas
como Recursos Prospectivos (AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO, GÁS
NATURAL E BIOCOMBUSTÍVEIS (Brasil), 2014).
Os Recursos Contingentes, de forma análoga a Reservas, podem ser
categorizadas como 1C, 2C, ou 3C. Já os Recursos Prospectivos são categorizados
25
de acordo com a estimativa, menor, melhor ou maior (AGÊNCIA NACIONAL DO
PETRÓLEO, GÁS NATURAL E BIOCOMBUSTÍVEIS (Brasil), 2014).
2.2 A 21ª CONFERÊNCIA DAS “PARTES” (COP21- ACORDO DE PARIS)
Em 12 de dezembro de 2015, em Paris, na 21ª Conferência das “Partes”
(COP21) da UNFCCC (Convenção Quadro das Nações Unidas sobre as Mudanças
Climáticas) foi adotado um novo acordo global que busca combater os efeitos das
mudanças climáticas, bem como reduzir as emissões de gases de efeito estufa
(BRASIL, 2017c).
O documento assinado, denominado de Acordo de Paris, visa fortalecer a
resposta global à ameaça das mudanças climáticas, no contexto do desenvolvimento
sustentável e os esforços para erradicar a pobreza, incluindo:
[...]
a) Manter o aumento da temperatura média global bem abaixo
dos 2°C acima dos níveis pré-industriais e buscar esforços para limitar
o aumento da temperatura a 1,5°C acima dos níveis pré-industriais,
reconhecendo que isso reduziria significativamente os riscos e
impactos das mudanças climáticas;
b) Aumentar a capacidade de adaptar-se aos impactos adversos
das mudanças climáticas e fomentar a resiliência ao clima e o
desenvolvimento de baixas emissões de gases de efeito estufa, de
uma forma que não ameace a produção de alimentos; e
c) Promover fluxos financeiros consistentes com um caminho de
baixas emissões de gases de efeito estufa e de desenvolvimento
resiliente ao clima.
[...]19
(UNITED NATIONS, 2015, art. 2o
, tradução nossa).
Destaca ainda a preocupação que os níveis estimados agregados de emissão
de gases de efeito de estufa em 2025 e 2030 resultantes das contribuições
19 “[…]
(a) Holding the increase in the global average temperature to well below 2°C above pre-
industrial levels and pursuing efforts to limit the temperature increase to 1.5°C above pre-industrial
levels, recognizing that this would significantly reduce the risks and impacts of climate change;
(b) Increasing the ability to adapt to the adverse impacts of climate change and foster climate
resilience and low greenhouse gas emissions development, in a manner that does not threaten food
production; and
(c) Making finance flows consistent with a pathway towards low greenhouse gas emissions and
climate-resilient development.
[…] (UNITED NATIONS, 2015, art. 2o).
26
nacionalmente determinadas pretendidas não se enquadram nos cenários abaixo dos
2°C, mas levam a um nível projetado de 55 giga toneladas (Gt) em 2030, e também
observa que esforços de redução da emissão muito maiores serão exigidos em
relação àqueles associados com as contribuições nacionalmente determinadas
pretendidas de modo a manter o aumento da temperatura média global a menos de
2°C acima dos níveis pré-industriais, reduzindo as emissões para 40 giga toneladas
ou de 1,5°C acima dos níveis pré-industriais (UNITED NATIONS, 2015, p. 04).
O texto final determina também, em relação ao financiamento climático, que
os países desenvolvidos, antes de 2025, deve definir uma nova meta quantificada
coletiva de um piso de US$ 100 bilhões por ano, tendo em conta as necessidades e
prioridades dos países em desenvolvimento (UNITED NATIONS, 2015, p. 10).
Importante frisar que o presente Acordo será implementado para refletir a
igualdade e o princípio das responsabilidades comuns, porém diferenciadas e
respectivas capacidades, à luz das diferentes circunstâncias nacionais (UNITED
NATIONS, 2015, p. 26).
A fim de alcançar o objetivo de longo prazo de temperatura (ou seja, manter o
aumento da temperatura média global bem abaixo dos 2°C acima dos níveis pré-
industriais e buscar esforços para limitar o aumento da temperatura a 1,5 °C acima
dos níveis pré-industriais), as “Partes” têm como objetivo atingir um pico global das
emissões de gases de efeito estufa o mais rápido possível, reconhecendo que o pico
levará mais tempo para países em desenvolvimento, e para realizar reduções rápidas,
posteriormente, de acordo com o melhor conhecimento científico disponível (UNITED
NATIONS, 2015, p. 26).
2.2.1 O Acordo de Paris e o Brasil
O Brasil, após a aprovação pelo Congresso Nacional, concluiu, em 12 de
setembro de 2016, o processo de ratificação do Acordo de Paris. No dia 21 de
setembro, o instrumento foi entregue às Nações Unidas (BRASIL, 2017b).
Segundo o Ministério do Meio Ambiente (MMA), o Brasil, através das
Contribuições Nacionalmente Determinadas (Nationally Determined Contribution -
NDC), comprometeu-se a reduzir as emissões de gases de efeito estufa
27
em 37% abaixo dos níveis de 2005, em 2025, com uma contribuição indicativa
subsequente de reduzir as emissões de gases de efeito estufa em 43% abaixo dos
níveis de 2005, em 2030 (BRASIL, 2017b).
Para isso, o país se comprometeu a aumentar a participação de bioenergia
sustentável na sua matriz energética para aproximadamente 18% até 2030, restaurar
e reflorestar 12 milhões de hectares de florestas, bem como alcançar uma participação
estimada de 45% de energias renováveis na composição da matriz energética em
2030 (BRASIL, 2017b).
A NDC do Brasil corresponde a uma redução estimada em 66% em termos de
emissões de gases efeito de estufa por unidade do Produto Interno Bruto (PIB)
(intensidade de emissões) em 2025 e em 75% em termos de intensidade de emissões
em 2030, ambas em relação a 2005. O Brasil, portanto, reduzirá emissões de gases
de efeito estufa no contexto de um aumento contínuo da população e do PIB, bem
como da renda per capita, o que confere ambição a essas metas (BRASIL, 2017b).
Vale destacar também que nos Fundamentos para a Elaboração da
Pretendida Contribuição Nacionalmente Determinada (Intended Nationally
Determined Contribution - iNDC) do Brasil há a pretensão de adotar medidas
adicionais que são consistentes com a meta de temperatura de 2°C, em particular:
a) aumentar a participação de biocombustíveis sustentável na matriz
energética brasileira para aproximadamente 18% até 2030, expandindo o
consumo de biocombustíveis, aumentando a oferta de etanol, inclusive
por meio do aumento da parcela de biocombustíveis avançados (segunda
geração), e aumentando a parcela de biodiesel na mistura do diesel;
b) no setor da energia, alcançar uma participação estimada de 45% de
energias renováveis na composição da matriz energética em 2030,
incluindo:
- expandir o uso de fontes renováveis, além da energia hídrica, na matriz
total de energia para uma participação de 28% a 33% até 2030;
- expandir o uso doméstico de fontes de energia não fóssil, aumentando
a parcela de energias renováveis (além da energia hídrica) no
fornecimento de energia elétrica para ao menos 23% até 2030,
inclusive pelo aumento da participação de eólica, biomassa e solar;
28
c) no setor industrial, promover novos padrões de tecnologias limpas e
ampliar medidas de eficiência energética e de infraestrutura de baixo
carbono; e
d) no setor de transportes, promover medidas de eficiência, melhorias na
infraestrutura de transportes e no transporte público em áreas urbanas
(BRASIL, 2017d, p. 05 e 06).
2.3 IMPACTO GLOBAL DOS ATIVOS “ENCALHADOS”
Segundo estudo apresentado pela Agência Internacional de Energia
Renovável (International Renewable Energy Agency – IRENA) (2017, p. 19),
organização intergovernamental que apoia países na transição para um futuro
energético sustentável, estima-se que a magnitude de “ativos encalhados” de
hidrocarbonetos, em função dos compromissos de desenvolvimento sustentável, varie
de 34% a 49% das reservas globais de petróleo e de 49% a 52% das reservas de gás
natural (Figura 2).
Figura 2 – Estimativa de reservas “encalhadas” de hidrocarbonetos
Fonte: Modificada da International Renewable Energy Agency (2017, p. 18).
29
A figura 2 apresenta a variação das estimativas de petróleo e gás natural
“encalhados” como percentual das reservas totais. Vale registrar que nos três estudos
referenciados pelo autor as premissas para os ativos tornarem-se “encalhados”
refletem compromissos com restrições de carbono e tendem a considerar a meta de
aumento global da temperatura em até 2ºC com probabilidade variando de 50% a
66%.
Koehler e Bertocci (2017, p. 04) apresentam dados que as reservas provadas
de recursos fósseis equivalem a 2.795 Gt CO2
20. Deste total, as reservas de carvão
correspondem a 65% (1.817 Gt CO2), seguida do petróleo com 23%
(643 Gt CO2), e gás natural 12% (335 Gt CO2). Para manutenção do limite de
aquecimento global em até 2ºC, apenas 565 Gt de CO2 poderiam ser consumidos
entre os anos de 2010 e 2050. A figura 3 ilustra os volumes de equivalentes de CO2
dos recursos fósseis apontados no estudo.
Figura 3 – Representação dos equivalentes de dióxido de carbono nos recursos
fósseis e potencial de “ativos encalhados”
Fonte: Modificada de Koehler e Bertocci (2017, p. 03).
20 1 Giga tonelada (Gt) = 1 bilhão de toneladas = 1×1015g; 1 kg carbono (C) = 3.664 kg dióxido de
carbono (CO2). (Nota nossa).
30
A título de comparação, a estimativa de emissões globais fósseis de CO2 em
2018 é de 37,1 ± 2 Gt de CO2. China, Estados Unidos da América, União Europeia e
Índia são responsáveis por cerca de 60 % destas emissões. (GLOBAL CARBON
PROJECT, 2018, p. 09, 11).
Para McGlade e Ekins (2015, p. 189), em termos globais, cerca de 430 bilhões
de petróleo e 95 trilhões de m³ de gás natural, classificados como reservas, devem
permanecer encalhadas até 2050, considerando a meta de aumento global da
temperatura em até 2ºC.
De acordo com este estudo, o Oriente Médio será a região com maior
potencial de reservas de petróleo “encalhadas”, com cerca de 263 bilhões de barris
não sendo aproveitados. O Canadá apresenta a menor taxa de utilização de reservas,
25%. Já os Estados Unidos da América (EUA) têm a melhor taxa de utilização de
petróleo, 94 % (tabela 1). Na América Central e do Sul, em torno de 58 bilhões de
barris de petróleo correm o risco de tornar-se encalhados.
A hipótese do reduzido percentual de utilização das reservas de
hidrocarbonetos no Canada, sustenta-se, segundo McGlade e Ekins (2015, p. 190),
devido à grande parte de produção de petróleo deste país ser do tipo não
convencional21, em mineração a céu aberto de betume natural, considerado menos
econômico que outros métodos de produção. Situação semelhante ocorre com a
Venezuela na América do Sul em virtude do grande volume de hidrocarbonetos ser de
petróleo extrapesado22, também com características não convencionais. Nesta
situação, volume significado de hidrocarbonetos da Venezuela não foi considerado no
supracitado estudo como reservas, mas como recursos potenciais.
A tabela 1 apresenta estimativas de volumes de reservas de petróleo, gás
natural e carvão de cada região, e o respectivo percentual de reservas atuais que não
deverão ser queimadas (produzidas) se o mundo aderir ao “orçamento de carbono”23
de forma a conter o aquecimento global em até 2ºC.
21
Para esclarecimentos adicionais sobre recursos não convencionais vide notas de rodapé 14 e 25.
(Nota nossa).
22
Grau API igual ou inferior a 10, são petróleos extrapesados. Esta medida da densidade de petróleo
líquido, estabelecida pelo American Petroleum Institute (API), é utilizada para identificação
comercial dos diferentes tipos de petróleo. Quanto menor o grau API, menor o valor comercial do
petróleo. (Nota nossa).
23 A expressão “orçamento de carbono” diz respeito à quantidade acumulada de dióxido de carbono
(CO2) que pode ser emitido ao longo de um determinado período, de forma a se limitar o
aquecimento global. (Nota nossa).
31
São apresentados dois cenários de previsões, um cenário que permite a
implantação generalizada de captura e armazenamento de gás carbônico (em inglês
CCS) a partir de 2025 em diante, e o outro assume que a Carbon Capture and Storage
(Captura e Armazenamento de Gás Carbônico – CCS) não estará disponível em
qualquer período de tempo. Da analise da tabela 1, podemos constatar que no caso
global das reservas de petróleo e gás natural, a implantação tardia da CCS possui
efeito modesto em termos percentuais num eventual “encalhe” destes volumes.
Tabela 1 – Distribuição regional de reservas não produzidas ("encalhadas") antes de
2050 de 2˚C com e sem CCS
País ou Região
Bilhão de
bbl
%
Trilhão
m³
% Gt* %
Bilhão de
bbl
%
Trilhão
m³
% Gt* %
África 23 21% 4,4 33% 28 85% 28 26% 4,4 34% 30 90%
Canada 39 74% 0,3 24% 5 75% 40 75% 0,3 24% 5,4 82%
China e India 9 25% 2,9 63% 180 66% 9 25% 2,5 53% 207 77%
Ex-repúblicas
soviéticas
27 18% 31 50% 203 94% 28 19% 36 59% 209 97%
America Central
e do Sul
58 39% 4,8 53% 8 51% 63 42% 5 56% 11 73%
Europa 5 20% 0,6 11% 65 78% 5.3 21% 0,3 6% 74 89%
Oriente Médio 263 38% 46 61% 3,4 99% 264 38% 47 61% 3,4 99%
OCDE* Pacífico 2,1 37% 2,2 56% 83 93% 2.7 46% 2 51% 85 95%
ODA* 2 9% 2,2 24% 10 34% 2.8 12% 2,1 22% 17 60%
EUA 2,8 6% 0,3 4% 235 92% 4.6 9% 0,5 6% 245 95%
Global 431 33% 95 49% 819 82% 449 35% 100 52% 887 88%
*CCS= carbon capture and storage (Captura e armazenamento de gás carbônico); Gt= bilhão de toneladas;
OCDE = Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico; ODA = Other developing Asian
countries (outros países asiáticos desenvolvidos)
Petróleo Gás Natural
2ºC com CCS
Carvão
2ºC sem CCS
Petróleo Gás Natural Carvão
Fonte: Modificado de McGlade e Ekins (2015, p. 189).
32
3 ASPECTOS GERAIS DA EXPLORAÇÃO E PRODUÇÃO (E&P) DE
PETRÓLEO E GÁS NATURAL
As atividades de E&P de petróleo e gás natural se caracterizam por elevada
incerteza, riscos e recompensas. Os projetos são de longa maturação, com
investimentos de capital vultosos, sendo que que grande parte dos investimentos
ocorrem antes da produção de hidrocarbonetos.
O ciclo de vida de um projeto de E&P requer a participação de especialistas
diferentes áreas, trabalhando em equipe, para tomar decisões importantes sobre
investimentos e operações. Envolve atividades técnico-científicas-tecnológicas.
No caso do Brasil, onde a maior parte da produção e dos recursos e reservas
de petróleo e gás natural ocorrem em ambiente marítimo, em águas profundas a ultras
profundas24, estas atividades demandam mais tempo e exigem investimentos muito
mais vultosos do que no ambiente terrestre.
A figura 4 ilustra graficamente um ciclo de vida hipotético de um projeto de
E&P, considerando as dimensões temporal (anos) e os dispêndios e receitas
(receitas).
Pode-se observar um longo período de fluxo de caixa negativo até se atingir
a fase de retorno dos investimentos. Geralmente as atividades de identificação e
acesso de oportunidades exploratórias, exploração e avaliação são realizadas pelo
capital próprio das empresas petrolíferas.
24 Água profunda refere-se a águas oceânicas em lâmina d’água entre 300 m e 1.500 m. Ultra
profunda refere-se a águas oceânicas em lâmina d’água superior a 1.500 m. (Nota nossa).
33
Figura 4 – Ciclo hipotético de projeto de E&P
Fonte: O autor
3.1 ESTÁGIOS
Devido aos riscos, às complexidades e à grande magnitude dos investimentos
necessários para se desenvolver um campo de petróleo e/ou gás natural, a maioria
das empresas divide as análises e decisões nos seguintes estágios, discretos e
sequenciais: a) identificação e acesso de oportunidades exploratórias, b) exploração,
c) avaliação, d) desenvolvimento, e) produção e, f) abandono.
34
3.1.1 Identificação e Acesso de Oportunidades Exploratórias
Este estágio é dedicado a análises técnicas, político/regulatórias,
econômicas/fiscais e psicossociais de possíveis áreas de interesse para atividade
exploratória.
Inicia-se com a avaliação, pela equipe de geocientistas das empresas
petrolíferas, de dados e informações sobre a geologia e histórico exploratório da
região de interesse. Identificado o potencial geológico da região para explotação de
hidrocarbonetos, bem como o seu enquadramento a visão estratégica da empresa, as
equipes técnicas passam a verificar as características do regime jurídico-regulatório
de exploração e produção de hidrocarbonetos.
Os três principais regimes conhecidos no setor de petróleo e gás natural são:
concessão, contrato de partilha de produção e o contrato de serviços.
No regime de concessão, via de regra, com algumas poucas exceções, o
Estado concede a empresas, em processo licitatório, áreas para o desenvolvimento
de atividade de E&P, por conta e risco, tendo como contrapartida, em caso de êxito, o
pagamento de tributos e participações governamentais (royalties). É adotado em
países desenvolvidos, como EUA, Canadá, Noruega, Grã-Bretanha, entre outros
países da OCDE, bem como em países, relativamente estáveis como Argentina,
Brasil, Colômbia e Rússia.
Já no Contrato de Partilha, as empresas também conduzem suas atividades
por conta e risco, porém em caso de sucesso, dividem (partilham) o petróleo e o gás
natural extraídos daquela área. Este regime é comum nos grandes produtores da
África (por exemplo Angola, Líbia e Nigéria) e Ásia (Cazaquistão, China, Índia e
Indonésia).
No Contrato de Serviços, não há outorga de direitos e obrigações as
companhias, ocorrendo apenas a contratação de serviços para à realização das
atividades de exploração e de desenvolvimento e produção. É utilizado nos grandes
exportadores com Arábia Saudita, Iraque e Irão Saudi, e no México.
Atualmente, temos um regime regulatório misto no País: a) regime de
concessão, definido na Lei nº 9.478/1997 (BRASIL, 1997) e, b) partilha de produção,
segundo a Lei nº 12.351/2010 (BRASIL, 2010b) na região do “pré-sal”.
Desde o fim do monopólio da Petrobras nas atividades de pesquisa,
35
exploração, produção e refino de petróleo/gás natural, até o presente já foram
realizadas 15 rodadas de blocos exploratórios no regime de concessão e quatro na
área do “pré-sal”, em regime de partilha de produção (AGÊNCIA NACIONAL DO
PETRÓLEO, GÁS NATURAL E BIOCOMBUSTÍVEIS (Brasil), 2019b).
No Brasil a concessão de direitos e obrigações de exploração e produção de
petróleo e gás natural ocorre por meio de leilões (denominados de Rodada de
Licitação), em sessão pública e transparente.
No caso da concessão, o critério de seleção de empresa vencedora do
certame envolve a melhor oferta de bônus de assinatura e de um conjunto de
atividades exploratórias (denominado de Programa Exploratório Mínimo - PEM).
No regime de partilha de produção, o bônus de assinatura e o PEM são
fixados no edital de licitação não fazendo parte da oferta. A seleção se dá pela melhor
oferta da parcela do excedente em óleo ofertada à União.
Como registro adicional, encontra-se vigente no Brasil o contrato de cessão
onerosa, estabelecido na Lei nº 12.276/2010 (BRASIL, 2010a), que tem por objeto a
cessão onerosa da União para a Petrobras, por contratação direta, do exercício das
atividades de pesquisa e lavra de petróleo e gás natural, limitado ao volume máximo
de 5 bilhões de barris de óleo equivalente, localizados em áreas do “pré-sal”, na bacia
de Santos.
3.1.2 Exploração
Uma vez adquirido ou tendo obtido acesso a área exploratória, são realizados
estudos geológicos pormenorizados na área de interesse. Analisados este dados e
informações, são programados na sequencia trabalhos adicionais de aquisição de
dados geológicos e geofísicos (em especial aquisição de sísmica de reflexão25) com
o intuito de se encontrar regiões favoráveis e com potencial de ocorrência de petróleo
25 Método indireto de prospecção em subsuperfície, baseado no princípio de reflexão de ondas
sísmicas. Tem como resultado final o imageamento em subsuperfície (sismograma) das camadas de
rochas na Terra. (Nota nossa).
36
e gás natural. Identificada a oportunidade exploratória26, inicia-se a programação de
perfuração de poços exploratórios (poços pioneiros27) com o objetivo final de constatar
a existência de petróleo e gás natural (descoberta) na área pesquisada.
No Brasil durante a fase de exploração o concessionário é obrigado a cumprir
um programa exploratório, num prazo de três a oito anos, podendo ser prorrogados,
que varia em função da localização e ambiente operacional.
3.1.3 Avaliação
O estágio de avaliação tem como objetivo final avaliar a descoberta de
petróleo e gás natural identificada através da perfuração de poços no estágio anterior.
Na avaliação são programadas novas perfurações de poços exploratórios,
buscando-se reduzir as incertezas, especialmente as relacionadas aos volumes
recuperáveis de petróleo e gás natural existentes no reservatório. Neste momento,
tem-se uma estimativa inicial de reservas e recursos na região estudada.
O passo seguinte é, através de um estudo de viabilidade técnica e econômica,
verificar se a descoberta é economicamente viável, declarando-se a comercialidade e
seguindo para o projeto de desenvolvimento do campo de petróleo e gás natural.
No Brasil a etapa de avaliação faz parte da Fase de Exploração estabelecida
nos contratos. Para a execução destas atividades as empresas devem apresentar um
Plano de Avaliação de Descoberta (PAD), cujo conteúdo deve conter um programa de
trabalho de atividades, com prazos e investimentos necessários para correta
avaliação da área.
Caso a empresa considere que a descoberta é economicamente atrativa é
facultado a declaração de comercialidade da área.
26 Uma oportunidade exploratória é uma situação geológica que pode envolver vários prospectos em
diversos graus de confiabilidade. Já o prospecto é uma acumulação potencial, mapeada por
geólogos e geofísicos, onde se estima que exista uma acumulação de óleo e/ou gás natural e que
esteja pronta para ser perfurada. Os cinco elementos necessários (geração, migração, reservatório,
selo e trapeamento) para que exista a acumulação devem estar presentes. (PAPATERRA, 2010).
27 É primeiro poço perfurado numa determinada área visando a testar a ocorrência de petróleo ou gás
natural. (Nota nossa).
37
3.1.4 Desenvolvimento
Este estágio tem início com a declaração de comercialidade de um campo de
petróleo e gás natural. O objetivo final é construir a infraestrutura para extração, sendo
realizados grandes investimentos em capital fixo.
Para tanto, é usual a elaboração de um projeto conceptual de estratégia de
desenvolvimento e gerenciamento da produção do campo (denominado de Plano de
Desenvolvimento).
Neste plano é especificado todas as atividades, operações e investimentos
(por exemplo: perfurações de poços produtores, sistemas de injeção, número de
unidades estacionárias de produção) necessários para o início da produção de
petróleo e gás natural.
Comumente, este plano deve ser apresentado e aprovado pelas autoridades
fiscalizadoras ou reguladoras do país para posterior início das atividades. Deve
abranger toda a vida produtiva do campo.
Nos contratos de exploração de exploração e produção do Brasil o estágio de
desenvolvimento é considerado como uma etapa integrante da Fase de Produção. Via
de regra as empresas têm um prazo de até 180 dias a partir da declaração de
comercialidade para apresentar um Plano de Desenvolvimento à ANP.
3.1.5 Produção
Estagio mais longo do ciclo de um projeto de E&P, ocorre quando o campo de
petróleo ou gás natural, como toda a infraestrutura instalada, está apto para iniciar a
produção.
O perfil típico de produção de petróleo e gás natural apresenta três fases
distintas: a) crescimento (ou ramp up) com o início da produção dos primeiros poços
produtores, b) plateau, momento em que as instalações e poços produtores estão com
capacidade de plena produção numa taxa constante e c) declínio, via de regra a mais
longa, onde os poços produtores encontram-se em decréscimo da produção. Na figura
4, estas fases podem ser visualidades no intervalo de tempo ente 01 a 22 anos.
38
Nos mais recentes contratos de concessão do Brasil para outorga de áreas
para exploração e produção do Brasil, a data de início da produção de hidrocarbonetos
é limitada no prazo máximo de 5 (cinco) anos, prorrogáveis, contados da declaração
de comercialidade. Nestes contratos a fase de produção tem duração de 27 anos a
contar da declaração de comercialidade, com possibilidade de prorrogação contratual
prevista nos diversos modelos de contrato de concessão.
3.1.6 Abandono
Conhecida também como descomissionamento, este estágio ocorre quando
as alternativas para recuperação dos hidrocarbonetos estão esgotadas e/ou a vida útil
das instalações não possam ser mais utilizadas para produção considerando
condições de segurança e de mínimo risco ao meio ambiente e à saúde humana.
Tem como objetivo final a desativação das instalações de infraestrutura
instalada para produção, bem como eventual recuperação ambiental na área do
empreendimento.
3.2 PERÍODO ENTRE OUTORGA E PRIMEIRO ÓLEO OU GÁS NATURAL
Conforme discutido nesta seção, os projetos de E&P do setor de petróleo e
gás natural são caracterizados por serem de longa maturação.
Os prazos para realização destas atividades estão subordinados a questões
regulatórias, aos ambientes geológico e operacional, as condições de mercado dos
fornecedores de bens e serviços e ao preço das commodity petróleo.
As tabelas 2 e 3 apresentam indicadores de tempo referente ao período entre
a adjudicação (assinatura dos contratos) da área exploratória (bloco) e o primeiro óleo
ou primeiro gás natural não associado, por ambiente28 e
28 Segmentação geográfica, conforme as diferentes situações operacionais, designadas por
ambientes de E&P, em terra (onshore) e no mar (offshore), nas bacias sedimentares brasileiras:
terra interior (TI); terra costeira (TC); mar costeiro (MC) até 100 m; água rasa de 100 m a 400 m
39
nível estratigráfico “pré-sal” e pós-sal29, estimado atualmente no Brasil. O cálculo
refere-se à contagem de tempo, em meses ou anos.
Tabela 2 – Período entre a adjudicação da concessão e o primeiro óleo
Fonte: Brasil (2018b, p. 14).
Tabela 3 – Período entre a adjudicação da concessão e o primeiro gás natural
Fonte: Brasil (2018b, p. 14).
(AR); água profunda de 400 m a 1500 m (AP); água ultraprofunda a partir de 1500 m (AUP).
(BRASIL, 2018b, p. 14).
29 Refere-se à camada posicionada em diversos horizontes cronoestratigráficos, com exceção da
realizada no horizonte geológico denominado pré-sal. (Nota nossa).
40
Com base nestes indicadores, podemos observar prazos mais curtos no
ambiente terrestre (TI, TC), sendo mais prolongados, gradativamente, em direção ao
ambiente marítimo e respectivas profundidades de lâmina d´agua (MC, AR, AP e
AUP).
Chama a atenção o tempo médio de aproximadamente dez anos decorrido
entre a outorga e o início da produção no Brasil das áreas de elevado potencial do
“pré-sal”. Esta questão temporal será de extrema relevância para a análise discussão
sobre o risco dos recursos de petróleo e gás natural, ainda não descobertos no Brasil,
tornaram-se “encalhados”.
Adicionalmente, a tabela 4 apresenta o tempo decorrido entre a assinatura
dos contratos (outorga) e o primeiro óleo dos seis maiores campos produtores de
petróleo do Brasil em junho de 2019. Estes campos atualmente contribuem com cerca
de 62% da produção de petróleo.
Tabela 4 – Período ocorrido entre a adjudicação da concessão e o início da
produção dos principais campos de petróleo do Brasil
Pré-sal Pós-sal Pré-sal Pós-sal
Lula 798.963 0 32.988 0 15/09/2000 29/12/2010 29/12/2010 10,29
Sapinhoá 242.230 0 10.155 0 15/09/2000 29/12/2011 05/01/2013 12,32
Búzios 191.208 0 7.118 0 01/09/2010 19/12/2013 10/03/2015 4,52
Jubarte 157.331 75.777 5.469 669 06/08/1997 12/12/2002 12/12/2002 5,35
Sul de Lula 51.210 0 2.005 0 01/09/2010 19/12/2013 26/10/2018 8,16
Mero 42.006 0 2.883 0 02/12/2013 30/11/2017 30/11/2017 4,00
Lapa 25.229 0 1.079 0 15/09/2000 19/12/2013 01/08/2016 15,89
Campo
Petróleo (bbl/d)
Gás natural
(Mm³/d)
Data
Assinatura
(A)
Declaração de
Comercialidade
Início de
Produção
(B)
Período
(B-A)
(Anos)
Fonte: O autor, com dados de Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis
(Brasil) (2019a, 2019c)).
Os campos marítimos de Búzios (cessão onerosa) e Mero (regime de partilha
de produção) tiveram poços exploratórios perfurados pela União, antes da contratação
das áreas, para ampliar o conhecimento sobre o “pré-sal”. Nestas duas áreas foram
confirmadas a descoberta de petróleo. A antecipação da atividade exploratória nas
áreas, antes da contratação e respectiva assinatura de contratos da União com
terceiros, justifica o menor período de tempo ocorrido entre a adjudicação da
concessão e o início da produção (coluna B-A na tabela 4).
41
4 HIPÓTESE DE RECURSOS E ATIVOS “ENCALHADOS” DE PETRÓLEO E
GÁS NATURAL NO BRASIL
Não obstante extensa literatura sobre o tema stranded assets, não
identificamos registros quantitativos diretos sobre a hipótese de recursos e reservas
de petróleo e gás natural no Brasil tornarem-se “encalhados” (stranded).
O trabalho de McGlade e Ekins (2015), apesar de estratificar as informações
para alguns países, apresentou estimativas de dados quantitativos apenas da região
da América Central e do Sul30. Neste estudo, os autores estimam que nesta região
cerca de 88 bilhões boe de reservas (58 bilhões de barris de petróleo e
5 trilhões de m³ gás natural) correm o risco de tornar-se encalhados até o ano de 2050,
se a intenção for conter o aquecimento global em até 2ºC.
Para embasamento desta discussão, examinaremos inicialmente os recursos
de hidrocarbonetos já descobertos no Brasil, abordaremos a questão do potencial
exploratório (acumulações não descobertas) remanescentes no País e por fim, devido
à grande complexidade do tema e a incógnita sobre a velocidade da transição
energética para uma economia de baixo carbono, analisaremos de forma qualitativa o
problema no Brasil.
4.1 RECURSOS E RESERVAS DE PETRÓLEO E GÁS NATURAL NO BRASIL
De acordo com o Boletim de Recursos e Reservas de Petróleo e Gás Natural,
data base 2018, da ANP (AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO, GÁS NATURAL E
BIOCOMBUSTÍVEIS (Brasil), 2018b), o Brasil possui aproximadamente
28,7 bilhões de barris de petróleo e 671 milhões de metros cúbicos (MM m³) em
recursos descobertos. Somados os volumes de petróleo e gás natural, temos
atualmente cerca de 33 bilhões de boe de recursos descobertos.
30
Sobre a questão dos ativos encalhados na América do Sul, em especial a Venezuela, recomendados a leitura
dos comentários da seção 2.3 deste trabalho. McGlade e Ekins (2015, p. 190) não considera os volumes
expressivos de hidrocarbonetos da Venezuela como reservas. (Nota nossa).
42
Este montante compreende os recursos classificados como reservas (3P) e
recursos contingentes, relativos ao dia 31 de dezembro de 2018 (ano de referência).
A tabela 5 apresenta os volumes declarados pelas empresas operadoras de
campos de petróleo e gás natural no Brasil, discriminados por categoria de recursos,
ambiente operacional (mar ou terra) e localização da bacia sedimentar.
Tabela 5 – Recursos e Reservas de petróleo e gás natural no Brasil
(ano base 2018)
Fonte: Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Brasil) (2018b,
p. 04).
Quanto aos fluídos, aproximadamente 96% dos volumes de petróleo e
86% do gás natural já descobertos encontram-se em ambiente offshore, na margem
continental brasileira.
Neste quesito, cabe um breve aparte para ressaltar a relevância das questões
dos limites das zonas marítimas sob a soberania e jurisdição brasileiras, refletidas na
importância estratégica de Defesa do Atlântico Sul expressa na Política Nacional de
Defesa (BRASIL, 2016b) e na Estratégia Nacional de Defesa (BRASIL, 2016a), o qual
43
acolhe a denominada “Amazônia Azul”, ecossistema de área comparável à Amazônia
brasileira e de vital relevância para o País.
Em função da especificidade do contrato de cessão onerosa31, os valores de
hidrocarbonetos divulgados na consolidação anual dos recursos e reservas nacionais
de petróleo e gás natural não consideram os volumes dos excedentes descobertos
neste contrato.
Segundo estimativas divulgadas pela ANP, são esperados os seguintes
volumes para o excedente da cessão onerosa: a) P50: 10.836 milhões de barris de
óleo equivalente, b) P90: 6.068 milhões de barris de óleo equivalente e, c) P10: 15.062
milhões de barris de óleo equivalente (AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO, GÁS
NATURAL E BIOCOMBUSTÍVEIS (Brasil), 2017).
Utilizando-se de métodos probabilísticos, a estimativa otimista é representada
pelo P10, a melhor estimativa P50 e a pessimista pelo P90.
Conjugando os volumes declarados pelas empresas de petróleo (referência
em 31/12/2018), com as estimativas divulgadas pela ANP, em intervalos segundo
chance de ocorrência, dos volumes excedentes do contrato de cessão onerosa,
podemos inferir que o Brasil possui entre 39 bilhões a 48 bilhões de barris equivalente
de óleo em recursos de hidrocarbonetos descobertos.
4.2 POTENCIAL EXPLORATÓRIO DO BRASIL
O Brasil possui uma área sedimentar com aproximadamente 7,7 milhões de
km², sendo 5,1 milhões de km² em terra (onshore). Cerca de 53% destas áreas
(4,1 milhões de km²) apresentam chances para a existência de acumulações de
petróleo ou de gás natural, logo revelam relativa importância para o desenvolvimento
de atividades exploratórias (BRASIL, 2017a).
A figura 5 ilustra as dimensões continentais das áreas sedimentares (em
amarelo pontilhado) do Brasil, comparando com a área com relativa chance de
existência de hidrocarbonetos (em verde).
31 Sobre contrato de cessão onerosa, vide seção 3.1. (Nota nossa).
44
Figura 5 – Áreas sedimentares do Brasil
Fonte: O autor, adaptado de: Brasil (2019).
Atualmente o Brasil possui em torno de 280 mil km² de área contratada para
atividades de exploração e produção no Brasil (figura 6), o que equivale a cerca de
7% das áreas com potencial para petróleo e gás natural.
45
Figura 6 – Blocos exploratórios sob concessão por rodada de licitações
Fonte: Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Brasil) (2018a).
46
Na figura 6, o polígono irregular em azul representa a área do “pré-sal”, os
polígonos regulares coloridos representam os blocos exploratórios contratados, as
áreas em amarelo as bacias sedimentares terrestres (onshore) e os polígonos
irregulares, em ciano, as áreas sedimentares em mar (offshore).
Podemos constatar neste cenário atual, em relação área total sedimentar
efetiva com chances de hidrocarbonetos, que há um predomínio de esforços
exploratórios na região denominada Margem Leste, em especial nas regiões de
elevado potencial de hidrocarbonetos nas bacias de Santos e Campos, na seção
“pré-sal”, e na bacia do Parnaíba, região nordeste do Brasil, cujo potencial principal é
o gás natural.
Observa-se também uma moderada concentração de áreas contratadas na
bacia do Solimões, região Norte do Brasil, e na bacia do São Francisco, no interior da
região Sudeste do Brasil. Em ambas os casos, o fluído potencialmente predominante
é o gás natural.
Não obstante área contratada significada na bacia do São Francisco, as
oportunidades descobertas até o presente estão associadas a recursos não
convencionais32 de gás natural, em especial formações com baixíssima porosidade
(tight gas), cuja extração necessita de tecnologias especiais. Hoje um fator limitante a
esta atividade no Brasil é a elevada exigência e morosa do processo licenciamento
ambiental. Inclusive em algumas localidades a moratória para licenciamento ou
mesmo a proibição da atividade.
Na região denominada Margem Equatorial, que engloba porções offshore das
bacias de Potiguar até a bacia da Foz do Amazonas, no ano de 2013, houve grande
interesse de grandes companhias internacionais na aquisição de áreas exploratórias.
Nesta região, as atividades iniciais de exploração de aquisição de sísmica tiveram
processos de licenciamento relativamente mais demorados que os previstos
inicialmente, de alguma forma atrasando a avaliação do potencial geológico.
32 Acumulação de Petróleo e Gás Natural que, diferentemente dos hidrocarbonetos convencionais,
não é afetada significativamente por influências hidrodinâmicas e nem é condicionada à existência
de uma estrutura geológica ou condição estratigráfica, requerendo, normalmente, tecnologias
especiais de extração, tais como poços horizontais ou de alto ângulo e fraturamento hidráulico ou
aquecimento em retorta. Incluem-se nessa definição o Petróleo extrapesado, o extraído das areias
betuminosas (sand oil ou tar sands), dos folhelhos oleíferos (shale oil), dos folhelhos ricos em
matéria orgânica (oil shale ou xisto betuminoso) e das formações com baixíssima porosidade (tight
oil). Consideram-se, também, na definição, o gás metano oriundo de carvão mineral (coal bed
methane ou coal seam gas) e de hidratos de metano, bem como o Gás Natural extraído de folhelhos
gaseíferos (shale gas) e de formações com baixíssima porosidade (tight gas). (AGÊNCIA
NACIONAL DO PETRÓLEO, GÁS NATURAL E BIOCOMBUSTÍVEIS (Brasil), 2014).
47
Na bacia do Paraná, região Centro Oeste/Sul, cujo potencial é predominante
o fluído de gás natural, observamos baixa densidade de área contratada. De forma
semelhante a outras regiões do Brasil um fator limitante é a moratória para
licenciamento ou mesmo a proibição da atividade.
Conforme podemos depreender, temos uma imensa área sedimentar ainda
pouco explorada no Brasil, com potencial para atração investimentos no setor de
petróleo e gás natural. O mapa temático sobre a necessidade de Conhecimento nas
áreas sedimentares brasileiras (figura 7) corrobora com esta afirmação.
De uma maneira geral, o mapa da figura 7 representa à disponibilidade de
dados geológicos e geofísicos das bacias sedimentares brasileiras, indicando a
necessidade de aquisição, processamento e interpretação de dados exploratórios nas
respectivas áreas sedimentares do Brasil (BRASIL, 2017a).
As cores quentes (amarelo, laranja e vermelho) do mapa indicam regiões
onde o conhecimento geológico é carente. Correspondem as áreas das bacias
interiores (como por exemplo, Paraná, Solimões, Amazonas, São Francisco e
Parnaíba) e regiões em águas ultraprofundas das bacias da margem continental. De
um modo geral, estas áreas carentes de informação, constituem novas fronteiras
exploratórias no Brasil.
Por outro lado, as regiões em cores frias (tonalidades em verde) inferem um
conhecimento geológico satisfatório a bom. Referem-se as áreas maduras terrestres
(bacia do Espirito Santo, Recôncavo, Sergipe-Alagoas e Potiguar) e as áreas offshore
de elevado potencial geológico nas bacias da Margem Leste Meridional: Santos,
Campos e Espírito Santo
48
Figura 7 – Mapa temático sobre a necessidade de conhecimento nas áreas
sedimentares brasileiras
Fonte: Modificado de Brasil (2017a, p. 487).
49
4.3 O RISCO DOS ATIVOS E RECURSOS “ENCALHADOS” NO BRASIL
As tendências de peso globais de aumento da conscientização ambiental, a
crescente preocupação com as mudanças climáticas e a diminuição da participação
do combustível fóssil na matriz energética mundial, tem levado as empresas e países
a reavaliar suas prioridades e investimentos de longo prazo no setor de petróleo e gás
natural.
A demanda por petróleo deve atingir seu pico em 2033 (McKINSEY ENERGY
INSIGHTS, 2019, p. 16). Depois deste cenário de pico de demanda, de acordo com
relatórios do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas o consumo de
combustível fóssil pode cair drasticamente para mitigar a mudança climática e a
poluição urbana até 2100 (INTERGOVERNMENTAL PANEL ON CLIMATE CHANGE,
2018).
Nessa circunstância, independente da incerteza temporal sobre o pico de
demanda de petróleo e eventual impacto das novas políticas climáticas globais sob o
setor fóssil, com pressões para redução de emissões de gases de efeito estufa,
advindas principalmente dos compromissos do Acordo de Paris, a transição
energética, já em andamento, sinaliza o inexorável declínio da era do petróleo no
médio a longo prazo.
O Brasil, como importante ator social (stakeholder) no setor de petróleo e gás
natural mundial, mais cedo ou mais tarde terá que enfrentar o problema do risco de
deixar de lado seus recursos de petróleo e gás natural.
Atualmente, o Brasil é o décimo produtor mundial de petróleo e apresenta
perspectivas de crescimento expressivas nos próximos anos.
Mesmo considerando as ameaças ao incremento do uso de energia fóssil em
âmbito global, provocadas em parte pela progressiva mentalidade das sociedades
para o uso sustentável da energia, num horizonte de curto a médio prazo nos parece
improvável, que os 23,8 milhões de reservas (3P) de petróleo e os cerca de
570 bilhões de m³ de reservas (3P) de gás natural no Brasil estejam sujeitos a
tornarem-se encalhados.
Nesta categoria de recursos, os volumes atuais, estimados pelos operadores
de campos de petróleo ou gás natural no Brasil, e consolidadas e divulgadas
anualmente pela ANP, tiveram como premissas a viabilidade econômica dos projetos,
50
e em especial a perspectiva de existência de mercado para toda a produção. Ademais,
quantidade significativa de investimentos em desenvolvimento da produção já foram
realizados nestes projetos.
Nestas condições e de acordo com os cenários prospectivos, estes volumes
são totalmente factíveis de serem plenamente extraídos (explotados) nos próximos 20
a 30 anos.
Também nos parece improváveis, o risco de grande parte dos recursos
contingentes atuais no Brasil, estimados atualmente entre 11 a 20 bilhões de barris de
óleo equivalente, se tornarem “encalhados”. Nesta categoria de recursos, grandes
parcelas dos volumes estão associados a projetos do “pré-sal” na bacia de Santos,
cuja parte significativa da infraestrutura para desenvolvimento da produção já
encontra-se instalada.
Em síntese, o risco de não produção das reservas e recursos contingentes
atuais de hidrocarbonetos no Brasil se apresenta desprezível a muito baixo.
Já o potencial recurso ainda não descoberto no Brasil, cujos gastos de capital
futuro carecem de analises e percepções de demanda, de preços de longo prazo do
petróleo e do gás, do endurecimento da política climática e da rigidez no orçamento
de emissões cumulativas de carbono, e da inovação tecnológica produzindo
substitutos baratos para petróleo e gás, acreditamos que há real risco de parte destes
recursos prospectivos ficarem “encalhados”.
Conforme já discutido neste trabalho, no ambiente offshore brasileiro, em
especial no ambiente de águas profundas a ultraprofundas, o tempo decorrido entre a
aquisição (outorga) da oportunidade exploratório (bloco exploratório) e o primeiro óleo
ou gás natural tem levado em média cerca de 10 anos. Neste quesito, a questão
temporal é um fator crítico ao risco de eventuais recursos prospectivos tornarem-se
irrecuperáveis (“encalhados”).
Outrossim, exemplos individualizados campos no “pré-sal” da bacia de
Santos, apresentados na tabela 4 deste trabalho, apontam para situações em que o
prazo para o primeiro óleo demorou mais de 16 anos.
Os projetos de E&P possuem características de longa maturação, cujos
investimentos exploratórios, são predominantemente, realizados através do capital
própria das empresas petrolíferas.
Adicionalmente, considerando as dimensões continentais das áreas com
potencial para petróleo e gás natural no Brasil, e o fato de que cerca de 90% destas
51
áreas possuem pouco ou nenhum conhecimento geológico, a questão temporal,
novamente é imperiosa para tomada de decisões.
A título de exemplo, estudo recente da Rystad Energy (2019), o Brasil possui
cerca de 99 bilhões de barris de petróleo de recursos recuperáveis. Estes recursos,
segundo o estudo, compreendem a estimativa média dos volumes dos campos já
descobertos, mais os recursos contingentes em descobertas, acrescentados de
recursos prospectivos com risco em possíveis campos ainda não descobertos.
Num rápido exercício dedutivo, descontando-se os volumes atualmente já
descobertos no Brasil (reservas 3P e recursos contingentes), o montante estimado de
recursos prospectivos recuperáveis (não descobertos) de petróleo no Brasil seria da
ordem de 50 a 60 bilhões de barris.
A despeito da imprecisão deste número, o valor apresentado é
significativamente relevante para ser deixado de lado, sem benefício a sociedade
brasileira.
Como exemplo, no ano de 2018 o valor total arrecado como compensação
financeira33 devida à União aos estados, ao Distrito Federal, e aos municípios
beneficiários pelas empresas que produzem petróleo e gás natural no território
brasileiro foi de aproximadamente 53 bilhões de reais (AGÊNCIA NACIONAL DO
PETRÓLEO, GÁS NATURAL E BIOCOMBUSTÍVEIS (Brasil) (2018a)).
Tal montante monetário advém da produção anual acumulada no Brasil de
cerca de 950 milhões de barris de petróleo e de aproximadamente
41 bilhões de m³ de gás natural. Neste período, a média anual do preço do petróleo
tipo Brent foi de US$ 71 por barril (AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO, GÁS NATURAL
E BIOCOMBUSTÍVEIS (Brasil) (2018a)) e uma taxa média anual do
câmbio de R$ / US$ 3,65.
Nas condições apresentadas acima, inferimos que foram alocados em
receitas para o Governo, como compensação financeira, cerca de US$ 11,85 para
cada barril de petróleo equivalente produzido no Brasil.
33 O aproveitamento dos recursos minerais, quando de propriedade do Estado, se dá por meio de
concessão a terceiros do direito de extração. A forma de contraprestação por esse direito de uso
exclusivo é o pagamento de um royalty. No Brasil, as compensações financeiras oriundas da
exploração e produção de petróleo e gás natural são os royalties e a participação especial. Os
royalties incidem sobre o valor da produção do campo e são recolhidos mensalmente. Nos contratos
de concessão a alíquota varia de 5 a 10%, já no contrato de partilha a alíquota é definida em 15%. A
participação especial é a compensação financeira extraordinária devida pelas empresas que
exploram campos com grande volume de produção e/ou grande rentabilidade. (Nota nossa).
52
Estabelecendo como referência o cálculo de compensação financeira no ano
de 2018, a variável fixa do preço médio do petróleo tipo Brent em US$ 60 por barril, e
uma produção total de 50 a 60 bilhões de barris de petróleo, equivalente ao montante
estimado de recursos prospectivos recuperáveis (não descobertos), podemos estimar
um potencial de compensação financeira a União em torno de
US$ 500 a US$ 600 bilhões. Isso sem contar com o bônus de assinatura pago pelas
empresas para a aquisição de áreas e com o aumento na arrecadação de impostos,
como o de renda, ou contribuições, como a sobre o lucro líquido. Acrescenta-se que
a indústria do petróleo tem papel relevante em termos de infraestrutura e
desenvolvimento econômico ao país. A tabela 6 apresenta a memória de cálculo
simplificada desta estimativa.
Tabela 6 – Memória de cálculo de Potencial de compensação financeira a União
Ano 2018
A Total Brasil - Royalties (em R$ milhão) 23.353,7
B Total Brasil - Participações Especiais (em R$ milhão) 29.567,1
C Total Brasil - Compensão Financeira [A+B] (em R$ 1000) 52.920,8
D Produção de petróleo (mihões de barris) 944,12
E Produção de gás natural (bilhões de m³) 32,84
F Produção boe [D+E] (mihões de barris) 1.221,9
G Preço médio anual do petróleo do tipos Brent (US$/barril) 71,3
H Taxa de câmbio (R$ / US$) 3,654
I Receitas da compensação financeira [(C/F)/H] (US$/barril) 11,9
Recursos Prospectivos Recuperáveis
J Preço fixo médio do petróleo tipo Brent (US$/barril) 60,0
L Volume potencial (bilhões de barris) 50,0 60,0
M Potencial receita da compensação financeira [(J*I)/G] (US$/barril) 9,97
N Potencial acumulado de compensação financeira (L*M) (US$bilhões) 498,60 598,32
Fonte: O autor, com informações de Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e
Biocombustíveis (Brasil) (2018a).
A descoberta tardia e abundante de recursos de petróleo e gás natural, num
cenário onde questões globais de desenvolvimento sustentável tem se apresentado
frequentemente aos países, orientados para uma economia de baixo carbono, pode
resultar na perda destes recursos ao Brasil.
Diante do exposto neste trabalho e considerando que o potencial de recursos
de petróleo e gás natural no Brasil é pouco conhecido e dada nossas dimensões
53
continentais, a hipótese de aceleração do processo exploratório, com incentivo a
monetização o mais rápido possível destes recursos, sob risco de ficarem sem
demanda no futuro, precisa ser encarada pelos tomadores de decisão.
Ademais, o fato do Brasil possuir uma matriz energética diversificada pode ser
considerado com um ponto forte na discussão sobre a monetização dos recursos
fósseis de petróleo e gás natural.
O país tem uma perspectiva de aumento de participação das fontes
renováveis, atingindo em 2025 um percentual de 47% da matriz (BRASIL, 2018c, p.
234), superior a NDC do Brasil no Acordo de Paris.
54
5 CONCLUSÃO
A investigação conduzida neste trabalho consistiu em apresentar o tema sobre
stranded assets (“ativos encalhados”) e suas implicações sobre os recursos
petrolíferos brasileiros.
Cada vez mais esta temática tem chamado a atenção de empresas,
investidores, bancos, seguradoras, reguladores e formadores de política pública.
A tendência mundial de preservação do meio ambiente e da redução da
emissão de Gases do Efeito Estufa (GEE), especialmente o dióxido de carbono (CO2),
é uma realidade.
O impacto desta tendência afeta diretamente os setores fósseis,
particularmente o de hidrocarbonetos. Deveremos verificar uma mudança profunda
nas economias mundiais se a intenção for de que o aumento da temperatura média
global fique abaixo de 2°C acima dos níveis pré-industriais, conforme objetivos do
Acordo de Paris (UNITED NATIONS, 2015).
De qualquer forma, independentemente do prazo do impacto das novas
políticas climáticas globais ou de inovações tecnológicas produzindo substitutos
baratos para petróleo e gás natural, a transição energética, já em andamento, sinaliza
o inexorável declínio da era do petróleo no médio a longo prazo, caracterizando-se
como um evento futuro preliminar.
O conceito adotado neste trabalho para a definição de “stranded assets ou
stranded resources é aquele em que: “[...] os ativos (ou recursos) perdem seu valor
econômico bem antes da sua expectativa de vida útil, devido a mudanças na
legislação, regulamentação, forças de mercado, inovação disruptiva, normas sociais
ou choques ambientais. [...]”34 (GENERATION FOUNDATION, 2013, p. 21, tradução
nossa).
Voltando para nossa realidade, inferimos que o risco de não produção
(stranded ou “encalhe”) das reservas e recursos contingentes atuais de
hidrocarbonetos no Brasil se apresenta desprezível a muito baixo.
34 "[…] an asset which loses economic value well ahead of its anticipated useful life, whether that is a
result of changes in legislation, regulation, market forces, disruptive innovation, societal norms, or
environmental shocks. […]” (GENERATION FOUNDATION, 2013, p. 21).
55
Os atuais volumes de aproximadamente 39 bilhões a 48 bilhões de boe em
recursos de hidrocarbonetos descobertos no Brasil, possuem plena condição de
maximização de extração (explotação), aproveitando-se do pico de demanda mundial
de petróleo previsto para 2033, conforme McKinsey Energy Insights (2019, p. 16).
Por outro lado, temos uma área sedimentar de extensão continental ainda
pouco explorada, com potencial para atração investimentos no setor de petróleo e gás
natural.
Em termos quantitativos, o Brasil possui cerca de 3,7 milhões de km²
(equivalente a 90% da área total) de áreas sedimentares com chances para a
existência de acumulações de petróleo ou de gás natural com pouco ou nenhum
conhecimento geológico e geofísico, que carecem de aquisição, processamento e
interpretação de dados exploratórios para melhor avaliação do potencial petrolífero.
Se considerarmos o cenário prospectivo de uma economia mundial de baixo
carbono, bem como o fato de que os projetos de E&P de petróleo possuem
complexidade tecnológica, elevado risco, investimentos de capital intensivo e longa
maturação, o risco de não monetização de grande parte destes potenciais recursos
de hidrocarbonetos, ainda não descobertos, pode ser considerado como elevado.
Conforme explicitado num exercício dedutivo, o montante estimado de
recursos prospectivos recuperáveis (não descobertos) de petróleo no Brasil, na ordem
de 50 a 60 bilhões de barris, poderiam resultar em receitas ao Governo, como
compensação financeira (royalties e participações especiais) a produção destes
hidrocarbonetos, algo em torno de US$ 500 a US$ 600 bilhões.
Diante da hipótese de perda de valor destes recursos, no médio a longo prazo,
recomendamos aos tomadores de decisão do setor petrolífero do Brasil o
estabelecimento de políticas de Exploração e Produção de petróleo e gás natural que
visem:
a) ampliar o conhecimento geológico e geofísico em áreas sedimentares com
baixa densidade de dados e informações, através de recursos próprios do Governo
ou por meio de incentivos a empresas privadas;
b) identificar e avaliar o potencial de áreas de relevante interesse petrolífero em
todo o território brasileiro;
c) acelerar a monetização dos recursos já descobertos; com a criação de
ambiente favorável à atração de investimentos e de previsibilidade, e
56
d) aprimorar a governança estatal no licenciamento ambiental do setor de petróleo
e gás natural, através de uma efetiva articulação tanto interministerial como entre
os entes da Federação, garantindo o equilíbrio do desenvolvimento
socioeconômico com a proteção do meio ambiente.
No quadro internacional, o Brasil se encontra numa posição extremamente
favorável para maximizar todo o seu potencial dos recursos fósseis, sem comprometer
as metas acordadas para a redução de emissões, isto porque, nossa matriz
energética, devido à sua diversidade, é considerada uma das mais renováveis do
mundo.
57
REFERÊNCIAS
AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO, GÁS NATURAL E BIOCOMBUSTÍVEIS
(Brasil) – ANP. ANP divulga volumes esperados para o excedente da cessão
onerosa. Rio de Janeiro: ANP, 2017. Disponível em:
http://www.anp.gov.br/noticias/4132-anp-divulga-volumes-esperados-para-o-
excedente-da-cessao-onerosa. Acesso em: 05 maio 2019.
AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO, GÁS NATURAL E BIOCOMBUSTÍVEIS
(Brasil) – ANP. Anuário estatístico brasileiro do petróleo, gás natural e
biocombustíveis: 2018. Rio de Janeiro: ANP, 2018a. Disponível em:
http://www.anp.gov.br/publicacoes/anuario-estatistico/anuario-estatistico-2018.
Acesso em: 03 ago. 2019.
AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO, GÁS NATURAL E BIOCOMBUSTÍVEIS
(Brasil) – ANP. Boletim da Produção de Petróleo e Gás Natural. Rio de Janeiro:
ANP, jun. 2019a. n. 106. Disponível em:
http://www.anp.gov.br/arquivos/publicacoes/boletins-anp/producao/2019-06-
boletim.pdf. Acesso em: 03 ago. 2019.
AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO, GÁS NATURAL E BIOCOMBUSTÍVEIS
(Brasil) – ANP. Boletim de Recursos e Reservas de Petróleo e Gás Natural de
2018. Rio de Janeiro: ANP, 2018b. Disponível em:
http://www.anp.gov.br/images/DADOS_ESTATISTICOS/Reservas/Boletim_Reservas
_2018.pdf. Acesso em: 05 maio 2019.
AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO, GÁS NATURAL E BIOCOMBUSTÍVEIS
(Brasil) – ANP. Resolução ANP nº 47, de 03 de setembro de 2014. Define termos
relacionados com os recursos e reservas de Petróleo e Gás Natural; estabelece
diretrizes para a elaboração do Boletim Anual de Recursos e Reservas (BAR);
aprova o Regulamento Técnico de Estimativa de Recursos e Reservas de Petróleo e
Gás Natural (RTR), documento anexo que estabelece critérios para sua estimativa,
classificação e categorização. Rio de Janeiro: ANP, 2014. Disponível em:
http://legislacao.anp.gov.br/?path=legislacao-anp/resol-
anp/2014/setembro&item=ranp-47--2014. Acesso em: 05 maio 2019.
AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO, GÁS NATURAL E BIOCOMBUSTÍVEIS
(Brasil) – ANP. As Rodadas de Licitações para Exploração e Produção de
Petróleo e Gás Natural. Rio de Janeiro: ANP, 2019b. Disponível em:
http://rodadas.anp.gov.br/pt/entenda-as-rodadas/as-rodadas-de-licitacoes. Acesso
em: 03 ago. 2019.
AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO, GÁS NATURAL E BIOCOMBUSTÍVEIS
(Brasil) – ANP. Sumários Executivos dos Planos de Desenvolvimento. Rio de
Janeiro: ANP, 2019c. Disponível em: http://www.anp.gov.br/exploracao-e-producao-
de-oleo-e-gas/gestao-de-contratos-de-e-p/fase-de-producao/planos-de-
desenvolvimento. Acesso em: 03 ago. 2019.
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STRANDED ASSETS E O PETRÓLEO NO BRASIL.

  • 1. GUILHERME EDUARDO ZERBINATTI PAPATERRA STRANDED ASSETS E O PETRÓLEO NO BRASIL Trabalho de Conclusão de Curso - Monografia apresentada ao Departamento de Estudos da Escola Superior de Guerra como requisito à obtenção do diploma do Curso de Altos Estudos de Política e Estratégia. Orientador: Prof. Dr. Sérgio Kostin. Rio de Janeiro 2019
  • 2. ©2019ESG Este trabalho, nos termos de legislação que resguarda os direitos autorais, é considerado propriedade da ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA (ESG). É permitida a transcrição parcial de textos do trabalho, ou mencioná-los, para comentários e citações, desde que sem propósitos comerciais e que seja feita a referência bibliográfica completa. Os conceitos expressos neste trabalho são de responsabilidade do autor e não expressam qualquer orientação institucional da ESG. _________________________________ Guilherme Eduardo Zerbinatti Papaterra Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Elaborada por Patricia Imbroizi Ajus – CRB-7/3716 Papaterra, Guilherme Eduardo Zerbinatti STRANDED ASSETS E O PETRÓLEO NO BRASIL / Especialista em Regulação Guilherme Eduardo Zerbinatti Papaterra. - Rio de Janeiro: ESG, 2019. XX f.: il. Orientador: Prof. Dr. Sérgio Kostin. Trabalho de Conclusão de Curso - Monografia apresentada ao Departamento de Estudos da Escola Superior de Guerra como requisito à obtenção do diploma do Curso de Altos Estudos de Política e Estratégia (CAEPE), 2019. 1. Petróleo 2. “Pré-sal” 3. Ativos encalhados 4. Recurso encalhados 5. Transição Energéticaarbono I. Título. P277s Papaterra, Guilherme Eduardo Zerbinatti. Stranded assets e o petróleo no Brasil / Especialista em Regulação Guilherme Eduardo Zerbinatti Papaterra. - Rio de Janeiro: ESG, 2019. 61 f.: il. Orientador: Prof. Dr. Sérgio Kostin. Trabalho de Conclusão de Curso - Monografia apresentada ao Departamento de Estudos da Escola Superior de Guerra como requisito à obtenção do diploma do Curso de Altos Estudos de Política e Estratégia (CAEPE), 2019. 1. Petróleo – Brasil. 2. Pré-sal. 3. Ativos encalhados. 4. Recursos encalhados. 5. Transição Energética I. Título. CDD - 553.28
  • 3. Dedico esse trabalho aos meus pais Antonio de Pádua Foloni Papaterra (in memorian) e Neuza Maria Zerbinatti Papaterra, que dedicaram a vida para a minha formação e sempre me apoiaram nos meus projetos.
  • 4. AGRADECIMENTO À ANP, por proporcionar oportunidade de qualificação profissional. Ao Prof. Dr. Luís Eduardo Duque Dutra pelo grande incentivo acadêmico no tema, parceria e amizade. Ao Prof. Capitão de Mar e Guerra (RM1) Caetano Tepedino Martins, pelo apoio a normatização deste trabalho. Ao meu orientador, Prof. Dr. Sérgio Kostin, pela disponibilidade e confiança.
  • 5. The Stone Age did not end for lack of stone, and the Oil Age will end long before the world runs out of oil. Sheik Ahmed Zaki Yamani (ex-ministro da OPEP), 2000
  • 6. RESUMO Embora a velocidade seja uma incógnita, a economia de baixo carbono é global, de natureza estrutural e a transição já está em curso. Neste cenário, a ideia de que parte significativa dos recursos de combustíveis fósseis possuem potencial para se tornar inutilizados (“encalhados”) desencadeou discussão sobre o risco de se investir no setor de hidrocarbonetos. O objetivo principal deste trabalho foi apresentar o tema stranded assets (“ativos encalhados”) e suas implicações sobre os recursos petrolíferos brasileiros. A análise do problema foi qualitativa e introdutória acerca do risco de perda de valor destes recursos. Infere-se que o Brasil possui entre 39 bilhões a 48 bilhões de boe em recursos de hidrocarbonetos descobertos, cujo risco de não produção se apresenta muito baixo. Em termos quantitativos, o país possui cerca de 3,7 milhões de km² de áreas sedimentares com pouco conhecimento geológico. O montante estimado de recursos prospectivos recuperáveis, não descobertos, de petróleo no Brasil está na ordem de 50 a 60 bilhões de barris. Levando-se em conta que os projetos de E&P de petróleo possuem longa maturação, o risco de “encalhe” destes volumes de hidrocarbonetos é elevado. A conclusão indica que, diante da hipótese de perda de valor destes recursos, medidas de aceleração na monetização dos recursos já descobertos, de estimulo ao conhecimento geológico e geofísico em áreas sedimentares com baixa densidade de dados e informações e aprimoramentos no processo de licenciamento ambiental do setor de petróleo e gás natural, devem ser priorizadas pelos tomadores de decisão. Palavras-chave: Petróleo – Brasil. Pré-sal. Ativos encalhados. Recursos encalhados. Transição Energética.
  • 7. ABSTRACT Although the speed is an unknown, the low carbon economy is global, of a structural nature and the transition is already underway. In this scenario, the idea that a significant part of fossil fuel resources have the potential to become stranded triggered a discussion on the risk of investing in the hydrocarbon sector. The main objective of this work was to present the theme stranded assets and its implications on Brazilian petroleum resources. The problem analysis was qualitative and introductory about the risk of loss of value of these resources. It is inferred that Brazil has between 39 billion and 48 billion boe in discovered hydrocarbon resources, whose risk of non-production is very low. In quantitative terms, the country has about 3.7 million km² of sedimentary areas with little geological knowledge. The estimated amount of undiscovered prospective recoverable oil resources in Brazil is in the range of 50 to 60 billion barrels. The estimated amount of undiscovered prospective recoverable oil resources in Brazil is in the range of 50 to 60 billion barrels. Given that oil E&P projects have a long maturity, the risk of hydrocarbon stranding these hydrocarbon volume is high. The conclusion indicates that, given the hypothesis of loss of value of these resources, acceleration measures in the monetization of already discovered resources, stimulation of geological and geophysical knowledge in sedimentary areas with low data and information density and improvements in the environmental licensing process of the oil and natural gas sector should be prioritized by decision makers. Keywords: Petroleum - Brazil. Pre-salt. Stranded assets. Stranded resources. Energy Transition.
  • 8. LISTA DE ILUSTRAÇÕES FIGURA 1 Classificação e categorização de Recursos e Reservas de petróleo e gás natural.........................................................23 FIGURA 2 Estimativa de reservas “encalhadas” de hidrocarbonetos ..28 FIGURA 3 Representação dos equivalentes de dióxido de carbono nos recursos fósseis e potencial de “ativos encalhados” ..........29 FIGURA 4 Ciclo hipotético de projeto de E&P .....................................33 FIGURA 5 Áreas sedimentares do Brasil.............................................44 FIGURA 6 Blocos exploratórios sob concessão por rodada de licitações.............................................................................45 FIGURA 7 Mapa temático sobre a necessidade de Conhecimento nas áreas sedimentares brasileiras...........................................48
  • 9. LISTA DE TABELAS TABELA 1 Distribuição regional de reservas não produzidas ("encalhadas") antes de 2050 de 2˚C com e sem CCS......31 TABELA 2 Período entre a adjudicação da concessão e o primeiro óleo.....................................................................................39 TABELA 3 Período entre a adjudicação da concessão e o primeiro gás natural.................................................................................39 TABELA 4 Período ocorrido entre a adjudicação da concessão e o início da produção dos principais campos de petróleo do Brasil...................................................................................40 TABELA 5 Recursos e Reservas de petróleo e gás natural no Brasil (ano base 2018) ................................................................42 TABELA 6 Memória de cálculo do potencial de compensação financeira a União ..............................................................................52
  • 10. LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS AAPG American Association of Petroleum Geologists (Associação Americana de Geólogos de Petróleo) ANP Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis AP água profunda AR água rasa AUP água ultraprofunda BOE Barrels of Oil Equivalent (Barris de óleo equivalente) CCS Carbon Capture and Storage (Captura e Armazenamento de Gás Carbônico) CO2 Dióxido de Carbono EPE Empresa de Pesquisa Energética E&P Exploração e Produção EUA Estados Unidos da América GEE Gases do Efeito Estufa Gt Giga toneladas (bilhão de toneladas) iNDC Intended Nationally Determined Contribution (Fundamentos para a Elaboração da Pretendida Contribuição Nacionalmente Determinada) IRENA International Renewable Energy Agency (Agência Internacional de Energia Renovável) MC Mar Costeiro MMA Ministério do Meio Ambiente NDC Nationally Determined Contribution (Contribuição Nacionalmente Determinada) OCDE Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico ODA Other Developing Asian Countries (Outros Países Asiáticos Desenvolvidos) PAD Plano de Avaliação de Descoberta PEM Programa Exploratório Mínimo PIB Produto Interno Bruto PRMS Petroleum Resources Management System (Sistema de Classificação dos Recursos Petrolíferos) SEG Society of Exploration Geophysicists (Sociedade dos Geofísicos de Exploração)
  • 11. SPE Society of Petroleum Engineers (Sociedade dos Engenheiros de Petróleo) SPEE Society of Petroleum Evaluation Engineers (Sociedade dos Engenheiros de Avaliação de Petróleo) TC terra costeira TI terra interior UNFCCC United Nations Framework Convention on Climate Change (Convenção- Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima) WPC World Petroleum Council (Conselho Mundial de Petróleo)
  • 12. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ............................................................................... 13 2 O PROBLEMA DOS ATIVOS E RECURSOS “ENCALHADOS” DE PETRÓLEO E GÁS NATURAL................................................ 17 2.1 DEFINIÇÕES.................................................................................. 18 2.1.1 Ativo e Recurso ............................................................................ 18 2.1.2 Ativos “Encalhados” (Stranded Assets) .................................... 19 2.1.3 Recursos “Encalhados” (Stranded Resources) ........................ 21 2.1.4 Recursos e Reservas de Petróleo e Gás Natural....................... 22 2.2 A 21ª CONFERÊNCIA DAS PARTES (COP21 – ACORDO DE PARIS)............................................................................................ 25 2.2.1 O Acordo de Paris e o Brasil ....................................................... 26 2.3 IMPACTO GLOBAL DOS ATIVOS “ENCALHADOS”...................... 28 3 ASPECTOS GERAIS DE EXPLORAÇÃO E PRODUÇÃO (E&P) DE PETRÓLEO E GÁS NATURAL................................................ 32 3.1 ESTÁGIOS DE E&P ....................................................................... 33 3.1.1 Identificação e Acesso de Oportunidades Exploratórias.......... 34 3.1.2 Exploração .................................................................................... 35 3.1.3 Avaliação....................................................................................... 36 3.1.4 Desenvolvimento.......................................................................... 37 3.1.5 Produção....................................................................................... 37 3.1.6 Abandono...................................................................................... 38 3.2 PERÍODO ENTRE OUTORGA E PRIMEIRO ÓLEO OU GÁS NATURAL....................................................................................... 38 4 HIPÓTESE DE RECURSOS E ATIVOS “ENCALHADOS” DE PETRÓLEO E GÁS NATURAL NO BRASIL ................................. 41 4.1 RECURSOS E RESERVAS DE PETRÓLEO E GÁS NATURAL DO BRASIL .................................................................................... 41 4.2 POTENCIAL EXPLORATÓRIO DO BRASIL .................................. 43 4.3 O RISCO DE ATIVOS E RECURSOS “ENCALHADOS” NO BRASIL........................................................................................... 49 5 CONCLUSÃO ................................................................................ 54 REFERÊNCIAS.............................................................................. 57
  • 13. 13 1 INTRODUÇÃO De acordo com McGlade e Ekins (2015), cerca de um terço das reservas de petróleo, metade das reservas de gás natural e mais de quatro quintos das reservas de carvão mineral, não serão aproveitados até 2050, se a intenção for conter o aquecimento global em até 2ºC. Na 21ª Conferência das “Partes” signatárias da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (United Nations Framework Convention on Climate Change - UNFCCC1), em Paris, no ano de 2015, foi adotado um novo acordo com o objetivo central de fortalecer a resposta global à ameaça da mudança do clima e de reforçar a capacidade dos países para lidar com os impactos decorrentes dessas mudanças (BRASIL, 2017c). O compromisso no Acordo de Paris ocorre no sentido de manter o aumento da temperatura média global menor que 2°C acima dos níveis pré-industriais e de envidar esforços para limitar o aumento da temperatura a 1,5°C acima dos níveis pré- industriais (UNITED NATIONS, 2015). Para Mercure et al. (2018), a queda dos preços da energia renovável e o rápido aumento do investimento em tecnologias de baixo carbono, podem ocasionar a perda de riqueza global das companhias do setor fóssil num montante entre 1 a 4 trilhões de dólares americanos, desencadeando uma crise financeira global. Nessas circunstâncias, podemos depreender que, independentemente do impacto das novas políticas climáticas globais, a transição energética2, já em andamento, sinaliza o inexorável declínio da era do petróleo no médio a longo prazo. A demanda por petróleo deve atingir seu pico em 2033 (McKINSEY ENERGY INSIGHTS, 2019). Sobre este tema, de acordo com relatórios do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas o consumo de combustível fóssil pode cair drasticamente para mitigar a mudança climática e a 1 A Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (United Nations Framework Convention on Climate Change - UNFCCC), elaborada durante a Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro em 1992, a Rio 92, tem o objetivo de estabilizar as concentrações de gases de efeito estufa na atmosfera em um nível que impeça uma interferência humana perigosa no sistema climático. (BRASIL, 2017c). 2 O conceito de transição energética adotado neste estudo, refere-se a mudança gradual da dependência de combustíveis fósseis, numa transição para economia de baixo carbono, vide nota 11, diversificando-se a matriz energética com aumento do uso de energia renováveis e limpas. (Nota nossa).
  • 14. 14 poluição urbana até 2100 (INTERGOVERNMENTAL PANEL ON CLIMATE CHANGE, 2018). De acordo com o Boletim de Recursos e Reservas de Petróleo e Gás Natural 2018 (AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO, GÁS NATURAL E BIOCOMBUSTÍVEIS (Brasil), 2018b) o Brasil possui oficialmente aproximadamente 33 bilhões de barris de óleo equivalente (boe3) em recursos descobertos4 (reservas e recursos contingentes). Adicionados as estimativas divulgadas pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) dos volumes excedentes do contrato de cessão onerosa (AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO, GÁS NATURAL E BIOCOMBUSTÍVEIS (Brasil), 2017), podemos inferir que o Brasil possui entre 39 bilhões a 48 bilhões de boe em recursos de hidrocarbonetos descobertos. Aproximadamente 96% dos volumes de petróleo encontram-se em ambiente marítimo (offshore), na margem continental5 brasileira. Quanto aos recursos recuperáveis6 de hidrocarbonetos, estimativas da Rystad Energy (2019), apontam para cerca de 99 bilhões de barris de petróleo no Brasil. As perspectivas de se dobrar os volumes de hidrocarbonetos descobertos no Brasil estão ancoradas nas áreas inexploradas de elevado potencial geológico no “pré-sal7”, descoberta em 2007, e nas novas fronteiras exploratórias marítima situadas na região Norte e Nordeste (margem equatorial brasileira8 e margem continental 3 Unidade que permite a conversão de um volume de gás natural em volume de óleo equivalente, com base na equivalência energética entre o petróleo e o gás natural. O fator de conversão equivale a 1.000 m3 de gás ≈ 6,28981 bbl. (Nota nossa). 4 De acordo com a Resolução ANP 47/2014, os volumes recuperáveis estimados serão classificados como reservas e recursos contingentes, quando descobertos, ou prospectivos, quando não descobertos. (AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO, GÁS NATURAL E BIOCOMBUSTÍVEIS (Brasil), 2014). Na seção 2 apresentamos a definição de reservas e recursos contingentes (Nota nossa). 5 Do ponto de vista morfológico e fisiográfico as margens continentais representam a zona de transição entre os continentes e as bacias oceânicas. Situam-se abaixo do nível do mar embora façam parte do continente. Segundo a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar compreende o prolongamento submerso da massa terrestre do Estado costeiro e é constituída pelo leito e subsolo da plataforma continental, pelo talude e pela elevação continental. Não compreende nem os grandes fundos oceânicos, com as suas cristas oceânicas, nem o seu subsolo. (UNITED NATIONS, 1982). 6 De acordo com a Rystad Energy, recursos recuperáveis compreendem a estimativa média dos volumes dos campos descobertos, mais os recursos contingentes em descobertas, acrescentados de recursos prospectivos com risco em campos não descobertos. (RYSTAD ENERGY, 2019). 7 Segundo Papaterra (2010), estratigraficamente, o intervalo “pré-sal” é representado por todos os estratos depositados temporalmente antes do pacote evaporítico, do final do Aptiano. A área de abrangência dos reservatórios do “pré-sal” distribui-se essencialmente pelas bacias sedimentares de Santos e Campos, situadas na margem continental brasileira. (Nota nossa). 8 As bacias sedimentares desta Margem compreendem a região offshore do Norte da bacia Potiguar (estado do RN) até a bacia da Foz do Amazonas, no extremo norte do País, limítrofe com a Guiana Francesa. (Nota nossa).
  • 15. 15 Nordeste), cujo potencial geológico é reconhecido mundialmente. Embora a velocidade da transição energética seja uma incógnita, a questão dos ativos e recursos “encalhados9” de hidrocarbonetos (Oil and Gas Stranded Assets/Resources) será colocada aos produtores e aos países detentores destes recursos. A discussão sobre os efeitos da transição energética no setor de hidrocarbonetos Brasil possui relevância estratégica ao Estado, bem como ao desenvolvimento econômico do País. Acrescenta-se também, face a concentração dos recursos de hidrocarbonetos no Brasil ocorrer em ambiente marítimo, a importância estratégica de Defesa do Atlântico Sul expressa na Política Nacional de Defesa (BRASIL, 2016b) e na Estratégia Nacional de Defesa (BRASIL, 2016a), o qual acolhe a denominada “Amazônia Azul”10, ecossistema de área comparável à Amazônia brasileira e de vital relevância para o País. O trabalho terá como objetivo principal apresentar o tema stranded assets e suas implicações sobre os recursos petrolíferos brasileiros. A análise do problema será qualitativa e introdutória acerca do risco de perda de valor destes recursos. A delimitação ora proposta se impõe devido à grande complexidade do tema e a incógnita sobre a velocidade da transição energética para uma economia de baixo carbono11. Quanto ao desenvolvimento, terá como base a pesquisa, seleção e avaliação crítica de trabalhos técnicos publicados sobre o tema Stranded Oil and Gas Assets. O material utilizado envolveu dezenas de artigos, relatórios de consultorias e instituições de pesquisa sobre energia que abordam o risco de ativos de hidrocarbonetos se tornarem irrecuperáveis ou afundados (“encalhados”). 9 Recursos encalhados (stranded resources) refere-se a recursos não usados. Ativos encalhados (stranded assets) é o ativo que está perdendo ou perdeu valor. Por exemplo, os recursos petrolíferos podem tornar-se “encalhados” se não puderem ser produzidos, investimentos (ativos) feitos para produzir esses recursos podem tornarem-se “encalhados” se a produção tiver que ser interrompida. (BOS; GUPTA, 2019). A seção 2.1 apresenta as definições destes termos de forma pormenorizada. (Nota nossa). 10 Representa um conceito político-estratégico que abrange os espaços oceânicos e ribeirinhos, com área de 5,7 milhões de km², que compõem as Águas Jurisdicionais Brasileiras. Em virtude de possuir uma área equivalente a 67% do nosso território terrestre, com dimensão e biodiversidade semelhantes ao da Amazônia Verde, convencionou-se chamá-la de “Amazônia Azul”. (MARINHA DO BRASIL, 2019). 11 Economia de baixo carbono é uma configuração propositiva do ambiente de negócios, que favorece novas tecnologias em prol da preservação do meio ambiente e da redução da emissão de Gases do Efeito Estufa (GEE), especialmente o dióxido de carbono (CO2). (CONSELHO EMPRESARIAL BRASILEIRO PARA O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL; INSTITUTO CLIMA E SOCIEDADE, 2018).
  • 16. 16 Na segunda seção procurou-se apresentar definições técnicas, estimativas globais de risco de perda de valor de reservas de hidrocarbonetos e uma introdução sobre a discussões de acordo global que busca combater os efeitos das mudanças climáticas no mundo, em especial ao Acordo de Paris. Na sequência, procuramos definir os aspectos gerais do ciclo de Exploração e Produção (E&P) no setor de petróleo e gás natural, enfatizando o aspecto temporal, item fundamental para tomada de decisões estratégicas do Estado (seção 3). Por fim, com base neste referencial, tentou-se analisar os riscos dos recursos e ativos do Brasil tornarem-se “encalhados” (seção 4). Não se utilizaram dados proprietários nem confidenciais, seja de empresas, seja de órgãos públicos. O estudo visa também servir como referência para aqueles que possuem interesse em se aprofundar neste tema, bem como, para os tomadores de decisão do setor petrolífero nacional.
  • 17. 17 2 O PROBLEMA DOS RECURSOS E ATIVOS “ENCALHADOS” DE PETRÓLEO E GÁS NATURAL (STRANDED OIL AND GAS ASSESTS/RESOURCES) O arranque para uma economia de baixo carbono tem se tornado de extrema relevância na agenda internacional. Cada vez mais esta temática tem chamado a atenção de empresas, investidores, bancos, seguradoras, reguladores e formadores de política. Embora a velocidade seja uma incógnita, a ideia de que parte significativa dos recursos de combustíveis fósseis possuem potencial para se tornar inutilizados (“encalhados”) desencadeou uma discussão sobre o risco de se investir neste setor, em especial aos hidrocarbonetos. A possibilidade desses recursos e ativos tornarem-se inutilizados vem sendo reforçada diante de uma política global sobre mudanças climáticas, materializada nos compromissos assumidos no Acordo de Paris (UNITED NATIONS, 2015), que visa, em última hipótese, a redução de emissão de gases de efeito estufa. Neste debate sobre o risco de ativos e recursos de hidrocarbonetos se tornarem irrecuperáveis, observa-se a ameaça de uma redução drástica no valor de mercado das grandes empresas de petróleo e consequente impacto na economia global, bem como em fundos de pensão e aposentadoria. Mercure et al. (2018, p. 588) aponta uma perda de riqueza global das companhias do setor fóssil num montante entre 1 a 4 trilhões de dólares americanos, como consequência da queda dos preços da energia renovável e o rápido aumento do investimento em tecnologias de baixo carbono. Para fins teórico e melhor compreensão das nomenclaturas utilizadas neste trabalho, apresentaremos inicialmente a definição contábil de ativo e recurso, as diferenças entre ativos e recursos “encalhados”, e os termos técnicos relacionados com os recursos e reservas de petróleo e gás natural. Na sequência, apresentaremos um resumo do Acordo de Paris, cuja importância nesta discussão deve-se ao acordo global que busca combater os efeitos das mudanças climáticas no mundo. Finalmente, mencionaremos informações de trabalhos acadêmicos com estimativas globais de perda de valor de ativos e recursos de hidrocarbonetos.
  • 18. 18 2.1 DEFINIÇÕES Diretamente ligado à contabilidade, a definição de ativo e recurso é de extrema relevância para a correta compreensão do problema apresentado neste trabalho. Em apertada síntese, estes conceitos envolvem os resultados de um evento que ocorreu no passado e a geração de benefício econômico futuro. De mesma importância, o entendimento da diferença entre os termos ativos e recursos “encalhados”, e no caso concreto aplicado a indústria de petróleo e gás natural, a utilização precisa dos conceitos recursos e reservas, muitas das vezes erroneamente utilizadas como sinônimos, são essenciais para a análise do risco de volumes de hidrocarbonetos tornarem-se sem valor econômico. 2.1.1 Ativo e Recurso Sob a ótica da teoria contábil, os ativos (assim como os passivos) fazem parte da contabilidade de uma empresa e são registrados no balanço patrimonial, um relatório contábil que demonstra a posição financeira e econômica da organização, úteis à tomada de decisão em relação a investimentos, créditos e similares. Segundo o Manual de Contabilidade Aplicada ao Setor Público (BRASIL, 2018a, p. 144-145, grifo nosso): “Ativo é um recurso controlado no presente pela entidade como resultado de evento passado. [...] Recurso é um item com potencial de serviços ou com a capacidade de gerar benefícios econômicos. [...]” A forma física não é uma condição necessária para um recurso. O potencial de serviços ou a capacidade de gerar benefícios econômicos podem surgir diretamente do próprio recurso ou dos direitos de sua utilização. O controle do recurso envolve a capacidade da entidade em utilizar o recurso (ou controlar o uso por terceiros) de modo que haja a geração do potencial de serviços ou dos benefícios econômicos originados do recurso para o cumprimento dos seus objetivos de prestação de serviços, entre outros. A definição de ativo exige que o recurso controlado pela entidade no presente tenha surgido de um evento passado, por meio de transação com ou sem contraprestação.
  • 19. 19 O Manual (BRASIL, 2018a) define transação sem contraprestação aquela em que a entidade recebe ativos ou serviços ou tem passivos extintos e em contrapartida entrega valor irrisório ou nenhum valor em troca. Considera-se, ainda, como transação sem contraprestação, a situação em que a entidade fornece diretamente alguma compensação em troca de recursos recebidos, mas tal compensação não se aproxima do valor justo dos recursos recebidos. Com relação a transações com contraprestação é aquela em que a entidade recebe ativos ou serviços ou tem passivos extintos e entrega valor aproximadamente igual em troca, prioritariamente sob a forma de dinheiro, bens, serviços ou uso de ativos (BRASIL, 2018a). 2.1.2 Ativos “Encalhados” (Stranded Assets) De acordo com Crew e Kleindorfer (1999), para um ativo ser considerado “encalhado” ele deve incorrer em uma perda significativa de valor. Adicionalmente, esta perda de valor deve estar diretamente relacionada ao resultado de alterações legislativas ou regulatórias. Segundo Papaterra e Dutra (2018), o termo inglês stranded assets, mal traduzido como ativos “encalhados”, foi cunhado para assimilar o risco de se tornarem irrecuperáveis, ou afundados, em razão da desregulamentação e de modificações supervenientes verificadas durante a década de 1980 nos setores de infraestrutura com as privatizações. Já o think-tank internacional Carbon Tracker define como ativos “encalhados” os recursos fósseis que, em algum momento antes do final de sua vida econômica, não são mais capazes de obter retorno econômico como resultado de mudanças associadas à transição para uma economia de baixo carbono (CARBON TRACKER INITIATIVE, [201-]). Em uma abordagem semelhante, a Agência Internacional de Energia caracteriza como “ativos encalhados” os investimentos que já foram realizados, mas que, em algum momento antes do fim da sua vida econômica (como assumido no ponto de decisão de investimento) já não são capazes de assegurar retorno econômico como resultado de mudanças de mercado e ambiente regulatório trazido
  • 20. 20 pela “política climática” (INTERNATIONAL ENERGY AGENCY, 2013). Por sua vez, Caldecott et al., numa abordagem essencialmente relacionada ao meio ambiente, apresentam os seguintes riscos que podem resultar em “ativos encalhados”:  desafios ambientais (por exemplo, mudanças climáticas, degradação do capital natural  transformações nos recursos naturais e fósseis (e.g., abundância de shale gas12 , escassez de fosfato)  novos regulamentos governamentais (por exemplo, precificação de carbono, regulamentação da poluição do ar)  redução dos custos de tecnologia limpa (e.g., energia solar fotovoltaica, energia eólica, veículos elétricos)  evoluções nas normas sociais (por exemplo, campanha em desinvestimento de combustíveis fósseis) e no comportamento do consumidor (e.g., diretrizes de esquemas para certificação de produtos)  contenciosos (por exemplo, responsabilidade por emissão de carbono) e alterações de interpretações legais (e.g., obrigações fiduciárias ou requisitos de publicidade ou divulgação de informações)13 (CALDECOTT et al., 2016, p. 75-76, grifo do autor). Utilizando-se de um conceito mais amplo e sintético, a instituição Generation Foundation define Stranded Assests como “[...] um ativo que perde seu valor econômico bem antes da sua expectativa de vida útil, devido a mudanças na legislação, regulamentação, forças de mercado, inovação disruptiva, normas sociais ou choques ambientais [...]”14 (GENERATION FOUNDATION, 2013, p. 21, tradução nossa). 12 Shale gas ou gás de folhelho é produzido de rochas argilosas ricas em matéria orgânica, que servem como rocha-fonte, trapa e reservatório para o gás natural. Os folhelhos têm permeabilidade muito baixa (centenas de nanodarcies) requerendo fraturas naturais ou estimulação por fraturamento hidráulico. Novas tecnologias, especialmente a perfuração de poços horizontais com longa extensão combinada com intenso fraturamento hidráulico, permitiram a produção de gás em vazões econômicas. (BRASIL, 2012). 13 “[…] • Environmental challenges (e.g., climate change, water constraints) • Changing resource landscapes (e.g., shale gas, phosphate availability) • New government regulations (e.g., carbon pricing, air pollution regulation) • Falling clean technology costs (e.g., solar photovoltaic, onshore wind) • Evolving social norms (e.g., fossil fuel divestment) and consumer behavior (e.g., certification schemes) • Litigation and changing statutory interpretations (e.g., changes in the application of existing laws and legislation)” (CALDECOTT et al., 2016, p. 75-76, grifo do autor). 14 "[…] an asset which loses economic value well ahead of its anticipated useful life, whether that is a result of changes in legislation, regulation, market forces, disruptive innovation, societal norms, or environmental shocks. […]” (GENERATION FOUNDATION, 2013, p. 21).
  • 21. 21 No caso específico do setor de hidrocarbonetos, Ploeg (2016) discorre que as três ameaças que colocam em riscos os produtores de petróleo e gás natural são: a) a baixa prolongada dos preços do petróleo e do gás; b) o endurecimento da política climática e a rigidez no orçamento de emissões cumulativas de carbono; e c) a inovação tecnológica produzindo substitutos baratos para petróleo e gás. Para fim teórico deste trabalho, bem como de circunscrição e discussão sobre os “ativos encalhados” de hidrocarbonetos, adotaremos o conceito da instituição Generation Foundation (2013), conjugados com as ameaças que colocam em riscos os produtores de petróleo e gás natural apresentadas por Ploeg (2016). 2.1.3 Recursos “Encalhados” (Stranded Resources) Conforme definido na seção 2.1.1, recurso é um item potencial ou com a capacidade de gerar benefícios econômicos. O recurso se transforma num ativo no momento em que há investimento comercial e a utilização. Bos e Gupta (2019) definem recursos “encalhados” aqueles recursos considerados antieconômicos ou que não podem ser desenvolvidos ou extraídos de acordo em função de: a) mudanças tecnológicas, b) aspectos espaciais15, c) mudanças regulatórias, d) limitações políticas ou de mercado e, e) mudanças nas normas sociais e ambientais. De forma semelhante aos ativos, para fim teórico deste trabalho, bem como de circunscrição e discussão sobre os recursos “encalhados” de hidrocarbonetos, adotaremos a definição Bos e Gupta (2019), conjugados com as ameaças que colocam em riscos os produtores de petróleo e gás natural apresentadas por Ploeg (2016). 15 Refere-se a dimensão espacial apresentada em Bos e Gupta (2019). Onde os primeiros a chegar utilizam-se dos seus próprios recursos e dos recursos de outros países para o seu próprio desenvolvimento, deixando pouco espaço de utilização ambiental para os retardatários se desenvolverem. (Nota nossa).
  • 22. 22 2.1.4 Recursos e Reservas de Petróleo e Gás Natural Recursos de petróleo e gás natural é a quantidade de petróleo e/ou gás natural que se estima existir originalmente em acumulações descobertas ou não. A ANP, autarquia federal responsável legal pelo acompanhamento e fiscalização das atividades da indústria do petróleo, na Resolução 47/2014 define recursos como todos os volumes de petróleo e gás natural que ocorrem naturalmente (recuperáveis ou não), descobertos ou não, somados aos volumes já produzidos (AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO, GÁS NATURAL E BIOCOMBUSTÍVEIS (Brasil), 2014). Por seu turno, o termo reservas é um conceito técnico-econômico. Segundo a Resolução 47/2014, reservas são definidas como as quantidades de petróleo e gás natural estimadas de serem comercialmente recuperáveis através de projetos de explotação16 de reservatórios descobertos, a partir de uma determinada data, sob condições definidas. Para que volumes sejam classificados como reservas, os mesmos devem ser descobertos, recuperáveis, comerciais e remanescentes, numa determinada data de referência, com base em projetos de explotação (AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO, GÁS NATURAL E BIOCOMBUSTÍVEIS (Brasil), 2014). Ademais, para que uma quantidade de petróleo ou gás Natural seja classificada como reservas, deverá ser constatada uma razoável certeza de capacidade de produção do(s) reservatório(s)17, verificada por produção (AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO, GÁS NATURAL E BIOCOMBUSTÍVEIS (Brasil), 2014). No Brasil, a classificação e categorização de Recursos e Reservas está alinhada com o Sistema de Gerenciamento de Recursos Petrolíferos 16 O termo técnico Explotação (do inglês exploitation) refere-se a retirada ou extração de hidrocarbonetos presentes em reservatórios. Por sua vez, o termo Exploração (do inglês exploration) refere-se a fase de pesquisa. (Nota nossa). 17 No caso de Recursos Convencionais, o termo Reservatório refere-se a uma formação rochosa de subsuperfície que contém uma Acumulação natural individual e separada de Petróleo ou Gás Natural móveis, confinado por rochas/formações impermeáveis, e é caracterizada por um único sistema de pressão. No caso de Recursos Não Convencionais, este termo refere-se às Acumulações que abrangem extensa área e não são afetadas significativamente por influências hidrodinâmicas. (AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO, GÁS NATURAL E BIOCOMBUSTÍVEIS (Brasil), 2014).
  • 23. 23 (Petroleum Resources Management System - PRMS18). A figura 1 apresenta o sistema de classificação adotado pela ANP na Resolução 47/2014. Neste quadro, o eixo vertical representa a classificação dos projetos, considerando a chance (risco) de ser desenvolvido e alcançar o status de produção comercial. O eixo horizontal representa a categorização por nível de incerteza (técnica) de quantidades potencialmente recuperáveis. Figura 1 – Classificação e categorização de Recursos e Reservas de petróleo e gás natural Fonte: Elaboração própria, adaptado de Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Brasil) (2014, p. 07). 18 Petroleum Resources Management System (PRMS): Sistema de classificação dos Recursos petrolíferos, patrocinado por diversas entidades internacionais como a SPE (Society of Petroleum Engineers), AAPG (American Association of Petroleum Geologists), WPC (World Petroleum Council), SPEE (Society of Petroleum Evaluation Engineers) e SEG (Society of Exploration Geophysicists), reconhecido como referência para a indústria de petróleo e gás mundial. (AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO, GÁS NATURAL E BIOCOMBUSTÍVEIS (Brasil), 2014). VolumeinPlace VolumeDescobertoinPlace ComercialSub-comercial Reservas Provada (1P) Provada + Provável (2P) Provada + Provável + Possível (3P) Produção (1C) Recurso Contigente (2C) (3C) Não Recuperável Recurso Prospectivo Baixa Estimativa Melhor Estimativa Alta Estimativa VolumeNão Descobertoin Place Não Recuperável Incerteza Comercialidade
  • 24. 24 Nesta classificação podemos notar dois grandes grupos de Recursos, o descoberto (compreendendo Reservas e Recursos Contingentes) e o não descoberto (Recurso Prospectivo). Os volumes de reserva são categorizados de acordo com o seguinte nível de incerteza: a) Provadas ou 1P: indica um alto grau de confiança de que a quantidade será recuperada. Quando são usados métodos probabilísticos, a probabilidade de que a quantidade recuperada seja igual ou maior que a estimativa deverá ser de pelo menos 90%); b) Prováveis: menos provável que a das reservas provadas, mas de maior certeza em relação à das Reservas Possíveis. Quando são usados métodos probabilísticos, a probabilidade de que a quantidade recuperada seja igual ou maior que a soma das estimativas das Reservas Provada e Provável (2P) deverá ser de pelo menos 50%; e c) Possíveis: quantidade de petróleo ou gás natural que a análise de dados de geociências e de engenharia indica como menos provável de se recuperar do que as reservas prováveis. Quando são usados métodos probabilísticos, a probabilidade de que a quantidade recuperada seja maior ou igual à soma das estimativas das Reservas Provada, Provável e Possível (3P) deverá ser de pelo menos 10% (AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO, GÁS NATURAL E BIOCOMBUSTÍVEIS (Brasil), 2014). As quantidades de petróleo ou gás Natural potencialmente recuperável, de reservatórios descobertos, por meio de projetos de desenvolvimento, mas cuja Produção, na data de referência, não é comercialmente viável devido a uma ou mais contingências são classificados como Recursos Contingentes (AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO, GÁS NATURAL E BIOCOMBUSTÍVEIS (Brasil), 2014). Já a quantidade de petróleo ou gás Natural que, em uma determinada data, é potencialmente recuperável a partir de acumulações não descobertas, porém passíveis de ser objeto de futuros projetos de desenvolvimento, são classificadas como Recursos Prospectivos (AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO, GÁS NATURAL E BIOCOMBUSTÍVEIS (Brasil), 2014). Os Recursos Contingentes, de forma análoga a Reservas, podem ser categorizadas como 1C, 2C, ou 3C. Já os Recursos Prospectivos são categorizados
  • 25. 25 de acordo com a estimativa, menor, melhor ou maior (AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO, GÁS NATURAL E BIOCOMBUSTÍVEIS (Brasil), 2014). 2.2 A 21ª CONFERÊNCIA DAS “PARTES” (COP21- ACORDO DE PARIS) Em 12 de dezembro de 2015, em Paris, na 21ª Conferência das “Partes” (COP21) da UNFCCC (Convenção Quadro das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas) foi adotado um novo acordo global que busca combater os efeitos das mudanças climáticas, bem como reduzir as emissões de gases de efeito estufa (BRASIL, 2017c). O documento assinado, denominado de Acordo de Paris, visa fortalecer a resposta global à ameaça das mudanças climáticas, no contexto do desenvolvimento sustentável e os esforços para erradicar a pobreza, incluindo: [...] a) Manter o aumento da temperatura média global bem abaixo dos 2°C acima dos níveis pré-industriais e buscar esforços para limitar o aumento da temperatura a 1,5°C acima dos níveis pré-industriais, reconhecendo que isso reduziria significativamente os riscos e impactos das mudanças climáticas; b) Aumentar a capacidade de adaptar-se aos impactos adversos das mudanças climáticas e fomentar a resiliência ao clima e o desenvolvimento de baixas emissões de gases de efeito estufa, de uma forma que não ameace a produção de alimentos; e c) Promover fluxos financeiros consistentes com um caminho de baixas emissões de gases de efeito estufa e de desenvolvimento resiliente ao clima. [...]19 (UNITED NATIONS, 2015, art. 2o , tradução nossa). Destaca ainda a preocupação que os níveis estimados agregados de emissão de gases de efeito de estufa em 2025 e 2030 resultantes das contribuições 19 “[…] (a) Holding the increase in the global average temperature to well below 2°C above pre- industrial levels and pursuing efforts to limit the temperature increase to 1.5°C above pre-industrial levels, recognizing that this would significantly reduce the risks and impacts of climate change; (b) Increasing the ability to adapt to the adverse impacts of climate change and foster climate resilience and low greenhouse gas emissions development, in a manner that does not threaten food production; and (c) Making finance flows consistent with a pathway towards low greenhouse gas emissions and climate-resilient development. […] (UNITED NATIONS, 2015, art. 2o).
  • 26. 26 nacionalmente determinadas pretendidas não se enquadram nos cenários abaixo dos 2°C, mas levam a um nível projetado de 55 giga toneladas (Gt) em 2030, e também observa que esforços de redução da emissão muito maiores serão exigidos em relação àqueles associados com as contribuições nacionalmente determinadas pretendidas de modo a manter o aumento da temperatura média global a menos de 2°C acima dos níveis pré-industriais, reduzindo as emissões para 40 giga toneladas ou de 1,5°C acima dos níveis pré-industriais (UNITED NATIONS, 2015, p. 04). O texto final determina também, em relação ao financiamento climático, que os países desenvolvidos, antes de 2025, deve definir uma nova meta quantificada coletiva de um piso de US$ 100 bilhões por ano, tendo em conta as necessidades e prioridades dos países em desenvolvimento (UNITED NATIONS, 2015, p. 10). Importante frisar que o presente Acordo será implementado para refletir a igualdade e o princípio das responsabilidades comuns, porém diferenciadas e respectivas capacidades, à luz das diferentes circunstâncias nacionais (UNITED NATIONS, 2015, p. 26). A fim de alcançar o objetivo de longo prazo de temperatura (ou seja, manter o aumento da temperatura média global bem abaixo dos 2°C acima dos níveis pré- industriais e buscar esforços para limitar o aumento da temperatura a 1,5 °C acima dos níveis pré-industriais), as “Partes” têm como objetivo atingir um pico global das emissões de gases de efeito estufa o mais rápido possível, reconhecendo que o pico levará mais tempo para países em desenvolvimento, e para realizar reduções rápidas, posteriormente, de acordo com o melhor conhecimento científico disponível (UNITED NATIONS, 2015, p. 26). 2.2.1 O Acordo de Paris e o Brasil O Brasil, após a aprovação pelo Congresso Nacional, concluiu, em 12 de setembro de 2016, o processo de ratificação do Acordo de Paris. No dia 21 de setembro, o instrumento foi entregue às Nações Unidas (BRASIL, 2017b). Segundo o Ministério do Meio Ambiente (MMA), o Brasil, através das Contribuições Nacionalmente Determinadas (Nationally Determined Contribution - NDC), comprometeu-se a reduzir as emissões de gases de efeito estufa
  • 27. 27 em 37% abaixo dos níveis de 2005, em 2025, com uma contribuição indicativa subsequente de reduzir as emissões de gases de efeito estufa em 43% abaixo dos níveis de 2005, em 2030 (BRASIL, 2017b). Para isso, o país se comprometeu a aumentar a participação de bioenergia sustentável na sua matriz energética para aproximadamente 18% até 2030, restaurar e reflorestar 12 milhões de hectares de florestas, bem como alcançar uma participação estimada de 45% de energias renováveis na composição da matriz energética em 2030 (BRASIL, 2017b). A NDC do Brasil corresponde a uma redução estimada em 66% em termos de emissões de gases efeito de estufa por unidade do Produto Interno Bruto (PIB) (intensidade de emissões) em 2025 e em 75% em termos de intensidade de emissões em 2030, ambas em relação a 2005. O Brasil, portanto, reduzirá emissões de gases de efeito estufa no contexto de um aumento contínuo da população e do PIB, bem como da renda per capita, o que confere ambição a essas metas (BRASIL, 2017b). Vale destacar também que nos Fundamentos para a Elaboração da Pretendida Contribuição Nacionalmente Determinada (Intended Nationally Determined Contribution - iNDC) do Brasil há a pretensão de adotar medidas adicionais que são consistentes com a meta de temperatura de 2°C, em particular: a) aumentar a participação de biocombustíveis sustentável na matriz energética brasileira para aproximadamente 18% até 2030, expandindo o consumo de biocombustíveis, aumentando a oferta de etanol, inclusive por meio do aumento da parcela de biocombustíveis avançados (segunda geração), e aumentando a parcela de biodiesel na mistura do diesel; b) no setor da energia, alcançar uma participação estimada de 45% de energias renováveis na composição da matriz energética em 2030, incluindo: - expandir o uso de fontes renováveis, além da energia hídrica, na matriz total de energia para uma participação de 28% a 33% até 2030; - expandir o uso doméstico de fontes de energia não fóssil, aumentando a parcela de energias renováveis (além da energia hídrica) no fornecimento de energia elétrica para ao menos 23% até 2030, inclusive pelo aumento da participação de eólica, biomassa e solar;
  • 28. 28 c) no setor industrial, promover novos padrões de tecnologias limpas e ampliar medidas de eficiência energética e de infraestrutura de baixo carbono; e d) no setor de transportes, promover medidas de eficiência, melhorias na infraestrutura de transportes e no transporte público em áreas urbanas (BRASIL, 2017d, p. 05 e 06). 2.3 IMPACTO GLOBAL DOS ATIVOS “ENCALHADOS” Segundo estudo apresentado pela Agência Internacional de Energia Renovável (International Renewable Energy Agency – IRENA) (2017, p. 19), organização intergovernamental que apoia países na transição para um futuro energético sustentável, estima-se que a magnitude de “ativos encalhados” de hidrocarbonetos, em função dos compromissos de desenvolvimento sustentável, varie de 34% a 49% das reservas globais de petróleo e de 49% a 52% das reservas de gás natural (Figura 2). Figura 2 – Estimativa de reservas “encalhadas” de hidrocarbonetos Fonte: Modificada da International Renewable Energy Agency (2017, p. 18).
  • 29. 29 A figura 2 apresenta a variação das estimativas de petróleo e gás natural “encalhados” como percentual das reservas totais. Vale registrar que nos três estudos referenciados pelo autor as premissas para os ativos tornarem-se “encalhados” refletem compromissos com restrições de carbono e tendem a considerar a meta de aumento global da temperatura em até 2ºC com probabilidade variando de 50% a 66%. Koehler e Bertocci (2017, p. 04) apresentam dados que as reservas provadas de recursos fósseis equivalem a 2.795 Gt CO2 20. Deste total, as reservas de carvão correspondem a 65% (1.817 Gt CO2), seguida do petróleo com 23% (643 Gt CO2), e gás natural 12% (335 Gt CO2). Para manutenção do limite de aquecimento global em até 2ºC, apenas 565 Gt de CO2 poderiam ser consumidos entre os anos de 2010 e 2050. A figura 3 ilustra os volumes de equivalentes de CO2 dos recursos fósseis apontados no estudo. Figura 3 – Representação dos equivalentes de dióxido de carbono nos recursos fósseis e potencial de “ativos encalhados” Fonte: Modificada de Koehler e Bertocci (2017, p. 03). 20 1 Giga tonelada (Gt) = 1 bilhão de toneladas = 1×1015g; 1 kg carbono (C) = 3.664 kg dióxido de carbono (CO2). (Nota nossa).
  • 30. 30 A título de comparação, a estimativa de emissões globais fósseis de CO2 em 2018 é de 37,1 ± 2 Gt de CO2. China, Estados Unidos da América, União Europeia e Índia são responsáveis por cerca de 60 % destas emissões. (GLOBAL CARBON PROJECT, 2018, p. 09, 11). Para McGlade e Ekins (2015, p. 189), em termos globais, cerca de 430 bilhões de petróleo e 95 trilhões de m³ de gás natural, classificados como reservas, devem permanecer encalhadas até 2050, considerando a meta de aumento global da temperatura em até 2ºC. De acordo com este estudo, o Oriente Médio será a região com maior potencial de reservas de petróleo “encalhadas”, com cerca de 263 bilhões de barris não sendo aproveitados. O Canadá apresenta a menor taxa de utilização de reservas, 25%. Já os Estados Unidos da América (EUA) têm a melhor taxa de utilização de petróleo, 94 % (tabela 1). Na América Central e do Sul, em torno de 58 bilhões de barris de petróleo correm o risco de tornar-se encalhados. A hipótese do reduzido percentual de utilização das reservas de hidrocarbonetos no Canada, sustenta-se, segundo McGlade e Ekins (2015, p. 190), devido à grande parte de produção de petróleo deste país ser do tipo não convencional21, em mineração a céu aberto de betume natural, considerado menos econômico que outros métodos de produção. Situação semelhante ocorre com a Venezuela na América do Sul em virtude do grande volume de hidrocarbonetos ser de petróleo extrapesado22, também com características não convencionais. Nesta situação, volume significado de hidrocarbonetos da Venezuela não foi considerado no supracitado estudo como reservas, mas como recursos potenciais. A tabela 1 apresenta estimativas de volumes de reservas de petróleo, gás natural e carvão de cada região, e o respectivo percentual de reservas atuais que não deverão ser queimadas (produzidas) se o mundo aderir ao “orçamento de carbono”23 de forma a conter o aquecimento global em até 2ºC. 21 Para esclarecimentos adicionais sobre recursos não convencionais vide notas de rodapé 14 e 25. (Nota nossa). 22 Grau API igual ou inferior a 10, são petróleos extrapesados. Esta medida da densidade de petróleo líquido, estabelecida pelo American Petroleum Institute (API), é utilizada para identificação comercial dos diferentes tipos de petróleo. Quanto menor o grau API, menor o valor comercial do petróleo. (Nota nossa). 23 A expressão “orçamento de carbono” diz respeito à quantidade acumulada de dióxido de carbono (CO2) que pode ser emitido ao longo de um determinado período, de forma a se limitar o aquecimento global. (Nota nossa).
  • 31. 31 São apresentados dois cenários de previsões, um cenário que permite a implantação generalizada de captura e armazenamento de gás carbônico (em inglês CCS) a partir de 2025 em diante, e o outro assume que a Carbon Capture and Storage (Captura e Armazenamento de Gás Carbônico – CCS) não estará disponível em qualquer período de tempo. Da analise da tabela 1, podemos constatar que no caso global das reservas de petróleo e gás natural, a implantação tardia da CCS possui efeito modesto em termos percentuais num eventual “encalhe” destes volumes. Tabela 1 – Distribuição regional de reservas não produzidas ("encalhadas") antes de 2050 de 2˚C com e sem CCS País ou Região Bilhão de bbl % Trilhão m³ % Gt* % Bilhão de bbl % Trilhão m³ % Gt* % África 23 21% 4,4 33% 28 85% 28 26% 4,4 34% 30 90% Canada 39 74% 0,3 24% 5 75% 40 75% 0,3 24% 5,4 82% China e India 9 25% 2,9 63% 180 66% 9 25% 2,5 53% 207 77% Ex-repúblicas soviéticas 27 18% 31 50% 203 94% 28 19% 36 59% 209 97% America Central e do Sul 58 39% 4,8 53% 8 51% 63 42% 5 56% 11 73% Europa 5 20% 0,6 11% 65 78% 5.3 21% 0,3 6% 74 89% Oriente Médio 263 38% 46 61% 3,4 99% 264 38% 47 61% 3,4 99% OCDE* Pacífico 2,1 37% 2,2 56% 83 93% 2.7 46% 2 51% 85 95% ODA* 2 9% 2,2 24% 10 34% 2.8 12% 2,1 22% 17 60% EUA 2,8 6% 0,3 4% 235 92% 4.6 9% 0,5 6% 245 95% Global 431 33% 95 49% 819 82% 449 35% 100 52% 887 88% *CCS= carbon capture and storage (Captura e armazenamento de gás carbônico); Gt= bilhão de toneladas; OCDE = Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico; ODA = Other developing Asian countries (outros países asiáticos desenvolvidos) Petróleo Gás Natural 2ºC com CCS Carvão 2ºC sem CCS Petróleo Gás Natural Carvão Fonte: Modificado de McGlade e Ekins (2015, p. 189).
  • 32. 32 3 ASPECTOS GERAIS DA EXPLORAÇÃO E PRODUÇÃO (E&P) DE PETRÓLEO E GÁS NATURAL As atividades de E&P de petróleo e gás natural se caracterizam por elevada incerteza, riscos e recompensas. Os projetos são de longa maturação, com investimentos de capital vultosos, sendo que que grande parte dos investimentos ocorrem antes da produção de hidrocarbonetos. O ciclo de vida de um projeto de E&P requer a participação de especialistas diferentes áreas, trabalhando em equipe, para tomar decisões importantes sobre investimentos e operações. Envolve atividades técnico-científicas-tecnológicas. No caso do Brasil, onde a maior parte da produção e dos recursos e reservas de petróleo e gás natural ocorrem em ambiente marítimo, em águas profundas a ultras profundas24, estas atividades demandam mais tempo e exigem investimentos muito mais vultosos do que no ambiente terrestre. A figura 4 ilustra graficamente um ciclo de vida hipotético de um projeto de E&P, considerando as dimensões temporal (anos) e os dispêndios e receitas (receitas). Pode-se observar um longo período de fluxo de caixa negativo até se atingir a fase de retorno dos investimentos. Geralmente as atividades de identificação e acesso de oportunidades exploratórias, exploração e avaliação são realizadas pelo capital próprio das empresas petrolíferas. 24 Água profunda refere-se a águas oceânicas em lâmina d’água entre 300 m e 1.500 m. Ultra profunda refere-se a águas oceânicas em lâmina d’água superior a 1.500 m. (Nota nossa).
  • 33. 33 Figura 4 – Ciclo hipotético de projeto de E&P Fonte: O autor 3.1 ESTÁGIOS Devido aos riscos, às complexidades e à grande magnitude dos investimentos necessários para se desenvolver um campo de petróleo e/ou gás natural, a maioria das empresas divide as análises e decisões nos seguintes estágios, discretos e sequenciais: a) identificação e acesso de oportunidades exploratórias, b) exploração, c) avaliação, d) desenvolvimento, e) produção e, f) abandono.
  • 34. 34 3.1.1 Identificação e Acesso de Oportunidades Exploratórias Este estágio é dedicado a análises técnicas, político/regulatórias, econômicas/fiscais e psicossociais de possíveis áreas de interesse para atividade exploratória. Inicia-se com a avaliação, pela equipe de geocientistas das empresas petrolíferas, de dados e informações sobre a geologia e histórico exploratório da região de interesse. Identificado o potencial geológico da região para explotação de hidrocarbonetos, bem como o seu enquadramento a visão estratégica da empresa, as equipes técnicas passam a verificar as características do regime jurídico-regulatório de exploração e produção de hidrocarbonetos. Os três principais regimes conhecidos no setor de petróleo e gás natural são: concessão, contrato de partilha de produção e o contrato de serviços. No regime de concessão, via de regra, com algumas poucas exceções, o Estado concede a empresas, em processo licitatório, áreas para o desenvolvimento de atividade de E&P, por conta e risco, tendo como contrapartida, em caso de êxito, o pagamento de tributos e participações governamentais (royalties). É adotado em países desenvolvidos, como EUA, Canadá, Noruega, Grã-Bretanha, entre outros países da OCDE, bem como em países, relativamente estáveis como Argentina, Brasil, Colômbia e Rússia. Já no Contrato de Partilha, as empresas também conduzem suas atividades por conta e risco, porém em caso de sucesso, dividem (partilham) o petróleo e o gás natural extraídos daquela área. Este regime é comum nos grandes produtores da África (por exemplo Angola, Líbia e Nigéria) e Ásia (Cazaquistão, China, Índia e Indonésia). No Contrato de Serviços, não há outorga de direitos e obrigações as companhias, ocorrendo apenas a contratação de serviços para à realização das atividades de exploração e de desenvolvimento e produção. É utilizado nos grandes exportadores com Arábia Saudita, Iraque e Irão Saudi, e no México. Atualmente, temos um regime regulatório misto no País: a) regime de concessão, definido na Lei nº 9.478/1997 (BRASIL, 1997) e, b) partilha de produção, segundo a Lei nº 12.351/2010 (BRASIL, 2010b) na região do “pré-sal”. Desde o fim do monopólio da Petrobras nas atividades de pesquisa,
  • 35. 35 exploração, produção e refino de petróleo/gás natural, até o presente já foram realizadas 15 rodadas de blocos exploratórios no regime de concessão e quatro na área do “pré-sal”, em regime de partilha de produção (AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO, GÁS NATURAL E BIOCOMBUSTÍVEIS (Brasil), 2019b). No Brasil a concessão de direitos e obrigações de exploração e produção de petróleo e gás natural ocorre por meio de leilões (denominados de Rodada de Licitação), em sessão pública e transparente. No caso da concessão, o critério de seleção de empresa vencedora do certame envolve a melhor oferta de bônus de assinatura e de um conjunto de atividades exploratórias (denominado de Programa Exploratório Mínimo - PEM). No regime de partilha de produção, o bônus de assinatura e o PEM são fixados no edital de licitação não fazendo parte da oferta. A seleção se dá pela melhor oferta da parcela do excedente em óleo ofertada à União. Como registro adicional, encontra-se vigente no Brasil o contrato de cessão onerosa, estabelecido na Lei nº 12.276/2010 (BRASIL, 2010a), que tem por objeto a cessão onerosa da União para a Petrobras, por contratação direta, do exercício das atividades de pesquisa e lavra de petróleo e gás natural, limitado ao volume máximo de 5 bilhões de barris de óleo equivalente, localizados em áreas do “pré-sal”, na bacia de Santos. 3.1.2 Exploração Uma vez adquirido ou tendo obtido acesso a área exploratória, são realizados estudos geológicos pormenorizados na área de interesse. Analisados este dados e informações, são programados na sequencia trabalhos adicionais de aquisição de dados geológicos e geofísicos (em especial aquisição de sísmica de reflexão25) com o intuito de se encontrar regiões favoráveis e com potencial de ocorrência de petróleo 25 Método indireto de prospecção em subsuperfície, baseado no princípio de reflexão de ondas sísmicas. Tem como resultado final o imageamento em subsuperfície (sismograma) das camadas de rochas na Terra. (Nota nossa).
  • 36. 36 e gás natural. Identificada a oportunidade exploratória26, inicia-se a programação de perfuração de poços exploratórios (poços pioneiros27) com o objetivo final de constatar a existência de petróleo e gás natural (descoberta) na área pesquisada. No Brasil durante a fase de exploração o concessionário é obrigado a cumprir um programa exploratório, num prazo de três a oito anos, podendo ser prorrogados, que varia em função da localização e ambiente operacional. 3.1.3 Avaliação O estágio de avaliação tem como objetivo final avaliar a descoberta de petróleo e gás natural identificada através da perfuração de poços no estágio anterior. Na avaliação são programadas novas perfurações de poços exploratórios, buscando-se reduzir as incertezas, especialmente as relacionadas aos volumes recuperáveis de petróleo e gás natural existentes no reservatório. Neste momento, tem-se uma estimativa inicial de reservas e recursos na região estudada. O passo seguinte é, através de um estudo de viabilidade técnica e econômica, verificar se a descoberta é economicamente viável, declarando-se a comercialidade e seguindo para o projeto de desenvolvimento do campo de petróleo e gás natural. No Brasil a etapa de avaliação faz parte da Fase de Exploração estabelecida nos contratos. Para a execução destas atividades as empresas devem apresentar um Plano de Avaliação de Descoberta (PAD), cujo conteúdo deve conter um programa de trabalho de atividades, com prazos e investimentos necessários para correta avaliação da área. Caso a empresa considere que a descoberta é economicamente atrativa é facultado a declaração de comercialidade da área. 26 Uma oportunidade exploratória é uma situação geológica que pode envolver vários prospectos em diversos graus de confiabilidade. Já o prospecto é uma acumulação potencial, mapeada por geólogos e geofísicos, onde se estima que exista uma acumulação de óleo e/ou gás natural e que esteja pronta para ser perfurada. Os cinco elementos necessários (geração, migração, reservatório, selo e trapeamento) para que exista a acumulação devem estar presentes. (PAPATERRA, 2010). 27 É primeiro poço perfurado numa determinada área visando a testar a ocorrência de petróleo ou gás natural. (Nota nossa).
  • 37. 37 3.1.4 Desenvolvimento Este estágio tem início com a declaração de comercialidade de um campo de petróleo e gás natural. O objetivo final é construir a infraestrutura para extração, sendo realizados grandes investimentos em capital fixo. Para tanto, é usual a elaboração de um projeto conceptual de estratégia de desenvolvimento e gerenciamento da produção do campo (denominado de Plano de Desenvolvimento). Neste plano é especificado todas as atividades, operações e investimentos (por exemplo: perfurações de poços produtores, sistemas de injeção, número de unidades estacionárias de produção) necessários para o início da produção de petróleo e gás natural. Comumente, este plano deve ser apresentado e aprovado pelas autoridades fiscalizadoras ou reguladoras do país para posterior início das atividades. Deve abranger toda a vida produtiva do campo. Nos contratos de exploração de exploração e produção do Brasil o estágio de desenvolvimento é considerado como uma etapa integrante da Fase de Produção. Via de regra as empresas têm um prazo de até 180 dias a partir da declaração de comercialidade para apresentar um Plano de Desenvolvimento à ANP. 3.1.5 Produção Estagio mais longo do ciclo de um projeto de E&P, ocorre quando o campo de petróleo ou gás natural, como toda a infraestrutura instalada, está apto para iniciar a produção. O perfil típico de produção de petróleo e gás natural apresenta três fases distintas: a) crescimento (ou ramp up) com o início da produção dos primeiros poços produtores, b) plateau, momento em que as instalações e poços produtores estão com capacidade de plena produção numa taxa constante e c) declínio, via de regra a mais longa, onde os poços produtores encontram-se em decréscimo da produção. Na figura 4, estas fases podem ser visualidades no intervalo de tempo ente 01 a 22 anos.
  • 38. 38 Nos mais recentes contratos de concessão do Brasil para outorga de áreas para exploração e produção do Brasil, a data de início da produção de hidrocarbonetos é limitada no prazo máximo de 5 (cinco) anos, prorrogáveis, contados da declaração de comercialidade. Nestes contratos a fase de produção tem duração de 27 anos a contar da declaração de comercialidade, com possibilidade de prorrogação contratual prevista nos diversos modelos de contrato de concessão. 3.1.6 Abandono Conhecida também como descomissionamento, este estágio ocorre quando as alternativas para recuperação dos hidrocarbonetos estão esgotadas e/ou a vida útil das instalações não possam ser mais utilizadas para produção considerando condições de segurança e de mínimo risco ao meio ambiente e à saúde humana. Tem como objetivo final a desativação das instalações de infraestrutura instalada para produção, bem como eventual recuperação ambiental na área do empreendimento. 3.2 PERÍODO ENTRE OUTORGA E PRIMEIRO ÓLEO OU GÁS NATURAL Conforme discutido nesta seção, os projetos de E&P do setor de petróleo e gás natural são caracterizados por serem de longa maturação. Os prazos para realização destas atividades estão subordinados a questões regulatórias, aos ambientes geológico e operacional, as condições de mercado dos fornecedores de bens e serviços e ao preço das commodity petróleo. As tabelas 2 e 3 apresentam indicadores de tempo referente ao período entre a adjudicação (assinatura dos contratos) da área exploratória (bloco) e o primeiro óleo ou primeiro gás natural não associado, por ambiente28 e 28 Segmentação geográfica, conforme as diferentes situações operacionais, designadas por ambientes de E&P, em terra (onshore) e no mar (offshore), nas bacias sedimentares brasileiras: terra interior (TI); terra costeira (TC); mar costeiro (MC) até 100 m; água rasa de 100 m a 400 m
  • 39. 39 nível estratigráfico “pré-sal” e pós-sal29, estimado atualmente no Brasil. O cálculo refere-se à contagem de tempo, em meses ou anos. Tabela 2 – Período entre a adjudicação da concessão e o primeiro óleo Fonte: Brasil (2018b, p. 14). Tabela 3 – Período entre a adjudicação da concessão e o primeiro gás natural Fonte: Brasil (2018b, p. 14). (AR); água profunda de 400 m a 1500 m (AP); água ultraprofunda a partir de 1500 m (AUP). (BRASIL, 2018b, p. 14). 29 Refere-se à camada posicionada em diversos horizontes cronoestratigráficos, com exceção da realizada no horizonte geológico denominado pré-sal. (Nota nossa).
  • 40. 40 Com base nestes indicadores, podemos observar prazos mais curtos no ambiente terrestre (TI, TC), sendo mais prolongados, gradativamente, em direção ao ambiente marítimo e respectivas profundidades de lâmina d´agua (MC, AR, AP e AUP). Chama a atenção o tempo médio de aproximadamente dez anos decorrido entre a outorga e o início da produção no Brasil das áreas de elevado potencial do “pré-sal”. Esta questão temporal será de extrema relevância para a análise discussão sobre o risco dos recursos de petróleo e gás natural, ainda não descobertos no Brasil, tornaram-se “encalhados”. Adicionalmente, a tabela 4 apresenta o tempo decorrido entre a assinatura dos contratos (outorga) e o primeiro óleo dos seis maiores campos produtores de petróleo do Brasil em junho de 2019. Estes campos atualmente contribuem com cerca de 62% da produção de petróleo. Tabela 4 – Período ocorrido entre a adjudicação da concessão e o início da produção dos principais campos de petróleo do Brasil Pré-sal Pós-sal Pré-sal Pós-sal Lula 798.963 0 32.988 0 15/09/2000 29/12/2010 29/12/2010 10,29 Sapinhoá 242.230 0 10.155 0 15/09/2000 29/12/2011 05/01/2013 12,32 Búzios 191.208 0 7.118 0 01/09/2010 19/12/2013 10/03/2015 4,52 Jubarte 157.331 75.777 5.469 669 06/08/1997 12/12/2002 12/12/2002 5,35 Sul de Lula 51.210 0 2.005 0 01/09/2010 19/12/2013 26/10/2018 8,16 Mero 42.006 0 2.883 0 02/12/2013 30/11/2017 30/11/2017 4,00 Lapa 25.229 0 1.079 0 15/09/2000 19/12/2013 01/08/2016 15,89 Campo Petróleo (bbl/d) Gás natural (Mm³/d) Data Assinatura (A) Declaração de Comercialidade Início de Produção (B) Período (B-A) (Anos) Fonte: O autor, com dados de Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Brasil) (2019a, 2019c)). Os campos marítimos de Búzios (cessão onerosa) e Mero (regime de partilha de produção) tiveram poços exploratórios perfurados pela União, antes da contratação das áreas, para ampliar o conhecimento sobre o “pré-sal”. Nestas duas áreas foram confirmadas a descoberta de petróleo. A antecipação da atividade exploratória nas áreas, antes da contratação e respectiva assinatura de contratos da União com terceiros, justifica o menor período de tempo ocorrido entre a adjudicação da concessão e o início da produção (coluna B-A na tabela 4).
  • 41. 41 4 HIPÓTESE DE RECURSOS E ATIVOS “ENCALHADOS” DE PETRÓLEO E GÁS NATURAL NO BRASIL Não obstante extensa literatura sobre o tema stranded assets, não identificamos registros quantitativos diretos sobre a hipótese de recursos e reservas de petróleo e gás natural no Brasil tornarem-se “encalhados” (stranded). O trabalho de McGlade e Ekins (2015), apesar de estratificar as informações para alguns países, apresentou estimativas de dados quantitativos apenas da região da América Central e do Sul30. Neste estudo, os autores estimam que nesta região cerca de 88 bilhões boe de reservas (58 bilhões de barris de petróleo e 5 trilhões de m³ gás natural) correm o risco de tornar-se encalhados até o ano de 2050, se a intenção for conter o aquecimento global em até 2ºC. Para embasamento desta discussão, examinaremos inicialmente os recursos de hidrocarbonetos já descobertos no Brasil, abordaremos a questão do potencial exploratório (acumulações não descobertas) remanescentes no País e por fim, devido à grande complexidade do tema e a incógnita sobre a velocidade da transição energética para uma economia de baixo carbono, analisaremos de forma qualitativa o problema no Brasil. 4.1 RECURSOS E RESERVAS DE PETRÓLEO E GÁS NATURAL NO BRASIL De acordo com o Boletim de Recursos e Reservas de Petróleo e Gás Natural, data base 2018, da ANP (AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO, GÁS NATURAL E BIOCOMBUSTÍVEIS (Brasil), 2018b), o Brasil possui aproximadamente 28,7 bilhões de barris de petróleo e 671 milhões de metros cúbicos (MM m³) em recursos descobertos. Somados os volumes de petróleo e gás natural, temos atualmente cerca de 33 bilhões de boe de recursos descobertos. 30 Sobre a questão dos ativos encalhados na América do Sul, em especial a Venezuela, recomendados a leitura dos comentários da seção 2.3 deste trabalho. McGlade e Ekins (2015, p. 190) não considera os volumes expressivos de hidrocarbonetos da Venezuela como reservas. (Nota nossa).
  • 42. 42 Este montante compreende os recursos classificados como reservas (3P) e recursos contingentes, relativos ao dia 31 de dezembro de 2018 (ano de referência). A tabela 5 apresenta os volumes declarados pelas empresas operadoras de campos de petróleo e gás natural no Brasil, discriminados por categoria de recursos, ambiente operacional (mar ou terra) e localização da bacia sedimentar. Tabela 5 – Recursos e Reservas de petróleo e gás natural no Brasil (ano base 2018) Fonte: Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Brasil) (2018b, p. 04). Quanto aos fluídos, aproximadamente 96% dos volumes de petróleo e 86% do gás natural já descobertos encontram-se em ambiente offshore, na margem continental brasileira. Neste quesito, cabe um breve aparte para ressaltar a relevância das questões dos limites das zonas marítimas sob a soberania e jurisdição brasileiras, refletidas na importância estratégica de Defesa do Atlântico Sul expressa na Política Nacional de Defesa (BRASIL, 2016b) e na Estratégia Nacional de Defesa (BRASIL, 2016a), o qual
  • 43. 43 acolhe a denominada “Amazônia Azul”, ecossistema de área comparável à Amazônia brasileira e de vital relevância para o País. Em função da especificidade do contrato de cessão onerosa31, os valores de hidrocarbonetos divulgados na consolidação anual dos recursos e reservas nacionais de petróleo e gás natural não consideram os volumes dos excedentes descobertos neste contrato. Segundo estimativas divulgadas pela ANP, são esperados os seguintes volumes para o excedente da cessão onerosa: a) P50: 10.836 milhões de barris de óleo equivalente, b) P90: 6.068 milhões de barris de óleo equivalente e, c) P10: 15.062 milhões de barris de óleo equivalente (AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO, GÁS NATURAL E BIOCOMBUSTÍVEIS (Brasil), 2017). Utilizando-se de métodos probabilísticos, a estimativa otimista é representada pelo P10, a melhor estimativa P50 e a pessimista pelo P90. Conjugando os volumes declarados pelas empresas de petróleo (referência em 31/12/2018), com as estimativas divulgadas pela ANP, em intervalos segundo chance de ocorrência, dos volumes excedentes do contrato de cessão onerosa, podemos inferir que o Brasil possui entre 39 bilhões a 48 bilhões de barris equivalente de óleo em recursos de hidrocarbonetos descobertos. 4.2 POTENCIAL EXPLORATÓRIO DO BRASIL O Brasil possui uma área sedimentar com aproximadamente 7,7 milhões de km², sendo 5,1 milhões de km² em terra (onshore). Cerca de 53% destas áreas (4,1 milhões de km²) apresentam chances para a existência de acumulações de petróleo ou de gás natural, logo revelam relativa importância para o desenvolvimento de atividades exploratórias (BRASIL, 2017a). A figura 5 ilustra as dimensões continentais das áreas sedimentares (em amarelo pontilhado) do Brasil, comparando com a área com relativa chance de existência de hidrocarbonetos (em verde). 31 Sobre contrato de cessão onerosa, vide seção 3.1. (Nota nossa).
  • 44. 44 Figura 5 – Áreas sedimentares do Brasil Fonte: O autor, adaptado de: Brasil (2019). Atualmente o Brasil possui em torno de 280 mil km² de área contratada para atividades de exploração e produção no Brasil (figura 6), o que equivale a cerca de 7% das áreas com potencial para petróleo e gás natural.
  • 45. 45 Figura 6 – Blocos exploratórios sob concessão por rodada de licitações Fonte: Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Brasil) (2018a).
  • 46. 46 Na figura 6, o polígono irregular em azul representa a área do “pré-sal”, os polígonos regulares coloridos representam os blocos exploratórios contratados, as áreas em amarelo as bacias sedimentares terrestres (onshore) e os polígonos irregulares, em ciano, as áreas sedimentares em mar (offshore). Podemos constatar neste cenário atual, em relação área total sedimentar efetiva com chances de hidrocarbonetos, que há um predomínio de esforços exploratórios na região denominada Margem Leste, em especial nas regiões de elevado potencial de hidrocarbonetos nas bacias de Santos e Campos, na seção “pré-sal”, e na bacia do Parnaíba, região nordeste do Brasil, cujo potencial principal é o gás natural. Observa-se também uma moderada concentração de áreas contratadas na bacia do Solimões, região Norte do Brasil, e na bacia do São Francisco, no interior da região Sudeste do Brasil. Em ambas os casos, o fluído potencialmente predominante é o gás natural. Não obstante área contratada significada na bacia do São Francisco, as oportunidades descobertas até o presente estão associadas a recursos não convencionais32 de gás natural, em especial formações com baixíssima porosidade (tight gas), cuja extração necessita de tecnologias especiais. Hoje um fator limitante a esta atividade no Brasil é a elevada exigência e morosa do processo licenciamento ambiental. Inclusive em algumas localidades a moratória para licenciamento ou mesmo a proibição da atividade. Na região denominada Margem Equatorial, que engloba porções offshore das bacias de Potiguar até a bacia da Foz do Amazonas, no ano de 2013, houve grande interesse de grandes companhias internacionais na aquisição de áreas exploratórias. Nesta região, as atividades iniciais de exploração de aquisição de sísmica tiveram processos de licenciamento relativamente mais demorados que os previstos inicialmente, de alguma forma atrasando a avaliação do potencial geológico. 32 Acumulação de Petróleo e Gás Natural que, diferentemente dos hidrocarbonetos convencionais, não é afetada significativamente por influências hidrodinâmicas e nem é condicionada à existência de uma estrutura geológica ou condição estratigráfica, requerendo, normalmente, tecnologias especiais de extração, tais como poços horizontais ou de alto ângulo e fraturamento hidráulico ou aquecimento em retorta. Incluem-se nessa definição o Petróleo extrapesado, o extraído das areias betuminosas (sand oil ou tar sands), dos folhelhos oleíferos (shale oil), dos folhelhos ricos em matéria orgânica (oil shale ou xisto betuminoso) e das formações com baixíssima porosidade (tight oil). Consideram-se, também, na definição, o gás metano oriundo de carvão mineral (coal bed methane ou coal seam gas) e de hidratos de metano, bem como o Gás Natural extraído de folhelhos gaseíferos (shale gas) e de formações com baixíssima porosidade (tight gas). (AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO, GÁS NATURAL E BIOCOMBUSTÍVEIS (Brasil), 2014).
  • 47. 47 Na bacia do Paraná, região Centro Oeste/Sul, cujo potencial é predominante o fluído de gás natural, observamos baixa densidade de área contratada. De forma semelhante a outras regiões do Brasil um fator limitante é a moratória para licenciamento ou mesmo a proibição da atividade. Conforme podemos depreender, temos uma imensa área sedimentar ainda pouco explorada no Brasil, com potencial para atração investimentos no setor de petróleo e gás natural. O mapa temático sobre a necessidade de Conhecimento nas áreas sedimentares brasileiras (figura 7) corrobora com esta afirmação. De uma maneira geral, o mapa da figura 7 representa à disponibilidade de dados geológicos e geofísicos das bacias sedimentares brasileiras, indicando a necessidade de aquisição, processamento e interpretação de dados exploratórios nas respectivas áreas sedimentares do Brasil (BRASIL, 2017a). As cores quentes (amarelo, laranja e vermelho) do mapa indicam regiões onde o conhecimento geológico é carente. Correspondem as áreas das bacias interiores (como por exemplo, Paraná, Solimões, Amazonas, São Francisco e Parnaíba) e regiões em águas ultraprofundas das bacias da margem continental. De um modo geral, estas áreas carentes de informação, constituem novas fronteiras exploratórias no Brasil. Por outro lado, as regiões em cores frias (tonalidades em verde) inferem um conhecimento geológico satisfatório a bom. Referem-se as áreas maduras terrestres (bacia do Espirito Santo, Recôncavo, Sergipe-Alagoas e Potiguar) e as áreas offshore de elevado potencial geológico nas bacias da Margem Leste Meridional: Santos, Campos e Espírito Santo
  • 48. 48 Figura 7 – Mapa temático sobre a necessidade de conhecimento nas áreas sedimentares brasileiras Fonte: Modificado de Brasil (2017a, p. 487).
  • 49. 49 4.3 O RISCO DOS ATIVOS E RECURSOS “ENCALHADOS” NO BRASIL As tendências de peso globais de aumento da conscientização ambiental, a crescente preocupação com as mudanças climáticas e a diminuição da participação do combustível fóssil na matriz energética mundial, tem levado as empresas e países a reavaliar suas prioridades e investimentos de longo prazo no setor de petróleo e gás natural. A demanda por petróleo deve atingir seu pico em 2033 (McKINSEY ENERGY INSIGHTS, 2019, p. 16). Depois deste cenário de pico de demanda, de acordo com relatórios do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas o consumo de combustível fóssil pode cair drasticamente para mitigar a mudança climática e a poluição urbana até 2100 (INTERGOVERNMENTAL PANEL ON CLIMATE CHANGE, 2018). Nessa circunstância, independente da incerteza temporal sobre o pico de demanda de petróleo e eventual impacto das novas políticas climáticas globais sob o setor fóssil, com pressões para redução de emissões de gases de efeito estufa, advindas principalmente dos compromissos do Acordo de Paris, a transição energética, já em andamento, sinaliza o inexorável declínio da era do petróleo no médio a longo prazo. O Brasil, como importante ator social (stakeholder) no setor de petróleo e gás natural mundial, mais cedo ou mais tarde terá que enfrentar o problema do risco de deixar de lado seus recursos de petróleo e gás natural. Atualmente, o Brasil é o décimo produtor mundial de petróleo e apresenta perspectivas de crescimento expressivas nos próximos anos. Mesmo considerando as ameaças ao incremento do uso de energia fóssil em âmbito global, provocadas em parte pela progressiva mentalidade das sociedades para o uso sustentável da energia, num horizonte de curto a médio prazo nos parece improvável, que os 23,8 milhões de reservas (3P) de petróleo e os cerca de 570 bilhões de m³ de reservas (3P) de gás natural no Brasil estejam sujeitos a tornarem-se encalhados. Nesta categoria de recursos, os volumes atuais, estimados pelos operadores de campos de petróleo ou gás natural no Brasil, e consolidadas e divulgadas anualmente pela ANP, tiveram como premissas a viabilidade econômica dos projetos,
  • 50. 50 e em especial a perspectiva de existência de mercado para toda a produção. Ademais, quantidade significativa de investimentos em desenvolvimento da produção já foram realizados nestes projetos. Nestas condições e de acordo com os cenários prospectivos, estes volumes são totalmente factíveis de serem plenamente extraídos (explotados) nos próximos 20 a 30 anos. Também nos parece improváveis, o risco de grande parte dos recursos contingentes atuais no Brasil, estimados atualmente entre 11 a 20 bilhões de barris de óleo equivalente, se tornarem “encalhados”. Nesta categoria de recursos, grandes parcelas dos volumes estão associados a projetos do “pré-sal” na bacia de Santos, cuja parte significativa da infraestrutura para desenvolvimento da produção já encontra-se instalada. Em síntese, o risco de não produção das reservas e recursos contingentes atuais de hidrocarbonetos no Brasil se apresenta desprezível a muito baixo. Já o potencial recurso ainda não descoberto no Brasil, cujos gastos de capital futuro carecem de analises e percepções de demanda, de preços de longo prazo do petróleo e do gás, do endurecimento da política climática e da rigidez no orçamento de emissões cumulativas de carbono, e da inovação tecnológica produzindo substitutos baratos para petróleo e gás, acreditamos que há real risco de parte destes recursos prospectivos ficarem “encalhados”. Conforme já discutido neste trabalho, no ambiente offshore brasileiro, em especial no ambiente de águas profundas a ultraprofundas, o tempo decorrido entre a aquisição (outorga) da oportunidade exploratório (bloco exploratório) e o primeiro óleo ou gás natural tem levado em média cerca de 10 anos. Neste quesito, a questão temporal é um fator crítico ao risco de eventuais recursos prospectivos tornarem-se irrecuperáveis (“encalhados”). Outrossim, exemplos individualizados campos no “pré-sal” da bacia de Santos, apresentados na tabela 4 deste trabalho, apontam para situações em que o prazo para o primeiro óleo demorou mais de 16 anos. Os projetos de E&P possuem características de longa maturação, cujos investimentos exploratórios, são predominantemente, realizados através do capital própria das empresas petrolíferas. Adicionalmente, considerando as dimensões continentais das áreas com potencial para petróleo e gás natural no Brasil, e o fato de que cerca de 90% destas
  • 51. 51 áreas possuem pouco ou nenhum conhecimento geológico, a questão temporal, novamente é imperiosa para tomada de decisões. A título de exemplo, estudo recente da Rystad Energy (2019), o Brasil possui cerca de 99 bilhões de barris de petróleo de recursos recuperáveis. Estes recursos, segundo o estudo, compreendem a estimativa média dos volumes dos campos já descobertos, mais os recursos contingentes em descobertas, acrescentados de recursos prospectivos com risco em possíveis campos ainda não descobertos. Num rápido exercício dedutivo, descontando-se os volumes atualmente já descobertos no Brasil (reservas 3P e recursos contingentes), o montante estimado de recursos prospectivos recuperáveis (não descobertos) de petróleo no Brasil seria da ordem de 50 a 60 bilhões de barris. A despeito da imprecisão deste número, o valor apresentado é significativamente relevante para ser deixado de lado, sem benefício a sociedade brasileira. Como exemplo, no ano de 2018 o valor total arrecado como compensação financeira33 devida à União aos estados, ao Distrito Federal, e aos municípios beneficiários pelas empresas que produzem petróleo e gás natural no território brasileiro foi de aproximadamente 53 bilhões de reais (AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO, GÁS NATURAL E BIOCOMBUSTÍVEIS (Brasil) (2018a)). Tal montante monetário advém da produção anual acumulada no Brasil de cerca de 950 milhões de barris de petróleo e de aproximadamente 41 bilhões de m³ de gás natural. Neste período, a média anual do preço do petróleo tipo Brent foi de US$ 71 por barril (AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO, GÁS NATURAL E BIOCOMBUSTÍVEIS (Brasil) (2018a)) e uma taxa média anual do câmbio de R$ / US$ 3,65. Nas condições apresentadas acima, inferimos que foram alocados em receitas para o Governo, como compensação financeira, cerca de US$ 11,85 para cada barril de petróleo equivalente produzido no Brasil. 33 O aproveitamento dos recursos minerais, quando de propriedade do Estado, se dá por meio de concessão a terceiros do direito de extração. A forma de contraprestação por esse direito de uso exclusivo é o pagamento de um royalty. No Brasil, as compensações financeiras oriundas da exploração e produção de petróleo e gás natural são os royalties e a participação especial. Os royalties incidem sobre o valor da produção do campo e são recolhidos mensalmente. Nos contratos de concessão a alíquota varia de 5 a 10%, já no contrato de partilha a alíquota é definida em 15%. A participação especial é a compensação financeira extraordinária devida pelas empresas que exploram campos com grande volume de produção e/ou grande rentabilidade. (Nota nossa).
  • 52. 52 Estabelecendo como referência o cálculo de compensação financeira no ano de 2018, a variável fixa do preço médio do petróleo tipo Brent em US$ 60 por barril, e uma produção total de 50 a 60 bilhões de barris de petróleo, equivalente ao montante estimado de recursos prospectivos recuperáveis (não descobertos), podemos estimar um potencial de compensação financeira a União em torno de US$ 500 a US$ 600 bilhões. Isso sem contar com o bônus de assinatura pago pelas empresas para a aquisição de áreas e com o aumento na arrecadação de impostos, como o de renda, ou contribuições, como a sobre o lucro líquido. Acrescenta-se que a indústria do petróleo tem papel relevante em termos de infraestrutura e desenvolvimento econômico ao país. A tabela 6 apresenta a memória de cálculo simplificada desta estimativa. Tabela 6 – Memória de cálculo de Potencial de compensação financeira a União Ano 2018 A Total Brasil - Royalties (em R$ milhão) 23.353,7 B Total Brasil - Participações Especiais (em R$ milhão) 29.567,1 C Total Brasil - Compensão Financeira [A+B] (em R$ 1000) 52.920,8 D Produção de petróleo (mihões de barris) 944,12 E Produção de gás natural (bilhões de m³) 32,84 F Produção boe [D+E] (mihões de barris) 1.221,9 G Preço médio anual do petróleo do tipos Brent (US$/barril) 71,3 H Taxa de câmbio (R$ / US$) 3,654 I Receitas da compensação financeira [(C/F)/H] (US$/barril) 11,9 Recursos Prospectivos Recuperáveis J Preço fixo médio do petróleo tipo Brent (US$/barril) 60,0 L Volume potencial (bilhões de barris) 50,0 60,0 M Potencial receita da compensação financeira [(J*I)/G] (US$/barril) 9,97 N Potencial acumulado de compensação financeira (L*M) (US$bilhões) 498,60 598,32 Fonte: O autor, com informações de Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Brasil) (2018a). A descoberta tardia e abundante de recursos de petróleo e gás natural, num cenário onde questões globais de desenvolvimento sustentável tem se apresentado frequentemente aos países, orientados para uma economia de baixo carbono, pode resultar na perda destes recursos ao Brasil. Diante do exposto neste trabalho e considerando que o potencial de recursos de petróleo e gás natural no Brasil é pouco conhecido e dada nossas dimensões
  • 53. 53 continentais, a hipótese de aceleração do processo exploratório, com incentivo a monetização o mais rápido possível destes recursos, sob risco de ficarem sem demanda no futuro, precisa ser encarada pelos tomadores de decisão. Ademais, o fato do Brasil possuir uma matriz energética diversificada pode ser considerado com um ponto forte na discussão sobre a monetização dos recursos fósseis de petróleo e gás natural. O país tem uma perspectiva de aumento de participação das fontes renováveis, atingindo em 2025 um percentual de 47% da matriz (BRASIL, 2018c, p. 234), superior a NDC do Brasil no Acordo de Paris.
  • 54. 54 5 CONCLUSÃO A investigação conduzida neste trabalho consistiu em apresentar o tema sobre stranded assets (“ativos encalhados”) e suas implicações sobre os recursos petrolíferos brasileiros. Cada vez mais esta temática tem chamado a atenção de empresas, investidores, bancos, seguradoras, reguladores e formadores de política pública. A tendência mundial de preservação do meio ambiente e da redução da emissão de Gases do Efeito Estufa (GEE), especialmente o dióxido de carbono (CO2), é uma realidade. O impacto desta tendência afeta diretamente os setores fósseis, particularmente o de hidrocarbonetos. Deveremos verificar uma mudança profunda nas economias mundiais se a intenção for de que o aumento da temperatura média global fique abaixo de 2°C acima dos níveis pré-industriais, conforme objetivos do Acordo de Paris (UNITED NATIONS, 2015). De qualquer forma, independentemente do prazo do impacto das novas políticas climáticas globais ou de inovações tecnológicas produzindo substitutos baratos para petróleo e gás natural, a transição energética, já em andamento, sinaliza o inexorável declínio da era do petróleo no médio a longo prazo, caracterizando-se como um evento futuro preliminar. O conceito adotado neste trabalho para a definição de “stranded assets ou stranded resources é aquele em que: “[...] os ativos (ou recursos) perdem seu valor econômico bem antes da sua expectativa de vida útil, devido a mudanças na legislação, regulamentação, forças de mercado, inovação disruptiva, normas sociais ou choques ambientais. [...]”34 (GENERATION FOUNDATION, 2013, p. 21, tradução nossa). Voltando para nossa realidade, inferimos que o risco de não produção (stranded ou “encalhe”) das reservas e recursos contingentes atuais de hidrocarbonetos no Brasil se apresenta desprezível a muito baixo. 34 "[…] an asset which loses economic value well ahead of its anticipated useful life, whether that is a result of changes in legislation, regulation, market forces, disruptive innovation, societal norms, or environmental shocks. […]” (GENERATION FOUNDATION, 2013, p. 21).
  • 55. 55 Os atuais volumes de aproximadamente 39 bilhões a 48 bilhões de boe em recursos de hidrocarbonetos descobertos no Brasil, possuem plena condição de maximização de extração (explotação), aproveitando-se do pico de demanda mundial de petróleo previsto para 2033, conforme McKinsey Energy Insights (2019, p. 16). Por outro lado, temos uma área sedimentar de extensão continental ainda pouco explorada, com potencial para atração investimentos no setor de petróleo e gás natural. Em termos quantitativos, o Brasil possui cerca de 3,7 milhões de km² (equivalente a 90% da área total) de áreas sedimentares com chances para a existência de acumulações de petróleo ou de gás natural com pouco ou nenhum conhecimento geológico e geofísico, que carecem de aquisição, processamento e interpretação de dados exploratórios para melhor avaliação do potencial petrolífero. Se considerarmos o cenário prospectivo de uma economia mundial de baixo carbono, bem como o fato de que os projetos de E&P de petróleo possuem complexidade tecnológica, elevado risco, investimentos de capital intensivo e longa maturação, o risco de não monetização de grande parte destes potenciais recursos de hidrocarbonetos, ainda não descobertos, pode ser considerado como elevado. Conforme explicitado num exercício dedutivo, o montante estimado de recursos prospectivos recuperáveis (não descobertos) de petróleo no Brasil, na ordem de 50 a 60 bilhões de barris, poderiam resultar em receitas ao Governo, como compensação financeira (royalties e participações especiais) a produção destes hidrocarbonetos, algo em torno de US$ 500 a US$ 600 bilhões. Diante da hipótese de perda de valor destes recursos, no médio a longo prazo, recomendamos aos tomadores de decisão do setor petrolífero do Brasil o estabelecimento de políticas de Exploração e Produção de petróleo e gás natural que visem: a) ampliar o conhecimento geológico e geofísico em áreas sedimentares com baixa densidade de dados e informações, através de recursos próprios do Governo ou por meio de incentivos a empresas privadas; b) identificar e avaliar o potencial de áreas de relevante interesse petrolífero em todo o território brasileiro; c) acelerar a monetização dos recursos já descobertos; com a criação de ambiente favorável à atração de investimentos e de previsibilidade, e
  • 56. 56 d) aprimorar a governança estatal no licenciamento ambiental do setor de petróleo e gás natural, através de uma efetiva articulação tanto interministerial como entre os entes da Federação, garantindo o equilíbrio do desenvolvimento socioeconômico com a proteção do meio ambiente. No quadro internacional, o Brasil se encontra numa posição extremamente favorável para maximizar todo o seu potencial dos recursos fósseis, sem comprometer as metas acordadas para a redução de emissões, isto porque, nossa matriz energética, devido à sua diversidade, é considerada uma das mais renováveis do mundo.
  • 57. 57 REFERÊNCIAS AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO, GÁS NATURAL E BIOCOMBUSTÍVEIS (Brasil) – ANP. ANP divulga volumes esperados para o excedente da cessão onerosa. Rio de Janeiro: ANP, 2017. Disponível em: http://www.anp.gov.br/noticias/4132-anp-divulga-volumes-esperados-para-o- excedente-da-cessao-onerosa. Acesso em: 05 maio 2019. AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO, GÁS NATURAL E BIOCOMBUSTÍVEIS (Brasil) – ANP. Anuário estatístico brasileiro do petróleo, gás natural e biocombustíveis: 2018. Rio de Janeiro: ANP, 2018a. Disponível em: http://www.anp.gov.br/publicacoes/anuario-estatistico/anuario-estatistico-2018. Acesso em: 03 ago. 2019. AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO, GÁS NATURAL E BIOCOMBUSTÍVEIS (Brasil) – ANP. Boletim da Produção de Petróleo e Gás Natural. Rio de Janeiro: ANP, jun. 2019a. n. 106. Disponível em: http://www.anp.gov.br/arquivos/publicacoes/boletins-anp/producao/2019-06- boletim.pdf. Acesso em: 03 ago. 2019. AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO, GÁS NATURAL E BIOCOMBUSTÍVEIS (Brasil) – ANP. Boletim de Recursos e Reservas de Petróleo e Gás Natural de 2018. Rio de Janeiro: ANP, 2018b. Disponível em: http://www.anp.gov.br/images/DADOS_ESTATISTICOS/Reservas/Boletim_Reservas _2018.pdf. Acesso em: 05 maio 2019. AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO, GÁS NATURAL E BIOCOMBUSTÍVEIS (Brasil) – ANP. Resolução ANP nº 47, de 03 de setembro de 2014. Define termos relacionados com os recursos e reservas de Petróleo e Gás Natural; estabelece diretrizes para a elaboração do Boletim Anual de Recursos e Reservas (BAR); aprova o Regulamento Técnico de Estimativa de Recursos e Reservas de Petróleo e Gás Natural (RTR), documento anexo que estabelece critérios para sua estimativa, classificação e categorização. Rio de Janeiro: ANP, 2014. Disponível em: http://legislacao.anp.gov.br/?path=legislacao-anp/resol- anp/2014/setembro&item=ranp-47--2014. Acesso em: 05 maio 2019. AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO, GÁS NATURAL E BIOCOMBUSTÍVEIS (Brasil) – ANP. As Rodadas de Licitações para Exploração e Produção de Petróleo e Gás Natural. Rio de Janeiro: ANP, 2019b. Disponível em: http://rodadas.anp.gov.br/pt/entenda-as-rodadas/as-rodadas-de-licitacoes. Acesso em: 03 ago. 2019. AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO, GÁS NATURAL E BIOCOMBUSTÍVEIS (Brasil) – ANP. Sumários Executivos dos Planos de Desenvolvimento. Rio de Janeiro: ANP, 2019c. Disponível em: http://www.anp.gov.br/exploracao-e-producao- de-oleo-e-gas/gestao-de-contratos-de-e-p/fase-de-producao/planos-de- desenvolvimento. Acesso em: 03 ago. 2019.