O documento discute a crescente demanda global por lítio impulsionada pela transição para veículos elétricos e as oportunidades e desafios que isso representa para a América do Sul, principal detentora de reservas de lítio do mundo. No entanto, países sul-americanos enfrentam entraves como capacidade limitada de financiamento e infraestrutura para agregar valor ao lítio, perdendo oportunidades de desenvolvimento industrial.
1. Ernesto Heinzelmann comenta demanda de lítio e o
desafio imposto à indústria
O lítio (Li2O) – metal alcalino macio – vem sendo altamente
demandado por empresas do setor privado, instituições de pesquisa e
governos, por ser um minério de transição energética que atende
a busca por veículos elétricos e que deve seguir em alta nas próximas
duas décadas.
A prioridade de reduzir as emissões de dióxido de carbono (CO2) e a
grande procura por veículos elétricos aumentou a demanda por lítio. O
minério auxilia não somente a indústria automobilística, mas diversos
segmentos como a produção de componentes eletrônicos, de
cerâmicas, vidros, lubrificantes, medicamentos, além de atender a
indústria aeroespacial e nuclear.
Dados da ABVE e AIE
Segundo a Associação Brasileira do Veículo Elétrico (ABVE), as
vendas de carros elétricos e híbridos – movidos a energia elétrica e
etanol – alcançaram números expressivos em 2022 (49.245
emplacamentos), com um aumento de 41% em relação ao ano
anterior.
Em relatório publicado no ano de 2022, a Agência Internacional de
Energia (AIE) revelou que a busca por baterias de veículos elétricos
passará de 340 gigawatts/hora (GWh) para 3.500 GWh até 2030.
O desafio imposto à indústria
As grandes reservas presentes na América do Sul – que abriga
60% de todo lítio do mundo – e a demanda crescente desta
commodity no mercado internacional podera ser portanto uma fonte
de enorme de riqueza para o continente, mas nao necessariamente.
Segundo Ernesto Heinzelmann, empresário e importante nome da
indústria brasileira, apesar da grande herança desse minério em
países sul-americanos, existe uma frustração de não saber explorar o
valor agregado do lítio.
“A demanda por lítio deverá continuar a crescer e se multiplicar por 40
nas próximas duas décadas. Ótima oportunidade para o Brasil que
possui grandes reservas? Depende!”, revelou Ernesto, que completou
apontando que as intermináveis discussões ideológicas atrasam o
desenvolvimento da indústria na região. “A questão ideológica que
está presente quando se avaliam reservas naturais é berço também
para a insegurança jurídica, igualmente ultrapassada por outros
países e que espanta os investidores”, diz.
O triângulo de lítio
2. Composto por Argentina, Bolívia e Chile, o triângulo de lítio ainda não
consegue competir com os grandes financiamentos da Europa e dos
EUA, para atrair fábricas de veículos elétricos, baterias, e outras
tecnologias de transição verde. O lítio tem potencial para ser elevado
como elemento de segurança energética mundial, o que em tese seria
uma oportunidade desses países de atraírem investimentos para as
suas indústrias, mas, na verdade, esse é o maior desafio.
Países da América Latina sofrem com inúmeros entraves, que incluem
capacidade de financiamento limitada, um mercado interno restrito.
Além disso, essas regiões não têm infraestrutura industrial necessária
para transformar o lítio em baterias e outros produtos com alto valor
agregado.
No Chile, apesar da sua reputação de país a favor do mercado, o
medo de interferências governamentais em atividades privadas
cresceu junto com as incertezas dos investidores. Indústrias de
veículos elétricos chinesas têm demonstrado inclinação de se instalar
no país, porém as negociações ainda estão em fase inicial.
A Argentina está mais interessada na diversificação e na rápida
exportação de sua carteira de commodities, do que investir em
projetos de industrialização a curto prazo. Nos três primeiros meses
de 2023, o país exportou US$ 223 milhões do minério, 133% a mais
do que o mesmo período do ano passado. “Oportunidades que
deveriam ser avaliadas sob a ótica da geração de valor, com P&D,
tecnologia e investimentos, são perdidas por questões que há muito
deveriam estar superadas e que nos condenam a continuar sendo
grandes exportadores de reservas naturais e matérias-primas.”,
avaliou Ernesto Heinzelmann.
Segundo apuração do jornal Valor, a Bolívia também é um exemplo de
oportunidade perdida. Segundo o consultor e economista Jaime Dunn,
apesar de estar credenciada a receber investimentos da Lei de
Redução de Inflação (IRA, nas iniciais em inglês), empresas
ocidentais têm pouca confiança no arcabouço jurídico do país.
Ele explica também que existe um planejamento para uma produção
estimada de 40 mil toneladas de carbonato de lítio até 2025. A
estimativa se deve pela recém-criada Bolivian Lithium Deposits (YLB),
que recebeu investimento de US$ 1 bilhão de três empresas
chinesas. Apesar disso, o país tem recursos escassos e, do ponto de
vista político, é exigido um retorno em curto prazo, algo difícil de ser
alcançado.
Outros detentores do lítio
Outro importante detentor de lítio da América Latina é o Brasil, que
destoa dos demais países devido a sua indústria automobilística
3. consolidada, por ser uma das maiores economias latino-americanas e
pela sua capacidade de fomento à indústria.
Por esta razão, o Brasil está atraindo um investimento de US$
5 bilhões da empresa chinesa BYD, que vai instalar uma planta para
produzir carros elétricos na antiga fábrica da Ford em Camaçari, na
Bahia. A WEG também está investindo para expandir a sua fábrica de
baterias em solo nacional, além de apostar em investimentos para
ampliar a infraestrutura de recarga de carros na região Sudeste.
Sobre a mineração do lítio, duas empresas canadenses, uma
americana e outra australiana estão apostando alto no “Projeto Vale
do Lítio”, localizado no Vale do Jequitinhonha, Minas Gerais. A
empresa brasileira de capital aberto, Sigma Lithium, anunciou
investimentos de US$ 3 bilhões em um projeto que permite a extração
do minério com alto grau de pureza, o que aumenta o valor agregado.
Com quem podemos aprender?
No caso do minério de ferro, por exemplo, o Brasil tem as maiores
reservas do mundo, mas é apenas o nono produtor de aço. A China,
maior consumidor do minério nacional, cuja industrialização é recente,
produz mais de 1 bilhão de toneladas de aço por ano, enquanto que,
no Brasil, a produção ainda não alcançou a marca das 40 milhões de
toneladas.
“Desenvolvimento de conhecimento, tecnologia, inovação voltada à
produtos de alto valor agregado, continuam sendo um privilégio de
outros, que já fizeram a lição de casa e enriqueceram como país em
benefício dos seus cidadãos.”, comentou o empresário.
Outros minérios com potencial de valor agregado
Quase sempre aliado a uma conotação política nas análises da
imprensa, o nióbio poderia ser outra oportunidade para o
desenvolvimento industrial do país. Aplicações típicas deste metal se
encontram na indústria siderúrgica, aeroespacial, química, de
supercondutores, eletrônicos,medicina e energia, neste caso, podendo
se tornar uma opção melhor do que baterias de lítio, cujo descarte
ainda é uma incógnita para questões ambientais.
O nióbio pode ser usado em células de combustível de hidrogênio, no
revestimento, dos eletrodos e como material com alta resistência à
corrosão. “Há, portanto, uma indústria de alto valor agregado que
pode ser desenvolvida em torno dos nossos minérios, mas que
precisa de condições para se desenvolver, trocando discursos etéreos
por P&D, tecnologia e investimentos que gerem valor”, completa
Ernesto Heinzelmann.