SlideShare uma empresa Scribd logo
1 de 2
Baixar para ler offline
AUTONOMIA, CIDADANIA E DIREITOS
HUMANOS PARA A JUVENTUDE: A REINVENÇÃO
NECESSÁRIA DAS POLÍTICAS SOBRE DROGAS
CARTA DO CONSELHO NACIONAL DE JUVENTUDE
R
eunidas em Brasília entre os
dias 27 e 28 de agosto de
2014, conselheiras e conselhei-
ros do Conselho Nacional de
Juventude, eleitos para a ges-
tão 2014-2016, participaram do
Seminário “Autonomia, Cidadania e Direitos
Humanos para a juventude: a reinvenção ne-
cessária das políticas sobre drogas”.
A partir da troca de opiniões e experiên-
cias, chegamos ao entendimento de que as
atuais políticas sobre drogas, majoritariamen-
te de caráter coercitivo e moralizante, têm se
mostrado ineficientes para promover tanto a
saúde coletiva quanto a segurança das co-
munidades e nações, configurando-se, de
fato, como um dos principais vetores de pro-
moção da violência contra a Juventude.
No caso brasileiro, é urgente que sejam
tomadas medidas que eliminem os proble-
mas desencadeados pelas abordagens es-
sencialmente alinhadas ao paradigma da
“Guerra às Drogas”, levadas a cabo pelo sis-
tema de justiça em conjunto com as forças
de segurança pública, as quais têm, como
linha auxiliar, o poder psiquiátrico manicomial
e seus dispositivos de privação de liberda-
de. Trata-se de uma guerra institucionaliza-
da, que fracassou absolutamente em seu
anunciado objetivo de proteger a população
do acesso a tais substâncias consideradas
ilegais ou perigosas, e que, ao mesmo tem-
po, logrou o triste êxito de promover gran-
de violência e encarceramento entre os mais
pobres e vulneráveis. A guerra às drogas se
constitui como uma verdadeira plataforma
para o extermínio da juventude negra no país.
Nesse encontro, lideranças da cena polí-
tica nacional, representantes de movimentos
sociais, especialistas e pesquisadores de
universidades de todo o pais, gestores públi-
cos, representantes de organismos interna-
cionais, usuários, e uma série de outros pro-
fissionais engajados nas questões da saúde
coletiva e da segurança cidadã, debruçaram-
se sobre os complexos fenômeno do uso e
do abuso de substancias psicoativas, assim
como das dinâmicas relativas ao comércio
ilegal em nossa sociedade.
Entendemos haver crescente consenso
de que o investimento em uma política de
guerra orientada para perseguir as substân-
cias do que em solucionar questões que en-
volvam os sujeitos, suas relações sociais e
afetivas, e o território onde estão inseridos
têm sido ineficaz sob a perspectiva da ga-
rantia dos direitos individuais e coletivos e,
sobretudo, para a proteção do bem sob o
qual baseia o seu próprio discurso: a garantia
da saúde pública. A saúde, entendida como
estado de completo bem-estar físico, psí-
quico e social, e não apenas a ausência de
enfermidades¹, é objeto de política de garan-
tia de direitos. Entendemos não haver maior
ameaça à saúde do que um estado de guer-
ra permanente.
As políticas sobre drogas, orientadas por
uma acentuada perspectiva penal e criminali-
zante, têm atuado como mecanismo de ges-
tão da pobreza e de manutenção de evidente
racismo institucional. Identificamos uma ba-
nalização da violência, construída a partir da
estigmatização de territórios e de indivíduos,
economicamente vulneráveis à dinâmica do
comércio ilegal. Reafirmamos, portanto, pro-
moção de direitos e o desenvolvimento co-
munitário e regional como caminhos de imu-
nização coletiva como alternativa à resposta
¹OMS (1946)
CARTA DO CONSELHO NACIONAL DE JUVENTUDE
militarizada e encarceirante.
A “juvenilização” da mortalidade por vio-
lência, em particular entre negros pobres,
deixa claro que o tráfico se beneficia da pre-
carização de politicas básicas de proteção
social para fazer funcionar seu mecanismos,
valendo-se das fragilidades sociais dos jo-
vens nas periferias.
Dentro desse contexto, aplaudimos todas
as novas iniciativas que têm sido produzidas
não apenas para, mas, sobretudo com pes-
soas que se encontram inseridas em territó-
rios estigmatizados, e que se operam pela
via da garantia de direitos. Tratam-se de pro-
jetos de valorização de novas trajetórias para
a juventude face às vulnerabilidades contex-
tuais de sua região e ambiente social, que
usualmente não pode fazer frente à lógica
perversa do proibicionismo que alimenta o
comercio desregulado, portanto criminoso.
Da mesma forma, a abordagem de direitos
e produção de novas trajetórias de vida se
revela como caminho para se abordar o uso
problemático de drogas junto aos mais vul-
neráveis socialmente.
Afirmamos, assim, os Direitos e sua pro-
moção como eixo central para a ampla abor-
dagem na temática complexa das drogas,
entendendo a vulnerabilidade como central
para a constituição de uma rede de proteção
e de promoção de cidadania e desenvolvi-
mento, estes significando redução de riscos
sociais e danos à saúde, Estas novas práti-
cas precisam ser conhecidas, estudadas, re-
forçadas, fortalecidas e transformadas, mui-
tas delas, em políticas públicas nacionais.
Afirmamos ser importante o fortalecimen-
to da Rede de Atenção Psicossocial - RAPS
no país. O Sistema Único de Saúde deve
ofertar modelos de tratamentos distintos que
busquem observar e respeitar a trajetória da
pessoa atendida, sem exigências ou condi-
cionantes ao tratamento, absorvendo as ex-
periências inovadoras de redução de danos,
em conjunto com as áreas de Habitação e
Trabalho, trazendo o conceito de Saúde em
sua plenitude pela evocação do histórico
lema antimanicomial, “Por uma Sociedade
sem Manicômios”, pela liberdade e pela ci-
dadania.
Pela relação estruturante entre a política
de drogas e o quadro das violências letais a
que estão sujeitos os jovens brasileiros, so-
bretudo a juventude negra brasileira, enten-
demos que é importante mudanças no atual
modelo de segurança pública, que apontem
não apenas para a desmilitarização da polí-
cia, mas que permita superar as noções que
também militarizam a atuação de outras es-
feras do Estado, como o judiciário. Apoiamos
a Campanha pela aprovação do PL 4471/12
que altera o Código de Processo Penal, dan-
do fim aos “autos de resistência” e “resistên-
cia seguida de morte”, permitindo a rigorosa
apuração de mortes em decorrência da ação
policial. E a partir dessa compreensão, e de
que o genocídio ao qual está submetida a
nossa população jovem negra é uma pauta
urgente e central para os movimentos juve-
nis, pretendemos que este documento tam-
bém possa contribuir para o fortalecimento
do Plano Juventude Viva, que articula um
conjunto de políticas públicas para as juven-
tudes, com foco na prevenção da violência
e na superação desse dramática quadro de
letalidade da juventude negra.
Por fim, apontamos a importância de um
maior investimento em programas e projetos
que possam atuar na perspectiva preventiva,
interrompendo o processo de criminalização
da juventude negra e evitando com isso que
o jovem se insira no mundo da criminalidade
ou do uso abusivo de drogas, na perspectiva
protetiva com o objetivo de construir equipa-
mentos permanentes de proteção do jovem
que vive em situação de maior vulnerabilida-
de, na perspectiva do tratamento e da rein-
serção social para possibilitar que o jovem
tenha acesso aos direitos sociais e possa se
inserir no mercado de trabalho formal.
CARTA DO CONSELHO NACIONAL DE JUVENTUDE

Mais conteúdo relacionado

Mais procurados

Resuminho de políticas publicas
Resuminho de políticas  publicasResuminho de políticas  publicas
Resuminho de políticas publicasRegiany Viscaino
 
CARTA MANIFESTO - CONTRA A REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL
CARTA MANIFESTO - CONTRA A REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENALCARTA MANIFESTO - CONTRA A REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL
CARTA MANIFESTO - CONTRA A REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENALSelton Lucas
 
Políticas públicas e segurança pública
Políticas públicas e segurança públicaPolíticas públicas e segurança pública
Políticas públicas e segurança públicaAderivaldo Cardoso
 
Ética e cidadania da saúde
Ética e cidadania da saúdeÉtica e cidadania da saúde
Ética e cidadania da saúdeMariana Remiro
 
Psicologia e Políticas Públicas
Psicologia e Políticas PúblicasPsicologia e Políticas Públicas
Psicologia e Políticas PúblicasArie Storch
 
Os principios administrativos
Os principios administrativosOs principios administrativos
Os principios administrativosnossabiblioteca
 
Pensando o Brasil Desafio diante das eleições 2014
Pensando o Brasil Desafio diante das eleições 2014Pensando o Brasil Desafio diante das eleições 2014
Pensando o Brasil Desafio diante das eleições 2014secretariasaoluis
 

Mais procurados (7)

Resuminho de políticas publicas
Resuminho de políticas  publicasResuminho de políticas  publicas
Resuminho de políticas publicas
 
CARTA MANIFESTO - CONTRA A REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL
CARTA MANIFESTO - CONTRA A REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENALCARTA MANIFESTO - CONTRA A REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL
CARTA MANIFESTO - CONTRA A REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL
 
Políticas públicas e segurança pública
Políticas públicas e segurança públicaPolíticas públicas e segurança pública
Políticas públicas e segurança pública
 
Ética e cidadania da saúde
Ética e cidadania da saúdeÉtica e cidadania da saúde
Ética e cidadania da saúde
 
Psicologia e Políticas Públicas
Psicologia e Políticas PúblicasPsicologia e Políticas Públicas
Psicologia e Políticas Públicas
 
Os principios administrativos
Os principios administrativosOs principios administrativos
Os principios administrativos
 
Pensando o Brasil Desafio diante das eleições 2014
Pensando o Brasil Desafio diante das eleições 2014Pensando o Brasil Desafio diante das eleições 2014
Pensando o Brasil Desafio diante das eleições 2014
 

Destaque

Llll diapositivas
Llll diapositivasLlll diapositivas
Llll diapositivasferuu
 
Silabo informatica primer semestre comunicacion
Silabo informatica primer semestre comunicacionSilabo informatica primer semestre comunicacion
Silabo informatica primer semestre comunicacionKarenySalette
 
Artigo considerações sobre o iss novo abril 07
Artigo considerações sobre o iss novo abril 07Artigo considerações sobre o iss novo abril 07
Artigo considerações sobre o iss novo abril 07juniorifcg
 
Area economía maestría
Area economía maestríaArea economía maestría
Area economía maestríaEducaciontodos
 
Tablet coby kyros mid7065 caracteristicas
Tablet coby kyros mid7065 caracteristicasTablet coby kyros mid7065 caracteristicas
Tablet coby kyros mid7065 caracteristicasGabriela
 
Minha opinião
Minha opiniãoMinha opinião
Minha opiniãobiageralda
 
Convocató..
Convocató..Convocató..
Convocató..NXST
 
Presentación Amparo Rios
Presentación Amparo RiosPresentación Amparo Rios
Presentación Amparo RiosAmparo Rios
 
Unidad de clase kenneidy
Unidad de clase kenneidyUnidad de clase kenneidy
Unidad de clase kenneidydhanna28
 
Ruego de los animales
Ruego de los animalesRuego de los animales
Ruego de los animalesAlicia Cacace
 
Jmj no mcj diocesano (2012.07) mapa cruz mensagem jornal
Jmj no mcj diocesano (2012.07)   mapa cruz   mensagem jornalJmj no mcj diocesano (2012.07)   mapa cruz   mensagem jornal
Jmj no mcj diocesano (2012.07) mapa cruz mensagem jornalRODRIGOREMUSPEDROSO
 
Estufas controle climático
Estufas   controle climáticoEstufas   controle climático
Estufas controle climáticoArmindo Rosa
 

Destaque (15)

Llll diapositivas
Llll diapositivasLlll diapositivas
Llll diapositivas
 
Silabo informatica primer semestre comunicacion
Silabo informatica primer semestre comunicacionSilabo informatica primer semestre comunicacion
Silabo informatica primer semestre comunicacion
 
Artigo considerações sobre o iss novo abril 07
Artigo considerações sobre o iss novo abril 07Artigo considerações sobre o iss novo abril 07
Artigo considerações sobre o iss novo abril 07
 
HOJA DE VIDA
HOJA DE VIDAHOJA DE VIDA
HOJA DE VIDA
 
Area economía maestría
Area economía maestríaArea economía maestría
Area economía maestría
 
Tablet coby kyros mid7065 caracteristicas
Tablet coby kyros mid7065 caracteristicasTablet coby kyros mid7065 caracteristicas
Tablet coby kyros mid7065 caracteristicas
 
Nao precisa
Nao precisaNao precisa
Nao precisa
 
Minha opinião
Minha opiniãoMinha opinião
Minha opinião
 
Convocató..
Convocató..Convocató..
Convocató..
 
Presentación Amparo Rios
Presentación Amparo RiosPresentación Amparo Rios
Presentación Amparo Rios
 
Unidad de clase kenneidy
Unidad de clase kenneidyUnidad de clase kenneidy
Unidad de clase kenneidy
 
Tarea 2
Tarea 2Tarea 2
Tarea 2
 
Ruego de los animales
Ruego de los animalesRuego de los animales
Ruego de los animales
 
Jmj no mcj diocesano (2012.07) mapa cruz mensagem jornal
Jmj no mcj diocesano (2012.07)   mapa cruz   mensagem jornalJmj no mcj diocesano (2012.07)   mapa cruz   mensagem jornal
Jmj no mcj diocesano (2012.07) mapa cruz mensagem jornal
 
Estufas controle climático
Estufas   controle climáticoEstufas   controle climático
Estufas controle climático
 

Semelhante a Carta do-conjuve(diagramado) (1)

Cartilha -cidade_e_espacos_publicos
Cartilha  -cidade_e_espacos_publicosCartilha  -cidade_e_espacos_publicos
Cartilha -cidade_e_espacos_publicosMarcelo Martinez
 
Manifesto_CRRs_Internação Compulsória
Manifesto_CRRs_Internação CompulsóriaManifesto_CRRs_Internação Compulsória
Manifesto_CRRs_Internação CompulsóriaVinícius Sobreira
 
Crianças vítimas de abusos sexuais: Um contributo estratégico
Crianças vítimas de abusos sexuais: Um contributo estratégicoCrianças vítimas de abusos sexuais: Um contributo estratégico
Crianças vítimas de abusos sexuais: Um contributo estratégicoRicardo da Palma
 
Internação involuntária de drogodependentes frente ao direito brasileiro. Pro...
Internação involuntária de drogodependentes frente ao direito brasileiro. Pro...Internação involuntária de drogodependentes frente ao direito brasileiro. Pro...
Internação involuntária de drogodependentes frente ao direito brasileiro. Pro...Rubens Junior
 
Plano Municipal de Atenção Integrada ao Crack e outras drogas
Plano Municipal de Atenção Integrada ao Crack e outras drogasPlano Municipal de Atenção Integrada ao Crack e outras drogas
Plano Municipal de Atenção Integrada ao Crack e outras drogasJamildo Melo
 
Situações de violência e atendimento em Saúde Pública
Situações de violência e atendimento em Saúde PúblicaSituações de violência e atendimento em Saúde Pública
Situações de violência e atendimento em Saúde PúblicaRosemar Prota
 
Monografia especialização filosofia em direitos humanos versão final 3
Monografia especialização filosofia em direitos humanos versão final 3Monografia especialização filosofia em direitos humanos versão final 3
Monografia especialização filosofia em direitos humanos versão final 3aa. Rubens Lima
 
Texto edital navcv cea vs1 - nilda tulrra
Texto edital navcv   cea vs1 - nilda tulrraTexto edital navcv   cea vs1 - nilda tulrra
Texto edital navcv cea vs1 - nilda tulrraAlessandra Rezende
 
Márcia colombo
Márcia colomboMárcia colombo
Márcia colombo32162118
 
documento_orientador_5CNSM.pdf
documento_orientador_5CNSM.pdfdocumento_orientador_5CNSM.pdf
documento_orientador_5CNSM.pdfKeylaMeneses4
 
Linguagem e Efetivação dos Direitos Humanos
Linguagem e Efetivação dos Direitos HumanosLinguagem e Efetivação dos Direitos Humanos
Linguagem e Efetivação dos Direitos HumanosAlessandra Rezende
 
Anteprojecto de monografia enquadramento do menor infractor no sistema sancio...
Anteprojecto de monografia enquadramento do menor infractor no sistema sancio...Anteprojecto de monografia enquadramento do menor infractor no sistema sancio...
Anteprojecto de monografia enquadramento do menor infractor no sistema sancio...Tania Areias
 

Semelhante a Carta do-conjuve(diagramado) (1) (20)

Cartilha -cidade_e_espacos_publicos
Cartilha  -cidade_e_espacos_publicosCartilha  -cidade_e_espacos_publicos
Cartilha -cidade_e_espacos_publicos
 
Cartilha escolas-seguras
Cartilha  escolas-segurasCartilha  escolas-seguras
Cartilha escolas-seguras
 
Redução de danos
Redução de danosRedução de danos
Redução de danos
 
Deputado
Deputado Deputado
Deputado
 
Manifesto_CRRs_Internação Compulsória
Manifesto_CRRs_Internação CompulsóriaManifesto_CRRs_Internação Compulsória
Manifesto_CRRs_Internação Compulsória
 
340 - Direitos Humanos.pdf
340 - Direitos Humanos.pdf340 - Direitos Humanos.pdf
340 - Direitos Humanos.pdf
 
ÁLcool e outras drogas
ÁLcool e outras  drogasÁLcool e outras  drogas
ÁLcool e outras drogas
 
Crianças vítimas de abusos sexuais: Um contributo estratégico
Crianças vítimas de abusos sexuais: Um contributo estratégicoCrianças vítimas de abusos sexuais: Um contributo estratégico
Crianças vítimas de abusos sexuais: Um contributo estratégico
 
Internação involuntária de drogodependentes frente ao direito brasileiro. Pro...
Internação involuntária de drogodependentes frente ao direito brasileiro. Pro...Internação involuntária de drogodependentes frente ao direito brasileiro. Pro...
Internação involuntária de drogodependentes frente ao direito brasileiro. Pro...
 
Livro+completo+final+com+capa
Livro+completo+final+com+capaLivro+completo+final+com+capa
Livro+completo+final+com+capa
 
Plano Municipal de Atenção Integrada ao Crack e outras drogas
Plano Municipal de Atenção Integrada ao Crack e outras drogasPlano Municipal de Atenção Integrada ao Crack e outras drogas
Plano Municipal de Atenção Integrada ao Crack e outras drogas
 
Situações de violência e atendimento em Saúde Pública
Situações de violência e atendimento em Saúde PúblicaSituações de violência e atendimento em Saúde Pública
Situações de violência e atendimento em Saúde Pública
 
Monografia especialização filosofia em direitos humanos versão final 3
Monografia especialização filosofia em direitos humanos versão final 3Monografia especialização filosofia em direitos humanos versão final 3
Monografia especialização filosofia em direitos humanos versão final 3
 
Texto sobre CEAVs
Texto sobre CEAVsTexto sobre CEAVs
Texto sobre CEAVs
 
Texto edital navcv cea vs1 - nilda tulrra
Texto edital navcv   cea vs1 - nilda tulrraTexto edital navcv   cea vs1 - nilda tulrra
Texto edital navcv cea vs1 - nilda tulrra
 
Apresentação dos NAVCVs
Apresentação dos NAVCVsApresentação dos NAVCVs
Apresentação dos NAVCVs
 
Márcia colombo
Márcia colomboMárcia colombo
Márcia colombo
 
documento_orientador_5CNSM.pdf
documento_orientador_5CNSM.pdfdocumento_orientador_5CNSM.pdf
documento_orientador_5CNSM.pdf
 
Linguagem e Efetivação dos Direitos Humanos
Linguagem e Efetivação dos Direitos HumanosLinguagem e Efetivação dos Direitos Humanos
Linguagem e Efetivação dos Direitos Humanos
 
Anteprojecto de monografia enquadramento do menor infractor no sistema sancio...
Anteprojecto de monografia enquadramento do menor infractor no sistema sancio...Anteprojecto de monografia enquadramento do menor infractor no sistema sancio...
Anteprojecto de monografia enquadramento do menor infractor no sistema sancio...
 

Carta do-conjuve(diagramado) (1)

  • 1. AUTONOMIA, CIDADANIA E DIREITOS HUMANOS PARA A JUVENTUDE: A REINVENÇÃO NECESSÁRIA DAS POLÍTICAS SOBRE DROGAS CARTA DO CONSELHO NACIONAL DE JUVENTUDE R eunidas em Brasília entre os dias 27 e 28 de agosto de 2014, conselheiras e conselhei- ros do Conselho Nacional de Juventude, eleitos para a ges- tão 2014-2016, participaram do Seminário “Autonomia, Cidadania e Direitos Humanos para a juventude: a reinvenção ne- cessária das políticas sobre drogas”. A partir da troca de opiniões e experiên- cias, chegamos ao entendimento de que as atuais políticas sobre drogas, majoritariamen- te de caráter coercitivo e moralizante, têm se mostrado ineficientes para promover tanto a saúde coletiva quanto a segurança das co- munidades e nações, configurando-se, de fato, como um dos principais vetores de pro- moção da violência contra a Juventude. No caso brasileiro, é urgente que sejam tomadas medidas que eliminem os proble- mas desencadeados pelas abordagens es- sencialmente alinhadas ao paradigma da “Guerra às Drogas”, levadas a cabo pelo sis- tema de justiça em conjunto com as forças de segurança pública, as quais têm, como linha auxiliar, o poder psiquiátrico manicomial e seus dispositivos de privação de liberda- de. Trata-se de uma guerra institucionaliza- da, que fracassou absolutamente em seu anunciado objetivo de proteger a população do acesso a tais substâncias consideradas ilegais ou perigosas, e que, ao mesmo tem- po, logrou o triste êxito de promover gran- de violência e encarceramento entre os mais pobres e vulneráveis. A guerra às drogas se constitui como uma verdadeira plataforma para o extermínio da juventude negra no país. Nesse encontro, lideranças da cena polí- tica nacional, representantes de movimentos sociais, especialistas e pesquisadores de universidades de todo o pais, gestores públi- cos, representantes de organismos interna- cionais, usuários, e uma série de outros pro- fissionais engajados nas questões da saúde coletiva e da segurança cidadã, debruçaram- se sobre os complexos fenômeno do uso e do abuso de substancias psicoativas, assim como das dinâmicas relativas ao comércio ilegal em nossa sociedade. Entendemos haver crescente consenso de que o investimento em uma política de guerra orientada para perseguir as substân- cias do que em solucionar questões que en- volvam os sujeitos, suas relações sociais e afetivas, e o território onde estão inseridos têm sido ineficaz sob a perspectiva da ga- rantia dos direitos individuais e coletivos e, sobretudo, para a proteção do bem sob o qual baseia o seu próprio discurso: a garantia da saúde pública. A saúde, entendida como estado de completo bem-estar físico, psí- quico e social, e não apenas a ausência de enfermidades¹, é objeto de política de garan- tia de direitos. Entendemos não haver maior ameaça à saúde do que um estado de guer- ra permanente. As políticas sobre drogas, orientadas por uma acentuada perspectiva penal e criminali- zante, têm atuado como mecanismo de ges- tão da pobreza e de manutenção de evidente racismo institucional. Identificamos uma ba- nalização da violência, construída a partir da estigmatização de territórios e de indivíduos, economicamente vulneráveis à dinâmica do comércio ilegal. Reafirmamos, portanto, pro- moção de direitos e o desenvolvimento co- munitário e regional como caminhos de imu- nização coletiva como alternativa à resposta ¹OMS (1946) CARTA DO CONSELHO NACIONAL DE JUVENTUDE
  • 2. militarizada e encarceirante. A “juvenilização” da mortalidade por vio- lência, em particular entre negros pobres, deixa claro que o tráfico se beneficia da pre- carização de politicas básicas de proteção social para fazer funcionar seu mecanismos, valendo-se das fragilidades sociais dos jo- vens nas periferias. Dentro desse contexto, aplaudimos todas as novas iniciativas que têm sido produzidas não apenas para, mas, sobretudo com pes- soas que se encontram inseridas em territó- rios estigmatizados, e que se operam pela via da garantia de direitos. Tratam-se de pro- jetos de valorização de novas trajetórias para a juventude face às vulnerabilidades contex- tuais de sua região e ambiente social, que usualmente não pode fazer frente à lógica perversa do proibicionismo que alimenta o comercio desregulado, portanto criminoso. Da mesma forma, a abordagem de direitos e produção de novas trajetórias de vida se revela como caminho para se abordar o uso problemático de drogas junto aos mais vul- neráveis socialmente. Afirmamos, assim, os Direitos e sua pro- moção como eixo central para a ampla abor- dagem na temática complexa das drogas, entendendo a vulnerabilidade como central para a constituição de uma rede de proteção e de promoção de cidadania e desenvolvi- mento, estes significando redução de riscos sociais e danos à saúde, Estas novas práti- cas precisam ser conhecidas, estudadas, re- forçadas, fortalecidas e transformadas, mui- tas delas, em políticas públicas nacionais. Afirmamos ser importante o fortalecimen- to da Rede de Atenção Psicossocial - RAPS no país. O Sistema Único de Saúde deve ofertar modelos de tratamentos distintos que busquem observar e respeitar a trajetória da pessoa atendida, sem exigências ou condi- cionantes ao tratamento, absorvendo as ex- periências inovadoras de redução de danos, em conjunto com as áreas de Habitação e Trabalho, trazendo o conceito de Saúde em sua plenitude pela evocação do histórico lema antimanicomial, “Por uma Sociedade sem Manicômios”, pela liberdade e pela ci- dadania. Pela relação estruturante entre a política de drogas e o quadro das violências letais a que estão sujeitos os jovens brasileiros, so- bretudo a juventude negra brasileira, enten- demos que é importante mudanças no atual modelo de segurança pública, que apontem não apenas para a desmilitarização da polí- cia, mas que permita superar as noções que também militarizam a atuação de outras es- feras do Estado, como o judiciário. Apoiamos a Campanha pela aprovação do PL 4471/12 que altera o Código de Processo Penal, dan- do fim aos “autos de resistência” e “resistên- cia seguida de morte”, permitindo a rigorosa apuração de mortes em decorrência da ação policial. E a partir dessa compreensão, e de que o genocídio ao qual está submetida a nossa população jovem negra é uma pauta urgente e central para os movimentos juve- nis, pretendemos que este documento tam- bém possa contribuir para o fortalecimento do Plano Juventude Viva, que articula um conjunto de políticas públicas para as juven- tudes, com foco na prevenção da violência e na superação desse dramática quadro de letalidade da juventude negra. Por fim, apontamos a importância de um maior investimento em programas e projetos que possam atuar na perspectiva preventiva, interrompendo o processo de criminalização da juventude negra e evitando com isso que o jovem se insira no mundo da criminalidade ou do uso abusivo de drogas, na perspectiva protetiva com o objetivo de construir equipa- mentos permanentes de proteção do jovem que vive em situação de maior vulnerabilida- de, na perspectiva do tratamento e da rein- serção social para possibilitar que o jovem tenha acesso aos direitos sociais e possa se inserir no mercado de trabalho formal. CARTA DO CONSELHO NACIONAL DE JUVENTUDE