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A VEZ DO BRASIL NA COPA
DAS CONFEDERAÇÕES
DENTRO
DO VULCÃO
A AVENTURA
MAIS QUENTE
DA TERRA
DA LAMA
AO CAOS
BARRO E
DIESEL NA
F1 DA
AMAZÔNIA
NEYMARJR.:
PRESSÃO?
QUE
PRESSÃO?
JUNHO DE 2013UMA REVISTA ALÉM DO COMUM
AÇÃO I ESPORTE I VIAGEM I ARTE I MÚSICA
Clique e conheça
NOVO CITROËN C3
BEM-VINDO!Formalidades em geral costumam passar longe
da gente. Então, nos permita escrever algumas
linhas sobre este novo produto que você tem
em mãos. A The Red Bulletin, de uma maneira
bem simplificada, é uma lata de Red Bull no formato
de fotografias, textos e ideias. A The Red Bulletin não
é uma revista sobre Red Bull, mas a revista da
Red Bull. É a oferta de um estilo de vida único,
que leva você a um mundo de pessoas que se
atrevem a buscar feitos inéditos e a transformar
em realidade o que parecia inimaginável, de
Hollywood a estrelas do futebol, de campeões
mundiais de Fórmula 1 a DJs, de jogadores de
vôlei de praia a base jumpers.
Bem-vindo ao nosso mundo e dê asas à sua inspiração!
Dietrich Mateschitz
40GAROTOS DE OURO
A Youth America’s Cup atrai os jovens
velejadores que querem formar as
melhores equipes do mundo.
Junho
26 NEYMAR JR. EXCLUSIVO
Conversamos com a maior estrela
da seleção sobre a cobrança que é
competir diante da torcida brasileira.
FOTODACAPA:MARCELOMARAGNI
FOTOS:BALAZSGARDI/REDBULLCONTENTPOOL,MARCELOMARAGNI
O MUNDO DE RED BULL
THE RED BULLETIN 3
Junho
50 32
lições de um baterista
Ahmir Thompson, o Questlove, é batera
do The Roots e toca diariamente no
programa de Jimmy Fallon.
Tudo marrom
A categoria mais inusitada do automo-
bilismo nacional rola em Rondônia e
mistura Carnaval com barro.
72
FAZENDO HISTÓRIA
Hoje em dia, museus não são mais
um lugar onde apenas se expõe a arte.
Ele são a arte.
56
Tribo do skate
O skate recuperou a esperança de uma
comunidade indígena que sofreu com
o abandono nos EUA.
Vulcão adentro
Depois de 15 anos tentando, Geoff Mackley
conseguiu se embrenhar em um dos ambientes
mais adversos do planeta.
64
Bullevard
12	 NOTAS Pelo mundo
16	 NA CABEÇA DE... Mick Jagger
18	 ANTES E DEPOIS Mergulho
20	 EU E MEU CORPO Sally Fitzgibbons
22	 FÓRMULA PERFEITA Escalada
24	 NÚMEROS DA SORTE Star Trek
Destaques
26	Neymar Jr. é o cara
Ele fala da pressão da torcida, do  
futebol brasileiro e de... videogame.
32	Na lama em Rondônia
Conheça a corrida de Jericos,  
a Fórmula 1 da Amazônia.
40	 Velejadores do futuro
AYouth America's Cup é o berço  
dos melhores atletas da vela.
50	 Prazer, Questlove
O batera do The Roots entende de
música mais do que você imagina.
56	Índio na pista
O skate trouxe esperança para uma
comunidade indígena decadente.
64	Tá quente!
A expedição que desceu de rapel  
um vulcão que é pura lava.
72	Mais do que museus
Uma seleção para você mergulhar  
na arte em todos os sentidos.
mais corpo  mente
86	 MALAS PRONTAS Austrália profunda
88	 MEU EQUIPO Ryan Dungey
90	 EM FORMA Karim Derwish
92	 vida Noturna Bora pra balada?
96	 Na agenda O que fazer neste mês
97	 kainrath Eventos de junho
98	 coluna Steven Bailey
Nesta edição
fotos:bradleyambrose,vitraDesignMuseum,jayhanna,picturedesk.com,marcelomaragni
o Mundo de red bull
4  the red bulletin
A energiA
de red Bull em três
novos sABores.
www.redBull.com.Br
crAnBerry lime BlueBerry
SEAHAM, INGLATERRA
MARÉALTA
“A onda é muito grande ou o farol é muito
pequeno?”, perguntou um dos seguidores de
Owen Humphreys no Twitter. Cinegrafista de
uma rede de TV, Humphreys confirmou a pri-
meira opção: “Amigo, foi um dos piores mares
que já vi”. O farol, no muro do porto da cidade
de Seaham, no condado de Durham, Inglaterra,
cerca de 25 km a sudeste de Newcastle em
direção a Tyne, tem 10 metros de altura;
o jato d’água no alto daquela onda quebrando
tem cerca de três vezes esse tamanho.
twitter.com/owenhumphreys1
Foto: Owen Humphreys
 7
SAARA, MARROCOS
CORRIDA SECA
Nenhum desafio esportivo é mais difícil que a Maratona
das Areias (Marathon des Sables, em francês). É uma corrida
enorme por dia, por seis dias. Quem corre precisa carregar
toda a comida e equipamento. Água e os medicamentos
para os primeiros-socorros estão disponíveis no trajeto.
(Na lista de compras dos organizadores: 120 mil litros de
água e 2.700 emplastros para bolhas nos pés.) A corrida
deste ano terminou em 15 de abril. A do ano passado foi
vencida por Salameh al Aqra, da Jordânia, em 19 horas,
59 minutos e 21 segundos. E ele declarou, com toda razão:
“Qualquer um que cruzar a linha de chegada é um campeão”.
www.darbaroud.com
Foto: Erik Sampers
 9
LOFOTEN, NORUEGA
ESPETACULAR
Aksel Lund Svindal está acostumado a ser visto
por muita gente quando esquia. Neste passeio fora
das pistas, o norueguês bicampeão da Copa do Mundo,
medalha de ouro olímpica super-G e vencedor de cinco
medalhas de ouro em diversos campeonatos mundiais,
integrava a equipe de filmagem de Being There (dispo-
nível no iTunes), um documentário sobre esqui ao redor
do mundo.“É simplesmente a natureza em estado
bruto”, disse sobre as filmagens.“E você esquiando
no momento.” Ele é o que está sorrindo para a câmera.
www.fieldproductions.com
Foto: Mattias Fredriksson
10
YORKSHIRE DALES, INGLATERRA
NAHORADOFLASH
“Cavernas não têm luz natural”, diz o fotógrafo de aventura
Robbie Shone.“Então é nossa missão conseguir isso”.
Em uma de suas expedições, na Boxhead Pot, uma das
diversas cavernas no gigantesco parque na divisa da
Inglaterra com o País de Gales, Shone teve problemas.
“Eu estava em baixo do Sam Allshorn, na mesma corda,
girando sem parar. No topo, o gelo começou a derreter
e a água gelada começou a despencar. O barulho era ensur-
decedor, não dava para se comunicar. Logo, meus flashes
começaram a falhar e não consegui mais efetuar os disparos”.
 Dentro dos buracos: www.shonephotography.com 
Foto: Robbie Shone
12
BullevardSua dose mensal de esporte e cultura
Nova York O ciclista de BMX Edwin De La Rosa
anda pelas ruas da Big Apple. Stan Evans
Stan Evans
Você vai
para Veneza?
A partir de 1º de junho,
a Bienal de Veneza vai exibir
o trabalho de 150 artistas de
37 países. Conheça os quatro
maiores talentos
1. SARAH SZE
A representante dos EUA criou
esculturas de itens do dia a dia
especialmente para a mostra.
2. TAVARES STRACHAN
Das Bahamas, sua obra tem
um vídeo reencenando uma expe-
dição ao Polo Norte de 1909.
3. JOANA VASCONCELOS
O pavilhão português será
flutuante, diz a artista, conhecida
por trabalhar tecidos.
4. AKRAM ZAATARI
“Carta a um Piloto que se Recusa”
é a obra do artista libanês que
mexe com fotos e vídeos.
Até onde Ferruccio Laviani sabe, móveis
ficam mais interessantes quando a tradição
encontra a modernidade. E “encontro”, para
o designer, significa duas eras artísticas
colidindo sem airbags. “Eu me sinto como
o filho rebelde de uma boa família que tira
as relíquias da avó para uma ocupação e faz
algo novo com elas”, diz o artista de 52 anos.
Esta abordagem foi largamente aplicada em
“F***-se Os Clássicos!”, sua recente coleção
para a loja de móveis italiana Fratelli Boffi,
que exibiu uma série de peças que recriou
móveis domésticos da exata maneira que o
título sugere. Uma arca de peças íntimas e
uma mesa qualquer com o que aparentam
ser buracos feitos por raios laser. Mesas com
partes de 1753 e 2053. E o mais impressio-
nante de tudo, há “Boas Vibrações”, um
armário de carvalho feito à mão (direita) que
dá a impressão de estar em pausa num vídeo
VHS. “Eu gosto da ideia de ter um móvel
em casa que parece estar sofrendo uma
interferência”, ele explica. “Isto realmente
arrebata você ao passar por ele”, diz.
www.laviani.com
BATE NA
MADEIRA
Como fazer uma coisa
antiga ficar muito,
muito nova
Móveis para a era
digital: o armário
de Laviani
NEGATIVOS
Você já tirou uma foto com o sabor da Red Bull?
Todo mês a gente faz uma seleção com
nossas favoritas.
phototicker@redbulletin.com
A SUA
FOTO AQUI
14  THE RED BULLETIN
FOTOS:FERRUCCIOLAVIANI,GUARDIANNEWSMEDIALTD.,TAVARESSTRACHAN,
GETTYIMAGES,PICTUREDESK.COM,IMAGO(2),TIMLÜDIN/REDBULLCONTENTPOOL(2)
A escolha do
campeão olímpico
Quando Jonas Recker-
mann se aposentou,
o campeão olímpico de
vôlei de praia, o alemão
Julius Brink, teve de en-
contrar uma nova dupla.
E o cara escolhido foi
Sebastian Fuchs, de 26 anos, 2,03 m de
altura, braços compridos e um pulo exce-
lente. O ex-jogador de vôlei de quadra está
ansioso para começar a jornada pelo ouro
na Olimpíada do Rio. “É muito motivador
formar dupla com o melhor jogador defen-
sivo dos últimos quatro anos”, diz. “Julius
é um atleta maravilhoso que dá 100% em
cada treino, em cada rally. Ele é um exem-
plo de atitude.” Agora eles são parceiros:
“Eu tive a oportunidade de conhecer Julius
como uma pessoa muito atenciosa, que
gosta de se divertir. O espírito de equipe é
extremamente importante para ele e agora
eu posso aproveitar isso diariamente”.
www.fivb.org
Nogaro Sébastien Loeb começou muito
bem o campeonato da FIAGT,na França.
François Flamand
Pretoria Muitos braços no campeonato de
dança de rua sul-africano do Red Bull Beat Battle.
Mpumelelo Macu
Colombo Os capitães com o troféu do Red Bull
Campus Cricket, no Sri Lanka.A Índia foi campeã.
Dimitri Crusz
the red bulletin: Em 2012,
você terminou em oitavo no
ADAC Formel Masters, a
­série open-wheel alemã,
vencendo a corrida na con-
dição de estreante e como
única mulher no grid. Você
deve estar com objetivos
muito ambiciosos para esta
temporada, não?
beitske visser: Com certeza.
E é uma ambição realista por­
que eu aprendi a me adaptar
bem a carros de corrida mais
rápidos, estilo Fórmula.
E depois?
Quero o título da Fórmula 1.
Sebastian Vettel deve ter
algo a dizer sobre isso.
Ele é meu ídolo. Seria um
sonho correr contra ele. Nós
percorremos um caminho pare­
cido, ele também foi da equipe
Red Bull Junior antes da
Fórmula 1.
A Danica Patrick, estrela
da NASCAR, é considerada
a melhor piloto mulher.
Você se espelha nela?
Sim, mas eu prefiro ser melhor
do que ela.
Você já protagonizou episó-
dio que constrangeu o Ralf
Schumacher. Como foi isso?
Foi em uma corrida de kart
na Alemanha. Eu liderei pela
maior parte da prova e ele
estava em segundo quando
me jogou para fora da pista
na última volta. Ele foi punido
e ficou bravo. A penalidade foi
cancelada, mas foi engraçado
ver como ele ficou contrariado
porque uma garota foi mais
rápida do que ele na corrida.
www.redbulljuniorteam.com
NA MIRA DELA
Beitske Visser, de 18 anos, é a cor­
redora mais talentosa da Europa. Ela fez Schuma­
cher suar e agora quer uma chance contra Vettel
Nos
ouvidos
Músicas
de 10, 20 e
30 anos atrás
que ainda
soam novas
Novo na praia: Sebastian Fuchs (direita) é a nova
dupla de Julius Brink
Beitske Visser
sonha com a F1
Sebastian Fuchs
FOUR TET:
“ROUNDS” (2003)
Uma delicada obra
prima eletrônica,
insuperável como
trilha sonora para
coquetéis em uma
estação espacial.
TALKING HEADS:
“SPEAKING IN
TONGUES” (1983)
Chamado de“pací­
fico”e“sanguinário”,
este grito de revolta
de um jovem de
24 anos é pura
brutalidade.
PJ HARVEY:
“RID OF ME”(1993)
O momento em que
os punks arrumados
molharam o dedo no
mainstream foi um
marco da música.
THE RED BULLETIN 15
Diasdehambúrguer
A segunda edição do festival de hambúrgueres em São
Paulo, o SP Burger Fest, está confirmada para a segunda
quinzena de maio, de 14 a 28. São restaurantes dos mais
variados estilos e lanchonetes de toda cidade preparando
receitas inéditas de hambúrgueres. Seja o estabelecimen-
to uma hamburgueria tradicional ou com outras propostas,
como cantinas, tascas e bistrôs, o desafio está aberto.
O português Tasca da Esquina, por exemplo, deverá repetir
o sucesso que foi o sanduíche de atum que fez
na edição do ano passado. Ele é servido
no prato, o peixe é selado sobre
chutney de pimentão defumado,
coberto por um ovo frito­­e vem
sempre acompanhado de chips
de mandioquinha.
www.facebook.com/SPBurgerFest
Pegaessa,juizão!
Talvez a pessoa que você mais xingou em sua vida? Quem
sabe... Os juízes de futebol são para-raios de impropérios
desferidos pelos torcedores de todo o mundo. Mas será que
você, no lugar dele, acertaria as decisões? Esse é o tipo de
experiência que o Museu do Futebol, que fica no Estádio do
Pacaembu, em São Paulo, traz a você até o dia 9 de junho.
A exposição “Será que foi, seu juiz?” conta com tecnologia
e ilusão de óptica para colocar o espectador na pele do
homem de preto. São situações que simulam impedimento
e decisões que, para quem está na torcida ou no sofá de
casa, parecem extremamente óbvias, mas que não são nem
um pouco claras quando vistas do ponto de vista do juiz.
www.museudofutebol.org.br
AGORA É NO RIO
Adriano de Souza fala sobre sua conquista histórica
na última etapa do circuito, na Austrália, e as
expectativas para o WCT do Rio, neste mês
Preparação para a temporada “Comecei os treinamentos antes da pri-
meira etapa. Foram muitos treinos físicos e natação. Cheguei na Austrá-
lia no começo de janeiro para treinar nas ondas e acostumar com o fuso
horário. Ou seja, foi tudo muito bem planejado até eu chegar em Bells.”
Campeão em Bells Beach “Os australianos viram uma tem-
pestade chegando! Seria o Brazilian Storm? (risos). Ficaram
chocados com a minha atuação, mas sei que os locais de lá
não foram surpreendidos, pois eles sempre viram,
ano após ano, como me dediquei naquela onda.
O mais difícil da vitória foi a bateria contra
o Mick Fanning, que é meu ídolo, competia
em casa e defendia o título.”
WCT no Rio de Janeiro “Treinei muito na
Indonésia nas últimas semanas. Quero me
aperfeiçoar para encaixar outro bom resultado
no Brasil. Adoro as ondas do Arpoador, Barra
e Postinho, onde o campeonato é disputado.”
Corrida para o título de 2013 “Respeito todos
os competidores, e com certeza o Kelly, mais uma
vez, vai ser o cara a ser batido. Por outro lado,
temos força brasileira. Acredito muito no poten-
cial do Gabriel Medina para esta temporada.”
Billabong Rio Pro: de 8 a 19 de maio, www.wctbrasil.com
Nas ondas da Barra:
Parko foi vice em 2012
A moderna
Sala das Copas
Santiago Visão panorâmica no Chile:
Tom Weissenberger e seu paraglider.
Juan Luis De Heeckeren
Rio de Janeiro As garotas de Ipanema
batem um bolão no Red Bull Roda de Bola.
Marcelo Maragni
Montpellier Na França rolou a“Copa do
Mundo do Breakdance”e foi sensacional.
Markus Berger
TEXTO:FERNANDOGUEIROS.FOTOS:KOLESKY/NIKON/REDBULLCONTENTPOOL,MARCELOMARAGNI/REDBULLCONTENTPOOL,SHUTTERSTOCK,DIVULGAÇÃOAdriano
de Souza
Bullevard
16  THE RED BULLETIN
TEXTO:PAULWILSON.ILUSTRAÇÃO:LIE-INSANDTIGERS
ONDE ESTÁ SUA CABEÇA?
MICK JAGGERDocumentários, shows, livros e, claro, uma nova coletânea dos maiores sucessos
marcam os 50 anos dos Rolling Stones. A satisfação certamente já foi alcançada a essa altura,
mas o que mais está rolando para Sir Mick?
www.rollingstones.com
Simpatiapara
osDemônios
Após terem sido culpados
pela morte de um fã em um
show dos Stones de 1969,
os Hells Angels planejaram
matar Jagger em uma casa
de Long Island, em Nova
York, mas o barco que levava
os motociclistas virou.
MickJagger,
guitarrista
Além dos vocais, da harmô­
nica e de muita arrogância,
Mick contribuiu tocando
guitarra em vários discos
dos Rolling Stones:“Sway”,
em Sticky Fingers (1971),
“Stop Breaking Down”, em
Exile On Main St. (1972),
e“Fingerprint File”, em
It’s Only Rock'N'Roll (1974).
ComosBeatles
Jagger tinha 18 anos quando
os Stones fizeram seu
primeiro show – isso foi em
1964. Em 1966 eles eram os
maiores rivais dos Beatles.
No futuro, Paul McCartney
passaria a lua de mel na casa
de Mick, na ilha de Mustique.
“Paul é muito legal e fácil de
lidar”, disse Jagger, em 1995.
ParceiroKeith
Nascidos com uma
diferença de 145 dias no
mesmo hospital de Kent –
hoje uma clínica que cuida
de idosos –, Keith Richards
e Mick Jagger se conheceram
na adolescência, em 1961.
“Você precisa aturaras boba­
gens; é como casamento”,
disse Richards sobre a dupla,
em sua biografia.
YouCanAlways
GetWhatYou
Want
Durante a turnê A Bigger
Bang Tour, de 2005, Jagger
exigiu canais de TV para
assistir a cricket no cama­
rim. Em 1997, ao perder um
jogo por não ter transmis­
são, ele abriu uma empresa
para comprar os direitos
de transmissão online.
SirMick
Sobre Jagger ter se tornado
Sir em 2003, Charlie Watts
disse: “Qualquer outro seria
linchado: 18 mulheres,
20 filhos e ele virou Sir.
Não é fantástico?” Charlie
é o mais velhor da banda,
nascido em 1941. Jagger
é o segundo, seguido por
Keith (dezembro de 1943)
e Ronnie (1947).
Naatividade
Em 2011, Jagger gravou
com o SuperHeavy, uma
superbanda com Joss Stone,
AR Rahman, Damian Marley
e Dave Stewart, e embarcou
no Twitter. Ele tuíta e posta
fotos: uma com um presente
de aniversário de 69 anos,
outra em Paris gravando para
o disco mais recente, GRRR!
StartMeUp
Michael Phillip Jagger
nasceu em 16 de julho de
1943, em Dartford, Kent.
Seu pai, Joe, era professor
de Educação Física, a mãe,
Eva, era cabeleireira.
Chris, o irmão mais novo,
é um músico que lançou
sete álbuns. Até ir para
a London School of
Economics em 1961,
o jovem Jagger era
conhecido como Mike.
THE RED BULLETIN 17
Bullevard
O cenário nas
profundezas do mar
sempre foi o mesmo,
mas a forma como
o exploramos mudou
radicalmente
ANTES E DEPOIS
Esta engenhoca, parte de uma roupa de mergulho atmosférica, foi usada pela Marinha
­Soviética em até 40 metros de profundidade. O ar era bombeado para dentro por meio de
uma mangueira conectada à superfície. Entretanto, o ar que o mergulhador exalava ficava
dentro do capacete, o que tornava a experiência dentro do escafandro intensa. Só quando
a pressão atingia um nível relativamente alto, uma abertura permitia que o ar saísse.
OLHAR EM
PROFUNDIDADE
Na parte de trás:
dupla conexão de
mangueira de ar
e uma válvula para
equilibrar a pressão
www.rusnavy.com
1971 CAPACETE DE TRÊS PARAFUSOS (URSS)
VEDAÇÃO
O colarinho da roupa de
mergulho fica preso entre as
partes da cabeça e do ombro e,
com ajuda externa, é parafusado
em três pontos. Um pouco
violento, mas à prova d’água
MATERIAIS
Liga de bronze reforçada.
O interior branco era
intencional, supõe-se que
a cor fora pensada para
reduzir a claustrofobia
do mergulhador
VISOR
Vidro bem fino envolvido por bronze.
Vantagem: pode ser aberto na superfície,
em terra. Desvantagem: em caso de
o mergulhador se debater debaixo d’água,
o vidro pode se quebrar facilmente
18  THE RED BULLETIN
FOTOS:KURTKEINRATH
O KM 37 foi concebido para operações de salvamento em águas contaminadas e projeta-
do para tornar a vida dos mergulhadores o mais confortável possível. O ar alcança o inte-
rior do capacete a partir de cilindros de ar comprimido (montados nas costas), o dióxido
de carbono exalado flui através do regulador abaixo do visor e um sistema de ventilação
interior melhora ainda mais a qualidade do ar. Tem também reserva de gás e rádio.
O capacete conecta
com os cilindros
de ar comprimido;
o sistema de rádio
fica logo embaixo
www.kmdsi.com
2012 KIRBY MORGAN 37
MATERIAIS
Revestimento de fibra de vidro
e fibra de carbono. Resistente
à pressão e com isolante elétrico.
O isolamento é importante
para se trabalhar com cabos
submarinos de eletricidade
VEDAÇÃO
O mergulhador utiliza no pescoço
um encaixe de alumínio, onde o
capacete se ajusta perfeitamente.
O interior se mantém seco até em
mergulhos “de cabeça para baixo”
VISOR
O imponente painel
do capacete é de poli-
carbonato e à prova de
arranhões. Ele mantém
a temperatura e, graças
ao fluxo de ar interno
projetado para desem-
baciar, tem garantia
contra umidificação
THE RED BULLETIN 19
Bullevard
FÓRMULA
PERFEITA
SEGURA!
As agarradas com os dedos que são típicas dos
alpinistas têm fundamento na realidade. Aqui
explicamos a física desta pegada formidável
TEXTO:MARTINAPOLIN.FOTO:REINHARDFICHTINGER,STEFANSCHLUMPF/REDBULLCONTENTPOOL.ILUSTRAÇÃ:MANDYFISCHER
A PEGADA EM NÚMEROS
“Qual é a correlação entre a profundidade de uma agarrada e a força
máxima vertical que os dedos podem suportar na pegada de dedos
meio dobrados [figura 1]?”, pergunta o dr. Martin Apolin, professor
da Faculdade de Física da Universidade de Viena.
“Um estudo de 2012 testou alpinistas que se penduravam em
uma saliência com uma das mãos. A ideia era medir objetivamente
a força do dedo. Os participantes eram todos alpinistas experientes.
A figura 2 mostra a correlação entre a profundidade da saliência e a
força do dedo: a força aumenta com a intensidade da pegada e atin-
ge o ponto máximo em 520N. Kilian Fischhuber, pentacampeão da
Copa do Mundo de escalada esportiva [tipo de
alpinismo curto e rápido], teve a força dos seus
dedos medidos com impressionantes 800N.
“O peso do corpo em Newtons, FG, é deter-
minado por FG = mg: m é a massa do alpinista
e g é a gravidade (cerca de 10 m/s2
). Pesando
63 kg, Fischhuber tem um peso corporal de
cerca de 630N. Com um pequeno aumento na
intensidade da pegada, ele poderia facilmente
segurar com uma das mãos; este não seria o
caso dos outros alpinistas com o mesmo peso
que se submeteram ao teste.
“Os dedos têm diversas articulações, mas
aqui os consideramos como uma unidade
integral. Para ter uma alavanca equilibrada,
tentamos explicar assim: força, Fk, multiplica-
da pela alavanca do braço, r, é igual à carga, FL, multiplicada pela
alavanca do braço, rL, ou Fkrk = FLrL (figura 3). O flexor digitorum
superficialis é o músculo responsável pelo desvio da articulação do
dedo médio; sua força, FM, nós estimamos em 650N. Porém, como
seus tendões puxam em um ângulo, o componente da força vertical,
FK, é decisivo. Portanto, nós fazemos uma modificação: FK = FMcosα
e portanto FL = FMcosα (rk/rL).
“Assumindo a mesma força muscular, a força do dedo é indireta-
mente proporcional à carga do braço rL (FL ~ 1/rL). Dependendo de
onde o principal ponto de apoio do dedo está, isto é, onde FL entra
em efeito, a carga do braço muda. Com uma pegada profunda, esse
ponto está mais perto do pivot, então rL é menor (por exemplo, 2cm)
e FL é portanto maior (450N). Se a pegada for mais estreita, esse
ponto se afasta do pivot, rL aumenta (3cm) e FL diminui (300N)
(figura 3). É claro que há outros músculos do antebraço que
aumentam a força dos dedos. Mas com esse modelo compreende-
mos porque a força dos dedos diminui com pegadas mais estreitas.”
­
VAMOS DAR AS MÃOS
Como se aumenta a força dos dedos? “Treinando com uma campus
board – tábua de madeira com grades horizontais presas nela”, diz
Kilian Fischhuber. Na falta de equipamentos profissionais, é possível
treinar a pegada ficando dependurado em casa. “Um revestimento
de porta bem firme pode funcionar”, diz Fischhuber.
A estrela austríaca
das montanhas Kilian
Fischhuber, de 29 anos,
foi campeão mundial
de escalada esportiva
em 2005, 2007, 2008,
2009 e 2011
B U L L E VA R D
 21
CREDIT:
EU E
MEU CORPO
Aos 17 anos,
a austra­liana se tornou
a mais jovem surfista
a se classificar para o
Circuito Mundial da
ASP. Nas últimas três
temporadas, ela sempre
ficou entre as melhores
classificadas. Agora,
aos 22 anos, Sally está
pronta para ser campeã
www.sallyfitzgibbons.com
SALLY
FITZGIBBONS
1  RESPEITO AO MAR
Assim que você entra na
água, seu corpo fica em
uma espécie de estado
de alerta. Para surfar é
necessário que se tenha
reações rápidas, uma
excelente noção de espaço
e uma compreensão bem
apurada de como o
oceano se comporta.
5 APNEIA
Sou assídua frequentadora
dos campos de treino da
Red Bull.Ano passado,
em um curso de mergulho,
aprendi como segurar
a respiração por quatro
minutos e manter a calma
na água em situações de
perigo. Isso pode salvar
a vida de nós surfistas.
DOR CONTROLADA  3
Machuquei minhas
costas surfando na Gold
Coast em 2009, durante
minha primeira competição
na ASP World Tour. Levei
cinco meses para melhorar.
Segui com­petindo com dor
para não perder meu lugar
na temporada seguinte.
AGACHAMENTOS  4
No surf você trabalha
­costas, pernas e bumbum
em harmonia. É por isso que
eu faço treino funcional.
Minhas coxas são meus
­músculos mais importan-
tes, nelas busco força para
as manobras. Por isso faço
milhões de agachamentos
de todos os tipos.
REMANDO FORTE  2
Quebrei meu pulso
esquerdo no final de 2011
surfando em Fiji, quando fui
arremessada sobre os
corais. Ficar seis semanas
sem poder surfar no verão
australiano foi muito­­­
chato, quase fiquei louca.
TEXTO:ULRICHCORAZZA.FOTO:KATIEKAARS
Bullevard
22  THE RED BULLETIN
NÚMEROS DA SORTE
STAR TREKCom a estreia de Star Trek Into Darkness no início de maio, viajamos pelos 47 anos
(e milhões de anos-luz) da saga de ficção científica mais lucrativa da história
47O roteirista de Star Trek:
A Nova Geração, Joe Menosky,
formou-se em 1979 na Universi-
dade Pomona (Califórnia) onde,
em 1964, um professor apresen-
tou a teoria de que o número
47 tem maior ocorrência no uni-
verso do que qualquer outro.
Menosky incluiu a tese com
frequência nos episódios;
roteiristas de toda a franquia
seguiram o exemplo.
TEXTO:FLORIANOBKIRCHER.FOTOS:KOBALCOLLECTION,PICTUREDESK.COM(3),GETTYIMAGES(2),IMAGO,REXFEATURES,CORBIS
Mr. Spock e
Capitão Kirk
hoje…
…e na época
A primeira
USS Enterprise
Estação espacial
Deep Space Nine
Trekkie
azul
Tenente Uhura
Tenente Worf,
Klingon
www.startrekmovie.com
726A nave estelar USS Enterprise
pairou pela primeira vez nas
telinhas norte-americanas em
8 de setembro de 1966, mas
aterrissou após três tempora-
das de pouco público. Star Trek
passou a ter mais repercussão
quando as reprises eram
exibidas. Foram cinco séries
diferentes que viraram um
marco na TV. Assistir a todos
os 726 episódios de uma vez
levaria três semanas.
Os Klingons são uma raça de
guerreiros com um idioma pró-
prio, desenvolvido pelo linguis-
ta Marc Okrand após seu traba-
lho em Star Trek III: À Procura
de Spock. O dicionário Klingon
foi publicado pela primeira vez
em 1985. De acordo com o livro
Guinness, Klingon é o idioma
fictício mais falado no mundo.
1985
Nenhuma série televisiva tem
mais fãs que Star Trek. Em
1994, houve 130 convenções
de fanáticos em todo o mundo,
com mais de 400 mil partici-
pantes. Há alguns “Trekkers”
famosos: Martin Luther King
elogiou Tenente Uhura como
um modelo de mulher afro-
americana, enquanto Barack
Obama providenciou uma
exibição especial do filme
de 2009 na Casa Branca.
400.000
70O ex-piloto e policial Gene
Roddenberry escreveu o pri-
meiro roteiro de Star Trek em
1964. Roddenberry foi o padri-
nho de Star Trek e trabalhou
em programas de TV e filmes
até sua morte, aos 70 anos,
em 1991. Em 1997, um pouco
de suas cinzas foi parar
no espaço com um foguete, no
primeiro “enterro espacial”.
Gene
Roddenberry
Desde Star Trek – O Filme,
de 1979, outros 10 filmes
da saga foram lançados.
O mais recente é de 2009 e
faturou mais de US$ 380 mi-
lhões nos cinemas em todo o
mundo, tornando-se a maior
arrecadação da franquia em
todos os tempos, mesmo com
os preços atualizados. Um su-
cesso ainda maior é previsto
para a sequência Star Trek
Into Darkness, que será
lançada no dia 15 de maio.
385.680.446
Bullevard
CREDIT:
THE RED BULLETIN 23
CREDIT:
O grande
desafio de
NEYMARA principal competição internacional
disputada pela Seleção Brasileira no Brasil
desde 1950 acontecerá em junho.
E adivinha para quem os holofotes
estão voltados?
ENTREVISTA: BENJAMIN BACK 
FOTOS: MARCELO MARAGNI
JR.
26
om a rapidez
de quem desce
pela esquerda
correndo com
a bola no pé, Neymar Jr. entra no vestiário
do Santos pela porta dos fundos. Veste je-
ans, camisa polo e boné. Está na Vila Bel-
miro para participar do Red Bull Príncipe
da Vila, evento que encerra o centenário
do Santos Futebol Clube e dá início ao
101º ano da história do alvinegro praiano.
Antes de se sentar no trono montado
em pleno gramado da Vila Belmiro,
Neymar Jr., de 21 anos, fez alguns retra-
tos para a Red Bulletin. O atleta mais
badalado do Brasil é atencioso com todos
que estão por ali – assessores, câmeras,
repórteres, seguranças. Magro, tranquilo
e sempre sorridente, faz algumas brinca-
deiras com os amigos que estão por perto.
Fotos feitas, ele caminha para o túnel
que dá acesso ao campo, onde a festa
está armada. No Red Bull Príncipe da
Vila, garotos das escolas locais passaram
por uma triagem e estão hoje no gramado
do estádio do Santos para acertar chutes
em alvos montados na arquibancada.
São 101 meninos na disputa. Cada alvo
tem um valor e se classifica aquele que
somar mais pontos nos cinco chutes a
que tem direito. O vencedor leva um
par de chuteiras do craque.
O jogador mais poderoso do Brasil tem
uma forte identidade com seu time e com
os torcedores. Por onde passa, especial-
mente nos arredores do estádio, o furor
acontece. Meninas gritando, meninos
com canetas em busca de autógrafo, fotó-
grafos, imprensa... O ídolo manteve-se
firme no Santos mesmo com o imenso
assédio dos clubes estrangeiros nos últi-
mos anos. Hoje, Neymar Jr. também é o
principal atleta e alvo das cobranças na
Seleção Brasileira. O nosso camisa 11
está acostumado a ser notícia no mundo
inteiro, como uma espécie de talento
misterioso. Mas, se depender do sorriso
fácil, do potencial e da malandragem do
atacante, nada disso vai tirar o seu sono.
Após ajudar os participantes a acerta-
rem alguns dos alvos nas semifinais do
evento e presentear o vencedor com suas
chuteiras, ele volta ao vestiário. Ele tira o
tênis e brinca descalço com a bola, total-
mente descontraído. Seu pé estava leve-
mente dolorido devido à partida disputa-
da no dia anterior – pelo campeonato
paulista, ele fez “apenas” quatro gols no
jogo. Depois de algumas embaixadinhas,
se sentou para conversar com a Bulletin.
vocês entram desencanados. Como
está a sua cabeça para a Copa das
Confederações? Você está preparado
para essa cobrança?
Temos um grupo bem difícil, considerado
o grupo da morte. São equipes com quali-
dades gigantescas. Mas me preparando
psicologicamente não estou. Estou me
preparando fisicamente. No psicológico
eu tô tranquilo e fisicamente tô me
preparando. A cada treino e a cada jogo
eu me preparo para a Copa das Confede-
rações. Cobrança existe, é normal no fute-
bol. No clube, na Seleção. Ainda mais na
Seleção, por ter uma história fantástica.
A Seleção Brasileira, em qualquer campe-
onato que entra, é uma das favoritas.
Então a gente tem que honrar isso. Mas
tem que ser jogando futebol, não falando.
Você já se imaginou numa final de
Copa das Confederações, com o
Maracanã lotado?
Claro. A gente sonha. Tem que sonhar.
Sempre sonho com todos os jogos, sempre
ajudando a Seleção, o Santos. Na concen-
tração ou antes da partida, eu procuro
deitar e imaginar os lances. Eu faço isso
em todos os jogos. Penso: “Se eu pegar
a bola desse jeito, vou fazer isso e isso”.
Quando estou no caminho para o jogo
é o que mais faço.
O que você vai imaginar contra a
Itália (último adversário do Brasil
na primeira fase)?
Ah, vamos bagunçar a zaga da Itália!
Deus te ouça! Vamos entortar aqueles
caras! Mas temos o México também...
É, virou o carrapato. O México é um
time de muita qualidade. Tem jogadores
de qualidade, e a gente espera reverter
essa história. Nada melhor do que fazer
isso agora na Copa das Confederações.
“ Não estou me
preparando
psicologicamente, mas
sim, fisicamente. Cada
treino e cada jogo é um
preparo para a Copa das
Confederações. ”
the red bulletin: Ontem você “só”
marcou quatro gols. Como é isso para
você e para a equipe?
neymar jr.: Fico muito feliz e eles tam-
bém. Brincam, falam. No final do jogo a
gente até tirou uma foto. O ambiente
do Santos é maravilhoso. Todo mundo
fala com todo mundo, não tem picuinha,
não tem frescura.
Ninguém nunca teve uma crise de
ciúmes desde que você está no Santos?
Eu acho que tá acabando isso de vaidade
ou ciúmes no futebol. Graças a Deus isso
nunca teve no Santos. Tem que acabar
com isso, não precisa disso. Cada jogador
tem sua história, seu contrato, indepen-
dente de quanto ganha. Se a pessoa está
ganhando aquilo, é porque merece.
Meus pais sempre me ensinaram isso
desde pequeno, a não ter ciúmes de
nada. Eu também sempre fui muito relax,
nunca tive muito problema com isso.
Você falou “tem que acabar com isso
no futebol”. Não acha que outras coisas
também precisam acabar no futebol?
Hoje tem gente que acha o drible uma
ofensa, uma brincadeira arrogante...
O futebol às vezes é engraçado, às vezes
é um pouco chato. Tem umas coisas que,
por exemplo, o Viola [ex-jogador], no jeito
que ele comemorava o gol, o jeito que
imitava bichos, subia na arquibancada...
É engraçado. O legal do futebol é você
brincar com um amigo. Você tem um
amigo que torce para outro time e você
zoa com ele. É uma brincadeira, mas tem
muita gente que leva para o lado pessoal
e fica se sentindo ofendida.
Em breve vamos ter a Copa das Confe-
derações. Só vi três caras totalmente
tranquilos no futebol: o Ronaldo,
o Romário e você. Tanto faz o jogo e
C
28
Neymar Jr. antes
do jogo: “Procuro
deitar e imaginar os
lances. Faço isso em
todas as partidas.”
CREDIT:
Qual é o seu palpite para a final da
Copa das Confederações?
Espero que seja Brasil e... (longa pausa)
Vai, acho que vai dar Brasil e Espanha.
Com Brasil campeão.
Um a zero?
Mais, pô! Tem que pensar grande.
É que uma seleção com Xavi e Iniesta
não é fácil...
Eu sei, mas tem que pensar grande.
Vamos sonhar alto. Dois a zero.
Dois do Neymar Jr.?
Um passe já tá bom demais!
Você fica chateado quando falam
que o Neymar Jr. do Santos não é
o mesmo da Seleção?
Não me incomodo. E acho também que
é uma coisa diferente. É o estilo de jogar,
os jogadores são diferentes... A gente não
está entrosado na Seleção. No Santos já
tem um entrosamento. Meus companhei-
ros de Santos já sabem onde estou, o que
vou fazer, se posicionam diferente. Mas
agora a gente vai ter tempo para traba-
lhar na Seleção, então vai melhorar.
O Paul Breitner, um dos maiores
jogadores da história do futebol
alemão e dirigente do Bayern de
Munique, disse numa entrevista que
o brasileiro vive muito à sombra do
passado. O que você acha disso?
Não sei se vive à sombra do passado.
Mas, com certeza, os times europeus
cresceram muito no quesito tático.
Taticamente os jogadores são todos bem
corretos em suas funções. É diferente do
que acontece por aqui. Aqui a gente fica
mais à vontade. Lá não, são todos muito
bem posicionados. Um atrás do outro,
muita força física, difícil de conseguir
passar. Mas também não é nem só a
força física, eles fazem linha de quatro
e diminuem o campo, fica difícil para
a outra equipe. Mas a gente vai se
encaixando e vamos dar o que falar
ainda. No futebol existe a oscilação,
isso é inevitável, acontece no mundo
inteiro e é claro que nós, jogadores,
ficamos tristes, pois sempre queremos
dar o melhor e vencer, é o nosso trabalho.
O Pelé disse recentemente que a
Seleção Brasileira deveria ter a base
do Corinthians, mas com o Neymar Jr..
Você concorda? Hoje, se você for ver,
a base da seleção alemã é o Bayern
e o Borussia, e da seleção da Espanha
é o Barcelona e o Real, por exemplo.
Pelo que ele falou do entrosamento, eu
até concordo, isso faz muita diferença.
O Brasil tem uma coisa que nenhuma
seleção tem, que é a qualidade dos
jogadores por aqui. É muito alta.
Se você parar para pensar, é mais alta que
em qualquer lugar. Só falta colocar em
prática. É isso o que queremos fazer logo.
O mundo inteiro está impressionado
com o desempenho dos times alemães
nas finais da Liga dos Campeões da Eu-
ropa. Estão dizendo que é uma nova or-
dem que está se formando. Você acom-
panha o futebol alemão?
Sim, sempre que posso eu acompanho.
Tenho amigos que jogam lá, inclusive.
O campeonato alemão evoluiu bastante
de uns tempos para cá. São times muito
fortes e jogadores de alta qualidade. Esse
trabalho está sendo visto pelo mundo
inteiro, é possível notar que o desempe-
nho das equipes está acima da média.
No evento de hoje vimos várias
crianças que sonham em tirar uma
foto com você e que na hora começam
até a tremer. Às vezes, você pensa
“tenho que tomar cuidado para fazer
isso ou aquilo porque tem milhões de
crianças que se espelham em mim”?
Eu preciso pensar no que faço. Mas sou
esse cara aqui: é na sua frente, é em casa
ou com meus amigos, eu brinco com todo
mundo, não tô nem aí. Se eu tenho na
minha cabeça o que vou fazer, então faço.
Não ligo muito, não sigo uma linha. Eu
faço o que tenho vontade. E essa questão
de crianças gostarem tanto de mim, fico
muito orgulhoso. Sou um fã até hoje,
o meu ídolo é o Robinho, toda vez
que falo com ele é uma alegria.
Mudando um pouco de assunto...
Fiquei sabendo que você é muito
ruim no videogame.
Pois é, hoje em dia tô mal... (risos)
Mas dos meus amigos eu ganho
de todos, deito e rolo!
Com qual time você joga?
Bayern de Munique.
E qual jogador é seu favorito?
É o Messi, né? O cara é fera, mano.
Só ficando em casa no videogame
para não ser assediado. É incômodo
ter seus 20 e poucos anos e não ter
liberdade para curtir, ir ao cinema?
Não, opa, cinema eu vou! Este ano fui
ao shopping, no cinema. Mas hoje só não
tiro fotos ou dou autógrafo se ficar em
casa. Incomodar não incomoda, mas tem
coisa que faz falta, tipo ir à praia. Faz
tempo que não vou. Não tem como. Ir ao
shopping, dar um rolê, praça de alimenta-
ção, McDonald’s e voltar pra casa. Não dá.
Isso eu fazia muito. Ir à praia jogar um
futevôlei? Não dá. Ficar sentado tomando
sol? Impossível. São coisas gostosas que
eu tinha e hoje em dia acabou. Se quero
comer no Mc, só indo no drive-thru.
Estávalendo
A Copa das Confederações reúne
os campeões de cada continente e
o campeão mundial. Será a primeira
vez que o Brasil receberá o torneio –
o último teste antes da Copa do Mundo
de 2014.A Copa das Confederações será
disputada em Brasília, Belo Horizonte,
Recife, Fortaleza, Salvador e Rio de
Janeiro. São dois grupos na primeira
fase. De cada um saem dois classificados.
No grupo do Brasil (Grupo A) estão
México,Japão e Itália. No Grupo B,
Espanha, Uruguai,Taiti e Nigéria
disputam as vagas.A fase de grupos
acontece do dia 15 a 23 de junho.
As semifinais serão disputadas nos
dias 26 e 27, em Belo Horizonte e
Fortaleza, respectivamente, e a final
será no dia 30, no Maracanã.
“ O Brasil tem uma
coisa que nenhuma
seleção tem, que é a
qualidade dos jogadores.
Tem mais do que em
qualquer lugar. Só falta
colocar em prática. ” Copa das Confederações: de 15 a 30 de junho.
www.fifa.com/confederationscup
31
Diante de 40 mil pessoas no Jericódromo
de Alto Paraíso em Rondônia, aceleramos
o “Fórmula 1 da Amazônia”
Texto: Cassio Cortes  Fotos: Marcelo Maragni
Calor, lama
ediesel
32  THE RED BULLETIN
THE RED BULLETIN 33
elo amor de Deus, tomem cuidado na
curva inclinada”, adverte o diretor de
corrida Renato Ribeiro, o Paraguaio.
Ele enumera os perigos que esperam
os 23 homens reunidos para a pales­
tra dos pilotos que antecede a corrida
de Jericos. “Se sair da pista naquele
ponto, com certeza morrerão algu­
mas pessoas do público”, diz. Os 23 competidores,
em sua maioria com menos de 25 anos, alguns bem
acima do peso, todos bem bronzeados, concordam
com seriedade. A décima corrida nacional de Jericos
Motorizados está prestes a começar.
Isso é bom porque o público que lota o Jericó­
dromo já está ficando indócil. O início do evento foi
adiado para coincidir com a chegada do senador Ivo
Cassol, cacique político de Rondônia. O senador veio
direto de Brasília para a pequena Alto Paraíso espe­
cialmente para assistir a corrida.
Mas o que é este meio de transporte e por que
ele surgiu em Alto Paraíso, um lugar pouco populoso
localizado nas franjas do Sul da Amazônia, que se
proclama a “capital do Jerico”?
O fabricante Silvio Stedile, ou “Silvinho do Jerico”,
como é conhecido, explica: “Quando a cidade foi
construída, no final dos anos 80, as estradas eram
tão ruins que nenhum caminhão normal durava – as
peças da lataria caíam. Então as pessoas tiveram que
inventar um veículo que aguentasse o tranco”.
O resultado foi uma lataria precária, montada em
suspensões de jipe velho e alimentada por motores a
diesel parados, que eram normalmente usados para
gerar eletricidade nas serrarias e minas de estanho.
O “Jerico”, jumento ou burro, animal que serve
como meio de transporte no Nordeste – origem de
boa parte dos migrantes que povoaram as cidades
mais recentes da região Norte –, ganhou uma versão
motorizada para o ambiente hostil da Amazônia.
Como brincadeira de garotos, não demorou muito
até um fazendeiro local começar a pensar se o seu ju­
mento a diesel poderia ser mais rápido do que o cons­
truído pelo vizinho mineiro. As corridas – discretas
por terem inicialmente essa finalidade – vieram
rapidamente e, uma década depois, para comemorar
o 10º aniversário de Alto Paraíso, um circuito lama­
cento de 560 metros que, desde então, vem sendo
estendido, foi construído na periferia da cidade,
dando origem à Corrida Nacional.
O sucesso foi tão grande que a corrida se tornou
conhecida pelo Norte do Brasil como a “Fórmula 1 da
Amazônia”. Cerca de 40 mil pessoas (mais que o dobro
da população da região de Alto Paraíso) aparecem
no Jericódromo ano após ano para ver seus heróis
acelerarem. Ser uma estrela da Fórmula 1 é normal­
mente sinônimo de fama e fortuna. Na F1 amazônica,
entretanto, a fortuna vem na forma de uma Honda
125 cilindradas novinha para o primeiro lugar (na
verdade duas, já que a Corrida Nacional é dividida
em duas categorias, uma para uma cilindrada e outra
para motores de duas). E fama. Para o Silvinho do
Jerico, o reconhecimento garantiu uma eleição para
presidente do Conselho Municipal de Alto Paraíso.
O cortejo de Silvinho, no entanto, fica pequeno
quando comparado ao dos irmãos Melquisedeque e
P‘‘
Cefas de Lara, apelidados pela imprensa local como
os “Schumachers de Alto Paraíso”, o que é um pou­
co injusto, considerando que lutam para se manter
campeões [ao contrário da dupla Ralf e Michael
Schumacher, em que apenas um já foi campeão
mundial]. “Melqui” é campeão na categoria duas
cilindradas; Cefas, rei da classe uma cilindrada.
O principal adversário deste, por acaso, é Silvinho,
que ganhou em 2006 e 2007 antes de ser deposto
pelas vitórias de Cefas em 2008, 2009 e 2010.
Os nomes dos dois têm origens bíblicas, o que
provavelmente explica a música evangélica explo­
dindo as caixas de som na loja onde eles fazem os
ajustes finais em seus Jericos na véspera da corrida.
“A época de correr com o Jerico do dia a dia já vai
longe”, Melqui revela. “Para vencer, você precisa de
um Jerico personalizado.”
Melqui e Cefas cuidam de suas máquinas o ano
todo para aparecer em apenas dois ou três eventos
nos 12 meses, sendo a Corrida Nacional o maior de
todos. Uma olhada na máquina de Melqui revela
suas puríssimas origens: o motor é localizado no
34  THE RED BULLETIN
Em sentido horário, a partir da
foto maior: Norival Silva durante
a preliminar da corrida; os irmãos
Melquisedeque (esquerda) e Cefas
de Lara em sua fábrica de Jerico;
o desfile de rua na véspera da corrida;
a fábrica de Silvio Stedile antes da
corrida; Silvio em sua fábrica
THE RED BULLETIN 35
centro do eixo longitudinal, mas fora deste para a
­direita no transversal, o que garante uma perfeita dis-
tribuição do peso em todas as quatro rodas quando
o condutor fica à esquerda.
E como todos os Jericos, o de Melqui é um
Frankenstein. O chassi de uma Kombi antiga ajuda
na rigidez da parte de baixo, enquanto a suspensão
dianteira vem de um Golf. Os freios são de um Fiat
Uno e a suspensão traseira também é de Kombi.
O sistema de tração é uma primorosa obra de arte:
a potência do motor é transmitida por uma caixa de
marcha de Jeep de um diferencial feito por Melqui,
do qual dois eixos de transmissão, também de Melqui,
dirigem a potência para um eixo de um Golf na frente
e um diferencial central de Kombi cortado na traseira.
No meio da maior floresta do mundo, o mais velho
dos irmãos Lara usa o mesmo princípio que o do
diferencial central Torsen – o maior sucesso técnico
do lendário carro Audi de rali dos anos 80.
A potência vem na forma de um gerador Yanmar,
que está no catálogo de fábrica como uma unidade
de 27 cavalos de potência. “Mas é impossível vencer
a corrida com menos de 50 cavalos”, admite Melqui.
“Nós conseguimos chegar lá na maior parte das vezes
com molas de válvula mais fortes, pistões mais leves
e uma melhor injeção de combustível.”
Mesmo com todo o tuning, o motor ainda faz
aquele barulho de baixa reverberação pop-pop-pop
de veículos diesel, exatamente como um barquinho
de pescador. Mas agora ele está muito mais rápido:
“Eu alcancei mais de 90 km/h na estrada com o meu
Jerico, o que significa que o de Melqui pode facil-
mente fazer mais que 100 km/h em uma rodovia
pavimentada”, diz Cefas.
Próximo das 16h, a principal rua do centro come-
ça a ficar entupida com uma multidão em clima de
festa e tem início uma batalha de som. São enormes
picapes com alto-falantes maiores que elas mesmas,
das quais os mais diferentes tipos de música saem
em um volume ensurdecedor.
Essa variedade de sons sai de 25 ou mais carros
­espalhados pelo espaço de uma avenida que deve ter
apenas 300 metros de comprimento, todos disputando
a atenção das garotas. Ao mesmo tempo, centenas de
motinhos aceleram enquanto seus ocupantes também
procuram chamar a atenção do sexo oposto, fazendo
assim do desfile de Jericos um dos eventos de maior
poluição sonora do planeta Terra. Com o ar úmido da
tarde quente, o único jeito para uma pessoa sadia
aguentar é bebendo. Para nossa sorte, há muitos am-
bulantes com garrafas de Johnnie Walker. Uma dose do
uísque custa apenas uns R$ 4: trata-se de um “Juanito
“Eu alcancei mais de
90 km/h na estrada com
o meu Jerico, o que significa
que o de Melqui pode facil-
mente superar 100 km/h em
uma rodovia pavimentada”
Caminante”, como os locais chamam o Johnnie falsi-
ficado. O Red Bull pelo menos é verdadeiro, apesar
de a lata ter informações em espanhol, não em
português, um sinal de que foi trazido da Bolívia.
Bem quando uma dor de cabeça brutal começa
a envolver o cérebro deste repórter, Silvinho apare-
ce em um Jerico de carga com todas as 14 garotas
que competem pelo título de Rainha da Corrida.
Dane-se a dor de cabeça, seu convite para “pular aí
e se juntar à festa” na caçamba do veículo não po-
dia ser declinado, sendo deste ponto de observação
privilegiado que notamos uma longa cicatriz sob
sua orelha esquerda.
“Caí de um Jerico durante um treino dois anos
atrás: 16 pontos e muita dor.” O desfile passa pelo
Centro antes de terminar no Jericódromo. Ao lado
do circuito fica um poço de lama do tamanho de
um campo de futebol onde acontece algo que po-
deria ser definido como uma versão amazonense
de um demolition derby americano.
Derrapar o carro de forma radical pela lama é
o­­­­ objetivo, e uma picape enorme divide o espaço
36  THE RED BULLETIN
com carros de passeio que vão de ré – única forma de
se conseguir fazer derrapagem lateral com um carro
de tração dianteira.
Pessoas em pé “surfando” nas caçambas das pica-
pes enquanto derrapam é tão comum quanto as coli-
sões de umas com as outras. Ninguém está muito
preocupado com o prejuízo das batidas: os preços
da madeira, do gado e da soja estão todos em alta
no mercado internacional, então todo mundo parece
bem de vida em Rondônia. Por outro lado, a sobrie-
dade é uma commodity de menor valor – ao menos
entre estes que se arriscam na lama. “Você tem que
entender que para nós isto é o Carnaval”, diz Luzia
Garbini, 17 anos, Rainha da Corrida de 2011, procu-
rando explicar, um pouco envergonhada, o compor-
tamento selvagem ao redor.
A noite cai, o Jericódromo se esvazia e a festa
­segue para o Centro. Ir dormir é a única opção para
curar a ressaca de uísque a tempo para a grande
corrida do dia seguinte de manhã.
Em sentido horário,
a partir da foto maior:
Dirceu José Bogorni
protegendo os olhos da
lama; José Alex acelera
seu Jerico na curva mais
escorregadia do circuito;
a festa regada a 'Juanito
Caminante';o público
faz da corrida um
Carnaval na lama
THE RED BULLETIN 37
CREDIT:
N
o domingo, os Jericos de corrida chegam
ao ‘paddock’ – um lamacento curral – às 11h.
Uma corrida de quadriciclos aquece a mul­
tidão. Enquanto os pilotos esperam pela
palestra de segurança do Paraguaio, os fãs gritam
por autógrafos, sendo a assinatura do lenhador Alex
­Oliveira a mais cobiçada. O carro de Alex tem uma
camuflagem pintada e o levou a quatro vitórias con­
secutivas nas duas cilindradas antes que Melqui o
­superasse em 2010. Rápido porém errático, este legí­
timo Gilles Villeneuve da Amazônia gosta de falar:
“Melqui ganhou no ano passado porque eu rodei”,
diz. O volante do Jerico de Alex, como a maioria dos
outros, tem punhos de bicicleta para segurar.
“Para ser rápido no Jerico você precisa mudar
as marchas muito rápido e com muita frequência”,
ele explica. “Com os punhos eu posso guiar usando
apenas minha mão esquerda e manter a direita na
alavanca de câmbio o tempo todo.”
Passava das 14h e os termômetros passavam dos
40° C quando o helicóptero do senador Ivo Cassol
finalmente chegou. É hora de acelerar! Assim é que
funciona a corrida: quatro jericos começam alinhados
lado a lado para uma preliminar de quatro voltas. Os
dois primeiros se classificam para a próxima rodada
até que apenas quatro ficam para a grande final.
Um capacete e um cinto de segurança são os únicos
equipamentos de proteção obrigatórios.
A classe de um pistão corre a preliminar inicial.
No Jerico 9 (patrocinado pelo senador), Norival Silva
assume a liderança na primeira volta. O nº 8 roda e
fica em uma posição perigosa na curva cinco; leva
três voltas para que o sinalizador apareça com uma
bandeira amarela advertindo o perigo.
O sorteio colocou Melqui e Alex na mesma preli­
minar para a classificação na classe dois pistões – um
‘Embate de Titãs’, como o narrador grita no sistema
de som. Eles ficam em 1-2 com facilidade, enquanto
o nº 11 vai para o canto por causa de um incêndio no
motor. De volta aos carros de uma cilindrada, Cefas
vence a classificatória enquanto Silvinho é derrotado
pelo seu ex-mecânico Macedo, mas vai às semifinais
em segundo lugar. Outro mecânico da loja de Silvinho,
Reginaldo, liderava a preliminar de dois pistões
quando uma quebra na coluna da direção o manda
cambaleando para um banco de lama. Ele retira o
capacete, se ajoelha e chora como criança.
Entre uma preliminar e outra, os pilotos traba­
lham febrilmente no paddock para consertar seus
­veículos avariados. As equipes de apoio jogam água
limpa em seus olhos – a maioria não usa óculos de
proteção (muita sujeira muito rápido) e terminam
cada preliminar com os olhos muito irritados e
completamente vermelhos.
Em sentido horário, a partir da foto
maior: Melquisedeque de Lara cruza
a linha de chegada para vencer a prova;
após o final da corrida, o público pula
na água enlameada; Silvio Stedile faz
uma curva em frente a Cefas de Lara,
durante uma das preliminares
“Vocêpodiatocar
outropilotoeempurrá-lo
paraforadapista,mas
agoraosdirigentessão
maisrigorosos”
38  THE RED BULLETIN
CREDIT:
A
primeira semifinal de um pistão tem uma
disputa acirrada entre Silvinho e Cefas.
­Silvinho pula para a liderança no início,
­porém o carro de Cefas é claramente mais
veloz. Entretanto, como acaba se descobrindo mais
tarde, após as preliminares, fica muito difícil realizar
uma ultrapassagem. Apenas a linha de corrida per-
manece lisa; todo o resto é terra revirada. Além disso,
a linha interior nas duas curvas mais lentas está
inundada. “Costumava ser permitido que você tocas-
se o adversário para empurrá-lo para fora da pista,
mas agora os dirigentes são mais rigorosos”, reclama
Cefas, que ficou em segundo e foi para a final.
Na segunda semi de duas cilindradas, Alex e
Melqui se encontraram novamente. Melqui toma a
liderança precocemente, enquanto Alex erra uma
marcha e cai para terceiro. Tentando criar um espaço
de ultrapassagem onde não existe, Alex sai da corrida
e atola na lama. Outra corrida que nosso Gilles
Villeneuve da Amazônia abandona.
Chega a final de uma cilindrada. O número 4,
Marcelo Bogorni, faz a melhor largada, deixando
Silvinho e Cefas na disputa acirrada na primeira
curva pelo segundo lugar. A forma como quase tocam
suas rodas lembra Michael Schumacher jogando
Rubens Barrichello contra o muro no GP da Hungria
em 2010 e, ainda que não tenha havido contato,
a disputa afoita os leva para fora da pista e para
dentro da poça gigantesca logo na primeira curva.
É o bastante para dar a Marcelo uma liderança
insuperável. Pela primeira vez em sete tentativas,
ele vence a Corrida Nacional, apesar de seu pedal
de aceleração ter quebrado na segunda volta. O que
é realmente impressionante porque significa que
Marcelo teve que tirar a mão esquerda do volante
e torcer o braço a cada marcha trocada nas duas
últimas voltas.
Sem Alex, a final de duas cilindradas deveria
ser um passeio para Melqui, o que parecia ser o caso
quando ele assumiu a ponta já na primeira curva.
Mas na maliciosa segunda curva o impensável acon-
tece: o campeão roda. O incrédulo “Ohhh!” que vem
do público parece a reação a uma dupla-falta de
Roger Federer em um tiebrake de Wimbledon.
Melqui vai para a última posição enquanto Dirceu
Bogorni – irmão de Marcelo – pula para primeiro
para logo quebrar a caixa de marcha na segunda
volta. Na terceira volta, Melqui provoca uma derrapa-
gem de Juliano e vai a segundo, atrás de Ismael. Ver
o campeão se aproximando na última volta é demais
para o jovem Ismael, que erra a curva cinco e nau­
fraga em outra poça gigante. A multidão enlouquece
quando Melqui voa para conquistar sua segunda
moto Honda em muitos anos.
E assim termina o Carnaval. Vencedores, derrota-
dos, políticos locais, este repórter forasteiro: todo
mundo pula ou é jogado na lama da curva cinco.
O sol se foi e o vento resfria nossas roupas ensopadas
e enlameadas. Sem problemas: tem muito “Juanito
Caminante”, o Johnnie Walker daqui, para nos
manter aquecidos até a madrugada.
Para ver fotos da corrida de Jerico, acesse
www.capitaldojerico.com
THE RED BULLETIN 39
RED BULL YOUTH AMERICA'S CUP
O jovem time alemão
STG/NRV corta a baía
de San Francisco em
um catamarã AC45
40
Os melhores catamarãs, os melhores velejadores, a maior
corrida de barco do mundo: qualquer iatista ambicioso sonha
em um dia participar da America’s Cup. E um seleto
grupo de jovens está a um passo de realizar este sonho
TEXTO: Ann Donahue FOTOS: Balazs Gardi
Leões-marinhos surgem na água de olho
nas enormes garças e depois somem de
novo nas profundezas. Os tratores que
transportam cascalho de uma pilha de
material para outra próxima no Pier 94
estão em silêncio.
Às 9h da manhã, as equipes que
competem nas Selection Series da Red
Bull Youth America’s Cup chegam em
SUVs pretas trazidas por motoristas
vindos dos hotéis no Centro. A paz da
doca dilapidada é quebrada pela joviali-
dade dos velejadores e pelas provocações
entre eles – “vá se catar, seu maluco!”
ecoa através das docas – além de remixes
retumbantes de sucessos dos anos 80.
Há um motivo para o barulho, claro.
As equipes do Red Bull Youth America’s
Cup são compostas de rapazes com idades
entre 18 e 24 anos, então é perfeitamente
normal que alguém em seus anos de
formação fale grosso durante a faculdade,
caso contrário, o planeta estaria girando
fora do seu eixo.
Sendo assim, a capacidade de fazer
uma balbúrdia é uma qualidade. Duas
horas depois, os jovens velejadores
estarão se batendo contra as ondas da
baía de San Francisco, com ventos sopran-
do acima de 35 nós, enquanto todos cor-
rem lado a lado nos melhores catamarãs
de 15 metros que existem. Garantir que
as instruções de suas vozes possam ser
ouvidas mesmo com o vento, os estalos
dos enormes veleiros e os baques dos
barcos de 1,4 tonelada podem ser a
diferença entre a vitória e o fracasso.
A Red Bull Youth America’s Cup é
uma criação dos velejadores austríacos
Hans-Peter Steinacher e Roman Hagara,
que conquistaram a medalha de ouro na
classe Tornado nas Olimpíadas de 2000
e 2004. Por muitos anos, a barreira para
ingressar na America’s Cup era quase in-
transponível: requeria uma rede de altos
contatos nos clubes de iatismo – mundo
praticamente fechado a pessoas sem um
nobre sobrenome – ou uma medalha
olímpica para chegar até a competição.
Com o início da edição jovem do
evento, o processo de seleção passou a ser
mais igualitário para as grandes ligas,
provendo acesso às mais avançadas
embarcações e treinamento profissional.
Em fevereiro, jovens velejadores de
12 países competiram nas Selection
Series, que determinaram quais cinco
equipes avançarão à final em setembro,
em San Francisco.
A Selection Series é organizada
para imitar a dificuldade de participar
‘pra valer’ da America’s Cup, incluindo
árduas sessões de ginástica e a realização
de sessões de navegação no AC45,
o catamarã de melhor classe em uso.
Nas primeiras
horas do dia,
o Pier 80, em
San Francisco,
é um lugar calmo
RED BULL YOUTH AMERICA'S CUP
42  THE RED BULLETIN
As equipes são julgadas por sua habili-
dade na navegação, preparo físico e pro-
fissionalismo. “Em uma semana que dura
a Selection Series, eles vão aprender mais
do que aprenderiam em três ou quatro
anos de treinamento”, diz Steinacher.
Na Red Bull Youth America’s Cup,
os catamarãs são doados por equipes
veteranas da America’s Cup, mas a deter-
minação e o espírito de equipe é todo dos
jovens velejadores. “É uma oportunidade
única”, diz Matt Whitehead, 19 anos,
capitão do time sul-africano i’KaziKati.
“Vir aqui e aprender o que é necessário
As equipes se reúnem
para um briefing toda
manhã no Pier 80
(esquerda). Depois
vão velejar na baía
de San Francisco ou
vão para academia
(acima). É muita
energia: uma semana
aqui é melhor que
três anos de treino
sem supervisão,
dizem os treinadores
43
Velejando
à sombra
da Golden
Gate
44  THE RED BULLETIN
RED BULL YOUTH AMERICA'S CUP
para ser um profissional de sucesso é
simplesmente uma experiência incrível.
Nenhuma palavra pode descrever quanto
isso tudo significa para nós.”
aniel Bjørnholt Christensen,
18 anos, é o capitão da jo-
vem equipe dinamarquesa
Vikings. A semana cobrou
seu preço sobre os garotos.
Eles imprudentemente decidiram comer
burritos enormes pouco antes de uma
sessão de treinamento em uma academia
nos arredores do hangar Oracle Team USA.
E não foi qualquer burrito, mas um
“enorme, taludo burrito americano”,
explica Christensen, mostrando com as
mãos o tamanho do lanche. Após levantar
45 kg de peso em um aparelho, o burrito
não caiu bem em um dos companheiros.
“Tivemos um pequeno acidente”, explica.
“Fizemos o teste e estávamos cansados,
mas OK. Um dos garotos, porém, começou
a vomitar e alguns outros também.”
Os velejadores levam sua participação
nesse evento a sério, mas é claramente um
esporte diferente da liga dos veteranos
da America’s Cup, com seus colarinhos
arrebitados em camisas polo de cor pastel
e sotaques híbridos de inglês americano
com britânico. Por 25 anos, a America’s
Cup tem sido conquistada por equipes de
um desses três países: EUA, Suíça ou
É A REALIZAÇÃO
DE TODOS OS
NOSSOS SONHOS
	 Will Tiller, capitão da equipe
	 Full Metal Jacket Racing
THE RED BULLETIN 45
RED BULL YOUTH AMERICA'S CUP
Nova Zelândia. A diversidade que a
edição júnior traz ao esporte torna-se
evidente. Exceto África do Sul e
Dina­marca, as nações participantes
incluem alguns países relativamente
novatos como Argentina e Portugal.
“Isso mostra como havia uma carência
nessa área”, diz Russell Coutts, CEO da
Oracle Team USA e quatro vezes campeão
da America’s Cup. “A America’s Cup de
antes era um pináculo dos astros da vela.
Mas não havia uma forma de alimentar
aquela constelação de estrelas.”
A Red Bull Youth America’s Cup divide
um píer com o hangar onde a Oracle
Team USA está construindo seu barco
para a America’s Cup 2013. É a primeira
vez que uma classe profissional correu
com o catamarã AC72, um gigante de
24 metros com dez andares e um casco
que se parece com uma ameaça­dora
garra extraterrestre. Enquanto os jovens
assistem as palestras da manhã, os
velejadores observam na baía como
o imenso barco é cautelosamente
baixado por um enorme guindaste.
“É UMA EXPERIÊNCIA INCRÍVEL”
Matt Whitehead, capitão da equipe i'KaziKati
46  THE RED BULLETIN
A Red Bull Youth
America’s Cup Selection
Series começa com
12 times. As tripulações
correm umas contra
as outras na primeira
semana de competição
e as seis finalistas
competem na semana
seguinte. Os cinco
vencedores de fevereiro
se classificam para
enfrentar outras sete
nas finais em setembro
“Quando eu era jovem e assistia a
Ame­rica’s Cup, eu sempre sonhava em
ser como esses caras”, diz Jonas Schagen,
23 anos, da equipe suíça Tilt.
“Hoje eu sou um deles. Mas ainda falta
muito até o próximo passo. Nossos barcos
são como brinquedos comparados a isso.”
A America’s Cup dos adultos começa
em 7 de setembro, em San Francisco, mas
na edição de 2016 alguns dos jovens que
competem nas Selection Series poderão
estar nos barcos. A Red Bull Youth
America’s Cup ajuda os velejadores a trei-
nar com foco no grande prêmio. “Quando
vi pela primeira vez as fotos do catamarã
Oracle 72, pensei: ‘Meu Deus, o que está
acontecendo?’”, disse Philipp Buhl, 23,
capitão da equipe jovem alemã STG/NRV.
“Há dois dias visitamos a base. Eles estão
trabalhando 12 horas por dia, seis dias
por semana. É muito profissionalismo.”
Sete equipes se classificaram para a
Red Bull Youth America’s Cup em virtude
de uma afiliação com equipes correndo
THE RED BULLETIN 47
na classe AC72; as Selection Series deci-
dem as outras cinco. Charlie Buckingham
é capitão da equipe USA45 Racing,
vinculada à Oracle Team USA. Nos seus
primeiros dois dias aqui, Buckingham
foi submetido a testes físicos e foi intro-
duzido ao barco. “Eles basicamente nos
entregaram as chaves e nos deram dicas
aqui e ali, mas acho que o que realmente
queriam era ver quem era capaz de se
virar com tudo sozinho”, ele diz.
O resultado? “Parece estar tudo
sob controle se você e a tripulação
estiverem fazendo as coisas certas”,
diz. “Mantivemos o barco aprumado,
sem forçar demais para não estragar.”
o primeiro dia de competição
nas Selection Series. Os vele-
jadores estão trabalhando
seus nervos antes da corrida
com joguinhos de videogame
de Fórmula 1 montados do lado de fora
dos contêineres onde as equipes
armazenam seus equipamentos.
Ter um pouco de tensão é compreensível,
já que não é apenas a ambição pessoal
que está em jogo, mas também em
grande medida o orgulho nacional.
“A Austrália não é uma presença
constante na America’s Cup há anos”, diz
o capitão da Objective Australia, Jason
Waterhouse, 21 anos. “Isso só mostra que
A Selection Series
aconteceu em dois
lugares: a leste da ilha
de Alcatraz (direita)
e ao sul da Bay Bridge,
que liga San Francisco
a Oakland (acima)
RED BULL YOUTH AMERICA'S CUP
48  THE RED BULLETIN
nós não estamos para brincadeira. O AC45
é o melhor barco com a melhor tecnologia,
e estas são as melhores equipes jovens do
mundo. Vamos fazer o possível para dar
o melhor show que a gente sabe fazer.”
Os catamarãs chegam ao mar pouco
antes do meio-dia. Um barco com motor
a diesel dual que pode rasgar a água a
50 nós salta da doca. Ele serve como uma
lancha de perseguição, alcançando boias
e suprimentos para as equipes, bem como
levando alguns membros da mídia para
um passeio “com emoção”. É um navio
animalesco, e um fotógrafo veterano
acena positivamente assim que vai
a bordo. “Quero um bom barco me
separando desses caras”, ele diz.
Os jovens velejadores podem ter anos
de experiência competindo em equipes de
faculdade e seleções nacionais, mas com
o AC45 o buraco é mais embaixo. A força
e agilidade requeridas para manejá-lo são
enormes, mesmo para os profissionais
que estão habituados a ela. A experiência
das equipes jovens nesse barco é limitada
a estes poucos dias da Selection Series.
“Trabalhamos desde muito antes”, diz
Hanno Sohm, 23 anos, timoneiro do time
austríaco. “Estudamos vídeos e conver­
samos com pessoas que velejaram este
barco. Mas há uma diferença entre saber
o que precisa ser feito e fazer de fato.”
O vento começa a ficar mais forte na
baía. Se você não vira o rosto na direção
do vendaval, seus óculos de sol saem vo-
ando. Os barcos flutuam quando velejam
em frente, depois seguem desordenados
enquanto as equipes tentam navegar em
volta das boias de marcação. “O grande
lance é que tudo acontece tão rápido”,
diz o capitão da equipe GBR Youth
Challenge, James French, 20 anos. “Se
você parar pra pensar, já é tarde demais.”
No final das Selection Series, os direto-
res Peter Steinacher e Roman Hagara
pegam os cinco times para se juntar aos
outros sete nas finais de setembro. Eles
são a Full Metal Jacket Racing, da Nova
Zelândia; a Objective Australia; a alemã
STG/NRV Youth Team; a suíça Tilt; e a
portuguesa ROFF/Cascais Sailing Team,
que se recuperou após quase emborcar
em seu primeiro dia. Tomar a decisão
final foi difícil, diz Hagara, e foi limitada
pelo número de embarcações disponíveis,
não apenas pela qualidade das equipes.
“Poderíamos ter tido 20 times facilmente.
É um objetivo para a próxima.”
Para as equipes que se classificaram,
é uma realização das ambições que não
eram nem imagináveis um ano atrás.
“A Nova Zelândia está envolvida na
America’s Cup desde que nascemos”, diz
Will Tiller, 23 anos, capitão da Full Metal
Jacket Racing team. “Estar aqui e poder
fazer isso tudo significa a realização de
todos os nossos sonhos.”
www.americascup.com
“PODERÍAMOS TER TIDO 20 EQUIPES
FACILMENTE. É A META PARA A PRÓXIMA”
Roman Hagara, diretor da Red Bull Youth America’s Cup
THE RED BULLETIN 49
O salto entre os bastidores dos palcos e o comando
da banda do programa de Jimmy Fallon, ao vivo toda
noite na TV, é uma trajetória sem igual na história
musical de Ahmir Thompson. Fundador do The Roots,
ele fala sobre a discussão do underground
com Jay-Z e as ciladas da “geração YouTube”.
Texto: Jonathan Cohen  Fotos: Jason Nocito
INCANSÁVEL
São 11h no estúdio 6B da NBC no
Rockefeller Center, em Nova York.
Em um primeiro momento, o único
barulho que se escuta é o do aspirador
de pó indo e vindo nos corredores,
entre bancos ainda vazios. É o começo
dos preparativos para a gravação do
Late Night with Jimmy Fallon.
Uma pequena pausa na faxina nos
permite escutar uma série de batidas
de bateria vinda dos estúdios.
Seguindo o som pelos cor­­redores
e virando à esquerda, chega-se a uma
porta azul, a plaquinha com o nome
The Roots estampado convida a
entrar; na parede ao lado da porta,
chama a atenção um prêmio Grammy
emoldurado em vidro. E, do outro lado
da porta, está Ahmir Thompson,
BUSCA
50
“SOU UMA PESSOA QUE
ESCUTA MÚSICA CINCO
HORAS POR DIA”
ou “Questlove”, ensaiando uma das
inúmeras músicas que ele e seus com-
panheiros de banda irão tocar dentro
em pouco, quando o Late Night enfim
tiver entrado no ar.
Sou um privilegiado em poder ver
Thompson tocar de tão perto, em carne
e osso, no 6º andar do Rockefeller
Center, onde agendo os músicos
convidados para o Late Night. E poder
tratar Questlove e o The Roots como
meus colegas durante as quatro horas
do nosso programa me deixa muito
feliz. Mas o ritmo do nosso Late Night
é tão alucinante que demorou quase
tudo isso para eu finalmente conseguir
me sentar com Ahmir e conversar com
ele sobre a sua história com a música.
Ahmir nasceu em 20 de janeiro de
1971 na Filadélfia, filho do gigante do
doo-wop Lee Andrews, da Lee Andrews
and the Hearts. Suas memórias mais
antigas estão relacionadas a turnês
acompanhando o pai e, na época de
adolescente, à sua função de baterista
oficial da banda. Durante seus estudos
na famosa Philadelphia High School
for the Creative and Performing Arts,
conheceu o futuro membro do Roots,
MC Tariq Trotter, com quem promoveu
suas ambições ao lado de um corpo
­discente que incluiu uma série de
futuras estrelas da música.
the red bulletin: Você foi abençoado
por crescer em uma família de músicos
profissionais. Para pessoas que não
tiveram essa oportunidade, existe
alguma forma de ter algo próximo
a essa experiência extraordinária?
questlove: Entre os 2 e os 13 anos,
aprendi todos os aspectos que o show
business oferece. Comecei como navega-
dor, descobrindo como sair da minha casa
para uma boate ou até para um outro
estado. Tive que aprender a usar mapas
aos 7 anos. Eu me formei primeiro como
figurinista.Lavei roupa a mão e a vapor e
engomei roupas brancas. Aos 10 anos, eu
cuidava da iluminação de palco. Aprendi
também a operar diferentes sistemas de
som. Eu chegava antes da passagem de
som, marcava os holofotes e conseguia
uma escada. Quando tinha 10 ou 11 anos,
comecei a aprender os acordes básicos.
Conhecia repertório do meu pai de cor e
salteado, portanto já identificava muito
cedo as primeiras notas musicais.
Aos 12 ou 13 anos, eu já era baterista e,
em seguida, líder da banda. Todo aquele
tempo eu estava só observando minha
mãe e meu pai em suas apresentações.
Mais tarde eu não tinha nem me dado
conta de que os Roots incorporaram
que transcendia o circuito da velharada.
Ele tinha uma esposa modelo e dois filhos
que desacatavam as idades dos outros no
palco, coisas que usava a seu favor. Ao
entrei no segundo grau, deixei de repente
de ser o tubarãozinho no mini-aquário
para me tornar uma sardinha no Oceano
Pacífico! Logo no segundo dia de escola,
Christian McBride e Joey DeFrancesco
foram arrancados da aula para tocar na TV
da Filadélfia com Miles Davis. Nessas eu
não passava do quinto baterista, tocando
triângulo e às vezes um tamborim. Eu não
era de nenhuma forma a estrela de antes.
Era frustrante, mas hoje sou feliz que tenha
sido assim. O Boyz II Men era a estrela de
nossa escola, tinham todas as tietes. Tariq
e eu tivemos aquele momento somente
depois de nos formarmos. Mas do jeito que
desenvolvemos nossa carreira, como a tar-
taruga e a lebre, mantemos hoje um
exatamente estas lições. Na realidade
ficamos famosos nos karaokês de hip hop.
Meu pai não só compôs “músicas”, mas
sim aquilo que seria mais tocado, músicas
que se tornavam familiares facilmente.
Meus pais sabiam perfeitamente conduzir
um show: nos primeiros cinco minutos,
você cativava a plateia com algo que ela já
conhecia. Nas duas músicas seguintes, era
minha mãe que tornava-se o centro das
atenções, como comediante. Para mim
era natural achar que aquela era uma
educação básica, comum; assim como era
óbvio que qualquer criança sabia chegar
sozinha a Muncie, Indiana. E depois
a minha reação vinha a ser de espanto:
“o quê? você nunca foi a um clube
noturno antes?!” Eu só fui me dar conta
do meu privilégio muitos anos mais tarde.
Como foi para você o segundo grau,
com o ambiente escolar mais certinho?
Foi uma espécie de choque?
Bom, eu tive que começar tudo de novo.
Aos 8 anos eu tocava bateria como um
adulto – aquela coisa de ter um garotinho
no show. O show do meu pai era tão bom
RED BULL MUSIC ACADEMY: NY
“A CHAVE DO SUCESSO
DO ‘THE ROOTS’ É
TER COLOCADO SÓ OS
MAIS FERAS EM NOSSO
CÍRCULO ÍNTIMO”
FOTOADICIONAL:ROBINLANAANEN
Desde 1998 que a Red Bull
Music Academy tem rodado
o globo, fazendo estações
todos os anos em cidades
como Londres, Cidade do
Cabo, São Paulo, Melbourne
e Madrid. Dois grupos de
30 participantes seleciona­
dos – produtores, instru­
mentistas, vocalistas e DJs
de todas as partes do mun­
do e de vários estilos – se
reúnem por um mês (duas
semanas para cada grupo
de 30) para trabalhar nos
estúdios, tocar nos melho­
res clubes da cidade e
aprender os segredos dos
músicos profissionais.
Mentores como Quest­
love (que vem trabalhando
com a Red Bull Music Aca­
demy desde 2006), a lenda
tecno Carl Craig, o compo­
sitor Steve Reich e o pro­
dutor star Mark Ronson
não só chegam para dar
uma aula, como também fi­
cam por mais tempo, às ve­
zes até dias fazendo jams
com os participantes nos
estúdios e compartilhando
sua sabedoria.
No seu 15º ano, a Red
Bull Music Academy segue
curso para Nova York, o lu­
gar onde nasceu o hip hop
e uma das capitais do punk.
Como homenagem à criati­
vidade da cidade, a Acade-
mia organizará um festival
de cinco semanas com
35 shows e 150 artistas.
Entre os highlights estão
cogitando Nile Rodgers
do Chic e James Murphy
do LCD Soundsystem;
uma instalação audiovisual
de Brian Eno; e gigs com
músicos como Kim Gordon
(Sonic Youth), Four Tet e,
claro, os 60 participantes
de 35 países.
Red Bull Music Academy, 
Nova York, de 28 de abril
a 31 de maio.
redbullmusicacademy.com
THE RED BULLETIN 53
excelente padrão de vida e muitos dos nos-
sos contemporâneos já estão em declínio.
Onde estão, segundo o que você hoje
pode observar, se aprimorando os
novos e emergentes talentos?
Um dos maiores desgostos que eu tenho
com o momento atual da música é a ideia
de que a cultura do underground não
interessa mais a ninguém. O hip hop se
apunhalou com sua própria faca mais ou
menos em 1997, quando subitamente só
vencedores importavam e perdedores ou
guerreiros não valiam nada, com o resul-
tado de que ninguém mais quis acolher o
underground. Vivemos uma era de suces-
sos. Puffy inaugurou esta era, na minha
opinião. A narrativa ficou muito motiva-
cional e só se fala em vencer. Não se cele-
bra mais o cara que leva a água, o estatís-
tico ou o treinador-assistente – pessoas
que também ajudam a equipe. Passou-se
a falar de destaque, destaque e destaque.
Provavelmente a maior discussão que
eu tenho com Jay-Z é sobre a necessidade
de se pagar adiantado pelo
estabelecimento de uma cultura. Hoje,
não existe mais um contexto subcultural
na black music. O motivo pelo qual os
Roots se tornaram um sucesso é porque
decidimos pegar só os mais feras para se
juntar ao nosso círculo íntimo. Não foi
uma coincidência os Roots terem saído
de uma venda de 200 mil para o disco de
platina. Com o Mos Def foi a mesma
coisa. Com o Gang Starr, D’Angelo, Talib
Kweli e Erykah Badu idem.
Esse movimento está crescendo e isso
é o resultado: o fato de que ele pode ser
contextualizado. Como acontece com a
maioria dos guerreiros do underground,
assim que você consegue esse sucesso,
é como Ló. Você não quer olhar para
Sodoma e Gomorra. É um sacrilégio
olhar para o passado. Assim, você acaba
se isolando. Na era do YouTube, sim, você
pode sentar no seu quarto, fazer um
cover da música do Little Dragon e se
transformar numa celebridade da
internet da hora. É bom, mas temporário.
Não faz uma carreira de 20 anos.
Então quais habilidades seriam neces-
sárias para ser um verdadeiro talento?
Eu não sei se é uma questão de habilidade
ou apenas a vontade de fracassar em
público. Um grande exemplo disso é Jill
Scott e Jaguar Wright. Elas eram duas
amigas dos Roots. Nós as conhecemos em
1994 ou 1995. Quando começamos a
fazer jam sessions em nossas casas, Jill
ainda estudava e trabalhava, e Jaguar
trabalhava na WaWa – uma lojinha de
conveniência do tipo posto de gasolina.
Toda semana elas vinham em casa para as
sessions. Mesmo sendo amigas, rolava um
pouco uma competição. Jaguar tinha uma
habilidade maluca para o freestyle como
cantora. Ela fazia o público delirar com
qualquer letra que cantasse. Isso fez com
que Jill quisesse ser melhor e praticasse
em casa. Então, quando ela voltava na
semana seguinte, era ela que conquistava
a galera e não Jaguar. Isso aconteceu toda
a sexta-feira dos anos 1997, 1998 e 1999,
incluindo alguns domingos. Por muitos
anos você dedica três horas diárias o ano
todo e de repente você é um dos melhores
performers que se pode imaginar. É essa a
ideia do workshop: o princípio da paciên-
cia e da espera. É um valor que parece
perdido nestes tempos. Eu queria que esse
método fosse mais praticado. Trabalhando
aqui testemunhei situações onde artistas
com apenas um ano ou dois de experiên-
cia pipocam e correm para o banheiro.
FOTOADICIONAL:GETTYIMAGES
“OS ARTISTAS MAIS
IMPORTANTES PARA MIM
SÃO STEVIE WONDER,
MICHAEL JACKSON
E PRINCE”
54  THE RED BULLETIN
Os Roots estavam muito nervosos nos nos-
sos primeiros dois shows no Late Night.
Hoje eu dou risada pensando no passado,
porque fizemos tantas vezes. Acho que
é menos uma questão de talento e mais
de força de vontade e paciência.
Nas aulas sobre álbuns clássicos que
você vai começar a ministrar na NYU,
que tipo de ideias pretende transmitir
aos estudantes?
Decidi começar pelo mais simples.
Eu tinha a opção de fazer uma aula para
100 estudantes, mas eu disse a eles que
queria o mínimo. Então tenho 24 alunos.
Eu só quero ensinar a eles a arte da paci-
ência necessária para se ouvir uma músi-
ca. Da mesma forma que tenho que fun-
cionar como uma enciclopédia da música
e como produtor de hip hop, me ensina-
ram a destrinchar discos. Você coloca um
e escuta, escuta, escuta, procurando por
um sample ou um break. Estou tentando
inverter isso e explicar para as pessoas por
que alguns discos são mais importantes
que outros e deixar isso tudo depois nas
mãos delas. Para alguém da minha idade,
que nasceu há 40 anos, em 1971, eles
agora têm muito mais informação à dis-
posição do que antes. Mas o que eu acho
é que estamos com falta de professores
o espaço necessário na minha cabeça para
guardar o que for. E eu sou uma pessoa
que ouve música praticamente cinco horas
por dia. Quando você pensa, é um bom
tempo. Entre a academia, o carro e quando
volto para casa, eu provavelmente dedico
cinco horas. Eu apenas quero fazer o pro-
cesso de se produzir música ser mais diver-
tido. Algumas pessoas vão até seus limites.
Alguns DJs com os quais cresci deixaram
de fazer música há muito tempo. Eu prova-
velmente faria o mesmo se não tivesse des-
coberto stems (componentes de uma músi-
ca separados digitalmente). Eles me deram
um novo impulso na vida, porque me dão a
oportunidade de aprender como discos são
gravados – tudo de novo e mais uma vez...
Parece que você não é o tipo de pessoa
que gosta de colaborar com uma só
música. Quando alguém te contrata
para trabalhar, você prefere uma
colaboração mais abrangente?
Bem, eu não tenho o know-how ou o
conhecimento para fazer um manifesto
grandioso em três minutos e 30 segundos.
Gostaria de ter esse talento. Mas eu consi-
go fazer esse manifesto em 70 minutos.
Fale sobre os problemas em ser um
especialista de música quando hoje
se tem acesso a aparentemente toda
a música do mundo.
Não há realmente tempo para conhecer
tudo. E eu não me desgasto para consu-
mir música. Mas eu tenho que pensar o
que vai acontecer com minha coleção de
discos quando morrer.
Um álbum ainda é uma forma viável de
lançar música? Desde a época em que
o Late Night discutia se ainda fazia
sentido lançar discos completos, os
Roots fizeram álbuns conceituais.
Você sabe: nos filmes, quando os vilões
percebem que acabou e que não tem
saída, ou eles chutam o balde como em
Thelma e Louise ou eles se rendem.
Não há precedente para uma banda de
rap a esta altura da carreira seguir no
mesmo selo, lançando seu 16º disco.
Eu sempre penso, “OK, este vai ser nosso
último grande manifesto, e você sempre
precisa de um grande ponto de exclama-
ção no final”. Se você não compete com o
que está no topo, como Rihanna ou o que
for, então talvez devessemos apenas fazer
o que melhor sabemos e... esperar que a
guilhotina te corte a cabeça. Daí você
lança o álbum, a guilhotina não cai e
você se acalma e começa tudo de novo!
www.theroots.com
que os coloquem no caminho certo. Esta
manhã mesmo eu tive que repreender
alguém que censurou outra pessoa por
não saber que “It’s a Shame” não era um
rap de Monie Love, mas uma música dos
Spinners dos anos 1960. Um dia entrei no
Twitter e me dei conta de que essas coisas
básicas que eu levava como garantidas,
tinham que ser passadas adiante, sabe o
que eu quero dizer? Há muita informação
de fácil acesso por aí, tem que se ter paci-
ência para filtrar isso assim como tem
que se ter paciência para ajudar alguém
a administrar toda essa informação.
Eu tenho a sensação de que, quando eu
era jovem, parecia haver uma quanti-
dade finita de músicas. Hoje há muito
mais lançamentos. Você pode falar
sobre como absorver tudo isso?
Para mim não é enlouquecedor. Dos três
artistas que são mais importantes para
mim nesse sentido – Stevie Wonder,
Michael Jackson e Prince – eu tenho todo
“NA ERA DO YOUTUBE
VOCÊ PODE SENTAR NO
SEU QUARTO E FAZER
UM COVER DA MÚSICA
DE LITTLE DRAGON E
TER SUCESSO. MAS ISSO
NÃO FAZ UMA CARREIRA
DE 20 ANOS.”
Questlove e The Roots
na cerimônia introdutória do
27º Rock  Roll Hall of Fame
Mais perguntas e um vídeo exclusivo
com Questlove dando show na bateria
você confere no app gratuito da The
Red Bulletin para tablets.
THE RED BULLETIN 55
SKATE
Ser jovem na reserva indígena
de Pine Ridge, nos EUA, não é fácil.
Em um lugar onde a pobreza, o suicídio
e o alcoolismo são companheiros
constantes, o skate tem sido a salvação –
uma boa pista é suficiente para
transformar a vida e a cultura locais
56
Jake Roubideaux, de 14 anos,
flui sobre seu skate na pista
de Wounded Knee
EorDIE
Texto: Andreas Tzortzis
Fotos: Jay Hanna
A pista de skate criou espaço para uma nova cultura e dá suporte a crianças e jovens
(como Joe Mesteth, acima) que enfrentam as dificuldades da reserva indígena
lijah Battese observa Bobby acertar um
ollie numa bicicleta do outro lado da
rampa, ficando 3 ou 4 metros acima
do chão e aterrissando sem problemas.
Boquiabertos, os outros garotos
simplesmente exclamam: “oooh”.
“Acho que posso acertar um desses”,
diz Elijah num resmungo pré-adolescente,
com seus olhos azuis acinzentados
fixados na bicicleta. Diante dele está
um drop de 10 metros.
A descida é suave e o concreto está
liso. As descidas emendam em um trecho
plano, onde ficava uma antiga quadra
de tênis. É lá que os skatistas costumavam
ficar, no tempo em que não passavam de
um grupo de desajustados que não
praticava nem atletismo nem futebol.
Entre duas quadras de basquete, um
gramado descuidado, terrenos baldios e
as áreas de reunião dos Sioux encontra-se
hoje este espaço impensável e ainda estra-
nho na reserva indígena de Pine Ridge,
Dakota do Sul – espaços comumente en-
contrados em Venice Beach, Los Angeles,
ou Nova York. Os garotos usam skates
detonados, de segunda mão ou doados,
e voam na pista como se estivessem na
Los Angeles dos anos 1970 e fossem
Tony Alva, porém caem com facilidade.
Mas eles chegam lá. E quando estão
andando de skate, ficam longe de seus
lares desestruturados e dos rolês em car-
ros caindo aos pedaços com garrafas de
bebida roubadas nas mãos. Enfim, não
estão na marginalidade, pensando se
alguém sentiria sua falta se sumissem.
Nada é simples no lugar onde Eli
e seus amigos estão crescendo. A moda
radical de um esporte mainstream como
o skate quase não foi adaptada – não
há nada além da obsessão única de uma
manobra bem realizada, o estalo dos
shapes e a batida das rodinhas de
poliuretano no concreto.
E, assim, com todo esse barulho ao
redor, Eli se concentra na extremidade
do bowl, coloca seu calcanhar no shape
e dropa, com sua trança até a cintura
sacudindo ao vento.
A
história de como o Wounded Knee
4-Directions Skate Park chegou
em Pine Ridge começou pouco
antes de Eli e seus amigos nascerem,
há 12 anos. Mas a história do porquê
é muito mais antiga e tem suas raízes
ligadas a fantasmas do passado, como
tratados nunca cumpridos, maus-tratos
e uma espiral de tristeza e autoaversão
que assombram a reserva.
Há estatísticas depressivas que contam
a história dos antigos americanos nativos
nos EUA. A reserva de Pine Ridge, lar dos
Oglala Lakota Sioux, tem sido um barril
de pólvora por mais de um século: desde
a quebra do tratado do Forte Laramie em
1868, passando pelo movimento de mili-
tância em favor dos direitos do índio nos
anos 1970 e chegando ao massacre de
Wounded Knee, Pine Ridge é com certeza
o ponto mais crítico das políticas fracas-
sas do governo americano relativas às po-
pulações indígenas. A expectativa de vida
E
 59
coleção de adesivos de marcas de skate,
incluindo uma dos Wounded Knee.
Walt Pourier e Jim Murphy desembar­
cam; sua chegada causa um pequeno
alvo­roço, com muitos cumprimentos e
alguns abraços entre uma dúzia de jovens
presentes na pista. Eles estão bem
familiarizados com seus benfeitores.
A dupla chega diante de um cenário
inimaginável um ano antes. “Quando
Murf e eu entramos no carro de volta,
a gente pensou, ‘cara, conseguimos!’”,
diz Pourier com a voz trêmula.
“É emocionante, e uma felicidade
muito grande também.”
Nascido e criado lá, Pourier sabe
muito bem das dificuldades encaradas
pelos skatistas. Hoje, morando em
Denver, onde trabalha com design
gráfico, ele retorna frequentemente
para marcar presença em sua terra.
“Uma boa parte da minha família ainda
está aqui, muitos amigos, então voltamos
frequentemente para cerimônias e
reuniões familiares. Infelizmente, muitas
vezes para funerais”, ele diz.
O
skate não existia em Pine Ridge
no tempo de Pourier. Basquete,
futebol e corridas indicavam
status – e ainda indicam. Mas Pourier, um
cara de cabelo enfeitado com penachos e
cheio de energia, parecido com persona­
gens dos filmes de John Hughes, mostra­
va já naquela época um lado diferente.
Quando Pourier chegou na California,
conheceu e apaixonou-se pelo skate. Ten­
tou andar algumas vezes, mas nem sem­
pre teve muito sucesso. Mas diz que já
chegou a 90 km/h em uma estrada.
Hoje, aos 47 anos, já não se arrisca mais.
“Eu geralmente caio. E faço uns barulhos
estranhos quando vou ao chão”, diz.
Metade palhaço e metade um eloquen­
te representante da juventude, Pourier
viu no skate uma forma de conectar os
jovens a tradições e cultura dos Oglala
Lakota Sioux, costumes que os ajudam
a crer em ser parte de algo maior.
“Os jovens de hoje podem não dar bola
à história como a do búfalo branco”, ele
diz. “Então nós a desenhamos no shape.”
Os shapes são um presente de Murphy,
ou Murf, como ele é conhecido por todos.
Skatista da lendária turma de Tony Alva,
seu estilo vertical desapareceu quando
o streetstyle entrou em voga em meados
dos anos 1990. Mas seu amor pelo
esporte, que se tornou um objetivo
pessoal desde a morte do seu pai há
13 anos, nunca se esvaiu.
Trabalhando em tempo integral como
restaurador de vitrais, Murf e seu bom
amigo, o falecido defensor do skate
desta reserva, que tem aproximadamente
o tamanho equivalente ao estado de
Connecticut, é de 47 anos. O desemprego
atinge mais de 90% da população, a
maioria tem uma renda anual de cerca
de US$ 3 mil. O alcoolismo persiste
apesar da proibição, desestrutua as
famílias e aniquila o espírito tribal.
A dieta mal balanceada faz quase metade
da população sofrer de diabetes.
Carros velhos enferrujam em frente
aos gramados mal cuidados de casas
que muitas vezes abrigam numerosas
famílias. Prédios mais recentes, com
exceção de um hospital novo, são escas­
sos. Entre os nove distritos, Pine Ridge
é o centro do conselho tribal, com sua
rua principal que ostenta dois semáforos.
Há uma lanchonete Subway, uma Pizza
Hut e um posto Shell.
Depois vem uma estatística que real­
mente choca – uma taxa de suicídio entre
jovens que é 150% maior que a média
nacional. Em um período de 45 dias em
2009, o Departamento de Segurança
Pública de Oglala Lakota Sioux registrou
90 suicídios ou tentativas de suicídio.
O celular que Tiny DeCory guarda
no bolso como uma espécie de linha do
suicídio, tocava sem parar naquela época.
Na realidade ainda toca: jovens tomando
overdose de comprimidos, outros que
ligam para simplesmente dizer “eu quero
me matar”, fazem com que ela pule no
carro e acelere para onde estejam.
“Há muitos fatores que contribuem
para tal atitude”, diz DeCory, advogada
da juventude e tia por adoção de
“Tenho alguns
problemas rolando
na minha vida,
mas na pista eu
me sinto livre”
­incontáveis meninos na reserva. “Aqui
existem mães solteiras sem nenhuma
renda. A economia vai de mal a pior e
segue cobrando seu preço. Alguns
garotos entram no Facebook e escrevem
‘f*-se minha vida’, e eu sei quais são,
porque é constante.”
Há neste lugar coisas ruins o suficiente
para fazer de alguém um desesperado,
e DeCory, cuja reputação por falar e agir
de forma direta é muito conhecida na
reserva, tem uma visão nebulosa do
futuro. Mas entre as ligações telefônicas
de pânico e mensagens tristes, ela vem
notando uma mudança: postagens no
Facebook de crianças sorridentes e de
skates; vídeos de celular com manobras
realizadas com destreza; fotos dos suaves
contornos da pista – seria o surgimento
de uma real alternativa?
“Temos nossos rodeios e encontros
indígenas e nossos jogadores de basquete.
Mas finalmente temos uma nova cultura”,
ela diz. “E é a cultura do skate.”
Uma SUV branca entra no estaciona­
mento de chão batido ao lado da pista de
skate numa manhã ensolarada de um
sábado de primavera. A parte traseira do
carro está coberta com uma crescente
À esquerda: Leroy Janis, o cara que andava de skate na reserva quando ninguém sabia o que era. Hoje ele é
considerado um dos mentores do movimento. À direita: Jaydin Thomas Peters
60  THE RED BULLETIN
A partir da foto superior esquerda, em sentido horário: Elijha Battese (centro) e Jaydin Peters
(direita); Will Peters; Elijah, Taylor e Leroy descem a colina; as meninas que andam pelo parque
novaiorquino Andy Kessler, criaram uma
empresa. Como uma brincadeira, decidi-
ram fazer uma homenagem a seus corpos
decadentes e chamá-los de Wounded
Knee (que sigifica joelho machucado).
Os livros escolares se referem a esse
episódio de sua história somente como a
uma batalha entre os Sioux e os remanes-
centes da 7ª Cavalaria que montavam
guarda na reserva no inverno de 1890,
omitindo que Wounded Knee foi um mas-
sacre profetizado pelo chefe Sioux Touro
Sentado. Trezentos Sioux, incluindo
mulheres e crianças, foram executados,
seus corpos deixados para congelar para
depois serem jogados numa vala comum.
A maior característica do design de
shapes de skate Wounded Knee é a inspi-
ração na cultura nativa norte-americana;
os shapes vêm com uma folha contendo
informações detalhadas sobre o massacre
e suas consequências (como é possível ver
no pé desta página). “Sempre sonhávamos
ver uma pista de skate em Pine Ridge
como homenagem àqueles que morreram
em Wounded Knee”, disse ele. “Mas ainda
parecia algo inimaginável.”
“Não é apenas
construir rampas
de skate, é mudar
mentalidades”
Walt Pourier
História
Desde o começo do século XIX,
as tribos da grande nação Sioux
dominaram as planícies do Norte
dos EUA. O tratado do Forte Lara-
mie de 1868 confinou os Lakota
Sioux a uma região do que é hoje
o sudoeste de Dakota do Sul, trans-
formando pela força uma cultura
guerreira em uma sociedade agrí-
cola.A reserva de Pine Ridge foi es-
tabelecida formalmente em 1889.
Um ano depois, 300 Sioux foram
massacrados pela 7ª Cavalaria em
Wounded Knee Creek. Em 1973,
Wounded Knee teve mais uma vez
um impasse com o governo ameri-
cano quando membros do movi-
mento de ativistas dos índios locais
tomaram a região, protestando por
melhores condições. O confronto
armado durou 71 dias, despertou a
consciência para a causa dos índios
e conduziu mudanças de vida na
reserva, buscando, inclusive, um
resgate cultural. Enquanto o conse-
lho tribal mantém jurisdição sobre
a reserva, incluindo os departa-
mentos de segurança pública,
os governos estadual e federal
ainda participam. Dos estimados
2,5 milhões de índios americanos,
40 mil vivem hoje em Pine Ridge,
a maioria deles abaixo da
linha de pobreza. Em 1980, a mais
longa batalha judicial da história
dos EUA terminou quando a
Suprema Corte estabeleceu uma
multa de US$ 106 milhões em favor
dos Sioux, determinando que os
Black Hills e 7 milhões de acres
de terra foram injustamente toma-
dos pelo governo. Mas as tribos
recusaram o dinheiro, seguindo na
luta pela devolução das terras.
Em 2007, Murf participou de uma
exibição que a Smithsonian organizou
sobre skatistas índios. Lá ele conheceu
Pourier. Os conhecidos de Pourier conse-
guiram arranjar as coisas, e a Grindline,
uma fabricante de pistas de skate, se
ofereceu para construir uma por um
preço reduzido. Pourier e Murf conse­
guiram uma doação de US$ 10 mil da
Tony Hawk Foundation, que foi acrescida
com aportes do mesmo valor por dois
outros membros da fundação. O baixista
do Pearl Jam, Jeff Ament – que foi
skatista e cresceu próximo a uma reserva
em Montana – também abraçou a causa.
A construção teve início em setembro
de 2011. A rampa foi aberta algumas
semanas depois, no dia 16 de outubro,
em uma grande cerimônia, durante a qual
Pourier recebeu uma bandeira tribal, uma
honra normalmente reservada aos idosos.
“Essa rampa de skate traz a eles mais
uma razão de viver. É alguma coisa que
os instiga e mantém as mentes ocupadas”,
diz Murf. “Você pode lidar melhor com os
sentimentos. É possível trabalhar isso na
pista de skate, com uma grande família
de skatistas para te apoiar.”
A maioria dos garotos da pista chega
cedo e vai embora tarde. Com a visita de
sábado da dupla Pourier e Murf não é
diferente. Os cães da reserva andam pelos
arredores, farejando os primeiros sinais
do churrasco. O estacionamento é de
chão batido cheio de barrancos e buracos
esculpidos pelo mau tempo. Alguns car-
ros velhos sem farol e outros com remen-
dos de plástico nas janelas vêm chegando.
Entre os skatistas, um se destaca.
Sob uma juba tingida de laranja e um
rabo de cavalo, o lado direito do rosto de
Joe Mesteth, o “Crazy J” , está coberto por
um desenho de prata e tinta azul.
“Ele é um pouco a exceção da regra
aqui na reserva”, diz Pourier. “Eu acho
que o skate é simplesmente aquilo que
o mantém vivo. Ele está vivendo a ideia
de o skate realmente poder salvar vidas.”
A biografia de Crazy J segue uma
tendência quase generalizada da reserva.
Com pais alcoólatras, ele foi criado por
seus avós. Apesar de já ter trabalhado
para o presidente da tribo, ele acabou
se envolvendo com o tráfico.
“Os problemas daqui não se comparam
aos problemas de fora”, diz Mesteth com
uma voz calma. “Se estivesse vivendo no
mundo dos brancos, eu provavelmente
conseguiria algum dinheiro para pagar
o aluguel. Aqui na reserva ou você tem
um sobrenome ou terá que vender droga
para conseguir dinheiro.”
Mas Crazy J não é um traficante ou um
bandido qualquer. Seu lar no momento
FOTOSADICIONAL:CORBIS,WOUNDEDKNEE
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  • 3. BEM-VINDO!Formalidades em geral costumam passar longe da gente. Então, nos permita escrever algumas linhas sobre este novo produto que você tem em mãos. A The Red Bulletin, de uma maneira bem simplificada, é uma lata de Red Bull no formato de fotografias, textos e ideias. A The Red Bulletin não é uma revista sobre Red Bull, mas a revista da Red Bull. É a oferta de um estilo de vida único, que leva você a um mundo de pessoas que se atrevem a buscar feitos inéditos e a transformar em realidade o que parecia inimaginável, de Hollywood a estrelas do futebol, de campeões mundiais de Fórmula 1 a DJs, de jogadores de vôlei de praia a base jumpers. Bem-vindo ao nosso mundo e dê asas à sua inspiração! Dietrich Mateschitz 40GAROTOS DE OURO A Youth America’s Cup atrai os jovens velejadores que querem formar as melhores equipes do mundo. Junho 26 NEYMAR JR. EXCLUSIVO Conversamos com a maior estrela da seleção sobre a cobrança que é competir diante da torcida brasileira. FOTODACAPA:MARCELOMARAGNI FOTOS:BALAZSGARDI/REDBULLCONTENTPOOL,MARCELOMARAGNI O MUNDO DE RED BULL THE RED BULLETIN 3
  • 4. Junho 50 32 lições de um baterista Ahmir Thompson, o Questlove, é batera do The Roots e toca diariamente no programa de Jimmy Fallon. Tudo marrom A categoria mais inusitada do automo- bilismo nacional rola em Rondônia e mistura Carnaval com barro. 72 FAZENDO HISTÓRIA Hoje em dia, museus não são mais um lugar onde apenas se expõe a arte. Ele são a arte. 56 Tribo do skate O skate recuperou a esperança de uma comunidade indígena que sofreu com o abandono nos EUA. Vulcão adentro Depois de 15 anos tentando, Geoff Mackley conseguiu se embrenhar em um dos ambientes mais adversos do planeta. 64 Bullevard 12 NOTAS Pelo mundo 16 NA CABEÇA DE... Mick Jagger 18 ANTES E DEPOIS Mergulho 20 EU E MEU CORPO Sally Fitzgibbons 22 FÓRMULA PERFEITA Escalada 24 NÚMEROS DA SORTE Star Trek Destaques 26 Neymar Jr. é o cara Ele fala da pressão da torcida, do   futebol brasileiro e de... videogame. 32 Na lama em Rondônia Conheça a corrida de Jericos,   a Fórmula 1 da Amazônia. 40 Velejadores do futuro AYouth America's Cup é o berço   dos melhores atletas da vela. 50 Prazer, Questlove O batera do The Roots entende de música mais do que você imagina. 56 Índio na pista O skate trouxe esperança para uma comunidade indígena decadente. 64 Tá quente! A expedição que desceu de rapel   um vulcão que é pura lava. 72 Mais do que museus Uma seleção para você mergulhar   na arte em todos os sentidos. mais corpo mente 86 MALAS PRONTAS Austrália profunda 88 MEU EQUIPO Ryan Dungey 90 EM FORMA Karim Derwish 92 vida Noturna Bora pra balada? 96 Na agenda O que fazer neste mês 97 kainrath Eventos de junho 98 coluna Steven Bailey Nesta edição fotos:bradleyambrose,vitraDesignMuseum,jayhanna,picturedesk.com,marcelomaragni o Mundo de red bull 4 the red bulletin
  • 5. A energiA de red Bull em três novos sABores. www.redBull.com.Br crAnBerry lime BlueBerry
  • 6.
  • 7. SEAHAM, INGLATERRA MARÉALTA “A onda é muito grande ou o farol é muito pequeno?”, perguntou um dos seguidores de Owen Humphreys no Twitter. Cinegrafista de uma rede de TV, Humphreys confirmou a pri- meira opção: “Amigo, foi um dos piores mares que já vi”. O farol, no muro do porto da cidade de Seaham, no condado de Durham, Inglaterra, cerca de 25 km a sudeste de Newcastle em direção a Tyne, tem 10 metros de altura; o jato d’água no alto daquela onda quebrando tem cerca de três vezes esse tamanho. twitter.com/owenhumphreys1 Foto: Owen Humphreys 7
  • 8.
  • 9. SAARA, MARROCOS CORRIDA SECA Nenhum desafio esportivo é mais difícil que a Maratona das Areias (Marathon des Sables, em francês). É uma corrida enorme por dia, por seis dias. Quem corre precisa carregar toda a comida e equipamento. Água e os medicamentos para os primeiros-socorros estão disponíveis no trajeto. (Na lista de compras dos organizadores: 120 mil litros de água e 2.700 emplastros para bolhas nos pés.) A corrida deste ano terminou em 15 de abril. A do ano passado foi vencida por Salameh al Aqra, da Jordânia, em 19 horas, 59 minutos e 21 segundos. E ele declarou, com toda razão: “Qualquer um que cruzar a linha de chegada é um campeão”. www.darbaroud.com Foto: Erik Sampers 9
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  • 12. YORKSHIRE DALES, INGLATERRA NAHORADOFLASH “Cavernas não têm luz natural”, diz o fotógrafo de aventura Robbie Shone.“Então é nossa missão conseguir isso”. Em uma de suas expedições, na Boxhead Pot, uma das diversas cavernas no gigantesco parque na divisa da Inglaterra com o País de Gales, Shone teve problemas. “Eu estava em baixo do Sam Allshorn, na mesma corda, girando sem parar. No topo, o gelo começou a derreter e a água gelada começou a despencar. O barulho era ensur- decedor, não dava para se comunicar. Logo, meus flashes começaram a falhar e não consegui mais efetuar os disparos”.  Dentro dos buracos: www.shonephotography.com  Foto: Robbie Shone 12
  • 13.
  • 14. BullevardSua dose mensal de esporte e cultura Nova York O ciclista de BMX Edwin De La Rosa anda pelas ruas da Big Apple. Stan Evans Stan Evans Você vai para Veneza? A partir de 1º de junho, a Bienal de Veneza vai exibir o trabalho de 150 artistas de 37 países. Conheça os quatro maiores talentos 1. SARAH SZE A representante dos EUA criou esculturas de itens do dia a dia especialmente para a mostra. 2. TAVARES STRACHAN Das Bahamas, sua obra tem um vídeo reencenando uma expe- dição ao Polo Norte de 1909. 3. JOANA VASCONCELOS O pavilhão português será flutuante, diz a artista, conhecida por trabalhar tecidos. 4. AKRAM ZAATARI “Carta a um Piloto que se Recusa” é a obra do artista libanês que mexe com fotos e vídeos. Até onde Ferruccio Laviani sabe, móveis ficam mais interessantes quando a tradição encontra a modernidade. E “encontro”, para o designer, significa duas eras artísticas colidindo sem airbags. “Eu me sinto como o filho rebelde de uma boa família que tira as relíquias da avó para uma ocupação e faz algo novo com elas”, diz o artista de 52 anos. Esta abordagem foi largamente aplicada em “F***-se Os Clássicos!”, sua recente coleção para a loja de móveis italiana Fratelli Boffi, que exibiu uma série de peças que recriou móveis domésticos da exata maneira que o título sugere. Uma arca de peças íntimas e uma mesa qualquer com o que aparentam ser buracos feitos por raios laser. Mesas com partes de 1753 e 2053. E o mais impressio- nante de tudo, há “Boas Vibrações”, um armário de carvalho feito à mão (direita) que dá a impressão de estar em pausa num vídeo VHS. “Eu gosto da ideia de ter um móvel em casa que parece estar sofrendo uma interferência”, ele explica. “Isto realmente arrebata você ao passar por ele”, diz. www.laviani.com BATE NA MADEIRA Como fazer uma coisa antiga ficar muito, muito nova Móveis para a era digital: o armário de Laviani NEGATIVOS Você já tirou uma foto com o sabor da Red Bull? Todo mês a gente faz uma seleção com nossas favoritas. phototicker@redbulletin.com A SUA FOTO AQUI 14 THE RED BULLETIN
  • 15. FOTOS:FERRUCCIOLAVIANI,GUARDIANNEWSMEDIALTD.,TAVARESSTRACHAN, GETTYIMAGES,PICTUREDESK.COM,IMAGO(2),TIMLÜDIN/REDBULLCONTENTPOOL(2) A escolha do campeão olímpico Quando Jonas Recker- mann se aposentou, o campeão olímpico de vôlei de praia, o alemão Julius Brink, teve de en- contrar uma nova dupla. E o cara escolhido foi Sebastian Fuchs, de 26 anos, 2,03 m de altura, braços compridos e um pulo exce- lente. O ex-jogador de vôlei de quadra está ansioso para começar a jornada pelo ouro na Olimpíada do Rio. “É muito motivador formar dupla com o melhor jogador defen- sivo dos últimos quatro anos”, diz. “Julius é um atleta maravilhoso que dá 100% em cada treino, em cada rally. Ele é um exem- plo de atitude.” Agora eles são parceiros: “Eu tive a oportunidade de conhecer Julius como uma pessoa muito atenciosa, que gosta de se divertir. O espírito de equipe é extremamente importante para ele e agora eu posso aproveitar isso diariamente”. www.fivb.org Nogaro Sébastien Loeb começou muito bem o campeonato da FIAGT,na França. François Flamand Pretoria Muitos braços no campeonato de dança de rua sul-africano do Red Bull Beat Battle. Mpumelelo Macu Colombo Os capitães com o troféu do Red Bull Campus Cricket, no Sri Lanka.A Índia foi campeã. Dimitri Crusz the red bulletin: Em 2012, você terminou em oitavo no ADAC Formel Masters, a ­série open-wheel alemã, vencendo a corrida na con- dição de estreante e como única mulher no grid. Você deve estar com objetivos muito ambiciosos para esta temporada, não? beitske visser: Com certeza. E é uma ambição realista por­ que eu aprendi a me adaptar bem a carros de corrida mais rápidos, estilo Fórmula. E depois? Quero o título da Fórmula 1. Sebastian Vettel deve ter algo a dizer sobre isso. Ele é meu ídolo. Seria um sonho correr contra ele. Nós percorremos um caminho pare­ cido, ele também foi da equipe Red Bull Junior antes da Fórmula 1. A Danica Patrick, estrela da NASCAR, é considerada a melhor piloto mulher. Você se espelha nela? Sim, mas eu prefiro ser melhor do que ela. Você já protagonizou episó- dio que constrangeu o Ralf Schumacher. Como foi isso? Foi em uma corrida de kart na Alemanha. Eu liderei pela maior parte da prova e ele estava em segundo quando me jogou para fora da pista na última volta. Ele foi punido e ficou bravo. A penalidade foi cancelada, mas foi engraçado ver como ele ficou contrariado porque uma garota foi mais rápida do que ele na corrida. www.redbulljuniorteam.com NA MIRA DELA Beitske Visser, de 18 anos, é a cor­ redora mais talentosa da Europa. Ela fez Schuma­ cher suar e agora quer uma chance contra Vettel Nos ouvidos Músicas de 10, 20 e 30 anos atrás que ainda soam novas Novo na praia: Sebastian Fuchs (direita) é a nova dupla de Julius Brink Beitske Visser sonha com a F1 Sebastian Fuchs FOUR TET: “ROUNDS” (2003) Uma delicada obra prima eletrônica, insuperável como trilha sonora para coquetéis em uma estação espacial. TALKING HEADS: “SPEAKING IN TONGUES” (1983) Chamado de“pací­ fico”e“sanguinário”, este grito de revolta de um jovem de 24 anos é pura brutalidade. PJ HARVEY: “RID OF ME”(1993) O momento em que os punks arrumados molharam o dedo no mainstream foi um marco da música. THE RED BULLETIN 15
  • 16. Diasdehambúrguer A segunda edição do festival de hambúrgueres em São Paulo, o SP Burger Fest, está confirmada para a segunda quinzena de maio, de 14 a 28. São restaurantes dos mais variados estilos e lanchonetes de toda cidade preparando receitas inéditas de hambúrgueres. Seja o estabelecimen- to uma hamburgueria tradicional ou com outras propostas, como cantinas, tascas e bistrôs, o desafio está aberto. O português Tasca da Esquina, por exemplo, deverá repetir o sucesso que foi o sanduíche de atum que fez na edição do ano passado. Ele é servido no prato, o peixe é selado sobre chutney de pimentão defumado, coberto por um ovo frito­­e vem sempre acompanhado de chips de mandioquinha. www.facebook.com/SPBurgerFest Pegaessa,juizão! Talvez a pessoa que você mais xingou em sua vida? Quem sabe... Os juízes de futebol são para-raios de impropérios desferidos pelos torcedores de todo o mundo. Mas será que você, no lugar dele, acertaria as decisões? Esse é o tipo de experiência que o Museu do Futebol, que fica no Estádio do Pacaembu, em São Paulo, traz a você até o dia 9 de junho. A exposição “Será que foi, seu juiz?” conta com tecnologia e ilusão de óptica para colocar o espectador na pele do homem de preto. São situações que simulam impedimento e decisões que, para quem está na torcida ou no sofá de casa, parecem extremamente óbvias, mas que não são nem um pouco claras quando vistas do ponto de vista do juiz. www.museudofutebol.org.br AGORA É NO RIO Adriano de Souza fala sobre sua conquista histórica na última etapa do circuito, na Austrália, e as expectativas para o WCT do Rio, neste mês Preparação para a temporada “Comecei os treinamentos antes da pri- meira etapa. Foram muitos treinos físicos e natação. Cheguei na Austrá- lia no começo de janeiro para treinar nas ondas e acostumar com o fuso horário. Ou seja, foi tudo muito bem planejado até eu chegar em Bells.” Campeão em Bells Beach “Os australianos viram uma tem- pestade chegando! Seria o Brazilian Storm? (risos). Ficaram chocados com a minha atuação, mas sei que os locais de lá não foram surpreendidos, pois eles sempre viram, ano após ano, como me dediquei naquela onda. O mais difícil da vitória foi a bateria contra o Mick Fanning, que é meu ídolo, competia em casa e defendia o título.” WCT no Rio de Janeiro “Treinei muito na Indonésia nas últimas semanas. Quero me aperfeiçoar para encaixar outro bom resultado no Brasil. Adoro as ondas do Arpoador, Barra e Postinho, onde o campeonato é disputado.” Corrida para o título de 2013 “Respeito todos os competidores, e com certeza o Kelly, mais uma vez, vai ser o cara a ser batido. Por outro lado, temos força brasileira. Acredito muito no poten- cial do Gabriel Medina para esta temporada.” Billabong Rio Pro: de 8 a 19 de maio, www.wctbrasil.com Nas ondas da Barra: Parko foi vice em 2012 A moderna Sala das Copas Santiago Visão panorâmica no Chile: Tom Weissenberger e seu paraglider. Juan Luis De Heeckeren Rio de Janeiro As garotas de Ipanema batem um bolão no Red Bull Roda de Bola. Marcelo Maragni Montpellier Na França rolou a“Copa do Mundo do Breakdance”e foi sensacional. Markus Berger TEXTO:FERNANDOGUEIROS.FOTOS:KOLESKY/NIKON/REDBULLCONTENTPOOL,MARCELOMARAGNI/REDBULLCONTENTPOOL,SHUTTERSTOCK,DIVULGAÇÃOAdriano de Souza Bullevard 16 THE RED BULLETIN
  • 17. TEXTO:PAULWILSON.ILUSTRAÇÃO:LIE-INSANDTIGERS ONDE ESTÁ SUA CABEÇA? MICK JAGGERDocumentários, shows, livros e, claro, uma nova coletânea dos maiores sucessos marcam os 50 anos dos Rolling Stones. A satisfação certamente já foi alcançada a essa altura, mas o que mais está rolando para Sir Mick? www.rollingstones.com Simpatiapara osDemônios Após terem sido culpados pela morte de um fã em um show dos Stones de 1969, os Hells Angels planejaram matar Jagger em uma casa de Long Island, em Nova York, mas o barco que levava os motociclistas virou. MickJagger, guitarrista Além dos vocais, da harmô­ nica e de muita arrogância, Mick contribuiu tocando guitarra em vários discos dos Rolling Stones:“Sway”, em Sticky Fingers (1971), “Stop Breaking Down”, em Exile On Main St. (1972), e“Fingerprint File”, em It’s Only Rock'N'Roll (1974). ComosBeatles Jagger tinha 18 anos quando os Stones fizeram seu primeiro show – isso foi em 1964. Em 1966 eles eram os maiores rivais dos Beatles. No futuro, Paul McCartney passaria a lua de mel na casa de Mick, na ilha de Mustique. “Paul é muito legal e fácil de lidar”, disse Jagger, em 1995. ParceiroKeith Nascidos com uma diferença de 145 dias no mesmo hospital de Kent – hoje uma clínica que cuida de idosos –, Keith Richards e Mick Jagger se conheceram na adolescência, em 1961. “Você precisa aturaras boba­ gens; é como casamento”, disse Richards sobre a dupla, em sua biografia. YouCanAlways GetWhatYou Want Durante a turnê A Bigger Bang Tour, de 2005, Jagger exigiu canais de TV para assistir a cricket no cama­ rim. Em 1997, ao perder um jogo por não ter transmis­ são, ele abriu uma empresa para comprar os direitos de transmissão online. SirMick Sobre Jagger ter se tornado Sir em 2003, Charlie Watts disse: “Qualquer outro seria linchado: 18 mulheres, 20 filhos e ele virou Sir. Não é fantástico?” Charlie é o mais velhor da banda, nascido em 1941. Jagger é o segundo, seguido por Keith (dezembro de 1943) e Ronnie (1947). Naatividade Em 2011, Jagger gravou com o SuperHeavy, uma superbanda com Joss Stone, AR Rahman, Damian Marley e Dave Stewart, e embarcou no Twitter. Ele tuíta e posta fotos: uma com um presente de aniversário de 69 anos, outra em Paris gravando para o disco mais recente, GRRR! StartMeUp Michael Phillip Jagger nasceu em 16 de julho de 1943, em Dartford, Kent. Seu pai, Joe, era professor de Educação Física, a mãe, Eva, era cabeleireira. Chris, o irmão mais novo, é um músico que lançou sete álbuns. Até ir para a London School of Economics em 1961, o jovem Jagger era conhecido como Mike. THE RED BULLETIN 17 Bullevard
  • 18. O cenário nas profundezas do mar sempre foi o mesmo, mas a forma como o exploramos mudou radicalmente ANTES E DEPOIS Esta engenhoca, parte de uma roupa de mergulho atmosférica, foi usada pela Marinha ­Soviética em até 40 metros de profundidade. O ar era bombeado para dentro por meio de uma mangueira conectada à superfície. Entretanto, o ar que o mergulhador exalava ficava dentro do capacete, o que tornava a experiência dentro do escafandro intensa. Só quando a pressão atingia um nível relativamente alto, uma abertura permitia que o ar saísse. OLHAR EM PROFUNDIDADE Na parte de trás: dupla conexão de mangueira de ar e uma válvula para equilibrar a pressão www.rusnavy.com 1971 CAPACETE DE TRÊS PARAFUSOS (URSS) VEDAÇÃO O colarinho da roupa de mergulho fica preso entre as partes da cabeça e do ombro e, com ajuda externa, é parafusado em três pontos. Um pouco violento, mas à prova d’água MATERIAIS Liga de bronze reforçada. O interior branco era intencional, supõe-se que a cor fora pensada para reduzir a claustrofobia do mergulhador VISOR Vidro bem fino envolvido por bronze. Vantagem: pode ser aberto na superfície, em terra. Desvantagem: em caso de o mergulhador se debater debaixo d’água, o vidro pode se quebrar facilmente 18 THE RED BULLETIN
  • 19. FOTOS:KURTKEINRATH O KM 37 foi concebido para operações de salvamento em águas contaminadas e projeta- do para tornar a vida dos mergulhadores o mais confortável possível. O ar alcança o inte- rior do capacete a partir de cilindros de ar comprimido (montados nas costas), o dióxido de carbono exalado flui através do regulador abaixo do visor e um sistema de ventilação interior melhora ainda mais a qualidade do ar. Tem também reserva de gás e rádio. O capacete conecta com os cilindros de ar comprimido; o sistema de rádio fica logo embaixo www.kmdsi.com 2012 KIRBY MORGAN 37 MATERIAIS Revestimento de fibra de vidro e fibra de carbono. Resistente à pressão e com isolante elétrico. O isolamento é importante para se trabalhar com cabos submarinos de eletricidade VEDAÇÃO O mergulhador utiliza no pescoço um encaixe de alumínio, onde o capacete se ajusta perfeitamente. O interior se mantém seco até em mergulhos “de cabeça para baixo” VISOR O imponente painel do capacete é de poli- carbonato e à prova de arranhões. Ele mantém a temperatura e, graças ao fluxo de ar interno projetado para desem- baciar, tem garantia contra umidificação THE RED BULLETIN 19 Bullevard
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  • 21. FÓRMULA PERFEITA SEGURA! As agarradas com os dedos que são típicas dos alpinistas têm fundamento na realidade. Aqui explicamos a física desta pegada formidável TEXTO:MARTINAPOLIN.FOTO:REINHARDFICHTINGER,STEFANSCHLUMPF/REDBULLCONTENTPOOL.ILUSTRAÇÃ:MANDYFISCHER A PEGADA EM NÚMEROS “Qual é a correlação entre a profundidade de uma agarrada e a força máxima vertical que os dedos podem suportar na pegada de dedos meio dobrados [figura 1]?”, pergunta o dr. Martin Apolin, professor da Faculdade de Física da Universidade de Viena. “Um estudo de 2012 testou alpinistas que se penduravam em uma saliência com uma das mãos. A ideia era medir objetivamente a força do dedo. Os participantes eram todos alpinistas experientes. A figura 2 mostra a correlação entre a profundidade da saliência e a força do dedo: a força aumenta com a intensidade da pegada e atin- ge o ponto máximo em 520N. Kilian Fischhuber, pentacampeão da Copa do Mundo de escalada esportiva [tipo de alpinismo curto e rápido], teve a força dos seus dedos medidos com impressionantes 800N. “O peso do corpo em Newtons, FG, é deter- minado por FG = mg: m é a massa do alpinista e g é a gravidade (cerca de 10 m/s2 ). Pesando 63 kg, Fischhuber tem um peso corporal de cerca de 630N. Com um pequeno aumento na intensidade da pegada, ele poderia facilmente segurar com uma das mãos; este não seria o caso dos outros alpinistas com o mesmo peso que se submeteram ao teste. “Os dedos têm diversas articulações, mas aqui os consideramos como uma unidade integral. Para ter uma alavanca equilibrada, tentamos explicar assim: força, Fk, multiplica- da pela alavanca do braço, r, é igual à carga, FL, multiplicada pela alavanca do braço, rL, ou Fkrk = FLrL (figura 3). O flexor digitorum superficialis é o músculo responsável pelo desvio da articulação do dedo médio; sua força, FM, nós estimamos em 650N. Porém, como seus tendões puxam em um ângulo, o componente da força vertical, FK, é decisivo. Portanto, nós fazemos uma modificação: FK = FMcosα e portanto FL = FMcosα (rk/rL). “Assumindo a mesma força muscular, a força do dedo é indireta- mente proporcional à carga do braço rL (FL ~ 1/rL). Dependendo de onde o principal ponto de apoio do dedo está, isto é, onde FL entra em efeito, a carga do braço muda. Com uma pegada profunda, esse ponto está mais perto do pivot, então rL é menor (por exemplo, 2cm) e FL é portanto maior (450N). Se a pegada for mais estreita, esse ponto se afasta do pivot, rL aumenta (3cm) e FL diminui (300N) (figura 3). É claro que há outros músculos do antebraço que aumentam a força dos dedos. Mas com esse modelo compreende- mos porque a força dos dedos diminui com pegadas mais estreitas.” ­ VAMOS DAR AS MÃOS Como se aumenta a força dos dedos? “Treinando com uma campus board – tábua de madeira com grades horizontais presas nela”, diz Kilian Fischhuber. Na falta de equipamentos profissionais, é possível treinar a pegada ficando dependurado em casa. “Um revestimento de porta bem firme pode funcionar”, diz Fischhuber. A estrela austríaca das montanhas Kilian Fischhuber, de 29 anos, foi campeão mundial de escalada esportiva em 2005, 2007, 2008, 2009 e 2011 B U L L E VA R D 21
  • 22. CREDIT: EU E MEU CORPO Aos 17 anos, a austra­liana se tornou a mais jovem surfista a se classificar para o Circuito Mundial da ASP. Nas últimas três temporadas, ela sempre ficou entre as melhores classificadas. Agora, aos 22 anos, Sally está pronta para ser campeã www.sallyfitzgibbons.com SALLY FITZGIBBONS 1  RESPEITO AO MAR Assim que você entra na água, seu corpo fica em uma espécie de estado de alerta. Para surfar é necessário que se tenha reações rápidas, uma excelente noção de espaço e uma compreensão bem apurada de como o oceano se comporta. 5 APNEIA Sou assídua frequentadora dos campos de treino da Red Bull.Ano passado, em um curso de mergulho, aprendi como segurar a respiração por quatro minutos e manter a calma na água em situações de perigo. Isso pode salvar a vida de nós surfistas. DOR CONTROLADA  3 Machuquei minhas costas surfando na Gold Coast em 2009, durante minha primeira competição na ASP World Tour. Levei cinco meses para melhorar. Segui com­petindo com dor para não perder meu lugar na temporada seguinte. AGACHAMENTOS  4 No surf você trabalha ­costas, pernas e bumbum em harmonia. É por isso que eu faço treino funcional. Minhas coxas são meus ­músculos mais importan- tes, nelas busco força para as manobras. Por isso faço milhões de agachamentos de todos os tipos. REMANDO FORTE  2 Quebrei meu pulso esquerdo no final de 2011 surfando em Fiji, quando fui arremessada sobre os corais. Ficar seis semanas sem poder surfar no verão australiano foi muito­­­ chato, quase fiquei louca. TEXTO:ULRICHCORAZZA.FOTO:KATIEKAARS Bullevard 22 THE RED BULLETIN
  • 23. NÚMEROS DA SORTE STAR TREKCom a estreia de Star Trek Into Darkness no início de maio, viajamos pelos 47 anos (e milhões de anos-luz) da saga de ficção científica mais lucrativa da história 47O roteirista de Star Trek: A Nova Geração, Joe Menosky, formou-se em 1979 na Universi- dade Pomona (Califórnia) onde, em 1964, um professor apresen- tou a teoria de que o número 47 tem maior ocorrência no uni- verso do que qualquer outro. Menosky incluiu a tese com frequência nos episódios; roteiristas de toda a franquia seguiram o exemplo. TEXTO:FLORIANOBKIRCHER.FOTOS:KOBALCOLLECTION,PICTUREDESK.COM(3),GETTYIMAGES(2),IMAGO,REXFEATURES,CORBIS Mr. Spock e Capitão Kirk hoje… …e na época A primeira USS Enterprise Estação espacial Deep Space Nine Trekkie azul Tenente Uhura Tenente Worf, Klingon www.startrekmovie.com 726A nave estelar USS Enterprise pairou pela primeira vez nas telinhas norte-americanas em 8 de setembro de 1966, mas aterrissou após três tempora- das de pouco público. Star Trek passou a ter mais repercussão quando as reprises eram exibidas. Foram cinco séries diferentes que viraram um marco na TV. Assistir a todos os 726 episódios de uma vez levaria três semanas. Os Klingons são uma raça de guerreiros com um idioma pró- prio, desenvolvido pelo linguis- ta Marc Okrand após seu traba- lho em Star Trek III: À Procura de Spock. O dicionário Klingon foi publicado pela primeira vez em 1985. De acordo com o livro Guinness, Klingon é o idioma fictício mais falado no mundo. 1985 Nenhuma série televisiva tem mais fãs que Star Trek. Em 1994, houve 130 convenções de fanáticos em todo o mundo, com mais de 400 mil partici- pantes. Há alguns “Trekkers” famosos: Martin Luther King elogiou Tenente Uhura como um modelo de mulher afro- americana, enquanto Barack Obama providenciou uma exibição especial do filme de 2009 na Casa Branca. 400.000 70O ex-piloto e policial Gene Roddenberry escreveu o pri- meiro roteiro de Star Trek em 1964. Roddenberry foi o padri- nho de Star Trek e trabalhou em programas de TV e filmes até sua morte, aos 70 anos, em 1991. Em 1997, um pouco de suas cinzas foi parar no espaço com um foguete, no primeiro “enterro espacial”. Gene Roddenberry Desde Star Trek – O Filme, de 1979, outros 10 filmes da saga foram lançados. O mais recente é de 2009 e faturou mais de US$ 380 mi- lhões nos cinemas em todo o mundo, tornando-se a maior arrecadação da franquia em todos os tempos, mesmo com os preços atualizados. Um su- cesso ainda maior é previsto para a sequência Star Trek Into Darkness, que será lançada no dia 15 de maio. 385.680.446 Bullevard CREDIT: THE RED BULLETIN 23
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  • 26. CREDIT: O grande desafio de NEYMARA principal competição internacional disputada pela Seleção Brasileira no Brasil desde 1950 acontecerá em junho. E adivinha para quem os holofotes estão voltados? ENTREVISTA: BENJAMIN BACK  FOTOS: MARCELO MARAGNI JR. 26
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  • 28. om a rapidez de quem desce pela esquerda correndo com a bola no pé, Neymar Jr. entra no vestiário do Santos pela porta dos fundos. Veste je- ans, camisa polo e boné. Está na Vila Bel- miro para participar do Red Bull Príncipe da Vila, evento que encerra o centenário do Santos Futebol Clube e dá início ao 101º ano da história do alvinegro praiano. Antes de se sentar no trono montado em pleno gramado da Vila Belmiro, Neymar Jr., de 21 anos, fez alguns retra- tos para a Red Bulletin. O atleta mais badalado do Brasil é atencioso com todos que estão por ali – assessores, câmeras, repórteres, seguranças. Magro, tranquilo e sempre sorridente, faz algumas brinca- deiras com os amigos que estão por perto. Fotos feitas, ele caminha para o túnel que dá acesso ao campo, onde a festa está armada. No Red Bull Príncipe da Vila, garotos das escolas locais passaram por uma triagem e estão hoje no gramado do estádio do Santos para acertar chutes em alvos montados na arquibancada. São 101 meninos na disputa. Cada alvo tem um valor e se classifica aquele que somar mais pontos nos cinco chutes a que tem direito. O vencedor leva um par de chuteiras do craque. O jogador mais poderoso do Brasil tem uma forte identidade com seu time e com os torcedores. Por onde passa, especial- mente nos arredores do estádio, o furor acontece. Meninas gritando, meninos com canetas em busca de autógrafo, fotó- grafos, imprensa... O ídolo manteve-se firme no Santos mesmo com o imenso assédio dos clubes estrangeiros nos últi- mos anos. Hoje, Neymar Jr. também é o principal atleta e alvo das cobranças na Seleção Brasileira. O nosso camisa 11 está acostumado a ser notícia no mundo inteiro, como uma espécie de talento misterioso. Mas, se depender do sorriso fácil, do potencial e da malandragem do atacante, nada disso vai tirar o seu sono. Após ajudar os participantes a acerta- rem alguns dos alvos nas semifinais do evento e presentear o vencedor com suas chuteiras, ele volta ao vestiário. Ele tira o tênis e brinca descalço com a bola, total- mente descontraído. Seu pé estava leve- mente dolorido devido à partida disputa- da no dia anterior – pelo campeonato paulista, ele fez “apenas” quatro gols no jogo. Depois de algumas embaixadinhas, se sentou para conversar com a Bulletin. vocês entram desencanados. Como está a sua cabeça para a Copa das Confederações? Você está preparado para essa cobrança? Temos um grupo bem difícil, considerado o grupo da morte. São equipes com quali- dades gigantescas. Mas me preparando psicologicamente não estou. Estou me preparando fisicamente. No psicológico eu tô tranquilo e fisicamente tô me preparando. A cada treino e a cada jogo eu me preparo para a Copa das Confede- rações. Cobrança existe, é normal no fute- bol. No clube, na Seleção. Ainda mais na Seleção, por ter uma história fantástica. A Seleção Brasileira, em qualquer campe- onato que entra, é uma das favoritas. Então a gente tem que honrar isso. Mas tem que ser jogando futebol, não falando. Você já se imaginou numa final de Copa das Confederações, com o Maracanã lotado? Claro. A gente sonha. Tem que sonhar. Sempre sonho com todos os jogos, sempre ajudando a Seleção, o Santos. Na concen- tração ou antes da partida, eu procuro deitar e imaginar os lances. Eu faço isso em todos os jogos. Penso: “Se eu pegar a bola desse jeito, vou fazer isso e isso”. Quando estou no caminho para o jogo é o que mais faço. O que você vai imaginar contra a Itália (último adversário do Brasil na primeira fase)? Ah, vamos bagunçar a zaga da Itália! Deus te ouça! Vamos entortar aqueles caras! Mas temos o México também... É, virou o carrapato. O México é um time de muita qualidade. Tem jogadores de qualidade, e a gente espera reverter essa história. Nada melhor do que fazer isso agora na Copa das Confederações. “ Não estou me preparando psicologicamente, mas sim, fisicamente. Cada treino e cada jogo é um preparo para a Copa das Confederações. ” the red bulletin: Ontem você “só” marcou quatro gols. Como é isso para você e para a equipe? neymar jr.: Fico muito feliz e eles tam- bém. Brincam, falam. No final do jogo a gente até tirou uma foto. O ambiente do Santos é maravilhoso. Todo mundo fala com todo mundo, não tem picuinha, não tem frescura. Ninguém nunca teve uma crise de ciúmes desde que você está no Santos? Eu acho que tá acabando isso de vaidade ou ciúmes no futebol. Graças a Deus isso nunca teve no Santos. Tem que acabar com isso, não precisa disso. Cada jogador tem sua história, seu contrato, indepen- dente de quanto ganha. Se a pessoa está ganhando aquilo, é porque merece. Meus pais sempre me ensinaram isso desde pequeno, a não ter ciúmes de nada. Eu também sempre fui muito relax, nunca tive muito problema com isso. Você falou “tem que acabar com isso no futebol”. Não acha que outras coisas também precisam acabar no futebol? Hoje tem gente que acha o drible uma ofensa, uma brincadeira arrogante... O futebol às vezes é engraçado, às vezes é um pouco chato. Tem umas coisas que, por exemplo, o Viola [ex-jogador], no jeito que ele comemorava o gol, o jeito que imitava bichos, subia na arquibancada... É engraçado. O legal do futebol é você brincar com um amigo. Você tem um amigo que torce para outro time e você zoa com ele. É uma brincadeira, mas tem muita gente que leva para o lado pessoal e fica se sentindo ofendida. Em breve vamos ter a Copa das Confe- derações. Só vi três caras totalmente tranquilos no futebol: o Ronaldo, o Romário e você. Tanto faz o jogo e C 28
  • 29. Neymar Jr. antes do jogo: “Procuro deitar e imaginar os lances. Faço isso em todas as partidas.”
  • 31. Qual é o seu palpite para a final da Copa das Confederações? Espero que seja Brasil e... (longa pausa) Vai, acho que vai dar Brasil e Espanha. Com Brasil campeão. Um a zero? Mais, pô! Tem que pensar grande. É que uma seleção com Xavi e Iniesta não é fácil... Eu sei, mas tem que pensar grande. Vamos sonhar alto. Dois a zero. Dois do Neymar Jr.? Um passe já tá bom demais! Você fica chateado quando falam que o Neymar Jr. do Santos não é o mesmo da Seleção? Não me incomodo. E acho também que é uma coisa diferente. É o estilo de jogar, os jogadores são diferentes... A gente não está entrosado na Seleção. No Santos já tem um entrosamento. Meus companhei- ros de Santos já sabem onde estou, o que vou fazer, se posicionam diferente. Mas agora a gente vai ter tempo para traba- lhar na Seleção, então vai melhorar. O Paul Breitner, um dos maiores jogadores da história do futebol alemão e dirigente do Bayern de Munique, disse numa entrevista que o brasileiro vive muito à sombra do passado. O que você acha disso? Não sei se vive à sombra do passado. Mas, com certeza, os times europeus cresceram muito no quesito tático. Taticamente os jogadores são todos bem corretos em suas funções. É diferente do que acontece por aqui. Aqui a gente fica mais à vontade. Lá não, são todos muito bem posicionados. Um atrás do outro, muita força física, difícil de conseguir passar. Mas também não é nem só a força física, eles fazem linha de quatro e diminuem o campo, fica difícil para a outra equipe. Mas a gente vai se encaixando e vamos dar o que falar ainda. No futebol existe a oscilação, isso é inevitável, acontece no mundo inteiro e é claro que nós, jogadores, ficamos tristes, pois sempre queremos dar o melhor e vencer, é o nosso trabalho. O Pelé disse recentemente que a Seleção Brasileira deveria ter a base do Corinthians, mas com o Neymar Jr.. Você concorda? Hoje, se você for ver, a base da seleção alemã é o Bayern e o Borussia, e da seleção da Espanha é o Barcelona e o Real, por exemplo. Pelo que ele falou do entrosamento, eu até concordo, isso faz muita diferença. O Brasil tem uma coisa que nenhuma seleção tem, que é a qualidade dos jogadores por aqui. É muito alta. Se você parar para pensar, é mais alta que em qualquer lugar. Só falta colocar em prática. É isso o que queremos fazer logo. O mundo inteiro está impressionado com o desempenho dos times alemães nas finais da Liga dos Campeões da Eu- ropa. Estão dizendo que é uma nova or- dem que está se formando. Você acom- panha o futebol alemão? Sim, sempre que posso eu acompanho. Tenho amigos que jogam lá, inclusive. O campeonato alemão evoluiu bastante de uns tempos para cá. São times muito fortes e jogadores de alta qualidade. Esse trabalho está sendo visto pelo mundo inteiro, é possível notar que o desempe- nho das equipes está acima da média. No evento de hoje vimos várias crianças que sonham em tirar uma foto com você e que na hora começam até a tremer. Às vezes, você pensa “tenho que tomar cuidado para fazer isso ou aquilo porque tem milhões de crianças que se espelham em mim”? Eu preciso pensar no que faço. Mas sou esse cara aqui: é na sua frente, é em casa ou com meus amigos, eu brinco com todo mundo, não tô nem aí. Se eu tenho na minha cabeça o que vou fazer, então faço. Não ligo muito, não sigo uma linha. Eu faço o que tenho vontade. E essa questão de crianças gostarem tanto de mim, fico muito orgulhoso. Sou um fã até hoje, o meu ídolo é o Robinho, toda vez que falo com ele é uma alegria. Mudando um pouco de assunto... Fiquei sabendo que você é muito ruim no videogame. Pois é, hoje em dia tô mal... (risos) Mas dos meus amigos eu ganho de todos, deito e rolo! Com qual time você joga? Bayern de Munique. E qual jogador é seu favorito? É o Messi, né? O cara é fera, mano. Só ficando em casa no videogame para não ser assediado. É incômodo ter seus 20 e poucos anos e não ter liberdade para curtir, ir ao cinema? Não, opa, cinema eu vou! Este ano fui ao shopping, no cinema. Mas hoje só não tiro fotos ou dou autógrafo se ficar em casa. Incomodar não incomoda, mas tem coisa que faz falta, tipo ir à praia. Faz tempo que não vou. Não tem como. Ir ao shopping, dar um rolê, praça de alimenta- ção, McDonald’s e voltar pra casa. Não dá. Isso eu fazia muito. Ir à praia jogar um futevôlei? Não dá. Ficar sentado tomando sol? Impossível. São coisas gostosas que eu tinha e hoje em dia acabou. Se quero comer no Mc, só indo no drive-thru. Estávalendo A Copa das Confederações reúne os campeões de cada continente e o campeão mundial. Será a primeira vez que o Brasil receberá o torneio – o último teste antes da Copa do Mundo de 2014.A Copa das Confederações será disputada em Brasília, Belo Horizonte, Recife, Fortaleza, Salvador e Rio de Janeiro. São dois grupos na primeira fase. De cada um saem dois classificados. No grupo do Brasil (Grupo A) estão México,Japão e Itália. No Grupo B, Espanha, Uruguai,Taiti e Nigéria disputam as vagas.A fase de grupos acontece do dia 15 a 23 de junho. As semifinais serão disputadas nos dias 26 e 27, em Belo Horizonte e Fortaleza, respectivamente, e a final será no dia 30, no Maracanã. “ O Brasil tem uma coisa que nenhuma seleção tem, que é a qualidade dos jogadores. Tem mais do que em qualquer lugar. Só falta colocar em prática. ” Copa das Confederações: de 15 a 30 de junho. www.fifa.com/confederationscup 31
  • 32. Diante de 40 mil pessoas no Jericódromo de Alto Paraíso em Rondônia, aceleramos o “Fórmula 1 da Amazônia” Texto: Cassio Cortes  Fotos: Marcelo Maragni Calor, lama ediesel 32 THE RED BULLETIN
  • 34. elo amor de Deus, tomem cuidado na curva inclinada”, adverte o diretor de corrida Renato Ribeiro, o Paraguaio. Ele enumera os perigos que esperam os 23 homens reunidos para a pales­ tra dos pilotos que antecede a corrida de Jericos. “Se sair da pista naquele ponto, com certeza morrerão algu­ mas pessoas do público”, diz. Os 23 competidores, em sua maioria com menos de 25 anos, alguns bem acima do peso, todos bem bronzeados, concordam com seriedade. A décima corrida nacional de Jericos Motorizados está prestes a começar. Isso é bom porque o público que lota o Jericó­ dromo já está ficando indócil. O início do evento foi adiado para coincidir com a chegada do senador Ivo Cassol, cacique político de Rondônia. O senador veio direto de Brasília para a pequena Alto Paraíso espe­ cialmente para assistir a corrida. Mas o que é este meio de transporte e por que ele surgiu em Alto Paraíso, um lugar pouco populoso localizado nas franjas do Sul da Amazônia, que se proclama a “capital do Jerico”? O fabricante Silvio Stedile, ou “Silvinho do Jerico”, como é conhecido, explica: “Quando a cidade foi construída, no final dos anos 80, as estradas eram tão ruins que nenhum caminhão normal durava – as peças da lataria caíam. Então as pessoas tiveram que inventar um veículo que aguentasse o tranco”. O resultado foi uma lataria precária, montada em suspensões de jipe velho e alimentada por motores a diesel parados, que eram normalmente usados para gerar eletricidade nas serrarias e minas de estanho. O “Jerico”, jumento ou burro, animal que serve como meio de transporte no Nordeste – origem de boa parte dos migrantes que povoaram as cidades mais recentes da região Norte –, ganhou uma versão motorizada para o ambiente hostil da Amazônia. Como brincadeira de garotos, não demorou muito até um fazendeiro local começar a pensar se o seu ju­ mento a diesel poderia ser mais rápido do que o cons­ truído pelo vizinho mineiro. As corridas – discretas por terem inicialmente essa finalidade – vieram rapidamente e, uma década depois, para comemorar o 10º aniversário de Alto Paraíso, um circuito lama­ cento de 560 metros que, desde então, vem sendo estendido, foi construído na periferia da cidade, dando origem à Corrida Nacional. O sucesso foi tão grande que a corrida se tornou conhecida pelo Norte do Brasil como a “Fórmula 1 da Amazônia”. Cerca de 40 mil pessoas (mais que o dobro da população da região de Alto Paraíso) aparecem no Jericódromo ano após ano para ver seus heróis acelerarem. Ser uma estrela da Fórmula 1 é normal­ mente sinônimo de fama e fortuna. Na F1 amazônica, entretanto, a fortuna vem na forma de uma Honda 125 cilindradas novinha para o primeiro lugar (na verdade duas, já que a Corrida Nacional é dividida em duas categorias, uma para uma cilindrada e outra para motores de duas). E fama. Para o Silvinho do Jerico, o reconhecimento garantiu uma eleição para presidente do Conselho Municipal de Alto Paraíso. O cortejo de Silvinho, no entanto, fica pequeno quando comparado ao dos irmãos Melquisedeque e P‘‘ Cefas de Lara, apelidados pela imprensa local como os “Schumachers de Alto Paraíso”, o que é um pou­ co injusto, considerando que lutam para se manter campeões [ao contrário da dupla Ralf e Michael Schumacher, em que apenas um já foi campeão mundial]. “Melqui” é campeão na categoria duas cilindradas; Cefas, rei da classe uma cilindrada. O principal adversário deste, por acaso, é Silvinho, que ganhou em 2006 e 2007 antes de ser deposto pelas vitórias de Cefas em 2008, 2009 e 2010. Os nomes dos dois têm origens bíblicas, o que provavelmente explica a música evangélica explo­ dindo as caixas de som na loja onde eles fazem os ajustes finais em seus Jericos na véspera da corrida. “A época de correr com o Jerico do dia a dia já vai longe”, Melqui revela. “Para vencer, você precisa de um Jerico personalizado.” Melqui e Cefas cuidam de suas máquinas o ano todo para aparecer em apenas dois ou três eventos nos 12 meses, sendo a Corrida Nacional o maior de todos. Uma olhada na máquina de Melqui revela suas puríssimas origens: o motor é localizado no 34 THE RED BULLETIN
  • 35. Em sentido horário, a partir da foto maior: Norival Silva durante a preliminar da corrida; os irmãos Melquisedeque (esquerda) e Cefas de Lara em sua fábrica de Jerico; o desfile de rua na véspera da corrida; a fábrica de Silvio Stedile antes da corrida; Silvio em sua fábrica THE RED BULLETIN 35
  • 36. centro do eixo longitudinal, mas fora deste para a ­direita no transversal, o que garante uma perfeita dis- tribuição do peso em todas as quatro rodas quando o condutor fica à esquerda. E como todos os Jericos, o de Melqui é um Frankenstein. O chassi de uma Kombi antiga ajuda na rigidez da parte de baixo, enquanto a suspensão dianteira vem de um Golf. Os freios são de um Fiat Uno e a suspensão traseira também é de Kombi. O sistema de tração é uma primorosa obra de arte: a potência do motor é transmitida por uma caixa de marcha de Jeep de um diferencial feito por Melqui, do qual dois eixos de transmissão, também de Melqui, dirigem a potência para um eixo de um Golf na frente e um diferencial central de Kombi cortado na traseira. No meio da maior floresta do mundo, o mais velho dos irmãos Lara usa o mesmo princípio que o do diferencial central Torsen – o maior sucesso técnico do lendário carro Audi de rali dos anos 80. A potência vem na forma de um gerador Yanmar, que está no catálogo de fábrica como uma unidade de 27 cavalos de potência. “Mas é impossível vencer a corrida com menos de 50 cavalos”, admite Melqui. “Nós conseguimos chegar lá na maior parte das vezes com molas de válvula mais fortes, pistões mais leves e uma melhor injeção de combustível.” Mesmo com todo o tuning, o motor ainda faz aquele barulho de baixa reverberação pop-pop-pop de veículos diesel, exatamente como um barquinho de pescador. Mas agora ele está muito mais rápido: “Eu alcancei mais de 90 km/h na estrada com o meu Jerico, o que significa que o de Melqui pode facil- mente fazer mais que 100 km/h em uma rodovia pavimentada”, diz Cefas. Próximo das 16h, a principal rua do centro come- ça a ficar entupida com uma multidão em clima de festa e tem início uma batalha de som. São enormes picapes com alto-falantes maiores que elas mesmas, das quais os mais diferentes tipos de música saem em um volume ensurdecedor. Essa variedade de sons sai de 25 ou mais carros ­espalhados pelo espaço de uma avenida que deve ter apenas 300 metros de comprimento, todos disputando a atenção das garotas. Ao mesmo tempo, centenas de motinhos aceleram enquanto seus ocupantes também procuram chamar a atenção do sexo oposto, fazendo assim do desfile de Jericos um dos eventos de maior poluição sonora do planeta Terra. Com o ar úmido da tarde quente, o único jeito para uma pessoa sadia aguentar é bebendo. Para nossa sorte, há muitos am- bulantes com garrafas de Johnnie Walker. Uma dose do uísque custa apenas uns R$ 4: trata-se de um “Juanito “Eu alcancei mais de 90 km/h na estrada com o meu Jerico, o que significa que o de Melqui pode facil- mente superar 100 km/h em uma rodovia pavimentada” Caminante”, como os locais chamam o Johnnie falsi- ficado. O Red Bull pelo menos é verdadeiro, apesar de a lata ter informações em espanhol, não em português, um sinal de que foi trazido da Bolívia. Bem quando uma dor de cabeça brutal começa a envolver o cérebro deste repórter, Silvinho apare- ce em um Jerico de carga com todas as 14 garotas que competem pelo título de Rainha da Corrida. Dane-se a dor de cabeça, seu convite para “pular aí e se juntar à festa” na caçamba do veículo não po- dia ser declinado, sendo deste ponto de observação privilegiado que notamos uma longa cicatriz sob sua orelha esquerda. “Caí de um Jerico durante um treino dois anos atrás: 16 pontos e muita dor.” O desfile passa pelo Centro antes de terminar no Jericódromo. Ao lado do circuito fica um poço de lama do tamanho de um campo de futebol onde acontece algo que po- deria ser definido como uma versão amazonense de um demolition derby americano. Derrapar o carro de forma radical pela lama é o­­­­ objetivo, e uma picape enorme divide o espaço 36 THE RED BULLETIN
  • 37. com carros de passeio que vão de ré – única forma de se conseguir fazer derrapagem lateral com um carro de tração dianteira. Pessoas em pé “surfando” nas caçambas das pica- pes enquanto derrapam é tão comum quanto as coli- sões de umas com as outras. Ninguém está muito preocupado com o prejuízo das batidas: os preços da madeira, do gado e da soja estão todos em alta no mercado internacional, então todo mundo parece bem de vida em Rondônia. Por outro lado, a sobrie- dade é uma commodity de menor valor – ao menos entre estes que se arriscam na lama. “Você tem que entender que para nós isto é o Carnaval”, diz Luzia Garbini, 17 anos, Rainha da Corrida de 2011, procu- rando explicar, um pouco envergonhada, o compor- tamento selvagem ao redor. A noite cai, o Jericódromo se esvazia e a festa ­segue para o Centro. Ir dormir é a única opção para curar a ressaca de uísque a tempo para a grande corrida do dia seguinte de manhã. Em sentido horário, a partir da foto maior: Dirceu José Bogorni protegendo os olhos da lama; José Alex acelera seu Jerico na curva mais escorregadia do circuito; a festa regada a 'Juanito Caminante';o público faz da corrida um Carnaval na lama THE RED BULLETIN 37
  • 38. CREDIT: N o domingo, os Jericos de corrida chegam ao ‘paddock’ – um lamacento curral – às 11h. Uma corrida de quadriciclos aquece a mul­ tidão. Enquanto os pilotos esperam pela palestra de segurança do Paraguaio, os fãs gritam por autógrafos, sendo a assinatura do lenhador Alex ­Oliveira a mais cobiçada. O carro de Alex tem uma camuflagem pintada e o levou a quatro vitórias con­ secutivas nas duas cilindradas antes que Melqui o ­superasse em 2010. Rápido porém errático, este legí­ timo Gilles Villeneuve da Amazônia gosta de falar: “Melqui ganhou no ano passado porque eu rodei”, diz. O volante do Jerico de Alex, como a maioria dos outros, tem punhos de bicicleta para segurar. “Para ser rápido no Jerico você precisa mudar as marchas muito rápido e com muita frequência”, ele explica. “Com os punhos eu posso guiar usando apenas minha mão esquerda e manter a direita na alavanca de câmbio o tempo todo.” Passava das 14h e os termômetros passavam dos 40° C quando o helicóptero do senador Ivo Cassol finalmente chegou. É hora de acelerar! Assim é que funciona a corrida: quatro jericos começam alinhados lado a lado para uma preliminar de quatro voltas. Os dois primeiros se classificam para a próxima rodada até que apenas quatro ficam para a grande final. Um capacete e um cinto de segurança são os únicos equipamentos de proteção obrigatórios. A classe de um pistão corre a preliminar inicial. No Jerico 9 (patrocinado pelo senador), Norival Silva assume a liderança na primeira volta. O nº 8 roda e fica em uma posição perigosa na curva cinco; leva três voltas para que o sinalizador apareça com uma bandeira amarela advertindo o perigo. O sorteio colocou Melqui e Alex na mesma preli­ minar para a classificação na classe dois pistões – um ‘Embate de Titãs’, como o narrador grita no sistema de som. Eles ficam em 1-2 com facilidade, enquanto o nº 11 vai para o canto por causa de um incêndio no motor. De volta aos carros de uma cilindrada, Cefas vence a classificatória enquanto Silvinho é derrotado pelo seu ex-mecânico Macedo, mas vai às semifinais em segundo lugar. Outro mecânico da loja de Silvinho, Reginaldo, liderava a preliminar de dois pistões quando uma quebra na coluna da direção o manda cambaleando para um banco de lama. Ele retira o capacete, se ajoelha e chora como criança. Entre uma preliminar e outra, os pilotos traba­ lham febrilmente no paddock para consertar seus ­veículos avariados. As equipes de apoio jogam água limpa em seus olhos – a maioria não usa óculos de proteção (muita sujeira muito rápido) e terminam cada preliminar com os olhos muito irritados e completamente vermelhos. Em sentido horário, a partir da foto maior: Melquisedeque de Lara cruza a linha de chegada para vencer a prova; após o final da corrida, o público pula na água enlameada; Silvio Stedile faz uma curva em frente a Cefas de Lara, durante uma das preliminares “Vocêpodiatocar outropilotoeempurrá-lo paraforadapista,mas agoraosdirigentessão maisrigorosos” 38 THE RED BULLETIN
  • 39. CREDIT: A primeira semifinal de um pistão tem uma disputa acirrada entre Silvinho e Cefas. ­Silvinho pula para a liderança no início, ­porém o carro de Cefas é claramente mais veloz. Entretanto, como acaba se descobrindo mais tarde, após as preliminares, fica muito difícil realizar uma ultrapassagem. Apenas a linha de corrida per- manece lisa; todo o resto é terra revirada. Além disso, a linha interior nas duas curvas mais lentas está inundada. “Costumava ser permitido que você tocas- se o adversário para empurrá-lo para fora da pista, mas agora os dirigentes são mais rigorosos”, reclama Cefas, que ficou em segundo e foi para a final. Na segunda semi de duas cilindradas, Alex e Melqui se encontraram novamente. Melqui toma a liderança precocemente, enquanto Alex erra uma marcha e cai para terceiro. Tentando criar um espaço de ultrapassagem onde não existe, Alex sai da corrida e atola na lama. Outra corrida que nosso Gilles Villeneuve da Amazônia abandona. Chega a final de uma cilindrada. O número 4, Marcelo Bogorni, faz a melhor largada, deixando Silvinho e Cefas na disputa acirrada na primeira curva pelo segundo lugar. A forma como quase tocam suas rodas lembra Michael Schumacher jogando Rubens Barrichello contra o muro no GP da Hungria em 2010 e, ainda que não tenha havido contato, a disputa afoita os leva para fora da pista e para dentro da poça gigantesca logo na primeira curva. É o bastante para dar a Marcelo uma liderança insuperável. Pela primeira vez em sete tentativas, ele vence a Corrida Nacional, apesar de seu pedal de aceleração ter quebrado na segunda volta. O que é realmente impressionante porque significa que Marcelo teve que tirar a mão esquerda do volante e torcer o braço a cada marcha trocada nas duas últimas voltas. Sem Alex, a final de duas cilindradas deveria ser um passeio para Melqui, o que parecia ser o caso quando ele assumiu a ponta já na primeira curva. Mas na maliciosa segunda curva o impensável acon- tece: o campeão roda. O incrédulo “Ohhh!” que vem do público parece a reação a uma dupla-falta de Roger Federer em um tiebrake de Wimbledon. Melqui vai para a última posição enquanto Dirceu Bogorni – irmão de Marcelo – pula para primeiro para logo quebrar a caixa de marcha na segunda volta. Na terceira volta, Melqui provoca uma derrapa- gem de Juliano e vai a segundo, atrás de Ismael. Ver o campeão se aproximando na última volta é demais para o jovem Ismael, que erra a curva cinco e nau­ fraga em outra poça gigante. A multidão enlouquece quando Melqui voa para conquistar sua segunda moto Honda em muitos anos. E assim termina o Carnaval. Vencedores, derrota- dos, políticos locais, este repórter forasteiro: todo mundo pula ou é jogado na lama da curva cinco. O sol se foi e o vento resfria nossas roupas ensopadas e enlameadas. Sem problemas: tem muito “Juanito Caminante”, o Johnnie Walker daqui, para nos manter aquecidos até a madrugada. Para ver fotos da corrida de Jerico, acesse www.capitaldojerico.com THE RED BULLETIN 39
  • 40. RED BULL YOUTH AMERICA'S CUP O jovem time alemão STG/NRV corta a baía de San Francisco em um catamarã AC45 40
  • 41. Os melhores catamarãs, os melhores velejadores, a maior corrida de barco do mundo: qualquer iatista ambicioso sonha em um dia participar da America’s Cup. E um seleto grupo de jovens está a um passo de realizar este sonho TEXTO: Ann Donahue FOTOS: Balazs Gardi
  • 42. Leões-marinhos surgem na água de olho nas enormes garças e depois somem de novo nas profundezas. Os tratores que transportam cascalho de uma pilha de material para outra próxima no Pier 94 estão em silêncio. Às 9h da manhã, as equipes que competem nas Selection Series da Red Bull Youth America’s Cup chegam em SUVs pretas trazidas por motoristas vindos dos hotéis no Centro. A paz da doca dilapidada é quebrada pela joviali- dade dos velejadores e pelas provocações entre eles – “vá se catar, seu maluco!” ecoa através das docas – além de remixes retumbantes de sucessos dos anos 80. Há um motivo para o barulho, claro. As equipes do Red Bull Youth America’s Cup são compostas de rapazes com idades entre 18 e 24 anos, então é perfeitamente normal que alguém em seus anos de formação fale grosso durante a faculdade, caso contrário, o planeta estaria girando fora do seu eixo. Sendo assim, a capacidade de fazer uma balbúrdia é uma qualidade. Duas horas depois, os jovens velejadores estarão se batendo contra as ondas da baía de San Francisco, com ventos sopran- do acima de 35 nós, enquanto todos cor- rem lado a lado nos melhores catamarãs de 15 metros que existem. Garantir que as instruções de suas vozes possam ser ouvidas mesmo com o vento, os estalos dos enormes veleiros e os baques dos barcos de 1,4 tonelada podem ser a diferença entre a vitória e o fracasso. A Red Bull Youth America’s Cup é uma criação dos velejadores austríacos Hans-Peter Steinacher e Roman Hagara, que conquistaram a medalha de ouro na classe Tornado nas Olimpíadas de 2000 e 2004. Por muitos anos, a barreira para ingressar na America’s Cup era quase in- transponível: requeria uma rede de altos contatos nos clubes de iatismo – mundo praticamente fechado a pessoas sem um nobre sobrenome – ou uma medalha olímpica para chegar até a competição. Com o início da edição jovem do evento, o processo de seleção passou a ser mais igualitário para as grandes ligas, provendo acesso às mais avançadas embarcações e treinamento profissional. Em fevereiro, jovens velejadores de 12 países competiram nas Selection Series, que determinaram quais cinco equipes avançarão à final em setembro, em San Francisco. A Selection Series é organizada para imitar a dificuldade de participar ‘pra valer’ da America’s Cup, incluindo árduas sessões de ginástica e a realização de sessões de navegação no AC45, o catamarã de melhor classe em uso. Nas primeiras horas do dia, o Pier 80, em San Francisco, é um lugar calmo RED BULL YOUTH AMERICA'S CUP 42 THE RED BULLETIN
  • 43. As equipes são julgadas por sua habili- dade na navegação, preparo físico e pro- fissionalismo. “Em uma semana que dura a Selection Series, eles vão aprender mais do que aprenderiam em três ou quatro anos de treinamento”, diz Steinacher. Na Red Bull Youth America’s Cup, os catamarãs são doados por equipes veteranas da America’s Cup, mas a deter- minação e o espírito de equipe é todo dos jovens velejadores. “É uma oportunidade única”, diz Matt Whitehead, 19 anos, capitão do time sul-africano i’KaziKati. “Vir aqui e aprender o que é necessário As equipes se reúnem para um briefing toda manhã no Pier 80 (esquerda). Depois vão velejar na baía de San Francisco ou vão para academia (acima). É muita energia: uma semana aqui é melhor que três anos de treino sem supervisão, dizem os treinadores 43
  • 45. RED BULL YOUTH AMERICA'S CUP para ser um profissional de sucesso é simplesmente uma experiência incrível. Nenhuma palavra pode descrever quanto isso tudo significa para nós.” aniel Bjørnholt Christensen, 18 anos, é o capitão da jo- vem equipe dinamarquesa Vikings. A semana cobrou seu preço sobre os garotos. Eles imprudentemente decidiram comer burritos enormes pouco antes de uma sessão de treinamento em uma academia nos arredores do hangar Oracle Team USA. E não foi qualquer burrito, mas um “enorme, taludo burrito americano”, explica Christensen, mostrando com as mãos o tamanho do lanche. Após levantar 45 kg de peso em um aparelho, o burrito não caiu bem em um dos companheiros. “Tivemos um pequeno acidente”, explica. “Fizemos o teste e estávamos cansados, mas OK. Um dos garotos, porém, começou a vomitar e alguns outros também.” Os velejadores levam sua participação nesse evento a sério, mas é claramente um esporte diferente da liga dos veteranos da America’s Cup, com seus colarinhos arrebitados em camisas polo de cor pastel e sotaques híbridos de inglês americano com britânico. Por 25 anos, a America’s Cup tem sido conquistada por equipes de um desses três países: EUA, Suíça ou É A REALIZAÇÃO DE TODOS OS NOSSOS SONHOS Will Tiller, capitão da equipe Full Metal Jacket Racing THE RED BULLETIN 45
  • 46. RED BULL YOUTH AMERICA'S CUP Nova Zelândia. A diversidade que a edição júnior traz ao esporte torna-se evidente. Exceto África do Sul e Dina­marca, as nações participantes incluem alguns países relativamente novatos como Argentina e Portugal. “Isso mostra como havia uma carência nessa área”, diz Russell Coutts, CEO da Oracle Team USA e quatro vezes campeão da America’s Cup. “A America’s Cup de antes era um pináculo dos astros da vela. Mas não havia uma forma de alimentar aquela constelação de estrelas.” A Red Bull Youth America’s Cup divide um píer com o hangar onde a Oracle Team USA está construindo seu barco para a America’s Cup 2013. É a primeira vez que uma classe profissional correu com o catamarã AC72, um gigante de 24 metros com dez andares e um casco que se parece com uma ameaça­dora garra extraterrestre. Enquanto os jovens assistem as palestras da manhã, os velejadores observam na baía como o imenso barco é cautelosamente baixado por um enorme guindaste. “É UMA EXPERIÊNCIA INCRÍVEL” Matt Whitehead, capitão da equipe i'KaziKati 46 THE RED BULLETIN
  • 47. A Red Bull Youth America’s Cup Selection Series começa com 12 times. As tripulações correm umas contra as outras na primeira semana de competição e as seis finalistas competem na semana seguinte. Os cinco vencedores de fevereiro se classificam para enfrentar outras sete nas finais em setembro “Quando eu era jovem e assistia a Ame­rica’s Cup, eu sempre sonhava em ser como esses caras”, diz Jonas Schagen, 23 anos, da equipe suíça Tilt. “Hoje eu sou um deles. Mas ainda falta muito até o próximo passo. Nossos barcos são como brinquedos comparados a isso.” A America’s Cup dos adultos começa em 7 de setembro, em San Francisco, mas na edição de 2016 alguns dos jovens que competem nas Selection Series poderão estar nos barcos. A Red Bull Youth America’s Cup ajuda os velejadores a trei- nar com foco no grande prêmio. “Quando vi pela primeira vez as fotos do catamarã Oracle 72, pensei: ‘Meu Deus, o que está acontecendo?’”, disse Philipp Buhl, 23, capitão da equipe jovem alemã STG/NRV. “Há dois dias visitamos a base. Eles estão trabalhando 12 horas por dia, seis dias por semana. É muito profissionalismo.” Sete equipes se classificaram para a Red Bull Youth America’s Cup em virtude de uma afiliação com equipes correndo THE RED BULLETIN 47
  • 48. na classe AC72; as Selection Series deci- dem as outras cinco. Charlie Buckingham é capitão da equipe USA45 Racing, vinculada à Oracle Team USA. Nos seus primeiros dois dias aqui, Buckingham foi submetido a testes físicos e foi intro- duzido ao barco. “Eles basicamente nos entregaram as chaves e nos deram dicas aqui e ali, mas acho que o que realmente queriam era ver quem era capaz de se virar com tudo sozinho”, ele diz. O resultado? “Parece estar tudo sob controle se você e a tripulação estiverem fazendo as coisas certas”, diz. “Mantivemos o barco aprumado, sem forçar demais para não estragar.” o primeiro dia de competição nas Selection Series. Os vele- jadores estão trabalhando seus nervos antes da corrida com joguinhos de videogame de Fórmula 1 montados do lado de fora dos contêineres onde as equipes armazenam seus equipamentos. Ter um pouco de tensão é compreensível, já que não é apenas a ambição pessoal que está em jogo, mas também em grande medida o orgulho nacional. “A Austrália não é uma presença constante na America’s Cup há anos”, diz o capitão da Objective Australia, Jason Waterhouse, 21 anos. “Isso só mostra que A Selection Series aconteceu em dois lugares: a leste da ilha de Alcatraz (direita) e ao sul da Bay Bridge, que liga San Francisco a Oakland (acima) RED BULL YOUTH AMERICA'S CUP 48 THE RED BULLETIN
  • 49. nós não estamos para brincadeira. O AC45 é o melhor barco com a melhor tecnologia, e estas são as melhores equipes jovens do mundo. Vamos fazer o possível para dar o melhor show que a gente sabe fazer.” Os catamarãs chegam ao mar pouco antes do meio-dia. Um barco com motor a diesel dual que pode rasgar a água a 50 nós salta da doca. Ele serve como uma lancha de perseguição, alcançando boias e suprimentos para as equipes, bem como levando alguns membros da mídia para um passeio “com emoção”. É um navio animalesco, e um fotógrafo veterano acena positivamente assim que vai a bordo. “Quero um bom barco me separando desses caras”, ele diz. Os jovens velejadores podem ter anos de experiência competindo em equipes de faculdade e seleções nacionais, mas com o AC45 o buraco é mais embaixo. A força e agilidade requeridas para manejá-lo são enormes, mesmo para os profissionais que estão habituados a ela. A experiência das equipes jovens nesse barco é limitada a estes poucos dias da Selection Series. “Trabalhamos desde muito antes”, diz Hanno Sohm, 23 anos, timoneiro do time austríaco. “Estudamos vídeos e conver­ samos com pessoas que velejaram este barco. Mas há uma diferença entre saber o que precisa ser feito e fazer de fato.” O vento começa a ficar mais forte na baía. Se você não vira o rosto na direção do vendaval, seus óculos de sol saem vo- ando. Os barcos flutuam quando velejam em frente, depois seguem desordenados enquanto as equipes tentam navegar em volta das boias de marcação. “O grande lance é que tudo acontece tão rápido”, diz o capitão da equipe GBR Youth Challenge, James French, 20 anos. “Se você parar pra pensar, já é tarde demais.” No final das Selection Series, os direto- res Peter Steinacher e Roman Hagara pegam os cinco times para se juntar aos outros sete nas finais de setembro. Eles são a Full Metal Jacket Racing, da Nova Zelândia; a Objective Australia; a alemã STG/NRV Youth Team; a suíça Tilt; e a portuguesa ROFF/Cascais Sailing Team, que se recuperou após quase emborcar em seu primeiro dia. Tomar a decisão final foi difícil, diz Hagara, e foi limitada pelo número de embarcações disponíveis, não apenas pela qualidade das equipes. “Poderíamos ter tido 20 times facilmente. É um objetivo para a próxima.” Para as equipes que se classificaram, é uma realização das ambições que não eram nem imagináveis um ano atrás. “A Nova Zelândia está envolvida na America’s Cup desde que nascemos”, diz Will Tiller, 23 anos, capitão da Full Metal Jacket Racing team. “Estar aqui e poder fazer isso tudo significa a realização de todos os nossos sonhos.” www.americascup.com “PODERÍAMOS TER TIDO 20 EQUIPES FACILMENTE. É A META PARA A PRÓXIMA” Roman Hagara, diretor da Red Bull Youth America’s Cup THE RED BULLETIN 49
  • 50. O salto entre os bastidores dos palcos e o comando da banda do programa de Jimmy Fallon, ao vivo toda noite na TV, é uma trajetória sem igual na história musical de Ahmir Thompson. Fundador do The Roots, ele fala sobre a discussão do underground com Jay-Z e as ciladas da “geração YouTube”. Texto: Jonathan Cohen  Fotos: Jason Nocito INCANSÁVEL São 11h no estúdio 6B da NBC no Rockefeller Center, em Nova York. Em um primeiro momento, o único barulho que se escuta é o do aspirador de pó indo e vindo nos corredores, entre bancos ainda vazios. É o começo dos preparativos para a gravação do Late Night with Jimmy Fallon. Uma pequena pausa na faxina nos permite escutar uma série de batidas de bateria vinda dos estúdios. Seguindo o som pelos cor­­redores e virando à esquerda, chega-se a uma porta azul, a plaquinha com o nome The Roots estampado convida a entrar; na parede ao lado da porta, chama a atenção um prêmio Grammy emoldurado em vidro. E, do outro lado da porta, está Ahmir Thompson, BUSCA 50
  • 51.
  • 52. “SOU UMA PESSOA QUE ESCUTA MÚSICA CINCO HORAS POR DIA”
  • 53. ou “Questlove”, ensaiando uma das inúmeras músicas que ele e seus com- panheiros de banda irão tocar dentro em pouco, quando o Late Night enfim tiver entrado no ar. Sou um privilegiado em poder ver Thompson tocar de tão perto, em carne e osso, no 6º andar do Rockefeller Center, onde agendo os músicos convidados para o Late Night. E poder tratar Questlove e o The Roots como meus colegas durante as quatro horas do nosso programa me deixa muito feliz. Mas o ritmo do nosso Late Night é tão alucinante que demorou quase tudo isso para eu finalmente conseguir me sentar com Ahmir e conversar com ele sobre a sua história com a música. Ahmir nasceu em 20 de janeiro de 1971 na Filadélfia, filho do gigante do doo-wop Lee Andrews, da Lee Andrews and the Hearts. Suas memórias mais antigas estão relacionadas a turnês acompanhando o pai e, na época de adolescente, à sua função de baterista oficial da banda. Durante seus estudos na famosa Philadelphia High School for the Creative and Performing Arts, conheceu o futuro membro do Roots, MC Tariq Trotter, com quem promoveu suas ambições ao lado de um corpo ­discente que incluiu uma série de futuras estrelas da música. the red bulletin: Você foi abençoado por crescer em uma família de músicos profissionais. Para pessoas que não tiveram essa oportunidade, existe alguma forma de ter algo próximo a essa experiência extraordinária? questlove: Entre os 2 e os 13 anos, aprendi todos os aspectos que o show business oferece. Comecei como navega- dor, descobrindo como sair da minha casa para uma boate ou até para um outro estado. Tive que aprender a usar mapas aos 7 anos. Eu me formei primeiro como figurinista.Lavei roupa a mão e a vapor e engomei roupas brancas. Aos 10 anos, eu cuidava da iluminação de palco. Aprendi também a operar diferentes sistemas de som. Eu chegava antes da passagem de som, marcava os holofotes e conseguia uma escada. Quando tinha 10 ou 11 anos, comecei a aprender os acordes básicos. Conhecia repertório do meu pai de cor e salteado, portanto já identificava muito cedo as primeiras notas musicais. Aos 12 ou 13 anos, eu já era baterista e, em seguida, líder da banda. Todo aquele tempo eu estava só observando minha mãe e meu pai em suas apresentações. Mais tarde eu não tinha nem me dado conta de que os Roots incorporaram que transcendia o circuito da velharada. Ele tinha uma esposa modelo e dois filhos que desacatavam as idades dos outros no palco, coisas que usava a seu favor. Ao entrei no segundo grau, deixei de repente de ser o tubarãozinho no mini-aquário para me tornar uma sardinha no Oceano Pacífico! Logo no segundo dia de escola, Christian McBride e Joey DeFrancesco foram arrancados da aula para tocar na TV da Filadélfia com Miles Davis. Nessas eu não passava do quinto baterista, tocando triângulo e às vezes um tamborim. Eu não era de nenhuma forma a estrela de antes. Era frustrante, mas hoje sou feliz que tenha sido assim. O Boyz II Men era a estrela de nossa escola, tinham todas as tietes. Tariq e eu tivemos aquele momento somente depois de nos formarmos. Mas do jeito que desenvolvemos nossa carreira, como a tar- taruga e a lebre, mantemos hoje um exatamente estas lições. Na realidade ficamos famosos nos karaokês de hip hop. Meu pai não só compôs “músicas”, mas sim aquilo que seria mais tocado, músicas que se tornavam familiares facilmente. Meus pais sabiam perfeitamente conduzir um show: nos primeiros cinco minutos, você cativava a plateia com algo que ela já conhecia. Nas duas músicas seguintes, era minha mãe que tornava-se o centro das atenções, como comediante. Para mim era natural achar que aquela era uma educação básica, comum; assim como era óbvio que qualquer criança sabia chegar sozinha a Muncie, Indiana. E depois a minha reação vinha a ser de espanto: “o quê? você nunca foi a um clube noturno antes?!” Eu só fui me dar conta do meu privilégio muitos anos mais tarde. Como foi para você o segundo grau, com o ambiente escolar mais certinho? Foi uma espécie de choque? Bom, eu tive que começar tudo de novo. Aos 8 anos eu tocava bateria como um adulto – aquela coisa de ter um garotinho no show. O show do meu pai era tão bom RED BULL MUSIC ACADEMY: NY “A CHAVE DO SUCESSO DO ‘THE ROOTS’ É TER COLOCADO SÓ OS MAIS FERAS EM NOSSO CÍRCULO ÍNTIMO” FOTOADICIONAL:ROBINLANAANEN Desde 1998 que a Red Bull Music Academy tem rodado o globo, fazendo estações todos os anos em cidades como Londres, Cidade do Cabo, São Paulo, Melbourne e Madrid. Dois grupos de 30 participantes seleciona­ dos – produtores, instru­ mentistas, vocalistas e DJs de todas as partes do mun­ do e de vários estilos – se reúnem por um mês (duas semanas para cada grupo de 30) para trabalhar nos estúdios, tocar nos melho­ res clubes da cidade e aprender os segredos dos músicos profissionais. Mentores como Quest­ love (que vem trabalhando com a Red Bull Music Aca­ demy desde 2006), a lenda tecno Carl Craig, o compo­ sitor Steve Reich e o pro­ dutor star Mark Ronson não só chegam para dar uma aula, como também fi­ cam por mais tempo, às ve­ zes até dias fazendo jams com os participantes nos estúdios e compartilhando sua sabedoria. No seu 15º ano, a Red Bull Music Academy segue curso para Nova York, o lu­ gar onde nasceu o hip hop e uma das capitais do punk. Como homenagem à criati­ vidade da cidade, a Acade- mia organizará um festival de cinco semanas com 35 shows e 150 artistas. Entre os highlights estão cogitando Nile Rodgers do Chic e James Murphy do LCD Soundsystem; uma instalação audiovisual de Brian Eno; e gigs com músicos como Kim Gordon (Sonic Youth), Four Tet e, claro, os 60 participantes de 35 países. Red Bull Music Academy,  Nova York, de 28 de abril a 31 de maio. redbullmusicacademy.com THE RED BULLETIN 53
  • 54. excelente padrão de vida e muitos dos nos- sos contemporâneos já estão em declínio. Onde estão, segundo o que você hoje pode observar, se aprimorando os novos e emergentes talentos? Um dos maiores desgostos que eu tenho com o momento atual da música é a ideia de que a cultura do underground não interessa mais a ninguém. O hip hop se apunhalou com sua própria faca mais ou menos em 1997, quando subitamente só vencedores importavam e perdedores ou guerreiros não valiam nada, com o resul- tado de que ninguém mais quis acolher o underground. Vivemos uma era de suces- sos. Puffy inaugurou esta era, na minha opinião. A narrativa ficou muito motiva- cional e só se fala em vencer. Não se cele- bra mais o cara que leva a água, o estatís- tico ou o treinador-assistente – pessoas que também ajudam a equipe. Passou-se a falar de destaque, destaque e destaque. Provavelmente a maior discussão que eu tenho com Jay-Z é sobre a necessidade de se pagar adiantado pelo estabelecimento de uma cultura. Hoje, não existe mais um contexto subcultural na black music. O motivo pelo qual os Roots se tornaram um sucesso é porque decidimos pegar só os mais feras para se juntar ao nosso círculo íntimo. Não foi uma coincidência os Roots terem saído de uma venda de 200 mil para o disco de platina. Com o Mos Def foi a mesma coisa. Com o Gang Starr, D’Angelo, Talib Kweli e Erykah Badu idem. Esse movimento está crescendo e isso é o resultado: o fato de que ele pode ser contextualizado. Como acontece com a maioria dos guerreiros do underground, assim que você consegue esse sucesso, é como Ló. Você não quer olhar para Sodoma e Gomorra. É um sacrilégio olhar para o passado. Assim, você acaba se isolando. Na era do YouTube, sim, você pode sentar no seu quarto, fazer um cover da música do Little Dragon e se transformar numa celebridade da internet da hora. É bom, mas temporário. Não faz uma carreira de 20 anos. Então quais habilidades seriam neces- sárias para ser um verdadeiro talento? Eu não sei se é uma questão de habilidade ou apenas a vontade de fracassar em público. Um grande exemplo disso é Jill Scott e Jaguar Wright. Elas eram duas amigas dos Roots. Nós as conhecemos em 1994 ou 1995. Quando começamos a fazer jam sessions em nossas casas, Jill ainda estudava e trabalhava, e Jaguar trabalhava na WaWa – uma lojinha de conveniência do tipo posto de gasolina. Toda semana elas vinham em casa para as sessions. Mesmo sendo amigas, rolava um pouco uma competição. Jaguar tinha uma habilidade maluca para o freestyle como cantora. Ela fazia o público delirar com qualquer letra que cantasse. Isso fez com que Jill quisesse ser melhor e praticasse em casa. Então, quando ela voltava na semana seguinte, era ela que conquistava a galera e não Jaguar. Isso aconteceu toda a sexta-feira dos anos 1997, 1998 e 1999, incluindo alguns domingos. Por muitos anos você dedica três horas diárias o ano todo e de repente você é um dos melhores performers que se pode imaginar. É essa a ideia do workshop: o princípio da paciên- cia e da espera. É um valor que parece perdido nestes tempos. Eu queria que esse método fosse mais praticado. Trabalhando aqui testemunhei situações onde artistas com apenas um ano ou dois de experiên- cia pipocam e correm para o banheiro. FOTOADICIONAL:GETTYIMAGES “OS ARTISTAS MAIS IMPORTANTES PARA MIM SÃO STEVIE WONDER, MICHAEL JACKSON E PRINCE” 54 THE RED BULLETIN
  • 55. Os Roots estavam muito nervosos nos nos- sos primeiros dois shows no Late Night. Hoje eu dou risada pensando no passado, porque fizemos tantas vezes. Acho que é menos uma questão de talento e mais de força de vontade e paciência. Nas aulas sobre álbuns clássicos que você vai começar a ministrar na NYU, que tipo de ideias pretende transmitir aos estudantes? Decidi começar pelo mais simples. Eu tinha a opção de fazer uma aula para 100 estudantes, mas eu disse a eles que queria o mínimo. Então tenho 24 alunos. Eu só quero ensinar a eles a arte da paci- ência necessária para se ouvir uma músi- ca. Da mesma forma que tenho que fun- cionar como uma enciclopédia da música e como produtor de hip hop, me ensina- ram a destrinchar discos. Você coloca um e escuta, escuta, escuta, procurando por um sample ou um break. Estou tentando inverter isso e explicar para as pessoas por que alguns discos são mais importantes que outros e deixar isso tudo depois nas mãos delas. Para alguém da minha idade, que nasceu há 40 anos, em 1971, eles agora têm muito mais informação à dis- posição do que antes. Mas o que eu acho é que estamos com falta de professores o espaço necessário na minha cabeça para guardar o que for. E eu sou uma pessoa que ouve música praticamente cinco horas por dia. Quando você pensa, é um bom tempo. Entre a academia, o carro e quando volto para casa, eu provavelmente dedico cinco horas. Eu apenas quero fazer o pro- cesso de se produzir música ser mais diver- tido. Algumas pessoas vão até seus limites. Alguns DJs com os quais cresci deixaram de fazer música há muito tempo. Eu prova- velmente faria o mesmo se não tivesse des- coberto stems (componentes de uma músi- ca separados digitalmente). Eles me deram um novo impulso na vida, porque me dão a oportunidade de aprender como discos são gravados – tudo de novo e mais uma vez... Parece que você não é o tipo de pessoa que gosta de colaborar com uma só música. Quando alguém te contrata para trabalhar, você prefere uma colaboração mais abrangente? Bem, eu não tenho o know-how ou o conhecimento para fazer um manifesto grandioso em três minutos e 30 segundos. Gostaria de ter esse talento. Mas eu consi- go fazer esse manifesto em 70 minutos. Fale sobre os problemas em ser um especialista de música quando hoje se tem acesso a aparentemente toda a música do mundo. Não há realmente tempo para conhecer tudo. E eu não me desgasto para consu- mir música. Mas eu tenho que pensar o que vai acontecer com minha coleção de discos quando morrer. Um álbum ainda é uma forma viável de lançar música? Desde a época em que o Late Night discutia se ainda fazia sentido lançar discos completos, os Roots fizeram álbuns conceituais. Você sabe: nos filmes, quando os vilões percebem que acabou e que não tem saída, ou eles chutam o balde como em Thelma e Louise ou eles se rendem. Não há precedente para uma banda de rap a esta altura da carreira seguir no mesmo selo, lançando seu 16º disco. Eu sempre penso, “OK, este vai ser nosso último grande manifesto, e você sempre precisa de um grande ponto de exclama- ção no final”. Se você não compete com o que está no topo, como Rihanna ou o que for, então talvez devessemos apenas fazer o que melhor sabemos e... esperar que a guilhotina te corte a cabeça. Daí você lança o álbum, a guilhotina não cai e você se acalma e começa tudo de novo! www.theroots.com que os coloquem no caminho certo. Esta manhã mesmo eu tive que repreender alguém que censurou outra pessoa por não saber que “It’s a Shame” não era um rap de Monie Love, mas uma música dos Spinners dos anos 1960. Um dia entrei no Twitter e me dei conta de que essas coisas básicas que eu levava como garantidas, tinham que ser passadas adiante, sabe o que eu quero dizer? Há muita informação de fácil acesso por aí, tem que se ter paci- ência para filtrar isso assim como tem que se ter paciência para ajudar alguém a administrar toda essa informação. Eu tenho a sensação de que, quando eu era jovem, parecia haver uma quanti- dade finita de músicas. Hoje há muito mais lançamentos. Você pode falar sobre como absorver tudo isso? Para mim não é enlouquecedor. Dos três artistas que são mais importantes para mim nesse sentido – Stevie Wonder, Michael Jackson e Prince – eu tenho todo “NA ERA DO YOUTUBE VOCÊ PODE SENTAR NO SEU QUARTO E FAZER UM COVER DA MÚSICA DE LITTLE DRAGON E TER SUCESSO. MAS ISSO NÃO FAZ UMA CARREIRA DE 20 ANOS.” Questlove e The Roots na cerimônia introdutória do 27º Rock Roll Hall of Fame Mais perguntas e um vídeo exclusivo com Questlove dando show na bateria você confere no app gratuito da The Red Bulletin para tablets. THE RED BULLETIN 55
  • 56. SKATE Ser jovem na reserva indígena de Pine Ridge, nos EUA, não é fácil. Em um lugar onde a pobreza, o suicídio e o alcoolismo são companheiros constantes, o skate tem sido a salvação – uma boa pista é suficiente para transformar a vida e a cultura locais 56
  • 57. Jake Roubideaux, de 14 anos, flui sobre seu skate na pista de Wounded Knee EorDIE Texto: Andreas Tzortzis Fotos: Jay Hanna
  • 58. A pista de skate criou espaço para uma nova cultura e dá suporte a crianças e jovens (como Joe Mesteth, acima) que enfrentam as dificuldades da reserva indígena
  • 59. lijah Battese observa Bobby acertar um ollie numa bicicleta do outro lado da rampa, ficando 3 ou 4 metros acima do chão e aterrissando sem problemas. Boquiabertos, os outros garotos simplesmente exclamam: “oooh”. “Acho que posso acertar um desses”, diz Elijah num resmungo pré-adolescente, com seus olhos azuis acinzentados fixados na bicicleta. Diante dele está um drop de 10 metros. A descida é suave e o concreto está liso. As descidas emendam em um trecho plano, onde ficava uma antiga quadra de tênis. É lá que os skatistas costumavam ficar, no tempo em que não passavam de um grupo de desajustados que não praticava nem atletismo nem futebol. Entre duas quadras de basquete, um gramado descuidado, terrenos baldios e as áreas de reunião dos Sioux encontra-se hoje este espaço impensável e ainda estra- nho na reserva indígena de Pine Ridge, Dakota do Sul – espaços comumente en- contrados em Venice Beach, Los Angeles, ou Nova York. Os garotos usam skates detonados, de segunda mão ou doados, e voam na pista como se estivessem na Los Angeles dos anos 1970 e fossem Tony Alva, porém caem com facilidade. Mas eles chegam lá. E quando estão andando de skate, ficam longe de seus lares desestruturados e dos rolês em car- ros caindo aos pedaços com garrafas de bebida roubadas nas mãos. Enfim, não estão na marginalidade, pensando se alguém sentiria sua falta se sumissem. Nada é simples no lugar onde Eli e seus amigos estão crescendo. A moda radical de um esporte mainstream como o skate quase não foi adaptada – não há nada além da obsessão única de uma manobra bem realizada, o estalo dos shapes e a batida das rodinhas de poliuretano no concreto. E, assim, com todo esse barulho ao redor, Eli se concentra na extremidade do bowl, coloca seu calcanhar no shape e dropa, com sua trança até a cintura sacudindo ao vento. A história de como o Wounded Knee 4-Directions Skate Park chegou em Pine Ridge começou pouco antes de Eli e seus amigos nascerem, há 12 anos. Mas a história do porquê é muito mais antiga e tem suas raízes ligadas a fantasmas do passado, como tratados nunca cumpridos, maus-tratos e uma espiral de tristeza e autoaversão que assombram a reserva. Há estatísticas depressivas que contam a história dos antigos americanos nativos nos EUA. A reserva de Pine Ridge, lar dos Oglala Lakota Sioux, tem sido um barril de pólvora por mais de um século: desde a quebra do tratado do Forte Laramie em 1868, passando pelo movimento de mili- tância em favor dos direitos do índio nos anos 1970 e chegando ao massacre de Wounded Knee, Pine Ridge é com certeza o ponto mais crítico das políticas fracas- sas do governo americano relativas às po- pulações indígenas. A expectativa de vida E 59
  • 60. coleção de adesivos de marcas de skate, incluindo uma dos Wounded Knee. Walt Pourier e Jim Murphy desembar­ cam; sua chegada causa um pequeno alvo­roço, com muitos cumprimentos e alguns abraços entre uma dúzia de jovens presentes na pista. Eles estão bem familiarizados com seus benfeitores. A dupla chega diante de um cenário inimaginável um ano antes. “Quando Murf e eu entramos no carro de volta, a gente pensou, ‘cara, conseguimos!’”, diz Pourier com a voz trêmula. “É emocionante, e uma felicidade muito grande também.” Nascido e criado lá, Pourier sabe muito bem das dificuldades encaradas pelos skatistas. Hoje, morando em Denver, onde trabalha com design gráfico, ele retorna frequentemente para marcar presença em sua terra. “Uma boa parte da minha família ainda está aqui, muitos amigos, então voltamos frequentemente para cerimônias e reuniões familiares. Infelizmente, muitas vezes para funerais”, ele diz. O skate não existia em Pine Ridge no tempo de Pourier. Basquete, futebol e corridas indicavam status – e ainda indicam. Mas Pourier, um cara de cabelo enfeitado com penachos e cheio de energia, parecido com persona­ gens dos filmes de John Hughes, mostra­ va já naquela época um lado diferente. Quando Pourier chegou na California, conheceu e apaixonou-se pelo skate. Ten­ tou andar algumas vezes, mas nem sem­ pre teve muito sucesso. Mas diz que já chegou a 90 km/h em uma estrada. Hoje, aos 47 anos, já não se arrisca mais. “Eu geralmente caio. E faço uns barulhos estranhos quando vou ao chão”, diz. Metade palhaço e metade um eloquen­ te representante da juventude, Pourier viu no skate uma forma de conectar os jovens a tradições e cultura dos Oglala Lakota Sioux, costumes que os ajudam a crer em ser parte de algo maior. “Os jovens de hoje podem não dar bola à história como a do búfalo branco”, ele diz. “Então nós a desenhamos no shape.” Os shapes são um presente de Murphy, ou Murf, como ele é conhecido por todos. Skatista da lendária turma de Tony Alva, seu estilo vertical desapareceu quando o streetstyle entrou em voga em meados dos anos 1990. Mas seu amor pelo esporte, que se tornou um objetivo pessoal desde a morte do seu pai há 13 anos, nunca se esvaiu. Trabalhando em tempo integral como restaurador de vitrais, Murf e seu bom amigo, o falecido defensor do skate desta reserva, que tem aproximadamente o tamanho equivalente ao estado de Connecticut, é de 47 anos. O desemprego atinge mais de 90% da população, a maioria tem uma renda anual de cerca de US$ 3 mil. O alcoolismo persiste apesar da proibição, desestrutua as famílias e aniquila o espírito tribal. A dieta mal balanceada faz quase metade da população sofrer de diabetes. Carros velhos enferrujam em frente aos gramados mal cuidados de casas que muitas vezes abrigam numerosas famílias. Prédios mais recentes, com exceção de um hospital novo, são escas­ sos. Entre os nove distritos, Pine Ridge é o centro do conselho tribal, com sua rua principal que ostenta dois semáforos. Há uma lanchonete Subway, uma Pizza Hut e um posto Shell. Depois vem uma estatística que real­ mente choca – uma taxa de suicídio entre jovens que é 150% maior que a média nacional. Em um período de 45 dias em 2009, o Departamento de Segurança Pública de Oglala Lakota Sioux registrou 90 suicídios ou tentativas de suicídio. O celular que Tiny DeCory guarda no bolso como uma espécie de linha do suicídio, tocava sem parar naquela época. Na realidade ainda toca: jovens tomando overdose de comprimidos, outros que ligam para simplesmente dizer “eu quero me matar”, fazem com que ela pule no carro e acelere para onde estejam. “Há muitos fatores que contribuem para tal atitude”, diz DeCory, advogada da juventude e tia por adoção de “Tenho alguns problemas rolando na minha vida, mas na pista eu me sinto livre” ­incontáveis meninos na reserva. “Aqui existem mães solteiras sem nenhuma renda. A economia vai de mal a pior e segue cobrando seu preço. Alguns garotos entram no Facebook e escrevem ‘f*-se minha vida’, e eu sei quais são, porque é constante.” Há neste lugar coisas ruins o suficiente para fazer de alguém um desesperado, e DeCory, cuja reputação por falar e agir de forma direta é muito conhecida na reserva, tem uma visão nebulosa do futuro. Mas entre as ligações telefônicas de pânico e mensagens tristes, ela vem notando uma mudança: postagens no Facebook de crianças sorridentes e de skates; vídeos de celular com manobras realizadas com destreza; fotos dos suaves contornos da pista – seria o surgimento de uma real alternativa? “Temos nossos rodeios e encontros indígenas e nossos jogadores de basquete. Mas finalmente temos uma nova cultura”, ela diz. “E é a cultura do skate.” Uma SUV branca entra no estaciona­ mento de chão batido ao lado da pista de skate numa manhã ensolarada de um sábado de primavera. A parte traseira do carro está coberta com uma crescente À esquerda: Leroy Janis, o cara que andava de skate na reserva quando ninguém sabia o que era. Hoje ele é considerado um dos mentores do movimento. À direita: Jaydin Thomas Peters 60 THE RED BULLETIN
  • 61. A partir da foto superior esquerda, em sentido horário: Elijha Battese (centro) e Jaydin Peters (direita); Will Peters; Elijah, Taylor e Leroy descem a colina; as meninas que andam pelo parque
  • 62. novaiorquino Andy Kessler, criaram uma empresa. Como uma brincadeira, decidi- ram fazer uma homenagem a seus corpos decadentes e chamá-los de Wounded Knee (que sigifica joelho machucado). Os livros escolares se referem a esse episódio de sua história somente como a uma batalha entre os Sioux e os remanes- centes da 7ª Cavalaria que montavam guarda na reserva no inverno de 1890, omitindo que Wounded Knee foi um mas- sacre profetizado pelo chefe Sioux Touro Sentado. Trezentos Sioux, incluindo mulheres e crianças, foram executados, seus corpos deixados para congelar para depois serem jogados numa vala comum. A maior característica do design de shapes de skate Wounded Knee é a inspi- ração na cultura nativa norte-americana; os shapes vêm com uma folha contendo informações detalhadas sobre o massacre e suas consequências (como é possível ver no pé desta página). “Sempre sonhávamos ver uma pista de skate em Pine Ridge como homenagem àqueles que morreram em Wounded Knee”, disse ele. “Mas ainda parecia algo inimaginável.” “Não é apenas construir rampas de skate, é mudar mentalidades” Walt Pourier História Desde o começo do século XIX, as tribos da grande nação Sioux dominaram as planícies do Norte dos EUA. O tratado do Forte Lara- mie de 1868 confinou os Lakota Sioux a uma região do que é hoje o sudoeste de Dakota do Sul, trans- formando pela força uma cultura guerreira em uma sociedade agrí- cola.A reserva de Pine Ridge foi es- tabelecida formalmente em 1889. Um ano depois, 300 Sioux foram massacrados pela 7ª Cavalaria em Wounded Knee Creek. Em 1973, Wounded Knee teve mais uma vez um impasse com o governo ameri- cano quando membros do movi- mento de ativistas dos índios locais tomaram a região, protestando por melhores condições. O confronto armado durou 71 dias, despertou a consciência para a causa dos índios e conduziu mudanças de vida na reserva, buscando, inclusive, um resgate cultural. Enquanto o conse- lho tribal mantém jurisdição sobre a reserva, incluindo os departa- mentos de segurança pública, os governos estadual e federal ainda participam. Dos estimados 2,5 milhões de índios americanos, 40 mil vivem hoje em Pine Ridge, a maioria deles abaixo da linha de pobreza. Em 1980, a mais longa batalha judicial da história dos EUA terminou quando a Suprema Corte estabeleceu uma multa de US$ 106 milhões em favor dos Sioux, determinando que os Black Hills e 7 milhões de acres de terra foram injustamente toma- dos pelo governo. Mas as tribos recusaram o dinheiro, seguindo na luta pela devolução das terras. Em 2007, Murf participou de uma exibição que a Smithsonian organizou sobre skatistas índios. Lá ele conheceu Pourier. Os conhecidos de Pourier conse- guiram arranjar as coisas, e a Grindline, uma fabricante de pistas de skate, se ofereceu para construir uma por um preço reduzido. Pourier e Murf conse­ guiram uma doação de US$ 10 mil da Tony Hawk Foundation, que foi acrescida com aportes do mesmo valor por dois outros membros da fundação. O baixista do Pearl Jam, Jeff Ament – que foi skatista e cresceu próximo a uma reserva em Montana – também abraçou a causa. A construção teve início em setembro de 2011. A rampa foi aberta algumas semanas depois, no dia 16 de outubro, em uma grande cerimônia, durante a qual Pourier recebeu uma bandeira tribal, uma honra normalmente reservada aos idosos. “Essa rampa de skate traz a eles mais uma razão de viver. É alguma coisa que os instiga e mantém as mentes ocupadas”, diz Murf. “Você pode lidar melhor com os sentimentos. É possível trabalhar isso na pista de skate, com uma grande família de skatistas para te apoiar.” A maioria dos garotos da pista chega cedo e vai embora tarde. Com a visita de sábado da dupla Pourier e Murf não é diferente. Os cães da reserva andam pelos arredores, farejando os primeiros sinais do churrasco. O estacionamento é de chão batido cheio de barrancos e buracos esculpidos pelo mau tempo. Alguns car- ros velhos sem farol e outros com remen- dos de plástico nas janelas vêm chegando. Entre os skatistas, um se destaca. Sob uma juba tingida de laranja e um rabo de cavalo, o lado direito do rosto de Joe Mesteth, o “Crazy J” , está coberto por um desenho de prata e tinta azul. “Ele é um pouco a exceção da regra aqui na reserva”, diz Pourier. “Eu acho que o skate é simplesmente aquilo que o mantém vivo. Ele está vivendo a ideia de o skate realmente poder salvar vidas.” A biografia de Crazy J segue uma tendência quase generalizada da reserva. Com pais alcoólatras, ele foi criado por seus avós. Apesar de já ter trabalhado para o presidente da tribo, ele acabou se envolvendo com o tráfico. “Os problemas daqui não se comparam aos problemas de fora”, diz Mesteth com uma voz calma. “Se estivesse vivendo no mundo dos brancos, eu provavelmente conseguiria algum dinheiro para pagar o aluguel. Aqui na reserva ou você tem um sobrenome ou terá que vender droga para conseguir dinheiro.” Mas Crazy J não é um traficante ou um bandido qualquer. Seu lar no momento FOTOSADICIONAL:CORBIS,WOUNDEDKNEE