Princípios e diretrizes para a civilização do sistema prisional brasileiro
1.
2. 1.ª CONFERÊNCIA NACIONAL DE SEGURANÇA PÚBLICA 1.ª CONFERÊNCIA NACIONAL DE SEGURANÇA PÚBLICA
1.a CONFERÊNCIA NACIONAL DE
SEGURANÇA PÚBLICA
Eixo Temático N.o 6
PRINCÍPIOS E DIRETRIZES
1.o PRINCÍPIO:
SUMÁRIO
CIVILIZAÇÃO DO SISTEMA PRISIONAL
Apresentação .......................................... 07
DIRETRIZES
Introdução ............................................. 11 a) Desenvolver programas e projetos que assegurem
efetividade na ressocialização, no amparo ao egresso e no
Nosso mundo inseguro .............................. 15 resguardo de familiares dos diversos atores.
A Polícia Penal ........................................ 29 b) Estimular a participação da sociedade civil em projetos e
programas com repercussão na reintegração social.
Princípios e Diretrizes .............................. 41
c) Incrementar, junto aos órgãos próprios, programas de
Conclusão .............................................. 43 aplicação de penas alternativas.
Bibliografia ............................................ 48 2.o PRINCÍPIO:
RECONHECIMENTO CONSTITUCIONAL DA
POLÍCIA PENAL
DIRETRIZES:
a) Implementar esforços visando a promulgação da PEC-308.
b) Profissionalizar a Administração Prisional.
c) Aprimorar a interação da Administração Prisional com os
demais órgãos do Sistema de Defesa Social.
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3. 1.ª CONFERÊNCIA NACIONAL DE SEGURANÇA PÚBLICA 1.ª CONFERÊNCIA NACIONAL DE SEGURANÇA PÚBLICA
APRESENTAÇÃO
Com muita satisfação, a Federação Brasileira dos Servido-
res Penitenciários (FEBRASPEN) vem manifestar seu entendi-
mento de que é extremamente oportuna a iniciativa de realiza-
ção da 1.a Conferência Nacional de Segurança Pública.
Pela leitura de seu texto-base, refulge uma inusitada expecta-
tiva de que, finalmente, atos preocupantes e fatos angustiantes,
que afetam a harmonia e a paz sociais, estarão sendo discutidos
e analisados sob a ótica do interesse social, com protagonismo
de representantes de expressivos segmentos da sociedade bra-
sileira, civil e política. Certamente, emergirá uma efetiva política
de Estado – sucedida por judiciosa estratégia – em substitui-
ção a políticas de Governo e de partido, que se mostraram, até
aqui, impróprias para mitigar a ameaça-matriz de insegurança
em nosso país: a violência, bipartida em violência da exclusão
social e violência da criminalidade.
É com muita esperança que estaremos participando desse
inédito trabalho. Pretendemos oferecer nossa contribuição em
duas frentes: uma, genérica, trazendo subsídios inovadores,
não dogmáticos, para a discussão maior sobre a (in)segurança
pública (social); outra, específica, para que a Administração
Prisional seja mais bem entendida, respeitada e valorizada.
Mais profissional e, decerto, mais produtiva.
Pretende-se discutir a inexistência de um estável sistema
penitenciário, apontando a realidade de vários órgãos e enti-
dades estanques, alguns até realizando ótimos trabalhos, ain-
da que isoladamente. E expor que, ao contrário de corrente
lugar-comum, o chamado Sistema Penitenciário não está fali-
do. Está preterido, desconsiderado, desarrumado, relegado.
6 A POLÍCIA PENAL NO CONTEXTO DA SEGURANÇA PÚBLICA EIXO TEMÁTICO N.º 6 / PRINCÍPIOS E DIRETRIZES 7
4. 1.ª CONFERÊNCIA NACIONAL DE SEGURANÇA PÚBLICA 1.ª CONFERÊNCIA NACIONAL DE SEGURANÇA PÚBLICA
É cristalino que a atual combinação desagrada apenados, Felizmente, a julgar pelo texto-base da 1.a Conferência Na-
profissionais da área e sociedade. Os primeiros reclamam, às cional de Segurança Pública, os tempos são outros.
vezes sem muito eco – que não significa sem razão – de con-
dições subumanas de instalações e de tratamento e, para que É de se predizer que a concretização de uma democrática
a mídia mostre à sociedade eventuais abandono e degradação e humana política prisional há de ser vista em um sistema
localizados, promovem rebeliões. Já, nós, que operacionaliza- de administração prisional que priorize o trabalho profissio-
mos a Lei de Execuções Penais (LEP), via custódia e ressocia- nalizante do preso, sua educação formal, o tratamento de
lização, clamamos que passa do suportável a incúria do poder dependentes químicos, cuidados com a família dos presos
público, observada na postergação de quadros profissionais, e com o egresso, acompanhamento das penas alternativas,
na negligência que envolve o preparo técnico e no desprovi- de livramentos condicionais, de penas restritivas de direi-
mento logístico. A sociedade, tensa e angustiada, é mais outra to, medidas de segurança e tratamento ambulatorial. Uma
vítima da desídia, que tende a desaparecer valorizando-se o política prisional catalisadora de aspirações e de anseios
órgão encarregado das custódia, ressocialização e – inovando sociais, uma administração prisional que compatibilize se-
– da fiscalização de decisões judiciais (medidas de segurança, gurança, reajustamento e readaptação, onde o cumprimen-
penas alternativas). Isso deve começar pela profissionalização to integral da pena seja um objetivo, mas, a reintegração
da instituição, pelo profissionalismo de seus integrantes e pela social seja o fim.
modernização tecnológica.
A FEBRASPEN pode e quer dar seu contributo, em razão
Por oportuno, é interessante ressaltar que alguns Estados de experiência adquirida e conhecimentos consolidados.
começam a perceber a tremenda vulnerabilidade que o arre- Via abordagem genérica, deseja apresentar seus pontos
medo de uma atividade prisional, amadora, pode provocar. de vista sobre a (in)segurança, e, sobre a Administração
Prisional, através de considerações específicas. Tem a
Lamentavelmente, o trabalho de reintegração de presos ao convicção de que seus filiados, em razão de singelo ama-
pleno convívio social, realizado em estabelecimentos penais dorismo que tem evoluído para entusiástico profissionalis-
brasileiros, com honrosas exceções, é, sabidamente, de má mo ao longo dos anos, podem auxiliar no entendimento
qualidade. Quando existe!... doutrinário de instigante e angustiante tema. Em paralelo,
tem a certeza de que, trabalhando ao final do ciclo de Polí-
A população brasileira já tem constatado que não há bons cia, podem concorrer para a tranqüilidade social.
resultados, muito menos produtividade, em decorrência de
tíbia política de reinserção social. E o Estado de hoje, que
vê o barco dar água, hesitava em pagar a conta da imprevi-
dência, do descaso do Estado de ontem.
8 A POLÍCIA PENAL NO CONTEXTO DA SEGURANÇA PÚBLICA EIXO TEMÁTICO N.º 6 / PRINCÍPIOS E DIRETRIZES 9
5. 1.ª CONFERÊNCIA NACIONAL DE SEGURANÇA PÚBLICA 1.ª CONFERÊNCIA NACIONAL DE SEGURANÇA PÚBLICA
INTRODUÇÃO
Cada um a seu modo, os brasileiros vêm sofrendo com a
violência, ensejando que, em alguns locais e em algumas co-
munidades, a vida passe a ser vivida em permanente aflição.
O localizado desassossego de moradores de guetos e favelas
já está pulverizado nas ruas e avenidas do asfalto; o que era
peculiar a grandes cidades está presente na quase totalidade
das cidades brasileiras; as mazelas e as contradições sociais
metropolitanas alastram-se endemicamente para o interior.
Verifica-se, ultimamente, muita movimentação em torno
dessas duas vertentes da violência. Conseqüência, por certo,
do sentimento e do clamor de que algo tem de ser feito (deve-
ria ter sido feito) para se evitar o agravamento da má qualidade
de vida, que atingiu alguns e tende a afetar todos.
A sociedade política, historicamente preocupada com a
causalidade, com “o quê” está ocorrendo, está ocupada com
“o por quê” está acontecendo, em identificar causas e efeitos.
A percepção de que a violência é menos um problema policial
que um grave e complexo problema social tem ganhado es-
paço, juntamente com o entendimento de que a violência da
criminalidade é irmã siamesa da violência da exclusão social.
Ambas somente serão minimizadas mediante predominân-
cia de ações simultâneas, proativas, equilibradas e sistêmicas.
Significa dizer, portanto, que é incorreto priorizar unilateral-
mente a contenção (prevenção e repressão) criminal em detri-
mento da inserção (ou da reinserção) social e vice-versa.
10 A POLÍCIA PENAL NO CONTEXTO DA SEGURANÇA PÚBLICA EIXO TEMÁTICO N.º 6 / PRINCÍPIOS E DIRETRIZES 11
6. 1.ª CONFERÊNCIA NACIONAL DE SEGURANÇA PÚBLICA 1.ª CONFERÊNCIA NACIONAL DE SEGURANÇA PÚBLICA
Nas três esferas do Estado, nos três poderes, na socie- Fundamentalmente, falta coordenação inteligente das ativi-
dade civil, enfim, na nação brasileira, há um sentimento dades de defesa da sociedade na União, nos Estados e nos
coletivo e uma vontade unânime de que essas violências Municípios. Falta interação! Falta sistematização, falta siner-
sejam reduzidas a patamares toleravelmente aceitos. Inú- gia, falta gestão! Falta efetividade! Afinal, como a violência é
meras comunidades acadêmicas e científicas têm pesqui- multifacetada, exige, na definição e tratamento dessa síndro-
sado exaustivamente o tema; empresas públicas e priva- me, mais que o comprometimento de profissionais de seguran-
das se engajam no esforço da responsabilidade social; ça pública.
ministérios, secretarias estaduais e municipais, autarquias
apresentam uma idéia, um programa, um projeto, uma pro- Exige, e é extremamente importante, o envolvimento con-
posta; clubes de serviço, ONG’s, comunidades diversas comitante e convergente de operadores de direito, médicos,
mobilizam-se. Junte-se a premissa básica de que há sufi- educadores, assistentes sociais, psicólogos, comunicadores,
ciente recurso financeiro para pesquisas, projetos, fóruns, sociólogos, filósofos, pesquisadores, arquitetos, urbanistas,
ações concretas, enfim, para discutir e operacionalizar ve- engenheiros, administradores, religiosos, sindicalistas, políti-
lozmente alternativas de solução, que se mostrem adequa- cos, militares, trabalhadores em geral, empresários, por fim,
das, exeqüíveis e aceitáveis. de tantos quantos queiram e possam auxiliar na montagem do
quadro da violência e na fixação de prioridades e responsabili-
Se há um desejo nacional de mitigar a violência, factíveis dades de solução a curto, médio e longo prazos. Objetivamen-
alternativas e recursos para implementá-las, por que essa te, esse é um dos propósitos da Conferência.
ameaça nos aflige, cada vez mais? Porque, em maioria, as
ameaças são controláveis, mas, nem sempre são controla- E a FEBRASPEN se rejubila por isso!
das; há muita notícia, pouca informação; muita comissão,
pouco plano; muito planejamento, pouco fazimento; muita
concepção, pouca execução; muita teoria, pouca prática;
muita resignação, pouca indignação; doloroso clamor sazo-
nal, solução paliativa pontual.
12 A POLÍCIA PENAL NO CONTEXTO DA SEGURANÇA PÚBLICA EIXO TEMÁTICO N.º 6 / PRINCÍPIOS E DIRETRIZES 13
7. 1.ª CONFERÊNCIA NACIONAL DE SEGURANÇA PÚBLICA 1.ª CONFERÊNCIA NACIONAL DE SEGURANÇA PÚBLICA
NOSSO MUNDO INSEGURO
O brasileiro está entendendo a insegurança. Compreendeu
que ela está na terra, no mar, no ar, está em qualquer lugar.
Não apenas do Brasil, mas, do mundo!
Com a descoberta, está sofrendo mais, está padecendo de
um mal moderno: a síndrome de insegurança social. Um fan-
tasma que o sobressalta, que o ataca de imprevisto, que o
estressa, que o debilita física, emocional e financeiramente.
Quando e como ele será a próxima vítima de crime, de desas-
tre, de interrupção de serviços essenciais ou de qualquer outra
desídia ou desarranjo social que põe em xeque a preservação
e a perpetuação da espécie humana ou que perturba a vida
social?
Por outro lado, terá sido essa síndrome, essa sensação
de ser a próxima vítima que o tem levado a compreender a
insegurança, a reconhecer que o ambiente de segurança é
uma utopia e, para se alcançar o estágio de tranqüilidade
social, temos de atuar sobre as vulnerabilidades que in-
fluem no ambiente de insegurança social?
Enigma à parte, fato concreto é que a sociedade brasi-
leira está sofrendo muito com a insegurança real e padece
demais com a sensação de insegurança, porque as amea-
ças apresentam matizes e formas que se multiplicam, ainda
que previsíveis.
14 A POLÍCIA PENAL NO CONTEXTO DA SEGURANÇA PÚBLICA EIXO TEMÁTICO N.º 6 / PRINCÍPIOS E DIRETRIZES 15
8. 1.ª CONFERÊNCIA NACIONAL DE SEGURANÇA PÚBLICA 1.ª CONFERÊNCIA NACIONAL DE SEGURANÇA PÚBLICA
Quais atitudes, que providências efetivas, nas esferas par- A partir do momento em que a discussão desse tema foi
ticular e governamental, estão sendo tomadas para que se intensificada, constatou-se a necessidade de se entender e de
sofra menos, para que nossos filhos e netos tenham melhor se conceituar novos fatores intervenientes, com destaque para
qualidade de vida? Verifica-se que, instalada uma ameaça, as ameaça, proteção e defesa.
pessoas têm optado por uma ruidosa mas efêmera manifes-
tação sazonal de revolta. Porém, constata-se que, logo, logo, Grosso modo, ameaça é tudo aquilo que pode afetar nega-
a indignação é trocada pela resignação, até o surgimento de tivamente a preservação e/ou a perpetuação da espécie hu-
nova ameaça, num ciclo vicioso respingado de dor e angústia, mana, seja de origem física (riscos e perigos), seja de origem
que não gera soluções e que vêm alterando, para pior, o nosso psicológica (receios e medos).
exacerbado ambiente. Já a proteção é caracterizada por anteparos (vistos em con-
junto ou individualmente) colocados diante das ameaças, com
Observa-se que volumosos clamores não têm sido atendidos,
destaque para instrumentos como a família, a religião, a edu-
em maioria. É que são dirigidos a instituições e órgãos que não
cação, a economia, o Estado.
têm a necessária capacidade de absorvê-los ou a competência
legal para solucioná-los. São reclamações certas, feitas, porém, Quanto à defesa, pode-se dizer que se refere à operaciona-
em lugares errados. Então, uma situação grave: à medida que a lização da proteção, através de mecanismos de salvaguarda e
violência aumenta, também se banaliza. de progressão sociais.
Pessoas passam a não acreditar na eficácia de programas Todo esforço que vise a minimização, estabilização ou elimina-
oficiais, nem confiam na capacidade de as autoridades rever- ção de ameaças é um mecanismo de defesa praticado por um ins-
terem o quadro, que se agrava mais e mais. Há, somente, trumento de proteção, na busca do utópico ambiente de seguran-
cobranças eventuais, pontuais, isoladas, não mais que isso. ça. É, na prática, um redutor de vulnerabilidades por onde fluem as
Movimentos coletivos, organizados, não têm obtido grandes ameaças. Dessa forma, a nós nos parece equivocada a colocação
êxitos em suas cruzadas. Provavelmente, a causa de insuces- de que determinados trabalhos são realizados visando a aumentar-
sos no enfrentamento a essa chaga social esteja no equívo- se a segurança. Trabalha-se para a redução de vulnerabilidades
co do foco. Verdadeiramente, a questão da violência no Brasil no ambiente de insegurança em que a vida é vivida.
não está muito bem focada.
Para fazer face às ameaças, não se produz segurança.
Até bem pouco, era comum serem feitas abordagens sobre Utilizam-se, sim, instrumentos de proteção, que aplicam me-
aspectos relacionados à “segurança”, como se fora, dogmatica- canismos de defesa, que mitigam as ameaças em nosso am-
mente, um produto contraposto a uma ameaça. Daí, expressões biente de insegurança.
em que a palavra “segurança” é usada no sentido de significar
“estar protegido, ser defendido contra ameaças”. Assim, já não se tem como certo que segurança é algo que
se faz, que se dá, que se realiza.
16 A POLÍCIA PENAL NO CONTEXTO DA SEGURANÇA PÚBLICA EIXO TEMÁTICO N.º 6 / PRINCÍPIOS E DIRETRIZES 17
9. 1.ª CONFERÊNCIA NACIONAL DE SEGURANÇA PÚBLICA 1.ª CONFERÊNCIA NACIONAL DE SEGURANÇA PÚBLICA
Segurança, então, seria um ambiente resultante de uma Infira-se que o Estado, através de órgãos específicos,
situação simultânea em que, objetivamente, todas as ame- está permanentemente desenvolvendo esforços, visando
aças à preservação e à perpetuação da espécie humana a instalação de um clima de convivência harmoniosa e pa-
estão sob absoluto controle e, subjetivamente, existe a fir- cífica.
me convicção, a crença de que efetivamente estão contro-
ladas. Para tanto, realiza trabalhos de inserção social (prepara-
ção para o convívio social) e reinserção social (correção de
Significa dizer que deve haver concomitância da proteção
objetiva (efetivo controle de todas as ameaças) e da prote- desvios). A reinserção social abrange atividades destinadas a
ção subjetiva (crença na ausência de ameaças). Pode pa- minimizar ou eliminar situações que levam um grande contin-
recer chocante, num primeiro momento, porém, ratifica-se, gente a viver à margem social. Esse contingente é represen-
fica evidente que o ambiente de segurança é uma utopia, tado pelos marginalizados e por marginais. Marginalizados
ainda que deva ser perseguida permanentemente. são indivíduos à margem dos direitos sociais e todo traba-
lho, de que são destinatários, tem como foco o moral e visa
Observa-se que, ultimamente, a discussão vem girando em
a reinclusão social. Marginais são indivíduos à margem de
torno da “insegurança” – o que nos parece absolutamente cor-
deveres sociais e o trabalho realizado com eles e para eles,
reto – visto que o ambiente que nos cerca é, e sempre foi, de
pela sociedade política ou pela sociedade civil organizada,
insegurança, porque as ameaças estão sob precário controle
ou por comunidades isoladas, tem como foco a Moral e visa
e há percepção disso, ou porque as ameaças, objetivamente,
estão sob relativo controle, mas, não há a crença subjetiva, a reintegração social.
concomitantemente, e vice-versa.
Tende-se a um consenso de que o intranqüilizador quadro
Cada país tem uma ameaça específica que mais o fusti- da exclusão social, que agrava o fenômeno da marginalização,
ga, que mais afeta a serenidade e a confiança de seu povo. é um dos vetores da marginalidade. Uma das razões seria a
Constitui o que se convencionou chamar, aqui, de raiz ou ma- distopia social ou funcionamento anômalo de órgãos de pro-
triz de insegurança, podendo ser o terrorismo, a fome, a mi- teção social, com destaque para os vinculados à educação,
séria, a violência, a AIDS, o ebola, um vulcão, dentre outras. verdadeiro calcanhar de Aquiles.
Lembre-se que, na sociedade brasileira, as raízes da insegu-
rança estão bipartidas na violência da exclusão social e na A afirmação de que vivemos em um ambiente de inseguran-
criminalidade violenta. A exclusão está presente nas carên- ça não visa trazer inquietações ou aumentar angústias, ansie-
cias de assistência social, moradia e remuneração dignas, na dades, tensões, mas, ao inverso, aplacá-las, trazendo ajuda
inacessibilidade a serviços médico-hospitalares, na fome, na para a exata compreensão desse tão real quanto tormentoso
miséria, no analfabetismo, na deseducação, no desemprego, fenômeno social.
na desocupação, na concentração de renda.
18 A POLÍCIA PENAL NO CONTEXTO DA SEGURANÇA PÚBLICA EIXO TEMÁTICO N.º 6 / PRINCÍPIOS E DIRETRIZES 19
10. 1.ª CONFERÊNCIA NACIONAL DE SEGURANÇA PÚBLICA 1.ª CONFERÊNCIA NACIONAL DE SEGURANÇA PÚBLICA
Essa assertiva tem sustentação no fato de que é de todo Sobre a proteção social, lembre-se que, desde a pré-histó-
impossível a contenção plena, o controle absoluto de todas as ria, o homem sentiu que, sozinho, era impotente para enfren-
ameaças (as adversidades, os antagonismos, as pressões), tar as ameaças à preservação e perpetuação de sua espécie.
em virtude do inopinado (tempo) e do imponderável (espaço) Agrupou-se, dando origem a famílias, clãs, tribos, comunidades,
que as cercam. Predominam incertezas, mínimas que sejam, sociedades e, finalmente, ao Estado. Este, portanto, teria sua
quanto às circunstâncias de sua ocorrência (local, época, for- origem ligada à necessidade de prover a proteção do ambiente
ma, freqüência, intensidade). social e promover, de forma suplementar, o seu desenvolvimen-
to. Preservar e perpetuar a espécie humana e, subsidiariamen-
Então – pode surgir a pergunta – como viver em um reco- te, bens e interesses, enquanto eleitos pela própria sociedade,
nhecido ambiente de insegurança? De duas maneiras: de for- são objetivos da proteção, cujo provimento se dá através de
ma sensata, acreditando estarem as ameaças sob o controle mecanismos de defesa contra as ameaças.
possível ou exigindo que assim o seja, sem histerismos, ado-
tando uma postura de autocontrole, que decorre da sensação O Estado atual é um macrossistema integrado pelo sistema
de segurança (sentimento de que se está em um ambiente de desenvolvimento, cujas atividades são realizadas, ou regu-
de segurança, no qual se está totalmente protegido contra as ladas, ou regulamentadas pela autoridade estatal, e o sistema
de proteção, cujo provimento é realizado pelo Estado origina-
ameaças, conforme o que é possível e tolerável), que se ini-
riamente e pela sociedade civil supletivamente.
cia com a prática de cuidados mínimos, de responsabilidade
individual; a segunda seria viver de forma insensata, onde pre- A emergente expressão novíssima “defesa social” nos pa-
dominam atitudes irracionais, tornando-se, algumas pessoas, rece mais apropriada que “segurança pública”, para caracteri-
presas da síndrome de insegurança (não usa carro, não vai a zar o esforço de proteção à sociedade:
Nova York, não sai de casa).
• restritiva, ao contemplar só o trabalho realizado pelo gover-
Manifestações dessas ameaças são vistas e sentidas no e, ainda, apenas aquele contra a criminalidade;
através da brutalidade do homem contra a natureza, e vice-
• equivocada, porque segurança não seria um trabalho, uma
versa, e do homem contra o próprio homem, sempre na razão
ação, mas, uma situação, um ambiente;
direta da constatação de inexistência (ausência), insuficiência
(baixa quantidade), ineficiência (inadequação) deficiência (bai- • desgastada, porque sua citação, atualmente, vem acompa-
xa qualidade) dos instrumentos e dos mecanismos de defesa. nhada de descrédito, chacotas e desconfiança;
• paradoxal, porque, conforme o conceito que vem predo-
Acredita-se que somente através do fortalecimento dos ins-
minando, é a atividade desenvolvida por órgãos estatais,
trumentos de proteção, ao qual se segue uma diligente apli- enquanto que segurança privada é praticada por entidades
cação dos mecanismos de defesa, é que as ameaças estarão civis, ainda que a CF, art.144, estabeleça que segurança
relativamente bem controladas. pública (sic) é responsabilidade de todos.
20 A POLÍCIA PENAL NO CONTEXTO DA SEGURANÇA PÚBLICA EIXO TEMÁTICO N.º 6 / PRINCÍPIOS E DIRETRIZES 21
11. 1.ª CONFERÊNCIA NACIONAL DE SEGURANÇA PÚBLICA 1.ª CONFERÊNCIA NACIONAL DE SEGURANÇA PÚBLICA
A Novíssima Defesa Social, parece-nos, tem significação É possível listar, no mínimo, cinco razões: os índices de cri-
mais abrangente, adequada e inovadora: minalidade violenta, efetivamente, estão subindo; há uma sín-
drome de violência urbana; o foco da discussão vinha sendo
• abrangente, pois, mesmo sendo iniciativa do governo, a so- dirigido apenas à causalidade; há pouca efetividade nas ações
ciedade civil é convocada a participar – e vem participando preventivas e corretivas; há informação insuficiente sobre esta
– além de alcançar todos os mecanismos para minimiza- grave doença do tecido social.
ção e controle das ameaças: a defesa da evolução social,
a defesa antiadversidades sociais, a defesa da seguridade Não se vive sob hipóteses, mas sob uma realidade fá-
social, a defesa antiinfrações sociais e a defesa antidesor- tica: está ocorrendo uma escalada da violência nas gran-
dens sociais; des cidades brasileiras. Se se fizer uma correlação entre as
• adequada, quando se entende a “defesa” como ato ou efei- de São Paulo, Rio, Curitiba, Recife, Cuiabá, Vitória, BH e
to de intervir, defender, enfim, como a manifestação prática outras, é possível que, relativamente, uma seja tão violen-
da proteção, que ensejará o ambiente de segurança; ta quanto as demais. Esse fato decorre da constatação de
que a estatística criminal é simplista, trabalha com números
• inovadora porque decorre de um exame inédito de surgimen- linearmente progressivos, conhecidos através de relações
to, delimitação e contenção de quaisquer ameaças. Não se diretamente proporcionais. Se complexa, trabalharia com
refere , apenas, à criminalidade violenta e organizada. números exponenciais (resultado de correlações de certos
Note-se que, em alguns Estados, extinguiram-se Secreta- indicadores).
rias de Segurança Pública e criaram-se Secretarias de Defesa
Social. Porém, elas realizam, quase que na totalidade, apenas Comprovado que drogas e armas estiveram presentes na
a salvaguarda social (a defesa antiinfracional – prevenir, re- quase totalidade dos casos, obvia e prioritariamente devem
primir, investigar delitos – e a defesa contra outros desarran- ser desencadeadas vigorosas ações e operações de desar-
jos sociais, que eram atividades da então segurança pública), mamento (não apenas de cidadãos, mas, sobretudo, de mar-
além da defesa antiadversidades sociais. ginais) e de combate ao tráfico de drogas.
Quanto à violência da criminalidade, a violência urbana Há um comportamento letárgico, muito pouco técnico da
– expressão cunhada pela mídia, na década de 70, visando União, no que se refere ao enfrentamento, na origem, dessas
designar a emergente nova roupagem da velha criminal – ad- chagas sociais, que são responsáveis, em maioria, pela as-
quiriu novos contornos, evoluiu e é, nos dias de hoje, uma sustadora e incômoda elevação dos índices de violência nos
das maiores ameaças nas grandes cidades. É uma situação Estados-membros. Urge que se tenha um sistema mais profi-
que, quase, já se aproxima de um diagnóstico de endemia ciente, mais ativo, atuando nos pontos de fronteiras, onde se
social, o que vem protagonizando inquietações e infortúnios iniciam os eixos internos de suprimento que têm suas fontes
para muitos cidadãos. de abastecimento externamente.
22 A POLÍCIA PENAL NO CONTEXTO DA SEGURANÇA PÚBLICA EIXO TEMÁTICO N.º 6 / PRINCÍPIOS E DIRETRIZES 23
12. 1.ª CONFERÊNCIA NACIONAL DE SEGURANÇA PÚBLICA 1.ª CONFERÊNCIA NACIONAL DE SEGURANÇA PÚBLICA
Tecnicamente, a União é que vem sendo desafiada, vem Como exemplo, a briga de quadrilhas, pela posse de de-
lutando uma renhida queda-de-braço com os traficantes. Po- terminado ponto de tráfico de drogas, numa cidade, é um
rém, aos olhos do povo, os Estados-membros, através de suas acontecimento com repercussão nacional e provoca abalos
polícias, é que são os perdedores. no ambiente de insegurança das demais cidades brasileiras,
afetando, negativamente, a sensação de segurança de seus
A União deve assumir o combate efetivo aos crimes fede- moradores.
rais, não apenas por intermédio da Polícia Federal – que vem
esmerando-se no trabalho de Inteligência – mas, também, con- Esse fenômeno vem sendo denominado de Ilusão de Iso-
ferindo o caráter de permanente à Força Nacional de Defesa topia, isto é, aquela sensação ou aquele sentimento de que
Social, hoje de Segurança Pública, além de revisar convênios se está vivendo naquele lugar onde ocorreu o fato, ou de
celebrados com os membros da Federação. que, onde se vive, ocorrerá o mesmo fato, inevitavelmente,
gerando a “síndrome de próxima vítima”. Fatos reais são re-
Isso também ajudaria no entendimento cabal de destinação de presentados na estatística por uma linha sinuosa, enquanto
força para atuar na defesa social, fazendo desaparecer a insubsis- que a lógica da síndrome é uma reta ascendente, que sem-
tente, por equivocada, celeuma do emprego das Forças Armadas pre acumula fatos.
no policiamento ostensivo, quando sua razão de ser é a defesa
nacional. Obviamente, isso não a desobrigaria do monitoramento Veja-se que, em concreto, paralelamente aos aspectos de
de nossas fronteiras, secas e molhadas, e da intervenção opera- ordem emocional, instalam-se situações geradoras de violên-
cional, ali, contra o tráfico, que começa a afetar a defesa do país. cia. Por exemplo, há notícias de existência de “feudos” em al-
guns pontos de periferias e de favelas, nas grande cidades,
A escalada da criminalidade violenta não será contida ape- onde a “polícia não entra”, onde são cobrados “pedágios” de
nas com o trabalho das polícias, por mais bem treinadas, ar- comerciantes locais e das redondezas, por traficantes ou mili-
madas, equipadas, que possam vir a ser (porque hoje não es- cianos. Isto é extremamente perigoso. Pior, inquietante e pre-
tão, visto que a maioria dos governantes enxerga gastos com ocupante.
polícia como sendo despesa e não investimento).
Quanto ao foco da discussão, constata-se que estava vol-
A contenção criminal deve ser o resultado de um esforço tado apenas para uma parte da questão: para a causalidade,
sinérgico, envolvendo a sociedade civil e a sociedade política, espaço e tempo onde eclodem os delitos e para onde fluem
nos níveis federal, estadual e municipal. as causas e refluem os efeitos. São raros os trabalhos que
abordam, em amplitude e profundidade, causas e efeitos da
Também se observa que, em razão de os grandes veículos
violência, particularmente da criminalidade. Esses agentes in-
de comunicação de massa do Brasil localizarem-se no eixo
tervenientes – causas e efeitos – sempre foram relegados e
Rio-São Paulo, é comum que um fato, ali ocorrido e noticiado,
pouco analisados, questionados, pesquisados.
invada nossos lares, do Oiapoque ao Chuí.
24 A POLÍCIA PENAL NO CONTEXTO DA SEGURANÇA PÚBLICA EIXO TEMÁTICO N.º 6 / PRINCÍPIOS E DIRETRIZES 25
13. 1.ª CONFERÊNCIA NACIONAL DE SEGURANÇA PÚBLICA 1.ª CONFERÊNCIA NACIONAL DE SEGURANÇA PÚBLICA
Ainda que seja de todo impossível eliminar causas e efeitos À maior freqüência e incidência de crimes, soma-se o in-
da violência no Brasil, é urgente que se implementem medidas grediente da crueldade. Em razão de anacronismos – de leis,
que visem sua redução. de ritos e de rotinas, da processualística penal – reina uma
sensação de impunidade entre os marginais, que, então, se or-
De um lado, as atitudes que objetivam a inclusão social de- ganizam em quadrilhas, com seus bem estruturados sistemas
vem ter como foco a redução de nossa vulnerabilidade socioe- de informação, planejamento, operações, logística e adminis-
conômica e, em paralelo, não apenas o exercício da cidadania tração.
(na sua prática restrita ao gozo de direitos civis e políticos)
mas, principalmente, o estímulo a atividades que conduzam à Há muitas notícias, mas poucas informações, que são deco-
consolidação da societania (conhecimento e prática de deve- dificadas como estímulo, pelos iniciantes no crime, ou provo-
res e direitos de integrantes de uma sociedade). cam indignação e revolta na sociedade civil. Esta se mobiliza,
cobra correções, atitudes e soluções dos políticos.
Por outro lado, objetivando a redução paulatina de nossa
vulnerabilidade civil, devem ser desenvolvidas ações que inci- A sociedade política se agita, cria comissões, aprova e exe-
dam sobre o vertiginoso quadro da criminalidade violenta. cuta projetos de políticas sociais. Inexatas!... O ciclo perverso
se reinicia, por absoluta falta de ações objetivas.
Em que pese ser visto como um povo alegre, acolhedor, na
realidade o brasileiro parece ter uma auto-estima muito frágil, Fato relevante é a questão da notícia versus informação.
visto que é um dos poucos no mundo a falar mal de si próprio.
Interessante confrontar o tratamento que é dado, na ambiên-
Esse fato, aliado a outros, como por exemplo a incapacidade de
cia social, à violência da criminalidade e a outras doenças do
suprir-se conforme os apelos consumistas, contribui para que
organismo social, como, por exemplo, a AIDS e a dengue. Em
marginalizados migrem para a marginalidade. Deve ficar claro,
relação à primeira, são dadas notícias, quase sempre em man-
porém, que nem todo marginalizado é marginal e vice-versa.
chetes bombásticas, sensacionalistas. Para as outras, são da-
Em relação à pouca efetividade das ações, a origem estaria das informações, que orientam, formam, educam.
em políticas sociais descontínuas e/ou inadequadas, em razão de
seus objetivos serem tímidos, que, quando alcançados, sempre se Por estas razões, a população conhece bem as origens da
apresentaram como paliativos. Esse erro faz persistir e aumentar AIDS e da dengue, os grupos de risco, as precauções, o trata-
a marginalização, além de ensejar o florescimento de subculturas, mento, a recuperação. Campanhas educativas são muito bem
em ambientes onde há prevalência de regras e valores comuni- produzidas e divulgadas, resultando em controle desses ma-
tários, localizados, em detrimento de regras e valores sociais, de les, sendo o Brasil, inclusive, referência mundial no controle da
caráter geral. Surgem, em decorrência, e não apenas ali, os des- AIDS. Em contrapartida, em razão de muita notícia externa e
vios de conduta, as infrações administrativas, as contravenções, a pouca informação interna, nosso país é também referência –
permissividade, dando origem a uma marginalidade emergente. negativa – de violência.
26 A POLÍCIA PENAL NO CONTEXTO DA SEGURANÇA PÚBLICA EIXO TEMÁTICO N.º 6 / PRINCÍPIOS E DIRETRIZES 27
14. 1.ª CONFERÊNCIA NACIONAL DE SEGURANÇA PÚBLICA 1.ª CONFERÊNCIA NACIONAL DE SEGURANÇA PÚBLICA
A quem interessa uma sociedade desinformada, assustada, A POLÍCIA PENAL
intranqüila, que tem reduzidas sua qualidade de vida e sua
produtividade, e que se torna uma presa fácil em razão da au-
sência paulatina da solidariedade? A marginais! É conveniente Já há algum tempo, a sociedade brasileira tem sido ví-
e necessário que nossos veículos de comunicação de massa
tima de uma inusitada ameaça: a que vem de dentro de
se conscientizem da enorme responsabilidade social que têm,
estabelecimentos penais. Criminosos cumprindo penas e,
assumindo um compromisso em relação à violência, particular-
em tese, sendo preparados pelo Estado para o retorno ao
mente da criminalidade: informar, para orientar, formar e edu-
convívio social pleno, planejam e coordenam ações delitu-
car! Contribuirão para que surja uma nova sociedade pacífica,
harmoniosa, serena e confiante. osas, de comparsas em liberdade, destruindo patrimônios,
valores e pessoas. E debilitando o organismo social. Ofi-
A pesquisa sobre a violência é muito incipiente, insuficiente, ciosamente, constatou-se uma situação, no mínimo, inu-
tímida. E os recursos para fazê-la (e os há) não são muito vi- sitada. As rebeliões, os ataques externos eram uma con-
síveis, são muito pouco divulgados. Estímulos ao engajamen- traposição ao péssimo trabalho da Execução Penal, com
to são muito difusos (ou confusos?), carecendo de o governo ênfase para o que fica sob responsabilidade da Adminis-
adotar procedimentos claros que despertem a motivação na tração Pública Penal. Essas ações eram um clamor, um
sociedade civil para essa área, agora, particularmente, que se protesto, uma insurgência contra a incivilidade, o descaso,
“descobriu” a importância da pesquisa de Causa e Efeito da o desrespeito à pessoa humana, lançada em verdadeiras
violência. masmorras modernas.
Algo teria que ser feito! A iniciativa foi dos agentes pe-
nitenciários brasileiros. Reunidos, consensaram haver
chegado a oportunidade e o momento de profissionalizar
a Administração Penal, de estimular o profissionalismo de
seus integrantes e de adequar a modernização tecnológica
à atividade. Certos administradores públicos conscientes
constataram que a desídia estatal, para com o sistema, tra-
zia prejuízos sociais, políticos e econômicos ao próprio Es-
tado. Alguns remendos foram feitos. Mais pirotécnicos que
técnicos. Modestamente, nós, sindicalistas, fomos além!
28 A POLÍCIA PENAL NO CONTEXTO DA SEGURANÇA PÚBLICA EIXO TEMÁTICO N.º 6 / PRINCÍPIOS E DIRETRIZES 29
15. 1.ª CONFERÊNCIA NACIONAL DE SEGURANÇA PÚBLICA 1.ª CONFERÊNCIA NACIONAL DE SEGURANÇA PÚBLICA
Visando a efetividade, procuramos identificar formas, fór- A Proposta de Emenda Constitucional n.o 308, a PEC-308,
mulas e formatos que dessem transparência e consistência à já foi aprovada na Comissão de Constituição e Justiça e na
atividade prisional. Com assessoria jurídica competente e as- Comissão de Segurança Pública. Deverá entrar em pauta para
sessoramento doutrinário independente, pesquisamos as ori- ser votada e, certamente, ser promulgada. O almejado reco-
gens de nossa entidade e de nossa profissão. Surpreendemo- nhecimento normativo defluirá da inserção da POLÍCIA PENAL
nos quando fomos esclarecidos, dentre muitos fatos, de que o no Art. 144 da Constituição Federal. Nossa argumentação,
trabalho realizado por nós tem origem na chegada de Cabral pragmática e realista, visa demonstrar aos vários segmentos
(o Pedro) ao Brasil, com nossos ancestrais custodiando de- representativos da sociedade brasileira de que a Polícia Penal
gredados; que a atividade de Administração Penal se estriba é menos uma conveniência profissional que uma necessidade
no Poder de Polícia Administrativa Penal, sendo, então, uma social; menos que uma reivindicação classista, ela vem para
atividade policial; que falta reconhecimento constitucional da preencher um vácuo na defesa social, particularmente na sal-
Instituição; que, numa pequena amostragem da Administração vaguarda da sociedade.
Penal em nosso país, constata-se o amadorismo, a desaten-
ção para com quem poderia contribuir, efetivamente, na rein- Temos consciência de que, fatalmente, esse trabalho de
tegração social. esclarecimentos deverá estender-se a mais algumas pessoas
e órgãos que, ainda, não se mostram convencidos da oportu-
Felizmente, assim como nós, há outras Instituições que pen- nidade da promulgação. Essa postura equivocada decorre da
sam no bem-estar social. Dentre elas, a Conferência Nacional falta de informações para uns e de inadequado embasamento
dos Bispos do Brasil. Em 2009, a Campanha da Fraternidade técnico para outros. Isso poderá ser suprido com nossos argu-
tem como tema “Fraternidade e Segurança Pública” e, como mentos e explicações que conduzirão, por certo, ao convenci-
lema, “A paz é fruto da Justiça (Is 32,17)”. mento do impacto social extremamente positivo, decorrente da
aprovação da PEC-308.
Em seu Texto-base, à página 72:
Difícil será debater com quem fundamenta seus pontos de
“Algo de que se costuma esquecer quando se fala em se- vista em princípios doutrinários arcaicos, anacrônicos. Contu-
gurança pública são as guardas penitenciárias. Estas devem do, se houver uma postura receptiva para o diálogo, para o
ser profissionalizadas e organizadas em carreira. Não se pode debate construtivo, provavelmente ocorrerá reexame de po-
conceber que as delegacias de polícia continuem a funcionar sicionamentos. Há poucas discordâncias no varejo e fortes
como presídios, como ainda acontece em grande parte do concordâncias no atacado. As divergências têm fulcro na am-
País, o que desvia os policiais civis da sua função.” bigüidade conceptual e na heterogeneidade doutrinária, cuja
origem, entretanto, está numa área bem mais ampla que a dis-
Feliz coincidência! A FEBRASPEN, representando os ser-
cussão sobre a Polícia Penal.
vidores públicos que trabalham na Administração Penal, bus-
ca o reconhecimento normativo da atividade (PEC-308).
30 A POLÍCIA PENAL NO CONTEXTO DA SEGURANÇA PÚBLICA EIXO TEMÁTICO N.º 6 / PRINCÍPIOS E DIRETRIZES 31
16. 1.ª CONFERÊNCIA NACIONAL DE SEGURANÇA PÚBLICA 1.ª CONFERÊNCIA NACIONAL DE SEGURANÇA PÚBLICA
A gênese está numa instância superior, onde continuam Muitas pessoas, ainda, enxergam Polícia como sendo o ór-
sendo discutidos, em relação à sociedade, conceitos e dou- gão que “corre atrás de ladrão e prende bandido” ou que “pre-
trina de proteção, de insegurança, de segurança pública, vine e reprime crimes”. Isso é muito pouco!
de defesa social, de sistema policial, de ameaças, de vul-
nerabilidades e outros mais. A discussão sobre a Polícia Polícia é instituição /sistema /atividade estatal de proteção
Penal, vem ensejando, residualmente, a oportunidade de se social, distribuída em estruturas de poder e força, garantidora
conhecer e entender melhor a instituição-polícia, o sistema da ordem social.
policial, o ciclo completo de polícia e o sistema de defesa da
O sistema policial é integrado por órgãos distribuídos nas
sociedade.
esferas municipal, estadual e federal (não necessariamente
Quem é contrário argumenta, basicamente, que o sistema existentes em todas), desempenhando atividades que repre-
penitenciário não se confunde com o sistema policial; que sentam o sempre discutido ciclo completo de polícia: começa
as atribuições previstas pela PEC, para a Polícia Penal, são pela Polícia Administrativa, a polícia de normas, de resolu-
atribuições de polícias já existentes, inviabilizando-a; que ções, de fiscalizações, de sanções administrativas (polícias
essa atividade não é atividade policial; que o Congresso, do meio-ambiente, sanitária, fazendária, dos transportes, da
como solução para a segurança pública, estaria propondo seguridade social, do senado, da câmara, rodoviária, portuá-
a criação de uma nova polícia, além de outras colocações ria, ferroviária, das construções e edificações, da habitação,
descabidas. do meio circulante e inúmeras outras); passa pela Polícia
Judiciária, que investiga autoria e materialidade de delitos
Entendemos que o Sistema Penitenciário (sistema penal, (Polícia Civil e Polícia Federal), e pela Polícia de Desastres,
sistema prisional), como está disposto, integrado pelo Minis- que realiza a prevenção e a sustinência de desastres (Corpos
tério Público, Defensoria Pública, Judiciário e Administração de Bombeiros e Comissões de Defesa Civil); finda na Polícia
Pública, óbvia e realmente não integra o sistema policial. En- Penal, encarregada da custódia e participante da ressocia-
tretanto, a Administração Pública Penal o integra, sim. lização de apenados, além de poder auxiliar na fiscalização
de decisões judiciais. As Forças Policiais (as PMs e a Força
Reiteramos nosso entendimento de que a atividade desen- Nacional), integrando e enfeixando esse ciclo, fazem a polí-
volvida pela Administração, na execução penal, é uma ativida- cia ostensiva, acautelam o poder de polícia de todos esses
de típica de polícia, basicamente através do exercício do po- órgãos policiais e, ainda, garantem o funcionamento dos po-
der de polícia administrativa penal e eventualmente através do deres estaduais constituídos.
exercício da força de polícia penal. Volta-se ao entendimento
inovador de que o Estado existe, basilarmente, para prover a Quanto ao fato de que a Polícia Penal exerceria atividades
proteção e promover o desenvolvimento. E, para isso, detém atribuídas a outras polícias, veja-se o surgimento de especifi-
autoridade, bipartida em poder e força. cidades para atender determinadas peculiaridades.
32 A POLÍCIA PENAL NO CONTEXTO DA SEGURANÇA PÚBLICA EIXO TEMÁTICO N.º 6 / PRINCÍPIOS E DIRETRIZES 33
17. 1.ª CONFERÊNCIA NACIONAL DE SEGURANÇA PÚBLICA 1.ª CONFERÊNCIA NACIONAL DE SEGURANÇA PÚBLICA
Antes, o médico era um generalista. Hoje temos, por exem- Sem dúvida, trata-se de uma grande contribuição, uma
plo, especialistas em mão, em joelho, em cabeça, etc., exigi- inteligente decisão técnica, visando adoção de alguns pro-
dos por emergentes necessidades. cedimentos e comportamentos futuros, com interveniência
positiva na redução da insegurança, em razão de fortale-
Há algumas situações, bem mais complexas que a cristalina cimento do Sistema de Defesa Social (não, apenas, para
atividade de Polícia Penal, envolvendo outros exercícios poli-
a segurança pública). E, ao se falar desse novel sistema,
ciais, fluindo sem maiores questionamentos.
cremos ser oportuno lembrar aqui que, no enfrentamento à
De passagem, lembra-se que, recentemente, foram cria- violência urbana, a contenção criminal é importante, mas,
das a Polícia do Senado e a Polícia da Câmara dos Depu- a inserção social é fundamental. Falhando essa, restaria o
tados. Originariamente, havia a expectativa de que haveria recurso da reinserção, através da reintegração e da resso-
troca de um contingente privado por um contingente público, cialização, esforços de que participa a Polícia Penal.
para a proteção patrimonial e de pessoas no âmbito das res-
pectivas instalações, apenas. Contudo, o atual rol de ativida- Quando, às vezes, grandes ameaças à sociedade têm
des é extremamente amplo, incluindo investigações, inqué- origem dentro das prisões, isso se dá, quase na totalidade,
ritos, perícias, escoltas de dignitários, guardas residenciais por inação governamental nas áreas administrativa, logísti-
e outras. E mais, Guardas Municipais, que trabalham sob o ca e operacional. Há de se cuidar para que essa omissão
manto do Poder de Polícia Administrativa Municipal, criadas não gere desânimo e descompromisso com os resultados,
para proteger os próprios municipais, são empregadas como na administração penal, em alguns Estados.
força pública municipal (com o risco de se transformarem em
guardas pretorianas) e tem havido tácita aceitação. Essa ati- Outro fato, passando despercebido, é de que não está
vidade continua sendo realizada, ainda, em algumas cidades, sendo criada uma nova polícia. Está sendo buscado o reco-
pela Força Estadual, cognome das atuais Polícias Militares nhecimento da existência de uma secular atividade policial.
Estaduais. Através da PEC federal, busca-se o reconhecimento cons-
titucional de um órgão policial – em alguns locais, institu-
Foi criada, de modo recente, a Força Nacional (que, ainda cionalmente virtual – que, também, desempenha ações que
subutilizada – o que é bastante lamentável – não tem reconheci- integram a execução penal, presente em todos os Estados
da sua extraordinária importância) para suplementar o trabalho brasileiros e no Distrito Federal. Esse reconhecimento en-
de forças estaduais ou para cumprir atividades-força, realizadas sejará ocupação de um vácuo que tem trazido prejuízos so-
até então pela Polícia Federal, a polícia judiciária da União. ciais. Em alguns Estados, as PM e PC não querem realizar
esse tipo de serviço, querem seus efetivos nas ruas: PM,
Divulgar que a Câmara Federal pretende transformar o re-
conhecimento da Polícia Penal em panacéia para a segurança para fazer polícia ostensiva, e PC, para fazer investigação
pública é um equívoco, uma inverdade. de autoria e materialidade de delitos.
34 A POLÍCIA PENAL NO CONTEXTO DA SEGURANÇA PÚBLICA EIXO TEMÁTICO N.º 6 / PRINCÍPIOS E DIRETRIZES 35
18. 1.ª CONFERÊNCIA NACIONAL DE SEGURANÇA PÚBLICA 1.ª CONFERÊNCIA NACIONAL DE SEGURANÇA PÚBLICA
Outros Estados já estão transferindo a missão para Guar- A nosso juízo, a Policia Penal, adequadamente estruturada,
das Penais, sólidas e/ou embrionárias. Com a estruturação poderá participar dessa fiscalização, trazendo enorme contri-
da Polícia Penal, surgirão reflexos altamente positivos na buição para a Defesa Social.
sociedade, provocados por efetividade na administração pe-
nal e instalação de uma gestão profissional, que farão des- Enfatizamos nosso juízo de que, inexoravelmente, ocorre-
pontar uma identidade profissional, decorrendo, no mínimo, rá esse reconhecimento normativo, hoje ou amanhã. A União
dignidade profissional e respeito ao policial penal. Teremos não pode correr o risco de uma atividade policial, realizada
profissionais altamente qualificados para a custódia, através por um contingente (que logo ultrapassará 50.000, cinqüenta
de um braço armado (guardas interna, externa e de mura- mil homens e mulheres) treinado, equipado e armado não ter
lhas, escoltas e recapturas), para participar da ressociali- parâmetros normativos, sob pena de surgirem novas forças
zação, através de seu braço desarmado (psicólogos, peda- estaduais, ou a serviço de governadores, como acontecia até
gogos, advogados, assistentes sociais, médicos, dentistas, bem pouco, ou sem controle. A terceirização, tentada em al-
enfermeiros e tantos outros especialistas quantos forem guns Estados, provavelmente por erro de origem, não deu cer-
necessários). Ressocialização cujo escopo finalisticamente to. Claro! Onde já se viu terceirizar atividade-fim? Alguém já
é a reinserção (aspecto social), mediatamente é a reintegra- voou em empresa aérea cujo piloto é terceirizado, ou assistiu
ção (aspecto psicológico), e imediatamente o reajustamento missa com o padre terceirizado?
e a readaptação (aspecto operativo), através da reabilitação
Outro fato é que a espiral da violência está sendo alimen-
e da reeducação.
tada, também, de dentro de alguns estabelecimentos penais,
Convém que a vertente da Polícia Penal, envolvida com a em razão de débeis condições para realização das custódia e
ressocialização, interaja mais com o Poder Judiciário e com as ressocialização, o que exige correções profissionais.
APAC’s.
Alguns Estados, ante a morosidade federal, já começam a
Por falta de estrutura de fiscalização, não se tem real ava- legislar sobre o assunto. Se de um lado é muito positiva essa
liação do efeito de aplicação de penas alternativas e de penas fuga da inércia, de outro pode provocar prejuízos a condutas
substitutivas. Falta fiscalização! Isso também ocorre na progres- operacionais e administrativos que, desejável, deveriam ser
são de regime, aberto e semi-aberto. Sabe-se de casos em que padronizados em nosso país, respeitadas as realidades cultu-
indivíduos cometem delitos durante o dia e, à noite, estão em rais. Convém lembrar que é reservado à União legislar sobre
Casas de Albergado. Outras situações dizem respeito ao Livra- direito processual penal e direito penal (art. 22, I, CF). Porém,
mento Condicional, ao Sursis, às Autorizações de Saída (Per- compete concorrentemente à União, Estados e Distrito Fede-
missões de Saída e Saídas Temporárias), à Suspensão Condi- ral, legislar sobre direito penitenciário. “Sobrevindo lei federal
cional do processo ou da pena. sobre normas gerais, suspende a eficácia da lei estadual no
que lhe for contrário. (art. 24, CF)”.
36 A POLÍCIA PENAL NO CONTEXTO DA SEGURANÇA PÚBLICA EIXO TEMÁTICO N.º 6 / PRINCÍPIOS E DIRETRIZES 37
19. 1.ª CONFERÊNCIA NACIONAL DE SEGURANÇA PÚBLICA 1.ª CONFERÊNCIA NACIONAL DE SEGURANÇA PÚBLICA
1.a CONFERÊNCIA NACIONAL DE
SEGURANÇA PÚBLICA
Eixo Temático N.o 6
PRINCÍPIOS E DIRETRIZES
1.o PRINCÍPIO:
CIVILIZAÇÃO DO SISTEMA PRISIONAL
DIRETRIZES
a) Desenvolver programas e projetos que assegurem
efetividade na ressocialização, no amparo ao egresso e no
resguardo de familiares dos diversos atores.
b) Estimular a participação da sociedade civil em projetos e
programas com repercussão na reintegração social.
c) Incrementar, junto aos órgãos próprios, programas de
aplicação de penas alternativas.
2.o PRINCÍPIO:
RECONHECIMENTO CONSTITUCIONAL DA
POLÍCIA PENAL
DIRETRIZES:
a) Implementar esforços visando a promulgação da PEC-308.
b) Profissionalizar a Administração Prisional.
c) Aprimorar a interação da Administração Prisional com os
demais órgãos do Sistema de Defesa Social.
38 A POLÍCIA PENAL NO CONTEXTO DA SEGURANÇA PÚBLICA EIXO TEMÁTICO N.º 6 / PRINCÍPIOS E DIRETRIZES 39
20. 1.ª CONFERÊNCIA NACIONAL DE SEGURANÇA PÚBLICA 1.ª CONFERÊNCIA NACIONAL DE SEGURANÇA PÚBLICA
PRINCÍPIOS E DIRETRIZES
Atendendo à metodologia para apresentação de propostas,
estabelecida pela organização da 1.a Conferência Nacional de
Segurança Pública, estão listados na página anterior, os Princí-
pios e Diretrizes que a FEBRASPEN sugere para o Eixo Temá-
tico n.o 6.
• O primeiro Princípio é:
CIVILIZAÇÃO DO SISTEMA PRISIONAL
É comum ouvirem-se queixas sobre o Sistema Penitenciá-
rio Brasileiro: condições subumanas, negligência, maus tratos,
superlotação, academia do crime e muito mais.
Esse princípio pretende constituir-se em um alerta:
O trabalho de reintegração social, realizado pela Adminis-
tração Prisional, pela Polícia Penal, se baseia, intransigente-
mente, no respeito à integridade e à dignidade humanas de
tantos quantos estejam envolvidos nesse processo.
• Diretrizes:
Esse princípio desdobra-se em diretrizes que proclamam a
conveniência e a necessidade de os planos, programas e pro-
jetos de ressocialização, de amparo ao egresso e resguardo
de familiares terem eficácia com qualidade e objetividade; que,
através de informação qualificada, encorajam a sociedade civil
a ser partícipe de eventos que conduzam à otimização na rein-
tegração social; que, em paralelo à demolição, restauração ou
remodelação de estabelecimentos penais impróprios, se desen-
volva a aplicação judiciosa de alternativas para o cárcere.
40 A POLÍCIA PENAL NO CONTEXTO DA SEGURANÇA PÚBLICA EIXO TEMÁTICO N.º 6 / PRINCÍPIOS E DIRETRIZES 41
21. 1.ª CONFERÊNCIA NACIONAL DE SEGURANÇA PÚBLICA 1.ª CONFERÊNCIA NACIONAL DE SEGURANÇA PÚBLICA
• O segundo Princípio é: CONCLUSÃO
RECONHECIMENTO CONSTITUCIONAL DA POLÍCIA
PENAL
Temos convicção de que todas essas mazelas e contradi-
Sem dúvida, é inimaginável, nos dias de hoje, que uma clas- ções sociais, tratadas até agora, podem ser corrigidas e rever-
se, desempenhando uma atividade secular, de suma importân- tidas. Para fugir do lugar comum de que basta vontade política,
cia para a sustentabilidade do corpo social, tenha um rosto e é necessário que o Estado brasileiro (não apenas o governo)
não tenha identidade profissional, o que provoca graves prejuí- realize um esforço, um pacto federativo que compreenda:
zos, minimamente, para sua autoridade e sua dignidade.
• 1.o Estabelecimento de uma Estratégia Nacional de Defesa
Uma classe sem voz e sem vez! Social (a atual Estratégia Nacional de Defesa se refere, em
Impensável uma classe que não tenha um canal por onde fluam sua quase totalidade, à Defesa Nacional) elaborada por re-
suas proposições técnicas e suas reivindicações, mas, submeti- presentantes dos três poderes – dos níveis federal, estadu-
do a um canal por onde refluem as críticas ásperas e o desampa- al e municipal – e da sociedade civil, pragmaticamente, de
ro. Uma classe cujo desempenho amadorístico se transforma em forma a não se transformar em mais um glossário, de boas
real e forte vulnerabilidade no organismo social. idéias, refrigerado a ar condicionado;
• 2.o Consignação de compromisso relativo a sua integral exe-
Ao que parece, felizmente para a sociedade, isso está prestes cução, para que não ocupe lugar, ainda que de destaque, no
de chegar ao fim. A Proposta de Emenda Constitucional n.o 308, já imenso “arquivo morto”.
a PEC-308, está em condições de ser colocada na pauta do Con-
gresso e ser promulgada. Deve contemplar, no mínimo:
• Diretrizes: Medidas de fortalecimento das instituições:
O passo inicial é acelerar esforços visando a promulgação • da família, cujo número sob a responsabilidade de mães que,
da PEC-308, mais que um pleito classista, chega para preen- em grande número, “trabalham fora”, vem aumentando;
cher uma lacuna na Defesa Social. Seguem-se uma Lei Na- • da escola, hoje, simples agência de repasse de conhecimen-
cional e, na seqüência, Leis Estaduais que tratarão de concur- tos, que necessita de transformações, iniciando-se pela res-
so público, quadro e dotação próprios, embasamentos legal e tauração do mérito, da importância que têm os professores,
doutrinário, requalificação, academia, formação, reciclagens, fluindo para a educação integral em escola integrada;
especialização, corregedoria, ouvidoria, uniforme, armamento,
• da igreja, que se enfraquece, na medida em que se consta-
equipamento, transporte, recursos tecnológicos, inteligência
tam ramificações estranhas, da noite pro dia;
prisional e outros mais. Extremamente importante é buscar a
sinergia, através interação da Administração Prisional com os • do próprio Estado, vítima de descrédito generalizado, já de
demais órgãos do Sistema de Defesa Social. algum tempo;
42 A POLÍCIA PENAL NO CONTEXTO DA SEGURANÇA PÚBLICA EIXO TEMÁTICO N.º 6 / PRINCÍPIOS E DIRETRIZES 43
22. 1.ª CONFERÊNCIA NACIONAL DE SEGURANÇA PÚBLICA 1.ª CONFERÊNCIA NACIONAL DE SEGURANÇA PÚBLICA
Criação e/ou difusão de atitudes firmes de correção de des- Para a primeira hipótese, o trabalho de assistentes sociais
vios do caráter social (estimulando o respeito a valores sociais é fundamental e, certamente, a curto e médio prazos, trará re-
e exigindo a obediência a regras sociais). E os veículos de sultados concretos e perenes. Em paralelo, a participação de
comunicação de massa podem dar uma enorme contribuição. educadores (resgatando-se-lhes a dignidade profissional, co-
meçando pela dignidade salarial) é fundamental na formação
A operacionalização deve ocorrer através de efetivos proce- do caráter e na preparação da geração, que ora desabrocha,
dimentos da sociedade política e do engajamento e participa- para uma convivência harmoniosa e pacífica. Para a segunda
ção da sociedade civil. Portanto, é necessário que: hipótese, é prioritário consolidar a Polícia Penal, via reconheci-
mento constitucional, instituição que abarcará os profissionais
• o Legislativo seja mais objetivo, modernize nossas leis, var-
de custódia e ressocialização, que laboram na Administração
ra os anacronismos, os procedimentos protelatórios, enfim,
Pública Penal.
menos coreografia e mais samba-enredo;
Parece claro que devemos iniciar essa cruzada, de resgate
• o Judiciário intensifique o processo de modernização e in-
social do povo brasileiro, devolvendo-lhe a paz e a harmonia,
formatização dos ritos e práticas jurisdicionais, dando maior
investindo prioritariamente nesses profissionais, construtores
ênfase aos Juizados da Infância e da Juventude e estimu-
de novos e sólidos alicerces.
lando a aplicação de penas alternativas e de penas substi-
tutivas; O desgaste da autoridade de polícia, sendo desafiada inclu-
sive, tem contribuído para surgimento de vácuos na defesa da
• o Executivo reconheça, dentre outros, o extraordinário va-
sociedade. Cresce a ausência de autoconfiança para cumprir a
lor dos assistentes sociais e dos educadores, no âmbito da
missão, visto que policiais estão em condições de inferioridade
Defesa Social;
de meios em relação aos bandidos. Um princípio fundamental
• se reconheça o destacado papel que deve ser reservado ao – a supremacia de força – não vem sendo observado. Os mar-
Ministério Público, na propositura, fiscalização das medidas ginais estão mais bem armados que a Polícia. Em paralelo, há
despenalizadoras, e à Defensoria Pública na representação situações de falta de confiança nos superiores, pela incerteza
dos encarcerados desassistidos. de haver reconhecimento de ação policial legítima, quando do
emprego da força, da energia e firmeza necessárias. Essas
A primeira obra de reengenharia política é conceber e efeti- incertezas derivam da rápida transição de autoritarismo para
var o Estado de tal maneira que ele pudesse ser mais eficiente, excessivo liberalismo, com destaque aos esclarecimentos res-
tanto na implementação de medidas distributivas, afastando a tritivos dos direitos fundamentais, estreitando-se o foco do di-
ameaça da exclusão, como na consolidação de políticas retri- reito da sociedade à proteção, pela interpretação distorcida de
butivas, destinadas a controlar a ameaça da criminalidade. alguns direitos individuais.
44 A POLÍCIA PENAL NO CONTEXTO DA SEGURANÇA PÚBLICA EIXO TEMÁTICO N.º 6 / PRINCÍPIOS E DIRETRIZES 45
23. 1.ª CONFERÊNCIA NACIONAL DE SEGURANÇA PÚBLICA 1.ª CONFERÊNCIA NACIONAL DE SEGURANÇA PÚBLICA
Idealmente, pela amplitude e complexidade da matéria, bem
como seu reflexo na sociedade brasileira, a iniciativa de reco-
nhecimento normativo da Polícia Penal deveria ser da União,
alterando o Art. 144, da C.F., ao que se seguiria seu conve-
niente delineamento, através de uma Lei Nacional. O fato é
que, para atender a demandas conjunturais inadiáveis, Esta-
dos, ratifica-se, já começam a legislar, alguns timidamente, so-
bre a matéria, curvando-se à inexorabilidade.
Enfim, a POLÍCIA PENAL, o sistema de administração pe-
nal pode e deve contribuir para a contenção criminal e para a
reinserção social, não devendo constituir-se, ainda que mini-
mamente, em vetor de insegurança social, conforme é possível
depreender-se de fatos ultimamente divulgados na mídia. E o
Estado brasileiro é o principal responsável pela instalação das
condições e do ambiente favoráveis, que irão permitir redução
de vulnerabilidades no contexto social.
Convém à sociedade brasileira que a violência, este grave
fenômeno social não tenha tratamento tão sazonal (ou espas-
módico?), passando por um exame exaustivo das formas de
seu contorno e de sua complexidade. É hora de ser dado um
basta à administração de surtos (ou por susto?).
Priorizando o interesse social e evitando que a União seja
atropelada por legislações estaduais, que buscam correção e
adaptação, os senhores parlamentares entenderão o grande
alcance da PEC-308 e irão aprová-la. Já!
É hora de um engajamento multidisciplinar! É hora da Con-
ferência Nacional de Segurança Pública.
46 A POLÍCIA PENAL NO CONTEXTO DA SEGURANÇA PÚBLICA EIXO TEMÁTICO N.º 6 / PRINCÍPIOS E DIRETRIZES 47