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KANT
(1724-1804)
em 90 minutos
Paul Strathern
Tradução:
Maria Helena Geordane
Consultoria:
Danilo Marcondes
Professor-titular do
Deptº de Filosofia, PUC-Rio
F I L Ó S O F O S
em 90 minutos
. . . . . . . . . . .
por Paul Strathern
Aristóteles em 90 minutos
Berkeley em 90 minutos
Bertrand Russell em 90 minutos
Confúcio em 90 minutos
Derrida em 90 minutos
Descartes em 90 minutos
Foucault em 90 minutos
Hegel em 90 minutos
Heidegger em 90 minutos
Hume em 90 minutos
Kant em 90 minutos
Kierkegaard em 90 minutos
Leibniz em 90 minutos
Locke em 90 minutos
Maquiavel em 90 minutos
Marx em 90 minutos
Nietzsche em 90 minutos
Platão em 90 minutos
Rousseau em 90 minutos
Santo Agostinho em 90 minutos
São Tomás de Aquino em 90 minutos
Sartre em 90 minutos
Schopenhauer em 90 minutos
Sócrates em 90 minutos
Spinoza em 90 minutos
Wittgenstein em 90 minutos
SUMÁRIO
. . . . . . . . . . .
Introdução e
raízes de suas ideias
Vida e obra
Posfácio
Citações-chave
Cronologia de datas significativas
da filosofia
SOBRE O AUTOR
. . . . . . . . . . .
PAUL STRATHERN nasceu em Londres em 1940, tendo estudado
física, química e matemática no Trinity College, Dublin, antes de se
dedicar à filosofia. Escritor profissional, é autor de romances,
biografias e livros de história e de viagens. Como professor
universitário, ensinou matemática, filosofia e poesia italiana
moderna. A série “Filósofos em 90 minutos” já se encontra publicada
com êxito em seis países.
INTRODUÇÃO E RAÍZES
DE SUAS IDEIAS
. . . . . . . . . . .
O simples fato de alguma coisa ser impossível não significa que
alguém não irá tentar realizá-la. Kant não apenas tentou, mas
conseguiu alcançar o impossível. Depois de Hume ter destruído a
filosofia, e todas as possibilidades de construção de um sistema
metafísico, Kant criou o maior de todos eles. Seu propósito era
refutar Hume, mas felizmente ele havia lido apenas a Investigação
sobre o entendimento humano, e não o ceticismo mais penetrante
do anterior Tratado sobre a natureza humana. Tivesse Kant lido o
Tratado e talvez não houvesse elaborado qualquer sistema. Teria
sido lamentável e teria deixado toda uma geração de professores de
filosofia alemã do século XIX desempregada.
O sistema de Kant é como a ideia de gravidade de Newton. Não é
a resposta final, mas está próximo da forma como ainda vemos o
mundo. Não erraremos muito se olharmos o mundo à maneira de
Kant. A filosofia de Hume é essencialmente simplista: reduz nossa
condição filosófica ao refúgio estéril do solipsismo. Kant, construindo
nas areias ilusórias do erro, erigiu um maravilhoso castelo, de
imensa engenhosidade e complexidade, capaz de nos manter
absortos e cheios de felicidade, com nosso balde e nossa pá,
durante as férias inteiras.
É difícil saber o que dizer sobre a vida de Kant. Na prática, ele
não viveu (fora da mente). Nada que possa despertar qualquer
interesse lhe aconteceu. No entanto, a descrição de uma vida de
extremo tédio não necessita ser, ela própria, maçante – conforme foi
demonstrado por seu contemporâneo Casanova e, mais
recentemente, por Hemingway.
VIDA E OBRA
. . . . . . . . . . .
Immanuel Kant nasceu em 22 de abril de 1724 na cidade báltica de
Königsberg, então capital da isolada província alemã da Prússia
Oriental (atualmente Kaliningrado, na Rússia). Seus ancestrais
haviam emigrado da Escócia no século anterior e há grande
probabilidade de que tivessem algum grau de parentesco com
Andrew Cant, notório pregador escocês do século XVII. Consta que
Cant teria sido a origem do verbo inglês to cant, que se refere ao
“uso de jargão” – traço de família que reapareceria impetuosamente
no filósofo.
Na época do nascimento de Kant, a Prússia Oriental se
recuperava das devastações trazidas pelas guerras e pela peste,
que haviam reduzido a população a menos da metade. Kant foi
criado em atmosfera de pobreza e religiosidade. Era o quarto filho
da família – constituída de cinco irmãs e um irmão mais novo. O pai,
escocês, cortava tiras de couro e declarava jocosamente “não
conseguir nunca equilibrar o orçamento”, fosse em casa, fosse no
trabalho. Kant manteve sempre atitude respeitosa em relação a ele,
indivíduo amável porém acuado financeiramente, e diz-se que
quando criança gostava de observá-lo cortando com habilidade
pedaços de couro para arreios. No entanto, de acordo com o
psicólogo e filósofo Ben-Ami Scharftstein, dada a destreza do pai, “a
inabilidade manual de Kant é, por conseguinte, digna de nota”.
Seja esse o caso ou não, e de que tipo de nota ele é digno
precisamente, a principal e primeira influência na vida de Kant foi
sem dúvida sua mãe. Frau Kant era uma alemã totalmente inculta,
que se diz ter sido dona de grande “inteligência natural”, fato que
influenciou de forma especial seu filho Immanuel – ou Manelchen,
como ela o chamava (“Pequeno Manuel”). Tinha o hábito de levá-lo
para passeios no campo e dizer-lhe os nomes das plantas e flores.
À noite, costumava mostrar-lhe as estrelas, indicando seus nomes e
as constelações a que pertenciam. Era uma mulher piedosa, e seu
jeito afetuoso porém austero também desempenhou função
educativa na formação do caráter moral de seu filho. Essa dupla
insistência em fatos e obrigações morais seria uma faceta de Kant
por toda a sua vida, além de exercer papel capital em sua filosofia.
A observação mais famosa de Kant, enunciada mais de cinquenta
anos depois, remonta aos primeiros dias com sua mãe: “O céu
estrelado acima e a lei moral no interior enchem o espírito de
admiração e reverência sempre novas e crescentes quanto mais
firme e frequente se mostra nossa reflexão.”
Kant foi educado num rigoroso ambiente pietista e dos oito aos
dezesseis anos frequentou a escola local, onde sua inteligência
excepcional e sua aguda sede de saber logo se cansaram da
interminável educação religiosa. Seu desgosto com a religião formal
permaneceria com ele até o final da vida (na idade madura jamais
frequentou a igreja). Apesar disso, conservou muito da postura
pietista, com sua crença em um estilo de vida simples e sua adesão
à moralidade rigorosa.
Em 1737, sua mãe morreu e teve enterro de pobre. Kant tinha
quatorze anos e, segundo ele próprio, por essa época experimentou
as primeiras manifestações da sexualidade. Psicólogos já sugeriram
que a perda da mãe que tanto amava nesse estágio da puberdade
fez com que se sentisse culpado e reprimisse seus desejos sexuais.
Ou foi esse o caso ou os desejos simplesmente desapareceram.
Qualquer que tenha sido a causa, daí em diante Kant viveria uma
vida de repressão sexual que assumiria proporções heróicas.
Aos dezoito anos foi admitido na Universidade de Königsberg
como estudante de teologia. No início recebeu ajuda financeira da
igreja pietista local, mas colaborava para seu próprio sustento dando
aulas para alguns colegas mais atrasados. Logo se cansou da
teologia e começou a demonstrar enorme interesse pela matemática
e pela física. Leu Newton, que abriu seus olhos para as implicações
filosóficas das novas descobertas da ciência e para os grandes
progressos então alcançados em todas os setores desse campo, da
astronomia à zoologia. A ciência baseada na experiência só podia
ser acomodada numa filosofia empirista, ou seja, uma filosofia que
baseasse nosso conhecimento do mundo na experiência.
Em 1746, quando contava vinte e dois anos, seu pai morreu. Ele
próprio, o irmão e as cinco irmãs mais jovens foram deixados sem
centavo. As irmãs caçulas foram entregues a uma família pietista, as
mais velhas foram trabalhar como camareiras. Kant tentou sem
sucesso um emprego numa escola local e foi forçado a abandonar a
universidade sem obter o diploma.
Nos nove anos seguintes Kant se manteve dando aulas
particulares para famílias ricas nas áreas rurais vizinhas. Por algum
tempo foi contratado pelo conde e condessa Keyserling (família
aristocrática que mais tarde iria gerar o pseudofilósofo Hermann
Keyserling, cujas ideias elevadas, porém falsas, seriam o grande
consolo das desiludidas matronas da sociedade após a Primeira
Guerra Mundial). Sempre que conseguia algum dinheiro extra, Kant
o remetia a suas irmãs menos afortunadas, hábito que conservou
por toda a vida. Além desses gestos de generosidade, porém, não
mantinha qualquer contato pessoal com a família. Não em função de
qualquer atitude esnobe de sua parte, mas, segundo se alega,
devido à “natural austeridade e objetividade de seu caráter”, o que
se tornaria um traço pessoal do filósofo em sua vida futura. Suas
cinco irmãs continuariam a residir em Königsberg (cidade de apenas
50.000 habitantes) durante todo o tempo de vida do filósofo, mas ele
não se encontrou com nenhuma por mais de vinte e cinco anos.
Quando finalmente uma delas veio visitá-lo, ele nem sequer a
reconheceu. Quando lhe informaram quem era, desculpou-se junto
aos companheiros por sua falta de cultura. Kant pode não ter sido
esnobe, mas ficou conhecido por sua incapacidade de suportar os
tolos. Até mesmo em sua própria família, tudo indica.
No entanto, esse incidente traz à tona um detalhe curioso. A irmã
de Kant devia ter mais que uma semelhança passageira com a mãe,
tanto intelectual quanto fisicamente. E teria mais ou menos a
mesma idade da mãe quando esta o criou. Significaria esse gesto
que o celebrado amor de Kant pela mãe se tornara tão profundo que
ele já não o reconhecia? Sugere-se que Kant, inconscientemente,
se ressentia da cadeia repressora – circunstâncias, moralidade,
aniquilamento sexual – que a mãe lhe impusera. Sua incapacidade
de reconhecer a irmã (ou de ter de fato alguma coisa a ver com ela)
pode perfeitamente estar relacionado a isso, mas não há forma de
saber. (A total ausência de vida em Kant atraiu perversamente muito
mais atenção dos psicólogos do que a vida comparativamente
normal de outros filósofos, embora, a meu ver, a própria noção de
normalidade nesse campo seja um ponto discutível.)
Kant pode ser sido indiferente em relação à sua própria família,
mas parece ter desfrutado a vida no meio das famílias ricas que o
contratavam como professor. Sua aparência era bastante
excêntrica, como seu próprio caráter. Tinha menos de um metro e
meio e sua cabeça era desproporcional em relação ao resto do
corpo. Sua estrutura lembrava a rosca de um saca-rolhas e fazia
com que o ombro esquerdo se inclinasse para a frente, o direito se
curvasse para trás e a cabeça tendesse a pender para um lado.
Vestido com roupas puídas e praticamente sem nenhum pfenning no
bolso, não seria exatamente o sucesso do campus na Universidade
de Königsberg (que, por seu turno, dificilmente poderia ser
considerada centro de qualquer sociedade cosmopolita). Nesse
momento, no entanto, vestido por seus empregadores em trajes
elegantes e encorajado a juntar-se aos convidados da família, Kant
positivamente floresceu. Logo desenvolveu uma aguda perspicácia,
adquiriu um verniz de sofisticada segurança e tornou-se exímio
jogador de cartas e de bilhar. Quando a família partia para as férias
de verão no campo, Kant os acompanhava, afastando-se quase
oitenta quilômetros de Königsberg. (Isso foi o mais longe de sua
cidade natal a que ele jamais chegaria em toda a sua vida.) Mas
esse período de elegância relativa foi apenas uma fase.
Em 1755, aos trinta e um anos, Kant finalmente se graduou pela
Universidade de Königsberg, em parte devido à caridade de um
benfeitor pietista. Era tarde para se conseguir um diploma; e, como
veremos, Kant era excepcionalmente lento na execução de seus
projetos. Por volta dessa idade, quase todos os outros principais
filósofos já haviam começado a formular as ideias pelas quais
seriam lembrados. Somente duas décadas mais tarde Kant
começou de fato a produzir filosofia com originalidade.
Kant estava agora em condições de exercer um cargo na
universidade como Privatdozent (professor-auxiliar). Esse posto
seria ocupado por ele pelos quinze anos seguintes, numa vida
acadêmica de incansável diligência. Durante esse período, ensinou
principalmente matemática e física e publicou tratados sobre ampla
gama de assuntos científicos, inclusive vulcões, natureza dos
ventos, antropologia, causas dos terremotos, incêndios, o
envelhecimento da Terra e até mesmo sobre os planetas (que em
sua previsão seriam todos habitados um dia, sendo que os mais
distantes do sol desenvolveriam as espécies de maior inteligência).
No entanto, a inclinação natural de Kant era para a especulação.
Continuava a ler filosofia amplamente. No racionalismo, suas ideias
eram influenciadas sobretudo por Newton e Leibniz. Embora as
grandes conquistas de Newton tenham sido em física e matemática,
naquela época esses assuntos ainda eram considerados parte da
filosofia: uma espécie de “filosofia natural”. O título completo da
principal obra de Newton é Philosophiae naturalis principia
mathematica (Os princípios matemáticos da filosofia natural). Kant
estudou Newton com profundidade suficiente para propor uma
“Nova teoria do movimento e da inércia” que se opunha à visão de
Newton. O fato de que o tenha mal interpretado não é relevante:
estava sendo levado a especular sobre sistemas que abrangiam
todo o universo e tencionava questionar o maior intelecto da época
em seu próprio terreno.
De acordo com Leibniz, o mundo físico de causa e efeito
comprovava a harmonia interna do propósito moral do mundo. A
leitura de Leibniz levou Kant a ver a humanidade não apenas como
participante da natureza, mas, além e acima disso, como
participante da finalidade última do universo.
Ao mesmo tempo o interesse de Kant pela filosofia da ciência
conduziu-o à leitura do filósofo escocês Hume. Kant ficou
impressionado com a insistência de Hume na experiência como
base de todo o conhecimento, o que se ajustava ao enfoque
científico. Contudo, descobriu-se perturbado pelas conclusões
céticas que Hume tirou de seu rígido empirismo. Segundo Hume,
tudo que experimentamos é uma sequência de percepções – e isso
significa que noções tais como causa e efeito, corpos e coisas,
mesmo a mão controladora do Deus criador, são meras suposições
ou crenças. Nenhuma delas é jamais de fato experimentada.
Surpreendentemente, Kant deixou-se tocar também pelo apelo
emocional de Rousseau. Primeiro dos românticos, Rousseau foi o
menos acadêmico de todos os filósofos, acreditando mais na
expressão pessoal através da emoção do que no pensamento
racional. Seu clamor por liberdade acabaria sendo forte inspiração
para a Revolução Francesa. Kant pode ter sido uma personalidade
essencialmente ascética, mas havia algo em Rousseau que vibrou
uma corda em suas emoções tão reprimidas. Sob a fachada do frio
acadêmico batia o coração de um romântico secreto – e mais tarde
isso se tornaria evidente em sua filosofia. Mas, naquele momento,
todos esses elementos díspares – Newton, Leibniz, Hume,
Rousseau – permaneciam como tais. Antes de encontrar uma forma
de conciliar e absorver essas influências, Kant seria incapaz de
começar a criar alguma filosofia original. E a envergadura dessa
tarefa iria exigir longo tempo.
Talvez Kant tenha se tornado impaciente – já que agora acontece
um episódio estranho. Em lugar de publicar mais uma obra
acadêmica séria, Kant escreveu um curioso livro satírico intitulado
Os sonhos de um visionário explicados pelos sonhos da metafísica.
O “visionário” do título é o excêntrico místico sueco Swedenborg,
famoso pelas descrições de suas longas viagens através do céu e
do inferno. Em 1756, Swedenborg havia publicado sua obra-prima
em oito volumes, Arcana coelestia (Os segredos do céu).
Infelizmente, as vendas não foram bem e, depois de dez anos,
apenas quatro exemplares tinham sido vendidos. Um deles, sabe-se
agora, foi comprado por Kant. Esses volumes de ocultismo
metafísico exerceram profunda influência sobre Kant – o suficiente
para inspirá-lo a escrever um volume inteiro satirizando-os.
Conforme declara de maneira extravagante na introdução: “O autor
confessa com certa humildade que era tão simplório que procurava
descobrir a verdade de alguns contos do tipo mencionado. Ele
encontrou – como sempre, onde não se tem nada para procurar –,
ele não encontrou nada.” No entanto, logo se torna claro que o
deboche de Kant acerca do “pior de todos os visionários” e dos
“diversos mundos de pensamentos etéreos … extraídos … de
conceitos fraudulentos” não é exatamente o que parece. Por baixo
dessa coerente zombaria e de expressões de desprezo intelectual,
há um elemento de inegável seriedade em seu interesse por
Swedenborg. Ele ansiava por acreditar em metafísica (mesmo que
não fosse de maneira tão extrema), mas seu formidável
desenvolvimento intelectual começava a fechar essa avenida.
O estilo da escrita de Kant é notoriamente prolixo e difícil, mas
todos os relatos comprovam que suas aulas eram o oposto. Seu
corpo era tão pequeno e retorcido que apenas sua cabeça coberta
pela peruca, e com seus traços precisos e rígidos, era visível por
sobre o púlpito. Mas essa cabeça falante era uma fonte de
perspicácia, de erudição e ideias fascinantes. As aulas de Kant
eram um enorme sucesso e sua fama logo se espalhou, estimulada
por seu turbilhão de tratados sobre assuntos científicos. As famosas
aulas de geografia que costumava dar no verão atraíam sempre
multidões de fora da universidade. Repetindo-se por mais de trinta
anos viriam a firmá-lo como o primeiro professor acadêmico de
geografia física, apesar de durante toda a sua vida jamais ter
colocado os olhos numa montanha e de provavelmente nunca ter
chegado a ver o mar aberto (que ficava a inimaginável distância de
trinta quilômetros). Suas descrições vigorosas e penetrantes deram
vida a terras distantes sobre as quais, entusiasmadíssimo, lia
durante as longas noites de inverno, quando o gélido nevoeiro
báltico invadia as ruas da remota e provinciana Königsberg.
Kant começava então a dar também aulas de filosofia e logo se
tornou óbvio que tinha feito incursões profundas e extensas pelos
territórios hostis da ética e da epistemologia, além de explorar os
confins da lógica e, até mesmo, regiões tão distantes da civilização
como a metafísica (e sobrevivera para contar a estória). Nesse
ínterim, os tratados sobre assuntos mais amenos, como fogos de
artifício, defesa militar e a teoria dos céus, continuavam a jorrar de
sua pena. Apesar disso, recusaram-lhe duas vezes a cátedra de
professor na Universidade de Königsberg, por razões não muito
claras, mas que se suspeita contivessem algum elemento de
esnobismo provinciano. Ou talvez apenas não gostassem dele. De
qualquer forma, Kant com toda certeza gostava de Königsberg.
Quando lhe ofereceram o prestigioso cargo de professor catedrático
de poética na Universidade de Berlim, ele o recusou. (O que nos
privou da alegria de ler a crítica de Kant aos poetas num estilo de
tão grande e deliberada complexidade que teria fatalmente se
convertido em leitura essencial do dadaísmo.)
Felizmente, em 1770, as autoridades da Universidade de
Königsberg cederam e Kant foi nomeado professor catedrático de
lógica e metafísica. Aos quarenta e seis anos, tinha-se tornado,
então, cada vez mais crítico em relação a Leibniz e seus discípulos
racionalistas, que haviam se transformado na força dominante da
filosofia alemã.
O empirismo de Hume parecia incontestável, e de forma relutante
ele chegou a se deixar convencer pelo seu ceticismo. Objetos,
causa e efeito, continuidade, até mesmo o eu, todas essas noções
pareciam falaciosas, permanecendo além do campo da nossa
experiência, única fonte segura do nosso conhecimento. Kant
aceitava isso porque lhe parecia intelectualmente irrefutável, mas
não estava satisfeito com a esterilidade dessa situação. Parecia não
haver mais espaço para o prosseguimento da filosofia. Seria de fato
o fim?
Um dia, então, quando estudava a Investigação sobre o
entendimento humano, de Hume, Kant “acordou de seu sono
dogmático”. Num lampejo de inspiração viu como podia construir um
sistema e responder ao ceticismo destrutivo de Hume, que
ameaçara destruir a metafísica para sempre.
Durante onze anos, Kant nada publicou, mas continuou
trabalhando em sua filosofia. Já havia, por essa época, começado a
viver uma vida de extrema regularidade e, durante esse período,
sua constância de hábitos começava a alcançar status de lenda.
Nas palavras de Heine: “Despertar, tomar café, escrever, dar aula,
jantar, caminhar, cada coisa tinha seu horário estabelecido. E
quando Immanuel Kant, em seu casaco cinzento, bengala na mão,
surgia à porta de sua casa e caminhava em direção à pequena
avenida repleta de tílias, ainda hoje denominada ‘O passeio do
filósofo’, os vizinhos sabiam que o relógio marcava exatamente três
e meia. E assim ele passeava para cima e para baixo, em qualquer
estação; e quando o tempo estava escuro ou as nuvens cinzentas
ameaçavam chuva, via-se seu velho criado Lampe seguindo-o
penosamente e cheio de ansiedade, com um enorme guarda-chuva
debaixo do braço, como um símbolo da Prudência.” Diz-se que em
apenas uma célebre ocasião Kant quebrou sua rotina – no dia em
que começou a ler o Émile, de Rousseau, quando se deixou
absorver de tal forma que, para terminá-lo, perdeu seu passeio. Só
mesmo as declarações de emoção romântica de Rousseau
poderiam fazê-lo esquecer sua rotina. Mas esses sentimentos não
eram suficientes para provocar qualquer ruptura séria em hábitos de
uma vida inteira. Embora Kant tenha considerado duas vezes
durante esses anos a hipótese de se casar, em ambas as ocasiões
demorou tanto a se definir que, na hora em que se decidiu (a favor,
nos dois casos), uma das damas já havia se casado com outro e a
segunda mudado para outra cidade. Kant não era homem para ser
impelido a qualquer decisão precipitada. No entanto, sua admiração
pelas ideias românticas de Rousseau não se limitava à teoria. Anos
mais tarde, quando muitas dessas ideias se tornaram realidade,
com o advento da Revolução Francesa, Kant chorou de alegria –
sentimento raro na ferozmente conservadora, provinciana e
prussiana cidade de Königsberg, e provavelmente ímpar no meio de
seu ranzinza estabelecimento universitário.
Em 1781, Kant enfim publicou a Crítica da razão pura, em geral
considerada sua obra-prima. No entanto, nem todos se
entusiasmaram muito. Quando enviou uma cópia do manuscrito
para seu amigo Herz, recebeu-o finalmente de volta lido apenas
pela metade. Herz argumentou que continuar a ler a obra de Kant
equivaleria a cortejar a insanidade. E podemos nos sentir da mesma
forma. Em sua Crítica da razão pura, Kant decidiu eliminar inúmeros
argumentos interessantes e exemplos concretos, temendo que sua
obra se tornasse demasiado longa. Mesmo assim, na versão
traduzida chega-se a mais de 800 páginas. E a maior parte assim:
“A proposição apodítica cogita a asserção conforme determinam
essas mesmas leis do entendimento, e portanto afirmando-se como
a priori e, dessa forma, expressa…”
Mesmo na tradução mais refinada isto soa apenas ligeiramente
melhor: “La proposizione apodittica concepisce il guidizio assertorio
determinato secondo queste legge dell’intelletto stresso e, per
consequenza, come affirmativo a priori; ed esprime cosi…” Não há
como querer saber como seria em alemão (o milagre é que Hertz
tenha conseguido chegar à metade antes de começar a temer por
sua sanidade mental).
Mas não vamos permitir que isso nos desvie da magnitude do
verdadeiro sistema de Kant. Seu objetivo era a restauração da
metafísica. Ele concordava com Hume e com os empiristas quanto à
inexistência de ideias inatas; mas negava que todo conhecimento
fosse originado da experiência. Os empiristas afirmavam que todo
conhecimento deve corresponder à experiência; Kant, de forma
brilhante, inverteu a afirmação, declarando que toda experiência
deve corresponder ao conhecimento. Segundo Kant, espaço e
tempo são subjetivos, são nosso método de perceber o mundo. De
certa maneira, são como óculos irremovíveis, sem os quais somos
incapazes de dar sentido à nossa experiência. Mas esses não são
os únicos elementos subjetivos que nos ajudam a compreender
nossa experiência. Kant explicava que existem doze “categorias”
(como as chamava), que concebemos por meio de nosso
entendimento, trabalhando independentemente da experiência.
Essas categorias incluem coisas como qualidade, quantidade e
relação. Essas também são como óculos irremovíveis. Não
conseguimos ver o mundo de qualquer outra forma senão em
termos de qualidade, quantidade etc. Mas através desses óculos
irremovíveis só conseguimos ver os fenômenos do mundo – não
conseguimos jamais perceber os verdadeiros númenos, a realidade
mesma que sustenta ou propicia o aparecimento desses
fenômenos.
Já se disse que somente um homem que jamais viu uma
montanha poderia acreditar que o espaço não existe fora de nós,
sendo apenas parte de nosso aparato perceptivo. E o senso comum
parece concordar conosco. Mas essas desajeitadas objeções ad
hominem nada têm a ver com filosofia, assim me disseram.
Espaço e tempo, e as categorias (que incluem noções como
pluralidade, causalidade e existência), só podem ser aplicados aos
fenômenos que fazem parte da nossa experiência. Se os aplicarmos
a coisas não experimentadas, acabamos provocando “antinomias” –
ou seja, contrastando duas afirmações, ambas aparentemente
passíveis de comprovação mediante argumento intelectual puro.
Dessa forma, Kant destrói todos os argumentos meramente
intelectuais em torno da existência (ou não existência) de Deus.
Simplesmente não podemos aplicar uma categoria como a
existência a essa entidade não empírica.
Como podemos ver, Kant não era a favor de um retorno por
atacado à metafísica em sua Crítica da razão pura. Por “razão pura”
pretende designar uma razão a priori, ou seja, alguma coisa que se
pode saber anteriormente à experiência. Hume havia negado essas
entidades transcendentais (quer dizer, aquelas que “transcendem” a
experiência). Mas Kant estava convencido de que tinha devolvido
esse elemento transcendental/metafísico à filosofia sob a forma de
suas “categorias da razão pura”. A visão cética de Hume pode
parecer simplista e com certeza não pode ser posta em prática se
quisermos viver no mundo real. (Sua negação da causalidade de
fato reduz o todo da ciência ao status de metafísica.) A postura de
Kant, por outro lado, é sutil e sofisticada ao extremo – mas
raramente suplanta a posição de Hume do ponto de vista filosófico.
Podemos não ser capazes de experimentar o mundo sem a
concepção de espaço, quantidade etc. Mas é difícil argumentar que
esses não constituem parte integral daquela experiência ou imaginar
como poderiam existir sem ela (ou seja, antes dela).
Por outro lado, o argumento de Kant de que não podemos jamais
conhecer o mundo real tem peso considerável. Todas as coisas que
percebemos são apenas fenômenos. A coisa em si (o númeno) que
sustenta ou propicia o aparecimento desses fenômenos permanece
para sempre incognoscível. E não há razão por que ela deveria
assemelhar-se de qualquer maneira a nossas percepções. Os
fenômenos são percebidos por meio de nossas categorias, que não
têm absolutamente nada a ver com a coisa em si, que permanece
além da qualidade, quantidade, relação e similares.
Nesse meio tempo, Kant continuava a viver sua vida de rotina
rígida, que não excluía um componente de vida social, embora tal
atividade fosse sempre uma parte menor em seu cotidiano.
Mantinha relações com alguns de seus mais brilhantes alunos,
assim como com alguns representantes da faculdade, embora não
tivesse chegado a ser íntimo de qualquer deles. (Não se dirigia a
ninguém com o informal “du”, mesmo depois de décadas de contato
social.) O pensamento era sua vida. “Para um erudito, pensar é uma
forma de se nutrir, sem a qual, quando está acordado ou sozinho,
não pode viver.” Seu intento era muito mais conhecer-se do que
conhecer qualquer outra pessoa. Mas a tarefa de conhecer a si
mesmo provou ser tão difícil para ele quanto o era para outros. “Não
me entendo o suficiente”, reclamava. Talvez tivesse medo do que
pudesse encontrar. Nesse ponto Scharftstein suscita uma questão
fundamental: “Essa coisa-em-si não era simplesmente
desconhecida, era proibida; porque se tratava da vida emocional
reprimida de Kant, deduzo, e ele temia que, revelada essa vida,
fosse arruinado.” Ao contrário da insipidez de Kant, essa
semelhança entre sua psique e sua filosofia é digna de destaque.
Embora uma vez mais seja difícil dizer de que tipo de destaque ela é
digna. Teria a constituição mental de Kant afetado sua filosofia? O
argumento de que ela era uma imagem de sua psique é verdadeiro
apenas em seu sentido mais bruto. Qualquer tentativa de ampliar
essa imagem pode não fazer justiça às sutilezas intelectuais dessas
duas complexas entidades.
Kant era bastante consciente de que não tinha amigos. Mas isso
não o incomodava. Gostava muito de citar a observação de
Aristóteles: “Meus amigos, não tenho amigos.” De fato, ele
recomendava essa postura. “A amizade é uma restrição dos
sentimentos positivos a um único sujeito, e muito agradável para
quem quer que sejam dirigidos, mas é também prova de que faltam
disponibilidade e boa vontade.”
Psicólogos têm argumentado que a falta de habilidade (ou a falta
de vontade) de Kant de estabelecer relações estreitas era sinal de
uma infelicidade profunda. Mas ele não parece ter sido infeliz. Ao
contrário. Aqueles que o conheceram ressaltaram sua alegria. “A
disposição de Kant era, por natureza, para a alegria. Ele via o
mundo com olhar prazeroso e transferia sua satisfação às coisas
externas. Por isso estava quase sempre disposto a ser feliz”, era a
observação típica de um de seus colegas.
Sete anos após a publicação de sua Crítica da razão pura,
publicou a Crítica da razão prática, na qual re-instala Deus, não
mais considerado uma entidade da qual não se pode falar (porque
não se encaixava nas categorias). A Crítica da razão prática é
dedicada à parte ética do sistema de Kant. Em vez de procurar
bases metafísicas para nossa percepção, ele agora as busca para
nossa moralidade. Procurava nada menos que a lei moral
fundamental. Mas certamente era impossível descobrir semelhante
lei que agradasse a todos. De cristãos a budistas, de liberais a
prussianos – todos acreditando no mesmo bem fundamental? Kant
achava que era possível descobrir uma lei básica, o que conseguiu
colocando de lado o que a maioria considerava a questão principal.
Bem e mal, nesse ponto, não o preocupavam. Ele não buscava
descobrir alguma essência de todas as interpretações diferentes
desses conceitos morais básicos. Salientava que estava à procura
dos alicerces da moralidade, muito mais do que de seu conteúdo.
Assim como com a razão pura, também com a razão prática: o que
era necessário era um conjunto de princípios a priori como as
categorias.
Na realidade, Kant finalmente expôs apenas um princípio: seu
“imperativo categórico”. Essa era a base a priori de toda ação moral:
sua premissa metafísica. De forma análoga às categorias da razão
pura, ela oferece uma estrutura para nosso pensamento ético (razão
prática), embora não lhe proporcione qualquer conteúdo moral
específico. O imperativo categórico de Kant afirma: “Aja somente de
acordo com um princípio que desejaria que fosse ao mesmo tempo
uma lei universal.”
Esse princípio levou Kant a acreditar que deveríamos agir de
acordo com nosso dever e não conforme nossos sentimentos, o que
deu origem a algumas conclusões estranhas. Por exemplo, ele
declarou que o valor moral de uma ação não deveria ser julgada
segundo suas consequências, mas apenas considerando em que
medida fora praticada em nome do dever. Isso é totalmente
insensato – se é que a moralidade está relacionada à sociedade e
não apenas à honradez individual.
Kant pretendia que seu imperativo categórico fosse apenas uma
estrutura, vazia de conteúdo moral. Mas não é exatamente assim.
Ele ainda contém traços de conteúdo moral. A moralidade do
conformismo, para começar. Do imperativo categórico pode-se
inferir que todos deveriam agir da mesma forma,
independentemente de seu temperamento ou sua tarefa. Deveria o
chefe de um governo agir com os mesmos escrúpulos morais que o
prior de um mosteiro? Deveria ao menos tentar? Deveria Churchill
ter tentado se comportar como Gandhi? Ou vice-versa? Talvez todos
os sistemas levem forçosamente a essas formas rígidas. (Mas sem
qualquer sistema ético estaríamos totalmente perdidos – incapazes
de proceder a qualquer juízo de valor.)
O sistema ético de Kant também levou-o a acreditar que não
deveríamos jamais mentir, apesar das consequências que
pudessem advir desse fato. Estava bastante consciente das
implicações desse ponto de vista, mas, apesar disso, manteve-o.
“Dizer uma mentira a um assassino à procura de um amigo seu,
refugiado na sua casa, seria um crime.”
Devemos acreditar que Kant teria sido capaz de entregar um
amigo judeu aos nazistas? Não: tudo que sabemos a seu respeito
me deixa convencido de que ele teria seguido nessas circunstâncias
os preceitos do dever. Sua mente tão vivaz descobriria rapidamente
alguma norma que o proibisse de entregar o amigo.
No entanto, essa questão de nunca mentir expõe uma falha
evidente no sistema de Kant. A fim de não cometer nenhum erro, ele
considerou o tema com excessiva seriedade. Chegou a gastar
tempo se torturando sobre a licitude de se concluir uma carta com a
saudação costumeira da época “Seu humilde servo”. Seria mentira?
Kant insistiu que não era escravo de ninguém e que não tinha
qualquer intenção de prestar obediência a seus correspondentes,
mas finalmente parece ter cedido em relação a esse ponto.
No entanto, em relação a alguns assuntos literários mais sérios
permaneceu inflexível. Era contra a leitura de romances, que faziam
com que nosso cérebro se tornasse “fragmentário” e enfraqueciam
nossa memória. “Pois seria ridículo memorizar romances a fim de
relatá-los a outros.” (A suposição de que memorizava todos os
outros livros que lia não deve nem de longe ser descartada.) Kant
despreza nesse ponto o fato de que ler o romance Heloïse, de
Rousseau, era uma experiência educativa que ele parece ter vivido
sem explodir seu pensamento em fragmentos e sem entorpecer sua
memória.
Kant gostava de ler poesia, mas somente se esta fosse uma
harmonização intelectual de virtude e sentimento. Poesia sem rima
era simplesmente prosa enlouquecida. Música era diferente e, no
todo, assunto bem mais complexo. Apenas ela era capaz de
penetrar a carapaça de repressão que protegia suas emoções não
reveladas. E por isso era particularmente severo em relação a ela.
Os músicos não tinham caráter, pois o que tocavam reduzia tudo a
sentimento. Recomendava a seus alunos evitar ouvir música, já que
ela os tornaria efeminados. No entanto, ele próprio não conseguia
parar de frequentar concertos – até o dia em que compareceu a um
em memória do filósofo Moses Mendelssohn, que o atingiu como um
mero e infindável lamento, e nunca mais foi a um concerto.
Detestava música folclórica (como as que sua mãe frequentemente
cantava para ele).
Em 1790, aos cinquenta e oito anos, Kant publicou a terceira e
última parte de sua obra-prima, a Crítica do juízo, ostensivamente
preocupada com juízos estéticos, mas também tratando de teologia
(e muito, muito mais). Kant argumenta que a existência da arte
pressupõe o artista, e que é através da beleza do mundo que
reconhecemos um criador benigno. Conforme ele próprio havia
antes sugerido, reconhecemos a obra de Deus nas estrelas do céu,
assim como em nossa inclinação interior para fazer o bem.
Como havia feito com sua teoria da percepção e sua teoria ética,
Kant procurou estabelecer uma base metafísica para sua teoria do
juízo estético. Desejava estabelecer um princípio a priori que
tornasse possível nossa apreensão da beleza. Nesse ponto, pisava
terreno mais movediço. É sempre difícil alcançar consenso no que
toca à beleza. Alguns consideram os Alpes suíços piegas e
encontram sustento espiritual no expressionismo. Outros não. Tais
opiniões são aparentemente inconciliáveis. Mas Kant estava
decidido a trazer tudo para dentro dos limites de seu sistema.
Kant argumenta: “Uma pessoa que descreve algo como belo
insiste em que todos deveriam dar sua aprovação a esse objeto.” É
evidente a semelhança com o imperativo categórico, mas aqui ele
simplesmente não se aplica – a não ser no sentido pessoal e
pejorativo. Uma vez mais nos defrontamos com a síndrome da
conformidade. O fato de que eu considero a pintura de Francis
Bacon de penetrante beleza não significa que eu espere que todos a
considerem da mesma forma.
Kant prossegue argumentando que apenas através da unidade e
da consistência da natureza a ciência é possível. Essa unidade não
pode ser provada, mas deve ser presumida. Relacionada a essa
ideia encontra-se a noção de que a natureza é útil. Kant conclui que
a utilidade da natureza é “um conceito a priori especial”. Como
sabemos agora, esse conceito não é necessário à suposição da
unidade e da consistência da natureza. E estas últimas estão nesse
momento sendo questionadas pela teoria quântica.
Kant insistia que, embora não possamos provar que o mundo tem
uma finalidade, devemos olhá-lo “como se” a tivesse. Não negava
os aspectos maus, feios e aparentemente sem finalidade do mundo,
mas acreditava que juntos representavam muito menos que seus
opostos mais elevados em espírito. No século seguinte,
Schopenhauer adotaria precisamente a posição contrária – talvez
com justificativas mais bem fundadas, embora no final nem a
postura otimista nem a pessimista possam de qualquer forma ser
endossadas mediante provas e permaneçam em definitivo uma
questão de temperamento.
Enquanto isso, Kant persistia em sua rotina infatigável (que ele
perseguia com dedicação semelhante à interminável busca de
Casanova pelas mulheres e à infindável e divertida caçada etílica de
Hemingway, embora perdendo menos plumas no processo). E os
cidadãos de Königsberg continuavam a acertar seus ponteiros de
acordo com a hora em que Kant começava seu passeio da tarde:
exatamente às três e meia.
O ponto de vista de Kant de que o tempo existe apenas na mente,
e nada tem a ver com a realidade, pode ter tido relação com o fato
de ele viver na Prússia Oriental, território limítrofe ao sul e ao oeste
com a Polônia, onde se vivia uma hora adiante. Na fronteira oriental
estava a Rússia, que ficava a mais de uma semana do resto da
Europa. O povo mais próximo a observar o mesmo horário da
Prússia Oriental era o alemão, distante duas fronteiras, cruzando a
Polônia para o oeste.
Kant morava na Prinzessinnenstrasse, em uma casa demolida em
1893, onde foi cuidado pelo velho e irritadiço criado Lampe, com
quem era capaz de se mostrar igualmente ranzinza. Tudo tinha que
ser feito com total correção (exatamente como para Casanova e
Hemingway). Lampe chegava até a ter que ajudar seu senhor a se
despir todas as noites na ordem correta. Quando Kant ia se deitar
usava invariavelmente um gorro no verão e dois no inverno – que
podia ser de fato muito intenso em Königsberg, quando o vizinho
Báltico congelava.
Da mesma forma que todos os meticulosos tiranos domésticos,
Kant estava sempre muito preocupado com o bem-estar espiritual
de Lampe. Na verdade, ele declarou que havia reinstalado Deus em
sua Crítica da razão prática expressamente para dar a Lampe
alguma coisa em que acreditar. É possível que Lampe não tenha
agradecido devidamente o gesto: não temos evidência de sua
gratidão. Embora seja um pouco mais fácil adivinhar a atitude de
Lampe em relação ao método filosófico singular de seu senhor
prender as meias – por meio de fios de barbante que passavam
pelos bolsos das calças e eram atados a molas encerradas em duas
pequenas caixas. (Essa última informação soa bastante ridícula,
mas é confirmada por diversas fontes independentes, uma das
quais sugeriu que, uma vez que o pai de Kant trabalhava com tiras
de couro, talvez tivesse alguma relação com o fato. Significativa ou
não, a hipótese continua a ocupar os psicólogos.)
Como tantos dotados de espírito independente e imaginativo,
Kant era um hipocondríaco praticante. Na realidade, era tão bom no
assunto que era a única pessoa a perceber que tinha algum
problema. Jamais se teve notícia, ao longo de toda a sua vida, de
que esse homem frágil e pequeno, de compleição espiralada,
tivesse estado doente. Sua hipocondria o mantinha em um regime
incansável e sistemático: uma crítica pura e prática do físico. Um de
seus hábitos era respirar apenas pelo nariz, principalmente quando
saía para caminhar no inverno gelado. Isso significa que durante o
outono, o inverno e a primavera era incapaz de responder a
qualquer pessoa que se dirigisse a ele na rua, já que se recusava a
abrir a boca para não se resfriar.
Kant teve muita sorte ao publicar suas três grandes Críticas.
Durante esse período a situação política na Prússia era de incomum
tolerância, característica raramente associada àquele país. É de se
duvidar que tivesse conseguido publicar essas obras na maioria dos
demais países europeus. Ele reconheceu o fato e dedicou sua
Crítica da razão pura a Zedlitz, ministro da educação de Frederico, o
Grande. Conforme convém a um professor provinciano e respeitoso,
Kant expressava profunda admiração pelo rei, embora no coração
fosse surpreendentemente revolucionário e nada sentisse senão
desprezo pelos filósofos franceses que viviam ao redor da corte de
Frederico. Sua bête noire preferida era De la Mettrie, o encantador
autor de clássicos filosóficos eternos como Traité de l’asthme et de
la dysenterie e Réflexions philosophiques sur l’origine des animaux,
que algumas vezes escreveu sob o pseudônimo “chinês” de Docteur
Fum-Ho–Ham e de quem se diz ter morrido “pour une plaisanterie”,
depois de comer um patê de faisão inteiro, a fim de demonstrar aos
médicos alemães da corte um ponto de vista sobre indigestão. Não
exatamente o tipo de Kant.
Mas quando Frederico, o Grande, morreu em 1796 e Frederico
Guilherme II subiu ao trono, Kant viu-se em maus lençóis. Wöllner,
um pietista ardoroso, ocupou o Ministério da Educação e Kant foi
acusado de utilizar sua filosofia para distorcer a Bíblia. Alguém no
ministério tinha evidentemente conseguido lutar com as oitocentas
páginas da Crítica da razão pura e descobrir que a obra negava
todas as provas da existência de Deus. Kant foi obrigado a
assegurar que não mais daria aulas ou escreveria qualquer outro
livro sobre assunto religioso. Escreveu uma carta ao rei oferecendo
sua palavra de que obedeceria a essa ordem. Mas quando o rei
morreu, em 1797, considerou-se liberado da promessa e retornou
ao assunto com redobrado vigor. (Como podemos ver, suas
posições sobre mentiras eram passíveis de adaptações, quando
surgia a ocasião.)
Kant se aproximava então dos setenta anos, e um longo tempo de
prática aperfeiçoara sua hipocondria a ponto de torná-lo um mestre
nessa arte. A cada mês mandava alguém ao chefe de polícia de
Königsberg para recolher as últimas estatísticas sobre mortalidade,
a partir das quais calculava sua própria expectativa de vida.
Convencera-se de que a constipação enevoava seu cérebro e
acrescentou uma impressionante variedade de laxantes a seu baú
de remédios, que, em tamanho, equivalia a um laboratório. Lia
avidamente nos jornais as notícias que davam conta das últimas
descobertas médicas, com o objetivo de descobrir se tinha alguma
doença nova. Kant era indubitavelmente uma raridade. Não é com
frequência que o homem exibe gênio em seu trabalho e em suas
atividades de lazer. Alguns colegas da universidade que tentaram
dissuadi-lo dessas atividades foram rapidamente colocados em seus
devidos lugares. Kant sabia muito mais sobre doenças do que
qualquer mero professor de medicina na Universidade de
Königsberg. Nesse tema, como em todos os outros, não tolerava
contradições. (Diferentemente de outros egoístas tão atormentados
quanto ele próprio, estava sempre certo e sabia disso.) Até mesmo
um admirador foi obrigado a reconhecer: “Ele não tolera ouvir
quando outros falam muito, torna-se impaciente … se alguém
apregoa saber qualquer coisa melhor que ele … A contradição
direta o ofendia e – quando se persistia nela – o amargurava.” Não
se tratava inteiramente de megalomania. Kant simplesmente
considerava a verdade sacrossanta. Não era culpa sua que ele
sempre soubesse do que falava, enquanto outros se enganavam
com tanta frequência. “Ele não impunha sua opinião a ninguém, mas
a obstinação recíproca causava-lhe genuína mágoa.”
Os professores da universidade podem ter sido capazes de tolerar
esse tratamento, mas ficou provado que era demais para seu criado
Lampe, que tinha de conviver com ele o tempo todo. Após décadas
como servidor fiel, finalmente começou a beber e teve que ser
despedido.
Nesse meio tempo, Kant continuava a resistir estoicamente às
atenções da família. Continuava a justificar sua falta de contato com
as irmãs explicando que elas não possuíam seu mesmo nível
intelectual. (Desde a morte de Newton, é provável que ninguém na
Europa satisfizesse esse critério.) Quando pressionado um pouco
mais, dizia que eram bastante agradáveis, mas que não tinha nada
em comum com elas porque não tinham cultura. Essa desculpa não
era válida com certeza em relação a seu irmão – que chegara a ser
um profissional culto, sendo da mesma forma ignorado por ele. Esse
irmão ansiava carinhosamente por algum contato social com seu
famoso irmão filósofo e escrevia-lhe cartas com regularidade
sugerindo que se encontrassem. Sem nenhum sucesso. Num
determinado ponto implorou a Kant: “Não posso mais suportar que
essa separação continue, somos irmãos.” Kant muitas vezes
demorava tanto quanto dois anos para responder a essas cartas,
argumentando que estivera ocupado demais para escrever antes.
(Embora tivesse, é claro, conseguido encontrar tempo para escrever
várias centenas de páginas de assombrosa filosofia.) Na idade de
sessenta e oito anos, depois de um período de dois anos e meio
sem responder à última carta do irmão implorando para que se
vissem, Kant escreveu assegurando-lhe que o manteria em seus
pensamentos durante o curto tempo de vida que ainda lhe restava,
mas cuidadosamente evitou mencionar qualquer encontro.
À medida que envelhecia, Kant tornava-se cada vez mais solitário
e misantropo. “A vida é um fardo para mim”, confessou finalmente,
“estou cansado de carregá-lo. E se o anjo da morte decidisse vir
esta noite e me levasse daqui, ergueria minha mão e diria ‘Deus
seja louvado!’” Mas continuava avidamente com seu lazer, que se
presume tivesse o objetivo de prolongar sua vida. Qualquer ideia de
abandoná-lo era descartada. Não receava cometer suicídio, mas
isso seria um erro moral. Passou a ter cada vez mais pesadelos.
Todas as noites, em seu sono, via-se cercado por assaltantes,
caçado por assassinos. Os sintomas de paranoia são inequívocos.
Declarou: “Todo homem chega quase a odiar o outro, tenta erguer-
se acima de seu semelhante, está cheio de inveja, ciúme e outros
vícios diabólicos. O homem não é um deus, é um demônio.”
Concluiu que, “se um homem chegasse a dizer e escrever tudo o
que pensa, não haveria nada mais horrível nessa terra de Deus do
que o homem”. Essas duas últimas citações são curiosamente
reveladoras de como ele deve ter visto a si próprio – ao final de uma
vida excêntrica, mas em geral sem culpa. (Não se sentia
responsável em relação a Lampe, que poderia ter procurado
emprego em qualquer outra parte. E podia não ver suas irmãs, mas
lhes enviava dinheiro com regularidade.)
A alegria natural de Kant estava agora sendo inundada pela maré
cheia de sua vida emocional reprimida. Sentia-se sem dúvida infeliz,
mas determinado a permanecer fiel a si mesmo até o fim. Insistia
em que não se importava em ser infeliz, atitude coerente com sua
filosofia. Na Crítica da razão pura declarara que achava
“surpreendente como homens inteligentes pensaram em declarar a
felicidade como lei prática universal”. A seu ver, a felicidade e a
moralidade nada tinham em essência a ver uma com a outra.
Podemos nos sentir gratificados quando realizamos um ato de
virtude, mas era incapaz de compreender “como um mero
pensamento que nada contém de sensível pode produzir uma
sensação de prazer ou desprazer”. Essa expressão só poderia vir
de um espírito totalmente dissociado das emoções. (Mesmo os mais
áridos matemáticos admitem o prazer quando chegam a uma
solução complexa.)
No entanto, Kant admitia que uma experiência lhe dava prazer
com alguma regularidade. Seu vício secreto era caracteristicamente
solitário. Gostava de observar os pássaros e costumava esperar
com ansiedade pelo seu retorno a cada primavera. Segundo um
colega, “a única satisfação que a natureza ainda lhe permitia … era
o retorno de um pássaro que cantava do lado de fora da janela de
seu jardim. Mesmo em sua velhice sem alegria, esta ainda lhe
restava. Quando seu amigo ficava longe por muito tempo, dizia:
‘Ainda deve estar muito frio nos Apeninos’”. Scharftstein, autor de
brilhante e emotiva história da vida de Kant, na qual me inspirei
intensamente, sugere que os pássaros representavam liberdade
para Kant. Liberdade de que, porém? Da tirania de sua própria
natureza, certamente. Mas também talvez liberdade do pensamento
– aquele mesmo elemento que ele permitira escravizar sua vida, o
elemento com o qual pretendeu aprisionar o mundo inteiro dentro de
seu sistema.
Em sua última década de vida, Kant dedicou-se a uma obra
filosófica monumental que jamais terminaria. Pretendia dar a essa
obra o atraente título Ubergang von den metaphysische
Anfangsgrunde der Naturwissenschaft zur Physik (Transição dos
fundamentos metafísicos da ciência natural para a física). Ao
contrário das obras anteriores de Kant, essa é em definitivo ilegível.
Desafiando a insanidade, vários corajosos especialistas tentaram
escalar esse Everest dos Himalaias Metafísicos Alemães, mas
retornaram ofegantes e incapazes de comunicar-se de forma
coerente. Tanto quanto podemos deduzir dos que sobreviveram a
essa obra, nela Kant promove sua estrutura geral a priori a uma
ciência da natureza, mostrando em mínimos detalhes como isso
pode ser estendido a fim de ser aplicado a ciências específicas. A
ênfase reside aqui nos “mínimos detalhes”.
Kant tornou-se então uma figura triste, com falência gradativa de
suas habilidades maiores. Diz-se que a hipocondria é com
frequência um mecanismo de defesa contra a paranoia. No entanto,
apesar da prática diligente e total de seu hobby, a paranoia de Kant
começou a dominá-lo. Começou a sentir uma pressão no cérebro e
decidiu que era causada por uma rara forma de eletricidade
existente no ar. (Segundo ele, essa mesma eletricidade era também
responsável pela epidemia de gatos que recentemente eclodira em
Copenhague e Viena.) Esse envolvimento com “energia elétrica” é
quase sempre associado à esquizofrenia.
Mas Kant jamais foi louco. Tratava-se meramente dos nós, que o
haviam mantido tão reprimido durante toda a sua vida, que iam se
afrouxando. Ele começava a se apagar rapidamente. Os poucos
colegas escolhidos e alunos favoritos que eram convidados para
jantar observavam num silêncio triste sua mente se dissipar, até que
seu novo criado o levasse. Em 8 de outubro de 1803, Kant adoeceu
pela primeira vez. Teve um derrame brando depois de comer com
exagero seu “queijo inglês” preferido. Após quatro meses de
debilidade crescente, morreu em 12 de fevereiro de 1804. Suas
últimas palavras foram “Es ist gut” (Está bom). Foi sepultado na
catedral e seu túmulo continha a declaração que o fez inclinar-se
para o Deus no qual com certeza acreditava, mas que jamais
adorou publicamente – palavras que nos levam de volta a um garoto
pequeno e vivo ouvindo a bem-intencionada mãe que ele tanto
venerava: “O céu estrelado acima e a lei moral no interior enchem o
espírito de admiração e reverência sempre novas e crescentes
quanto mais firme e assídua se mostra nossa reflexão.”
POSFÁCIO
. . . . . . . . . . .
Pergunta: De que trata a Crítica da razão pura?
Resposta: De metafísica.
P: O que é exatamente metafísica?
R: Essa palavra começou como um erro e acabou por ser
considerada um erro. Nesse meio tempo, foi o principal tópico da
filosofia.
P: Isso ainda não responde a pergunta. O que significa metafísica
exatamente?
R: Nada, segundo a maioria dos filósofos modernos.
P: Bem, o que significava de início?
R: Essa palavra foi primeiro usada para fazer referência a certas
obras filosóficas de Aristóteles, as que se situavam depois de sua
grande obra na área da física, em suas obras reunidas, e que se
tornaram conhecidas como “além da física” – que em grego se dizia
“meta-física”.
P: Mas isso ainda não me diz o que ela é.
R: Nessas obras “além da física”, Aristóteles dedicou-se à “ciência
das coisas transcendendo o que é físico ou natural”.
P: E o que quer dizer isso?
R: É a ciência que trata dos primeiros princípios teóricos além e
acima do mundo físico. Esses são os princípios que governam
nosso conhecimento daquele mesmo mundo físico. Em outras
palavras, a metafísica diz respeito a tudo que transcende o mundo
físico que experimentamos.
P: Mas como sabemos que existe alguma coisa além do mundo
físico que experimentamos?
R: Não sabemos. Razão pela qual a maioria dos filósofos modernos
rejeita a metafísica como um erro.
P: Mas Kant não o fez?
R: Kant estava decidido a criar uma nova metafísica. Antes dele,
Hume tinha chegado em grande parte à mesma conclusão desses
filósofos modernos. Hume pensou que tivesse destruído a
possibilidade da metafísica.
P: Como?
R: Duvidando de tudo que não pudesse confirmar mediante sua
própria experiência. Esse ceticismo extremo excluía tudo em que a
humanidade acreditara através dos séculos, mas que jamais
experimentara de fato.
P: Por exemplo?
R: Deus, por exemplo.
P: Mas o que Hume disse não parecia fazer muita diferença. As
pessoas continuaram a acreditar em Deus.
R: Sim, mas compreende-se cada vez mais que isso acontecia por
conta de um impulso da fé e não como resultado de qualquer
experiência direta ou de argumentação racional.
P: Então a “contestação” da metafísica por parte de Hume não fez
qualquer diferença?
R: Na realidade, fez grande diferença. Principalmente para os
cientistas e os filósofos.
P: Como?
R: Mediante a exclusão de tudo, à exceção daquilo que podemos
comprovar através da experiência, Hume eliminou muito mais que
Deus. Ele destruiu a causalidade, o que era muito mais importante
para os cientistas e para os filósofos.
P: Como?
R: Segundo Hume, tudo o que sabemos da experiência é que um
evento se segue a outro. Não podemos jamais saber se um evento
causa o outro. Não podemos ir além da nossa experiência para
afirmar isso. Na realidade, jamais experimentamos algum evento
causando outro – apenas um evento se seguindo a outro.
P: Então?
R: Isso atinge o âmago de todo o nosso conhecimento científico. De
acordo com Hume, a ciência baseada na causalidade é metafísica –
não empírica. Não pode nunca ser comprovada. E a comprovação é
a base de nosso conhecimento. Da mesma forma, a filosofia.
Segundo Hume, jamais poderemos provar as afirmações da
filosofia, a menos que elas sejam resultado de experiência direta.
P: Como por exemplo?
R: Assim como na afirmação: “Esta maçã é verde.”
P: Mas isso significa que a filosofia praticamente nada pode dizer.
R: Exatamente. E essa é a dificuldade extrema que Kant tentou
superar em sua filosofia.
P: De que maneira?
R: Ele tentou mostrar que, apesar do ceticismo devastador de
Hume, ainda era possível construir uma metafísica, que seria a base
real de uma forma de conhecimento universal e logicamente
necessária – que permaneceria impermeável ao ceticismo de Hume.
Kant a estabeleceu pela primeira vez em sua Crítica da razão pura.
P: Então a metafísica de Kant era uma tentativa de estabelecer
algum tipo de ciência definitiva – que garantisse a verdade do nosso
conhecimento?
R: Exatamente.
P: E como ele chegou a isso?
R: Kant ressaltou o que chamava sua “filosofia crítica”, que
significava uma análise profunda da epistemologia – um estudo da
própria base sobre a qual nosso conhecimento reside. Segundo
Kant, fazemos certos juízos que são indispensáveis a todo
conhecimento, juízos que ele classificou como “sintéticos a priori”.
Por sintético, ele queria dizer que não eram analíticos e que o
conhecimento neles contido não estava implícito no conceito
original. Por exemplo, “a bola é redonda” é uma afirmação analítica
– porque o conceito “redondeza” está contido no conceito bola. Já “a
bola é brilhante” é um juízo sintético, porque diz sobre a bola
alguma coisa além do que está contido no conceito original, da
mesma forma que uma afirmação empírica. Como a priori Kant
definiu os juízos necessários e universais, que tinham de ser
verdadeiros antes de qualquer experiência e que são constituídos
somente pelo uso da razão. Diferentemente dos juízos resultantes
da experiência, eles não eram particulares e contingentes. Ou seja,
não se aplicavam apenas a uma instância e eram destituídos de
necessidade lógica – como as afirmações “esse cavalo ganhou o
Derby” e “aquele cavalo é marrom”.
Como qualquer juízo científico, essas afirmações sintéticas a
priori deviam ser irrefutáveis e verdadeiras em termos universais.
Em outras palavras, deviam ter a mesma energia e vigor de uma
afirmação analítica, embora fossem sintéticas. E deviam se adequar
à experiência, permanecendo ao mesmo tempo anteriores a ela.
A pergunta básica de Kant era: “Como são possíveis as
afirmações sintéticas a priori?” Levava essa pergunta à matemática,
à física e à metafísica. A matemática, segundo ele, se relaciona a
espaço e tempo. Argumentava que, ao contrário das aparências, o
espaço e o tempo são de fato a priori – ou seja, não fazem parte da
nossa experiência, sendo uma condição anterior necessária a essa
experiência. Não poderíamos ter a experiência sem essas “formas
de nossa sensibilidade”.
Kant prossegue argumentando que as afirmações da física são
juízos a priori. Elas classificam os juízos empíricos (sendo, portanto,
sintéticas), mas utilizam conceitos anteriores à experiência (sendo,
portanto, a priori). Esses conceitos, ou “categorias de nosso
entendimento”, como Kant as chamava, assemelham-se muito ao
espaço e ao tempo na matemática. As “categorias” são a estrutura
essencial de nosso conhecimento, sendo constituídas de coisas
como qualidade, quantidade, relação (inclusive a causalidade) e
modalidade (assim como existência ou não-existência). Elas não
são parte de nossa experiência e, no entanto, não poderíamos ter
qualquer experiência sem elas.
Contudo, quando chegamos à metafísica, o oposto se aplica à
matemática e à física. A metafísica não tem qualquer relação com a
experiência (já que está “além da física”). Isso significa que não
podemos aplicar “categorias” como quantidade e qualidade à
metafísica porque elas são a estrutura de nosso conhecimento da
experiência. Assim, a metafísica se exclui do campo dos juízos
sintéticos a priori e não possui base científica. Dessa forma, se
tomamos um conceito metafísico, como Deus, não podemos fazer
qualquer afirmação científica (ou verificável) sobre ele, pois
quaisquer categorias que pudéssemos lhe aplicar só seriam
relevantes para a experiência. Falar da existência (ou não
existência) de Deus seria igualmente aplicar de forma errônea as
categorias.
Foi desse modo que Kant rejeitou a metafísica. Ao fazê-lo, no
entanto, construiu seu próprio sistema metafísico alternativo. Da
maneira como Kant as viu, as “formas do nosso conhecimento”
(espaço e tempo), assim como as “categorias do nosso
entendimento” (inclusive a experiência, a necessidade etc.), são
indubitavelmente metafísicas. Nós podemos considerar que o
espaço e a existência estão “lá fora”, na física da nossa experiência,
mas Kant não pensava assim. Dessa forma, seu argumento contra a
metafísica aplica-se igualmente a eles. Não podemos fazer
afirmações sintéticas a priori sobre eles. Eles não são científicos,
não são analíticos e não são logicamente necessários: são
metafísicos. E se, por outro lado, estão “lá fora” na nossa
experiência, certamente não podem ser conceitos a priori de nosso
entendimento.
A Crítica da razão prática de Kant tenta aplicar um sistema
bastante similar à ética. Ao invés de indagar se existem coisas como
juízos sintéticos a priori, ele indaga se há regras que a priori
governam nossa vontade e que podem, assim, reivindicar a
condição de universais. Em lugar das categorias, ele traz à tona um
“imperativo categórico” – que não faz parte da experiência moral
real, mas que forma a estrutura a priori necessária a ela. Eis como
ele explicita esse imperativo categórico: “Aja somente de acordo
com um princípio que desejaria fosse ao mesmo tempo uma lei
universal.” Assim como as categorias, esse imperativo é puramente
formal. As categorias não têm conteúdo empírico, o imperativo
categórico não tem conteúdo moral. Esse imperativo categórico
pode ser ótimo aparentemente, mas é amplo o suficiente para
abranger as moralidades contraditórias do sadomasoquista e do
hippie adepto do paz e amor. É também estritamente racional e
sugere que deveríamos considerar todos os seres humanos
idênticos a nós mesmos em temperamento. Nossa psicologia não é
estritamente racional e não consideramos os outros idênticos a nós
mesmos em temperamento. Nem desejamos isso – a menos que,
por acaso, fôssemos ditadores. Como podemos sequer aplicar esse
imperativo, se não pensamos assim ou nos comportamos assim?
Podemos endossar certos princípios universais, mas eles com
certeza não abarcarão todos os nossos atos morais. Existem
determinados princípios menos fundamentais que não desejaríamos
estender às ações morais de cada um. Eu posso me abster do
canibalismo e ao mesmo tempo desejar ver o princípio “é errado
comer pessoas” aplicado universalmente. Mas se eu me abstiver de
assassinar, isso não significa que eu deseje que um policial se
abstenha de matar um sequestrador assassino.
É possível argumentar que essas observações tão rígidas não se
aplicam, uma vez que o imperativo categórico é tão somente a
estrutura da moralidade. Através de nossas ações morais, nós
simplesmente sugerimos princípios universais. Mas esse recuo à
formalidade torna o imperativo categórico totalmente vazio. Ele
afirma de maneira clara que deveríamos nos comportar da mesma
forma que desejaríamos que todas as outras pessoas se
comportassem.
CITAÇÕES-CHAVE
. . . . . . . . . . .
O trecho a seguir faz parte da abertura da Crítica da razão pura,
onde Kant se prepara para lançar os alicerces de sua filosofia.
Como se pode inferir da segunda frase, Kant começa da forma
como pretende continuar. Insista em transpor essa cilada facilmente
localizável e logo conhecerá um estado de espírito que com
agilidade transcende a dificuldade do que ela transmite.
Não resta dúvida de que todo o nosso conhecimento começa pela
experiência; efetivamente, que outra coisa poderia despertar e pôr
em ação a nossa capacidade de conhecer senão os objetos que
afetam os sentidos e que, por um lado, originam por si mesmos as
representações e, por outro lado, põem em movimento a nossa
faculdade intelectual e levam-na a compará-las, ligá-las ou separá-
las, transformando assim a matéria bruta das impressões sensíveis
num conhecimento que se denomina experiência? Assim, na ordem
do tempo, nenhum conhecimento precede em nós a experiência e é
com esta que todo o conhecimento tem o seu início.
Se, porém, todo o conhecimento se inicia com a experiência, isso
não prova que todo ele derive da experiência. Pois bem poderia o
nosso próprio conhecimento por experiência ser um composto do
que recebemos através das impressões sensíveis e daquilo que a
nossa própria capacidade de conhecer (apenas posta em ação por
impressões sensíveis) produz por si mesma, acréscimo esse que
não distinguimos dessa matéria-prima, enquanto a nossa atenção
não despertar por um longo exercício que nos torne aptos a separá-
los.
Crítica da razão pura, Introdução, Parte 1
Ele prossegue em sua argumentação: Haverá um conhecimento
assim, independente da experiência e de todas as impressões dos
sentidos? Denomina-se a priori esse conhecimento e distingue-se
do empírico, cuja origem é a posteriori, ou seja, na experiência
Esta expressão não é, contudo, ainda suficientemente definida
para designar de um modo conveniente todo o sentido da questão
apresentada. Na verdade, costuma dizer-se de alguns
conhecimentos, provenientes de fontes da experiência, que deles
somos capazes ou os possuímos a priori porque os não derivamos
imediatamente da experiência, mas de uma regra geral, que todavia
fomos buscar à experiência. Assim, diz-se de alguém, que minou os
alicerces da sua casa, que podia saber a priori que ela havia de ruir,
isto é, que não deveria esperar, para saber pela experiência, o real
desmoronamento. Contudo, não poderia sabê-lo totalmente a priori,
pois era necessário ter-lhe sido revelado anteriormente, pela
experiência, que os corpos são pesados e caem quando lhes é
retirado o sustentáculo.
Ibid., Introdução, Parte 1
Kant prossegue para explicar: Por esta razão designaremos,
doravante, por juízos a priori não aqueles que não dependem desta
ou daquela experiência, mas aqueles em que se verifica absoluta
independência de toda e qualquer experiência. Dos conhecimentos
a priori, são puros aqueles em que nada de empírico se mistura.
Assim, por exemplo, a proposição, segundo a qual toda a mudança
tem uma causa, é uma proposição a priori, mas não é pura, porque
a mudança é um conceito que só pode extrair-se da experiência.
Ibid., Introdução, Parte 1
A argumentação avança e o enredo se adensa. Esta oportunidade
extremamente rara de acompanhar um dos espíritos mais
requintados da história na medida em que vai criando na sua forma
original não deve ser perdida. Pretender chegar a essas alturas de
maneira fácil invalida todo o objetivo do exercício:
Necessitamos agora de um critério pelo qual possamos distinguir
seguramente um conhecimento puro de um conhecimento empírico.
É verdade que a experiência nos ensina que algo é constituído
desta ou daquela maneira, mas não que não possa sê-lo
diferentemente. Em primeiro lugar, se encontrarmos uma proposição
que apenas se possa pensar como necessária, estamos em
presença de um juízo a priori; se, além disso, essa proposição não
for derivada de nenhuma outra, que por seu turno tenha o valor de
uma proposição necessária, então é absolutamente a priori. Em
segundo lugar, a experiência não concede nunca aos seus juízos
uma universalidade verdadeira e rigorosa, apenas universalidade
suposta e comparativa (por indução), de tal modo que, em verdade,
antes se deveria dizer: tanto quanto até agora nos foi dado verificar,
não se encontram exceções a esta ou àquela regra. Portanto, se um
juízo é pensado com rigorosa universalidade, quer dizer, de tal
modo que, nenhuma exceção se admite como possível, não é
derivado da experiência, mas é absolutamente válido a priori. A
universalidade empírica é, assim, uma extensão arbitrária da
validade, em que se transfere para a totalidade dos casos a validade
da maioria, como, por exemplo, na seguinte proposição: todos os
corpos são pesados. Em contrapartida, sempre que a um juízo
pertence, essencialmente, uma rigorosa universalidade, este juízo
provém de uma fonte particular do conhecimento, a saber, de uma
faculdade de conhecimento a priori. Necessidade e rigorosa
universalidade são pois os sinais seguros de um conhecimento a
priori e são inseparáveis uma da outra. Porém, como na prática
certas vezes é mais fácil de mostrar a limitação empírica do que a
contingência dos juízos e outras vezes mais conveniente mostrar a
universalidade ilimitada, que atribuímos a um juízo, do que a sua
necessidade, é aconselhável servirmo-nos, separadamente, dos
dois critérios, cada um dos quais é de per si infalível.
Ibid., Introdução, Parte 2
Kant nesse instante elabora: É fácil mostrar que há realmente no
conhecimento humano juízos necessários e universais, no mais
rigoroso sentido, ou seja, juízos puros a priori. Se quisermos um
exemplo, extraído das ciências, basta volver os olhos para todos os
juízos da matemática; se quisermos um exemplo, tirado do uso mais
comum do entendimento, pode servir-nos a proposição segundo a
qual todas as mudanças têm que ter uma causa. Neste último, o
conceito de uma causa contém, tão manifestamente, o conceito de
uma ligação necessária com um efeito e uma rigorosa
universalidade da regra, que esse conceito de causa totalmente se
perderia, se quiséssemos derivá-lo, como Hume o fez, de uma
associação frequente do fato atual com o fato precedente e de um
hábito daí resultante (de uma necessidade, portanto, apenas
subjetiva) de ligar entre si representações. Poder-se-ia também
demonstrar, sem haver necessidade de recorrer a exemplos
semelhantes, a realidade de princípios puros a priori no nosso
conhecimento, que estes princípios são imprescindíveis para a
própria possibilidade da experiência, por conseguinte, expor a sua
necessidade a priori. Pois onde iria a própria experiência buscar a
certeza, se todas as regras, segundo as quais progride, fossem
continuamente empíricas e, portanto, contingentes? Seria difícil, por
causa disso, dar a essas regras o valor de primeiros princípios. Aqui
podemo-nos bastar com ter exposto, a título de fato, juntamente
com os seus critérios, o uso puro da nossa capacidade de conhecer.
Todavia não é apenas nos juízos, mas ainda em alguns conceitos,
que se revela uma origem a priori. Eliminai, pouco a pouco, do
vosso conceito de experiência de um corpo tudo o que nele é
empírico, a cor, a rugosidade ou maciez, o peso, a própria
impenetrabilidade; restará, por fim, o espaço que esse corpo (agora
totalmente desaparecido) ocupava e que não podereis eliminar. De
igual modo, se eliminardes do vosso conceito empírico de qualquer
objeto, seja ele corporal ou não, todas as qualidades que a
experiência vos ensinou, não poderíeis contudo retirar-lhe aquelas
pelas quais o pensais como substância ou como inerente a uma
substância (embora este conceito contenha mais determinações do
que o conceito de um objeto em geral). Obrigados pela necessidade
com que este conceito se vos impõe, tereis de admitir que tem a sua
sede a priori na nossa faculdade de conhecer.
Ibid., Introdução, Parte 2
Nesse ponto Kant explica a noção de Tempo segundo a sua
filosofia:
O tempo não possui realidade objetiva; não é um acidente, nem
uma substância, e nem uma relação: é uma condição puramente
subjetiva, necessária por conta da natureza do espírito humano, que
coordena todas as nossas sensibilidades mediante determinada lei,
e é pura intuição. Coordenamos da mesma forma substâncias e
acidentes, segundo a simultaneidade e a sequência, através apenas
do conceito de tempo.
De Mundi Sensibilis atque intelligibilis
forma et principiis, 3, 14.
Kant passa, nesse momento, a distinguir entre diferentes tipos de
felicidade:
Se alguém só é feliz quando consegue satisfazer um desejo, o
sentimento que faz com que goze prazeres tão grandes, sem que
necessite de grandes habilidades para isso, é certamente assunto
não trivial. Os gordos, cujos artistas favoritos são seus cozinheiros e
cujas obras-primas repousam em seus celeiros, regozijam-se em
suas obscenidades comuns e em suas observações vulgares tanto
quanto as almas mais nobres desfrutam de seus objetivos mais
requintados. Um indivíduo indolente que adore que lhe leiam livros
em voz alta porque gosta de adormecer dessa forma, o empresário
que considera todos os prazeres uma distração que o desvia de
lutar por seus lucros em um negócio rendoso, alguém que adora o
sexo oposto pelo simples prazer de possuí-lo e nada mais, o
caçador sagaz, seja ele mero caçador de moscas, como o
imperador romano Domiciano, ou de animais ferozes como A __ –
todos têm sentimentos que os fazem experimentar prazer à sua
própria maneira, sem que sintam inveja de outros ou sejam até
mesmo capazes de imaginar outros prazeres. Esse tipo de
sentimento, que pode ocorrer sem qualquer pensamento, eu
desconsiderarei por completo.
Sua argumentação prossegue:
O sentimento requintado, que passo a considerar, é em grande
parte de dois tipos: o sentimento do sublime e o do belo. Cada um
deles nos dá prazer, mas de formas diferentes. A visão do pico de
uma montanha coberto de neve elevando-se sobre as nuvens, a
descrição de uma tempestade violenta ou a representação de Milton
do reino do inferno – cada um deles nos proporciona alegria, porém
mesclada com o terror. Por outro lado, a visão de prados cobertos
de flores, de vales com arroios sinuosos e rebanhos pastando, a
descrição do Elísio, ou o relato de Homero sobre o cinturão de
Vênus, também nos dão uma sensação agradável, mas repleta de
alegria e felicidade. Para sentir a primeira sensação temos que ter o
sentimento do sublime, mas a fim de experimentar a última há que
se ter o sentimento do belo.
“Do belo e do sublime”, Seção 1, parágrafos 2 & 3 Um exemplo
raro de poesia kantiana. Foi escrita em 1782, por ocasião da morte
do pastor Lilienthal, que casara os pais de Kant:
Was auf das Leben folgt deckt tiefe Finsterniss;
Was uns zu thun gebuhrt, dess sind wis nur gewiss.
O que vem depois da vida se esconde
na escuridão profunda;
O que se espera que façamos, somos
os únicos que sabemos.
O texto que se segue aproxima-se bastante da explicação para a
popularidade das aulas de geografia que Kant dava aos cidadãos de
Königsberg. Foi escrito, no século XIX, pelo dr. J.H. Stirling, de
nacionalidade britânica, membro da Sociedade Filosófica de Berlim.
[Nas aulas de geografia de Kant] ele não pode deixar de se referir a
alguns dos fatos mais interessantes que o influenciaram … Os
negros nascem de cor branca, excetuando um círculo em torno do
umbigo. O íbis morre tão logo deixa o Egito. O leão é tão nobre que
é incapaz de tocar uma mulher com a pata … A água no Cabo é tão
pura que permanece doce quando trazida à Europa. Se fizer um
copo de chifre de rinoceronte, qualquer veneno poderá rachá-lo …
Nas Ilhas Canárias existe a árvore da vida que nunca apodrece,
seja no solo ou na água. Há um molusco na Itália que fornece tanta
luz que se pode ler perto dela. No Languedoc acontece uma
primavera tão quente que chega a chocar ovos … Os animais
ferozes só comem negros em Gâmbia e deixam os europeus em
paz. Os negros na América adoram carne de cachorro e todos os
cães latem para eles.
De acordo com o dr. Stirling, essas opiniões eram “todas
apresentadas com gravidade”.
CRONOLOGIA DE DATAS SIGNIFICATIVAS DA
FILOSOFIA
. . . . . . . . . . .
séc. VI
a.C.
Início da filosofia ocidental com Tales de Mileto.
fim do séc.
VI a.C.
Morte de Pitágoras.
399 a.C. Sócrates condenado à morte em Atenas.
c.387 a.C. Platão funda a Academia em Atenas, a primeira
universidade.
335 a.C. Aristóteles funda o Liceu em Atenas, escola rival da
Academia.
324 d.C. O imperador Constantino muda a capital do Império
Romano para Bizâncio.
400 d.C. Santo Agostinho escreve as Confissões. A filosofia
é absorvida pela teologia cristã.
410 d.C. Roma é saqueada pelos visigodos.
529 d.C. O fechamento da Academia em Atenas, pelo
imperador Justiniano, marca o fim da era greco-
romana e o início da Idade das Trevas.
meados do Tomás de Aquino escreve seus comentários sobre
séc. XIII Aristóteles. Era da escolástica.
1453 Queda de Bizâncio para os turcos, fim do Império
Bizantino.
1492 Colombo chega à América. Renascimento em
Florença e renovação do interesse pela
aprendizagem do grego.
1543 Copérnico publica De revolutionibus orbium
caelestium (Sobre as revoluções dos orbes
celestes), provando matematicamente que a Terra
gira em torno do Sol.
1633 Galileu é forçado pela Igreja a abjurar a teoria
heliocêntrica do universo.
1641 Descartes publica as Meditações, início da filosofia
moderna.
1677 A morte de Spinoza permite a publicação da Ética.
1687 Newton publica os Principia, introduzindo o conceito
de gravidade.
1689 Locke publica o Ensaio sobre o entendimento
humano. Início do empirismo.
1710 Berkeley publica os Princípios do conhecimento
humano, levando o empirismo a novos extremos.
1716 Morte de Leibniz.
1739-40 Hume publica o Tratado sobre a natureza humana,
conduzindo o empirismo a seus limites lógicos.
1781 Kant, despertado de seu “sono dogmático” por
Hume, publica a Crítica da razão pura. Início da
grande era da me-tafísica alemã.
1807 Hegel publica A fenomenologia do espírito: apogeu
da metafísica alemã.
1818 Schopenhauer publica O mundo como vontade e
representação, introduzindo a filosofia indiana na
metafísica alemã.
1889 Nietzsche, após declarar que “Deus está morto”,
sucumbe à loucura em Turim.
1921 Wittgenstein publica o Tractatus
logicophilosophicus, advogando a “solução final”
para os problemas da filosofia.
década de
1920
O Círculo de Viena apresenta o positivismo lógico.
1927 Heidegger publica Sein und Zeit (Ser e tempo),
anunciando a ruptura entre a filosofia analítica e a
continental.
1943 Sartre publica L’être et le néant (O ser e o nada),
avançando no pensamento de Heidegger e
instigando o surgimento do existencialismo.
1953 Publicação póstuma de Investigações filosóficas, de
Wittgenstein. Auge da análise linguística.
C I E N T I S T A S
em 90 minutos
. . . . . . .
por Paul Strathern
Arquimedes e a alavanca em 90 minutos
Bohr e a teoria quântica em 90 minutos
Crick, Watson e o DNA em 90 minutos
Curie e a radioatividade em 90 minutos
Darwin e a evolução em 90 minutos
Einstein e a relatividade em 90 minutos
Galileu e o sistema solar em 90 minutos
Hawking e os buracos negros em 90 minutos
Newton e a gravidade em 90 minutos
Oppenheimer e a bomba atômica em 90 minutos
Pitágoras e seu teorema em 90 minutos
Turing e o computador em 90 minutos
Título original:
Kant in 90 minutes
Tradução autorizada da primeira edição inglesa,
publicada em 1996 por Constable,
de Londres, Inglaterra
Copyright © 1996, Paul Strathern
Copyright da edição brasileira © 1997:
Jorge Zahar Editor Ltda.
rua Marquês de São Vicente 99, 1º andar
22451-041 Rio de Janeiro, RJ
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Todos os direitos reservados.
A reprodução não autorizada desta publicação, no todo
ou em parte, constitui violação de direitos autorais. (Lei 9.610/98)
Grafia atualizada respeitando o novo
Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa
Ilustração: Lula
ISBN: 978-85-378-0419-3
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Nietzsche em 90 minutos
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Friedrich Nietzsche (1844-1900) foi o criador do célebre super-
homem, embora ele próprio tenha sido um dos homens mais
doentes que já houve: veio a morrer louco, segundo dizem em
conseqüência de uma sífilis. Antecipando o fim de todos os sistemas
filosóficos, sua obra falava a língua do futuro através de ditos
lapidares como: "Deus está morto"; "Viva perigosamente" e "Qual o
melhor remédio? - Vitória". Ao contrário do que se diz, a idéia de
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Como saber o que de fato significou a teoria da relatividade de
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escritor norueguês Atle Naess faz um retrato minucioso e fascinante
do homem que mudou a forma de vermos o mundo e fundou a
ciência moderna - da infância ao julgamento pela Inquisição já no
fim da vida, passando por todo o caminho que levou às descobertas
revolucionárias na física, na astronomia e na matemática.
Numa Florença em que ainda subsiste o brilho do Renascimento,
acompanhamos a formação e o desenvolvimento de Galileu,
incomuns para a época e que só foram possíveis graças ao
incentivo de seu pai, músico e letrado. Conhecemos a relação do
matemático com a família mais famosa e importante de Florença e
de todo o período renascentista, os Médici, que eram seus
mecenas.
Através da prosa fluida e envolvente de Naess, somos testemunhas
privilegiadas das experiências precoces e descobertas
revolucionárias de Galileu. Descobertas que mudariam o mundo,
mas que ele acabaria sendo obrigado a renegar diante da
Inquisição.
O livro foi vencedor do Prêmio Brage - o mais importante prêmio
literário da Noruega - de melhor livro de não ficção.
"A narrativa é um primor, a história flui sem esforço e o contexto é
centrado em aspectos humanitários. O livro é um deleite absoluto."
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"Leitura encantadora, e o texto é historicamente rigoroso. Não são
muitas as biografias tão formidavelmente escritas como essa."
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"Um relato vivo, articulado e bem construído, que oferece o contexto
mais amplo e fundamental que envolve o drama. Altamente
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monarca da dinastia Tudor e a maior governante da história da
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origens e infância - rebaixada de bebê real à filha ilegítima após a
decapitação da mãe até seus últimos dias.
Inclui caderno de imagens coloridas com os principais retratos de
Elizabeth I e de outras figuras protagonistas em sua biografia, como
Ana Bolena e Maria Stuart.
"Inovador... Como a história deve ser escrita." Andrew Roberts,
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"... uma nova abordagem de Elizabeth I, posicionando-a com solidez
no contexto da Europa renascentista e além." HistoryToday
"Ao mesmo tempo que analisa com erudição os ideais
renascentistas e a política elisabetana, Lisa Hilton concede à
história toda a sensualidade esperada de um livro sobre os Tudor."
The Independent
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Redes de indignação e esperança
Castells, Manuel
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Principal pensador das sociedades conectadas em rede, Manuel
Castells examina os movimentos sociais que eclodiram em 2011 -
como a Primavera Árabe, os Indignados na Espanha, os
movimentos Occupy nos Estados Unidos - e oferece uma análise
pioneira de suas características sociais inovadoras: conexão e
comunicação horizontais; ocupação do espaço público urbano;
criação de tempo e de espaço próprios; ausência de lideranças e de
programas; aspecto ao mesmo tempo local e global. Tudo isso,
observa o autor, propiciado pelo modelo da internet.
<p>O sociólogo espanhol faz um relato dos eventos-chave dos
movimentos e divulga informações importantes sobre o contexto
específico das lutas. Mapeando as atividades e práticas das
diversas rebeliões, Castells sugere duas questões fundamentais: o
que detonou as mobilizações de massa de 2011 pelo mundo? Como
compreender essas novas formas de ação e participação política?
Para ele, a resposta é simples: os movimentos começaram na
internet e se disseminaram por contágio, via comunicação sem fio,
mídias móveis e troca viral de imagens e conteúdos. Segundo ele, a
internet criou um "espaço de autonomia" para a troca de
informações e para a partilha de sentimentos coletivos de
indignação e esperança - um novo modelo de participação cidadã.
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Kant em 90 minutos - O filósofo alemão e seu sistema metafísico

  • 1.
  • 2. KANT (1724-1804) em 90 minutos Paul Strathern Tradução: Maria Helena Geordane Consultoria: Danilo Marcondes Professor-titular do Deptº de Filosofia, PUC-Rio
  • 3. F I L Ó S O F O S em 90 minutos . . . . . . . . . . . por Paul Strathern Aristóteles em 90 minutos Berkeley em 90 minutos Bertrand Russell em 90 minutos Confúcio em 90 minutos Derrida em 90 minutos Descartes em 90 minutos Foucault em 90 minutos Hegel em 90 minutos Heidegger em 90 minutos Hume em 90 minutos Kant em 90 minutos Kierkegaard em 90 minutos Leibniz em 90 minutos Locke em 90 minutos Maquiavel em 90 minutos Marx em 90 minutos Nietzsche em 90 minutos Platão em 90 minutos Rousseau em 90 minutos Santo Agostinho em 90 minutos São Tomás de Aquino em 90 minutos Sartre em 90 minutos Schopenhauer em 90 minutos Sócrates em 90 minutos Spinoza em 90 minutos Wittgenstein em 90 minutos
  • 4. SUMÁRIO . . . . . . . . . . . Introdução e raízes de suas ideias Vida e obra Posfácio Citações-chave Cronologia de datas significativas da filosofia
  • 5. SOBRE O AUTOR . . . . . . . . . . . PAUL STRATHERN nasceu em Londres em 1940, tendo estudado física, química e matemática no Trinity College, Dublin, antes de se dedicar à filosofia. Escritor profissional, é autor de romances, biografias e livros de história e de viagens. Como professor universitário, ensinou matemática, filosofia e poesia italiana moderna. A série “Filósofos em 90 minutos” já se encontra publicada com êxito em seis países.
  • 6. INTRODUÇÃO E RAÍZES DE SUAS IDEIAS . . . . . . . . . . . O simples fato de alguma coisa ser impossível não significa que alguém não irá tentar realizá-la. Kant não apenas tentou, mas conseguiu alcançar o impossível. Depois de Hume ter destruído a filosofia, e todas as possibilidades de construção de um sistema metafísico, Kant criou o maior de todos eles. Seu propósito era refutar Hume, mas felizmente ele havia lido apenas a Investigação sobre o entendimento humano, e não o ceticismo mais penetrante do anterior Tratado sobre a natureza humana. Tivesse Kant lido o Tratado e talvez não houvesse elaborado qualquer sistema. Teria sido lamentável e teria deixado toda uma geração de professores de filosofia alemã do século XIX desempregada. O sistema de Kant é como a ideia de gravidade de Newton. Não é a resposta final, mas está próximo da forma como ainda vemos o mundo. Não erraremos muito se olharmos o mundo à maneira de Kant. A filosofia de Hume é essencialmente simplista: reduz nossa condição filosófica ao refúgio estéril do solipsismo. Kant, construindo nas areias ilusórias do erro, erigiu um maravilhoso castelo, de imensa engenhosidade e complexidade, capaz de nos manter absortos e cheios de felicidade, com nosso balde e nossa pá, durante as férias inteiras. É difícil saber o que dizer sobre a vida de Kant. Na prática, ele não viveu (fora da mente). Nada que possa despertar qualquer interesse lhe aconteceu. No entanto, a descrição de uma vida de extremo tédio não necessita ser, ela própria, maçante – conforme foi demonstrado por seu contemporâneo Casanova e, mais recentemente, por Hemingway.
  • 7. VIDA E OBRA . . . . . . . . . . . Immanuel Kant nasceu em 22 de abril de 1724 na cidade báltica de Königsberg, então capital da isolada província alemã da Prússia Oriental (atualmente Kaliningrado, na Rússia). Seus ancestrais haviam emigrado da Escócia no século anterior e há grande probabilidade de que tivessem algum grau de parentesco com Andrew Cant, notório pregador escocês do século XVII. Consta que Cant teria sido a origem do verbo inglês to cant, que se refere ao “uso de jargão” – traço de família que reapareceria impetuosamente no filósofo. Na época do nascimento de Kant, a Prússia Oriental se recuperava das devastações trazidas pelas guerras e pela peste, que haviam reduzido a população a menos da metade. Kant foi criado em atmosfera de pobreza e religiosidade. Era o quarto filho da família – constituída de cinco irmãs e um irmão mais novo. O pai, escocês, cortava tiras de couro e declarava jocosamente “não conseguir nunca equilibrar o orçamento”, fosse em casa, fosse no trabalho. Kant manteve sempre atitude respeitosa em relação a ele, indivíduo amável porém acuado financeiramente, e diz-se que quando criança gostava de observá-lo cortando com habilidade pedaços de couro para arreios. No entanto, de acordo com o psicólogo e filósofo Ben-Ami Scharftstein, dada a destreza do pai, “a inabilidade manual de Kant é, por conseguinte, digna de nota”. Seja esse o caso ou não, e de que tipo de nota ele é digno precisamente, a principal e primeira influência na vida de Kant foi sem dúvida sua mãe. Frau Kant era uma alemã totalmente inculta, que se diz ter sido dona de grande “inteligência natural”, fato que influenciou de forma especial seu filho Immanuel – ou Manelchen, como ela o chamava (“Pequeno Manuel”). Tinha o hábito de levá-lo
  • 8. para passeios no campo e dizer-lhe os nomes das plantas e flores. À noite, costumava mostrar-lhe as estrelas, indicando seus nomes e as constelações a que pertenciam. Era uma mulher piedosa, e seu jeito afetuoso porém austero também desempenhou função educativa na formação do caráter moral de seu filho. Essa dupla insistência em fatos e obrigações morais seria uma faceta de Kant por toda a sua vida, além de exercer papel capital em sua filosofia. A observação mais famosa de Kant, enunciada mais de cinquenta anos depois, remonta aos primeiros dias com sua mãe: “O céu estrelado acima e a lei moral no interior enchem o espírito de admiração e reverência sempre novas e crescentes quanto mais firme e frequente se mostra nossa reflexão.” Kant foi educado num rigoroso ambiente pietista e dos oito aos dezesseis anos frequentou a escola local, onde sua inteligência excepcional e sua aguda sede de saber logo se cansaram da interminável educação religiosa. Seu desgosto com a religião formal permaneceria com ele até o final da vida (na idade madura jamais frequentou a igreja). Apesar disso, conservou muito da postura pietista, com sua crença em um estilo de vida simples e sua adesão à moralidade rigorosa. Em 1737, sua mãe morreu e teve enterro de pobre. Kant tinha quatorze anos e, segundo ele próprio, por essa época experimentou as primeiras manifestações da sexualidade. Psicólogos já sugeriram que a perda da mãe que tanto amava nesse estágio da puberdade fez com que se sentisse culpado e reprimisse seus desejos sexuais. Ou foi esse o caso ou os desejos simplesmente desapareceram. Qualquer que tenha sido a causa, daí em diante Kant viveria uma vida de repressão sexual que assumiria proporções heróicas. Aos dezoito anos foi admitido na Universidade de Königsberg como estudante de teologia. No início recebeu ajuda financeira da igreja pietista local, mas colaborava para seu próprio sustento dando aulas para alguns colegas mais atrasados. Logo se cansou da teologia e começou a demonstrar enorme interesse pela matemática e pela física. Leu Newton, que abriu seus olhos para as implicações filosóficas das novas descobertas da ciência e para os grandes progressos então alcançados em todas os setores desse campo, da astronomia à zoologia. A ciência baseada na experiência só podia
  • 9. ser acomodada numa filosofia empirista, ou seja, uma filosofia que baseasse nosso conhecimento do mundo na experiência. Em 1746, quando contava vinte e dois anos, seu pai morreu. Ele próprio, o irmão e as cinco irmãs mais jovens foram deixados sem centavo. As irmãs caçulas foram entregues a uma família pietista, as mais velhas foram trabalhar como camareiras. Kant tentou sem sucesso um emprego numa escola local e foi forçado a abandonar a universidade sem obter o diploma. Nos nove anos seguintes Kant se manteve dando aulas particulares para famílias ricas nas áreas rurais vizinhas. Por algum tempo foi contratado pelo conde e condessa Keyserling (família aristocrática que mais tarde iria gerar o pseudofilósofo Hermann Keyserling, cujas ideias elevadas, porém falsas, seriam o grande consolo das desiludidas matronas da sociedade após a Primeira Guerra Mundial). Sempre que conseguia algum dinheiro extra, Kant o remetia a suas irmãs menos afortunadas, hábito que conservou por toda a vida. Além desses gestos de generosidade, porém, não mantinha qualquer contato pessoal com a família. Não em função de qualquer atitude esnobe de sua parte, mas, segundo se alega, devido à “natural austeridade e objetividade de seu caráter”, o que se tornaria um traço pessoal do filósofo em sua vida futura. Suas cinco irmãs continuariam a residir em Königsberg (cidade de apenas 50.000 habitantes) durante todo o tempo de vida do filósofo, mas ele não se encontrou com nenhuma por mais de vinte e cinco anos. Quando finalmente uma delas veio visitá-lo, ele nem sequer a reconheceu. Quando lhe informaram quem era, desculpou-se junto aos companheiros por sua falta de cultura. Kant pode não ter sido esnobe, mas ficou conhecido por sua incapacidade de suportar os tolos. Até mesmo em sua própria família, tudo indica. No entanto, esse incidente traz à tona um detalhe curioso. A irmã de Kant devia ter mais que uma semelhança passageira com a mãe, tanto intelectual quanto fisicamente. E teria mais ou menos a mesma idade da mãe quando esta o criou. Significaria esse gesto que o celebrado amor de Kant pela mãe se tornara tão profundo que ele já não o reconhecia? Sugere-se que Kant, inconscientemente, se ressentia da cadeia repressora – circunstâncias, moralidade, aniquilamento sexual – que a mãe lhe impusera. Sua incapacidade
  • 10. de reconhecer a irmã (ou de ter de fato alguma coisa a ver com ela) pode perfeitamente estar relacionado a isso, mas não há forma de saber. (A total ausência de vida em Kant atraiu perversamente muito mais atenção dos psicólogos do que a vida comparativamente normal de outros filósofos, embora, a meu ver, a própria noção de normalidade nesse campo seja um ponto discutível.) Kant pode ser sido indiferente em relação à sua própria família, mas parece ter desfrutado a vida no meio das famílias ricas que o contratavam como professor. Sua aparência era bastante excêntrica, como seu próprio caráter. Tinha menos de um metro e meio e sua cabeça era desproporcional em relação ao resto do corpo. Sua estrutura lembrava a rosca de um saca-rolhas e fazia com que o ombro esquerdo se inclinasse para a frente, o direito se curvasse para trás e a cabeça tendesse a pender para um lado. Vestido com roupas puídas e praticamente sem nenhum pfenning no bolso, não seria exatamente o sucesso do campus na Universidade de Königsberg (que, por seu turno, dificilmente poderia ser considerada centro de qualquer sociedade cosmopolita). Nesse momento, no entanto, vestido por seus empregadores em trajes elegantes e encorajado a juntar-se aos convidados da família, Kant positivamente floresceu. Logo desenvolveu uma aguda perspicácia, adquiriu um verniz de sofisticada segurança e tornou-se exímio jogador de cartas e de bilhar. Quando a família partia para as férias de verão no campo, Kant os acompanhava, afastando-se quase oitenta quilômetros de Königsberg. (Isso foi o mais longe de sua cidade natal a que ele jamais chegaria em toda a sua vida.) Mas esse período de elegância relativa foi apenas uma fase. Em 1755, aos trinta e um anos, Kant finalmente se graduou pela Universidade de Königsberg, em parte devido à caridade de um benfeitor pietista. Era tarde para se conseguir um diploma; e, como veremos, Kant era excepcionalmente lento na execução de seus projetos. Por volta dessa idade, quase todos os outros principais filósofos já haviam começado a formular as ideias pelas quais seriam lembrados. Somente duas décadas mais tarde Kant começou de fato a produzir filosofia com originalidade. Kant estava agora em condições de exercer um cargo na universidade como Privatdozent (professor-auxiliar). Esse posto
  • 11. seria ocupado por ele pelos quinze anos seguintes, numa vida acadêmica de incansável diligência. Durante esse período, ensinou principalmente matemática e física e publicou tratados sobre ampla gama de assuntos científicos, inclusive vulcões, natureza dos ventos, antropologia, causas dos terremotos, incêndios, o envelhecimento da Terra e até mesmo sobre os planetas (que em sua previsão seriam todos habitados um dia, sendo que os mais distantes do sol desenvolveriam as espécies de maior inteligência). No entanto, a inclinação natural de Kant era para a especulação. Continuava a ler filosofia amplamente. No racionalismo, suas ideias eram influenciadas sobretudo por Newton e Leibniz. Embora as grandes conquistas de Newton tenham sido em física e matemática, naquela época esses assuntos ainda eram considerados parte da filosofia: uma espécie de “filosofia natural”. O título completo da principal obra de Newton é Philosophiae naturalis principia mathematica (Os princípios matemáticos da filosofia natural). Kant estudou Newton com profundidade suficiente para propor uma “Nova teoria do movimento e da inércia” que se opunha à visão de Newton. O fato de que o tenha mal interpretado não é relevante: estava sendo levado a especular sobre sistemas que abrangiam todo o universo e tencionava questionar o maior intelecto da época em seu próprio terreno. De acordo com Leibniz, o mundo físico de causa e efeito comprovava a harmonia interna do propósito moral do mundo. A leitura de Leibniz levou Kant a ver a humanidade não apenas como participante da natureza, mas, além e acima disso, como participante da finalidade última do universo. Ao mesmo tempo o interesse de Kant pela filosofia da ciência conduziu-o à leitura do filósofo escocês Hume. Kant ficou impressionado com a insistência de Hume na experiência como base de todo o conhecimento, o que se ajustava ao enfoque científico. Contudo, descobriu-se perturbado pelas conclusões céticas que Hume tirou de seu rígido empirismo. Segundo Hume, tudo que experimentamos é uma sequência de percepções – e isso significa que noções tais como causa e efeito, corpos e coisas, mesmo a mão controladora do Deus criador, são meras suposições ou crenças. Nenhuma delas é jamais de fato experimentada.
  • 12. Surpreendentemente, Kant deixou-se tocar também pelo apelo emocional de Rousseau. Primeiro dos românticos, Rousseau foi o menos acadêmico de todos os filósofos, acreditando mais na expressão pessoal através da emoção do que no pensamento racional. Seu clamor por liberdade acabaria sendo forte inspiração para a Revolução Francesa. Kant pode ter sido uma personalidade essencialmente ascética, mas havia algo em Rousseau que vibrou uma corda em suas emoções tão reprimidas. Sob a fachada do frio acadêmico batia o coração de um romântico secreto – e mais tarde isso se tornaria evidente em sua filosofia. Mas, naquele momento, todos esses elementos díspares – Newton, Leibniz, Hume, Rousseau – permaneciam como tais. Antes de encontrar uma forma de conciliar e absorver essas influências, Kant seria incapaz de começar a criar alguma filosofia original. E a envergadura dessa tarefa iria exigir longo tempo. Talvez Kant tenha se tornado impaciente – já que agora acontece um episódio estranho. Em lugar de publicar mais uma obra acadêmica séria, Kant escreveu um curioso livro satírico intitulado Os sonhos de um visionário explicados pelos sonhos da metafísica. O “visionário” do título é o excêntrico místico sueco Swedenborg, famoso pelas descrições de suas longas viagens através do céu e do inferno. Em 1756, Swedenborg havia publicado sua obra-prima em oito volumes, Arcana coelestia (Os segredos do céu). Infelizmente, as vendas não foram bem e, depois de dez anos, apenas quatro exemplares tinham sido vendidos. Um deles, sabe-se agora, foi comprado por Kant. Esses volumes de ocultismo metafísico exerceram profunda influência sobre Kant – o suficiente para inspirá-lo a escrever um volume inteiro satirizando-os. Conforme declara de maneira extravagante na introdução: “O autor confessa com certa humildade que era tão simplório que procurava descobrir a verdade de alguns contos do tipo mencionado. Ele encontrou – como sempre, onde não se tem nada para procurar –, ele não encontrou nada.” No entanto, logo se torna claro que o deboche de Kant acerca do “pior de todos os visionários” e dos “diversos mundos de pensamentos etéreos … extraídos … de conceitos fraudulentos” não é exatamente o que parece. Por baixo dessa coerente zombaria e de expressões de desprezo intelectual,
  • 13. há um elemento de inegável seriedade em seu interesse por Swedenborg. Ele ansiava por acreditar em metafísica (mesmo que não fosse de maneira tão extrema), mas seu formidável desenvolvimento intelectual começava a fechar essa avenida. O estilo da escrita de Kant é notoriamente prolixo e difícil, mas todos os relatos comprovam que suas aulas eram o oposto. Seu corpo era tão pequeno e retorcido que apenas sua cabeça coberta pela peruca, e com seus traços precisos e rígidos, era visível por sobre o púlpito. Mas essa cabeça falante era uma fonte de perspicácia, de erudição e ideias fascinantes. As aulas de Kant eram um enorme sucesso e sua fama logo se espalhou, estimulada por seu turbilhão de tratados sobre assuntos científicos. As famosas aulas de geografia que costumava dar no verão atraíam sempre multidões de fora da universidade. Repetindo-se por mais de trinta anos viriam a firmá-lo como o primeiro professor acadêmico de geografia física, apesar de durante toda a sua vida jamais ter colocado os olhos numa montanha e de provavelmente nunca ter chegado a ver o mar aberto (que ficava a inimaginável distância de trinta quilômetros). Suas descrições vigorosas e penetrantes deram vida a terras distantes sobre as quais, entusiasmadíssimo, lia durante as longas noites de inverno, quando o gélido nevoeiro báltico invadia as ruas da remota e provinciana Königsberg. Kant começava então a dar também aulas de filosofia e logo se tornou óbvio que tinha feito incursões profundas e extensas pelos territórios hostis da ética e da epistemologia, além de explorar os confins da lógica e, até mesmo, regiões tão distantes da civilização como a metafísica (e sobrevivera para contar a estória). Nesse ínterim, os tratados sobre assuntos mais amenos, como fogos de artifício, defesa militar e a teoria dos céus, continuavam a jorrar de sua pena. Apesar disso, recusaram-lhe duas vezes a cátedra de professor na Universidade de Königsberg, por razões não muito claras, mas que se suspeita contivessem algum elemento de esnobismo provinciano. Ou talvez apenas não gostassem dele. De qualquer forma, Kant com toda certeza gostava de Königsberg. Quando lhe ofereceram o prestigioso cargo de professor catedrático de poética na Universidade de Berlim, ele o recusou. (O que nos privou da alegria de ler a crítica de Kant aos poetas num estilo de
  • 14. tão grande e deliberada complexidade que teria fatalmente se convertido em leitura essencial do dadaísmo.) Felizmente, em 1770, as autoridades da Universidade de Königsberg cederam e Kant foi nomeado professor catedrático de lógica e metafísica. Aos quarenta e seis anos, tinha-se tornado, então, cada vez mais crítico em relação a Leibniz e seus discípulos racionalistas, que haviam se transformado na força dominante da filosofia alemã. O empirismo de Hume parecia incontestável, e de forma relutante ele chegou a se deixar convencer pelo seu ceticismo. Objetos, causa e efeito, continuidade, até mesmo o eu, todas essas noções pareciam falaciosas, permanecendo além do campo da nossa experiência, única fonte segura do nosso conhecimento. Kant aceitava isso porque lhe parecia intelectualmente irrefutável, mas não estava satisfeito com a esterilidade dessa situação. Parecia não haver mais espaço para o prosseguimento da filosofia. Seria de fato o fim? Um dia, então, quando estudava a Investigação sobre o entendimento humano, de Hume, Kant “acordou de seu sono dogmático”. Num lampejo de inspiração viu como podia construir um sistema e responder ao ceticismo destrutivo de Hume, que ameaçara destruir a metafísica para sempre. Durante onze anos, Kant nada publicou, mas continuou trabalhando em sua filosofia. Já havia, por essa época, começado a viver uma vida de extrema regularidade e, durante esse período, sua constância de hábitos começava a alcançar status de lenda. Nas palavras de Heine: “Despertar, tomar café, escrever, dar aula, jantar, caminhar, cada coisa tinha seu horário estabelecido. E quando Immanuel Kant, em seu casaco cinzento, bengala na mão, surgia à porta de sua casa e caminhava em direção à pequena avenida repleta de tílias, ainda hoje denominada ‘O passeio do filósofo’, os vizinhos sabiam que o relógio marcava exatamente três e meia. E assim ele passeava para cima e para baixo, em qualquer estação; e quando o tempo estava escuro ou as nuvens cinzentas ameaçavam chuva, via-se seu velho criado Lampe seguindo-o penosamente e cheio de ansiedade, com um enorme guarda-chuva debaixo do braço, como um símbolo da Prudência.” Diz-se que em
  • 15. apenas uma célebre ocasião Kant quebrou sua rotina – no dia em que começou a ler o Émile, de Rousseau, quando se deixou absorver de tal forma que, para terminá-lo, perdeu seu passeio. Só mesmo as declarações de emoção romântica de Rousseau poderiam fazê-lo esquecer sua rotina. Mas esses sentimentos não eram suficientes para provocar qualquer ruptura séria em hábitos de uma vida inteira. Embora Kant tenha considerado duas vezes durante esses anos a hipótese de se casar, em ambas as ocasiões demorou tanto a se definir que, na hora em que se decidiu (a favor, nos dois casos), uma das damas já havia se casado com outro e a segunda mudado para outra cidade. Kant não era homem para ser impelido a qualquer decisão precipitada. No entanto, sua admiração pelas ideias românticas de Rousseau não se limitava à teoria. Anos mais tarde, quando muitas dessas ideias se tornaram realidade, com o advento da Revolução Francesa, Kant chorou de alegria – sentimento raro na ferozmente conservadora, provinciana e prussiana cidade de Königsberg, e provavelmente ímpar no meio de seu ranzinza estabelecimento universitário. Em 1781, Kant enfim publicou a Crítica da razão pura, em geral considerada sua obra-prima. No entanto, nem todos se entusiasmaram muito. Quando enviou uma cópia do manuscrito para seu amigo Herz, recebeu-o finalmente de volta lido apenas pela metade. Herz argumentou que continuar a ler a obra de Kant equivaleria a cortejar a insanidade. E podemos nos sentir da mesma forma. Em sua Crítica da razão pura, Kant decidiu eliminar inúmeros argumentos interessantes e exemplos concretos, temendo que sua obra se tornasse demasiado longa. Mesmo assim, na versão traduzida chega-se a mais de 800 páginas. E a maior parte assim: “A proposição apodítica cogita a asserção conforme determinam essas mesmas leis do entendimento, e portanto afirmando-se como a priori e, dessa forma, expressa…” Mesmo na tradução mais refinada isto soa apenas ligeiramente melhor: “La proposizione apodittica concepisce il guidizio assertorio determinato secondo queste legge dell’intelletto stresso e, per consequenza, come affirmativo a priori; ed esprime cosi…” Não há como querer saber como seria em alemão (o milagre é que Hertz
  • 16. tenha conseguido chegar à metade antes de começar a temer por sua sanidade mental). Mas não vamos permitir que isso nos desvie da magnitude do verdadeiro sistema de Kant. Seu objetivo era a restauração da metafísica. Ele concordava com Hume e com os empiristas quanto à inexistência de ideias inatas; mas negava que todo conhecimento fosse originado da experiência. Os empiristas afirmavam que todo conhecimento deve corresponder à experiência; Kant, de forma brilhante, inverteu a afirmação, declarando que toda experiência deve corresponder ao conhecimento. Segundo Kant, espaço e tempo são subjetivos, são nosso método de perceber o mundo. De certa maneira, são como óculos irremovíveis, sem os quais somos incapazes de dar sentido à nossa experiência. Mas esses não são os únicos elementos subjetivos que nos ajudam a compreender nossa experiência. Kant explicava que existem doze “categorias” (como as chamava), que concebemos por meio de nosso entendimento, trabalhando independentemente da experiência. Essas categorias incluem coisas como qualidade, quantidade e relação. Essas também são como óculos irremovíveis. Não conseguimos ver o mundo de qualquer outra forma senão em termos de qualidade, quantidade etc. Mas através desses óculos irremovíveis só conseguimos ver os fenômenos do mundo – não conseguimos jamais perceber os verdadeiros númenos, a realidade mesma que sustenta ou propicia o aparecimento desses fenômenos. Já se disse que somente um homem que jamais viu uma montanha poderia acreditar que o espaço não existe fora de nós, sendo apenas parte de nosso aparato perceptivo. E o senso comum parece concordar conosco. Mas essas desajeitadas objeções ad hominem nada têm a ver com filosofia, assim me disseram. Espaço e tempo, e as categorias (que incluem noções como pluralidade, causalidade e existência), só podem ser aplicados aos fenômenos que fazem parte da nossa experiência. Se os aplicarmos a coisas não experimentadas, acabamos provocando “antinomias” – ou seja, contrastando duas afirmações, ambas aparentemente passíveis de comprovação mediante argumento intelectual puro. Dessa forma, Kant destrói todos os argumentos meramente
  • 17. intelectuais em torno da existência (ou não existência) de Deus. Simplesmente não podemos aplicar uma categoria como a existência a essa entidade não empírica. Como podemos ver, Kant não era a favor de um retorno por atacado à metafísica em sua Crítica da razão pura. Por “razão pura” pretende designar uma razão a priori, ou seja, alguma coisa que se pode saber anteriormente à experiência. Hume havia negado essas entidades transcendentais (quer dizer, aquelas que “transcendem” a experiência). Mas Kant estava convencido de que tinha devolvido esse elemento transcendental/metafísico à filosofia sob a forma de suas “categorias da razão pura”. A visão cética de Hume pode parecer simplista e com certeza não pode ser posta em prática se quisermos viver no mundo real. (Sua negação da causalidade de fato reduz o todo da ciência ao status de metafísica.) A postura de Kant, por outro lado, é sutil e sofisticada ao extremo – mas raramente suplanta a posição de Hume do ponto de vista filosófico. Podemos não ser capazes de experimentar o mundo sem a concepção de espaço, quantidade etc. Mas é difícil argumentar que esses não constituem parte integral daquela experiência ou imaginar como poderiam existir sem ela (ou seja, antes dela). Por outro lado, o argumento de Kant de que não podemos jamais conhecer o mundo real tem peso considerável. Todas as coisas que percebemos são apenas fenômenos. A coisa em si (o númeno) que sustenta ou propicia o aparecimento desses fenômenos permanece para sempre incognoscível. E não há razão por que ela deveria assemelhar-se de qualquer maneira a nossas percepções. Os fenômenos são percebidos por meio de nossas categorias, que não têm absolutamente nada a ver com a coisa em si, que permanece além da qualidade, quantidade, relação e similares. Nesse meio tempo, Kant continuava a viver sua vida de rotina rígida, que não excluía um componente de vida social, embora tal atividade fosse sempre uma parte menor em seu cotidiano. Mantinha relações com alguns de seus mais brilhantes alunos, assim como com alguns representantes da faculdade, embora não tivesse chegado a ser íntimo de qualquer deles. (Não se dirigia a ninguém com o informal “du”, mesmo depois de décadas de contato social.) O pensamento era sua vida. “Para um erudito, pensar é uma
  • 18. forma de se nutrir, sem a qual, quando está acordado ou sozinho, não pode viver.” Seu intento era muito mais conhecer-se do que conhecer qualquer outra pessoa. Mas a tarefa de conhecer a si mesmo provou ser tão difícil para ele quanto o era para outros. “Não me entendo o suficiente”, reclamava. Talvez tivesse medo do que pudesse encontrar. Nesse ponto Scharftstein suscita uma questão fundamental: “Essa coisa-em-si não era simplesmente desconhecida, era proibida; porque se tratava da vida emocional reprimida de Kant, deduzo, e ele temia que, revelada essa vida, fosse arruinado.” Ao contrário da insipidez de Kant, essa semelhança entre sua psique e sua filosofia é digna de destaque. Embora uma vez mais seja difícil dizer de que tipo de destaque ela é digna. Teria a constituição mental de Kant afetado sua filosofia? O argumento de que ela era uma imagem de sua psique é verdadeiro apenas em seu sentido mais bruto. Qualquer tentativa de ampliar essa imagem pode não fazer justiça às sutilezas intelectuais dessas duas complexas entidades. Kant era bastante consciente de que não tinha amigos. Mas isso não o incomodava. Gostava muito de citar a observação de Aristóteles: “Meus amigos, não tenho amigos.” De fato, ele recomendava essa postura. “A amizade é uma restrição dos sentimentos positivos a um único sujeito, e muito agradável para quem quer que sejam dirigidos, mas é também prova de que faltam disponibilidade e boa vontade.” Psicólogos têm argumentado que a falta de habilidade (ou a falta de vontade) de Kant de estabelecer relações estreitas era sinal de uma infelicidade profunda. Mas ele não parece ter sido infeliz. Ao contrário. Aqueles que o conheceram ressaltaram sua alegria. “A disposição de Kant era, por natureza, para a alegria. Ele via o mundo com olhar prazeroso e transferia sua satisfação às coisas externas. Por isso estava quase sempre disposto a ser feliz”, era a observação típica de um de seus colegas. Sete anos após a publicação de sua Crítica da razão pura, publicou a Crítica da razão prática, na qual re-instala Deus, não mais considerado uma entidade da qual não se pode falar (porque não se encaixava nas categorias). A Crítica da razão prática é dedicada à parte ética do sistema de Kant. Em vez de procurar
  • 19. bases metafísicas para nossa percepção, ele agora as busca para nossa moralidade. Procurava nada menos que a lei moral fundamental. Mas certamente era impossível descobrir semelhante lei que agradasse a todos. De cristãos a budistas, de liberais a prussianos – todos acreditando no mesmo bem fundamental? Kant achava que era possível descobrir uma lei básica, o que conseguiu colocando de lado o que a maioria considerava a questão principal. Bem e mal, nesse ponto, não o preocupavam. Ele não buscava descobrir alguma essência de todas as interpretações diferentes desses conceitos morais básicos. Salientava que estava à procura dos alicerces da moralidade, muito mais do que de seu conteúdo. Assim como com a razão pura, também com a razão prática: o que era necessário era um conjunto de princípios a priori como as categorias. Na realidade, Kant finalmente expôs apenas um princípio: seu “imperativo categórico”. Essa era a base a priori de toda ação moral: sua premissa metafísica. De forma análoga às categorias da razão pura, ela oferece uma estrutura para nosso pensamento ético (razão prática), embora não lhe proporcione qualquer conteúdo moral específico. O imperativo categórico de Kant afirma: “Aja somente de acordo com um princípio que desejaria que fosse ao mesmo tempo uma lei universal.” Esse princípio levou Kant a acreditar que deveríamos agir de acordo com nosso dever e não conforme nossos sentimentos, o que deu origem a algumas conclusões estranhas. Por exemplo, ele declarou que o valor moral de uma ação não deveria ser julgada segundo suas consequências, mas apenas considerando em que medida fora praticada em nome do dever. Isso é totalmente insensato – se é que a moralidade está relacionada à sociedade e não apenas à honradez individual. Kant pretendia que seu imperativo categórico fosse apenas uma estrutura, vazia de conteúdo moral. Mas não é exatamente assim. Ele ainda contém traços de conteúdo moral. A moralidade do conformismo, para começar. Do imperativo categórico pode-se inferir que todos deveriam agir da mesma forma, independentemente de seu temperamento ou sua tarefa. Deveria o chefe de um governo agir com os mesmos escrúpulos morais que o
  • 20. prior de um mosteiro? Deveria ao menos tentar? Deveria Churchill ter tentado se comportar como Gandhi? Ou vice-versa? Talvez todos os sistemas levem forçosamente a essas formas rígidas. (Mas sem qualquer sistema ético estaríamos totalmente perdidos – incapazes de proceder a qualquer juízo de valor.) O sistema ético de Kant também levou-o a acreditar que não deveríamos jamais mentir, apesar das consequências que pudessem advir desse fato. Estava bastante consciente das implicações desse ponto de vista, mas, apesar disso, manteve-o. “Dizer uma mentira a um assassino à procura de um amigo seu, refugiado na sua casa, seria um crime.” Devemos acreditar que Kant teria sido capaz de entregar um amigo judeu aos nazistas? Não: tudo que sabemos a seu respeito me deixa convencido de que ele teria seguido nessas circunstâncias os preceitos do dever. Sua mente tão vivaz descobriria rapidamente alguma norma que o proibisse de entregar o amigo. No entanto, essa questão de nunca mentir expõe uma falha evidente no sistema de Kant. A fim de não cometer nenhum erro, ele considerou o tema com excessiva seriedade. Chegou a gastar tempo se torturando sobre a licitude de se concluir uma carta com a saudação costumeira da época “Seu humilde servo”. Seria mentira? Kant insistiu que não era escravo de ninguém e que não tinha qualquer intenção de prestar obediência a seus correspondentes, mas finalmente parece ter cedido em relação a esse ponto. No entanto, em relação a alguns assuntos literários mais sérios permaneceu inflexível. Era contra a leitura de romances, que faziam com que nosso cérebro se tornasse “fragmentário” e enfraqueciam nossa memória. “Pois seria ridículo memorizar romances a fim de relatá-los a outros.” (A suposição de que memorizava todos os outros livros que lia não deve nem de longe ser descartada.) Kant despreza nesse ponto o fato de que ler o romance Heloïse, de Rousseau, era uma experiência educativa que ele parece ter vivido sem explodir seu pensamento em fragmentos e sem entorpecer sua memória. Kant gostava de ler poesia, mas somente se esta fosse uma harmonização intelectual de virtude e sentimento. Poesia sem rima era simplesmente prosa enlouquecida. Música era diferente e, no
  • 21. todo, assunto bem mais complexo. Apenas ela era capaz de penetrar a carapaça de repressão que protegia suas emoções não reveladas. E por isso era particularmente severo em relação a ela. Os músicos não tinham caráter, pois o que tocavam reduzia tudo a sentimento. Recomendava a seus alunos evitar ouvir música, já que ela os tornaria efeminados. No entanto, ele próprio não conseguia parar de frequentar concertos – até o dia em que compareceu a um em memória do filósofo Moses Mendelssohn, que o atingiu como um mero e infindável lamento, e nunca mais foi a um concerto. Detestava música folclórica (como as que sua mãe frequentemente cantava para ele). Em 1790, aos cinquenta e oito anos, Kant publicou a terceira e última parte de sua obra-prima, a Crítica do juízo, ostensivamente preocupada com juízos estéticos, mas também tratando de teologia (e muito, muito mais). Kant argumenta que a existência da arte pressupõe o artista, e que é através da beleza do mundo que reconhecemos um criador benigno. Conforme ele próprio havia antes sugerido, reconhecemos a obra de Deus nas estrelas do céu, assim como em nossa inclinação interior para fazer o bem. Como havia feito com sua teoria da percepção e sua teoria ética, Kant procurou estabelecer uma base metafísica para sua teoria do juízo estético. Desejava estabelecer um princípio a priori que tornasse possível nossa apreensão da beleza. Nesse ponto, pisava terreno mais movediço. É sempre difícil alcançar consenso no que toca à beleza. Alguns consideram os Alpes suíços piegas e encontram sustento espiritual no expressionismo. Outros não. Tais opiniões são aparentemente inconciliáveis. Mas Kant estava decidido a trazer tudo para dentro dos limites de seu sistema. Kant argumenta: “Uma pessoa que descreve algo como belo insiste em que todos deveriam dar sua aprovação a esse objeto.” É evidente a semelhança com o imperativo categórico, mas aqui ele simplesmente não se aplica – a não ser no sentido pessoal e pejorativo. Uma vez mais nos defrontamos com a síndrome da conformidade. O fato de que eu considero a pintura de Francis Bacon de penetrante beleza não significa que eu espere que todos a considerem da mesma forma.
  • 22. Kant prossegue argumentando que apenas através da unidade e da consistência da natureza a ciência é possível. Essa unidade não pode ser provada, mas deve ser presumida. Relacionada a essa ideia encontra-se a noção de que a natureza é útil. Kant conclui que a utilidade da natureza é “um conceito a priori especial”. Como sabemos agora, esse conceito não é necessário à suposição da unidade e da consistência da natureza. E estas últimas estão nesse momento sendo questionadas pela teoria quântica. Kant insistia que, embora não possamos provar que o mundo tem uma finalidade, devemos olhá-lo “como se” a tivesse. Não negava os aspectos maus, feios e aparentemente sem finalidade do mundo, mas acreditava que juntos representavam muito menos que seus opostos mais elevados em espírito. No século seguinte, Schopenhauer adotaria precisamente a posição contrária – talvez com justificativas mais bem fundadas, embora no final nem a postura otimista nem a pessimista possam de qualquer forma ser endossadas mediante provas e permaneçam em definitivo uma questão de temperamento. Enquanto isso, Kant persistia em sua rotina infatigável (que ele perseguia com dedicação semelhante à interminável busca de Casanova pelas mulheres e à infindável e divertida caçada etílica de Hemingway, embora perdendo menos plumas no processo). E os cidadãos de Königsberg continuavam a acertar seus ponteiros de acordo com a hora em que Kant começava seu passeio da tarde: exatamente às três e meia. O ponto de vista de Kant de que o tempo existe apenas na mente, e nada tem a ver com a realidade, pode ter tido relação com o fato de ele viver na Prússia Oriental, território limítrofe ao sul e ao oeste com a Polônia, onde se vivia uma hora adiante. Na fronteira oriental estava a Rússia, que ficava a mais de uma semana do resto da Europa. O povo mais próximo a observar o mesmo horário da Prússia Oriental era o alemão, distante duas fronteiras, cruzando a Polônia para o oeste. Kant morava na Prinzessinnenstrasse, em uma casa demolida em 1893, onde foi cuidado pelo velho e irritadiço criado Lampe, com quem era capaz de se mostrar igualmente ranzinza. Tudo tinha que ser feito com total correção (exatamente como para Casanova e
  • 23. Hemingway). Lampe chegava até a ter que ajudar seu senhor a se despir todas as noites na ordem correta. Quando Kant ia se deitar usava invariavelmente um gorro no verão e dois no inverno – que podia ser de fato muito intenso em Königsberg, quando o vizinho Báltico congelava. Da mesma forma que todos os meticulosos tiranos domésticos, Kant estava sempre muito preocupado com o bem-estar espiritual de Lampe. Na verdade, ele declarou que havia reinstalado Deus em sua Crítica da razão prática expressamente para dar a Lampe alguma coisa em que acreditar. É possível que Lampe não tenha agradecido devidamente o gesto: não temos evidência de sua gratidão. Embora seja um pouco mais fácil adivinhar a atitude de Lampe em relação ao método filosófico singular de seu senhor prender as meias – por meio de fios de barbante que passavam pelos bolsos das calças e eram atados a molas encerradas em duas pequenas caixas. (Essa última informação soa bastante ridícula, mas é confirmada por diversas fontes independentes, uma das quais sugeriu que, uma vez que o pai de Kant trabalhava com tiras de couro, talvez tivesse alguma relação com o fato. Significativa ou não, a hipótese continua a ocupar os psicólogos.) Como tantos dotados de espírito independente e imaginativo, Kant era um hipocondríaco praticante. Na realidade, era tão bom no assunto que era a única pessoa a perceber que tinha algum problema. Jamais se teve notícia, ao longo de toda a sua vida, de que esse homem frágil e pequeno, de compleição espiralada, tivesse estado doente. Sua hipocondria o mantinha em um regime incansável e sistemático: uma crítica pura e prática do físico. Um de seus hábitos era respirar apenas pelo nariz, principalmente quando saía para caminhar no inverno gelado. Isso significa que durante o outono, o inverno e a primavera era incapaz de responder a qualquer pessoa que se dirigisse a ele na rua, já que se recusava a abrir a boca para não se resfriar. Kant teve muita sorte ao publicar suas três grandes Críticas. Durante esse período a situação política na Prússia era de incomum tolerância, característica raramente associada àquele país. É de se duvidar que tivesse conseguido publicar essas obras na maioria dos demais países europeus. Ele reconheceu o fato e dedicou sua
  • 24. Crítica da razão pura a Zedlitz, ministro da educação de Frederico, o Grande. Conforme convém a um professor provinciano e respeitoso, Kant expressava profunda admiração pelo rei, embora no coração fosse surpreendentemente revolucionário e nada sentisse senão desprezo pelos filósofos franceses que viviam ao redor da corte de Frederico. Sua bête noire preferida era De la Mettrie, o encantador autor de clássicos filosóficos eternos como Traité de l’asthme et de la dysenterie e Réflexions philosophiques sur l’origine des animaux, que algumas vezes escreveu sob o pseudônimo “chinês” de Docteur Fum-Ho–Ham e de quem se diz ter morrido “pour une plaisanterie”, depois de comer um patê de faisão inteiro, a fim de demonstrar aos médicos alemães da corte um ponto de vista sobre indigestão. Não exatamente o tipo de Kant. Mas quando Frederico, o Grande, morreu em 1796 e Frederico Guilherme II subiu ao trono, Kant viu-se em maus lençóis. Wöllner, um pietista ardoroso, ocupou o Ministério da Educação e Kant foi acusado de utilizar sua filosofia para distorcer a Bíblia. Alguém no ministério tinha evidentemente conseguido lutar com as oitocentas páginas da Crítica da razão pura e descobrir que a obra negava todas as provas da existência de Deus. Kant foi obrigado a assegurar que não mais daria aulas ou escreveria qualquer outro livro sobre assunto religioso. Escreveu uma carta ao rei oferecendo sua palavra de que obedeceria a essa ordem. Mas quando o rei morreu, em 1797, considerou-se liberado da promessa e retornou ao assunto com redobrado vigor. (Como podemos ver, suas posições sobre mentiras eram passíveis de adaptações, quando surgia a ocasião.) Kant se aproximava então dos setenta anos, e um longo tempo de prática aperfeiçoara sua hipocondria a ponto de torná-lo um mestre nessa arte. A cada mês mandava alguém ao chefe de polícia de Königsberg para recolher as últimas estatísticas sobre mortalidade, a partir das quais calculava sua própria expectativa de vida. Convencera-se de que a constipação enevoava seu cérebro e acrescentou uma impressionante variedade de laxantes a seu baú de remédios, que, em tamanho, equivalia a um laboratório. Lia avidamente nos jornais as notícias que davam conta das últimas descobertas médicas, com o objetivo de descobrir se tinha alguma
  • 25. doença nova. Kant era indubitavelmente uma raridade. Não é com frequência que o homem exibe gênio em seu trabalho e em suas atividades de lazer. Alguns colegas da universidade que tentaram dissuadi-lo dessas atividades foram rapidamente colocados em seus devidos lugares. Kant sabia muito mais sobre doenças do que qualquer mero professor de medicina na Universidade de Königsberg. Nesse tema, como em todos os outros, não tolerava contradições. (Diferentemente de outros egoístas tão atormentados quanto ele próprio, estava sempre certo e sabia disso.) Até mesmo um admirador foi obrigado a reconhecer: “Ele não tolera ouvir quando outros falam muito, torna-se impaciente … se alguém apregoa saber qualquer coisa melhor que ele … A contradição direta o ofendia e – quando se persistia nela – o amargurava.” Não se tratava inteiramente de megalomania. Kant simplesmente considerava a verdade sacrossanta. Não era culpa sua que ele sempre soubesse do que falava, enquanto outros se enganavam com tanta frequência. “Ele não impunha sua opinião a ninguém, mas a obstinação recíproca causava-lhe genuína mágoa.” Os professores da universidade podem ter sido capazes de tolerar esse tratamento, mas ficou provado que era demais para seu criado Lampe, que tinha de conviver com ele o tempo todo. Após décadas como servidor fiel, finalmente começou a beber e teve que ser despedido. Nesse meio tempo, Kant continuava a resistir estoicamente às atenções da família. Continuava a justificar sua falta de contato com as irmãs explicando que elas não possuíam seu mesmo nível intelectual. (Desde a morte de Newton, é provável que ninguém na Europa satisfizesse esse critério.) Quando pressionado um pouco mais, dizia que eram bastante agradáveis, mas que não tinha nada em comum com elas porque não tinham cultura. Essa desculpa não era válida com certeza em relação a seu irmão – que chegara a ser um profissional culto, sendo da mesma forma ignorado por ele. Esse irmão ansiava carinhosamente por algum contato social com seu famoso irmão filósofo e escrevia-lhe cartas com regularidade sugerindo que se encontrassem. Sem nenhum sucesso. Num determinado ponto implorou a Kant: “Não posso mais suportar que essa separação continue, somos irmãos.” Kant muitas vezes
  • 26. demorava tanto quanto dois anos para responder a essas cartas, argumentando que estivera ocupado demais para escrever antes. (Embora tivesse, é claro, conseguido encontrar tempo para escrever várias centenas de páginas de assombrosa filosofia.) Na idade de sessenta e oito anos, depois de um período de dois anos e meio sem responder à última carta do irmão implorando para que se vissem, Kant escreveu assegurando-lhe que o manteria em seus pensamentos durante o curto tempo de vida que ainda lhe restava, mas cuidadosamente evitou mencionar qualquer encontro. À medida que envelhecia, Kant tornava-se cada vez mais solitário e misantropo. “A vida é um fardo para mim”, confessou finalmente, “estou cansado de carregá-lo. E se o anjo da morte decidisse vir esta noite e me levasse daqui, ergueria minha mão e diria ‘Deus seja louvado!’” Mas continuava avidamente com seu lazer, que se presume tivesse o objetivo de prolongar sua vida. Qualquer ideia de abandoná-lo era descartada. Não receava cometer suicídio, mas isso seria um erro moral. Passou a ter cada vez mais pesadelos. Todas as noites, em seu sono, via-se cercado por assaltantes, caçado por assassinos. Os sintomas de paranoia são inequívocos. Declarou: “Todo homem chega quase a odiar o outro, tenta erguer- se acima de seu semelhante, está cheio de inveja, ciúme e outros vícios diabólicos. O homem não é um deus, é um demônio.” Concluiu que, “se um homem chegasse a dizer e escrever tudo o que pensa, não haveria nada mais horrível nessa terra de Deus do que o homem”. Essas duas últimas citações são curiosamente reveladoras de como ele deve ter visto a si próprio – ao final de uma vida excêntrica, mas em geral sem culpa. (Não se sentia responsável em relação a Lampe, que poderia ter procurado emprego em qualquer outra parte. E podia não ver suas irmãs, mas lhes enviava dinheiro com regularidade.) A alegria natural de Kant estava agora sendo inundada pela maré cheia de sua vida emocional reprimida. Sentia-se sem dúvida infeliz, mas determinado a permanecer fiel a si mesmo até o fim. Insistia em que não se importava em ser infeliz, atitude coerente com sua filosofia. Na Crítica da razão pura declarara que achava “surpreendente como homens inteligentes pensaram em declarar a felicidade como lei prática universal”. A seu ver, a felicidade e a
  • 27. moralidade nada tinham em essência a ver uma com a outra. Podemos nos sentir gratificados quando realizamos um ato de virtude, mas era incapaz de compreender “como um mero pensamento que nada contém de sensível pode produzir uma sensação de prazer ou desprazer”. Essa expressão só poderia vir de um espírito totalmente dissociado das emoções. (Mesmo os mais áridos matemáticos admitem o prazer quando chegam a uma solução complexa.) No entanto, Kant admitia que uma experiência lhe dava prazer com alguma regularidade. Seu vício secreto era caracteristicamente solitário. Gostava de observar os pássaros e costumava esperar com ansiedade pelo seu retorno a cada primavera. Segundo um colega, “a única satisfação que a natureza ainda lhe permitia … era o retorno de um pássaro que cantava do lado de fora da janela de seu jardim. Mesmo em sua velhice sem alegria, esta ainda lhe restava. Quando seu amigo ficava longe por muito tempo, dizia: ‘Ainda deve estar muito frio nos Apeninos’”. Scharftstein, autor de brilhante e emotiva história da vida de Kant, na qual me inspirei intensamente, sugere que os pássaros representavam liberdade para Kant. Liberdade de que, porém? Da tirania de sua própria natureza, certamente. Mas também talvez liberdade do pensamento – aquele mesmo elemento que ele permitira escravizar sua vida, o elemento com o qual pretendeu aprisionar o mundo inteiro dentro de seu sistema. Em sua última década de vida, Kant dedicou-se a uma obra filosófica monumental que jamais terminaria. Pretendia dar a essa obra o atraente título Ubergang von den metaphysische Anfangsgrunde der Naturwissenschaft zur Physik (Transição dos fundamentos metafísicos da ciência natural para a física). Ao contrário das obras anteriores de Kant, essa é em definitivo ilegível. Desafiando a insanidade, vários corajosos especialistas tentaram escalar esse Everest dos Himalaias Metafísicos Alemães, mas retornaram ofegantes e incapazes de comunicar-se de forma coerente. Tanto quanto podemos deduzir dos que sobreviveram a essa obra, nela Kant promove sua estrutura geral a priori a uma ciência da natureza, mostrando em mínimos detalhes como isso
  • 28. pode ser estendido a fim de ser aplicado a ciências específicas. A ênfase reside aqui nos “mínimos detalhes”. Kant tornou-se então uma figura triste, com falência gradativa de suas habilidades maiores. Diz-se que a hipocondria é com frequência um mecanismo de defesa contra a paranoia. No entanto, apesar da prática diligente e total de seu hobby, a paranoia de Kant começou a dominá-lo. Começou a sentir uma pressão no cérebro e decidiu que era causada por uma rara forma de eletricidade existente no ar. (Segundo ele, essa mesma eletricidade era também responsável pela epidemia de gatos que recentemente eclodira em Copenhague e Viena.) Esse envolvimento com “energia elétrica” é quase sempre associado à esquizofrenia. Mas Kant jamais foi louco. Tratava-se meramente dos nós, que o haviam mantido tão reprimido durante toda a sua vida, que iam se afrouxando. Ele começava a se apagar rapidamente. Os poucos colegas escolhidos e alunos favoritos que eram convidados para jantar observavam num silêncio triste sua mente se dissipar, até que seu novo criado o levasse. Em 8 de outubro de 1803, Kant adoeceu pela primeira vez. Teve um derrame brando depois de comer com exagero seu “queijo inglês” preferido. Após quatro meses de debilidade crescente, morreu em 12 de fevereiro de 1804. Suas últimas palavras foram “Es ist gut” (Está bom). Foi sepultado na catedral e seu túmulo continha a declaração que o fez inclinar-se para o Deus no qual com certeza acreditava, mas que jamais adorou publicamente – palavras que nos levam de volta a um garoto pequeno e vivo ouvindo a bem-intencionada mãe que ele tanto venerava: “O céu estrelado acima e a lei moral no interior enchem o espírito de admiração e reverência sempre novas e crescentes quanto mais firme e assídua se mostra nossa reflexão.”
  • 29. POSFÁCIO . . . . . . . . . . . Pergunta: De que trata a Crítica da razão pura? Resposta: De metafísica. P: O que é exatamente metafísica? R: Essa palavra começou como um erro e acabou por ser considerada um erro. Nesse meio tempo, foi o principal tópico da filosofia. P: Isso ainda não responde a pergunta. O que significa metafísica exatamente? R: Nada, segundo a maioria dos filósofos modernos. P: Bem, o que significava de início? R: Essa palavra foi primeiro usada para fazer referência a certas obras filosóficas de Aristóteles, as que se situavam depois de sua grande obra na área da física, em suas obras reunidas, e que se tornaram conhecidas como “além da física” – que em grego se dizia “meta-física”. P: Mas isso ainda não me diz o que ela é. R: Nessas obras “além da física”, Aristóteles dedicou-se à “ciência das coisas transcendendo o que é físico ou natural”. P: E o que quer dizer isso? R: É a ciência que trata dos primeiros princípios teóricos além e acima do mundo físico. Esses são os princípios que governam nosso conhecimento daquele mesmo mundo físico. Em outras
  • 30. palavras, a metafísica diz respeito a tudo que transcende o mundo físico que experimentamos. P: Mas como sabemos que existe alguma coisa além do mundo físico que experimentamos? R: Não sabemos. Razão pela qual a maioria dos filósofos modernos rejeita a metafísica como um erro. P: Mas Kant não o fez? R: Kant estava decidido a criar uma nova metafísica. Antes dele, Hume tinha chegado em grande parte à mesma conclusão desses filósofos modernos. Hume pensou que tivesse destruído a possibilidade da metafísica. P: Como? R: Duvidando de tudo que não pudesse confirmar mediante sua própria experiência. Esse ceticismo extremo excluía tudo em que a humanidade acreditara através dos séculos, mas que jamais experimentara de fato. P: Por exemplo? R: Deus, por exemplo. P: Mas o que Hume disse não parecia fazer muita diferença. As pessoas continuaram a acreditar em Deus. R: Sim, mas compreende-se cada vez mais que isso acontecia por conta de um impulso da fé e não como resultado de qualquer experiência direta ou de argumentação racional. P: Então a “contestação” da metafísica por parte de Hume não fez qualquer diferença? R: Na realidade, fez grande diferença. Principalmente para os cientistas e os filósofos. P: Como?
  • 31. R: Mediante a exclusão de tudo, à exceção daquilo que podemos comprovar através da experiência, Hume eliminou muito mais que Deus. Ele destruiu a causalidade, o que era muito mais importante para os cientistas e para os filósofos. P: Como? R: Segundo Hume, tudo o que sabemos da experiência é que um evento se segue a outro. Não podemos jamais saber se um evento causa o outro. Não podemos ir além da nossa experiência para afirmar isso. Na realidade, jamais experimentamos algum evento causando outro – apenas um evento se seguindo a outro. P: Então? R: Isso atinge o âmago de todo o nosso conhecimento científico. De acordo com Hume, a ciência baseada na causalidade é metafísica – não empírica. Não pode nunca ser comprovada. E a comprovação é a base de nosso conhecimento. Da mesma forma, a filosofia. Segundo Hume, jamais poderemos provar as afirmações da filosofia, a menos que elas sejam resultado de experiência direta. P: Como por exemplo? R: Assim como na afirmação: “Esta maçã é verde.” P: Mas isso significa que a filosofia praticamente nada pode dizer. R: Exatamente. E essa é a dificuldade extrema que Kant tentou superar em sua filosofia. P: De que maneira? R: Ele tentou mostrar que, apesar do ceticismo devastador de Hume, ainda era possível construir uma metafísica, que seria a base real de uma forma de conhecimento universal e logicamente necessária – que permaneceria impermeável ao ceticismo de Hume. Kant a estabeleceu pela primeira vez em sua Crítica da razão pura.
  • 32. P: Então a metafísica de Kant era uma tentativa de estabelecer algum tipo de ciência definitiva – que garantisse a verdade do nosso conhecimento? R: Exatamente. P: E como ele chegou a isso? R: Kant ressaltou o que chamava sua “filosofia crítica”, que significava uma análise profunda da epistemologia – um estudo da própria base sobre a qual nosso conhecimento reside. Segundo Kant, fazemos certos juízos que são indispensáveis a todo conhecimento, juízos que ele classificou como “sintéticos a priori”. Por sintético, ele queria dizer que não eram analíticos e que o conhecimento neles contido não estava implícito no conceito original. Por exemplo, “a bola é redonda” é uma afirmação analítica – porque o conceito “redondeza” está contido no conceito bola. Já “a bola é brilhante” é um juízo sintético, porque diz sobre a bola alguma coisa além do que está contido no conceito original, da mesma forma que uma afirmação empírica. Como a priori Kant definiu os juízos necessários e universais, que tinham de ser verdadeiros antes de qualquer experiência e que são constituídos somente pelo uso da razão. Diferentemente dos juízos resultantes da experiência, eles não eram particulares e contingentes. Ou seja, não se aplicavam apenas a uma instância e eram destituídos de necessidade lógica – como as afirmações “esse cavalo ganhou o Derby” e “aquele cavalo é marrom”. Como qualquer juízo científico, essas afirmações sintéticas a priori deviam ser irrefutáveis e verdadeiras em termos universais. Em outras palavras, deviam ter a mesma energia e vigor de uma afirmação analítica, embora fossem sintéticas. E deviam se adequar à experiência, permanecendo ao mesmo tempo anteriores a ela. A pergunta básica de Kant era: “Como são possíveis as afirmações sintéticas a priori?” Levava essa pergunta à matemática, à física e à metafísica. A matemática, segundo ele, se relaciona a espaço e tempo. Argumentava que, ao contrário das aparências, o espaço e o tempo são de fato a priori – ou seja, não fazem parte da nossa experiência, sendo uma condição anterior necessária a essa
  • 33. experiência. Não poderíamos ter a experiência sem essas “formas de nossa sensibilidade”. Kant prossegue argumentando que as afirmações da física são juízos a priori. Elas classificam os juízos empíricos (sendo, portanto, sintéticas), mas utilizam conceitos anteriores à experiência (sendo, portanto, a priori). Esses conceitos, ou “categorias de nosso entendimento”, como Kant as chamava, assemelham-se muito ao espaço e ao tempo na matemática. As “categorias” são a estrutura essencial de nosso conhecimento, sendo constituídas de coisas como qualidade, quantidade, relação (inclusive a causalidade) e modalidade (assim como existência ou não-existência). Elas não são parte de nossa experiência e, no entanto, não poderíamos ter qualquer experiência sem elas. Contudo, quando chegamos à metafísica, o oposto se aplica à matemática e à física. A metafísica não tem qualquer relação com a experiência (já que está “além da física”). Isso significa que não podemos aplicar “categorias” como quantidade e qualidade à metafísica porque elas são a estrutura de nosso conhecimento da experiência. Assim, a metafísica se exclui do campo dos juízos sintéticos a priori e não possui base científica. Dessa forma, se tomamos um conceito metafísico, como Deus, não podemos fazer qualquer afirmação científica (ou verificável) sobre ele, pois quaisquer categorias que pudéssemos lhe aplicar só seriam relevantes para a experiência. Falar da existência (ou não existência) de Deus seria igualmente aplicar de forma errônea as categorias. Foi desse modo que Kant rejeitou a metafísica. Ao fazê-lo, no entanto, construiu seu próprio sistema metafísico alternativo. Da maneira como Kant as viu, as “formas do nosso conhecimento” (espaço e tempo), assim como as “categorias do nosso entendimento” (inclusive a experiência, a necessidade etc.), são indubitavelmente metafísicas. Nós podemos considerar que o espaço e a existência estão “lá fora”, na física da nossa experiência, mas Kant não pensava assim. Dessa forma, seu argumento contra a metafísica aplica-se igualmente a eles. Não podemos fazer afirmações sintéticas a priori sobre eles. Eles não são científicos, não são analíticos e não são logicamente necessários: são
  • 34. metafísicos. E se, por outro lado, estão “lá fora” na nossa experiência, certamente não podem ser conceitos a priori de nosso entendimento. A Crítica da razão prática de Kant tenta aplicar um sistema bastante similar à ética. Ao invés de indagar se existem coisas como juízos sintéticos a priori, ele indaga se há regras que a priori governam nossa vontade e que podem, assim, reivindicar a condição de universais. Em lugar das categorias, ele traz à tona um “imperativo categórico” – que não faz parte da experiência moral real, mas que forma a estrutura a priori necessária a ela. Eis como ele explicita esse imperativo categórico: “Aja somente de acordo com um princípio que desejaria fosse ao mesmo tempo uma lei universal.” Assim como as categorias, esse imperativo é puramente formal. As categorias não têm conteúdo empírico, o imperativo categórico não tem conteúdo moral. Esse imperativo categórico pode ser ótimo aparentemente, mas é amplo o suficiente para abranger as moralidades contraditórias do sadomasoquista e do hippie adepto do paz e amor. É também estritamente racional e sugere que deveríamos considerar todos os seres humanos idênticos a nós mesmos em temperamento. Nossa psicologia não é estritamente racional e não consideramos os outros idênticos a nós mesmos em temperamento. Nem desejamos isso – a menos que, por acaso, fôssemos ditadores. Como podemos sequer aplicar esse imperativo, se não pensamos assim ou nos comportamos assim? Podemos endossar certos princípios universais, mas eles com certeza não abarcarão todos os nossos atos morais. Existem determinados princípios menos fundamentais que não desejaríamos estender às ações morais de cada um. Eu posso me abster do canibalismo e ao mesmo tempo desejar ver o princípio “é errado comer pessoas” aplicado universalmente. Mas se eu me abstiver de assassinar, isso não significa que eu deseje que um policial se abstenha de matar um sequestrador assassino. É possível argumentar que essas observações tão rígidas não se aplicam, uma vez que o imperativo categórico é tão somente a estrutura da moralidade. Através de nossas ações morais, nós simplesmente sugerimos princípios universais. Mas esse recuo à formalidade torna o imperativo categórico totalmente vazio. Ele
  • 35. afirma de maneira clara que deveríamos nos comportar da mesma forma que desejaríamos que todas as outras pessoas se comportassem.
  • 36. CITAÇÕES-CHAVE . . . . . . . . . . . O trecho a seguir faz parte da abertura da Crítica da razão pura, onde Kant se prepara para lançar os alicerces de sua filosofia. Como se pode inferir da segunda frase, Kant começa da forma como pretende continuar. Insista em transpor essa cilada facilmente localizável e logo conhecerá um estado de espírito que com agilidade transcende a dificuldade do que ela transmite. Não resta dúvida de que todo o nosso conhecimento começa pela experiência; efetivamente, que outra coisa poderia despertar e pôr em ação a nossa capacidade de conhecer senão os objetos que afetam os sentidos e que, por um lado, originam por si mesmos as representações e, por outro lado, põem em movimento a nossa faculdade intelectual e levam-na a compará-las, ligá-las ou separá- las, transformando assim a matéria bruta das impressões sensíveis num conhecimento que se denomina experiência? Assim, na ordem do tempo, nenhum conhecimento precede em nós a experiência e é com esta que todo o conhecimento tem o seu início. Se, porém, todo o conhecimento se inicia com a experiência, isso não prova que todo ele derive da experiência. Pois bem poderia o nosso próprio conhecimento por experiência ser um composto do que recebemos através das impressões sensíveis e daquilo que a nossa própria capacidade de conhecer (apenas posta em ação por impressões sensíveis) produz por si mesma, acréscimo esse que não distinguimos dessa matéria-prima, enquanto a nossa atenção não despertar por um longo exercício que nos torne aptos a separá- los. Crítica da razão pura, Introdução, Parte 1
  • 37. Ele prossegue em sua argumentação: Haverá um conhecimento assim, independente da experiência e de todas as impressões dos sentidos? Denomina-se a priori esse conhecimento e distingue-se do empírico, cuja origem é a posteriori, ou seja, na experiência Esta expressão não é, contudo, ainda suficientemente definida para designar de um modo conveniente todo o sentido da questão apresentada. Na verdade, costuma dizer-se de alguns conhecimentos, provenientes de fontes da experiência, que deles somos capazes ou os possuímos a priori porque os não derivamos imediatamente da experiência, mas de uma regra geral, que todavia fomos buscar à experiência. Assim, diz-se de alguém, que minou os alicerces da sua casa, que podia saber a priori que ela havia de ruir, isto é, que não deveria esperar, para saber pela experiência, o real desmoronamento. Contudo, não poderia sabê-lo totalmente a priori, pois era necessário ter-lhe sido revelado anteriormente, pela experiência, que os corpos são pesados e caem quando lhes é retirado o sustentáculo. Ibid., Introdução, Parte 1 Kant prossegue para explicar: Por esta razão designaremos, doravante, por juízos a priori não aqueles que não dependem desta ou daquela experiência, mas aqueles em que se verifica absoluta independência de toda e qualquer experiência. Dos conhecimentos a priori, são puros aqueles em que nada de empírico se mistura. Assim, por exemplo, a proposição, segundo a qual toda a mudança tem uma causa, é uma proposição a priori, mas não é pura, porque a mudança é um conceito que só pode extrair-se da experiência. Ibid., Introdução, Parte 1 A argumentação avança e o enredo se adensa. Esta oportunidade extremamente rara de acompanhar um dos espíritos mais requintados da história na medida em que vai criando na sua forma original não deve ser perdida. Pretender chegar a essas alturas de maneira fácil invalida todo o objetivo do exercício:
  • 38. Necessitamos agora de um critério pelo qual possamos distinguir seguramente um conhecimento puro de um conhecimento empírico. É verdade que a experiência nos ensina que algo é constituído desta ou daquela maneira, mas não que não possa sê-lo diferentemente. Em primeiro lugar, se encontrarmos uma proposição que apenas se possa pensar como necessária, estamos em presença de um juízo a priori; se, além disso, essa proposição não for derivada de nenhuma outra, que por seu turno tenha o valor de uma proposição necessária, então é absolutamente a priori. Em segundo lugar, a experiência não concede nunca aos seus juízos uma universalidade verdadeira e rigorosa, apenas universalidade suposta e comparativa (por indução), de tal modo que, em verdade, antes se deveria dizer: tanto quanto até agora nos foi dado verificar, não se encontram exceções a esta ou àquela regra. Portanto, se um juízo é pensado com rigorosa universalidade, quer dizer, de tal modo que, nenhuma exceção se admite como possível, não é derivado da experiência, mas é absolutamente válido a priori. A universalidade empírica é, assim, uma extensão arbitrária da validade, em que se transfere para a totalidade dos casos a validade da maioria, como, por exemplo, na seguinte proposição: todos os corpos são pesados. Em contrapartida, sempre que a um juízo pertence, essencialmente, uma rigorosa universalidade, este juízo provém de uma fonte particular do conhecimento, a saber, de uma faculdade de conhecimento a priori. Necessidade e rigorosa universalidade são pois os sinais seguros de um conhecimento a priori e são inseparáveis uma da outra. Porém, como na prática certas vezes é mais fácil de mostrar a limitação empírica do que a contingência dos juízos e outras vezes mais conveniente mostrar a universalidade ilimitada, que atribuímos a um juízo, do que a sua necessidade, é aconselhável servirmo-nos, separadamente, dos dois critérios, cada um dos quais é de per si infalível. Ibid., Introdução, Parte 2 Kant nesse instante elabora: É fácil mostrar que há realmente no conhecimento humano juízos necessários e universais, no mais rigoroso sentido, ou seja, juízos puros a priori. Se quisermos um exemplo, extraído das ciências, basta volver os olhos para todos os
  • 39. juízos da matemática; se quisermos um exemplo, tirado do uso mais comum do entendimento, pode servir-nos a proposição segundo a qual todas as mudanças têm que ter uma causa. Neste último, o conceito de uma causa contém, tão manifestamente, o conceito de uma ligação necessária com um efeito e uma rigorosa universalidade da regra, que esse conceito de causa totalmente se perderia, se quiséssemos derivá-lo, como Hume o fez, de uma associação frequente do fato atual com o fato precedente e de um hábito daí resultante (de uma necessidade, portanto, apenas subjetiva) de ligar entre si representações. Poder-se-ia também demonstrar, sem haver necessidade de recorrer a exemplos semelhantes, a realidade de princípios puros a priori no nosso conhecimento, que estes princípios são imprescindíveis para a própria possibilidade da experiência, por conseguinte, expor a sua necessidade a priori. Pois onde iria a própria experiência buscar a certeza, se todas as regras, segundo as quais progride, fossem continuamente empíricas e, portanto, contingentes? Seria difícil, por causa disso, dar a essas regras o valor de primeiros princípios. Aqui podemo-nos bastar com ter exposto, a título de fato, juntamente com os seus critérios, o uso puro da nossa capacidade de conhecer. Todavia não é apenas nos juízos, mas ainda em alguns conceitos, que se revela uma origem a priori. Eliminai, pouco a pouco, do vosso conceito de experiência de um corpo tudo o que nele é empírico, a cor, a rugosidade ou maciez, o peso, a própria impenetrabilidade; restará, por fim, o espaço que esse corpo (agora totalmente desaparecido) ocupava e que não podereis eliminar. De igual modo, se eliminardes do vosso conceito empírico de qualquer objeto, seja ele corporal ou não, todas as qualidades que a experiência vos ensinou, não poderíeis contudo retirar-lhe aquelas pelas quais o pensais como substância ou como inerente a uma substância (embora este conceito contenha mais determinações do que o conceito de um objeto em geral). Obrigados pela necessidade com que este conceito se vos impõe, tereis de admitir que tem a sua sede a priori na nossa faculdade de conhecer. Ibid., Introdução, Parte 2
  • 40. Nesse ponto Kant explica a noção de Tempo segundo a sua filosofia: O tempo não possui realidade objetiva; não é um acidente, nem uma substância, e nem uma relação: é uma condição puramente subjetiva, necessária por conta da natureza do espírito humano, que coordena todas as nossas sensibilidades mediante determinada lei, e é pura intuição. Coordenamos da mesma forma substâncias e acidentes, segundo a simultaneidade e a sequência, através apenas do conceito de tempo. De Mundi Sensibilis atque intelligibilis forma et principiis, 3, 14. Kant passa, nesse momento, a distinguir entre diferentes tipos de felicidade: Se alguém só é feliz quando consegue satisfazer um desejo, o sentimento que faz com que goze prazeres tão grandes, sem que necessite de grandes habilidades para isso, é certamente assunto não trivial. Os gordos, cujos artistas favoritos são seus cozinheiros e cujas obras-primas repousam em seus celeiros, regozijam-se em suas obscenidades comuns e em suas observações vulgares tanto quanto as almas mais nobres desfrutam de seus objetivos mais requintados. Um indivíduo indolente que adore que lhe leiam livros em voz alta porque gosta de adormecer dessa forma, o empresário que considera todos os prazeres uma distração que o desvia de lutar por seus lucros em um negócio rendoso, alguém que adora o sexo oposto pelo simples prazer de possuí-lo e nada mais, o caçador sagaz, seja ele mero caçador de moscas, como o imperador romano Domiciano, ou de animais ferozes como A __ – todos têm sentimentos que os fazem experimentar prazer à sua própria maneira, sem que sintam inveja de outros ou sejam até mesmo capazes de imaginar outros prazeres. Esse tipo de sentimento, que pode ocorrer sem qualquer pensamento, eu desconsiderarei por completo.
  • 41. Sua argumentação prossegue: O sentimento requintado, que passo a considerar, é em grande parte de dois tipos: o sentimento do sublime e o do belo. Cada um deles nos dá prazer, mas de formas diferentes. A visão do pico de uma montanha coberto de neve elevando-se sobre as nuvens, a descrição de uma tempestade violenta ou a representação de Milton do reino do inferno – cada um deles nos proporciona alegria, porém mesclada com o terror. Por outro lado, a visão de prados cobertos de flores, de vales com arroios sinuosos e rebanhos pastando, a descrição do Elísio, ou o relato de Homero sobre o cinturão de Vênus, também nos dão uma sensação agradável, mas repleta de alegria e felicidade. Para sentir a primeira sensação temos que ter o sentimento do sublime, mas a fim de experimentar a última há que se ter o sentimento do belo. “Do belo e do sublime”, Seção 1, parágrafos 2 & 3 Um exemplo raro de poesia kantiana. Foi escrita em 1782, por ocasião da morte do pastor Lilienthal, que casara os pais de Kant: Was auf das Leben folgt deckt tiefe Finsterniss; Was uns zu thun gebuhrt, dess sind wis nur gewiss. O que vem depois da vida se esconde na escuridão profunda; O que se espera que façamos, somos os únicos que sabemos. O texto que se segue aproxima-se bastante da explicação para a popularidade das aulas de geografia que Kant dava aos cidadãos de Königsberg. Foi escrito, no século XIX, pelo dr. J.H. Stirling, de nacionalidade britânica, membro da Sociedade Filosófica de Berlim. [Nas aulas de geografia de Kant] ele não pode deixar de se referir a alguns dos fatos mais interessantes que o influenciaram … Os negros nascem de cor branca, excetuando um círculo em torno do umbigo. O íbis morre tão logo deixa o Egito. O leão é tão nobre que
  • 42. é incapaz de tocar uma mulher com a pata … A água no Cabo é tão pura que permanece doce quando trazida à Europa. Se fizer um copo de chifre de rinoceronte, qualquer veneno poderá rachá-lo … Nas Ilhas Canárias existe a árvore da vida que nunca apodrece, seja no solo ou na água. Há um molusco na Itália que fornece tanta luz que se pode ler perto dela. No Languedoc acontece uma primavera tão quente que chega a chocar ovos … Os animais ferozes só comem negros em Gâmbia e deixam os europeus em paz. Os negros na América adoram carne de cachorro e todos os cães latem para eles. De acordo com o dr. Stirling, essas opiniões eram “todas apresentadas com gravidade”.
  • 43. CRONOLOGIA DE DATAS SIGNIFICATIVAS DA FILOSOFIA . . . . . . . . . . . séc. VI a.C. Início da filosofia ocidental com Tales de Mileto. fim do séc. VI a.C. Morte de Pitágoras. 399 a.C. Sócrates condenado à morte em Atenas. c.387 a.C. Platão funda a Academia em Atenas, a primeira universidade. 335 a.C. Aristóteles funda o Liceu em Atenas, escola rival da Academia. 324 d.C. O imperador Constantino muda a capital do Império Romano para Bizâncio. 400 d.C. Santo Agostinho escreve as Confissões. A filosofia é absorvida pela teologia cristã. 410 d.C. Roma é saqueada pelos visigodos. 529 d.C. O fechamento da Academia em Atenas, pelo imperador Justiniano, marca o fim da era greco- romana e o início da Idade das Trevas. meados do Tomás de Aquino escreve seus comentários sobre
  • 44. séc. XIII Aristóteles. Era da escolástica. 1453 Queda de Bizâncio para os turcos, fim do Império Bizantino. 1492 Colombo chega à América. Renascimento em Florença e renovação do interesse pela aprendizagem do grego. 1543 Copérnico publica De revolutionibus orbium caelestium (Sobre as revoluções dos orbes celestes), provando matematicamente que a Terra gira em torno do Sol. 1633 Galileu é forçado pela Igreja a abjurar a teoria heliocêntrica do universo. 1641 Descartes publica as Meditações, início da filosofia moderna. 1677 A morte de Spinoza permite a publicação da Ética. 1687 Newton publica os Principia, introduzindo o conceito de gravidade. 1689 Locke publica o Ensaio sobre o entendimento humano. Início do empirismo. 1710 Berkeley publica os Princípios do conhecimento humano, levando o empirismo a novos extremos. 1716 Morte de Leibniz. 1739-40 Hume publica o Tratado sobre a natureza humana, conduzindo o empirismo a seus limites lógicos. 1781 Kant, despertado de seu “sono dogmático” por Hume, publica a Crítica da razão pura. Início da
  • 45. grande era da me-tafísica alemã. 1807 Hegel publica A fenomenologia do espírito: apogeu da metafísica alemã. 1818 Schopenhauer publica O mundo como vontade e representação, introduzindo a filosofia indiana na metafísica alemã. 1889 Nietzsche, após declarar que “Deus está morto”, sucumbe à loucura em Turim. 1921 Wittgenstein publica o Tractatus logicophilosophicus, advogando a “solução final” para os problemas da filosofia. década de 1920 O Círculo de Viena apresenta o positivismo lógico. 1927 Heidegger publica Sein und Zeit (Ser e tempo), anunciando a ruptura entre a filosofia analítica e a continental. 1943 Sartre publica L’être et le néant (O ser e o nada), avançando no pensamento de Heidegger e instigando o surgimento do existencialismo. 1953 Publicação póstuma de Investigações filosóficas, de Wittgenstein. Auge da análise linguística.
  • 46. C I E N T I S T A S em 90 minutos . . . . . . . por Paul Strathern Arquimedes e a alavanca em 90 minutos Bohr e a teoria quântica em 90 minutos Crick, Watson e o DNA em 90 minutos Curie e a radioatividade em 90 minutos Darwin e a evolução em 90 minutos Einstein e a relatividade em 90 minutos Galileu e o sistema solar em 90 minutos Hawking e os buracos negros em 90 minutos Newton e a gravidade em 90 minutos Oppenheimer e a bomba atômica em 90 minutos Pitágoras e seu teorema em 90 minutos Turing e o computador em 90 minutos
  • 47. Título original: Kant in 90 minutes Tradução autorizada da primeira edição inglesa, publicada em 1996 por Constable, de Londres, Inglaterra Copyright © 1996, Paul Strathern Copyright da edição brasileira © 1997: Jorge Zahar Editor Ltda. rua Marquês de São Vicente 99, 1º andar 22451-041 Rio de Janeiro, RJ tel (21) 2529-4750 / fax (21) 2529-4787 editora@zahar.com.br www.zahar.com.br Todos os direitos reservados. A reprodução não autorizada desta publicação, no todo ou em parte, constitui violação de direitos autorais. (Lei 9.610/98) Grafia atualizada respeitando o novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa Ilustração: Lula ISBN: 978-85-378-0419-3 Arquivo ePub produzido pela Simplíssimo Livros
  • 48.
  • 49. Nietzsche em 90 minutos Strathern, Paul 9788537803967 76 páginas Compre agora e leia Friedrich Nietzsche (1844-1900) foi o criador do célebre super- homem, embora ele próprio tenha sido um dos homens mais doentes que já houve: veio a morrer louco, segundo dizem em conseqüência de uma sífilis. Antecipando o fim de todos os sistemas filosóficos, sua obra falava a língua do futuro através de ditos lapidares como: "Deus está morto"; "Viva perigosamente" e "Qual o melhor remédio? - Vitória". Ao contrário do que se diz, a idéia de uma nação de alemães de raça pura decerto teria estimulado seu senso de humor. Este livro é um instantâneo da vida e obra dessa intrigante figura. Compre agora e leia
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  • 51. Einstein e a relatividade em 90 minutos Strathern, Paul 9788537803462 91 páginas Compre agora e leia Como saber o que de fato significou a teoria da relatividade de Einstein e que implicações acarreta a célebre fórmula E=mc²? Einstein e a relatividade em 90 minutos não só responde a essa questão como também acompanha a conturbada trajetória do formulador da teoria da relatividade, que lutou contra as armas nucleares e o anti-semitismo, sendo investigado pelo FBI e perseguido pelos nazistas. Com textos informativos e divertidos, os volumes da série Cientistas em 90 minutos trazem rico material - introdução, posfácio, citações e cronologias - que complementa um panorama da vida e da obra de cada cientista, explicando suas geniais descobertas. Em formato de bolso e com preço acessível, a série segue o mesmo padrão didático da já conhecida Filósofos em 90 minutos, também de autoria de Paul Strathern. Compre agora e leia
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  • 53. Galileu Galilei Naess, Atle 9788537814079 248 páginas Compre agora e leia Uma biografia à altura da vida extraordinária de Galileu Matemático, físico, astrônomo, filósofo, revolucionário, herege. O escritor norueguês Atle Naess faz um retrato minucioso e fascinante do homem que mudou a forma de vermos o mundo e fundou a ciência moderna - da infância ao julgamento pela Inquisição já no fim da vida, passando por todo o caminho que levou às descobertas revolucionárias na física, na astronomia e na matemática. Numa Florença em que ainda subsiste o brilho do Renascimento, acompanhamos a formação e o desenvolvimento de Galileu, incomuns para a época e que só foram possíveis graças ao incentivo de seu pai, músico e letrado. Conhecemos a relação do matemático com a família mais famosa e importante de Florença e de todo o período renascentista, os Médici, que eram seus mecenas. Através da prosa fluida e envolvente de Naess, somos testemunhas privilegiadas das experiências precoces e descobertas revolucionárias de Galileu. Descobertas que mudariam o mundo,
  • 54. mas que ele acabaria sendo obrigado a renegar diante da Inquisição. O livro foi vencedor do Prêmio Brage - o mais importante prêmio literário da Noruega - de melhor livro de não ficção. "A narrativa é um primor, a história flui sem esforço e o contexto é centrado em aspectos humanitários. O livro é um deleite absoluto." The Observatory "Leitura encantadora, e o texto é historicamente rigoroso. Não são muitas as biografias tão formidavelmente escritas como essa." Australian Physics "Um relato vivo, articulado e bem construído, que oferece o contexto mais amplo e fundamental que envolve o drama. Altamente recomendado." MAA Online book review "Fascinante." The Mathematical Gazette Compre agora e leia
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  • 56. Elizabeth I Hilton, Lisa 9788537815687 412 páginas Compre agora e leia Um retrato original e definitivo da Rainha Virgem narrado com todos os elementos de um impressionante romance Filha de Henrique VIII e Ana Bolena, Elizabeth I foi a quinta e última monarca da dinastia Tudor e a maior governante da história da Inglaterra, que sob seu comando se tornou a grande potência política, econômica e cultural do Ocidente no século XVI. Seu reinado durou 45 anos e sua trajetória, lendária, está envolta em drama, escândalos e intrigas. Escrita pela jornalista e romancista inglesa Lisa Hilton, essa biografia apresenta um novo olhar sobre a Rainha Virgem e é uma das mais relevantes contribuições ao estudo do tema nos últimos dez anos. Apoiada em novas pesquisas, oferece uma perspectiva inédita e original da vida pessoal da monarca e de como ela governou para transformar a Inglaterra de reino em "Estado". Aliando prosa envolvente e rigor acadêmico, a autora recria com vivacidade não só o cenário da era elisabetana como também o complexo caráter da soberana, mapeando sua jornada desde suas
  • 57. origens e infância - rebaixada de bebê real à filha ilegítima após a decapitação da mãe até seus últimos dias. Inclui caderno de imagens coloridas com os principais retratos de Elizabeth I e de outras figuras protagonistas em sua biografia, como Ana Bolena e Maria Stuart. "Inovador... Como a história deve ser escrita." Andrew Roberts, historiador britânico, autor de Hitler & Churchill "... uma nova abordagem de Elizabeth I, posicionando-a com solidez no contexto da Europa renascentista e além." HistoryToday "Ao mesmo tempo que analisa com erudição os ideais renascentistas e a política elisabetana, Lisa Hilton concede à história toda a sensualidade esperada de um livro sobre os Tudor." The Independent Compre agora e leia
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  • 59. Redes de indignação e esperança Castells, Manuel 9788537811153 272 páginas Compre agora e leia Principal pensador das sociedades conectadas em rede, Manuel Castells examina os movimentos sociais que eclodiram em 2011 - como a Primavera Árabe, os Indignados na Espanha, os movimentos Occupy nos Estados Unidos - e oferece uma análise pioneira de suas características sociais inovadoras: conexão e comunicação horizontais; ocupação do espaço público urbano; criação de tempo e de espaço próprios; ausência de lideranças e de programas; aspecto ao mesmo tempo local e global. Tudo isso, observa o autor, propiciado pelo modelo da internet. <p>O sociólogo espanhol faz um relato dos eventos-chave dos movimentos e divulga informações importantes sobre o contexto específico das lutas. Mapeando as atividades e práticas das diversas rebeliões, Castells sugere duas questões fundamentais: o que detonou as mobilizações de massa de 2011 pelo mundo? Como compreender essas novas formas de ação e participação política? Para ele, a resposta é simples: os movimentos começaram na internet e se disseminaram por contágio, via comunicação sem fio, mídias móveis e troca viral de imagens e conteúdos. Segundo ele, a internet criou um "espaço de autonomia" para a troca de
  • 60. informações e para a partilha de sentimentos coletivos de indignação e esperança - um novo modelo de participação cidadã. Compre agora e leia