O documento discute (1) o trabalho de mais de 3 mil médicos cubanos no Brasil que fornecem assistência à saúde para milhares, (2) questiona por que apenas a reclamação de uma médica cubana recebeu destaque na imprensa em vez do trabalho em larga escala, e (3) contrasta a atitude dessa médica com o boxeador cubano Teófilo Stevenson que recusou uma oferta milionária para permanecer em Cuba.
1. Dra. Ramona Rodríguez e Teófilo Stevenson, por Mareu dos Santos Soares*
Se nossa colega, a Dra. Ramona Matos Rodríguez, mereceu um editorial do mais lido jornal da
província, quantos editoriais seriam necessários para expressar o profícuo trabalho de mais de 3 mil
colegas cubanos e a assistência à saúde que estes fornecem a milhares de brasileiros que pela
primeira vez em suas vidas são vistos, ouvidos, examinados e medicados por um médico?
As perguntas que cabem são: qual a intenção subjetiva que tal editorial expressa quando se
preocupa com a questionável falta de liberdade de uma pessoa e não divulga, comenta e condena
em destacados editoriais a total ausência em cuidados da saúde em mais de 1,5 mil municípios
brasileiros? No panorama de mais de 3 mil médicos, será que só a Dra. Ramona não sabia das
condições salariais? E, pergunta-se, quais os motivos do jornal em dar tamanho destaque e merecer
um inteiro editorial para apenas uma reclamação diante de milhares de gratificações pessoais pelo
seu trabalho e remuneração? É lamentável que este tema tenha que vir às páginas da imprensa só
depois que o governo federal implantou o programa Mais Médicos, que segundo o próprio editorial,
“está produzindo resultados positivos” (sic), mas que tais resultados merecem apenas uma linha em
todo o editorial. Outros textos mereciam ser publicados, comentando, por exemplo, o trabalho
eficiente e humanitário de milhares de médicos cubanos em dezenas de países pobres do Terceiro
Mundo, como o Haiti, onde, depois das catástrofes naturais e bélicas, seus habitantes foram
abandonados por médicos americanos e de outros países ricos e só são assistidos por médicos
cubanos que lá permanecem até hoje, por remunerações menores do que a Dra. Ramona recebe no
Brasil e em piores condições de trabalho. Insistimos na pergunta que deve ser respondida: por que a
desistência de apenas uma colega médica dentro de um universo de milhares de outros médicos
merece ser noticiada com tanta efusão midiática e ser divulgada tão intensamente por partidos e
jornais da oposição ao atual governo? Outros textos seriam oportunos para se perguntar, por
exemplo, por que nunca o público foi informado que em 1995, no governo de FHC, o secretário da
Saúde do Estado de Tocantins, Eduardo Medrado, que tinha apenas 64 leitos para 140 municípios,
vendo-se desassistido pelo governo central, trouxe 90 médicos cubanos, especialistas em moléstias
tropicais que, em trabalho conjunto com médicos brasileiros, ajudaram a amenizar várias epidemias
que grassavam naquela região do país. Criticado pela oposição política por importar médicos de
outro idioma, Dr. Medrado respondeu: “É melhor um médico que fale espanhol do que nenhum”. As
críticas ao secretário se avolumaram, oriundas até do Conselho Federal de Medicina, mais de 25
processos foram assacados contra ele e no final o convênio foi extinto e as várias moléstias tropicais
em Tocantins ficaram com prevenção e tratamento prejudicados. Não podemos deixar de apontar o
contraste da atitude estranha e indigna da Dra. Ramona com o grande e negro boxeador cubano
Teófilo Stevenson. Depois de ser campeão olímpico dos pesos pesados em três Olimpíadas
(Munique, Montreal e Moscou) e de ter vencido 300 lutas, foi convidado para se profissionalizar nos
EUA por US$ 5 milhões. O “Gigante da Central Delícias” como era chamado carinhosamente pela
população cubana, declinou do convite, informando aos empresários do boxe americano que “tudo o
que conseguira em sua vida devia ao governo e ao povo cubanos”, os quais com seus trabalhos e
sacrifícios tinham lhe proporcionado tantas glórias esportivas. E que seria indigno e ingrato se
aceitasse abandonar seu povo e sua pátria.
Enquanto o grande Teófilo Stevenson não é lembrado como exemplo de dignidade e de bom
caráter, a Dra. Ramona, que cursou Medicina em uma faculdade paga pelo povo cubano e que
agora o abandona, merece editoriais e manchetes na grande e próspera imprensa de nosso país.
*Médico **Também assinam o artigo os médicos Franklin Cunha, Airton Fischmann e
Luiz Carlos Lantieri. Material extraído do Jornal Zero Hora. Edição do dia 10/02/14.