SlideShare uma empresa Scribd logo
1 de 68
Baixar para ler offline
UNIVERSIDADE DO PLANALTO CATARINENSE
RITA CARDOSO WOLFF
EDUCAÇÃO SEXUAL E DEFICIÊNCIA VISUAL: O DIÁLOGO DO SILÊNCIO NAS
FAMÍLIAS
Lages
2011
RITA CARDOSO WOLFF
EDUCAÇÃO SEXUAL E DEFICIÊNCIA VISUAL: O DIÁLOGO DO SILÊNCIO NAS
FAMÍLIAS
Trabalho de Conclusão de Curso, apresentado à
Disciplina de Trabalho de Conclusão no 100
semestre do curso de Psicologia da Universidade
do Planalto Catarinense- UNIPLAC.
Orientadora: Prof. Msc. Bruna Meurer Antunes
Lages
2011
UNIVERSIDADE SO PLANALTO CATARINENSE
RITA CARDOSO WOLFF
EDUCAÇÃO SEXUAL E DEFICIÊNCIA VISUAL: O DIÁLOGO DO SILÊNCIO NAS
FAMÍLIAS
Trabalho de Conclusão de Curso, apresentado à
Disciplina de Trabalho de Conclusão no 100
semestre do curso de Psicologia da Universidade
do Planalto Catarinense- UNIPLAC.
BANCA EXAMINADORA:
Professora Orientadora Msc. Bruna Meurer Antunes______________________________________
Professora Convidada Msc. Tatiane Muniz Barbosa______________________________________
Professora Convidada Msc. Yalin Brizola Yared_________________________________________
Lages
2011
Não há em sexualidade algo que deva ser transmitido, mas sim, algo que precisa
ser construído, elaborado em cada sujeito. A marca de uma educação autoritária é
sempre transmitir. Sobretudo em sexualidade, essa marca precisa ser desfeita, se
quisermos que se faça uma educação para a liberdade.
(Naumi Vasconcelos)
AGRADECIMENTOS
Agradeço em primeiro lugar a Deus, que me deu a vida, por me proporcionar esses
momentos tão intensos vividos na Universidade.
Aos meus pais, que sempre me apoiaram estando comigo nos momentos fáceis e
difíceis dessa jornada.
Agradeço, de um modo geral, a todos os participantes da pesquisa, pela contribuição
para a realização da mesma.
A minha professora e orientadora Bruna Meurer Antunes, pela dedicação e
participação em todos os momentos bons e difíceis dessa etapa.
Agradeço também a Professora Márcia Costa, que possibilitou a minha entrada na
Universidade e a todas as pessoas que acreditaram em mim.
RESUMO
O objetivo do presente estudo foi compreender por meio das narrativas de Deficientes Visuais
(DV) de ambos os sexos, como estes significavam a educação sexual que a eles(as) foi
disponibilizada no âmbito de suas famílias. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, que contou com
seis associados(as) de uma instituição voltada ao atendimento/orientação de pessoas com
deficiência visual da cidade de Lages- SC com DV, sendo três participantes do cada sexo (feminino
e masculino), com idade superior a dezoito anos. Para coleta de dados utilizou-se de entrevista
semi-estruturada, os quais foram submetidos a análise de conteúdo de Bardin. Como resultados
observou-se que as limitações geradas pela deficiência, não interferem para que as pessoas com DV
se socializem. Foi possível se perceber certa resistência dos participantes em falar sobre a sua
relação com o seu próprio corpo. Conclui-se que os entrevistados foram “educados” sobre a lei do
silêncio, a qual os torna indefesos e dependentes, sendo-lhes impressa, pelas próprias famílias, a
idéia de que são inábeis e incapazes de alcançar uma vida sexual plena. Ressalta-se ainda, que pode-
se observar que estes permanecem com informações confusas, desconexas, repletas de tabus, mitos,
preconceitos ao que tange DSTs e ao uso de alguns métodos contraceptivos, os quais os tornam
sujeitos em situaçao de vulnerábilidade. Conclui-se, assim que a vivência da sexualidade dos filhos
deficientes muitas vezes acaba sendo negada pelos pais, os quais negligenciam o diálogo e o
fornecimento de informações. Salienta-se que pesquisas que relacionam os temas sexualidade e
deficiência visual são escassas, e destaca-se ainda, o importante papel do psicólogo enquanto
educador sexual.
Palavras-chave: Deficiência Visual, Educação sexual, Famílias, Psicologia.
ABSTRACT
The objective of this study was to understand through the narratives of the Blind (DV) of both sexes, as these
meant that sexual orientation to them (as) was available within their families. We adopted a qualitative
design, characterized by a descriptive study. This research was carried out with an institution devoted to the
service / guidance of visually impaired people in the city of Lages, SC. Participants were six members (s)
with DV, three participants of each sex over the age of eighteen years. For data collection was used semi-
structured interview, to analyze the results was performed content analysis of Bardin. The results showed
that the constraints generated by the disability, not to interfere with DV that people leave on their own with
friends. You can see the fear and resistance from the participants to talk about his relationship with his own
body. The development of sexuality for people with impaired vision becomes limited due to compromised
ability to learn and especially in the construction of subjective representations of the self-image, sense of
body structure and knowledge of the anatomical parts. It is concluded that the respondents were "educated"
not openly to be helpless and dependent, and they are printed by their own families, the idea that they are
awkward and unable to reach a full sex life. It is worth noting that information to remain confused,
disjointed, full of taboos, myths, prejudices, from whence come the guilt and anxiety. However, it was
revealed that the family occupies the main place in the hours of conversations about sex, however,
commonly treat sexuality in accordance with beliefs, prejudices and distorted, giving the disabled a sexuality
with limitations or exaggerations, as can be seen in this the study. Please note that research linking the
themes of sexuality and visual impairment are scarce.
Keywords: Visual Impairment, Sexual Orientation, Families, Psychology.
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 - Caracterização dos participantes............................................................................... 27
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO.................................................................................................................... 10
2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA...................................................................................... 16
2.1 Breves apontamentos em relação à história da sexualidade................................................ 16
2.2 Gênero, Corpo e sexualidade e suas interfaces com a Deficiência Visual (DV)................ 18
2.3 Educação sexual e deficiência visual: o diálogo do silêncio nas famílias........................... 23
3.MÉTODO.............................................................................................................................. 26
3.1 Caracterização da Pesquisa................................................................................................. 26
3.2 Universo da Pesquisa........................................................................................................... 26
3.3 Procedimentos de Coleta de Dados..................................................................................... 28
3.4 Procedimentos de Análise de Dados.................................................................................... 29
3.5 Análise de Riscos e Benefícios............................................................................................ 30
4. ANÁLISE E DISCUSSÃO DE DADOS............................................................................. 31
4. 1 Causas da cegueira sob as perspectivas dos DVs............................................................... 31
4.2 Interfaces da vida cotidiana do DV: amizades, atividades e relacionamentos.................... 33
4.3 Nuances de um corpo velado: o estigma da deficiência visual............................................ 36
4.4 Educação sexual x DV: a omissão do diálogo aberto nas família..................................... 40
4.5 Narrativas em torno de métodos contraceptivos, doenças sexualmente
transmissíveis/AIDS.................................................................................................................. 48
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................................... 52
6. REFERÊNCIAS................................................................................................................... 56
ANEXO..................................................................................................................................... 63
APÊNDICE............................................................................................................................... 66
1. INTRODUÇÃO
A história da humanidade, assim como a história dos deficientes visuais, varia de cultura
para cultura, refletindo crenças, valores e ideologias que, materializadas em práticas sociais,
estabelecem modos diferenciados de relacionamentos entre deficientes e não deficientes
(BRUNS,1994). Nesse contexto, destaca-se que por meio desta pesquisa buscou-se compreender as
narrativas de Deficientes Visuais (DV) de ambos os sexos e como estes significavam a educação
sexual que a eles(as) foi disponibilizada no âmbito de suas famílias. Nesta direção os objetivos
específicos foram: verificar as causas da DV nesses sujeitos; conhecer qual o entendimento que os
DV de ambos os sexos fazem do conceito de sexualidade; verificar a relação que os deficientes de
ambos os sexos estabelecem com seu próprio corpo; conhecer de que forma a família realizou o
processo de educação sexual a esses DV; verificar se os participantes possuem irmãos com
capacidade visual, e se educação sexual dada pelas famílias, corresponde à mesma que foi dada a
estes; identificar o nível de conhecimento acerca de assuntos relacionados à sexualidade, dentre eles
métodos contraceptivos e doenças sexualmente transmissíveis.
Reitera-se nesse viés, que a deficiência visual é um termo que designa impedimentos de
origem orgânica relacionados a doenças oculares, que podem levar a um mau funcionamento visual
ou a ausência de visão (BATISTA & ENUMO, 2000). Os portadores de deficiência visual, de
acordo com Kirk e Gallangher (1987) em geral, podem ser classificados em dois grupos principais:
o dos cegos e o dos que têm visão parcial ou reduzida. Atualmente, a ênfase para a classificação
está em definições funcionais, aquelas que tratam dos efeitos da limitação visual sobre as
habilidades, como, por exemplo, a leitura. Logo, nesse contexto, ressalta-se que este estudo deteve-
se aos sujeitos cuja acuidade visual chega a níveis insignificantes, ou seja, que já nasceram cegos.
Desse modo, apesar de muitos autores considerarem que a palavra “deficiente” tem um sig-
nificado forte, carregado de valores morais, contrapondo-se a “eficiente”, estes ressaltam que ainda,
não se chegou a um consenso em qual seria a melhor terminologia para se referir aos sujeitos que
apresentam apenas uma disfunção visual (GIL, 2000). Tendo em vista, estas circunstâncias, desta-
ca-se que utilizou-se essa terminologia, pois torna-se a mais frequente no meio científico, no entan-
to, destaca-se o reconhecimento de suas limitações.
Segundo dados do último censo realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE apud GESSER, 2010) no ano 2000, pelo menos 24,5 milhões de brasileiros possuem algum
tipo de deficiência, o que representa 14,5% do total da população. A quantificação realizada pelo
10
censo dá visibilidade a essa população, rompendo com o ocultamento presente na história da
relação da população geral com as pessoas com deficiência, que até recentemente, ficavam
enclausuradas, escondidas, abandonadas a própria sorte, quando não mortas (GESSER, 2010).
Gil (2000) pontua que na contemporaneidade percebe-se uma dupla moralidade em relação
à sexualidade das pessoas com deficiência, que muitas vezes infantilizou tornando-as assexuadas e
exaltando sua inocência, por vezes significando formas singulares de expressão de sua sexualidade
com práticas descontroladas, instintivas, corroborando mitos e classificações pejorativas quanto à
sexualidade. Os cegos são concebidos e descritos, nas estórias cotidianas, como pobres, indefesos,
inúteis e desajustados. Muitas vezes são tolos e dignos de piedade: assim, os casos de cegos
vendedores de bilhete, ou cegos cancioneiros do Nordeste, que cantam suas mazelas em troca de
moedas para a sua subsistência (CONNEL,1990). As pessoas com deficiência visual são assim,
frequentemente idealizadas como seres frágeis, portadores de incapacidades múltiplas. Logo, o
tema sexualidade e DV, em especial, precisa ser problematizado pela sociedade como um todo, e
em especial dentro das próprias famílias desses sujeitos. Esse aspecto, na realidade é mais que um
reflexo contundente da incapacidade.
Contudo Nunes e Silva (2000) salientam que a sexualidade é um tema prioritário na
dimensão humana, por isso é importante que a mesma seja compreendida dentro de um contexto
mais amplo como tema, área do conhecimento e na abordagem educacional, sendo estes em termos
mais específicos, a fim de que possam alcançar as múltiplas interações com a realidade e a vivência
humana. Sabe-se que a sexualidade está concentrada nos meios que perpassam a subjetividade e
sociedade, sendo a mesma a base dos saberes articulados por meio dos conhecimentos baseados nas
características humanas de afetividade e erotismo.
Assim, em nossa sociedade existem três grandes tabus: sexualidade, morte e deficiência. A
dificuldade em lidar com eles fica ainda mais evidente quando dois ou três aparecem entremeados.
A simples idéia de que alguém portador de uma deficiência física ou mental possa ter desejos
sexuais costuma ser incômoda quando não repugnante para a maioria das pessoas. Esquece-se
portanto, que a sexualidade não é uma atividade genital, mas, sim, a mais íntima manifestação de
vida; nosso desejo mais primário no que tange a amar e ser amado (PINEL,1999).
Logo, tal realidade para Pinel (1999) está alicerçada nos mitos que permanecem na
coletividade sobre sexualidade e deficiência e são geralmente criados por uma sociedade que insiste
em visualizar as debilidades e não as capacidades das pessoas portadoras de deficiência. É
extremamente difícil ser deficiente numa sociedade “temporariamente eficiente”, que acentua as
diferenças e não as semelhanças, que nega os direitos básicos do ser humano (educação, saúde,
trabalho, transporte, lazer, amor, sexo, felicidade...) a quem não se encaixa na presunçosa fantasia
11
de perfeição que criamos. Essas autoras ressaltam ainda que é no mínimo lastimante pensarmos que
a maioria dos problemas das pessoas com deficiência não vem da deficiência propriamente dita,
mas sim da maneira como elas são encaradas e tratadas nos diversos contextos sociais.
Além disso, Pinel (1999) chama atenção para outro componente importante, ao grande
número de crianças cegas vítimas de abusos de ordem sexual. Muitos especialistas supõem que o
fato se deve à não- identificação dos sinais visuais de perigo por parte da crianças. Ou, então,
decorre de diversas atitudes involuntárias dessa criança, que nunca foi adequadamente orientada
sobre como certos comportamentos podem ser interpretados como provocativos pelo abusador.
Logo, a educação sexual de deficientes visuais torna-se objeto de intervenção psicológica, na
medida em que o sujeito que a possui e sua família não saberem ao certo, como lidar com a
situação. Por isso, a importância dos profissionais da psicologia voltarem suas práticas à atenção
desses sujeitos.
Nesse viés, pesquisas como esta são importantes, haja vista à escassez de programas de edu-
cação sexual para deficientes visuais. Tendo-se em vista a justificativa de que a deficiência em si
não inibe o funcionamento genital. Desta forma destaca-se a necessidade de práticas e intervenções
que resignifiquem junto à sociedade, a relação sexualidade e deficiência visual, acreditando-se que
isso pode acontecer, a partir do momento que problematiza-se a ordem simbólica e de poder desses
tabus. Portanto, dar visibilidade a realidades como está, contribuem para dar vozes aqueles que vi-
vem a deficiência visual e o preconceito muitas vezes dentro de suas próprias famílias.
Haja vista, que de acordo com Glat (2004) a propagação dos princípios e políticas de inclu-
são, por outro lado, faz com que a discussão sobre sexualidade seja ampliada para abranger ques-
tões referentes aos portadores de deficiência visual. Na medida em que esses jovens saem do confi-
namento de suas casas e instituições especializadas, e começam a frequentar os espaços educacio-
nais e sociais comuns a todos, tornam-se também mais abertos às experiências sexuais e situações
de risco, necessitando, portanto, de educação sexual de qualidade principalmente por parte de suas
famílias.
As dificuldades de comunicação tornam ainda mais difícil a integração social e a assimila-
ção de conhecimentos e experiências tão necessárias ao ajuste social/sexual. Logo, estudos como
este, podem contribuir para construção de ações e políticas públicas voltadas a esses sujeitos, tendo-
se em vista, que visibilidade de tal realidade já se torna um passo importante para que medidas se-
jam tomadas nesse âmbito. Além disso, podem colaborar para o descortinamento dessa realidade,
ao mostrar que portador de deficiência visual é um ser humano igual aos demais, com impulsos se-
xuais e potencial para viver sua sexualidade.
12
Se é complicado para os jovens sem deficiência viver sua sexualidade, supõe-se que, para os
adolescentes portadores de cegueira ou de baixa visão, a descoberta da sexualidade é muito mais di-
fícil. É fundamental que tenham a oportunidade de expor abertamente suas dúvidas e receber em
resposta informações claras e verdadeiras, para que consigam vivenciar sua sexualidade de forma
mais satisfatória e responsável. Logo, diante da insuficiência de dados sobre as formas como acon-
tece à educação sexual em sujeitos com deficiência visual no Brasil e na realidade da Serra Catari-
nense, considera-se que esta pesquisa fornece subsídios para a produção de novos conhecimentos.
Haja vista, que questionamentos que relacionem a deficiência visual e a vivência afetivo-
sexual sobre o olhar dos próprios DVs ainda são escassos, e quando estes são socializados se
restringem ás pessoas que convivem com portadores dessa deficiência visual. Logo, torna-se de
fundamental importância o entendimento/compreensão de tal dinâmica pela sociedade em geral.
Além disso, no dia 23 de agosto de 2001, foi realizada pesquisa nos bancos de dados, como: na
BVS (Biblioteca Virtual da Saúde) com o termo “Deficiente Visuais” foram encontrados um total
de 1038 artigos; no LILACS (Literatura Latino- Americana e di Caribe em Ciências da Saúde) em
textos em português 157 artigos. No entanto, ao refinar-se a pesquisa na LILACS, adicionando o
termo sexualidade DV foi possível se encontrar apenas quatro artigos. Logo, tais dados
demonstram a importância de que novos estudos abordem essa relação silenciosa entre cegueira e
sexualidade.
Vale destacar a pesquisa realizada por Gesser, Toneli, Nuerberg (2008) em um Banco de Te-
ses e Dissertações da CAPES em janeiro de 2008 com os descritores “deficiência física”, “gênero”,
“sexualidade”, “corpo”, “imagem corporal”, “Psicologia” e “subjetividade” utilizados em conjunto
ou separadamente. Não foi encontrado nenhum trabalho que possuía todos os descritores. Esses au-
tores destacam que, embora a produção do conhecimento relacionada à deficiência física tenha cres-
cido a partir da década de 80, são poucos os trabalhos que abordam a questão do corpo e da sexuali-
dade da pessoa com deficiência física no Brasil. Os estudos de mestrado e doutorado nessa área co-
meçou a surgir somente no final do século XX. Além disso, muitos dos trabalhos que estudam a se-
xualidade da pessoa com deficiência não têm uma preocupação em dialogar com os estudos de gê-
nero, sendo esta uma proposta do presente estudo.
Nesse viés, destaca-se a partir Gesser, Toneli, Nuerberg (2008) que compreender os concei-
tos de corpo e de sexualidade a partir dos estudos contemporâneos de gênero é um ato ético e políti-
co. Isso porque as concepções atuais de gênero apontam para um imbricamento entre a sexualidade
e o gênero, no qual um constitui o outro. Além disso, a partir das discussões contemporâneas, defi-
ciência, gênero, raça e classe social são categorias de análise e formas de opressão social. Acredita-
se que a ampliação dos estudos na área da sexualidade e deficiência física, a partir de uma concep-
13
ção crítica, se faz necessária para promover o desenvolvimento de práticas educativas que contribu-
am para com o rompimento de tabus e preconceitos relacionados à sexualidade em pessoas com de-
ficiência de todas as ordem, como a exemplo, da deficiência visual.
Por derradeiro, denota-se a relevância de estudos sobre essa perspectiva, tendo em vista, os
dados acima apresentados por esses autores. Tem-se por pressuposto que a forma como as famílias
tratam a sexualidade de seus filhos com deficiência visual pode ser um retrato de seu despreparo,
mas nesse contexto, vale enfatizar também, esse aspecto nas próprias instituições escolares, que po-
deriam auxiliar neste processo. Desse modo, espera-se por meio deste estudo dar voz a esses sujei-
tos com deficiência visual e observar em que sentido suas famílias poderiam ser mais efetivas no
processo de educação sexual. Estudos como estes, podem contribuir para com as instâncias políti-
cas, econômicas e educacionais, que detém o “poder-fazer”. Além disso, torna-se necessário o vis-
lumbramento de tal realidade para fins de se obter meios e estratégias mais assertivas, para que cada
vez mais as famílias e os educadores possam aprender a lidar, aceitar e respeitar a deficiência, ou
seja, lidar com a situação compreensível tanto para os deficientes visuais quanto para as mesmas.
Haja vista, que as duas partes apresentam dificuldades para lidar com as dificuldades inerentes à ro-
tina familiar, como manutenção econômica, dificuldade de diálogo, tempo disponível para dedicar à
rotina do deficiente visual, por isso quanto mais à sociedade se humaniza, mais os estigmas e pre-
conceitos se diluem (BRUNS, 2008).
Sendo assim, se encaramos a sexualidade em indivíduos é difícil para sujeitos dotados de
todos os sentidos, que teoricamente se enquadram no modelo de “normalidade”, preconizado pela
mídia e pela sociedade, como será essa experiência para os sujeitos com DVs? Como estes
percebem sua sexualidade? Salienta-se que é na família que a bagagem sobre a sexualidade se
estrutura. Entretanto, segundo as autoras Chagas e Hoffmann (1996) quando as familias se veêm
diante das diferenças trazidas pela deficiência, elas muitas vezes, paralisadas, outorga a outros sua
função primeira no aspecto da sexualidade. Mesmo assim, educa para a sexualidade preconizando o
silêncio, que é também uma forma eficiente de educar, pois relega a sexualidade a um âmbito
confuso, cheio de culpas e vergonhas. A verdade, no entanto, é que a sexualidade dos portadores de
deficiência é um fato que gera conflitos e não era de se esperar que fosse diferente, não em nossa
cultura, na qual a deficiência representa o que é incontrolável e inesperado, ameaça e desorganiza as
bases existenciais do não deficiente obrigando-o a reviver constantemente sua história (CHAGAS E
HOFFMANN, 1996).
Desse modo, a educação sexual dada pela família, segundo pesquisas (GUIMARÃES, 1995;
CHAGAS E HOFFMANN, 1996; BRUNS, 2008; ), não tem possibilitado aos jovens – mesmo
àqueles que enxergam – assumir com responsabilidade suas relações afetivo-sexuais. Presume-se
14
que as informações se restringem à sexualidade ligada à genitália, pois ainda hoje os pais têm difi-
culdade de dialogar sobre esse tema. Mas, apesar da informação ser escassa, os jovens não deixam
de se iniciar na prática sexual. E, muitas vezes, com resultados inesperados, como uma gravidez
precoce. Desse modo, se a educação sexual dos jovens “que vêem” é reconhecidamente inadequada,
a voltada aos jovens com DV é algo ainda mais complexo. Pois, esses últimos são vítimas de super
proteção por um lado e, por outro, de preconceitos e mitos – que projetam sua imagem como asse-
xuados, incapazes, dependentes e eternas crianças. Com frequência, em seu próprio ambiente fami-
liar ele é visto como pessoa ‘pura’ e ‘ingênua’ (GIL, 2000).
Ainda nesse âmbito, Bruns (2008) ressalta que não apenas a família, mas também a escola
necessita rever seus métodos de ensino-aprendizagem a fim de expandirem e difundirem o universo
semiótico das mais variadas formas de comunicação. Não só a linguagem visual, mas, também, os
significados e sentidos da linguagem olfativa, gustativa e da sinestésica, podem proporcionar o co-
nhecimento não apenas para os DVs, mas também para os dotados de visão. Haja vista, que como
nos faz compreender Guimarães (1995) e Chaui (1983) a sexualidade é construída social, histórica
e culturalmente, ou seja, havendo repressão, torna-se necessário aos pais e educadores repensá-la,
reformulando conceitos mais adequados, sendo que os mesmos precisam estar vinculados às mu-
danças e ao contexto social.
Nesse contexto, Maia (2006) afirma que a educação sexual às pessoas com deficiência,
devem ser pautas principalmente nas discussões em torno dos diretos aos sujeitos com deficiência.
Desse modo, materiais e instrumentos educativos precisavam ser pensados, tanto para DV quanto
para suas famílias. No entanto, salienta-se que essa educação não precisa ser “especial” mais sim,
utilizar-se de recursos, que esclareçam, que sejam compreensíveis, a fim de que possam tocar, para
que a aprendizagem seja mais efetiva. Tendo em vista, que os propósitos da aprendizagem deveria
sair da teoria indo em relação com a vida prática dos deficientes, para que sejam eficazes,
garantindo dimensões prazerosas, preventiva, educativa e humana. Logo, diante de tal contexto, esta
pesquisa procurou responder a seguinte questão: como os Deficientes Visuais (DV) de ambos os
sexos, significavam a educação sexual disponibilizada a eles(as) no âmbito de suas famílias?
15
2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
2.1 Breves apontamentos em relação à história da sexualidade
O contexto histórico da sexualidade foi abarrotado de proibições ao longo dos tempos e o
assunto foi sempre polêmico. Com base nos valores éticos, morais com raízes na tradição Judaíco
Cristã, preservou-se por alguns séculos atrás um legado relacionado à procriação que hostilizava o
prazer e o corpo. Segundo Thomás de Aquino apud Cecarelli (1998), o sexo tinha por finalidade a
procriação tendo por exemplo os animais. Surgia assim, o estigma negativo do prazer, como uma
forma de moralidade que é essencialmente sexual. O Cristianismo adota a idealização da castidade
como algo mais próximo de Deus.
Na antiguidade de acordo com Cecarelli (1998), Pitágoras recomendava que as relações
sexuais ocorressem somente com intuito da procriação de preferência no inverno, embora fazer
sexo fosse prejudicial em qualquer estação do ano. Hipócrates, de acordo com Cecarelli (1998),
acreditava que reter o sêmem proporcionava ao corpo a máxima energia que sua perda significava a
morte. Segundo o imperador Adriano, de acordo com Cecarelli (1998), a atividade sexual só se
justificava para a procriação, esta visão reprodutora do ato sexual foi intensificada por uma das
escolas da Filosofia Antiga, o Estoicismo cuja a influência deu-se entre 300a.c a 250d.c. A busca
pelo prazer para os filósofos gregos foi transformada de forma radical por esta corrente de
pensamento.
Na moral dos bons costumes, o sexo foi visto somente como os órgãos sexuais, sua
significação é de algo sujo, pecaminoso e guardado em segredo pelas famílias perante a sociedade.
BOCK (2003) ressalta que a sexualidade causa dúvidas, repletas de valores tais como: preconceitos,
moralismo e informações incorretas, tratando o termo sexo como um tabu na sociedade. No livro a
História da Sexualidade- I, Foucault mostra como a sociedade vive, desde o séc. XVIII, uma fase de
repressão sexual. Nessa fase, o sexo se reduz à sua função reprodutora e o casal passa a ser o
modelo. O que sobra torna-se amor anormal é expulso, negado e reduzido ao silêncio, mas a
sociedade burguesa se vê forçada a permitir algumas coisas. Ela restringe as sexualidades ilegítimas
a lugares onde possam dar lucros que, numa época em que o trabalho é muito explorado, as energias
não podem ser dispensadas nos prazeres (FOUCAULT, 2001).
Essa repressão é chamada pelo autor de hipótese repressiva, mas ele destrói esse pensamento
16
e formula uma nova hipótese, mostrando que certas explicações funcionem, elas não podem ser
encaradas como as únicas verdadeiras. Logo, a hipótese de Foucault (2001) é que há, a partir do séc.
XVIII, uma proliferação de discursos sobre sexo. Para este autor, foi o próprio poder que incitou
essa proliferação de discursos, por meio da igreja, da escola, da família, do consultório médico.
Essas instituições não visavam proibir ou reduzir a prática sexual; visavam o controle do sujeito e
da população. Assim, Foucault (2001) constrói uma nova hipótese sobre a sexualidade humana: as
sexualidades são socialmente construídas e assim como a hipótese repressiva, é uma explicação que
funciona. Cada um que aceite a verdade que lhe convém (FOUCAULT, 2001).
Ainda para o autor:
“A história da sexualidade, se quisermos centrá-la nos mecanismos de repressão,
supõe duas rupturas. Uma no decorrer do século XVII onde há o nascimento de
grandes proibições, valorização exclusiva da sexualidade matrimonial adulta,
imperativo de decência, abandono obrigatório do corpo, contenção e pudores da
linguagem, a sexualidade encerrada e confiscada ao leito familiar” (FOUCAULT,
2001, p. 109).
Neste contexto, entende-se que “a sexualidade” é na verdade um termo que aparece pela
primeira vez no século XIX. A palavra existia no jargão técnico da Biologia e da Zoologia já em
1800, mas somente próximo do final do século ela veio a ser usada amplamente em um sentido
mais próximo do significado que hoje tem para nós – que se refere como a “qualidade de ser sexual
ou possuir sexo” (FOUCAULT, 2001). Assim para esse mesmo autor a sexualidade surgiu como
uma forma de normalização da sociedade dentre dos padrões da época, pois o domínio e o controle
do corpo são fundamentais para o controle da vida social e política. Xavier Filha (2000) baseada em
Foucault (2001), salienta que esses saberes (apoiados em instituições ou teorias, psiquiátricas,
médicas, jurídicas, religiosas, pedagógicas, demográficas, estatísticas, políticas) acabaram por
expressar diferentes tendências, segundo seus interesses, em relação à concepção de sexualidade.
De forma que não há uma só forma de ver as questões relacionadas à sexualidade, mas diversas
maneiras de abordá-la segundo perspectivas diferentes.
Contudo, na atualidade ainda persiste uma visão fragmentada em torno da sexualidade (XA-
VIER FILHA, 2000). Realidade que denota a necessidade de uma ampliação no entendimento do
conceito de sexualidade:
O conceito de sexualidade [...] refere-se a um termo mais ampliado de sexo, deixando de
ser tratado como sinônimo de ato sexual ou função natural de reprodução. Trata-se de um
fenômeno mais global, relacionando-se a sentimentos, manifestações trocas, e comunica-
ções afetivas entre os seres sexuados [...] (XAVIER FILHA, 2000, p. 19).
17
Esses mitos presentes na contemporaneidade, segundo Gesser (2010) levam a redução da se-
xualidade ao coito vaginal e ao entendimento de que é algo que somente as pessoas não deficientes
que desejam ter filhos podem exercer, o que se apresenta como um fator limitante do desenvolvi-
mento dos sujeitos com deficiência. Essa ligação da sexualidade ao padrão hegemônico de normali-
dade patologicisa a sexualidade tanto das crianças, como também das pessoas idosas e com defici-
ência. Além disso, inibe as formas singulares de expressão da sexualidade e do desejo.
Segundo Vaz e Nodin (2005) é preciso que a sexualidade passe a ser reconhecida como um
aspecto importante da saúde se for vivida satisfatoriamente, o que torna-se fonte de equilíbrio e
harmonia para as pessoas, favorecendo uma atitude positiva em relação a si mesmo e aos outros.
Esta tem grande importância no desenvolvimento e na vida psíquica das pessoas, pois, além da sua
potencialidade reprodutiva, relaciona-se com a busca do prazer, necessidade fundamental das
pessoas. Manifesta-se desde o momento do nascimento até a morte, de formas diferentes a cada
etapa do desenvolvimento humano, sendo construída ao longo da vida.
Além disso, encontra-se necessariamente marcada pela história, cultura, ciência, assim como
pelos afetos e sentimentos, expressando-se então com singularidade em cada sujeito (PCNS, 1998).
Assim, vale destacar que a Organização Mundial de Saúde (OMS) (apud VAZ & NODIN, 2005)
definiu saúde sexual como sendo a integração harmoniosa dos aspectos somáticos, intelectuais e
sociais do ser sexuado, de forma a enriquecer a personalidade, a comunicação e o amor. De acordo
com Negreiros (2004), a sexualidade concebida como energia, libido, caracteriza-se por uma
capacidade de se ligar as pessoas, objetos, idéias, à vida, enfim, inclui a atividade sexual, mas não
se resume ao sexo. Assim, muitos são os aspectos que precisam ser estudados e considerados na
compreensão da sexualidade humana. No entanto, nesse processo de construção social, os avanços
da ciência, contribuíram para uma visão já fragmentada da sexualidade (XAVIER FILHA, 2000).
Dificuldade que aponta para a necessidade de uma busca pela superação dessa visão multifacetada
(hora médico higienista ou afetiva/potencializadora da vivencia humana) que construímos ao longo
do tempo. Logo, no item a seguir, será exposto de forma mais consistente como ocorre esta inter-
relação, entre sexualidade, corporeidade e Deficiência Visual.
2.2 Gênero, Corpo e sexualidade: suas interfaces com a deficiência visual
As questões de gênero constituem um aspecto importante no estudo da experiência da
deficiência. De acordo com Gesser (2010) a imbricação dos discursos relacionados à deficiência e à
feminilidade é geradora de opressão e de vulnerabilidade. Destaca-se assim, que o termo gênero foi
18
criado nos anos 80 (século XX), pelas feministas americanas e inglesas, a fim de se explorar as
relações entre homens e mulheres. Essas idéias eram perceptíveis nos âmbitos sociais, com baixos
salários, diferenças de raças, etnias, e no âmbito privado delineadas pela passividade sexual e os
papéis domésticos. Eram utilizados os preceitos religiosos, científicos e políticos a fim de explicar
as diferenças dando ênfase aos questionamentos biológicos do sexo (CASTILHO, 2007). Assim,
desde o princípio homens e mulheres foram sendo afetados por construções em torno do biológico,
mas no decorrer do tempo, houve novos paradigmas onde as mulheres trocam a vida doméstica em
busca de novos campos de atuação e vivencia profissional. Começa assim, a busca pela autonomia,
independência, haja vista que o gênero definido somente por funções e papéis não é mais
convincente (VILELA, 1999).
Assim, para Scott (1998) o sexo (biológico) é também socialmente construído, cientes de
que em cada sociedade possuem significados cristalizados, isto é, mulheres nascem com vagina e o
homem com pênis. Isso definirá o lugar a ser ocupado na sociedade por eles, e este campos estão
perpassados por relações de poder entre os gêneros. Esse viés de gênero torna-se importante de ser
ressaltado, haja vista, que o DV sofre as mesmas interferências do processo de construção
psicossocial do gênero em sua educação sexual. Assim, na medida em que a família é reconhecida
como a principal instituição social que estabelece as relações sexuais entre os gêneros, o controle
social é visto como atuando diretamente sobre o corpo das mulheres, cuja principal referência é a
mãe e quanto a sexualidade é socialmente aceita apenas na reprodução de filhos legítimos. No
entanto “o controle da e pela sexualidade é, um método por excelência nessa visão, controlando as
mentes e corpos das mulheres nas culturas patriarcais” (SCOTT, 1998, p.15).
Bordo (1997) aponta que por meio da organização e da regulamentação de nossas vidas e
corpos são moldados e marcadas pelo cunho das formas históricas que sobrepõem-se a
individualidade, desejo, masculinidade e feminilidade. Haja vista que os corpos assumem a
organização social, políticas e normas religiosas e culturais, que intervém as estruturas sociais. Para
Cecarelli (1998) existe uma limitação e contínua relação entre o social e o biológico, respeitando
masculinidade e feminilidade, com posturas e movimentos corporais entendidos socialmente
como naturais de cada sexo à medida que o processo de educação de homens e mulheres supõe uma
construção social e corporal dos sujeitos, buscando compreender os processos ensino/aprendizagem
de conhecimentos, valores, movimentos corporais e posturas considerados femininos e masculinos.
Todavia, atenta-se para a necessidade de orientação sexual que abranja a multiplicidade de
possibilidades de vivência sexual entre os gêneros, visto que para Louro (2004) a coerência e a
continuidade de supostas diferença entre sexo- gênero- sexualidade servem para sustentar a
normatização da vida dos indivíduos e das sociedades. A forma “normal” de viver os gêneros
19
aponta para a constituição da forma “normal” de família, a qual, por sua vez, se sustenta sobre a
reprodução sexual e consequentemente, sobre a heterossexualidade. É evidente o caráter político
dessa premissa, na qual não há lugar para aqueles homens e mulheres que, de algum modo,
perturbem a ordem ou dela escapem (LOURO, 2004). Além disso, estudos apontam para um maior
cuidado sobre a sexualidade da mulher deficiente do que do homem deficiente, aspectos estes que
interferem na auto-realização, liberdade de escolha da mulher deficiente, que precisam ser
problematizados (VILELA, 1999).
Ao que tange à sexualidade e a vivência com o próprio corpo nas pessoas com deficiência
visual, reservadas as particularidades de sua condição, estas de acordo com Osório e Osório (2004)
estão sujeitas aos mesmos processos de normalização e disciplinarização comuns ao coletivo, como
expresso:
As dificuldades encontradas pelas pessoas portadoras de deficiência visual, se revela, fre-
quentemente, iguais àquelas vividas pelos outros membros da sociedade independente de
direitos “garantidos”. Logo, a diferença não está tanto na natureza dos problemas, mas na
intensidade de sua manifestação e na extensão das suas implicações. Permanece, no entan-
to, uma certeza: as questões culturais impostas às pessoas, com deficiência ou não, perten-
cem ao conjunto de interdições comuns e são muito mais numerosas do que as diferenças
dos grupos aos quais pertencem[...] (OSÓRIO e OSÓRIO, 2004, p. 20, grifos do autor).
Desse modo, o adolescer das pessoas com deficiência é um tema escassamente tratado pela
literatura. Entretanto, a grande maioria destes indivíduos chega à puberdade, com a conseqüente
maturação sexual, como os demais adolescentes ditos “normais”. De acordo com o senso comum,
as pessoas com deficiência aparentemente não vivem esta etapa do seu desenvolvimento, pois as
mudanças físicas não corresponderiam às psicossociais (BEZERRA & PAGLIUCA, 2010). Chauí
(1984) chama atenção então, para que compreenda a sexualidade como sendo uma energia vital
acompanhando toda a existência humana e sendo composta por “uma série de excitações e ativida-
des, presentes desde a infância, proporcionando um prazer irredutível a alguma necessidade fisioló-
gica (respiração, fome, excreção), sendo um componente do amor sexual para todos independente
de suas limitações”, (CHAUÍ, 1984).
A sexualidade está presente desde a mais tenra idade e faz parte de uma formação mais geral
do sujeito constituindo-se assim ao longo de sua existência fazendo-se particular conforme as elabo-
rações, experiências e contexto próprio, mas com marcas comuns à cultura e ao processo sócio-his-
tórico, que é coletivo. Portanto, a forma pela qual cada pessoa se vê como homem ou mulher, como
elabora sua auto-imagem, a maneira como lida com sua sensualidade, seu desejo, seu auto-erotismo,
as relações que estabelece com o próprio corpo, com seu prazer ou suas fantasias, são exemplos de
aspectos da sexualidade cuja elaboração pessoal é marcada tanto pelos aspectos biológicos e psico-
lógicos, quanto pelo contexto em que se está inserido, ou seja, é influenciada, se não determinada,
20
também por instituições como família, religião, escola, mídia, pela sociedade como um todo, a par-
tir de suas crendices, seus valores, ou estereótipos (BORDO, 1997; VILELA, 1999; XAVIER FI-
LHA, 2000).
Desta maneira a sexualidade insere uma energia manifesta não apenas de acordo com as ne-
cessidades fisiológicas do ser humano, mas também tendo vinculação com o simbólico e, por con-
sequência, com o aspecto histórico e cultural de cada sociedade. Contudo, quando se pensa no ado-
lescente que adquire o “status” de ser sexuado, pensa-se apenas no adolescente “normal” devido às
modificações biológicas e hormonais que caracterizam este período, pensa-se também em sua forma
de expressar sua sexualidade, tendo como fundamento um mundo “visual”, em que o culto ao corpo
vem crescendo em academias, surgindo novas técnicas médicas na cirurgia plástica a fim de aproxi-
mar as pessoas insatisfeitas com sua imagem refletida no espelho do padrão ideal de beleza veicula-
do pela mídia. O jovem vive assim, uma fase onde sua sexualidade precisa ser constantemente afir-
mada (BEZERRA & PAGLIUCA, 2010; CHAUÍ, 1984).
Fróes , citado por Maia (2006), corrobora nesse contexto, ao afirmar que a sexualidade da
pessoa com deficiência é um fenômeno com muitas faces interligadas às questões políticas,
culturais, econômicas e educacionais, além disso as pessoas com deficiência estão sujeitas a
pressões ideológicas da repressão sexual. Muitos deficientes encorporam mecanismos da repressão
que internalizam de forma generalizada as suas limitações, alimentando assim, os preconceitos que
a excluem da vida sexual plena. Contudo, de acordo com Moura e Pedro (2006) mesmo não
visualizando as transformações em seus corpos, os deficientes visuais percebem que mudanças
radicais acontecem. Estes observam as modificações de estruturas que antes não possuíam, como os
seios para as meninas ou a barba para os meninos. Sabe-se que este acontecimento é real, pois a
caracterização desse processo por meio das mudanças biológicas vem proporcionando experiências
de uma série de eventos psicológicos atingindo o auge da identidade sexual.
A vida afetivo-sexual dos deficientes visuais possuem as mesmas características de
desenvolvimento da sexualidade das demais pessoas entretanto o interesse sexual de uma pessoa
cega não é diminuído em relação a outras, o que diferencia ambas é a curiosidade do assunto
fazendo com que o desejo de conhecer o funcionamento de seus corpos sejam por meio do toque e
não visual. Busca-do assim definir sua identidade e seu espaço na sociedade, almejando descobrir
por meio de relacionamentos afetivos sua sexualidade encontrando meios adequados de acordo com
suas limitações (BEZERRA e PAGLIUCA, 2010).
No entanto, Pinel (1999) lembra que a maioria das informações que recebemos do mundo é
processada visualmente; não precisamos tocar os genitais para saber onde ficam, nem nos restam
dúvidas sobre as diferenças entre homens e mulheres. Para alguém que nunca enxergou, porém,
21
essas sutilezas topográficas não são tão evidentes, pois olhos do cego são suas mãos. Porém, em
nossa sociedade, nem tudo pode ser tocado. Assim, de acordo este autor o profundo
desconhecimento dos assuntos sexuais alimenta fantasias diversas no que diz respeito ao tamanho e
à forma da genitália, provocando, involuntariamente, uma série de problemas particulares. Como
não existem parâmetros de comparação, muitos deficientes visuais acreditam ter genitais anormais.
A menstruação ganha agravantes e algumas mulheres passam a apresentar um temor excessivo do
primeiro contato sexual, por imaginarem o pênis como sendo de tamanho desproporcional.
Tais aspectos citados acima acabam por gerar no DV, de acordo com Moura e Pedro (2006)
um conflito com seu próprio corpo, pois o mesmo sofre grandes mudanças a partir do fator
biológico, escapando ao controle deste adolescente, exigindo a reconstrução de sua autoimagem,
inclusive influenciando na construção de sua identidade, do conhecimento de si mesmo. Por outro
lado, o deficiente visual tem sentimento de desvalorização sobre a imagem corporal, tendo em vista
que muitas vezes os problemas de socialização é atribuído à cegueira. Nessa fase é comum
acontecer o surgimento da raiva e ódio contra a sua deficiência (BRUNS, 2008).
Os problemas, entretanto, vão além da biologia. As brincadeiras sexuais e a masturbação,
importantes fontes de informação e de autoconhecimento, dificilmente provocam algum tipo de
reação por parte de terceiros, quando feitas em recintos privados. Todavia, criança ou o jovem,
muitas vezes, descobre de maneira desagradável que outros estavam assistindo à sua exploração
sexual. Afinal, como adivinhariam que o local escolhido era justamente em frente à janela que dava
para a rua? (PINEL, 1999). Sendo assim, de acordo com esta autora (1999, p. 3) “a maioria das
dicas sobre comportamento social é aprendida de forma subliminar”. A habilidade de interagir
socialmente de maneira eficaz muitas vezes depende do contato visual apropriado e da capacidade
de extrair os matizes da expressão facial e das mensagens não verbais da linguagem corporal. No
deficiente visual, essas informações precisam ser verbalizadas, o que nem sempre constitui numa
tarefa fácil.
Em estudo realizado em uma instituição que atende a deficientes de diversas ordens, Ribeiro
(1995) detectou reações e ouviu relatos de profissionais da instituição pesquisada, que afirmavam
um sentimento de profundo incômodo, noutros casos repugnância, principalmente na presença de
adolescentes se masturbando e/ou trocando carícias, como beijos e abraços entre si. O pesquisador
relaciona essa reação aos padrões de normalidade e beleza comumente aceitos. Esses padrões são
difundidos em larga escala em nossa sociedade e produzem um efeito de verdade, segundo o qual, o
amor e o desejo – e principalmente a manifestação deles – são legítimos apenas para os
heterossexuais altos, brancos, magros, jovens, inteligentes, cristãos e ricos; lógica apresnetada
também por Louro (2004). Segundo as palavras de Ribeiro, (1995): “[...] a Cultura Ocidental ainda
22
manifesta forte aversão à aceitação das manifestações da sexualidade entre as pessoas que fogem
aos padrões estabelecidos como normais [...]” (1995, p. 373).
Nesse sentido, para Pinel (1999) devemos conscientizar-nos sobre a necessidade de
informações corretas e adequadas aos sujeitos com DV, informações estas que se tornam essencial
para facilitar a interação social. Qualquer interferência nesse processo acarretará um ajuste ineficaz
em sua condição e na expressão de sua sexualidade. Para a autora, o desconhecimento sobre os
assuntos da sexualidade alimenta fantasias e conceitos errôneos. A menstruação ganha agravantes e
algumas mulheres passam a apresentar um temor excessivo do primeiro contato sexual por
imaginarem o pênis como sendo de tamanho desproporcional, dentre tantos outros aspectos
(PINEL, 1999, p 221). Por isso, destaca-se a necessidade, como ver-se-á no item a seguir, de que a
orientação sexual, seja transparente, libertadora, e afetiva, fato este segundo a literatura, não muito
comum tanto nas famílias quanto nas instituições gerais de ensino-aprendizagem.
2.3 Educação sexual e deficiência visual: o diálogo do silêncio nas famílias
A família é sem dúvida o alicerce da sociedade e apesar da existência de debates em torno
de seu papel atual e da sua composição, ela se constitui como peça fundamental da vida e o
principal suporte do desenvolvimento humano. Haja vista que a base é uma unidade primária,
portanto qualquer fato memorável que interfira nos padrões de um de seus membros causará
influências nos demais integrantes familiares (NOGUEIRA, 2002).
Chauí (1984) lembra que a família é uma instituição que, em parceria com a igreja, vem
estabelecendo normas e condutas, aos quais vem sendo interiorizadas desde a mais tenra idade de
promover uma confusão, cujos elementos são de proibições, interdições e permissões, aos quais,
materializados em práticas sociais, delimitando as formas como devemos expressar a afetividade, o
erótico, ou seja, a nossa sexualidade. Diante das dificuldades de tocar e de sentir sem preconceitos o
próprio corpo nos é transmitido historicamente e atualmente continua reeditada no presente com
suas marcas tal como nossas impressões digitais. Visto que “nesse contexto o “não-dito” das mães
revelam a repressão sexual e a história da deficiência, tendo em vista que a um só tempo, reproduz
o estigma de ser o DV desinteressante, assexuado e deserotizado (CHAUÍ, 1984 p. 8)”. Cientes que
seu silenciamento não representa garantias que seu filho não está tendo orientação sexual, porém
recebem muitas vezes por intermédio de gestos, timbre da voz, comentários sobre fatos que
ocorrem no cotidiano e também pelo modo como a linguagem do toque é vivenciada no universo
familiar.
23
Para o contexto familiar, a pessoa deficiente muitas vezes é tratada como um ser
inferiorizado, incapaz de executar qualquer atividade ou decidir por si mesma, havendo uma
subestimação de potencialidades e capacidades, fazendo com que a aquisição da identidade social
seja mais tardia do que ocorre com o indivíduo “são” (GOFFMAN, 1988, p.15). Esta autora relata
que, com base em uma ‘imperfeição original’ (a incapacidade real) há uma tendência a se inferir
uma série de outras ‘imperfeições’, sendo frequente observar, por exemplo, alguém tratando um
deficiente visual como se fosse surdo, falando alto com ele, ou, ainda, como se fosse aleijado,
tentando levantá-lo.
Ressalta-se que à dificuldades encontradas pelos pais em lidar com a sexualidade e DV de
seu filho(a) adolescentes, visto que transferem seu papel educativo a terceiros, reproduzindo
maneiras de controlar perpetuando por muitas gerações esse ciclo. Sendo assim, a maioria dos pais
atribuem essa tarefa a escola, que por sua vez também não está preparada para o cumprimento desta
responsabilidade (BEZERRA E PAGLIUCA, 2010). Glat (2004) salienta que as instituições mais
próximas da criança – família e escola – não aceitam qualquer atitude ou comportamento que não
seja considerado “normal”, e esta faixa de normalidade é, geralmente, muito estreita, em relação à
cultura liberal contemporânea. Ela não acolhe as manifestações de curiosidade e exibicionismo,
muitas vezes comuns na criança, não aceita expressões de intimidade física entre jovens que são
mostradas (e servem de modelo) livremente pela mídia, e ainda considera qualquer comportamento
com conotações sexuais como desvio ou distúrbio de personalidade. Nas palavras dessa autora
“quando se trata de crianças ou jovens com necessidades especiais, então, somam-se outros
estereótipos e preconceitos. É comum ouvirmos, dos adultos, comentários como: “Se ele não
consegue nem aprender, como é que fica tão curioso com esses assuntos?” “Será que isto não
acontece porque ele tem outros problemas também? (GLAT, 2004, p. 5)”.
Sendo assim, a escola e a família não se sentem seguras para lidar com as manifestações se-
xuais destes jovens, porque têm dificuldade em lidar com os demais comportamentos das pessoas
“especiais”. Esta atitude tem duas principais conseqüências de acordo com Glat 2004: por um lado
afeta a construção da identidade e do auto-conceito do jovem com deficiências, já que a sexualidade
tem enorme importância neste processo.
Por outro potencializam-se os riscos provocados pelo desconhecimento da própria sexuali-
dade, em um momento do ciclo vital em que ela é vivenciada de forma tão intensa. Em ou-
tras palavras, no caso de jovens com deficiências, aos preconceitos quanto à sua sexualida-
de e às dificuldades de difusão de informações e orientações sobre sexo por parte dos adul-
tos significativos, agregam-se a processos excludentes e estigmatizantes, que dificultam
ainda mais sua inclusão social (GLAT, 2004).
Nesse sentido, a criança cega poderia viver em um ambiente familiar favorável que não a
24
exclua das expressões relativas à sexualidade e que favoreça uma educação sexual esclarecedora.
Segundo Alzugaray e Alzugaray (1995): é fácil ocultar a realidade da criança cega, por exemplo,
algumas pessoas vacilam em dar nomes às zonas genitais, e não permitem que as crianças
conheçam certas partes do corpo das outras pessoas. Assim, ela pode se enganar quanto ao
tamanho, forma ou localização dos órgãos genitais. Por isso, é necessário familiarizá-la desde
pequena com seu formato e função, tanto do seu próprio sexo como com os do sexo oposto
(ALZUGARAY e ALZUGARAY, 1995). Essa portanto, é uma realidade apresentada por diversos
estudos, realizados com populações de diferentes situações socioeconômicas e regiões geográficas,
e referentes aos diferentes tipos de deficiência, apontam um grande despreparo, tanto das famílias
quanto dos profissionais da saúde e da educação, para lidar com a sexualidade de jovens com
deficiências. Alguns autores acreditam que parte do problema deve-se à dificuldade desses adultos
com a sua própria sexualidade, e recomendam que a escola/instituição desenvolva programa de
educação sexual destinados aos pais e aos professores (GOFFMAN, 1988; RIBEIRO, 1995; GLAT,
2004).
Por derradeiro, Bruns (2004) comenta que as relações familiares são fundamentais na
promoção do desenvolvimento saudável de crianças com deficiências, especialmente para promover
um ajustamento social que será importante na vida adulta sexual e afetiva. O processo para o
desenvolvimento afetivo e social do portador de cegueira tem início com o ajustamento para a
aceitação desse indivíduo no seio familiar, onde devem ocorrer os primeiros e adequados estímulos
que possibilitarão a sua adaptação ao ambiente sociocultural no qual está inserido.
25
3. MÉTODO
3.1 Caracterização da Pesquisa
O presente estudo adotou um delineamento qualitativo, uma vez que não se baseia em
cálculos ou números, mas no conteúdo das informações obtidas nas respostas dos participantes. Gil
(1999) salientou que os estudos qualitativos proporcionaram maior familiaridade com o problema,
com vistas a torná-lo mais explícito. Este tipo de investigação visou descrever características de
grupos (idade, sexo, procedência etc.) buscou-se o levantamento de opiniões, atitudes e crenças de
uma população. Portanto Chizzotti (2001) pontuou que a pesquisa qualitativa parte do fundamento
que há uma relação dinâmica entre o mundo real e o sujeito, uma interdependência entre o sujeito e
o objeto, um vínculo indissociável entre o mundo, objeto e a subjetividade do sujeito. Sendo a
mesma de cunho descritivo. Tendo-se em vista seus objetivos, podendo ser classificado como
descritivo.
Para Moreira (2008) a pesquisa descritiva foi um estudo de status amplamente utilizados nas
ciências comportamentais e na educação. Portanto o seu valor baseou-se na conclusão de que seus
problemas foram solucionados e as práticas aperfeiçoadas por meio de observação clara e
minuciosa, da criação e da análise. No entanto foram incluídos na categoria descritiva, muitas
técnicas e métodos de solução de problemas.
3.2 Universo da Pesquisa
A presente pesquisa realizou-se junto a uma instituição voltada ao atendimento/orientação
de pessoas com deficiência visual da cidade de Lages- SC. Esta instituição conta atualmente com
cem (100) associados/Deficientes Visuais, e quatro funcionários, sendo uma contratada pela
instituição e três pela prefeitura, e funciona em horário comercial.
Participaram da presente pesquisa seis associados (as) com DV, sendo três participantes do
sexo masculino e três do sexo feminino. Os critérios de inclusão dos sujeitos no estudo foram: ter
idade a partir de 18 anos, para se evitar a necessidade de autorização de pais ou responsáveis, e que
tivessem disponibilidade em participar da pesquisa. Logo, poderiam ser jovens e adultos até meia
idade, haja vista, que o objetivo era analisar como se deu o processo de educação sexual por parte
26
de suas famílias, e não necessariamente buscou-se uma faixa do desenvolvimento em especial.
Quanto à limitação do número de participantes, deu-se pelo método de saturação1
. Entre os
associados do sexo masculino que frequentam a instituição, em sua maioria são menores de 18 anos
ou com idade acima de 40 anos. Dos três participantes masculinos que correspondiam à este
critério, um não foi autorizado pela família a participar do estudo. Em relação à participação das
mulheres, foi possível encontrar maior número de participantes que correspondiam à esse critério. O
quadro a seguir apresenta a caracterização dos participantes da pesquisa, onde estes podem ser
identificados por nomes fictícios, relacionados a sentimentos, para garantir o sigilo da identidade
dos participantes. A escolha de sentimentos também ilustra a sensibilidade das pessoas com
deficiência.
Quadro 1: Caracterização dos participantes
Nome Idade Sexo Estado
Civil
Escolaridade Causa da Deficiência
visual
Alegria 38 anos Feminino Solteira Ensino médio
completo
Queima do nervo
óptico
Amor 22 anos Masculino Solteiro Cursando o ensino
médio
Catarata,
descolamento da retina
Carinho 24 anos Masculino Solteiro Cursando o ensino
superior
toxoplasmose
Entusiasmo 44 anos Masculino Casado Superior completo Consanguinidade
(incerto)
Esperança 32 anos Feminino Casada Especialista Consanguinidade
Simpatia 28 anos Feminino Solteira Cursando supletivo toxoplasmose
Fonte: pesquisa 2011
Vale ressaltar a fala de Amiralian (1997) pois assinala que as pessoas cegas possuem uma
deficiência sensorial, ausência da visão que as limita em suas possibilidades de compreensão do
mundo externo, o que interferem em seu desenvolvimento e ajustamento às situações cotidianas da
vida, no entanto em níveis que diferenciam esse comprometimento. Segundo a Fundação
Catarinense de Educação Especial (2001) baixa- visão é o comprometimento do funcionamento
visual de ambos os olhos, mesmo após tratamento ou correção. Cegueira é a perda total ou o resíduo
mínimo de visão. Sendo a experiência destes últimos, que interessou a esta pesquisa.
Nesse viés, ressalta-se que optou-se por sujeitos na fase do desenvolvimento adulta jovem,
tendo se em vista, que os mesmos já passaram pelos principais processos envoltos a adolescência.
1 Amostragem por saturação é freqüentemente empregada nas investigações qualitativas. É usada para estabelecer ou
fechar o tamanho final de uma amostra em estudo, interrompendo a captação de novos componentes (FONTANELLA,
et all, 2008).
27
Eizirik, Kapczinski, Bassols (2001) relatam que a passagem do adulto jovem para a idade adulta é
lenta e gradual, sem modificações rudes físicas ou psicológicas, ao contrário da infância para a
adolescência. No entanto resumir e reavaliar são características marcantes do período, mesmo que
não hajam mudanças notáveis.
A amostra realizada foi não-probabilística e por conveniência, pois não foram todos os
associados(as) que frequentam esta instituição que puderam participar da pesquisa. Desse modo,
inicialmente realizou-se um contato verbal com o presidente da instituição, onde foram expostos os
objetivos da pesquisa e solicitou-se sua autorização para a realização. Após a autorização do
presidente, foi solicitado que ele próprio indicasse alguns dos participantes, selecionados pela
pesquisadora de acordo com a disponibilidade de ambos.
3.3 Procedimentos de Coleta de Dados
Num primeiro encontro, foi realizado um contato com os/as participantes, nas próprias
instalações da instituição, após indicação do presidente. Nesse momento foram marcadas as datas
para coleta de dados. A coleta de dados aconteceu junto às instalações da UNIPLAC, nas
instalações da instituição que atende pessoas com DV, e em uma escola de jovens e adultos da
cidade. Esses locais foram definidos de acordo com a disponibilidade tanto dos participantes quanto
da pesquisadora. Além todos os locais onde aconteceram as entrevistas, garantiram o isolamento
acústico e a não interrupção, estando os participantes a vontade para responderem os
questionamentos sem constrangimento. Destaca-se que o projeto dessa pesquisa foi aprovado pelo
Comitê de Ética em Pesquisas com Seres Humanos da Uniplac, no dia 27 de julho de 2001, sob o
número de protocolo 038-11.
Na data marcada para a coleta de dados, os participantes receberam o Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido (Anexo I), onde foram informados sobre o teor e objetivos da
pesquisa, conforme a Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde. As entrevistas tiveram
início somente após a assinatura do TCLE por parte dos participantes, onde foi ressaltado a
importância de sua participação. Como instrumento para coleta de dados, utilizou-se de uma
entrevista semi-estruturada (Apêndice I). Salienta-se que para coleta dos dados, pelo fato de a
pesquisadora ser deficiente visual, contou com o auxílio de uma psicóloga para o processo de
gravação das entrevistas e leitura do TCLE, mantendo igualmente o compromisso com o sigilo das
informações. As respostas obtidas através dos participantes, após gravadas, foram transcritas
fidedignamente, para posterior análise fundamentada. Nesse contexto, vale destacar que a:
28
A partir do referencial teórico, elaborou-se a entrevista (Roteiro - Apêndice I) que norteou a
presente pesquisa. Ao que se refere ao uso de entrevistas semi-estruturadas, Boni & Quaresma
(2005) salientam que esta combina perguntas abertas e fechadas, onde o informante tem a
possibilidade de discorrer sobre o tema proposto pelo pesquisador, seguindo um conjunto de
questões previamente definidas, mas a conduz semelhante a uma conversa informal. Entretanto, o
pesquisador fica atento para dirigir, no momento em que julgue oportuno, a discussão para o
assunto que o interesse. Para tanto, pode fazer uso de perguntas adicionais para elucidar as questões
que não ficaram claras ou auxiliar a compor o contexto da entrevista, caso o pesquisado tenha
“fugido” ou tenha dificuldades com ele.
Além disso, destaca-se que a entrevista semi-estruturada é uma técnica de coleta de dados
que supõe uma conversação continuada entre informante e pesquisador e que é dirigida por este de
acordo com seus objetivos. Desse modo, da vida do informante só interessa aquilo que vem se
inserir diretamente no domínio da pesquisa. Considera-se que, por essa razão, existe uma distinção
nítida entre narrador e pesquisador, pois ambos se envolvem na situação de entrevistas movidos por
interesses diferentes (CHIZZOTTI, 2001).
3.4 Procedimentos de Análise de Dados
A análise de conteúdos de Bardin (1970) teve sua origem no final do século passado, onde
suas características e diferentes abordagens, no entanto foram ampliados nos últimos cinqüenta
anos. Mesmo sendo uma fase de produtividade, ou seja, orientada por padrões alicerçados nos
princípios positivistas, reconhecendo sua objetividade e a quantificação, esta metodologia de análise
de dados vem atingindo novas provocações de possibilidades na proporção em que se integra cada
vez mais na exploração de mensagens e informações. Ainda que esporadicamente não com a
denominação de análise de conteúdo, mas sim persuasivo em trabalho de natureza dialética,
fenomenológica e etnográfica, além de outros.
Há diversas descrições diferenciadas sobre a análise de conteúdo, no caso deste estudo,
foram interpretadas em cinco etapas:
• Preparação das informações;
• Unitarização ou transferência do conteúdo em unidades;
• Categorização ou classificação das unidades em categorias;
• Descrição;
29
• Interpretação.
3.5 Análise de Riscos e Benefícios
Seguindo a Resolução 196/96 que diz respeito às normas éticas da pesquisa com seres
humano, foi apresentado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido - TCLE para os próprios
participantes haja vista, que são sujeitos com DV, com idades superiores à dezoito anos. O sigilo
quanto à identidade e as informações fornecidas foram preservados, esta entrevista não apresentou
danos graves ao bem estar físico, moral ou psicológico, porém, o entrevistado que se sentiu lesado
ou mobilizado, foi encaminhado pela pesquisadora ao Serviço-Escola de Psicologia da UNIPLAC,
para acompanhamento psicológico gratuito.
Como benefício, esta pesquisa procurou desvelar, mesmo que modestamente, a forma como
as famílias lidam com o processo de educação sexual de seus(as) filhos(as) deficientes visuais,
contribuindo assim, para a construção de novas práticas por parte da psicologia. Embora, que
estudos apontam que a simples idéia de que alguma pessoa com deficiência física ou mental possa
ter desejos sexuais, costuma ser incômoda, quando não repugnante, para a maioria das pessoas.
Esquece-se assim, que a sexualidade não é uma atividade genital, mas, sim, a mais íntima
manifestação de vida; nosso desejo mais primário no que tange a amar e ser amado (PINEL,1999).
30
4. ANÁLISE E DISCUSSÃO DE DADOS
Este capítulo descreve a análise dos dados obtidos na realização desta pesquisa. Organizou-
se em categorias as falas dos sujeitos, tendo-se em vista que estas agregam cinco eixos de análise
que compõem este item, dentre estes: 1) Causas da cegueira; 2) Interfaces da vida cotidiana do DV:
amizades, atividades e relacionamentos; 3) Nuances de um corpo velado: o estigma da deficiência
visual; 4) Educação sexual x DV: a omissão do diálogo aberto nas família; 5) Narrativas em torno
de métodos contraceptivos, doenças sexualmente transmissíveis/AIDS, conforme pode ser
visualizado no texto a seguir.
4. 1 Causas da cegueira sob a perspectiva dos DVs
A deficiência visual é um termo empregado para referir-se à perda visual que não pode ser
corrigida com lentes por prescrição regular. Compreende tanto a cegueira total, ou seja, a perda
total da visão nos dois olhos, quanto a visão subnormal, que é uma irreversível e acentuada
diminuição da acuidade visual que não se consegue corrigir pelos recursos ópticos comuns
(FUNDAÇÃO HILTON ROCHA citado por MOURA E ROCHA, 2006). Contudo, todos os
participantes desse estudo apresentam perda total da visão.
Esta categoria aborda as causas que podem estar associadas ao diagnóstico de deficiência
visual na concepção dos participantes. Observou-se que os motivos da cegueira são diversificados.
Nota-se que cinco participantes tem certeza sobre essas causas, e apenas um tem dúvida. Entre eles,
dois casos referem-se à toxoplasmose, dois casos de consanguinidade, um caso de catarata e outro
foi um possível caso de Retinopatia da Prematuridade. Ao que tange esta ultima, resulta da
exposição de bebês prematuros, à aplicação de oxigênio na incubadora, ou seja, há o surgimento de
uma massa fibrosa na região central da retina que pode levar ao seu descolamento (LIMA, NASSIF,
FELIPPE, 2008).
Por descolamento de Retina, compreende-se por orifícios, dilaceramentos e separação entre
a retina e a coróide que geram consequente traumatismo ou enfermidades oculares (LIMA, NASSIF
E FELIPPE, 2008). Já por Catarata é a denominação dada a qualquer opacidade do cristalino, que
não necessariamente afete a visão. É a maior causa de cegueira tratável nos países em
31
desenvolvimento. Segundo a Organização Mundial de Saúde, citado por Centurion (2003), há 45
milhões de cegos no mundo, dos quais 40% são devidos à catarata. As causas não estão bem
definidas, porém estudos epidemiológicos revelam associação de catarata à idade. Inúmeros fatores
de risco podem provocar ou acelerar o aparecimento de catarata, incluindo medicamentos,
substâncias tóxicas, doenças metabólicas, trauma, radiações, doença ocular, cirurgia intra-ocular
prévia, infecção durante a gravidez e fatores nutricionais (CENTURION, 2003). A catarata
congênita, para Santos e Vegini (2006) assim como o glaucoma congênito, podem ter seus efeitos
deletérios sobre a visão minimizados com o diagnóstico e o tratamento precoces.
Dentre principais infecções congênitas com acometimento oftalmológico são a
toxoplasmose, a rubéola e o citomegalovírus (CMV). A toxoplasmose2
é uma importante causa de
baixa de visão em crianças. Mais de 82% dos indivíduos com infecção congênita, se não tratados
durante o primeiro ano de vida, desenvolvem lesões coriorretinianas até a adolescência. O
tratamento desses casos reduz para 58% a porcentagem de lesões coriorretinianas observadas
(GRAZIANO, 2003). Seu agente etiológico é o Toxoplasma gondi, sendo identificados em seu ciclo
de vida complexo dois hospedeiros: o gato, como hospedeiro definitivo e o homem, mamíferos e
aves, como hospedeiros intermediários. Pode ser transmitida de diversas maneiras, como po
exemplo, pela ingestão de oocistos encontrados na terra, areia e nos alimentos, de cistos teciduais
encontrados nas carnes cruas e mal cozidas de porco, carneiro e bovina, e por via transplacentária.
Mais raramente ocorre a transmissão por meio de transfusão sanguínea, transplante de órgãos e
acidente em laboratório. A infecção toxoplásmica ocorre em todo o mundo, sendo que de 70 a
100% dos adultos são considerados infectados (FILHO et al, 2005). Segundo Santos e Vegini
(2006), a toxoplasmose pode ter sua prevalência diminuída por meio de um controle mais rigoroso
das doenças infecciosas no pré-natal, dos hábitos alimentares e higiênicos.
Além disso, a relação entre anomalias congênitas e consanguinidade é observada em várias
investigações científicas. Um estudo que verificava a presença de anomalias congênitas em crianças
provenientes de casamentos consanguíneos encontrou uma associação significante entre
consanguinidade de primeiro grau e anomalias como paralisia cerebral, fibrose cística, retardo
físico, cegueira congênita assim como fissura palatina. Estudo realizado na América Latina
mostraram que 5.931 crianças, de um total de 32.845, eram provenientes de casamentos
consanguíneos e apresentavam anomalias congênitas (AQUINO, 2011). Logo, abaixo, adentrar-se
nas produções discursivas dos participantes ao que tange as amizades, atividades e relacionamnetos.
2 A toxoplasmose é uma zoonose, doença transmissíveis de animais para o homem ou vice-versa.
32
4.2 Interfaces da vida cotidiana do DV: amizades, atividades e relacionamentos
Nesta categoria, passamos agora a compreender a vida cotidiana desses sujeitos, ao que se
refere às amizades, relacionamentos afetivos e atividade de lazer e trabalho. Pode-se observar que
as limitações geradas pela deficiência, não interferem para que saiam sozinhos com os amigos,
alguns destes trabalham ou estudam. Buscam achar soluções para suas dificuldades do cotidiano,
com exceção de Esperança, que descreve não manter muitas atividades sociais. Dentre os
programas mais realizados, destacam:
“Vou bastante na associação dos deficientes visuais, eu gosto de café colonial” (Alegria)
“Só estudar. Eu participava dos esportes, mas daí eu não quis mais participar pra poder es-
tudar, né.” (Simpatia)
“Frequentemente, não.” (Esperança)
“Quando eu era solteira. A gente costumava mais ir pra camping, festinhas assim, barzi-
nho.” (Carinho)
“Há um tempo atrás era tomar cerveja, escutar um futebol.” (Entusiasmo)
“Costumo ir em boates, em bar, depende, depende do momento, do dia.” (Amor)
Pode se observar que as preferências dos participantes ao que tange atividades de lazer e di-
versão são as mesmas de qualquer outros adultos jovens. Contudo, tais depoimentos parecem adqui-
rir uma dimensão maior por se tratar de atividades que não podem desempenhar sozinhos. Quanto
ao circulo de amizades, que construíram ao longo de suas vidas três participantes destacam que em
sua maioria são deficientes, contudo os outros três participantes salientam que ambos deficientes e
não deficientes fazem parte do seu circulo de amizades. Observa-se que o fato de reconhecer no ou-
tro, as suas dificuldades, faz com que se sintam mais acolhidos em suas particularidades. Vale sali-
entar que, uma das queixas mais frequentes entre os participantes deste estudo, se refere às poucas
oportunidades que os jovens tinham de vivenciar experiências e atividades próprias da juventude,
com grupos de seu interesse enquanto adolescentes, forçando-os ao convívio social restrito a pró-
pria família até pouco tempo em alguns casos.
Na concepção de Moukarzel (2003) tal atitude da família, tem colaborado para acentuar
comportamentos considerados inadequados, reforçando a crença das dificuldades de adaptação e
aquisição de habilidades sociais entre os deficientes visuais e o sentimento de insegurança, fragili-
33
dade e dependência, além de revolta e indignação entre os jovens. Assim, a carência de oportunida-
des para se envolverem com outros grupos dificulta o estabelecimento de vínculos afetivo-sexuais,
impedindo-os de aprender a desenvolver com responsabilidade relacionamentos amorosos, tão im-
portantes para a compreensão de sua própria sexualidade.
Estas restrições tornam-se ainda mais acentuadas quando envolvem as pessoas do sexo femi-
nino, para as quais as famílias costumam manter um controle mais acirrado. Tal realidade pode ser
analisada na vivência de Simpatia, que afirma ser virgem, assim como também de Alegria, que ex-
pressam a busca de um parceiro, contudo com certas dificuldades, tendo-se em vista as nuances fa-
miliares.
O namoro, também se faz presente nos discursos dos participantes, pois alguns relatam que
no momento encontram-se solteiros, mas que já mantiveram uma relação estável. Apenas Esperança
relata não ter tido uma relação mais duradoura até o presente momento. Quando questionados sobre
qual a diferença que estes atribuíam ao “ficar”e ao “namorar”. Essas concepções estavam ligadas ao
“efêmero” ficar, e ao “contato mais íntimo, comprometido, mais sólido” com o namorar, conforme
depoimentos abaixo:
“Assim eu... rolou beijos, só beijos e abraços, a gente namorou 4 meses, mas não rolou
mais nada. Ficar eu não sei, eu beijava ele, eu abraçava, a gente andava junto, ficava
junto, mas ficar assim eu não sei.” (Simpatia)
“Penso que ficar é algo passageiro, e namorar é o fixo mesmo, algo mais fixo, com
mais comprometimento, compromisso.” (Esperança)
“A diferença entre ficar e namorar é que ficar é momentâneo, seja com transa ou sem
transa, com sexo ou sem sexo, e o namorar é um pouquinho mais comprometido, tem
um pouquinho de mais compromisso com o outro.” (Entusiasmo)
Nesse viés, Moukarzel (2003) destaca que para os jovens com deficiência, namorar é uma
das atividades mais cobiçadas representando, para a maioria, talvez a única oportunidade de
aproximação íntima e compartilhamento afetivo com o outro. Poucas, porém, são as chances e o
entendimento, por parte da família e da sociedade, do significado deste ato para o jovem com
deficiência, ainda percebido com preconceito e alvo de muitas interdições. Namorar, beijar,
acariciar, amar e sentir-se amado são sensações e experiências desejadas por qualquer pessoa. No
entanto, a maioria dos adolescentes com deficiência é impedida de envolver-se em relacionamentos
amorosos, por predominar entre suas famílias a idéia que o namoro levará, infalivelmente, ao desejo
de relacionar-se sexualmente. Para os jovens, a frustração pelo tolhimento de suas aspirações
34
erótico-afetivas os coloca numa situação de inferioridade perante os demais, com repercussões
intensas em seu comportamento. Para esta autora, aqueles que conseguem vencer as barreiras
familiares, em geral, mostram-se mais tranquilos, alegres e confiantes, experimentando as mesmas
descobertas e dissabores de outros relacionamentos.
Ainda nesse viés, destaca-se que quatro participantes apresentam um enfoque biologicista3
,
ao descreverem o que seria ter uma relação sexual, “transar”, a exemplo da fala de Entusiasmo: “a
transa é apenas o ato de copular, introduzir o pênis na vagina”. Muito embora, a fala de Amor,
destaca esta como sendo um ato afetivo, nas palavras do mesmo:“Uma relação eu acredito que tem
que envolver sentimentos”. Simpatia relata contudo, nunca ter tido uma relação sexual e respondera
não saber ao certo do que se trata. Ao que tange essa última fala, vale destacar que a desinformação
ainda é o maior obstáculo para a elaboração de conceitos e posicionamentos próprios frente a estas
questões, independente da natureza de suas limitações. Mesmo entre aqueles DV que têm ou já tive-
ram vida sexual ativa, as noções são bastante precárias, tornando-os susceptíveis a situações de ris-
co em níveis e instâncias variadas (MOUKARZEL, 2003). Reconhecer a cidadania destas pessoas
implica também em reconhecer seu direito de escolha, oferecendo-lhes o apoio para que possam as-
sumir com segurança e responsabilidade suas decisões, fato incomum nos ambientes em que convi-
vem.
Quando se aborda o tema corpo/organismo, ligando-o principalmente ao aspecto biológico e
reprodutivo, acaba-se por secundarizar ou mesmo silenciar outras questões, tais como relações,
constituição de gênero, afetos, e outros aspectos que fazem parte da sexualidade, desprezando assim
a realidade, a diversidade e o multiculturalismo (BRAGA, 2006). Fernández, citado por Salla e
Quintana (2002), traz uma distinção entre organismo/corpo e explicita: "Organismo é o
equipamento genético-infra-estrutural neurofisiológico de todas as coordenações possíveis. O
organismo é recebido por herança". Enquanto por corpo entende-se uma construção realizada sobre
a "matéria-prima" fornecida pelo organismo que, atravessado pela inteligência e pelo desejo, em um
momento histórico determinado, transforma-se em corpo.
Nesse sentido, entende-se que o corpo compreende o substrato orgânico fornecido pelo
organismo, mas transcende esse organismo quando passa a ter uma lugar social, um papel na
história e um psiquismo. Considerando-se essas definições, parece que as concepções acerca da
sexualidade estão mais associadas ao "organismo" do que ao "corpo" propriamente dito, realizando
uma cisão que elimina o desejo e o afeto e reduzindo, assim, a sexualidade ao organismo (SALLA e
QUINTANA, 2002).
3 Enfoque biologicista não compreende ou não considera adequadamente as dimensões sócio-econômicas e culturais
envolvidas nos processos (TRAD e BASTOS, 1998).
35
Assim, quanto aos que já haviam tido uma relação sexual destaca-se, que estes iniciaram na
adolescência, ou como no caso de Carinho, aos 22 anos, na fase de adulto jovem. Ademais, relatam
que nunca foram assediados por adultos, através de propostas inconvenientes, ou atitudes hostis.
Contudo, alguns valores sociais mais cristalizados em torno da estruturação de um relacionamento
se fizeram presentes no discurso de dois participantes:
“Ficar eu mesma particularmente nunca fiquei. Eu tive três namorados e sempre que eu
iniciava um relacionamento eu dizia se é pra ter algo sério a gente continua senão já pa-
ramos por aqui, porque eu nunca fui a favor de ficar, ficar não envolve nenhum tipo de
compromisso então pra mim ficar não existe, ou é namorou ou não é nada” (Carinho)
“Ah, ficar não é uma coisa muito séria, né? Já namorar é uma coisa mais séria, é pra
casar. Existe diferença” (Alegria)
No entanto, pode-se observar nas entre linhas desses discursos que o casamento, como insti-
tuição consagrada na cultura cristã, habita o imaginário afetivo-sexual destas pessoas, não sendo di-
ferente para o portador de deficiência visual que, como se sabe, assimila as regras e valores morais
de seu contexto social. Assim para Moukarzel (2003) o mesmo imperativo ideológico que o faz in-
corporar tais conceitos, impõe também os dispositivos de exclusão para a vivência compartilhada de
seus desejos. No tocante a esta questão, dois imperativos de negação se sobrepõem: de um lado, as
injunções morais de negação do prazer e, de outro, as reminiscências teóricas sobre o caráter dege-
nerativo da deficiência. Na atualidade, mais um fator vem se agregar a tais impedimentos: as ques-
tões de ordem econômica na manutenção da vida familiar.
4.3 Nuances de um corpo velado: o estigma da deficiência visual
Essa categoria aborda a relação dos sujeitos entrevistados com o seu próprio corpo, bem
como, se reconhecem práticas auto-eróticas, como a masturbação, como forma de auto-prazer e
reconhecimento corpóreo. Nesse viés, Bruns (1995) destaca que o corpo, como instância
privilegiada do desejo e das sensações gratificantes e prazerosas, vem sendo alvo de controle e
interdições que remontam aos primórdios da vida social, passando por períodos de maior ou menor
afrouxamento das práticas sexuais. Na sociedade brasileira, é a partir da década de 20 que uma
tecnologia de depuramento racial e disciplinamento vai atuar com mais intensidade sobre a família,
por meio das políticas higienistas que se instauram com vistas a alavancar o desenvolvimento
36
urbano e industrial.
Na defesa de uma política eugenista para o Brasil em 1933, Octavio Domingues,
recomendava medidas chamadas positivas com finalidade de promover as uniões dos melhores
elementos raciais, isto é, do matrimônio dos bem-dotados, de modo que sejam estes os povoadores
do país. Há também que desaconselhar os conúbios ou a geração entre indivíduos que apresentam
flagrante, na sua ascendência, tipos com males hereditários, um hemofílico por exemplo, um
toxicômano declarado, um anormal, um coreico, um epileptico mioclonico, um cego hereditário, um
diabético, etc (MARQUES apud MOUKARZEL, 2003). Assim, estas medidas profiláticas, com
seus mecanismos reguladores dos processos biológicos, vão consolidar uma desastrosa ideologia de
negação da sexualidade dos considerados imperfeitos ou desajustados, desdobrando-se em
prescrições impeditivas da vivência sexual que se estendem aos dias atuais, impedindo que pais e
profissionais possam admitir, por força de suas concepções morais e culturais, novas orientações a
esse respeito afrontando, inclusive, direitos já reconhecidos.
Nos exemplos abaixo, é possível perceber o temor e a resistência dos(as) participantes em
falar sobre a sua relação com o seu próprio corpo. A maioria dos(as) participantes destaca que o
toque ocorre em situações de necessidades de higiene, ademais, dois participantes relatam não se
tocarem, dessa forma é possível se observar como o próprio corpo para o DV torna-se fato obscuro.
Observa-se assim que esse tema é percebido como um tabu, onde quando ocorre o toque ao próprio
corpo, é motivado por necessidade e não por curiosidade, além de causar certo constrangimento. A
seguir duas falas ilustram essa observação:
“Costumo (...) Assim né, quando a gente vai tomar banho, quando vai se arrumar né,
quando a gente tá menstruada vai trocar o modes.” (Simpatia)
“Muitas amigas perguntam se eu não tenho vontade, eu digo não. Eu tomo banho bem
rapidinho.” (Alegria)
Vale destacar nesse contexto, que a experiência da sexualidade e da corporalidade de modo
geral, é fator integrante do processo de formação de identidade, que por sua vez é determinado, em
grande parte, pelas mensagens que o indivíduo recebe no convívio com outras pessoas. A formação
de identidade pessoal é a essência do processo de socialização, e consiste em comparar -se e ajustar-
se aos padrões reconhecidos como “normais” pelo grupo social. A imagem que um indivíduo tem
de si e de seu corpo é definida a partir das percepções e representações que os outros membros do
seu grupo social fazem dele, portanto, pessoas com deficiências, assim como outras minorias desvi-
antes, por não conseguirem aderir aos padrões sociais de normalidade, são considerados anormais
37
(fora da norma), sendo marginalizados ou excluídos da vida social. Em função desta situação de
vida estigmatizada, desenvolvem uma personalidade, identidade pessoal, ou maneira de ser no mun-
do incompleta, fragmentada, “excepcional” (GLAT, 2004).
Para Madeira (2009) citado por Gesser (2010), portanto, o padrão de corpo e a forma de se
relacionar com o mesmo, as atribuições de gênero e o padrão de sexualidade operam como uma vio-
lência normativa que tende a oprimir material e simbolicamente as pessoas com deficiência (embora
os processos de apropriação dessa experiência sejam marcados pela singularidade que contribui
para que sintam e lidem com essa opressão de forma diferenciada). Portanto, para Gesser (2010) a
deficiência é uma construção social decorrente de condições históricas, materiais e políticas que
marginalizam e excluem as pessoas com deficiência.
Esta concepção teórica possibilita entender que a deficiência é constituída pela hegemonia
das significações de normalidade presentes nos diferentes momentos históricos que vão
sendo apropriadas pelos sujeitos, com e sem deficiência, nas relações sociais cotidianas e
pela implicação que essa hegemonia tem na construção dos espaços públicos padronizados
a um único tipo de corpo. Para esta autora “essas significações dão a idéia de que existe um
corpo “completo”, “perfeito”, “ideal” e que este é a única possibilidade de ser no mundo”.
(GESSER, 2010, p.11. Grifos da autora).
Contudo, as deficiências sensoriais não produzem limitações nos mecanismos de respostas
sexuais, mas dificuldades na adaptação do indivíduo ao seu meio social. O desenvolvimento da
sexualidade da pessoa com deficiência visual torna-se limitado devido ao comprometimento na
possibilidade de aprender e principalmente na construção das representações subjetivas da auto-
imagem, noção de estrutura corporal e conhecimento das partes anatômicas, ou seja, os processos
psicossociais da sexualidade (MAIA, 2006).
Desse modo, é preciso que a educação sexual destinada à pessoa com deficiência sensorial
valorize características físicas e psicológicas do sexo oposto, pois o que não se conhece converte-se
em algo misterioso e intimidador, o que dá lugar a falsas expectativas, fantasias e inseguranças,
complexos e repressões. Assim, há uma dificuldade da pessoa cega em conhecer adequadamente
aspectos básicos da sexualidade, como diferenças entre gêneros e anatomia do corpo humano
(MAIA, 2006).
Para Gaio (2006) já foram ultrapassados os períodos da história onde a sociedade não
possuía uma organização formal, e por isso também não possuía condições de atender aos
deficientes, como na sociedade primitiva; já passou o período em que a Educação Física era
praticada para gerar corpos fortes para combates em nome da pátria, como na Antiguidade; já não
se pensa mais no corpo como fonte de pecado, como na Idade Média, por isso não é mais preciso
esconder o corpo com deficiência; já se passou do sistema feudal para o sistema capitalista, o que
38
também modifica a relação com o corpo. No século XXI, evoluí-se em tecnologia, em
comunicação, mas ainda há muito a se fazer em relação ao exercício da prática social da aceitação
de corpos diferentes (GAIO, 2006). Ademais, para Golçalves, citado por Gaio (2006), a forma
como o homem lida com sua corporalidade, os regulamentos e o controle do comportamento
corporal não são universais e constantes, mas sim uma construção social, resultante de um processo
histórico. Cada corpo, expressa a história acumulada de uma sociedade que nele marca seus valores,
suas crenças e seus sentimentos, que estão na base da vida social.
Vale ressaltar que uma das principais características do modo fugaz de vivenciar a
sexualidade na contemporaneidade se constitui no privilegiamento do sentido da visão. A
velocidade da mídia exige a velocidade do olhar. Inegavelmente, o olhar pode funcionar como uma
forma de aproximação, de sedução e de magnetismo no jogo erótico, constituindo uma linguagem
universal de atração; ou também de indiferença ou aversão entre as pessoas..O olhar representa um
estado inicial de atração, mas o momento seguinte à aproximação vincula-se, também, aos outros
sentidos: o tato, a audição, o olfato, que, aliados, compõem a atração pelo objeto desejado como um
todo. Nas relações amorosas, o gesto, o toque, a voz, o corpo, o beijo e o cheiro da pessoa amada
são percebidos em sua especificidade e totalidade erótica. Nestes momentos, cegos e não-cegos
transitam por horizontes singulares e, ao mesmo tempo, semelhantes. Contudo, diante dessa
realidade, são inúmeras as barreiras a serem ultrapassadas pela pessoa cega, desde a mais tenra
idade. O referencial de cognição da pessoa cega centraliza-se, particularmente, na percepção
auditiva, tátil, olfativa, fato que não recebeu, ainda, a devida atenção das políticas educacionais, dos
meios de comunicação e da sociedade como um todo (BRUNS, 2008).
Ao que tange a masturbação, esta é uma prática conhecida por todos, embora nota-se que
apesar de alguns sujeitos afirmarem que não se masturbam, confirmaram que às vezes tocam partes
do corpo. Contudo as moças não mostraram receio em falar sobre o tema, pois consideram a mas-
turbação como uma forma de tornar mais prazerosa a relação sexual. Pode-se observar ainda, que a
masturbação ganha sentidos múltiplos, que envolvem autoconhecer-se; como pode ser visto na fala
de Carinho: “Eu acredito que a pessoa ao se masturbar tá se autoconhecendo, tá sentindo prazer
por ela própria, é o auto-conhecimento do seu próprio corpo” Carinho, orgasmo sem relação sexu-
al: “Pra.. é só um passatempo. É pra você, com é que eu vou explicar, pra você gozar sem ter rela-
ção sexual” (Amor), prática para a vida sexual, como destacado por este participante: “Penso que é
um ato que dá início a uma vida sexual” (Esperança).
Contudo, Simpatia enfatiza, total desconhecimento dessa prática, ao expressar: “Não
entendo nada. Nem imagino como é”. Nota-se assim, a importância da desmistificação do corpo
“deficiente”, que ainda é vista pelo discurso moralista como a sede dos sentidos “depravados” e,
39
ancorado na “visão platônico-cristã, dissocia o amor espiritual do amor carnal e associa sexo ao
pecado” (ARANHA e MARTINS, apud BRUNS, 1995). O problema está centrado em questões
culturais e ideológicas que dizem respeito à realidade social e política da instituição familiar que,
por sua vez, repete na educação da criança com deficiência visual não só o estigma de incapaz,
como o de desinteressante e assexuado. Sendo assim, punidos em dose dupla.
Ademais, chama-se atenção para a necessidade de programas voltados a educação sexual in-
tensional e desmistificação de práticas como a masturbação, haja vista que a mesma torna-se um
meio de integração biopsíquica do indivíduo. E por meio dela, tanto o homem como a mulher, co-
meçam a tomar contato com seu próprio corpo, reações, sentimentos e sensações até então desco-
nhecidas. Esse contato com o próprio corpo facilita a aceitação e a consciência de que estão ocor-
rendo mudanças. A exploração desse corpo cria uma pessoa saudável, disponível, sem preocupa-
ções neurotizantes, pelo conhecimento de seus limites e possibilidades de realizações (SALLA E
QUINTANA, 2002).
Nesse mesmo viés, Moura e Pedro (2006) ressaltam que a cultura sexual de massa é quase
restrita a estímulos visuais. Faltam no Brasil programas de educação sexual intensional adaptados
ao deficiente visual. Já que esses indivíduos não podem aprender por imitação visual, o ideal seria
que todos os movimentos lhes fossem demonstrados e com eles juntamente realizados, explorando-
se, dessa forma, os sentidos remanescentes do deficiente visual, tato e audição, de modo a contribuir
para o melhor entendimento das informações de forma bastante superficial e não atendendo adequa-
damente às necessidades de um deficiente visual.
Conclui-se assim, que a exemplo do que expressa Bruns (1995) os entrevistados enquanto
deficientes visuais foram “educados” não abertamente para serem indefesos e dependentes, sendo-
lhes impressa, pelas próprias famílias, a idéia de que são inábeis e incapazes de alcançar uma vida
sexual plena e prazeirosa. Contudo, salienta-se que a conscientização e o apoio por parte da família
e da sociedade em geral são fundamentais para que os portadores de deficiência visual desenvolvam
suas potencialidades e adquiram autonomia. Ademais, no próximo item dar-se-á continuidade as
reflexões realizadas até aqui, adentrando-se por meio das narrativas dos participantes, na forma
como se deu a orientação sexual propriamente dita, no seio de suas famílias.
4.4 Educação sexual na DV: a omissão do diálogo aberto nas família
Nesta categoria, foram abordadas as educações parentais em termos de sexualidade e outros
aspectos relevantes da vida familiar, como, por exemplo, com quem conversam sobre assuntos rela-
40
cionados à sexualidade e quais os conteúdos e formas de orientações sexuais recebida; como acon-
teceu o processo de comunicação dos DVs com as famílias em relação as suas vivências afetivo-
sexuais. As falas expressam a forma como a família lidou com tal situação, participantes como
Alegria, Esperança e Entusiasmo enfatizam a dificuldade de alguns, quando não todos os membros
da família em entender que esta era somente mais uma forma de seus filhos expressarem que são
sujeitos que possuem os mesmos desejos e potencialidades que as pessoas tidas como não deficien-
tes ou diga-se, “eficientes”, conforme depoimentos:
“Ah meu pai achou normal, mas minha mãe não aceita muito não [...]Muitas vezes, eu
não conto pra eles, já namorei mais escondido.” (Alegria)
“No início foi complicado pra família entender, mas após entenderam o caso.” (Espe-
rança)
“Não teve reação. Porque a gente namorava ou ficava não contava.” (Entusiasmo)
Entusiasmo complementa que toda a sua educação foi transpassada, pela “lei do silêncio”,
ou seja, os pais embora tivessem conhecimento não buscavam dialogar, ou mostrarem abertura para
uma conversa mais informativa, seja por vergonha, despreparo, dentre outros fatores. Fazendo-se
assim, que a escola fosse o único e o principal espaço para que o conhecimento pudesse chegar até
o mesmo, conforme depoimento abaixo:
“Os pais nunca interferiram na questão sexual da gente e na verdade a gente nunca
teve esclarecimento de nada em casa. Eu, como a professora, a gente estudou no colé-
gio S. e era meninos e meninas separado, e tudo que a gente aprendia fora da escola,
educação sexual era a parte chula, como diz, a parte maliciosa da coisa, e a parte edu-
cação sexual a gente aprendeu na escola. Meus pais a gente nunca, como muitas famí-
lia pobres não obtém esclarecimento nenhum, tinham vergonha de dizer pra gente a se-
xualidade, porque eu sou do tempo, era do tempo que o bebê vem da cegonha.” (Entu-
siasmo)
Observa-se ainda, que a preocupação demasiada e a superproteção permanente parecem es-
tar associadas ao descrédito quanto às possibilidades do deficiente tornar-se independente e gerir
seus próprios destinos, impedindo-os de se desenvolverem e adquirirem autonomia, constatação
esta que se torna mais acentuada no caso de pessoas do sexo feminino, independente da deficiência.
Glat (1989), a respeito do protecionismo, faz o seguinte comentário: [...] “a superproteção ameaça
41
a dignidade humana e faz com que essas pessoas sejam impedidas de experimentar as situações de
risco da vida cotidiana que são necessárias para o crescimento e desenvolvimento humano normal
[...] negar a qualquer pessoa sua cota justa de experiências que envolvam riscos, é mutilá-las para
uma vida saudável”.
Ainda, Sprovieri e Assumpção jr. (2005) ressaltam que os deficientes são seres sexuados, e
por isso, pais e educadores devem subsidiar-se de esclarecimentos convincentes no aspecto da sexu-
alidade acerca de que percebam que os mesmos possuem papel sexual e com necessidades individu-
ais. Quando o tema passa a ser sexualidade da pessoa com deficiência, o preconceito e a discrimina-
ção são reforçados gerando polêmicas nas diferentes formas de abordá-las, tanto com os adolescen-
tes, quanto com suas famílias. Diante disso Maia (2006) enfatiza que a discriminação e o medo do
diferente e as manifestações da sexualidade e da deficiência são construídos historicamente na soci-
edade, portanto cabe as ciências, em especial a psicológica modificá-las e visibilizá-las.
Nesse contexto é possível se compreender que a educação sexual foi omitida como no caso
de Simpatia, Esperança, Entusiasmo veio basicamente da escola, como expresso nas falas a seguir:
“Nunca recebi orientação nenhuma. Não, só foi falado assim né, que digamos sobre
sexo não. Sobre digamos assim pra gente com quem conversar, pra se cuidar muito,
que é perigoso né, por causa da.. ah, cuidado quando conversar com os homens assim,
porque tem homem passado que se abóba com as mulheres. Mas, sobre sexo assim eu
nunca, a mãe nunca conversou. Eu nunca fiquei sabendo sobre assim essas coisas.
(Simpatia)
“Na verdade na escola”. ( Esperança)
“Eu recebi orientações na escola”. (Entusiasmo)
Ao que tange esse contexto, os DV ressaltam que permanecem ainda com informações
confusas, desconexas, repletas de tabus, mitos, preconceitos, o que sugere pensar na origem das
culpas e ansiedades. De acordo, com Salla e Quintana (2002) justamente no momento em que a
sexualidade deveria ser discutida, principalmente em termos de interação humana, como um
aspecto do relacionamento social e afetivo, os adolescentes DV ficam sem ajuda, onde instala-se
um universo mentiroso dentro da própria família: nem os pais, nem os jovens falam abertamente
sobre sexualidade, como se existisse um acordo. Entretanto, todos vivem na dúvida, culminando
com pais temerosos, sempre fiscalizando os filhos, pois ainda há um clima de perigo e imoralidade
em torno da sexualidade. Nesse clima, a vida sexual dos filhos é impedida de se desenvolver de
maneira tranquila, ao contrário, assume mais o aspecto de uma incursão difícil. A proposta deveria
42
Tcc_rita sorriso_revisado
Tcc_rita sorriso_revisado
Tcc_rita sorriso_revisado
Tcc_rita sorriso_revisado
Tcc_rita sorriso_revisado
Tcc_rita sorriso_revisado
Tcc_rita sorriso_revisado
Tcc_rita sorriso_revisado
Tcc_rita sorriso_revisado
Tcc_rita sorriso_revisado
Tcc_rita sorriso_revisado
Tcc_rita sorriso_revisado
Tcc_rita sorriso_revisado
Tcc_rita sorriso_revisado
Tcc_rita sorriso_revisado
Tcc_rita sorriso_revisado
Tcc_rita sorriso_revisado
Tcc_rita sorriso_revisado
Tcc_rita sorriso_revisado
Tcc_rita sorriso_revisado
Tcc_rita sorriso_revisado
Tcc_rita sorriso_revisado
Tcc_rita sorriso_revisado
Tcc_rita sorriso_revisado
Tcc_rita sorriso_revisado
Tcc_rita sorriso_revisado

Mais conteúdo relacionado

Semelhante a Tcc_rita sorriso_revisado

Sexualide, Gravidez e Abortamento na Adolescência.
Sexualide, Gravidez e Abortamento na Adolescência.Sexualide, Gravidez e Abortamento na Adolescência.
Sexualide, Gravidez e Abortamento na Adolescência.
ivanaferraz
 
Unid3 ativ2aulacommaterialdigitalalvaniribeiro
Unid3 ativ2aulacommaterialdigitalalvaniribeiroUnid3 ativ2aulacommaterialdigitalalvaniribeiro
Unid3 ativ2aulacommaterialdigitalalvaniribeiro
LAUROJUNIOR01
 
NO LIMITE DA VAIDADE FEMININA: O culto ao corpo e suas representações
NO LIMITE DA VAIDADE FEMININA: O culto ao corpo e suas representaçõesNO LIMITE DA VAIDADE FEMININA: O culto ao corpo e suas representações
NO LIMITE DA VAIDADE FEMININA: O culto ao corpo e suas representações
Dani Goedert
 
Tcc anhanguera a dificuldade no ensino de leitura na educação
Tcc anhanguera   a dificuldade no ensino de leitura na educaçãoTcc anhanguera   a dificuldade no ensino de leitura na educação
Tcc anhanguera a dificuldade no ensino de leitura na educação
mkbariotto
 
CadernoPresseSecundario_conhecimentoValorizacaoCorpo.pdf
CadernoPresseSecundario_conhecimentoValorizacaoCorpo.pdfCadernoPresseSecundario_conhecimentoValorizacaoCorpo.pdf
CadernoPresseSecundario_conhecimentoValorizacaoCorpo.pdf
Beacarol
 
Caderno pressesecundario conhecimentovalorizacaocorpo
Caderno pressesecundario conhecimentovalorizacaocorpoCaderno pressesecundario conhecimentovalorizacaocorpo
Caderno pressesecundario conhecimentovalorizacaocorpo
ProfessoraCarlaFerna
 
CadernoPresseSecundario_conhecimentoValorizacaoCorpo.pdf
CadernoPresseSecundario_conhecimentoValorizacaoCorpo.pdfCadernoPresseSecundario_conhecimentoValorizacaoCorpo.pdf
CadernoPresseSecundario_conhecimentoValorizacaoCorpo.pdf
ProfessoraCarlaFerna
 
Conhecimento sobre DST/AIDS adolecentes Embu
Conhecimento sobre DST/AIDS adolecentes EmbuConhecimento sobre DST/AIDS adolecentes Embu
Conhecimento sobre DST/AIDS adolecentes Embu
Gecopros
 
Relatório final de pesquisa
Relatório final de pesquisaRelatório final de pesquisa
Relatório final de pesquisa
Romario Sousa
 
Tese ana azevedo
Tese ana azevedoTese ana azevedo
Tese ana azevedo
anncaty
 
MULHERES NEGRAS E NÃO NEGRAS VIVENDO COM HIV/AIDS NO ESTADO DE SÃO PAULO um e...
MULHERES NEGRAS E NÃO NEGRAS VIVENDO COM HIV/AIDS NO ESTADO DE SÃO PAULO um e...MULHERES NEGRAS E NÃO NEGRAS VIVENDO COM HIV/AIDS NO ESTADO DE SÃO PAULO um e...
MULHERES NEGRAS E NÃO NEGRAS VIVENDO COM HIV/AIDS NO ESTADO DE SÃO PAULO um e...
pesquisaracaesaude
 

Semelhante a Tcc_rita sorriso_revisado (20)

Sexualide, Gravidez e Abortamento na Adolescência.
Sexualide, Gravidez e Abortamento na Adolescência.Sexualide, Gravidez e Abortamento na Adolescência.
Sexualide, Gravidez e Abortamento na Adolescência.
 
Unid3 ativ2aulacommaterialdigitalalvaniribeiro
Unid3 ativ2aulacommaterialdigitalalvaniribeiroUnid3 ativ2aulacommaterialdigitalalvaniribeiro
Unid3 ativ2aulacommaterialdigitalalvaniribeiro
 
NO LIMITE DA VAIDADE FEMININA: O culto ao corpo e suas representações
NO LIMITE DA VAIDADE FEMININA: O culto ao corpo e suas representaçõesNO LIMITE DA VAIDADE FEMININA: O culto ao corpo e suas representações
NO LIMITE DA VAIDADE FEMININA: O culto ao corpo e suas representações
 
Schiz-X: Conversando Sobre A Esquizofrenia - Vol. 2 - Caminho até o diagnóstico
Schiz-X: Conversando Sobre A Esquizofrenia - Vol. 2 - Caminho até o diagnósticoSchiz-X: Conversando Sobre A Esquizofrenia - Vol. 2 - Caminho até o diagnóstico
Schiz-X: Conversando Sobre A Esquizofrenia - Vol. 2 - Caminho até o diagnóstico
 
Representações sociais-de-mães-e-professoras-sobre-a-aprendizagem-e-desenvolv...
Representações sociais-de-mães-e-professoras-sobre-a-aprendizagem-e-desenvolv...Representações sociais-de-mães-e-professoras-sobre-a-aprendizagem-e-desenvolv...
Representações sociais-de-mães-e-professoras-sobre-a-aprendizagem-e-desenvolv...
 
Representações sociais-de-mães-e-professoras-sobre-a-aprendizagem-e-desenvolv...
Representações sociais-de-mães-e-professoras-sobre-a-aprendizagem-e-desenvolv...Representações sociais-de-mães-e-professoras-sobre-a-aprendizagem-e-desenvolv...
Representações sociais-de-mães-e-professoras-sobre-a-aprendizagem-e-desenvolv...
 
Acolhimento Institucional
Acolhimento InstitucionalAcolhimento Institucional
Acolhimento Institucional
 
Orientacao sexual
Orientacao sexualOrientacao sexual
Orientacao sexual
 
DESMISTIFICANDO A DISLEXIA: PEQUENAS ADAPTAÇÕES PARA GRANDES HABILIDADES
DESMISTIFICANDO A DISLEXIA:  PEQUENAS ADAPTAÇÕES PARA GRANDES HABILIDADES DESMISTIFICANDO A DISLEXIA:  PEQUENAS ADAPTAÇÕES PARA GRANDES HABILIDADES
DESMISTIFICANDO A DISLEXIA: PEQUENAS ADAPTAÇÕES PARA GRANDES HABILIDADES
 
Tcc a dificuldade no ensino de leitura na educação
Tcc   a dificuldade no ensino de leitura na educaçãoTcc   a dificuldade no ensino de leitura na educação
Tcc a dificuldade no ensino de leitura na educação
 
Tcc anhanguera a dificuldade no ensino de leitura na educação
Tcc anhanguera   a dificuldade no ensino de leitura na educaçãoTcc anhanguera   a dificuldade no ensino de leitura na educação
Tcc anhanguera a dificuldade no ensino de leitura na educação
 
CadernoPresseSecundario_conhecimentoValorizacaoCorpo.pdf
CadernoPresseSecundario_conhecimentoValorizacaoCorpo.pdfCadernoPresseSecundario_conhecimentoValorizacaoCorpo.pdf
CadernoPresseSecundario_conhecimentoValorizacaoCorpo.pdf
 
Caderno pressesecundario conhecimentovalorizacaocorpo
Caderno pressesecundario conhecimentovalorizacaocorpoCaderno pressesecundario conhecimentovalorizacaocorpo
Caderno pressesecundario conhecimentovalorizacaocorpo
 
CadernoPresseSecundario_conhecimentoValorizacaoCorpo.pdf
CadernoPresseSecundario_conhecimentoValorizacaoCorpo.pdfCadernoPresseSecundario_conhecimentoValorizacaoCorpo.pdf
CadernoPresseSecundario_conhecimentoValorizacaoCorpo.pdf
 
Conhecimento sobre DST/AIDS adolecentes Embu
Conhecimento sobre DST/AIDS adolecentes EmbuConhecimento sobre DST/AIDS adolecentes Embu
Conhecimento sobre DST/AIDS adolecentes Embu
 
Relatório final de pesquisa
Relatório final de pesquisaRelatório final de pesquisa
Relatório final de pesquisa
 
Gênero, Sexualidade e Educação
Gênero, Sexualidade e EducaçãoGênero, Sexualidade e Educação
Gênero, Sexualidade e Educação
 
Tese ana azevedo
Tese ana azevedoTese ana azevedo
Tese ana azevedo
 
MULHERES NEGRAS E NÃO NEGRAS VIVENDO COM HIV/AIDS NO ESTADO DE SÃO PAULO um e...
MULHERES NEGRAS E NÃO NEGRAS VIVENDO COM HIV/AIDS NO ESTADO DE SÃO PAULO um e...MULHERES NEGRAS E NÃO NEGRAS VIVENDO COM HIV/AIDS NO ESTADO DE SÃO PAULO um e...
MULHERES NEGRAS E NÃO NEGRAS VIVENDO COM HIV/AIDS NO ESTADO DE SÃO PAULO um e...
 
Adi brasil
Adi brasilAdi brasil
Adi brasil
 

Último

b2ee375d-671f-406c-8c60-df328a75e662.pdf
b2ee375d-671f-406c-8c60-df328a75e662.pdfb2ee375d-671f-406c-8c60-df328a75e662.pdf
b2ee375d-671f-406c-8c60-df328a75e662.pdf
Renandantas16
 

Último (6)

Cavaleiros do Futebol: Equipamentos e Moda para Campeões.pptx
Cavaleiros do Futebol: Equipamentos e Moda para Campeões.pptxCavaleiros do Futebol: Equipamentos e Moda para Campeões.pptx
Cavaleiros do Futebol: Equipamentos e Moda para Campeões.pptx
 
Imóvel do Banco, Apartamento T5 com Sótão; Bank Property, Apartment near Cent...
Imóvel do Banco, Apartamento T5 com Sótão; Bank Property, Apartment near Cent...Imóvel do Banco, Apartamento T5 com Sótão; Bank Property, Apartment near Cent...
Imóvel do Banco, Apartamento T5 com Sótão; Bank Property, Apartment near Cent...
 
Digitalização do varejo | Tecnologia na gestão do negócio: como alavancar a e...
Digitalização do varejo | Tecnologia na gestão do negócio: como alavancar a e...Digitalização do varejo | Tecnologia na gestão do negócio: como alavancar a e...
Digitalização do varejo | Tecnologia na gestão do negócio: como alavancar a e...
 
DROGASIL EQUIPE LOGISTICA MERCADOLOGICA.pptx
DROGASIL EQUIPE LOGISTICA MERCADOLOGICA.pptxDROGASIL EQUIPE LOGISTICA MERCADOLOGICA.pptx
DROGASIL EQUIPE LOGISTICA MERCADOLOGICA.pptx
 
Pesquisa de satisfação - Encontro Fazemos Acontecer
Pesquisa de satisfação - Encontro Fazemos AcontecerPesquisa de satisfação - Encontro Fazemos Acontecer
Pesquisa de satisfação - Encontro Fazemos Acontecer
 
b2ee375d-671f-406c-8c60-df328a75e662.pdf
b2ee375d-671f-406c-8c60-df328a75e662.pdfb2ee375d-671f-406c-8c60-df328a75e662.pdf
b2ee375d-671f-406c-8c60-df328a75e662.pdf
 

Tcc_rita sorriso_revisado

  • 1. UNIVERSIDADE DO PLANALTO CATARINENSE RITA CARDOSO WOLFF EDUCAÇÃO SEXUAL E DEFICIÊNCIA VISUAL: O DIÁLOGO DO SILÊNCIO NAS FAMÍLIAS Lages 2011
  • 2. RITA CARDOSO WOLFF EDUCAÇÃO SEXUAL E DEFICIÊNCIA VISUAL: O DIÁLOGO DO SILÊNCIO NAS FAMÍLIAS Trabalho de Conclusão de Curso, apresentado à Disciplina de Trabalho de Conclusão no 100 semestre do curso de Psicologia da Universidade do Planalto Catarinense- UNIPLAC. Orientadora: Prof. Msc. Bruna Meurer Antunes Lages 2011
  • 3. UNIVERSIDADE SO PLANALTO CATARINENSE RITA CARDOSO WOLFF EDUCAÇÃO SEXUAL E DEFICIÊNCIA VISUAL: O DIÁLOGO DO SILÊNCIO NAS FAMÍLIAS Trabalho de Conclusão de Curso, apresentado à Disciplina de Trabalho de Conclusão no 100 semestre do curso de Psicologia da Universidade do Planalto Catarinense- UNIPLAC. BANCA EXAMINADORA: Professora Orientadora Msc. Bruna Meurer Antunes______________________________________ Professora Convidada Msc. Tatiane Muniz Barbosa______________________________________ Professora Convidada Msc. Yalin Brizola Yared_________________________________________ Lages 2011
  • 4. Não há em sexualidade algo que deva ser transmitido, mas sim, algo que precisa ser construído, elaborado em cada sujeito. A marca de uma educação autoritária é sempre transmitir. Sobretudo em sexualidade, essa marca precisa ser desfeita, se quisermos que se faça uma educação para a liberdade. (Naumi Vasconcelos)
  • 5. AGRADECIMENTOS Agradeço em primeiro lugar a Deus, que me deu a vida, por me proporcionar esses momentos tão intensos vividos na Universidade. Aos meus pais, que sempre me apoiaram estando comigo nos momentos fáceis e difíceis dessa jornada. Agradeço, de um modo geral, a todos os participantes da pesquisa, pela contribuição para a realização da mesma. A minha professora e orientadora Bruna Meurer Antunes, pela dedicação e participação em todos os momentos bons e difíceis dessa etapa. Agradeço também a Professora Márcia Costa, que possibilitou a minha entrada na Universidade e a todas as pessoas que acreditaram em mim.
  • 6. RESUMO O objetivo do presente estudo foi compreender por meio das narrativas de Deficientes Visuais (DV) de ambos os sexos, como estes significavam a educação sexual que a eles(as) foi disponibilizada no âmbito de suas famílias. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, que contou com seis associados(as) de uma instituição voltada ao atendimento/orientação de pessoas com deficiência visual da cidade de Lages- SC com DV, sendo três participantes do cada sexo (feminino e masculino), com idade superior a dezoito anos. Para coleta de dados utilizou-se de entrevista semi-estruturada, os quais foram submetidos a análise de conteúdo de Bardin. Como resultados observou-se que as limitações geradas pela deficiência, não interferem para que as pessoas com DV se socializem. Foi possível se perceber certa resistência dos participantes em falar sobre a sua relação com o seu próprio corpo. Conclui-se que os entrevistados foram “educados” sobre a lei do silêncio, a qual os torna indefesos e dependentes, sendo-lhes impressa, pelas próprias famílias, a idéia de que são inábeis e incapazes de alcançar uma vida sexual plena. Ressalta-se ainda, que pode- se observar que estes permanecem com informações confusas, desconexas, repletas de tabus, mitos, preconceitos ao que tange DSTs e ao uso de alguns métodos contraceptivos, os quais os tornam sujeitos em situaçao de vulnerábilidade. Conclui-se, assim que a vivência da sexualidade dos filhos deficientes muitas vezes acaba sendo negada pelos pais, os quais negligenciam o diálogo e o fornecimento de informações. Salienta-se que pesquisas que relacionam os temas sexualidade e deficiência visual são escassas, e destaca-se ainda, o importante papel do psicólogo enquanto educador sexual. Palavras-chave: Deficiência Visual, Educação sexual, Famílias, Psicologia.
  • 7. ABSTRACT The objective of this study was to understand through the narratives of the Blind (DV) of both sexes, as these meant that sexual orientation to them (as) was available within their families. We adopted a qualitative design, characterized by a descriptive study. This research was carried out with an institution devoted to the service / guidance of visually impaired people in the city of Lages, SC. Participants were six members (s) with DV, three participants of each sex over the age of eighteen years. For data collection was used semi- structured interview, to analyze the results was performed content analysis of Bardin. The results showed that the constraints generated by the disability, not to interfere with DV that people leave on their own with friends. You can see the fear and resistance from the participants to talk about his relationship with his own body. The development of sexuality for people with impaired vision becomes limited due to compromised ability to learn and especially in the construction of subjective representations of the self-image, sense of body structure and knowledge of the anatomical parts. It is concluded that the respondents were "educated" not openly to be helpless and dependent, and they are printed by their own families, the idea that they are awkward and unable to reach a full sex life. It is worth noting that information to remain confused, disjointed, full of taboos, myths, prejudices, from whence come the guilt and anxiety. However, it was revealed that the family occupies the main place in the hours of conversations about sex, however, commonly treat sexuality in accordance with beliefs, prejudices and distorted, giving the disabled a sexuality with limitations or exaggerations, as can be seen in this the study. Please note that research linking the themes of sexuality and visual impairment are scarce. Keywords: Visual Impairment, Sexual Orientation, Families, Psychology.
  • 8. LISTA DE QUADROS Quadro 1 - Caracterização dos participantes............................................................................... 27
  • 9. SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO.................................................................................................................... 10 2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA...................................................................................... 16 2.1 Breves apontamentos em relação à história da sexualidade................................................ 16 2.2 Gênero, Corpo e sexualidade e suas interfaces com a Deficiência Visual (DV)................ 18 2.3 Educação sexual e deficiência visual: o diálogo do silêncio nas famílias........................... 23 3.MÉTODO.............................................................................................................................. 26 3.1 Caracterização da Pesquisa................................................................................................. 26 3.2 Universo da Pesquisa........................................................................................................... 26 3.3 Procedimentos de Coleta de Dados..................................................................................... 28 3.4 Procedimentos de Análise de Dados.................................................................................... 29 3.5 Análise de Riscos e Benefícios............................................................................................ 30 4. ANÁLISE E DISCUSSÃO DE DADOS............................................................................. 31 4. 1 Causas da cegueira sob as perspectivas dos DVs............................................................... 31 4.2 Interfaces da vida cotidiana do DV: amizades, atividades e relacionamentos.................... 33 4.3 Nuances de um corpo velado: o estigma da deficiência visual............................................ 36 4.4 Educação sexual x DV: a omissão do diálogo aberto nas família..................................... 40 4.5 Narrativas em torno de métodos contraceptivos, doenças sexualmente transmissíveis/AIDS.................................................................................................................. 48 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................................... 52 6. REFERÊNCIAS................................................................................................................... 56 ANEXO..................................................................................................................................... 63 APÊNDICE............................................................................................................................... 66
  • 10. 1. INTRODUÇÃO A história da humanidade, assim como a história dos deficientes visuais, varia de cultura para cultura, refletindo crenças, valores e ideologias que, materializadas em práticas sociais, estabelecem modos diferenciados de relacionamentos entre deficientes e não deficientes (BRUNS,1994). Nesse contexto, destaca-se que por meio desta pesquisa buscou-se compreender as narrativas de Deficientes Visuais (DV) de ambos os sexos e como estes significavam a educação sexual que a eles(as) foi disponibilizada no âmbito de suas famílias. Nesta direção os objetivos específicos foram: verificar as causas da DV nesses sujeitos; conhecer qual o entendimento que os DV de ambos os sexos fazem do conceito de sexualidade; verificar a relação que os deficientes de ambos os sexos estabelecem com seu próprio corpo; conhecer de que forma a família realizou o processo de educação sexual a esses DV; verificar se os participantes possuem irmãos com capacidade visual, e se educação sexual dada pelas famílias, corresponde à mesma que foi dada a estes; identificar o nível de conhecimento acerca de assuntos relacionados à sexualidade, dentre eles métodos contraceptivos e doenças sexualmente transmissíveis. Reitera-se nesse viés, que a deficiência visual é um termo que designa impedimentos de origem orgânica relacionados a doenças oculares, que podem levar a um mau funcionamento visual ou a ausência de visão (BATISTA & ENUMO, 2000). Os portadores de deficiência visual, de acordo com Kirk e Gallangher (1987) em geral, podem ser classificados em dois grupos principais: o dos cegos e o dos que têm visão parcial ou reduzida. Atualmente, a ênfase para a classificação está em definições funcionais, aquelas que tratam dos efeitos da limitação visual sobre as habilidades, como, por exemplo, a leitura. Logo, nesse contexto, ressalta-se que este estudo deteve- se aos sujeitos cuja acuidade visual chega a níveis insignificantes, ou seja, que já nasceram cegos. Desse modo, apesar de muitos autores considerarem que a palavra “deficiente” tem um sig- nificado forte, carregado de valores morais, contrapondo-se a “eficiente”, estes ressaltam que ainda, não se chegou a um consenso em qual seria a melhor terminologia para se referir aos sujeitos que apresentam apenas uma disfunção visual (GIL, 2000). Tendo em vista, estas circunstâncias, desta- ca-se que utilizou-se essa terminologia, pois torna-se a mais frequente no meio científico, no entan- to, destaca-se o reconhecimento de suas limitações. Segundo dados do último censo realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE apud GESSER, 2010) no ano 2000, pelo menos 24,5 milhões de brasileiros possuem algum tipo de deficiência, o que representa 14,5% do total da população. A quantificação realizada pelo 10
  • 11. censo dá visibilidade a essa população, rompendo com o ocultamento presente na história da relação da população geral com as pessoas com deficiência, que até recentemente, ficavam enclausuradas, escondidas, abandonadas a própria sorte, quando não mortas (GESSER, 2010). Gil (2000) pontua que na contemporaneidade percebe-se uma dupla moralidade em relação à sexualidade das pessoas com deficiência, que muitas vezes infantilizou tornando-as assexuadas e exaltando sua inocência, por vezes significando formas singulares de expressão de sua sexualidade com práticas descontroladas, instintivas, corroborando mitos e classificações pejorativas quanto à sexualidade. Os cegos são concebidos e descritos, nas estórias cotidianas, como pobres, indefesos, inúteis e desajustados. Muitas vezes são tolos e dignos de piedade: assim, os casos de cegos vendedores de bilhete, ou cegos cancioneiros do Nordeste, que cantam suas mazelas em troca de moedas para a sua subsistência (CONNEL,1990). As pessoas com deficiência visual são assim, frequentemente idealizadas como seres frágeis, portadores de incapacidades múltiplas. Logo, o tema sexualidade e DV, em especial, precisa ser problematizado pela sociedade como um todo, e em especial dentro das próprias famílias desses sujeitos. Esse aspecto, na realidade é mais que um reflexo contundente da incapacidade. Contudo Nunes e Silva (2000) salientam que a sexualidade é um tema prioritário na dimensão humana, por isso é importante que a mesma seja compreendida dentro de um contexto mais amplo como tema, área do conhecimento e na abordagem educacional, sendo estes em termos mais específicos, a fim de que possam alcançar as múltiplas interações com a realidade e a vivência humana. Sabe-se que a sexualidade está concentrada nos meios que perpassam a subjetividade e sociedade, sendo a mesma a base dos saberes articulados por meio dos conhecimentos baseados nas características humanas de afetividade e erotismo. Assim, em nossa sociedade existem três grandes tabus: sexualidade, morte e deficiência. A dificuldade em lidar com eles fica ainda mais evidente quando dois ou três aparecem entremeados. A simples idéia de que alguém portador de uma deficiência física ou mental possa ter desejos sexuais costuma ser incômoda quando não repugnante para a maioria das pessoas. Esquece-se portanto, que a sexualidade não é uma atividade genital, mas, sim, a mais íntima manifestação de vida; nosso desejo mais primário no que tange a amar e ser amado (PINEL,1999). Logo, tal realidade para Pinel (1999) está alicerçada nos mitos que permanecem na coletividade sobre sexualidade e deficiência e são geralmente criados por uma sociedade que insiste em visualizar as debilidades e não as capacidades das pessoas portadoras de deficiência. É extremamente difícil ser deficiente numa sociedade “temporariamente eficiente”, que acentua as diferenças e não as semelhanças, que nega os direitos básicos do ser humano (educação, saúde, trabalho, transporte, lazer, amor, sexo, felicidade...) a quem não se encaixa na presunçosa fantasia 11
  • 12. de perfeição que criamos. Essas autoras ressaltam ainda que é no mínimo lastimante pensarmos que a maioria dos problemas das pessoas com deficiência não vem da deficiência propriamente dita, mas sim da maneira como elas são encaradas e tratadas nos diversos contextos sociais. Além disso, Pinel (1999) chama atenção para outro componente importante, ao grande número de crianças cegas vítimas de abusos de ordem sexual. Muitos especialistas supõem que o fato se deve à não- identificação dos sinais visuais de perigo por parte da crianças. Ou, então, decorre de diversas atitudes involuntárias dessa criança, que nunca foi adequadamente orientada sobre como certos comportamentos podem ser interpretados como provocativos pelo abusador. Logo, a educação sexual de deficientes visuais torna-se objeto de intervenção psicológica, na medida em que o sujeito que a possui e sua família não saberem ao certo, como lidar com a situação. Por isso, a importância dos profissionais da psicologia voltarem suas práticas à atenção desses sujeitos. Nesse viés, pesquisas como esta são importantes, haja vista à escassez de programas de edu- cação sexual para deficientes visuais. Tendo-se em vista a justificativa de que a deficiência em si não inibe o funcionamento genital. Desta forma destaca-se a necessidade de práticas e intervenções que resignifiquem junto à sociedade, a relação sexualidade e deficiência visual, acreditando-se que isso pode acontecer, a partir do momento que problematiza-se a ordem simbólica e de poder desses tabus. Portanto, dar visibilidade a realidades como está, contribuem para dar vozes aqueles que vi- vem a deficiência visual e o preconceito muitas vezes dentro de suas próprias famílias. Haja vista, que de acordo com Glat (2004) a propagação dos princípios e políticas de inclu- são, por outro lado, faz com que a discussão sobre sexualidade seja ampliada para abranger ques- tões referentes aos portadores de deficiência visual. Na medida em que esses jovens saem do confi- namento de suas casas e instituições especializadas, e começam a frequentar os espaços educacio- nais e sociais comuns a todos, tornam-se também mais abertos às experiências sexuais e situações de risco, necessitando, portanto, de educação sexual de qualidade principalmente por parte de suas famílias. As dificuldades de comunicação tornam ainda mais difícil a integração social e a assimila- ção de conhecimentos e experiências tão necessárias ao ajuste social/sexual. Logo, estudos como este, podem contribuir para construção de ações e políticas públicas voltadas a esses sujeitos, tendo- se em vista, que visibilidade de tal realidade já se torna um passo importante para que medidas se- jam tomadas nesse âmbito. Além disso, podem colaborar para o descortinamento dessa realidade, ao mostrar que portador de deficiência visual é um ser humano igual aos demais, com impulsos se- xuais e potencial para viver sua sexualidade. 12
  • 13. Se é complicado para os jovens sem deficiência viver sua sexualidade, supõe-se que, para os adolescentes portadores de cegueira ou de baixa visão, a descoberta da sexualidade é muito mais di- fícil. É fundamental que tenham a oportunidade de expor abertamente suas dúvidas e receber em resposta informações claras e verdadeiras, para que consigam vivenciar sua sexualidade de forma mais satisfatória e responsável. Logo, diante da insuficiência de dados sobre as formas como acon- tece à educação sexual em sujeitos com deficiência visual no Brasil e na realidade da Serra Catari- nense, considera-se que esta pesquisa fornece subsídios para a produção de novos conhecimentos. Haja vista, que questionamentos que relacionem a deficiência visual e a vivência afetivo- sexual sobre o olhar dos próprios DVs ainda são escassos, e quando estes são socializados se restringem ás pessoas que convivem com portadores dessa deficiência visual. Logo, torna-se de fundamental importância o entendimento/compreensão de tal dinâmica pela sociedade em geral. Além disso, no dia 23 de agosto de 2001, foi realizada pesquisa nos bancos de dados, como: na BVS (Biblioteca Virtual da Saúde) com o termo “Deficiente Visuais” foram encontrados um total de 1038 artigos; no LILACS (Literatura Latino- Americana e di Caribe em Ciências da Saúde) em textos em português 157 artigos. No entanto, ao refinar-se a pesquisa na LILACS, adicionando o termo sexualidade DV foi possível se encontrar apenas quatro artigos. Logo, tais dados demonstram a importância de que novos estudos abordem essa relação silenciosa entre cegueira e sexualidade. Vale destacar a pesquisa realizada por Gesser, Toneli, Nuerberg (2008) em um Banco de Te- ses e Dissertações da CAPES em janeiro de 2008 com os descritores “deficiência física”, “gênero”, “sexualidade”, “corpo”, “imagem corporal”, “Psicologia” e “subjetividade” utilizados em conjunto ou separadamente. Não foi encontrado nenhum trabalho que possuía todos os descritores. Esses au- tores destacam que, embora a produção do conhecimento relacionada à deficiência física tenha cres- cido a partir da década de 80, são poucos os trabalhos que abordam a questão do corpo e da sexuali- dade da pessoa com deficiência física no Brasil. Os estudos de mestrado e doutorado nessa área co- meçou a surgir somente no final do século XX. Além disso, muitos dos trabalhos que estudam a se- xualidade da pessoa com deficiência não têm uma preocupação em dialogar com os estudos de gê- nero, sendo esta uma proposta do presente estudo. Nesse viés, destaca-se a partir Gesser, Toneli, Nuerberg (2008) que compreender os concei- tos de corpo e de sexualidade a partir dos estudos contemporâneos de gênero é um ato ético e políti- co. Isso porque as concepções atuais de gênero apontam para um imbricamento entre a sexualidade e o gênero, no qual um constitui o outro. Além disso, a partir das discussões contemporâneas, defi- ciência, gênero, raça e classe social são categorias de análise e formas de opressão social. Acredita- se que a ampliação dos estudos na área da sexualidade e deficiência física, a partir de uma concep- 13
  • 14. ção crítica, se faz necessária para promover o desenvolvimento de práticas educativas que contribu- am para com o rompimento de tabus e preconceitos relacionados à sexualidade em pessoas com de- ficiência de todas as ordem, como a exemplo, da deficiência visual. Por derradeiro, denota-se a relevância de estudos sobre essa perspectiva, tendo em vista, os dados acima apresentados por esses autores. Tem-se por pressuposto que a forma como as famílias tratam a sexualidade de seus filhos com deficiência visual pode ser um retrato de seu despreparo, mas nesse contexto, vale enfatizar também, esse aspecto nas próprias instituições escolares, que po- deriam auxiliar neste processo. Desse modo, espera-se por meio deste estudo dar voz a esses sujei- tos com deficiência visual e observar em que sentido suas famílias poderiam ser mais efetivas no processo de educação sexual. Estudos como estes, podem contribuir para com as instâncias políti- cas, econômicas e educacionais, que detém o “poder-fazer”. Além disso, torna-se necessário o vis- lumbramento de tal realidade para fins de se obter meios e estratégias mais assertivas, para que cada vez mais as famílias e os educadores possam aprender a lidar, aceitar e respeitar a deficiência, ou seja, lidar com a situação compreensível tanto para os deficientes visuais quanto para as mesmas. Haja vista, que as duas partes apresentam dificuldades para lidar com as dificuldades inerentes à ro- tina familiar, como manutenção econômica, dificuldade de diálogo, tempo disponível para dedicar à rotina do deficiente visual, por isso quanto mais à sociedade se humaniza, mais os estigmas e pre- conceitos se diluem (BRUNS, 2008). Sendo assim, se encaramos a sexualidade em indivíduos é difícil para sujeitos dotados de todos os sentidos, que teoricamente se enquadram no modelo de “normalidade”, preconizado pela mídia e pela sociedade, como será essa experiência para os sujeitos com DVs? Como estes percebem sua sexualidade? Salienta-se que é na família que a bagagem sobre a sexualidade se estrutura. Entretanto, segundo as autoras Chagas e Hoffmann (1996) quando as familias se veêm diante das diferenças trazidas pela deficiência, elas muitas vezes, paralisadas, outorga a outros sua função primeira no aspecto da sexualidade. Mesmo assim, educa para a sexualidade preconizando o silêncio, que é também uma forma eficiente de educar, pois relega a sexualidade a um âmbito confuso, cheio de culpas e vergonhas. A verdade, no entanto, é que a sexualidade dos portadores de deficiência é um fato que gera conflitos e não era de se esperar que fosse diferente, não em nossa cultura, na qual a deficiência representa o que é incontrolável e inesperado, ameaça e desorganiza as bases existenciais do não deficiente obrigando-o a reviver constantemente sua história (CHAGAS E HOFFMANN, 1996). Desse modo, a educação sexual dada pela família, segundo pesquisas (GUIMARÃES, 1995; CHAGAS E HOFFMANN, 1996; BRUNS, 2008; ), não tem possibilitado aos jovens – mesmo àqueles que enxergam – assumir com responsabilidade suas relações afetivo-sexuais. Presume-se 14
  • 15. que as informações se restringem à sexualidade ligada à genitália, pois ainda hoje os pais têm difi- culdade de dialogar sobre esse tema. Mas, apesar da informação ser escassa, os jovens não deixam de se iniciar na prática sexual. E, muitas vezes, com resultados inesperados, como uma gravidez precoce. Desse modo, se a educação sexual dos jovens “que vêem” é reconhecidamente inadequada, a voltada aos jovens com DV é algo ainda mais complexo. Pois, esses últimos são vítimas de super proteção por um lado e, por outro, de preconceitos e mitos – que projetam sua imagem como asse- xuados, incapazes, dependentes e eternas crianças. Com frequência, em seu próprio ambiente fami- liar ele é visto como pessoa ‘pura’ e ‘ingênua’ (GIL, 2000). Ainda nesse âmbito, Bruns (2008) ressalta que não apenas a família, mas também a escola necessita rever seus métodos de ensino-aprendizagem a fim de expandirem e difundirem o universo semiótico das mais variadas formas de comunicação. Não só a linguagem visual, mas, também, os significados e sentidos da linguagem olfativa, gustativa e da sinestésica, podem proporcionar o co- nhecimento não apenas para os DVs, mas também para os dotados de visão. Haja vista, que como nos faz compreender Guimarães (1995) e Chaui (1983) a sexualidade é construída social, histórica e culturalmente, ou seja, havendo repressão, torna-se necessário aos pais e educadores repensá-la, reformulando conceitos mais adequados, sendo que os mesmos precisam estar vinculados às mu- danças e ao contexto social. Nesse contexto, Maia (2006) afirma que a educação sexual às pessoas com deficiência, devem ser pautas principalmente nas discussões em torno dos diretos aos sujeitos com deficiência. Desse modo, materiais e instrumentos educativos precisavam ser pensados, tanto para DV quanto para suas famílias. No entanto, salienta-se que essa educação não precisa ser “especial” mais sim, utilizar-se de recursos, que esclareçam, que sejam compreensíveis, a fim de que possam tocar, para que a aprendizagem seja mais efetiva. Tendo em vista, que os propósitos da aprendizagem deveria sair da teoria indo em relação com a vida prática dos deficientes, para que sejam eficazes, garantindo dimensões prazerosas, preventiva, educativa e humana. Logo, diante de tal contexto, esta pesquisa procurou responder a seguinte questão: como os Deficientes Visuais (DV) de ambos os sexos, significavam a educação sexual disponibilizada a eles(as) no âmbito de suas famílias? 15
  • 16. 2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA 2.1 Breves apontamentos em relação à história da sexualidade O contexto histórico da sexualidade foi abarrotado de proibições ao longo dos tempos e o assunto foi sempre polêmico. Com base nos valores éticos, morais com raízes na tradição Judaíco Cristã, preservou-se por alguns séculos atrás um legado relacionado à procriação que hostilizava o prazer e o corpo. Segundo Thomás de Aquino apud Cecarelli (1998), o sexo tinha por finalidade a procriação tendo por exemplo os animais. Surgia assim, o estigma negativo do prazer, como uma forma de moralidade que é essencialmente sexual. O Cristianismo adota a idealização da castidade como algo mais próximo de Deus. Na antiguidade de acordo com Cecarelli (1998), Pitágoras recomendava que as relações sexuais ocorressem somente com intuito da procriação de preferência no inverno, embora fazer sexo fosse prejudicial em qualquer estação do ano. Hipócrates, de acordo com Cecarelli (1998), acreditava que reter o sêmem proporcionava ao corpo a máxima energia que sua perda significava a morte. Segundo o imperador Adriano, de acordo com Cecarelli (1998), a atividade sexual só se justificava para a procriação, esta visão reprodutora do ato sexual foi intensificada por uma das escolas da Filosofia Antiga, o Estoicismo cuja a influência deu-se entre 300a.c a 250d.c. A busca pelo prazer para os filósofos gregos foi transformada de forma radical por esta corrente de pensamento. Na moral dos bons costumes, o sexo foi visto somente como os órgãos sexuais, sua significação é de algo sujo, pecaminoso e guardado em segredo pelas famílias perante a sociedade. BOCK (2003) ressalta que a sexualidade causa dúvidas, repletas de valores tais como: preconceitos, moralismo e informações incorretas, tratando o termo sexo como um tabu na sociedade. No livro a História da Sexualidade- I, Foucault mostra como a sociedade vive, desde o séc. XVIII, uma fase de repressão sexual. Nessa fase, o sexo se reduz à sua função reprodutora e o casal passa a ser o modelo. O que sobra torna-se amor anormal é expulso, negado e reduzido ao silêncio, mas a sociedade burguesa se vê forçada a permitir algumas coisas. Ela restringe as sexualidades ilegítimas a lugares onde possam dar lucros que, numa época em que o trabalho é muito explorado, as energias não podem ser dispensadas nos prazeres (FOUCAULT, 2001). Essa repressão é chamada pelo autor de hipótese repressiva, mas ele destrói esse pensamento 16
  • 17. e formula uma nova hipótese, mostrando que certas explicações funcionem, elas não podem ser encaradas como as únicas verdadeiras. Logo, a hipótese de Foucault (2001) é que há, a partir do séc. XVIII, uma proliferação de discursos sobre sexo. Para este autor, foi o próprio poder que incitou essa proliferação de discursos, por meio da igreja, da escola, da família, do consultório médico. Essas instituições não visavam proibir ou reduzir a prática sexual; visavam o controle do sujeito e da população. Assim, Foucault (2001) constrói uma nova hipótese sobre a sexualidade humana: as sexualidades são socialmente construídas e assim como a hipótese repressiva, é uma explicação que funciona. Cada um que aceite a verdade que lhe convém (FOUCAULT, 2001). Ainda para o autor: “A história da sexualidade, se quisermos centrá-la nos mecanismos de repressão, supõe duas rupturas. Uma no decorrer do século XVII onde há o nascimento de grandes proibições, valorização exclusiva da sexualidade matrimonial adulta, imperativo de decência, abandono obrigatório do corpo, contenção e pudores da linguagem, a sexualidade encerrada e confiscada ao leito familiar” (FOUCAULT, 2001, p. 109). Neste contexto, entende-se que “a sexualidade” é na verdade um termo que aparece pela primeira vez no século XIX. A palavra existia no jargão técnico da Biologia e da Zoologia já em 1800, mas somente próximo do final do século ela veio a ser usada amplamente em um sentido mais próximo do significado que hoje tem para nós – que se refere como a “qualidade de ser sexual ou possuir sexo” (FOUCAULT, 2001). Assim para esse mesmo autor a sexualidade surgiu como uma forma de normalização da sociedade dentre dos padrões da época, pois o domínio e o controle do corpo são fundamentais para o controle da vida social e política. Xavier Filha (2000) baseada em Foucault (2001), salienta que esses saberes (apoiados em instituições ou teorias, psiquiátricas, médicas, jurídicas, religiosas, pedagógicas, demográficas, estatísticas, políticas) acabaram por expressar diferentes tendências, segundo seus interesses, em relação à concepção de sexualidade. De forma que não há uma só forma de ver as questões relacionadas à sexualidade, mas diversas maneiras de abordá-la segundo perspectivas diferentes. Contudo, na atualidade ainda persiste uma visão fragmentada em torno da sexualidade (XA- VIER FILHA, 2000). Realidade que denota a necessidade de uma ampliação no entendimento do conceito de sexualidade: O conceito de sexualidade [...] refere-se a um termo mais ampliado de sexo, deixando de ser tratado como sinônimo de ato sexual ou função natural de reprodução. Trata-se de um fenômeno mais global, relacionando-se a sentimentos, manifestações trocas, e comunica- ções afetivas entre os seres sexuados [...] (XAVIER FILHA, 2000, p. 19). 17
  • 18. Esses mitos presentes na contemporaneidade, segundo Gesser (2010) levam a redução da se- xualidade ao coito vaginal e ao entendimento de que é algo que somente as pessoas não deficientes que desejam ter filhos podem exercer, o que se apresenta como um fator limitante do desenvolvi- mento dos sujeitos com deficiência. Essa ligação da sexualidade ao padrão hegemônico de normali- dade patologicisa a sexualidade tanto das crianças, como também das pessoas idosas e com defici- ência. Além disso, inibe as formas singulares de expressão da sexualidade e do desejo. Segundo Vaz e Nodin (2005) é preciso que a sexualidade passe a ser reconhecida como um aspecto importante da saúde se for vivida satisfatoriamente, o que torna-se fonte de equilíbrio e harmonia para as pessoas, favorecendo uma atitude positiva em relação a si mesmo e aos outros. Esta tem grande importância no desenvolvimento e na vida psíquica das pessoas, pois, além da sua potencialidade reprodutiva, relaciona-se com a busca do prazer, necessidade fundamental das pessoas. Manifesta-se desde o momento do nascimento até a morte, de formas diferentes a cada etapa do desenvolvimento humano, sendo construída ao longo da vida. Além disso, encontra-se necessariamente marcada pela história, cultura, ciência, assim como pelos afetos e sentimentos, expressando-se então com singularidade em cada sujeito (PCNS, 1998). Assim, vale destacar que a Organização Mundial de Saúde (OMS) (apud VAZ & NODIN, 2005) definiu saúde sexual como sendo a integração harmoniosa dos aspectos somáticos, intelectuais e sociais do ser sexuado, de forma a enriquecer a personalidade, a comunicação e o amor. De acordo com Negreiros (2004), a sexualidade concebida como energia, libido, caracteriza-se por uma capacidade de se ligar as pessoas, objetos, idéias, à vida, enfim, inclui a atividade sexual, mas não se resume ao sexo. Assim, muitos são os aspectos que precisam ser estudados e considerados na compreensão da sexualidade humana. No entanto, nesse processo de construção social, os avanços da ciência, contribuíram para uma visão já fragmentada da sexualidade (XAVIER FILHA, 2000). Dificuldade que aponta para a necessidade de uma busca pela superação dessa visão multifacetada (hora médico higienista ou afetiva/potencializadora da vivencia humana) que construímos ao longo do tempo. Logo, no item a seguir, será exposto de forma mais consistente como ocorre esta inter- relação, entre sexualidade, corporeidade e Deficiência Visual. 2.2 Gênero, Corpo e sexualidade: suas interfaces com a deficiência visual As questões de gênero constituem um aspecto importante no estudo da experiência da deficiência. De acordo com Gesser (2010) a imbricação dos discursos relacionados à deficiência e à feminilidade é geradora de opressão e de vulnerabilidade. Destaca-se assim, que o termo gênero foi 18
  • 19. criado nos anos 80 (século XX), pelas feministas americanas e inglesas, a fim de se explorar as relações entre homens e mulheres. Essas idéias eram perceptíveis nos âmbitos sociais, com baixos salários, diferenças de raças, etnias, e no âmbito privado delineadas pela passividade sexual e os papéis domésticos. Eram utilizados os preceitos religiosos, científicos e políticos a fim de explicar as diferenças dando ênfase aos questionamentos biológicos do sexo (CASTILHO, 2007). Assim, desde o princípio homens e mulheres foram sendo afetados por construções em torno do biológico, mas no decorrer do tempo, houve novos paradigmas onde as mulheres trocam a vida doméstica em busca de novos campos de atuação e vivencia profissional. Começa assim, a busca pela autonomia, independência, haja vista que o gênero definido somente por funções e papéis não é mais convincente (VILELA, 1999). Assim, para Scott (1998) o sexo (biológico) é também socialmente construído, cientes de que em cada sociedade possuem significados cristalizados, isto é, mulheres nascem com vagina e o homem com pênis. Isso definirá o lugar a ser ocupado na sociedade por eles, e este campos estão perpassados por relações de poder entre os gêneros. Esse viés de gênero torna-se importante de ser ressaltado, haja vista, que o DV sofre as mesmas interferências do processo de construção psicossocial do gênero em sua educação sexual. Assim, na medida em que a família é reconhecida como a principal instituição social que estabelece as relações sexuais entre os gêneros, o controle social é visto como atuando diretamente sobre o corpo das mulheres, cuja principal referência é a mãe e quanto a sexualidade é socialmente aceita apenas na reprodução de filhos legítimos. No entanto “o controle da e pela sexualidade é, um método por excelência nessa visão, controlando as mentes e corpos das mulheres nas culturas patriarcais” (SCOTT, 1998, p.15). Bordo (1997) aponta que por meio da organização e da regulamentação de nossas vidas e corpos são moldados e marcadas pelo cunho das formas históricas que sobrepõem-se a individualidade, desejo, masculinidade e feminilidade. Haja vista que os corpos assumem a organização social, políticas e normas religiosas e culturais, que intervém as estruturas sociais. Para Cecarelli (1998) existe uma limitação e contínua relação entre o social e o biológico, respeitando masculinidade e feminilidade, com posturas e movimentos corporais entendidos socialmente como naturais de cada sexo à medida que o processo de educação de homens e mulheres supõe uma construção social e corporal dos sujeitos, buscando compreender os processos ensino/aprendizagem de conhecimentos, valores, movimentos corporais e posturas considerados femininos e masculinos. Todavia, atenta-se para a necessidade de orientação sexual que abranja a multiplicidade de possibilidades de vivência sexual entre os gêneros, visto que para Louro (2004) a coerência e a continuidade de supostas diferença entre sexo- gênero- sexualidade servem para sustentar a normatização da vida dos indivíduos e das sociedades. A forma “normal” de viver os gêneros 19
  • 20. aponta para a constituição da forma “normal” de família, a qual, por sua vez, se sustenta sobre a reprodução sexual e consequentemente, sobre a heterossexualidade. É evidente o caráter político dessa premissa, na qual não há lugar para aqueles homens e mulheres que, de algum modo, perturbem a ordem ou dela escapem (LOURO, 2004). Além disso, estudos apontam para um maior cuidado sobre a sexualidade da mulher deficiente do que do homem deficiente, aspectos estes que interferem na auto-realização, liberdade de escolha da mulher deficiente, que precisam ser problematizados (VILELA, 1999). Ao que tange à sexualidade e a vivência com o próprio corpo nas pessoas com deficiência visual, reservadas as particularidades de sua condição, estas de acordo com Osório e Osório (2004) estão sujeitas aos mesmos processos de normalização e disciplinarização comuns ao coletivo, como expresso: As dificuldades encontradas pelas pessoas portadoras de deficiência visual, se revela, fre- quentemente, iguais àquelas vividas pelos outros membros da sociedade independente de direitos “garantidos”. Logo, a diferença não está tanto na natureza dos problemas, mas na intensidade de sua manifestação e na extensão das suas implicações. Permanece, no entan- to, uma certeza: as questões culturais impostas às pessoas, com deficiência ou não, perten- cem ao conjunto de interdições comuns e são muito mais numerosas do que as diferenças dos grupos aos quais pertencem[...] (OSÓRIO e OSÓRIO, 2004, p. 20, grifos do autor). Desse modo, o adolescer das pessoas com deficiência é um tema escassamente tratado pela literatura. Entretanto, a grande maioria destes indivíduos chega à puberdade, com a conseqüente maturação sexual, como os demais adolescentes ditos “normais”. De acordo com o senso comum, as pessoas com deficiência aparentemente não vivem esta etapa do seu desenvolvimento, pois as mudanças físicas não corresponderiam às psicossociais (BEZERRA & PAGLIUCA, 2010). Chauí (1984) chama atenção então, para que compreenda a sexualidade como sendo uma energia vital acompanhando toda a existência humana e sendo composta por “uma série de excitações e ativida- des, presentes desde a infância, proporcionando um prazer irredutível a alguma necessidade fisioló- gica (respiração, fome, excreção), sendo um componente do amor sexual para todos independente de suas limitações”, (CHAUÍ, 1984). A sexualidade está presente desde a mais tenra idade e faz parte de uma formação mais geral do sujeito constituindo-se assim ao longo de sua existência fazendo-se particular conforme as elabo- rações, experiências e contexto próprio, mas com marcas comuns à cultura e ao processo sócio-his- tórico, que é coletivo. Portanto, a forma pela qual cada pessoa se vê como homem ou mulher, como elabora sua auto-imagem, a maneira como lida com sua sensualidade, seu desejo, seu auto-erotismo, as relações que estabelece com o próprio corpo, com seu prazer ou suas fantasias, são exemplos de aspectos da sexualidade cuja elaboração pessoal é marcada tanto pelos aspectos biológicos e psico- lógicos, quanto pelo contexto em que se está inserido, ou seja, é influenciada, se não determinada, 20
  • 21. também por instituições como família, religião, escola, mídia, pela sociedade como um todo, a par- tir de suas crendices, seus valores, ou estereótipos (BORDO, 1997; VILELA, 1999; XAVIER FI- LHA, 2000). Desta maneira a sexualidade insere uma energia manifesta não apenas de acordo com as ne- cessidades fisiológicas do ser humano, mas também tendo vinculação com o simbólico e, por con- sequência, com o aspecto histórico e cultural de cada sociedade. Contudo, quando se pensa no ado- lescente que adquire o “status” de ser sexuado, pensa-se apenas no adolescente “normal” devido às modificações biológicas e hormonais que caracterizam este período, pensa-se também em sua forma de expressar sua sexualidade, tendo como fundamento um mundo “visual”, em que o culto ao corpo vem crescendo em academias, surgindo novas técnicas médicas na cirurgia plástica a fim de aproxi- mar as pessoas insatisfeitas com sua imagem refletida no espelho do padrão ideal de beleza veicula- do pela mídia. O jovem vive assim, uma fase onde sua sexualidade precisa ser constantemente afir- mada (BEZERRA & PAGLIUCA, 2010; CHAUÍ, 1984). Fróes , citado por Maia (2006), corrobora nesse contexto, ao afirmar que a sexualidade da pessoa com deficiência é um fenômeno com muitas faces interligadas às questões políticas, culturais, econômicas e educacionais, além disso as pessoas com deficiência estão sujeitas a pressões ideológicas da repressão sexual. Muitos deficientes encorporam mecanismos da repressão que internalizam de forma generalizada as suas limitações, alimentando assim, os preconceitos que a excluem da vida sexual plena. Contudo, de acordo com Moura e Pedro (2006) mesmo não visualizando as transformações em seus corpos, os deficientes visuais percebem que mudanças radicais acontecem. Estes observam as modificações de estruturas que antes não possuíam, como os seios para as meninas ou a barba para os meninos. Sabe-se que este acontecimento é real, pois a caracterização desse processo por meio das mudanças biológicas vem proporcionando experiências de uma série de eventos psicológicos atingindo o auge da identidade sexual. A vida afetivo-sexual dos deficientes visuais possuem as mesmas características de desenvolvimento da sexualidade das demais pessoas entretanto o interesse sexual de uma pessoa cega não é diminuído em relação a outras, o que diferencia ambas é a curiosidade do assunto fazendo com que o desejo de conhecer o funcionamento de seus corpos sejam por meio do toque e não visual. Busca-do assim definir sua identidade e seu espaço na sociedade, almejando descobrir por meio de relacionamentos afetivos sua sexualidade encontrando meios adequados de acordo com suas limitações (BEZERRA e PAGLIUCA, 2010). No entanto, Pinel (1999) lembra que a maioria das informações que recebemos do mundo é processada visualmente; não precisamos tocar os genitais para saber onde ficam, nem nos restam dúvidas sobre as diferenças entre homens e mulheres. Para alguém que nunca enxergou, porém, 21
  • 22. essas sutilezas topográficas não são tão evidentes, pois olhos do cego são suas mãos. Porém, em nossa sociedade, nem tudo pode ser tocado. Assim, de acordo este autor o profundo desconhecimento dos assuntos sexuais alimenta fantasias diversas no que diz respeito ao tamanho e à forma da genitália, provocando, involuntariamente, uma série de problemas particulares. Como não existem parâmetros de comparação, muitos deficientes visuais acreditam ter genitais anormais. A menstruação ganha agravantes e algumas mulheres passam a apresentar um temor excessivo do primeiro contato sexual, por imaginarem o pênis como sendo de tamanho desproporcional. Tais aspectos citados acima acabam por gerar no DV, de acordo com Moura e Pedro (2006) um conflito com seu próprio corpo, pois o mesmo sofre grandes mudanças a partir do fator biológico, escapando ao controle deste adolescente, exigindo a reconstrução de sua autoimagem, inclusive influenciando na construção de sua identidade, do conhecimento de si mesmo. Por outro lado, o deficiente visual tem sentimento de desvalorização sobre a imagem corporal, tendo em vista que muitas vezes os problemas de socialização é atribuído à cegueira. Nessa fase é comum acontecer o surgimento da raiva e ódio contra a sua deficiência (BRUNS, 2008). Os problemas, entretanto, vão além da biologia. As brincadeiras sexuais e a masturbação, importantes fontes de informação e de autoconhecimento, dificilmente provocam algum tipo de reação por parte de terceiros, quando feitas em recintos privados. Todavia, criança ou o jovem, muitas vezes, descobre de maneira desagradável que outros estavam assistindo à sua exploração sexual. Afinal, como adivinhariam que o local escolhido era justamente em frente à janela que dava para a rua? (PINEL, 1999). Sendo assim, de acordo com esta autora (1999, p. 3) “a maioria das dicas sobre comportamento social é aprendida de forma subliminar”. A habilidade de interagir socialmente de maneira eficaz muitas vezes depende do contato visual apropriado e da capacidade de extrair os matizes da expressão facial e das mensagens não verbais da linguagem corporal. No deficiente visual, essas informações precisam ser verbalizadas, o que nem sempre constitui numa tarefa fácil. Em estudo realizado em uma instituição que atende a deficientes de diversas ordens, Ribeiro (1995) detectou reações e ouviu relatos de profissionais da instituição pesquisada, que afirmavam um sentimento de profundo incômodo, noutros casos repugnância, principalmente na presença de adolescentes se masturbando e/ou trocando carícias, como beijos e abraços entre si. O pesquisador relaciona essa reação aos padrões de normalidade e beleza comumente aceitos. Esses padrões são difundidos em larga escala em nossa sociedade e produzem um efeito de verdade, segundo o qual, o amor e o desejo – e principalmente a manifestação deles – são legítimos apenas para os heterossexuais altos, brancos, magros, jovens, inteligentes, cristãos e ricos; lógica apresnetada também por Louro (2004). Segundo as palavras de Ribeiro, (1995): “[...] a Cultura Ocidental ainda 22
  • 23. manifesta forte aversão à aceitação das manifestações da sexualidade entre as pessoas que fogem aos padrões estabelecidos como normais [...]” (1995, p. 373). Nesse sentido, para Pinel (1999) devemos conscientizar-nos sobre a necessidade de informações corretas e adequadas aos sujeitos com DV, informações estas que se tornam essencial para facilitar a interação social. Qualquer interferência nesse processo acarretará um ajuste ineficaz em sua condição e na expressão de sua sexualidade. Para a autora, o desconhecimento sobre os assuntos da sexualidade alimenta fantasias e conceitos errôneos. A menstruação ganha agravantes e algumas mulheres passam a apresentar um temor excessivo do primeiro contato sexual por imaginarem o pênis como sendo de tamanho desproporcional, dentre tantos outros aspectos (PINEL, 1999, p 221). Por isso, destaca-se a necessidade, como ver-se-á no item a seguir, de que a orientação sexual, seja transparente, libertadora, e afetiva, fato este segundo a literatura, não muito comum tanto nas famílias quanto nas instituições gerais de ensino-aprendizagem. 2.3 Educação sexual e deficiência visual: o diálogo do silêncio nas famílias A família é sem dúvida o alicerce da sociedade e apesar da existência de debates em torno de seu papel atual e da sua composição, ela se constitui como peça fundamental da vida e o principal suporte do desenvolvimento humano. Haja vista que a base é uma unidade primária, portanto qualquer fato memorável que interfira nos padrões de um de seus membros causará influências nos demais integrantes familiares (NOGUEIRA, 2002). Chauí (1984) lembra que a família é uma instituição que, em parceria com a igreja, vem estabelecendo normas e condutas, aos quais vem sendo interiorizadas desde a mais tenra idade de promover uma confusão, cujos elementos são de proibições, interdições e permissões, aos quais, materializados em práticas sociais, delimitando as formas como devemos expressar a afetividade, o erótico, ou seja, a nossa sexualidade. Diante das dificuldades de tocar e de sentir sem preconceitos o próprio corpo nos é transmitido historicamente e atualmente continua reeditada no presente com suas marcas tal como nossas impressões digitais. Visto que “nesse contexto o “não-dito” das mães revelam a repressão sexual e a história da deficiência, tendo em vista que a um só tempo, reproduz o estigma de ser o DV desinteressante, assexuado e deserotizado (CHAUÍ, 1984 p. 8)”. Cientes que seu silenciamento não representa garantias que seu filho não está tendo orientação sexual, porém recebem muitas vezes por intermédio de gestos, timbre da voz, comentários sobre fatos que ocorrem no cotidiano e também pelo modo como a linguagem do toque é vivenciada no universo familiar. 23
  • 24. Para o contexto familiar, a pessoa deficiente muitas vezes é tratada como um ser inferiorizado, incapaz de executar qualquer atividade ou decidir por si mesma, havendo uma subestimação de potencialidades e capacidades, fazendo com que a aquisição da identidade social seja mais tardia do que ocorre com o indivíduo “são” (GOFFMAN, 1988, p.15). Esta autora relata que, com base em uma ‘imperfeição original’ (a incapacidade real) há uma tendência a se inferir uma série de outras ‘imperfeições’, sendo frequente observar, por exemplo, alguém tratando um deficiente visual como se fosse surdo, falando alto com ele, ou, ainda, como se fosse aleijado, tentando levantá-lo. Ressalta-se que à dificuldades encontradas pelos pais em lidar com a sexualidade e DV de seu filho(a) adolescentes, visto que transferem seu papel educativo a terceiros, reproduzindo maneiras de controlar perpetuando por muitas gerações esse ciclo. Sendo assim, a maioria dos pais atribuem essa tarefa a escola, que por sua vez também não está preparada para o cumprimento desta responsabilidade (BEZERRA E PAGLIUCA, 2010). Glat (2004) salienta que as instituições mais próximas da criança – família e escola – não aceitam qualquer atitude ou comportamento que não seja considerado “normal”, e esta faixa de normalidade é, geralmente, muito estreita, em relação à cultura liberal contemporânea. Ela não acolhe as manifestações de curiosidade e exibicionismo, muitas vezes comuns na criança, não aceita expressões de intimidade física entre jovens que são mostradas (e servem de modelo) livremente pela mídia, e ainda considera qualquer comportamento com conotações sexuais como desvio ou distúrbio de personalidade. Nas palavras dessa autora “quando se trata de crianças ou jovens com necessidades especiais, então, somam-se outros estereótipos e preconceitos. É comum ouvirmos, dos adultos, comentários como: “Se ele não consegue nem aprender, como é que fica tão curioso com esses assuntos?” “Será que isto não acontece porque ele tem outros problemas também? (GLAT, 2004, p. 5)”. Sendo assim, a escola e a família não se sentem seguras para lidar com as manifestações se- xuais destes jovens, porque têm dificuldade em lidar com os demais comportamentos das pessoas “especiais”. Esta atitude tem duas principais conseqüências de acordo com Glat 2004: por um lado afeta a construção da identidade e do auto-conceito do jovem com deficiências, já que a sexualidade tem enorme importância neste processo. Por outro potencializam-se os riscos provocados pelo desconhecimento da própria sexuali- dade, em um momento do ciclo vital em que ela é vivenciada de forma tão intensa. Em ou- tras palavras, no caso de jovens com deficiências, aos preconceitos quanto à sua sexualida- de e às dificuldades de difusão de informações e orientações sobre sexo por parte dos adul- tos significativos, agregam-se a processos excludentes e estigmatizantes, que dificultam ainda mais sua inclusão social (GLAT, 2004). Nesse sentido, a criança cega poderia viver em um ambiente familiar favorável que não a 24
  • 25. exclua das expressões relativas à sexualidade e que favoreça uma educação sexual esclarecedora. Segundo Alzugaray e Alzugaray (1995): é fácil ocultar a realidade da criança cega, por exemplo, algumas pessoas vacilam em dar nomes às zonas genitais, e não permitem que as crianças conheçam certas partes do corpo das outras pessoas. Assim, ela pode se enganar quanto ao tamanho, forma ou localização dos órgãos genitais. Por isso, é necessário familiarizá-la desde pequena com seu formato e função, tanto do seu próprio sexo como com os do sexo oposto (ALZUGARAY e ALZUGARAY, 1995). Essa portanto, é uma realidade apresentada por diversos estudos, realizados com populações de diferentes situações socioeconômicas e regiões geográficas, e referentes aos diferentes tipos de deficiência, apontam um grande despreparo, tanto das famílias quanto dos profissionais da saúde e da educação, para lidar com a sexualidade de jovens com deficiências. Alguns autores acreditam que parte do problema deve-se à dificuldade desses adultos com a sua própria sexualidade, e recomendam que a escola/instituição desenvolva programa de educação sexual destinados aos pais e aos professores (GOFFMAN, 1988; RIBEIRO, 1995; GLAT, 2004). Por derradeiro, Bruns (2004) comenta que as relações familiares são fundamentais na promoção do desenvolvimento saudável de crianças com deficiências, especialmente para promover um ajustamento social que será importante na vida adulta sexual e afetiva. O processo para o desenvolvimento afetivo e social do portador de cegueira tem início com o ajustamento para a aceitação desse indivíduo no seio familiar, onde devem ocorrer os primeiros e adequados estímulos que possibilitarão a sua adaptação ao ambiente sociocultural no qual está inserido. 25
  • 26. 3. MÉTODO 3.1 Caracterização da Pesquisa O presente estudo adotou um delineamento qualitativo, uma vez que não se baseia em cálculos ou números, mas no conteúdo das informações obtidas nas respostas dos participantes. Gil (1999) salientou que os estudos qualitativos proporcionaram maior familiaridade com o problema, com vistas a torná-lo mais explícito. Este tipo de investigação visou descrever características de grupos (idade, sexo, procedência etc.) buscou-se o levantamento de opiniões, atitudes e crenças de uma população. Portanto Chizzotti (2001) pontuou que a pesquisa qualitativa parte do fundamento que há uma relação dinâmica entre o mundo real e o sujeito, uma interdependência entre o sujeito e o objeto, um vínculo indissociável entre o mundo, objeto e a subjetividade do sujeito. Sendo a mesma de cunho descritivo. Tendo-se em vista seus objetivos, podendo ser classificado como descritivo. Para Moreira (2008) a pesquisa descritiva foi um estudo de status amplamente utilizados nas ciências comportamentais e na educação. Portanto o seu valor baseou-se na conclusão de que seus problemas foram solucionados e as práticas aperfeiçoadas por meio de observação clara e minuciosa, da criação e da análise. No entanto foram incluídos na categoria descritiva, muitas técnicas e métodos de solução de problemas. 3.2 Universo da Pesquisa A presente pesquisa realizou-se junto a uma instituição voltada ao atendimento/orientação de pessoas com deficiência visual da cidade de Lages- SC. Esta instituição conta atualmente com cem (100) associados/Deficientes Visuais, e quatro funcionários, sendo uma contratada pela instituição e três pela prefeitura, e funciona em horário comercial. Participaram da presente pesquisa seis associados (as) com DV, sendo três participantes do sexo masculino e três do sexo feminino. Os critérios de inclusão dos sujeitos no estudo foram: ter idade a partir de 18 anos, para se evitar a necessidade de autorização de pais ou responsáveis, e que tivessem disponibilidade em participar da pesquisa. Logo, poderiam ser jovens e adultos até meia idade, haja vista, que o objetivo era analisar como se deu o processo de educação sexual por parte 26
  • 27. de suas famílias, e não necessariamente buscou-se uma faixa do desenvolvimento em especial. Quanto à limitação do número de participantes, deu-se pelo método de saturação1 . Entre os associados do sexo masculino que frequentam a instituição, em sua maioria são menores de 18 anos ou com idade acima de 40 anos. Dos três participantes masculinos que correspondiam à este critério, um não foi autorizado pela família a participar do estudo. Em relação à participação das mulheres, foi possível encontrar maior número de participantes que correspondiam à esse critério. O quadro a seguir apresenta a caracterização dos participantes da pesquisa, onde estes podem ser identificados por nomes fictícios, relacionados a sentimentos, para garantir o sigilo da identidade dos participantes. A escolha de sentimentos também ilustra a sensibilidade das pessoas com deficiência. Quadro 1: Caracterização dos participantes Nome Idade Sexo Estado Civil Escolaridade Causa da Deficiência visual Alegria 38 anos Feminino Solteira Ensino médio completo Queima do nervo óptico Amor 22 anos Masculino Solteiro Cursando o ensino médio Catarata, descolamento da retina Carinho 24 anos Masculino Solteiro Cursando o ensino superior toxoplasmose Entusiasmo 44 anos Masculino Casado Superior completo Consanguinidade (incerto) Esperança 32 anos Feminino Casada Especialista Consanguinidade Simpatia 28 anos Feminino Solteira Cursando supletivo toxoplasmose Fonte: pesquisa 2011 Vale ressaltar a fala de Amiralian (1997) pois assinala que as pessoas cegas possuem uma deficiência sensorial, ausência da visão que as limita em suas possibilidades de compreensão do mundo externo, o que interferem em seu desenvolvimento e ajustamento às situações cotidianas da vida, no entanto em níveis que diferenciam esse comprometimento. Segundo a Fundação Catarinense de Educação Especial (2001) baixa- visão é o comprometimento do funcionamento visual de ambos os olhos, mesmo após tratamento ou correção. Cegueira é a perda total ou o resíduo mínimo de visão. Sendo a experiência destes últimos, que interessou a esta pesquisa. Nesse viés, ressalta-se que optou-se por sujeitos na fase do desenvolvimento adulta jovem, tendo se em vista, que os mesmos já passaram pelos principais processos envoltos a adolescência. 1 Amostragem por saturação é freqüentemente empregada nas investigações qualitativas. É usada para estabelecer ou fechar o tamanho final de uma amostra em estudo, interrompendo a captação de novos componentes (FONTANELLA, et all, 2008). 27
  • 28. Eizirik, Kapczinski, Bassols (2001) relatam que a passagem do adulto jovem para a idade adulta é lenta e gradual, sem modificações rudes físicas ou psicológicas, ao contrário da infância para a adolescência. No entanto resumir e reavaliar são características marcantes do período, mesmo que não hajam mudanças notáveis. A amostra realizada foi não-probabilística e por conveniência, pois não foram todos os associados(as) que frequentam esta instituição que puderam participar da pesquisa. Desse modo, inicialmente realizou-se um contato verbal com o presidente da instituição, onde foram expostos os objetivos da pesquisa e solicitou-se sua autorização para a realização. Após a autorização do presidente, foi solicitado que ele próprio indicasse alguns dos participantes, selecionados pela pesquisadora de acordo com a disponibilidade de ambos. 3.3 Procedimentos de Coleta de Dados Num primeiro encontro, foi realizado um contato com os/as participantes, nas próprias instalações da instituição, após indicação do presidente. Nesse momento foram marcadas as datas para coleta de dados. A coleta de dados aconteceu junto às instalações da UNIPLAC, nas instalações da instituição que atende pessoas com DV, e em uma escola de jovens e adultos da cidade. Esses locais foram definidos de acordo com a disponibilidade tanto dos participantes quanto da pesquisadora. Além todos os locais onde aconteceram as entrevistas, garantiram o isolamento acústico e a não interrupção, estando os participantes a vontade para responderem os questionamentos sem constrangimento. Destaca-se que o projeto dessa pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisas com Seres Humanos da Uniplac, no dia 27 de julho de 2001, sob o número de protocolo 038-11. Na data marcada para a coleta de dados, os participantes receberam o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (Anexo I), onde foram informados sobre o teor e objetivos da pesquisa, conforme a Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde. As entrevistas tiveram início somente após a assinatura do TCLE por parte dos participantes, onde foi ressaltado a importância de sua participação. Como instrumento para coleta de dados, utilizou-se de uma entrevista semi-estruturada (Apêndice I). Salienta-se que para coleta dos dados, pelo fato de a pesquisadora ser deficiente visual, contou com o auxílio de uma psicóloga para o processo de gravação das entrevistas e leitura do TCLE, mantendo igualmente o compromisso com o sigilo das informações. As respostas obtidas através dos participantes, após gravadas, foram transcritas fidedignamente, para posterior análise fundamentada. Nesse contexto, vale destacar que a: 28
  • 29. A partir do referencial teórico, elaborou-se a entrevista (Roteiro - Apêndice I) que norteou a presente pesquisa. Ao que se refere ao uso de entrevistas semi-estruturadas, Boni & Quaresma (2005) salientam que esta combina perguntas abertas e fechadas, onde o informante tem a possibilidade de discorrer sobre o tema proposto pelo pesquisador, seguindo um conjunto de questões previamente definidas, mas a conduz semelhante a uma conversa informal. Entretanto, o pesquisador fica atento para dirigir, no momento em que julgue oportuno, a discussão para o assunto que o interesse. Para tanto, pode fazer uso de perguntas adicionais para elucidar as questões que não ficaram claras ou auxiliar a compor o contexto da entrevista, caso o pesquisado tenha “fugido” ou tenha dificuldades com ele. Além disso, destaca-se que a entrevista semi-estruturada é uma técnica de coleta de dados que supõe uma conversação continuada entre informante e pesquisador e que é dirigida por este de acordo com seus objetivos. Desse modo, da vida do informante só interessa aquilo que vem se inserir diretamente no domínio da pesquisa. Considera-se que, por essa razão, existe uma distinção nítida entre narrador e pesquisador, pois ambos se envolvem na situação de entrevistas movidos por interesses diferentes (CHIZZOTTI, 2001). 3.4 Procedimentos de Análise de Dados A análise de conteúdos de Bardin (1970) teve sua origem no final do século passado, onde suas características e diferentes abordagens, no entanto foram ampliados nos últimos cinqüenta anos. Mesmo sendo uma fase de produtividade, ou seja, orientada por padrões alicerçados nos princípios positivistas, reconhecendo sua objetividade e a quantificação, esta metodologia de análise de dados vem atingindo novas provocações de possibilidades na proporção em que se integra cada vez mais na exploração de mensagens e informações. Ainda que esporadicamente não com a denominação de análise de conteúdo, mas sim persuasivo em trabalho de natureza dialética, fenomenológica e etnográfica, além de outros. Há diversas descrições diferenciadas sobre a análise de conteúdo, no caso deste estudo, foram interpretadas em cinco etapas: • Preparação das informações; • Unitarização ou transferência do conteúdo em unidades; • Categorização ou classificação das unidades em categorias; • Descrição; 29
  • 30. • Interpretação. 3.5 Análise de Riscos e Benefícios Seguindo a Resolução 196/96 que diz respeito às normas éticas da pesquisa com seres humano, foi apresentado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido - TCLE para os próprios participantes haja vista, que são sujeitos com DV, com idades superiores à dezoito anos. O sigilo quanto à identidade e as informações fornecidas foram preservados, esta entrevista não apresentou danos graves ao bem estar físico, moral ou psicológico, porém, o entrevistado que se sentiu lesado ou mobilizado, foi encaminhado pela pesquisadora ao Serviço-Escola de Psicologia da UNIPLAC, para acompanhamento psicológico gratuito. Como benefício, esta pesquisa procurou desvelar, mesmo que modestamente, a forma como as famílias lidam com o processo de educação sexual de seus(as) filhos(as) deficientes visuais, contribuindo assim, para a construção de novas práticas por parte da psicologia. Embora, que estudos apontam que a simples idéia de que alguma pessoa com deficiência física ou mental possa ter desejos sexuais, costuma ser incômoda, quando não repugnante, para a maioria das pessoas. Esquece-se assim, que a sexualidade não é uma atividade genital, mas, sim, a mais íntima manifestação de vida; nosso desejo mais primário no que tange a amar e ser amado (PINEL,1999). 30
  • 31. 4. ANÁLISE E DISCUSSÃO DE DADOS Este capítulo descreve a análise dos dados obtidos na realização desta pesquisa. Organizou- se em categorias as falas dos sujeitos, tendo-se em vista que estas agregam cinco eixos de análise que compõem este item, dentre estes: 1) Causas da cegueira; 2) Interfaces da vida cotidiana do DV: amizades, atividades e relacionamentos; 3) Nuances de um corpo velado: o estigma da deficiência visual; 4) Educação sexual x DV: a omissão do diálogo aberto nas família; 5) Narrativas em torno de métodos contraceptivos, doenças sexualmente transmissíveis/AIDS, conforme pode ser visualizado no texto a seguir. 4. 1 Causas da cegueira sob a perspectiva dos DVs A deficiência visual é um termo empregado para referir-se à perda visual que não pode ser corrigida com lentes por prescrição regular. Compreende tanto a cegueira total, ou seja, a perda total da visão nos dois olhos, quanto a visão subnormal, que é uma irreversível e acentuada diminuição da acuidade visual que não se consegue corrigir pelos recursos ópticos comuns (FUNDAÇÃO HILTON ROCHA citado por MOURA E ROCHA, 2006). Contudo, todos os participantes desse estudo apresentam perda total da visão. Esta categoria aborda as causas que podem estar associadas ao diagnóstico de deficiência visual na concepção dos participantes. Observou-se que os motivos da cegueira são diversificados. Nota-se que cinco participantes tem certeza sobre essas causas, e apenas um tem dúvida. Entre eles, dois casos referem-se à toxoplasmose, dois casos de consanguinidade, um caso de catarata e outro foi um possível caso de Retinopatia da Prematuridade. Ao que tange esta ultima, resulta da exposição de bebês prematuros, à aplicação de oxigênio na incubadora, ou seja, há o surgimento de uma massa fibrosa na região central da retina que pode levar ao seu descolamento (LIMA, NASSIF, FELIPPE, 2008). Por descolamento de Retina, compreende-se por orifícios, dilaceramentos e separação entre a retina e a coróide que geram consequente traumatismo ou enfermidades oculares (LIMA, NASSIF E FELIPPE, 2008). Já por Catarata é a denominação dada a qualquer opacidade do cristalino, que não necessariamente afete a visão. É a maior causa de cegueira tratável nos países em 31
  • 32. desenvolvimento. Segundo a Organização Mundial de Saúde, citado por Centurion (2003), há 45 milhões de cegos no mundo, dos quais 40% são devidos à catarata. As causas não estão bem definidas, porém estudos epidemiológicos revelam associação de catarata à idade. Inúmeros fatores de risco podem provocar ou acelerar o aparecimento de catarata, incluindo medicamentos, substâncias tóxicas, doenças metabólicas, trauma, radiações, doença ocular, cirurgia intra-ocular prévia, infecção durante a gravidez e fatores nutricionais (CENTURION, 2003). A catarata congênita, para Santos e Vegini (2006) assim como o glaucoma congênito, podem ter seus efeitos deletérios sobre a visão minimizados com o diagnóstico e o tratamento precoces. Dentre principais infecções congênitas com acometimento oftalmológico são a toxoplasmose, a rubéola e o citomegalovírus (CMV). A toxoplasmose2 é uma importante causa de baixa de visão em crianças. Mais de 82% dos indivíduos com infecção congênita, se não tratados durante o primeiro ano de vida, desenvolvem lesões coriorretinianas até a adolescência. O tratamento desses casos reduz para 58% a porcentagem de lesões coriorretinianas observadas (GRAZIANO, 2003). Seu agente etiológico é o Toxoplasma gondi, sendo identificados em seu ciclo de vida complexo dois hospedeiros: o gato, como hospedeiro definitivo e o homem, mamíferos e aves, como hospedeiros intermediários. Pode ser transmitida de diversas maneiras, como po exemplo, pela ingestão de oocistos encontrados na terra, areia e nos alimentos, de cistos teciduais encontrados nas carnes cruas e mal cozidas de porco, carneiro e bovina, e por via transplacentária. Mais raramente ocorre a transmissão por meio de transfusão sanguínea, transplante de órgãos e acidente em laboratório. A infecção toxoplásmica ocorre em todo o mundo, sendo que de 70 a 100% dos adultos são considerados infectados (FILHO et al, 2005). Segundo Santos e Vegini (2006), a toxoplasmose pode ter sua prevalência diminuída por meio de um controle mais rigoroso das doenças infecciosas no pré-natal, dos hábitos alimentares e higiênicos. Além disso, a relação entre anomalias congênitas e consanguinidade é observada em várias investigações científicas. Um estudo que verificava a presença de anomalias congênitas em crianças provenientes de casamentos consanguíneos encontrou uma associação significante entre consanguinidade de primeiro grau e anomalias como paralisia cerebral, fibrose cística, retardo físico, cegueira congênita assim como fissura palatina. Estudo realizado na América Latina mostraram que 5.931 crianças, de um total de 32.845, eram provenientes de casamentos consanguíneos e apresentavam anomalias congênitas (AQUINO, 2011). Logo, abaixo, adentrar-se nas produções discursivas dos participantes ao que tange as amizades, atividades e relacionamnetos. 2 A toxoplasmose é uma zoonose, doença transmissíveis de animais para o homem ou vice-versa. 32
  • 33. 4.2 Interfaces da vida cotidiana do DV: amizades, atividades e relacionamentos Nesta categoria, passamos agora a compreender a vida cotidiana desses sujeitos, ao que se refere às amizades, relacionamentos afetivos e atividade de lazer e trabalho. Pode-se observar que as limitações geradas pela deficiência, não interferem para que saiam sozinhos com os amigos, alguns destes trabalham ou estudam. Buscam achar soluções para suas dificuldades do cotidiano, com exceção de Esperança, que descreve não manter muitas atividades sociais. Dentre os programas mais realizados, destacam: “Vou bastante na associação dos deficientes visuais, eu gosto de café colonial” (Alegria) “Só estudar. Eu participava dos esportes, mas daí eu não quis mais participar pra poder es- tudar, né.” (Simpatia) “Frequentemente, não.” (Esperança) “Quando eu era solteira. A gente costumava mais ir pra camping, festinhas assim, barzi- nho.” (Carinho) “Há um tempo atrás era tomar cerveja, escutar um futebol.” (Entusiasmo) “Costumo ir em boates, em bar, depende, depende do momento, do dia.” (Amor) Pode se observar que as preferências dos participantes ao que tange atividades de lazer e di- versão são as mesmas de qualquer outros adultos jovens. Contudo, tais depoimentos parecem adqui- rir uma dimensão maior por se tratar de atividades que não podem desempenhar sozinhos. Quanto ao circulo de amizades, que construíram ao longo de suas vidas três participantes destacam que em sua maioria são deficientes, contudo os outros três participantes salientam que ambos deficientes e não deficientes fazem parte do seu circulo de amizades. Observa-se que o fato de reconhecer no ou- tro, as suas dificuldades, faz com que se sintam mais acolhidos em suas particularidades. Vale sali- entar que, uma das queixas mais frequentes entre os participantes deste estudo, se refere às poucas oportunidades que os jovens tinham de vivenciar experiências e atividades próprias da juventude, com grupos de seu interesse enquanto adolescentes, forçando-os ao convívio social restrito a pró- pria família até pouco tempo em alguns casos. Na concepção de Moukarzel (2003) tal atitude da família, tem colaborado para acentuar comportamentos considerados inadequados, reforçando a crença das dificuldades de adaptação e aquisição de habilidades sociais entre os deficientes visuais e o sentimento de insegurança, fragili- 33
  • 34. dade e dependência, além de revolta e indignação entre os jovens. Assim, a carência de oportunida- des para se envolverem com outros grupos dificulta o estabelecimento de vínculos afetivo-sexuais, impedindo-os de aprender a desenvolver com responsabilidade relacionamentos amorosos, tão im- portantes para a compreensão de sua própria sexualidade. Estas restrições tornam-se ainda mais acentuadas quando envolvem as pessoas do sexo femi- nino, para as quais as famílias costumam manter um controle mais acirrado. Tal realidade pode ser analisada na vivência de Simpatia, que afirma ser virgem, assim como também de Alegria, que ex- pressam a busca de um parceiro, contudo com certas dificuldades, tendo-se em vista as nuances fa- miliares. O namoro, também se faz presente nos discursos dos participantes, pois alguns relatam que no momento encontram-se solteiros, mas que já mantiveram uma relação estável. Apenas Esperança relata não ter tido uma relação mais duradoura até o presente momento. Quando questionados sobre qual a diferença que estes atribuíam ao “ficar”e ao “namorar”. Essas concepções estavam ligadas ao “efêmero” ficar, e ao “contato mais íntimo, comprometido, mais sólido” com o namorar, conforme depoimentos abaixo: “Assim eu... rolou beijos, só beijos e abraços, a gente namorou 4 meses, mas não rolou mais nada. Ficar eu não sei, eu beijava ele, eu abraçava, a gente andava junto, ficava junto, mas ficar assim eu não sei.” (Simpatia) “Penso que ficar é algo passageiro, e namorar é o fixo mesmo, algo mais fixo, com mais comprometimento, compromisso.” (Esperança) “A diferença entre ficar e namorar é que ficar é momentâneo, seja com transa ou sem transa, com sexo ou sem sexo, e o namorar é um pouquinho mais comprometido, tem um pouquinho de mais compromisso com o outro.” (Entusiasmo) Nesse viés, Moukarzel (2003) destaca que para os jovens com deficiência, namorar é uma das atividades mais cobiçadas representando, para a maioria, talvez a única oportunidade de aproximação íntima e compartilhamento afetivo com o outro. Poucas, porém, são as chances e o entendimento, por parte da família e da sociedade, do significado deste ato para o jovem com deficiência, ainda percebido com preconceito e alvo de muitas interdições. Namorar, beijar, acariciar, amar e sentir-se amado são sensações e experiências desejadas por qualquer pessoa. No entanto, a maioria dos adolescentes com deficiência é impedida de envolver-se em relacionamentos amorosos, por predominar entre suas famílias a idéia que o namoro levará, infalivelmente, ao desejo de relacionar-se sexualmente. Para os jovens, a frustração pelo tolhimento de suas aspirações 34
  • 35. erótico-afetivas os coloca numa situação de inferioridade perante os demais, com repercussões intensas em seu comportamento. Para esta autora, aqueles que conseguem vencer as barreiras familiares, em geral, mostram-se mais tranquilos, alegres e confiantes, experimentando as mesmas descobertas e dissabores de outros relacionamentos. Ainda nesse viés, destaca-se que quatro participantes apresentam um enfoque biologicista3 , ao descreverem o que seria ter uma relação sexual, “transar”, a exemplo da fala de Entusiasmo: “a transa é apenas o ato de copular, introduzir o pênis na vagina”. Muito embora, a fala de Amor, destaca esta como sendo um ato afetivo, nas palavras do mesmo:“Uma relação eu acredito que tem que envolver sentimentos”. Simpatia relata contudo, nunca ter tido uma relação sexual e respondera não saber ao certo do que se trata. Ao que tange essa última fala, vale destacar que a desinformação ainda é o maior obstáculo para a elaboração de conceitos e posicionamentos próprios frente a estas questões, independente da natureza de suas limitações. Mesmo entre aqueles DV que têm ou já tive- ram vida sexual ativa, as noções são bastante precárias, tornando-os susceptíveis a situações de ris- co em níveis e instâncias variadas (MOUKARZEL, 2003). Reconhecer a cidadania destas pessoas implica também em reconhecer seu direito de escolha, oferecendo-lhes o apoio para que possam as- sumir com segurança e responsabilidade suas decisões, fato incomum nos ambientes em que convi- vem. Quando se aborda o tema corpo/organismo, ligando-o principalmente ao aspecto biológico e reprodutivo, acaba-se por secundarizar ou mesmo silenciar outras questões, tais como relações, constituição de gênero, afetos, e outros aspectos que fazem parte da sexualidade, desprezando assim a realidade, a diversidade e o multiculturalismo (BRAGA, 2006). Fernández, citado por Salla e Quintana (2002), traz uma distinção entre organismo/corpo e explicita: "Organismo é o equipamento genético-infra-estrutural neurofisiológico de todas as coordenações possíveis. O organismo é recebido por herança". Enquanto por corpo entende-se uma construção realizada sobre a "matéria-prima" fornecida pelo organismo que, atravessado pela inteligência e pelo desejo, em um momento histórico determinado, transforma-se em corpo. Nesse sentido, entende-se que o corpo compreende o substrato orgânico fornecido pelo organismo, mas transcende esse organismo quando passa a ter uma lugar social, um papel na história e um psiquismo. Considerando-se essas definições, parece que as concepções acerca da sexualidade estão mais associadas ao "organismo" do que ao "corpo" propriamente dito, realizando uma cisão que elimina o desejo e o afeto e reduzindo, assim, a sexualidade ao organismo (SALLA e QUINTANA, 2002). 3 Enfoque biologicista não compreende ou não considera adequadamente as dimensões sócio-econômicas e culturais envolvidas nos processos (TRAD e BASTOS, 1998). 35
  • 36. Assim, quanto aos que já haviam tido uma relação sexual destaca-se, que estes iniciaram na adolescência, ou como no caso de Carinho, aos 22 anos, na fase de adulto jovem. Ademais, relatam que nunca foram assediados por adultos, através de propostas inconvenientes, ou atitudes hostis. Contudo, alguns valores sociais mais cristalizados em torno da estruturação de um relacionamento se fizeram presentes no discurso de dois participantes: “Ficar eu mesma particularmente nunca fiquei. Eu tive três namorados e sempre que eu iniciava um relacionamento eu dizia se é pra ter algo sério a gente continua senão já pa- ramos por aqui, porque eu nunca fui a favor de ficar, ficar não envolve nenhum tipo de compromisso então pra mim ficar não existe, ou é namorou ou não é nada” (Carinho) “Ah, ficar não é uma coisa muito séria, né? Já namorar é uma coisa mais séria, é pra casar. Existe diferença” (Alegria) No entanto, pode-se observar nas entre linhas desses discursos que o casamento, como insti- tuição consagrada na cultura cristã, habita o imaginário afetivo-sexual destas pessoas, não sendo di- ferente para o portador de deficiência visual que, como se sabe, assimila as regras e valores morais de seu contexto social. Assim para Moukarzel (2003) o mesmo imperativo ideológico que o faz in- corporar tais conceitos, impõe também os dispositivos de exclusão para a vivência compartilhada de seus desejos. No tocante a esta questão, dois imperativos de negação se sobrepõem: de um lado, as injunções morais de negação do prazer e, de outro, as reminiscências teóricas sobre o caráter dege- nerativo da deficiência. Na atualidade, mais um fator vem se agregar a tais impedimentos: as ques- tões de ordem econômica na manutenção da vida familiar. 4.3 Nuances de um corpo velado: o estigma da deficiência visual Essa categoria aborda a relação dos sujeitos entrevistados com o seu próprio corpo, bem como, se reconhecem práticas auto-eróticas, como a masturbação, como forma de auto-prazer e reconhecimento corpóreo. Nesse viés, Bruns (1995) destaca que o corpo, como instância privilegiada do desejo e das sensações gratificantes e prazerosas, vem sendo alvo de controle e interdições que remontam aos primórdios da vida social, passando por períodos de maior ou menor afrouxamento das práticas sexuais. Na sociedade brasileira, é a partir da década de 20 que uma tecnologia de depuramento racial e disciplinamento vai atuar com mais intensidade sobre a família, por meio das políticas higienistas que se instauram com vistas a alavancar o desenvolvimento 36
  • 37. urbano e industrial. Na defesa de uma política eugenista para o Brasil em 1933, Octavio Domingues, recomendava medidas chamadas positivas com finalidade de promover as uniões dos melhores elementos raciais, isto é, do matrimônio dos bem-dotados, de modo que sejam estes os povoadores do país. Há também que desaconselhar os conúbios ou a geração entre indivíduos que apresentam flagrante, na sua ascendência, tipos com males hereditários, um hemofílico por exemplo, um toxicômano declarado, um anormal, um coreico, um epileptico mioclonico, um cego hereditário, um diabético, etc (MARQUES apud MOUKARZEL, 2003). Assim, estas medidas profiláticas, com seus mecanismos reguladores dos processos biológicos, vão consolidar uma desastrosa ideologia de negação da sexualidade dos considerados imperfeitos ou desajustados, desdobrando-se em prescrições impeditivas da vivência sexual que se estendem aos dias atuais, impedindo que pais e profissionais possam admitir, por força de suas concepções morais e culturais, novas orientações a esse respeito afrontando, inclusive, direitos já reconhecidos. Nos exemplos abaixo, é possível perceber o temor e a resistência dos(as) participantes em falar sobre a sua relação com o seu próprio corpo. A maioria dos(as) participantes destaca que o toque ocorre em situações de necessidades de higiene, ademais, dois participantes relatam não se tocarem, dessa forma é possível se observar como o próprio corpo para o DV torna-se fato obscuro. Observa-se assim que esse tema é percebido como um tabu, onde quando ocorre o toque ao próprio corpo, é motivado por necessidade e não por curiosidade, além de causar certo constrangimento. A seguir duas falas ilustram essa observação: “Costumo (...) Assim né, quando a gente vai tomar banho, quando vai se arrumar né, quando a gente tá menstruada vai trocar o modes.” (Simpatia) “Muitas amigas perguntam se eu não tenho vontade, eu digo não. Eu tomo banho bem rapidinho.” (Alegria) Vale destacar nesse contexto, que a experiência da sexualidade e da corporalidade de modo geral, é fator integrante do processo de formação de identidade, que por sua vez é determinado, em grande parte, pelas mensagens que o indivíduo recebe no convívio com outras pessoas. A formação de identidade pessoal é a essência do processo de socialização, e consiste em comparar -se e ajustar- se aos padrões reconhecidos como “normais” pelo grupo social. A imagem que um indivíduo tem de si e de seu corpo é definida a partir das percepções e representações que os outros membros do seu grupo social fazem dele, portanto, pessoas com deficiências, assim como outras minorias desvi- antes, por não conseguirem aderir aos padrões sociais de normalidade, são considerados anormais 37
  • 38. (fora da norma), sendo marginalizados ou excluídos da vida social. Em função desta situação de vida estigmatizada, desenvolvem uma personalidade, identidade pessoal, ou maneira de ser no mun- do incompleta, fragmentada, “excepcional” (GLAT, 2004). Para Madeira (2009) citado por Gesser (2010), portanto, o padrão de corpo e a forma de se relacionar com o mesmo, as atribuições de gênero e o padrão de sexualidade operam como uma vio- lência normativa que tende a oprimir material e simbolicamente as pessoas com deficiência (embora os processos de apropriação dessa experiência sejam marcados pela singularidade que contribui para que sintam e lidem com essa opressão de forma diferenciada). Portanto, para Gesser (2010) a deficiência é uma construção social decorrente de condições históricas, materiais e políticas que marginalizam e excluem as pessoas com deficiência. Esta concepção teórica possibilita entender que a deficiência é constituída pela hegemonia das significações de normalidade presentes nos diferentes momentos históricos que vão sendo apropriadas pelos sujeitos, com e sem deficiência, nas relações sociais cotidianas e pela implicação que essa hegemonia tem na construção dos espaços públicos padronizados a um único tipo de corpo. Para esta autora “essas significações dão a idéia de que existe um corpo “completo”, “perfeito”, “ideal” e que este é a única possibilidade de ser no mundo”. (GESSER, 2010, p.11. Grifos da autora). Contudo, as deficiências sensoriais não produzem limitações nos mecanismos de respostas sexuais, mas dificuldades na adaptação do indivíduo ao seu meio social. O desenvolvimento da sexualidade da pessoa com deficiência visual torna-se limitado devido ao comprometimento na possibilidade de aprender e principalmente na construção das representações subjetivas da auto- imagem, noção de estrutura corporal e conhecimento das partes anatômicas, ou seja, os processos psicossociais da sexualidade (MAIA, 2006). Desse modo, é preciso que a educação sexual destinada à pessoa com deficiência sensorial valorize características físicas e psicológicas do sexo oposto, pois o que não se conhece converte-se em algo misterioso e intimidador, o que dá lugar a falsas expectativas, fantasias e inseguranças, complexos e repressões. Assim, há uma dificuldade da pessoa cega em conhecer adequadamente aspectos básicos da sexualidade, como diferenças entre gêneros e anatomia do corpo humano (MAIA, 2006). Para Gaio (2006) já foram ultrapassados os períodos da história onde a sociedade não possuía uma organização formal, e por isso também não possuía condições de atender aos deficientes, como na sociedade primitiva; já passou o período em que a Educação Física era praticada para gerar corpos fortes para combates em nome da pátria, como na Antiguidade; já não se pensa mais no corpo como fonte de pecado, como na Idade Média, por isso não é mais preciso esconder o corpo com deficiência; já se passou do sistema feudal para o sistema capitalista, o que 38
  • 39. também modifica a relação com o corpo. No século XXI, evoluí-se em tecnologia, em comunicação, mas ainda há muito a se fazer em relação ao exercício da prática social da aceitação de corpos diferentes (GAIO, 2006). Ademais, para Golçalves, citado por Gaio (2006), a forma como o homem lida com sua corporalidade, os regulamentos e o controle do comportamento corporal não são universais e constantes, mas sim uma construção social, resultante de um processo histórico. Cada corpo, expressa a história acumulada de uma sociedade que nele marca seus valores, suas crenças e seus sentimentos, que estão na base da vida social. Vale ressaltar que uma das principais características do modo fugaz de vivenciar a sexualidade na contemporaneidade se constitui no privilegiamento do sentido da visão. A velocidade da mídia exige a velocidade do olhar. Inegavelmente, o olhar pode funcionar como uma forma de aproximação, de sedução e de magnetismo no jogo erótico, constituindo uma linguagem universal de atração; ou também de indiferença ou aversão entre as pessoas..O olhar representa um estado inicial de atração, mas o momento seguinte à aproximação vincula-se, também, aos outros sentidos: o tato, a audição, o olfato, que, aliados, compõem a atração pelo objeto desejado como um todo. Nas relações amorosas, o gesto, o toque, a voz, o corpo, o beijo e o cheiro da pessoa amada são percebidos em sua especificidade e totalidade erótica. Nestes momentos, cegos e não-cegos transitam por horizontes singulares e, ao mesmo tempo, semelhantes. Contudo, diante dessa realidade, são inúmeras as barreiras a serem ultrapassadas pela pessoa cega, desde a mais tenra idade. O referencial de cognição da pessoa cega centraliza-se, particularmente, na percepção auditiva, tátil, olfativa, fato que não recebeu, ainda, a devida atenção das políticas educacionais, dos meios de comunicação e da sociedade como um todo (BRUNS, 2008). Ao que tange a masturbação, esta é uma prática conhecida por todos, embora nota-se que apesar de alguns sujeitos afirmarem que não se masturbam, confirmaram que às vezes tocam partes do corpo. Contudo as moças não mostraram receio em falar sobre o tema, pois consideram a mas- turbação como uma forma de tornar mais prazerosa a relação sexual. Pode-se observar ainda, que a masturbação ganha sentidos múltiplos, que envolvem autoconhecer-se; como pode ser visto na fala de Carinho: “Eu acredito que a pessoa ao se masturbar tá se autoconhecendo, tá sentindo prazer por ela própria, é o auto-conhecimento do seu próprio corpo” Carinho, orgasmo sem relação sexu- al: “Pra.. é só um passatempo. É pra você, com é que eu vou explicar, pra você gozar sem ter rela- ção sexual” (Amor), prática para a vida sexual, como destacado por este participante: “Penso que é um ato que dá início a uma vida sexual” (Esperança). Contudo, Simpatia enfatiza, total desconhecimento dessa prática, ao expressar: “Não entendo nada. Nem imagino como é”. Nota-se assim, a importância da desmistificação do corpo “deficiente”, que ainda é vista pelo discurso moralista como a sede dos sentidos “depravados” e, 39
  • 40. ancorado na “visão platônico-cristã, dissocia o amor espiritual do amor carnal e associa sexo ao pecado” (ARANHA e MARTINS, apud BRUNS, 1995). O problema está centrado em questões culturais e ideológicas que dizem respeito à realidade social e política da instituição familiar que, por sua vez, repete na educação da criança com deficiência visual não só o estigma de incapaz, como o de desinteressante e assexuado. Sendo assim, punidos em dose dupla. Ademais, chama-se atenção para a necessidade de programas voltados a educação sexual in- tensional e desmistificação de práticas como a masturbação, haja vista que a mesma torna-se um meio de integração biopsíquica do indivíduo. E por meio dela, tanto o homem como a mulher, co- meçam a tomar contato com seu próprio corpo, reações, sentimentos e sensações até então desco- nhecidas. Esse contato com o próprio corpo facilita a aceitação e a consciência de que estão ocor- rendo mudanças. A exploração desse corpo cria uma pessoa saudável, disponível, sem preocupa- ções neurotizantes, pelo conhecimento de seus limites e possibilidades de realizações (SALLA E QUINTANA, 2002). Nesse mesmo viés, Moura e Pedro (2006) ressaltam que a cultura sexual de massa é quase restrita a estímulos visuais. Faltam no Brasil programas de educação sexual intensional adaptados ao deficiente visual. Já que esses indivíduos não podem aprender por imitação visual, o ideal seria que todos os movimentos lhes fossem demonstrados e com eles juntamente realizados, explorando- se, dessa forma, os sentidos remanescentes do deficiente visual, tato e audição, de modo a contribuir para o melhor entendimento das informações de forma bastante superficial e não atendendo adequa- damente às necessidades de um deficiente visual. Conclui-se assim, que a exemplo do que expressa Bruns (1995) os entrevistados enquanto deficientes visuais foram “educados” não abertamente para serem indefesos e dependentes, sendo- lhes impressa, pelas próprias famílias, a idéia de que são inábeis e incapazes de alcançar uma vida sexual plena e prazeirosa. Contudo, salienta-se que a conscientização e o apoio por parte da família e da sociedade em geral são fundamentais para que os portadores de deficiência visual desenvolvam suas potencialidades e adquiram autonomia. Ademais, no próximo item dar-se-á continuidade as reflexões realizadas até aqui, adentrando-se por meio das narrativas dos participantes, na forma como se deu a orientação sexual propriamente dita, no seio de suas famílias. 4.4 Educação sexual na DV: a omissão do diálogo aberto nas família Nesta categoria, foram abordadas as educações parentais em termos de sexualidade e outros aspectos relevantes da vida familiar, como, por exemplo, com quem conversam sobre assuntos rela- 40
  • 41. cionados à sexualidade e quais os conteúdos e formas de orientações sexuais recebida; como acon- teceu o processo de comunicação dos DVs com as famílias em relação as suas vivências afetivo- sexuais. As falas expressam a forma como a família lidou com tal situação, participantes como Alegria, Esperança e Entusiasmo enfatizam a dificuldade de alguns, quando não todos os membros da família em entender que esta era somente mais uma forma de seus filhos expressarem que são sujeitos que possuem os mesmos desejos e potencialidades que as pessoas tidas como não deficien- tes ou diga-se, “eficientes”, conforme depoimentos: “Ah meu pai achou normal, mas minha mãe não aceita muito não [...]Muitas vezes, eu não conto pra eles, já namorei mais escondido.” (Alegria) “No início foi complicado pra família entender, mas após entenderam o caso.” (Espe- rança) “Não teve reação. Porque a gente namorava ou ficava não contava.” (Entusiasmo) Entusiasmo complementa que toda a sua educação foi transpassada, pela “lei do silêncio”, ou seja, os pais embora tivessem conhecimento não buscavam dialogar, ou mostrarem abertura para uma conversa mais informativa, seja por vergonha, despreparo, dentre outros fatores. Fazendo-se assim, que a escola fosse o único e o principal espaço para que o conhecimento pudesse chegar até o mesmo, conforme depoimento abaixo: “Os pais nunca interferiram na questão sexual da gente e na verdade a gente nunca teve esclarecimento de nada em casa. Eu, como a professora, a gente estudou no colé- gio S. e era meninos e meninas separado, e tudo que a gente aprendia fora da escola, educação sexual era a parte chula, como diz, a parte maliciosa da coisa, e a parte edu- cação sexual a gente aprendeu na escola. Meus pais a gente nunca, como muitas famí- lia pobres não obtém esclarecimento nenhum, tinham vergonha de dizer pra gente a se- xualidade, porque eu sou do tempo, era do tempo que o bebê vem da cegonha.” (Entu- siasmo) Observa-se ainda, que a preocupação demasiada e a superproteção permanente parecem es- tar associadas ao descrédito quanto às possibilidades do deficiente tornar-se independente e gerir seus próprios destinos, impedindo-os de se desenvolverem e adquirirem autonomia, constatação esta que se torna mais acentuada no caso de pessoas do sexo feminino, independente da deficiência. Glat (1989), a respeito do protecionismo, faz o seguinte comentário: [...] “a superproteção ameaça 41
  • 42. a dignidade humana e faz com que essas pessoas sejam impedidas de experimentar as situações de risco da vida cotidiana que são necessárias para o crescimento e desenvolvimento humano normal [...] negar a qualquer pessoa sua cota justa de experiências que envolvam riscos, é mutilá-las para uma vida saudável”. Ainda, Sprovieri e Assumpção jr. (2005) ressaltam que os deficientes são seres sexuados, e por isso, pais e educadores devem subsidiar-se de esclarecimentos convincentes no aspecto da sexu- alidade acerca de que percebam que os mesmos possuem papel sexual e com necessidades individu- ais. Quando o tema passa a ser sexualidade da pessoa com deficiência, o preconceito e a discrimina- ção são reforçados gerando polêmicas nas diferentes formas de abordá-las, tanto com os adolescen- tes, quanto com suas famílias. Diante disso Maia (2006) enfatiza que a discriminação e o medo do diferente e as manifestações da sexualidade e da deficiência são construídos historicamente na soci- edade, portanto cabe as ciências, em especial a psicológica modificá-las e visibilizá-las. Nesse contexto é possível se compreender que a educação sexual foi omitida como no caso de Simpatia, Esperança, Entusiasmo veio basicamente da escola, como expresso nas falas a seguir: “Nunca recebi orientação nenhuma. Não, só foi falado assim né, que digamos sobre sexo não. Sobre digamos assim pra gente com quem conversar, pra se cuidar muito, que é perigoso né, por causa da.. ah, cuidado quando conversar com os homens assim, porque tem homem passado que se abóba com as mulheres. Mas, sobre sexo assim eu nunca, a mãe nunca conversou. Eu nunca fiquei sabendo sobre assim essas coisas. (Simpatia) “Na verdade na escola”. ( Esperança) “Eu recebi orientações na escola”. (Entusiasmo) Ao que tange esse contexto, os DV ressaltam que permanecem ainda com informações confusas, desconexas, repletas de tabus, mitos, preconceitos, o que sugere pensar na origem das culpas e ansiedades. De acordo, com Salla e Quintana (2002) justamente no momento em que a sexualidade deveria ser discutida, principalmente em termos de interação humana, como um aspecto do relacionamento social e afetivo, os adolescentes DV ficam sem ajuda, onde instala-se um universo mentiroso dentro da própria família: nem os pais, nem os jovens falam abertamente sobre sexualidade, como se existisse um acordo. Entretanto, todos vivem na dúvida, culminando com pais temerosos, sempre fiscalizando os filhos, pois ainda há um clima de perigo e imoralidade em torno da sexualidade. Nesse clima, a vida sexual dos filhos é impedida de se desenvolver de maneira tranquila, ao contrário, assume mais o aspecto de uma incursão difícil. A proposta deveria 42