O documento discute a sincronicidade, termo criado por Jung para descrever "fenômenos casuais" que possuem significado comum. A sincronicidade ocorre quando eventos externos coincidem com conteúdos psíquicos de forma significativa. Jung acreditava que tais ocorrências poderiam promover mudanças terapêuticas. O documento também discute o papel dos símbolos na interpretação de eventos sincronísticos e a visão de pensadores como Blavatsky sobre os segredos por trás dos símbolos.
A Sincronicidade: eventos coincidentes e seus significados simbólicos
1. A Sincronicidade
e o Símbolo
Lúcia Cristina Batalha
A Sincronicidade, termo criado por C.G. Jung em sua vida
dedicada às pesquisas sobre o gênero humano e seu mundo
subjetivo, será agora abordada nesta discussão. Trataremos dos
chamados "fenômenos casuais" e suas implicações simbólicas.
"Uma sincronicidade existe sempre que dois acontecimentos
ocorrem simultaneamente possuindo significado comum. E
usualmente quando um conteúdo psíquico, vindo de um sonho,
de premonição ou aspiração se expressa objetivamente num fato,
visível e palpável, ou num acontecimento social qualquer. As
chamadas "coincidências" e "casualidades" com as quais nos
deparamos no dia-a-dia, podem ser comentadas, estudadas e
explicadas dentro do prisma da sincronicidade. "Quem não se
recorda de ter passado por vários instantes em que tenha
exclamado: "mas que coincidência...".
Há várias passagens na vida de Jung, em que ele comenta este
fato, em particular nas terapias com seus pacientes. Era enfático,
ao afirmar que normalmente uma ocorrência sincronística de
conteúdo simbólico, expressando algo próximo das dificuldades
do paciente, sempre propiciava uma mudança e transformações
notáveis no mesmo. Cita o caso de uma mulher, bastante
cartesiana e pragmática de difícil tratamento, raciocínio lógico,
pouco sensível, assistida por ele há longo tempo. Um dia,
consideravelmente alterada, falou-lhe de um sonho, acerca de
um maravilhoso escaravelho dourado que lhe trazia imagens e
informações especiais para seus problemas não resolvidos. Nesse
instante, um inseto se choca contra a janela de vidro do escritório
e penetra na sala, apesar de ir contra o seu hábito, pois era de
tarde e no escritório estava mais escuro do que fora. Jung pega-o
com as mãos e mostra-lhe. Era um escarabeídeo róseo, cujos
élitros (asas) eram dourados. Ele lhe diz — Aqui está o seu
escaravelho dourado. Acompanhado de comentários após este
evento, a terapia incrementou significativamente.
Ele próprio vivenciou umas experiências com o peixe durante
alguns dias. Certa vez acordou e viu uma carta com um desenho,
2. metade homem, metade peixe; aquele dia era primeiro de abril,
na Alemanha, considerado dia do peixe; no almoço aquele foi o
alimento. Uma paciente lhe mostrou algumas pinturas de
monstros marinhos; outra havia sonhado com este animal.
Alguns dias mais tarde, quando passava em revista seus escritos
relativos a este, uma paciente lhe mostrara uns bordados com
desenho de peixes, e ao sair do consultório, próximo ao lado
avistara um, nunca dantes ali encontrado, morto sobre um muro.
Tais acontecimentos eram paralelos aos estudos de Jung sobre o
simbolismo do peixe — mitológico, astrológico e alquímico. Estes
resultariam em significativas relações com as teorias do
inconsciente, que vinha desenvol vendo.
Alguns meses atrás, fomos informados de um dos muitos casos
de coincidência significativa com um recente herói brasileiro da
navegação — Amyr-Klynk. Ele nos conta em seu livro: "100 dias
entre céu e mar", que dias antes de embarcar de Lüdertz, na
África, via Atlântico Sul, a remo, para aportar no Brasil, no meio
de várias dificuldades, soube que por lá morava uma brasileira de
Parati, sua cidade natal. Ao visitá-la, ele avistou uma foto antiga,
que mostrava sua moradia com uma canoa em frente. Esta foi a
que usara em sua primeira travessia a remo, realizada de Santos
a Parati. Teve a certeza de que mesmo com tantos empecilhos
políticos para sua partida estava, então, no caminho. Precisava
também de um mapa das correntes marítimas do Atlântico,
porém não encontrava. De repente um amigo enviou-lhe um
abajur comprado num antiquário, que possuía na aba um
desenho antiquíssimo das linhas das correntes. Este, além de
iluminar o barco, auxiliou-o na navegação.
As ocorrências sincronísticas são de diversas espécies e sempre
estarão correlacionando fatos subjetivos com objetivos; projeções
do mundo inconsciente ou subconsciente do indivíduo, em
acontecimentos sociais, no meio físico. Há um fator transpessoal
entre essas duas realidades, que Jung em particular não
confirmava. Para ele não havia uma causa. Eram eventos, os
quais apenas constatava, não explicando sua procedência.
Ao buscarmos pensadores de várias épocas, veremos que muitos
nos falam desses fenômenos e procuraram uma explicação.
Alguns atribuíram a uma causa primordial, imanente e
transcendental, presente na natureza de todo o mundo
3. manifesto, ordenando, providenciando para que todos os seres e
objetos estejam ligados intimamente de alguma forma. Atados a
uma grande teia cósmica, onde qualquer movimento interferiria
nos demais, geraria acontecimentos e suas conseqüências. Estes
poderiam ser temporalmente longínquos ou imediatos.
Shopenhauer aludia a uma Vontade criadora, que Tudo
determina, através da sua Providência. Nela há uma causa
primária que produz a simultaneidade e inter-relação dos
acontecimentos, gerando um paralelismo psicofísico.
Cornélio Agripa, contemporâneo de Paracelso, dizia que a alma
do mundo penetra todas as coisas, ligando-as, mantendo-as
unidas, fazendo com que a máquina do mundo seja uma só,
produzindo correspondências e coincidências significativas. Já
Alberto Magno nos fala de VIRTUS, "o poder na alma capaz de
mudar a natureza das coisas e de subordinar a elas outras tantas,
particularmente quando esta se acha arrebatada num grande
excesso. Pois se liga magicamente às coisas e as modifica no
sentido em que quiser".
Verificamos que nos eventos coincidentes há um mecanismo
ordenado e coerente regido por uma lei, mesmo que nossos
sentidos não a percebam e interpretem-nos como isolados e
desconexos.
A manifestação destas ocorrências se dá geralmente dentro de
uma linguagem. Esta, quase sempre simbólica, sugere uma
resposta que deve ser decifrada num nível mais profundo do que
a mera ocorrência sincronística. A coerência para ela, deve ser
buscada através de uma análise minuciosa, não-emocional, mas
intuitiva. Portanto o estudo dos símbolos é o primeiro passo, ao
qual faremos referência, para ilustrar estas questões.
Os símbolos podem situar-se em três tipos:
1º — O da comunicação oral, escrita, visual, da cultura e
civilização de um grupo social.
2º— Os particulares da experiência psicológica, estrutura
emotivo-psíquica, da formação educacional e do temperamento
de cada indivíduo.
3º — Os símbolos verdadeiros: — tradicionais, das religiões,
4. mitologias e filosofia.
Estes guarnecem os significados primordiais, cosmogênicos e
antropogênicos universais. São dados à humanidade por cada
Manu de raça; de Mestre a discípulo, e velam verdades que só de
grau em grau é possível desvelar. Dependerá da capacidade,
estrutura mental e dos atributos morais e éticos do decodificador.
Cada símbolo tradicional tem vários significados. De acordo com
o grau em que se penetra, se alcança parte da verdade que ele
guarnece. Quão mais receptivo e intuitivo for um indivíduo, mais
profundamente ele penetra na realidade de um símbolo místico,
seja em contemplação, concentração ou meditação.
Alguns acontecimentos sincronísticos, advindos de um sonho ou
premonição, podem ser interpretados simbolicamente através do
conhecimento das verdades deste terceiro tipo de símbolo. Deve-
se não desperdiçar estas oportunidades que o mundo oculto de
nossa consciência quer revelar. Pois somos como um iceberg,
onde visivelmente há apenas uma pequena ponta. E quando algo
mais se manifesta, devemos atentar.
H.P.Blavatsky em A Doutrina Secreta nos fala de sete chaves
sagradas dos símbolos. A astronômica-astrológica; cosmogônica;
numerológica-geométrica; psíquica; criativa; espiritual e
antropológica. Pois bem, cada um destes segredos do
conhecimento sagrado pode, através do seu entendimento, nos
falar mais integralmente do mundo fenomênico e da Realidade a
que estamos inseridos: o papel das magnânimas hierarquias
criadoras e construtoras; os planetas sagrados, as hostes de
forças mudando e conduzindo a nós e ao Cosmos através de suas
influências ativas; os números correspondentes às letras de
nossos nomes, e as proporções harmônicas em todo ser vivo:
princípios e centros de nossa constituição física e hiperfísica; os
seres que representam as raças e humanidades de todos os
tempos nas mitologias e alegorias de diversos povos etc.
Compreender esse segredos é aplicá-los diretamente no nosso
viver diário. Há eventos que possibilitam interpretação profunda,
e não se trata apenas de rotulá-los como algo "casual". Embora
muitas vezes "aquela sincronicidade" não pareça relevante, ela
pode ser o estopim de várias mudanças que, se bem
aproveitadas e entendidas no seio de uma vida, nos permitirão
5. um despertar da ignorância, da morte em que nos encontramos.
Os tesouros da sabedoria que Madame Blavatsky trouxe ao
mundo, através de sua obra, não estão tão distantes de nossa
realidade cotidiana. Numa investigação séria, com mente aberta,
o homem sensível, atento aos fenômenos coincidentes, pode
perceber o seu Dharma e portanto atuar na direção da corrente
do rio. Detecta a lei do Karma, esta teia de que nos falava os
antigos, e passa a agir sabiamente, evitando o mal, discernindo
entre o útil, o não útil e o mais útil, como nos fala Aos pés do
Mestre. Afinal, podemos concluir que a sincronicidade é uma
exteriorização de uma das veias de ação da lei do Karma.
Compreendendo-a na nossa vida, em qualquer circunstância, a
natureza da mente poderá ser perscrutada com mais subsídios; o
mistério da vida e da existência, guarnecido nos símbolos, se
revelará pouco a pouco.
Os hindus consideraram o universo de Deus como Lila — a
brincadeira cósmica. Para nós os acontecimentos coincidentes,
sua interpretação e entendimento, assim também nos parecerá.
Fonte: Revista Logos, Nº15, Revista do Centro Teosófico de
Pesquisas