Brasileiros relatam as condições de insegurança e medo vividas no Haiti durante os protestos e confrontos. Eles descrevem corpos nas ruas servindo como barricadas, tiros constantes e racionamento de alimentos e água. Quatro brasileiros foram resgatados por um avião militar brasileiro e trouxeram de volta relatos sobre a situação perigosa e caótica no país.
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São Paulo, segundafeira, 01 de março de 2004
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Quatro resgatados por avião da FAB falam em corpos
usados como barricadas, escassez de alimento e de água
Brasileiros relatam insegurança e
medo
RENATA VICTAL
FREELANCE PARA A FOLHA, DO RIO
ANA FLOR
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
A lembrança da última sextafeira em Porto Príncipe, capital
do Haiti, para a oficial de chancelaria brasileira Regina Lúcia
Macedo Calil da Silva, 60, é de corpos estendidos nas ruas
servindo de barricadas e tiros perdidos. "Respiravase
perigo", disse Calil da Silva, que chegou na madrugada de
domingo a Brasília.
Ela e o marido, Nelson Calil da Silva, 53, foram retirados do
país por volta do meiodia de sábado (14h de Brasília), em
um avião da FAB (Força Aérea Brasileira).
Quatro brasileiros foram resgatados pelo avião Hércules C
130 da FAB, que levou mantimentos, dois diplomatas e 16
fuzileiros navais para reforçar a segurança da embaixada em
Porto Príncipe. Outros cerca de 20 brasileiros teriam
permanecido no Haiti.
Mesmo morando em um dos bairros mais nobres da capital
do Haiti (Petion Ville), o casal não podia sair de casa. Há
cerca de 20 metros do prédio estava concentrado um grupo
armado "que não se sabia se eram rebeldes ou fiéis ao
presidente", disse ela. Na sextafeira, ela tentou ir à
embaixada. O trajeto, que geralmente leva 15 minutos,
tomou quase uma hora. "Corpos eram usados como
barricadas", disse. Segundo Regina, desde quarta o comércio
estava fechado e alimentos, água e energia eram racionados.
"Era incrível a quantidade de tiros."
Regina trabalha há quatro anos na embaixada. Quando a
situação melhorar, ela retorna ao país, onde fica até o fim do
ano.
Desembarque no Rio
Os outros dois brasileiros desembarcaram na manhã de
ontem na Base Aérea do Galeão: os jogadores de futebol
Carlos Alberto Gomes, 24, e Eduardo Ferreira Carvalho, 24,
este com a haitiana Rose Laure Delile, 24, sua mulher há seis
meses.
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A recepção foi marcada por muita emoção e orações de
agradecimento. Chorando, Eliane Carvalho, mãe de
Carvalho, disse: "Eu passava mal e ficava nervosa com as
notícias que eu recebia. Ele sempre tentava me tranqüilizar.
Só agora estou calma", disse.
Aliviado, Carvalho disse que, desde terçafeira, não
conseguia mais sair do hotel onde morava e que temia por
sua segurança.
"Era impossível andar pelas ruas. Os rebeldes tomaram conta
da cidade. Eles assaltavam e batiam nas pessoas", disse
Carvalho, que deixou para trás tudo o que conseguiu juntar
em dois anos.
"Voltei apenas com uma mala de roupas. Deixei tudo lá, até
mesmo o dinheiro que tinha no banco. Pretendo voltar para
pegar algumas coisas e cobrar uma dívida que o time tem
comigo, mas vou esperar uns quatro ou cinco meses. Não dá
para voltar agora. Os rebeldes ameaçam invadir as casas e
matar todo mundo", afirmou Carvalho, que jogava como
meiocampo no Racing, clube da primeira divisão do Haiti.
Já o também jogador do Racing Carlos Alberto Gomes diz
que não pretende mais sair do Brasil. "Deixei algum dinheiro
lá, mas minha vida vale mais do que isso. Quando saí do
Brasil, não imaginei que pudesse passar por toda essa
confusão. Tive medo de morrer e não quero voltar, nem sair
do Brasil. Estava preso no hotel, economizando dinheiro e
comida. Isso não é vida. Pretendo recomeçar minha carreira
no Brasil."
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