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Algumas observações sobre a forma lógica
                             Ludwig Wittgenstein
                                        1929

    Toda proposição tem um conteúdo e uma forma. Apreendemos a figura-
ção da forma pura se nos abstraímos do significado das palavras individuais,
ou símbolos (desde que tenham significados independentes). Noutras pala-
vras, se substituímos as constantes da proposição por variáveis. As regras de
sintaxe que se aplicavam às constantes devem se aplicar também às variáveis.
No sentido lato do termo, entendo por sintaxe as regras que nos dizem quais
são os únicos contextos em que uma palavra faz sentido, excluindo deste
modo estruturas que não fazem sentido. A sintaxe da linguagem comum,
como se sabe, não é de todo adequada para essa finalidade. Nem sempre im-
pede a construção de pseudoproposições que não fazem sentido (construções
como “o vermelho é mais alto do que o verde” ou “o Real, embora seja um
em si, deve também ser capaz de se tornar um para mim” etc.).
    Se tentarmos analisar proposições, quaisquer que sejam, notaremos em
geral que são somas lógicas, produtos [lógicos] ou outras funções de verdade
de proposições mais simples. Mas, se levada adiante o suficiente, nossa aná-
lise deve chegar ao ponto em que atinge formas proposicionais que não são
compostas, elas próprias, de formas proposicionais mais simples. Por fim,
havemos de atingir a conexão última dos termos, a conexão imediata que
não pode ser rompida sem | destruir a forma proposicional em si. Seguindo [163]
   ∗
     Traduzido por Eduardo Coutinho Lourenço de Lima (2012-02-05, revisão 131, 7d8be2f,
disponível em http://phi.pro.br/trad/wittgenstein.pdf).
   Agradeço a Gabriela Guimarães Gazzinelli e Jônadas Techio pelas sugestões. Título
original: Some Remarks on Logical Form. Artigo publicado pela primeira vez em Proceed-
ings of the Aristotelian Society, Supplementary Volumes, vol. 9, Knowledge, Experience
and Realism, 1929, pp. 162–171. A presente tradução foi profundamente modificada desde
sua publicação em Contextura, vol. 1, 2004, pp. 58–61. Peço ao leitor, na medida do pos-
sível, que leve em consideração a revisão atual. Na margem direita, encontram-se entre
colchetes a correspondência com as páginas do original, [162–171], bem como a corres-
pondência com as da tradução anterior, [58–61]. No corpo do texto, o sinal | marca o
começo da página no original e, por sua vez, o sinal marca o começo da página na antiga
tradução. c Eduardo Coutinho Lourenço de Lima 2012. Impressa por cortesia do editor
da Aristotelian Society.


                                           1
Algumas observações sobre a forma lógica


B. Russell, denomino proposições atômicas as proposições que representam
essa conexão última dos termos. Trata-se, pois, do cerne de toda proposição;
elas contêm o material, e todo o resto é tão só um desenvolvimento desse
material. Em busca da matéria das proposições (the subject matter of propo-
sitions), é para elas que temos de atentar. Cabe à teoria do conhecimento
encontrá-las e entender sua construção a partir de palavras ou símbolos. A
tarefa é dificílima, e a Filosofia mal começou a enfrentar ainda algumas de
suas minúcias. De qual método dispomos para enfrentá-la? A ideia é ex-
primir num simbolismo apropriado aquilo que, na linguagem comum, leva a
inúmeros enganos. Noutras palavras, lá onde a linguagem comum encobre a
estrutura lógica, lá onde permite a formação de pseudoproposições, lá onde
usa um termo numa infinidade de significados diferentes, devemos colocar
no seu lugar um simbolismo que forneça uma figuração clara da estrutura
lógica, exclua pseudoproposições e use seus termos de maneira inequívoca.
Pois bem, somente conseguimos substituir o simbolismo impreciso por um
claro ao examinarmos os fenômenos que desejamos descrever, procurando
deste modo entender a multiplicidade lógica deles. Noutras palavras, pode-
mos alcançar uma análise correta unicamente pelo que poderia ser chamado
de investigação lógica dos próprios fenômenos, ou seja, de certo modo, a pos-
teriori e não por fazermos conjecturas sobre possibilidades a priori. Muitas [59]
vezes a gente é tentada a perguntar de um ponto de vista a priori: afinal
de contas, quais podem ser as únicas formas das proposições atômicas? E a
responder, por exemplo, sujeito-predicado e proposições relacionais com dois
ou mais termos adicionais, quiçá, proposições que relacionam predicados e
relações entre si, e assim por diante. Mas se trata de mero jogo de palavras,
creio. Uma forma atômica não pode ser pressuposta (foreseen). E que sur-
presa não seria se os fenômenos reais | nada mais tivessem para nos ensinar [164]
sobre sua estrutura. A semelhantes conjeturas sobre a estrutura das propo-
sições atômicas somos levados pela nossa linguagem comum, que emprega as
formas sujeito-predicado e relacional. Mas nossa linguagem é enganosa neste
respeito; tentarei explicá-lo mediante uma comparação. Imaginemos dois
planos paralelos, i e ii. No plano i estão desenhadas figuras, digamos, elipses
e retângulos de tamanhos e formatos diferentes, e nossa tarefa é produzir
imagens dessas figuras no plano ii. Podemos então imaginar duas maneiras,
entre outras, de fazer isso. Em primeiro lugar, podemos estabelecer uma
lei de projeção—digamos, a da projeção ortogonal ou qualquer outra—e, em
seguida, passar a projetar sobre ii todas as figuras de i em conformidade com
essa lei. Ou então, em segundo lugar, poderíamos proceder do seguinte modo:
estabelecemos a regra de que toda elipse no plano i deve aparecer como um
círculo no plano ii, e todo retângulo, como um quadrado em ii. Semelhante
maneira de representar talvez possa ser conveniente para nós se, por alguma

                                    2
Algumas observações sobre a forma lógica


 razão, preferirmos desenhar somente círculos e quadrados no plano ii. É claro
 que, partindo dessas imagens, não é possível inferir imediatamente os forma-
 tos exatos das figuras originais no plano i. Delas conseguimos unicamente
 deduzir que o original era uma elipse ou um retângulo. Para descobrirmos
 num caso isolado qual o formato certo do original, teríamos de conhecer o
 método individual com que, por exemplo, uma elipse em particular é pro-
 jetada no círculo diante de mim. O caso da linguagem comum é bastante
 análogo. Se os fatos da realidade são as elipses e os retângulos no plano i, as
 formas sujeito-predicado e relacional correspondem aos círculos e quadrados
 no plano ii. Estas formas são as normas da nossa própria linguagem, sobre
 as quais projetamos de muitíssimas maneiras diferentes as muitíssimas for-
 mas lógicas diferentes. E, por esta simples razão, partindo do uso dessas | [165]
 normas, não podemos tirar conclusões—salvo muito vagas—acerca da ver-
 dadeira forma lógica dos fenômenos descritos. Formas como “este artigo é
 chato”, “o tempo está bom”, “eu sou preguiçoso”, que não têm absolutamente
 nada em comum entre si, apresentam-se como proposições sujeito-predicado,
 ou seja, aparentemente como proposições de uma mesma forma.
     Pois bem, se tentamos chegar a uma análise real, encontramos formas
 lógicas que guardam muito pouca semelhança com as normas da lingua-
 gem comum. Deparamo-nos com as formas de espaço e tempo [juntamente]
 com todo o múltiplo de objetos espaciais e temporais, como cores, sons
 etc. etc., com suas gradações, transições contínuas e combinações em vá-
 rias proporções, todas as quais não conseguimos apreender com nossos meios
 de expressão comuns. E aqui gostaria de fazer minha primeira observação
 concreta sobre a análise lógica dos fenômenos reais. Ei-la: no que diz res-
 peito à sua representação, números (racionais e irracionais) devem entrar na
 estrutura das próprias proposições atômicas. Ilustrarei com um exemplo.
                                          Imagine um sistema de eixos retan-
                                          gulares, um retículo, por assim dizer,
10                                        desenhado no nosso campo visual, e
 9                                        também uma escala arbitrária fixa.
 8                                        É evidente que podemos, então, des-
 7
                                          crever o formato e a posição de cada
 6
                       M                  mancha de cor no nosso campo vi-
 5
                                          sual por meio de asserções de núme-
 4
                                          ros cujo valor (significance) é rela-
 3
                                          tivo ao sistema de coordenadas e à
 2
                                          unidade [de medida] escolhida. Por
 1
                                          outro lado, está claro que essa descri-
      1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 ção terá a multiplicidade lógica certa
                                          e que uma descrição que tiver uma

                                     3
Algumas observações sobre a forma lógica


multiplicidade menor não servirá. Um exemplo simples seria a representação
de uma mancha m pela expressão “[6–9, 3–8]” e de uma proposição | sobre [166]
ela, por exemplo, m é vermelha, pelo símbolo “[6–9, 3–8] v”, em que “v” é
por ora um termo ainda não analisado (“6–9” e “3–8” representam o inter-
valo contínuo entre os respectivos números). O sistema de coordenadas neste
caso é parte do modo de expressão; é parte do método de projeção com que
a realidade é projetada no nosso simbolismo. A relação de uma mancha [60]
situada entre duas outras pode ser expressa de maneira análoga pelo uso de
variáveis aparentes (apparent variables). É escusado dizer que essa análise
não tem, de forma alguma, a pretensão de ser completa. Não fiz nela qual-
quer menção ao tempo, e o uso do espaço bidimensional não se justifica nem
mesmo no caso da visão monocular. Desejo somente indicar a direção em
que se deve buscar, creio eu, a análise dos fenômenos visuais e que, nessa
análise, nos deparamos com formas lógicas bastante diferentes das que a lin-
guagem comum nos leva a esperar. A meu ver, a ocorrência de números
nas formas das proposições atômicas não é meramente um traço de um sim-
bolismo especial, mas um traço essencial e, por conseguinte, inevitável da
representação. E números terão de entrar nessas formas—como diríamos na
linguagem comum—quando estivermos | lidando com propriedades que dão [167]
margem a gradação, ou seja, propriedades como o comprimento de um inter-
valo, a altura de uma nota, o brilho ou a vermelhidão de um matiz etc. Uma
característica dessas propriedades é que um grau delas exclui qualquer outro.
Um matiz não pode ter simultaneamente dois graus diferentes de brilho ou
vermelhidão; uma nota, duas intensidades diferentes etc. E o ponto princi-
pal aqui é que essas observações não exprimem uma experiência, mas são de
certo modo tautologias. Todo mundo sabe disso no dia a dia. Suponha que
alguém nos pergunte, “Qual a temperatura lá fora?”, e a gente diga, “Vinte e
sete graus”; se logo depois nos perguntasse de novo, “Faz trinta e dois graus?”,
a gente responderia, “Já disse que faz vinte e sete”. Consideramos a asserção
de um grau (de temperatura, por exemplo) uma descrição completa que não
precisa de suplemento. Tanto que, quando nos pedem, a gente diz que horas
são, mas não diz além disso que horas não são.
    Talvez alguém pense—não faz muito tempo, eu pensava assim—que uma
asserção que exprime o grau de uma qualidade possa ser analisada num pro-
duto lógico de asserções de quantidade isoladas, mais uma asserção suplemen-
tar integrante; da mesma maneira que seria possível descrever o conteúdo do
meu bolso dizendo, “Contém uma moeda de um centavo, uma de cinquenta
centavos, duas chaves e nada mais”. Este “e nada mais” é a asserção su-
plementar que completa a descrição. Mas nada disso serve como análise de
uma asserção de grau. Veja bem, vamos chamar de b, digamos, a unidade
de brilho; e seja E(b) a asserção de que a entidade E possui esse brilho; en-

                                    4
Algumas observações sobre a forma lógica


tão, a proposição E(2b), que diz que E tem dois graus de brilho, teria de
ser analisável no produto lógico E(b) & E(b); isso, porém, equivale a E(b);
se, por outro lado, tentando fazer distinção entre as unidades, escrevemos
então E(2b) = E(b′ ) & E(b′′ ), supomos | duas unidades de brilho diferentes; [168]
e, então, se uma entidade possui uma unidade, a questão de qual das duas ela
possui—(b′ ) ou (b′′ )—poderia ser levantada; o que é obviamente um absurdo.
    Sustento que a análise da asserção que atribui um grau a uma qualidade
não pode ser levada mais adiante; e, além disso, que a relação de diferença de
grau é uma relação interna, representada, por conseguinte, por uma relação
interna entre as asserções que atribuem os diferentes graus. Noutras pala-
vras, a asserção atômica deve ter a mesma multiplicidade que o grau que ela
atribui; daí que os números devem entrar nas formas das proposições atômi-
cas. A exclusão mútua entre asserções de grau não analisáveis contesta uma
opinião, publicada por mim muitos anos atrás, segundo a qual seria neces-
sário que proposições atômicas não podem se excluir reciprocamente. É de
maneira deliberada que, neste caso, digo “excluir”, e não “contradizer”, pois
existe uma diferença entre essas duas noções, e proposições atômicas, embora
não possam se contradizer, podem se excluir. Tentarei explicar. Existem fun-
ções que podem fornecer uma proposição verdadeira somente para um valor
do argumento delas, porque—se é que posso me expressar assim—nelas há es-
paço para somente um [valor]. Considere, por exemplo, uma proposição que
afirma a existência de uma cor r num certo tempo t num certo lugar l do
nosso campo visual. Essa proposição será escrita “rlt” e, por ora, me abste-
nho de qualquer consideração sobre a maneira pela qual semelhante asserção
deve continuar a ser analisada. Por sua vez, “blt” diz que a cor b está no [61]
lugar l no tempo t; e, para a maioria de nós aqui e para todo mundo no dia
a dia, ficará claro que “rlt & blt” é algum tipo de contradição (e não só
uma proposição falsa). Pois bem, se asserções de grau fossem analisáveis—
como eu costumava achar que eram—seria possível explicar essa contradição
dizendo que a cor r contém | todos os graus de r e nenhum de b, e que [169]
a cor b contém todos os graus de b e nenhum de r. Mas do que foi dito
acima segue que análise alguma consegue eliminar asserções de grau. De que
maneira se dá, então, a exclusão mútua de rlt e blt? Acredito que consista
no fato de que rlt bem como blt são, de certo modo, completas. Aquilo
que, na [própria] realidade, corresponde à função “( )lt” deixa espaço só
para uma entidade—no mesmo sentido, para dizer a verdade, em que a gente
diz que só há lugar para uma pessoa numa cadeira. Nosso simbolismo, que
nos permite formar o sinal do produto lógico de “rlt” e “blt”, não fornece
neste caso uma figuração correta da realidade.
    Disse alhures que uma proposição “se estende à realidade” (reaches up to
reality), querendo dizer com isso que as formas das entidades estão contidas

                                     5
Algumas observações sobre a forma lógica


na forma da proposição acerca dessas entidades. Pois a frase, junto com
o modo de projeção que projeta a realidade na frase, determina a forma
lógica das entidades, exatamente como, na nossa comparação, um desenho
no plano ii, juntamente com seu modo de projeção, determina o formato
da figura no plano i. Essa observação, creio, nos dá a chave da explicação
para a exclusão mútua entre rlt e blt. Pois, se a proposição contém a
forma de uma entidade sobre a qual ela diz respeito, então é possível que
duas proposições colidam precisamente nessa forma. As proposições “Bruno
está agora sentado nessa cadeira” e “Jonas está agora sentado nessa cadeira”,
cada uma tenta, de certo modo, colocar na cadeira o seu sujeito (subject
term). Porém, o produto lógico dessas proposições colocará os dois lá de
uma vez, o que leva a uma colisão, uma exclusão mútua desses termos. De
que maneira essa exclusão se representa no simbolismo? O produto lógico
das duas proposições, p e q, pode ser escrito da seguinte maneira: |          [170]
                               p         q
                               V         V         V
                               V         F         F
                               F         V         F
                               F         F         F
O que acontece se essas duas proposições são rlt e blt? Neste caso, a
linha superior, “V V V”, deve desaparecer, já que representa uma combinação
impossível. Eis as verdadeiras possibilidades:
                                   rlt       blt
                                    V         F
                                    F         V
                                    F         F
Noutras palavras, não há produto lógico de rlt e blt no sentido estrito, e
nisto se encontra a exclusão enquanto oposta a uma contradição. A contra-
dição, se existisse, teria de ser escrita assim:
                              rlt       blt
                               V         V         F
                               V         F         F
                               F         V         F
                               F         F         F
mas isso é um contrassenso, visto que a linha superior, “V V F”, confere à pro-
posição uma multiplicidade lógica maior do que a das possibilidades efetivas.

                                         6
Algumas observações sobre a forma lógica


É claro que é uma deficiência da nossa | notação não impedir a formação des- [171]
sas construções que não fazem sentido, e uma notação perfeita terá de excluir
semelhantes estruturas mediante regras de sintaxe definidas. Estas terão de
nos dizer que, no caso de certos tipos de proposições atômicas descritas em
termos de traços simbólicos definidos, certas combinações dos V e F devem
ser deixadas de lado. No entanto, tais regras não podem ser estabelecidas até
que tenhamos, de fato, atingido a análise última dos fenômenos em discussão.
Como todos sabemos, isso ainda não foi alcançado.




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Forma Lógica e Simbolismo Matemático

  • 1. Algumas observações sobre a forma lógica Ludwig Wittgenstein 1929 Toda proposição tem um conteúdo e uma forma. Apreendemos a figura- ção da forma pura se nos abstraímos do significado das palavras individuais, ou símbolos (desde que tenham significados independentes). Noutras pala- vras, se substituímos as constantes da proposição por variáveis. As regras de sintaxe que se aplicavam às constantes devem se aplicar também às variáveis. No sentido lato do termo, entendo por sintaxe as regras que nos dizem quais são os únicos contextos em que uma palavra faz sentido, excluindo deste modo estruturas que não fazem sentido. A sintaxe da linguagem comum, como se sabe, não é de todo adequada para essa finalidade. Nem sempre im- pede a construção de pseudoproposições que não fazem sentido (construções como “o vermelho é mais alto do que o verde” ou “o Real, embora seja um em si, deve também ser capaz de se tornar um para mim” etc.). Se tentarmos analisar proposições, quaisquer que sejam, notaremos em geral que são somas lógicas, produtos [lógicos] ou outras funções de verdade de proposições mais simples. Mas, se levada adiante o suficiente, nossa aná- lise deve chegar ao ponto em que atinge formas proposicionais que não são compostas, elas próprias, de formas proposicionais mais simples. Por fim, havemos de atingir a conexão última dos termos, a conexão imediata que não pode ser rompida sem | destruir a forma proposicional em si. Seguindo [163] ∗ Traduzido por Eduardo Coutinho Lourenço de Lima (2012-02-05, revisão 131, 7d8be2f, disponível em http://phi.pro.br/trad/wittgenstein.pdf). Agradeço a Gabriela Guimarães Gazzinelli e Jônadas Techio pelas sugestões. Título original: Some Remarks on Logical Form. Artigo publicado pela primeira vez em Proceed- ings of the Aristotelian Society, Supplementary Volumes, vol. 9, Knowledge, Experience and Realism, 1929, pp. 162–171. A presente tradução foi profundamente modificada desde sua publicação em Contextura, vol. 1, 2004, pp. 58–61. Peço ao leitor, na medida do pos- sível, que leve em consideração a revisão atual. Na margem direita, encontram-se entre colchetes a correspondência com as páginas do original, [162–171], bem como a corres- pondência com as da tradução anterior, [58–61]. No corpo do texto, o sinal | marca o começo da página no original e, por sua vez, o sinal marca o começo da página na antiga tradução. c Eduardo Coutinho Lourenço de Lima 2012. Impressa por cortesia do editor da Aristotelian Society. 1
  • 2. Algumas observações sobre a forma lógica B. Russell, denomino proposições atômicas as proposições que representam essa conexão última dos termos. Trata-se, pois, do cerne de toda proposição; elas contêm o material, e todo o resto é tão só um desenvolvimento desse material. Em busca da matéria das proposições (the subject matter of propo- sitions), é para elas que temos de atentar. Cabe à teoria do conhecimento encontrá-las e entender sua construção a partir de palavras ou símbolos. A tarefa é dificílima, e a Filosofia mal começou a enfrentar ainda algumas de suas minúcias. De qual método dispomos para enfrentá-la? A ideia é ex- primir num simbolismo apropriado aquilo que, na linguagem comum, leva a inúmeros enganos. Noutras palavras, lá onde a linguagem comum encobre a estrutura lógica, lá onde permite a formação de pseudoproposições, lá onde usa um termo numa infinidade de significados diferentes, devemos colocar no seu lugar um simbolismo que forneça uma figuração clara da estrutura lógica, exclua pseudoproposições e use seus termos de maneira inequívoca. Pois bem, somente conseguimos substituir o simbolismo impreciso por um claro ao examinarmos os fenômenos que desejamos descrever, procurando deste modo entender a multiplicidade lógica deles. Noutras palavras, pode- mos alcançar uma análise correta unicamente pelo que poderia ser chamado de investigação lógica dos próprios fenômenos, ou seja, de certo modo, a pos- teriori e não por fazermos conjecturas sobre possibilidades a priori. Muitas [59] vezes a gente é tentada a perguntar de um ponto de vista a priori: afinal de contas, quais podem ser as únicas formas das proposições atômicas? E a responder, por exemplo, sujeito-predicado e proposições relacionais com dois ou mais termos adicionais, quiçá, proposições que relacionam predicados e relações entre si, e assim por diante. Mas se trata de mero jogo de palavras, creio. Uma forma atômica não pode ser pressuposta (foreseen). E que sur- presa não seria se os fenômenos reais | nada mais tivessem para nos ensinar [164] sobre sua estrutura. A semelhantes conjeturas sobre a estrutura das propo- sições atômicas somos levados pela nossa linguagem comum, que emprega as formas sujeito-predicado e relacional. Mas nossa linguagem é enganosa neste respeito; tentarei explicá-lo mediante uma comparação. Imaginemos dois planos paralelos, i e ii. No plano i estão desenhadas figuras, digamos, elipses e retângulos de tamanhos e formatos diferentes, e nossa tarefa é produzir imagens dessas figuras no plano ii. Podemos então imaginar duas maneiras, entre outras, de fazer isso. Em primeiro lugar, podemos estabelecer uma lei de projeção—digamos, a da projeção ortogonal ou qualquer outra—e, em seguida, passar a projetar sobre ii todas as figuras de i em conformidade com essa lei. Ou então, em segundo lugar, poderíamos proceder do seguinte modo: estabelecemos a regra de que toda elipse no plano i deve aparecer como um círculo no plano ii, e todo retângulo, como um quadrado em ii. Semelhante maneira de representar talvez possa ser conveniente para nós se, por alguma 2
  • 3. Algumas observações sobre a forma lógica razão, preferirmos desenhar somente círculos e quadrados no plano ii. É claro que, partindo dessas imagens, não é possível inferir imediatamente os forma- tos exatos das figuras originais no plano i. Delas conseguimos unicamente deduzir que o original era uma elipse ou um retângulo. Para descobrirmos num caso isolado qual o formato certo do original, teríamos de conhecer o método individual com que, por exemplo, uma elipse em particular é pro- jetada no círculo diante de mim. O caso da linguagem comum é bastante análogo. Se os fatos da realidade são as elipses e os retângulos no plano i, as formas sujeito-predicado e relacional correspondem aos círculos e quadrados no plano ii. Estas formas são as normas da nossa própria linguagem, sobre as quais projetamos de muitíssimas maneiras diferentes as muitíssimas for- mas lógicas diferentes. E, por esta simples razão, partindo do uso dessas | [165] normas, não podemos tirar conclusões—salvo muito vagas—acerca da ver- dadeira forma lógica dos fenômenos descritos. Formas como “este artigo é chato”, “o tempo está bom”, “eu sou preguiçoso”, que não têm absolutamente nada em comum entre si, apresentam-se como proposições sujeito-predicado, ou seja, aparentemente como proposições de uma mesma forma. Pois bem, se tentamos chegar a uma análise real, encontramos formas lógicas que guardam muito pouca semelhança com as normas da lingua- gem comum. Deparamo-nos com as formas de espaço e tempo [juntamente] com todo o múltiplo de objetos espaciais e temporais, como cores, sons etc. etc., com suas gradações, transições contínuas e combinações em vá- rias proporções, todas as quais não conseguimos apreender com nossos meios de expressão comuns. E aqui gostaria de fazer minha primeira observação concreta sobre a análise lógica dos fenômenos reais. Ei-la: no que diz res- peito à sua representação, números (racionais e irracionais) devem entrar na estrutura das próprias proposições atômicas. Ilustrarei com um exemplo. Imagine um sistema de eixos retan- gulares, um retículo, por assim dizer, 10 desenhado no nosso campo visual, e 9 também uma escala arbitrária fixa. 8 É evidente que podemos, então, des- 7 crever o formato e a posição de cada 6 M mancha de cor no nosso campo vi- 5 sual por meio de asserções de núme- 4 ros cujo valor (significance) é rela- 3 tivo ao sistema de coordenadas e à 2 unidade [de medida] escolhida. Por 1 outro lado, está claro que essa descri- 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 ção terá a multiplicidade lógica certa e que uma descrição que tiver uma 3
  • 4. Algumas observações sobre a forma lógica multiplicidade menor não servirá. Um exemplo simples seria a representação de uma mancha m pela expressão “[6–9, 3–8]” e de uma proposição | sobre [166] ela, por exemplo, m é vermelha, pelo símbolo “[6–9, 3–8] v”, em que “v” é por ora um termo ainda não analisado (“6–9” e “3–8” representam o inter- valo contínuo entre os respectivos números). O sistema de coordenadas neste caso é parte do modo de expressão; é parte do método de projeção com que a realidade é projetada no nosso simbolismo. A relação de uma mancha [60] situada entre duas outras pode ser expressa de maneira análoga pelo uso de variáveis aparentes (apparent variables). É escusado dizer que essa análise não tem, de forma alguma, a pretensão de ser completa. Não fiz nela qual- quer menção ao tempo, e o uso do espaço bidimensional não se justifica nem mesmo no caso da visão monocular. Desejo somente indicar a direção em que se deve buscar, creio eu, a análise dos fenômenos visuais e que, nessa análise, nos deparamos com formas lógicas bastante diferentes das que a lin- guagem comum nos leva a esperar. A meu ver, a ocorrência de números nas formas das proposições atômicas não é meramente um traço de um sim- bolismo especial, mas um traço essencial e, por conseguinte, inevitável da representação. E números terão de entrar nessas formas—como diríamos na linguagem comum—quando estivermos | lidando com propriedades que dão [167] margem a gradação, ou seja, propriedades como o comprimento de um inter- valo, a altura de uma nota, o brilho ou a vermelhidão de um matiz etc. Uma característica dessas propriedades é que um grau delas exclui qualquer outro. Um matiz não pode ter simultaneamente dois graus diferentes de brilho ou vermelhidão; uma nota, duas intensidades diferentes etc. E o ponto princi- pal aqui é que essas observações não exprimem uma experiência, mas são de certo modo tautologias. Todo mundo sabe disso no dia a dia. Suponha que alguém nos pergunte, “Qual a temperatura lá fora?”, e a gente diga, “Vinte e sete graus”; se logo depois nos perguntasse de novo, “Faz trinta e dois graus?”, a gente responderia, “Já disse que faz vinte e sete”. Consideramos a asserção de um grau (de temperatura, por exemplo) uma descrição completa que não precisa de suplemento. Tanto que, quando nos pedem, a gente diz que horas são, mas não diz além disso que horas não são. Talvez alguém pense—não faz muito tempo, eu pensava assim—que uma asserção que exprime o grau de uma qualidade possa ser analisada num pro- duto lógico de asserções de quantidade isoladas, mais uma asserção suplemen- tar integrante; da mesma maneira que seria possível descrever o conteúdo do meu bolso dizendo, “Contém uma moeda de um centavo, uma de cinquenta centavos, duas chaves e nada mais”. Este “e nada mais” é a asserção su- plementar que completa a descrição. Mas nada disso serve como análise de uma asserção de grau. Veja bem, vamos chamar de b, digamos, a unidade de brilho; e seja E(b) a asserção de que a entidade E possui esse brilho; en- 4
  • 5. Algumas observações sobre a forma lógica tão, a proposição E(2b), que diz que E tem dois graus de brilho, teria de ser analisável no produto lógico E(b) & E(b); isso, porém, equivale a E(b); se, por outro lado, tentando fazer distinção entre as unidades, escrevemos então E(2b) = E(b′ ) & E(b′′ ), supomos | duas unidades de brilho diferentes; [168] e, então, se uma entidade possui uma unidade, a questão de qual das duas ela possui—(b′ ) ou (b′′ )—poderia ser levantada; o que é obviamente um absurdo. Sustento que a análise da asserção que atribui um grau a uma qualidade não pode ser levada mais adiante; e, além disso, que a relação de diferença de grau é uma relação interna, representada, por conseguinte, por uma relação interna entre as asserções que atribuem os diferentes graus. Noutras pala- vras, a asserção atômica deve ter a mesma multiplicidade que o grau que ela atribui; daí que os números devem entrar nas formas das proposições atômi- cas. A exclusão mútua entre asserções de grau não analisáveis contesta uma opinião, publicada por mim muitos anos atrás, segundo a qual seria neces- sário que proposições atômicas não podem se excluir reciprocamente. É de maneira deliberada que, neste caso, digo “excluir”, e não “contradizer”, pois existe uma diferença entre essas duas noções, e proposições atômicas, embora não possam se contradizer, podem se excluir. Tentarei explicar. Existem fun- ções que podem fornecer uma proposição verdadeira somente para um valor do argumento delas, porque—se é que posso me expressar assim—nelas há es- paço para somente um [valor]. Considere, por exemplo, uma proposição que afirma a existência de uma cor r num certo tempo t num certo lugar l do nosso campo visual. Essa proposição será escrita “rlt” e, por ora, me abste- nho de qualquer consideração sobre a maneira pela qual semelhante asserção deve continuar a ser analisada. Por sua vez, “blt” diz que a cor b está no [61] lugar l no tempo t; e, para a maioria de nós aqui e para todo mundo no dia a dia, ficará claro que “rlt & blt” é algum tipo de contradição (e não só uma proposição falsa). Pois bem, se asserções de grau fossem analisáveis— como eu costumava achar que eram—seria possível explicar essa contradição dizendo que a cor r contém | todos os graus de r e nenhum de b, e que [169] a cor b contém todos os graus de b e nenhum de r. Mas do que foi dito acima segue que análise alguma consegue eliminar asserções de grau. De que maneira se dá, então, a exclusão mútua de rlt e blt? Acredito que consista no fato de que rlt bem como blt são, de certo modo, completas. Aquilo que, na [própria] realidade, corresponde à função “( )lt” deixa espaço só para uma entidade—no mesmo sentido, para dizer a verdade, em que a gente diz que só há lugar para uma pessoa numa cadeira. Nosso simbolismo, que nos permite formar o sinal do produto lógico de “rlt” e “blt”, não fornece neste caso uma figuração correta da realidade. Disse alhures que uma proposição “se estende à realidade” (reaches up to reality), querendo dizer com isso que as formas das entidades estão contidas 5
  • 6. Algumas observações sobre a forma lógica na forma da proposição acerca dessas entidades. Pois a frase, junto com o modo de projeção que projeta a realidade na frase, determina a forma lógica das entidades, exatamente como, na nossa comparação, um desenho no plano ii, juntamente com seu modo de projeção, determina o formato da figura no plano i. Essa observação, creio, nos dá a chave da explicação para a exclusão mútua entre rlt e blt. Pois, se a proposição contém a forma de uma entidade sobre a qual ela diz respeito, então é possível que duas proposições colidam precisamente nessa forma. As proposições “Bruno está agora sentado nessa cadeira” e “Jonas está agora sentado nessa cadeira”, cada uma tenta, de certo modo, colocar na cadeira o seu sujeito (subject term). Porém, o produto lógico dessas proposições colocará os dois lá de uma vez, o que leva a uma colisão, uma exclusão mútua desses termos. De que maneira essa exclusão se representa no simbolismo? O produto lógico das duas proposições, p e q, pode ser escrito da seguinte maneira: | [170] p q V V V V F F F V F F F F O que acontece se essas duas proposições são rlt e blt? Neste caso, a linha superior, “V V V”, deve desaparecer, já que representa uma combinação impossível. Eis as verdadeiras possibilidades: rlt blt V F F V F F Noutras palavras, não há produto lógico de rlt e blt no sentido estrito, e nisto se encontra a exclusão enquanto oposta a uma contradição. A contra- dição, se existisse, teria de ser escrita assim: rlt blt V V F V F F F V F F F F mas isso é um contrassenso, visto que a linha superior, “V V F”, confere à pro- posição uma multiplicidade lógica maior do que a das possibilidades efetivas. 6
  • 7. Algumas observações sobre a forma lógica É claro que é uma deficiência da nossa | notação não impedir a formação des- [171] sas construções que não fazem sentido, e uma notação perfeita terá de excluir semelhantes estruturas mediante regras de sintaxe definidas. Estas terão de nos dizer que, no caso de certos tipos de proposições atômicas descritas em termos de traços simbólicos definidos, certas combinações dos V e F devem ser deixadas de lado. No entanto, tais regras não podem ser estabelecidas até que tenhamos, de fato, atingido a análise última dos fenômenos em discussão. Como todos sabemos, isso ainda não foi alcançado. 7