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Operações de reparcelamento do
solo urbano via planos de pormenor
com efeitos registais
Que avaliação (de impacte) ambiental
e que simplificação administrativa?
Nuno Pedro dos Santos Borges Marques
Trabalho realizado no âmbito do curso de
Pós-Graduação em Direito do Urbanismo e do Turismo
Abril/2021
Instituto de Ciências Jurídico-Políticas
Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
— 2 —
Índice
Introdução 5
1. As “operações de loteamento urbano” no enquadramento do RJAIA - um
significado necessariamente amplo e aberto
8
2. Operações de reparcelamento via PP, ou o que são (verdadeiramente) planos de
pormenor com efeitos registais?
13
3. O reparcelamento do solo urbano fundado num plano de pormenor com efeitos
registais: qual é o lugar da avaliação (de impacte) ambiental?
19
3.1. Da não sujeição a AAE das operações de reparcelamento do solo urbano
através de PPer
19
3.2. AIA de operações de reparcelamento do solo urbano através de PPer: antes ou
depois da aprovação do plano?
23
3.3. E das operações de reparcelamento do solo urbano através de PPer abaixo dos
limiares de sujeição obrigatória a AIA? Como abordar a eventualidade de um EIA?
26
4. Considerações finais 29
— 3 —
Abreviaturas
AIA - Avaliação de Impacte Ambiental.
AIncA - Avaliação de Incidência Ambientais.
AAE - Avaliação Ambiental Estratégica
EIA - Estudo de Impacte Ambiental.
PDM - Plano Diretor Municipal.
PP - Plano de Pormenor.
PPer - Plano de Pormenor com efeitos registais
PU - Plano de Urbanização.
RERAE - Regime Extraordinário de Regularização de Atividades Económicas, aprovado pelo
Decreto-Lei n.º 165/2014, de 5 de novembro, alterado pela Lei n.º 21/2016, de 19 de julho.
RJAAPP - Regime Jurídico da Avaliação Ambiental de Planos e Programas, aprovado pelo
Decreto-Lei n.º 232/2007, de 15 de junho, alterado pelo Decreto-Lei n.º 58/2011, de 4 de maio.
RJAIA - Regime Jurídico da Avaliação de Impacte Ambiental, aprovado pelo Decreto-Lei n.º
151-B/2013, de 31 de outubro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 47/2014, de 24 de março, pelo
Decreto-Lei n.º 179/2015, de 27 de agosto, pela Lei n.º 37/2017, de 2 de junho e pelo Decreto-
Lei n.º 152-B/2017, de 11 de dezembro.
RJIEFET - Regime Jurídico da Instalação, Exploração e Funcionamento dos Empreendimentos
Turísticos, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 39/2008, de 7 de março, retificado pela Declaração de
Rectificação n.º 25/2008, de 6 de maio, alterado pelo Decreto-Lei n.º 228/2009, de 14 de
setembro, pelo Decreto-Lei n.º 15/2014, de 23 de janeiro, retificado pela Declaração de
Retificação n.º 19/2014, de 24 de março, alterado pelo Decreto-Lei n.º 128/2014, de 29 de agosto,
pelo Decreto-Lei n.º 186/2015, de 3 de setembro, pelo Decreto-Lei n.º 80/2017, de 30 de junho e
pelo Decreto-Lei n.º 9/2021, de 29 de janeiro.
RJIGT - Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º
80/2015, de 14 de maio, alterado pelo Decreto-Lei n.º 81/2020, de 2 de outubro e pelo Decreto-
Lei n.º 25/2021, de 29 de março.
RJUE – Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 555/99, de
16 de Dezembro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 177/2001, de 4 de junho, pela Lei n.º 4-A/2003,
de 19 de fevereiro, pela Lei n.º 60/2007, de 4 de setembro, pelo Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29
de janeiro, pelo Decreto-Lei n.º 116/2008, de 4 de junho, pelo Decreto-Lei n.º 26/2010, de 30 de
— 4 —
março, pela Lei n.º 28/2010, de 2 de setembro, pelo Decreto-Lei n.º 266-B/2012, de 31 de
dezembro, pelo Decreto-Lei n.º 136/2014, de 9 de setembro, pela Retificação n.º 46-A/2014, de
10 de novembro, pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de outubro, pelo Decreto-Lei n.º 97/2017,
de 10 de agosto, pela Lei n.º 79/2017, de 18 de agosto, pelo Decreto-Lei n.º 121/2018, de 28 de
dezembro, pelo Decreto-Lei n.º 66/2019, de 21 de maio e pela Lei n.º 118/2019, de 17 de
setembro.
— 5 —
Introdução
Com a revisão das designações e limiares dos anexos I e II do regime jurídico da
Avaliação de Impacte Ambiental (AIA) resultante da aprovação do Decreto-Lei n.º 151-
B/2013, de 31 de outubro, passaram a constar como tipos de projetos passíveis de sujeição
a AIA os designados de “operações de loteamento urbano, incluindo a construção de
estabelecimento de comércio ou conjunto comercial e de parques de estacionamento”.
Até esse momento, reportando-nos à alínea b), do título 10, do Anexo II, do regime
jurídico de AIA (RJAIA), na redação estabelecida a partir do Decreto-Lei n.º 69/2000, de
3 de maio, a designação era a de “loteamento urbano, incluindo a construção de
estabelecimento de comércio ou conjunto comercial, nos termos definidos na Lei n.º
12/2004, de 30 de Março, e parques de estacionamento não abrangidos por plano
municipal de ordenamento do território” (sublinhado nosso).
Ora, desaparecendo do RJAIA/2013 a condição da não abrangência daqueles tipos de
projetos por “plano municipal de ordenamento do território”, dúvidas passaram a não
haver de que todas as operações de loteamento urbano, estejam ou não enquadradas por
qualquer instrumento de gestão territorial, encontram-se obrigatoriamente sujeitas a AIA
desde que atinjam ou superem qualquer dos limiares previstos para os designados caso
geral ou áreas sensíveis1
.
E se com o RJAIA decorrente do Decreto-Lei n.º 151-B/2013, de 31 de outubro, passou
a ser inequívoco que qualquer procedimento de controlo prévio de operação de
loteamento urbano, enquadrada ou não, por Plano Diretor Municipal (PDM), Plano de
Urbanização (PU) ou Plano de Pormenor (PP), terá de observar um subprocedimento de
AIA sempre que se atinjam os limiares2
, menos óbvio, porquanto a lei não o explicita, é
o caso das operações de reparcelamento do solo urbano resultantes da eficácia registal de
1
Para efeitos do RJAIA (cfr. alínea a, do artigo 2.º), são “áreas sensíveis” i) as áreas protegidas,
classificadas ao abrigo do Decreto-Lei n.º 142/2008, de 24 de julho; ii) os sítios da Rede Natura 2000, zonas
especiais de conservação e zonas de proteção especial, classificadas nos termos do Decreto-Lei n.º 140/99,
de 24 de abril, no âmbito das Diretivas n.ºs 79/409/CEE, do Conselho, de 2 de abril de 1979, relativa à
conservação das aves selvagens, e 92/43/CEE, do Conselho, de 21 de maio de 1992, relativa à preservação
dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens; e iii) as zonas de proteção dos bens imóveis
classificados ou em vias de classificação definidas nos termos da Lei n.º 107/2001, de 8 de setembro.
2
No atual RJAIA, os limiares para o caso geral correspondem a “área ocupada igual ou superior a 10
hectares ou mais de 500 fogos”; para as áreas sensíveis os limiares correspondem à “área ocupada igual ou
superior a 2 hectares”.
— 6 —
determinados planos de pormenor, por natureza, não sujeitas a controlo administrativo
prévio.
Afinal, além das diferentes nomenclaturas, essas especiais operações de reparcelamento
podem ser concretizadas “sem necessidade de controlo administrativo prévio, sendo o
registo efetuado nos termos dos artigos 108.º e 109.º [do Regime Jurídico dos
Instrumentos de Gestão Territorial]”3
, distinguindo-se, quanto a esse aspeto – aliás, não
despiciendo -, das típicas operações de loteamento previstas no Regime Jurídico da
Urbanização e da Edificação (RJUE) e também dos tipos gerais de operações de
reparcelamento, de iniciativa particular ou de iniciativa da câmara municipal, previstos,
respetivamente, nos artigos 166.º e 167.º do (novo) RJIGT4
.
A posição adotada no âmbito do presente estudo é a de que, não obstante se fundarem,
para o que ao caso importa, num (híbrido) instrumento de natureza regulamentar5
, as
operações de reparcelamento do solo urbano em área abrangida por planos de pormenor
que contenham as menções constantes das alíneas a) a d), g) e h), do n.º 1, do artigo 102.º,
do RJIGT, são operações de efeitos territoriais idênticos às operações de loteamento
conforme definidas no RJUE6
, encontrando-se inevitavelmente sujeitas a AIA sempre que
atinjam os limiares previstos no RJAIA, porém, não sujeitas à avaliação ambiental de
planos e programas, vulgo avaliação ambiental estratégica (AAE) ou a avaliação de
incidências ambientais (AIncA), como adiante se fundamentará.
Assim, para os casos de operações de reparcelamento do solo urbano, em que os limiares
de AIA sejam atingidos ou superados, procuraremos no âmbito do presente estudo
apresentar as razões pelas quais formamos a convicção de que, consoante os efeitos
registais do reparcelamento se pretendam atingir em ato contínuo ou em momento
indefinido após a aprovação de um plano de pormenor com as menções atrás referidas,
assim o conteúdo de cada um desses planos terá de ser diferente e a AIA deve ou não ser
prévia à deliberação da assembleia municipal que o aprove.
Nestas páginas, aflorar-se-ão também outros aspetos relacionados, designadamente os
que sobressaem da relação inelutável entre os diferentes regimes de avaliação ambiental
3
Cfr. número 4, do artigo 165.º, do RJIGT, in fine.
4
Decreto-Lei n.º 80/2015, de 14 de maio.
5
“Os planos intermunicipais e municipais são instrumentos de natureza regulamentar (…)” (cfr. artigo 69.º
do RJIGT).
6
Quanto aos efeitos das operações de reparcelamento do solo urbano fundadas em planos de pormenor com
efeitos registais, cfr. o n.º 1, do artigo 169.º, do RJIGT, por remissão do número 2 do mesmo artigo.
— 7 —
e o RJIGT, como sejam os relativos à AAE de planos de pormenor com efeitos registais
(PPer) ou os relativos à (in)validade, com fundamento no artigo 22.º do RJAIA, dos atos
de aprovação de PPer nos quais se fundam as operações de reparcelamento previstas no
artigo 165.º, n.º 4, do RJIGT, em caso de inobservância de AIA prévia à aprovação do
plano.
O caminho que percorremos serve também de auxiliar da formulação de considerações
finais não apenas de escopo avaliativo sobre os propósitos de simplificação administrativa
e de eficiência procedimental que ancoraram a criação dos PPer aquando da alteração ao
RJIGT em 2007 - e se os mesmos podem ou não considerar-se alcançados -, mas também
de uma reflexão crítica sumária relativamente à problemática dos instrumentos híbridos
de execução em urbanismo, um contributo que se oferece para o eventual reavivar do
debate doutrinário e da investigação em torno desta matéria específica, tão
intrinsecamente relacionada que a mesma se encontra com os referidos propósitos de
simplificação e eficiência.
Lagos, abril de 2021.
— 8 —
1. As “operações de loteamento urbano” no enquadramento do RJAIA - um
significado necessariamente amplo e aberto
Na ausência de uma definição expressa quanto ao significado de cada uma das
designações relativas aos tipos de projetos elencados nos anexos I e II do RJAIA, restará
ao intérprete, com recurso aos elementos próprios da interpretação jurídica das normas,
encontrar o verdadeiro sentido da redação legal.
No caso das “operações de loteamento urbano” mencionadas na tipologia de projetos da
alínea b), do título 10, do Anexo II, do RJAIA, a fim de se interpretar qual o seu alcance,
não basta o recurso ao elemento literal.
Como veremos, não só não é, nem nunca foi, intenção do legislador considerar que só as
típicas operações de loteamento conforme as encontramos definidas na alínea i), do artigo
2.º, do RJUE, integram aquele conceito, nem a intenção é, ou alguma vez foi, a de
circunscrever os tipos de projetos abrangidos pela alínea b), do título 10, do Anexo II do
RJAIA, unicamente às operações de loteamento urbano, estabelecimentos de comércio
ou conjuntos comerciais ou aos parques de estacionamento.
E porque uma correta interpretação resulta necessariamente da utilização conjugada e
harmoniosa de diferentes elementos (o elemento literal e os elementos lógicos)7
, só com
a convocação de algumas ou todas as categorias de elementos lógicos - elementos
histórico, sistemático e racional ou teleológico -, e a sua combinação com o elemento
literal, poderemos determinar qual o sentido das diferentes designações integrantes dos
anexos I e II do RJAIA, logo, do verdadeiro alcance de cada uma das nomenclaturas em
presença.
Para esse exercício lograr ser bem sucedido há que ter presente que o RJAIA, nas suas
diferentes versões8
, é o resultado da transposição para a ordem jurídica interna de
7
“(...) além do elemento literal, o intérprete tem de se socorrer algumas vezes dos elementos lógicos com
os quais se tenta determinar o espírito da lei, a sua racionalidade ou a sua lógica. Estes elementos lógicos
agrupam-se em três categorias: a) elemento histórico que atende à história da lei (trabalhos preparatórios,
elementos do preâmbulo ou relatório da lei e occasio legis [circunstâncias sociais ou políticas e económicas
em que a lei foi elaborada]; b) o elemento sistemático que indica que as leis se interpretam umas pelas
outras porque a ordem jurídica forma um sistema e a norma deve ser tomada como parte de um todo, parte
do sistema; c) elemento racional ou teleológico que leva a atender-se ao fim ou objectivo que a norma visa
realizar, qual foi a sua razão de ser (ratio legis).” Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de
29.11.2011 (Proc.º: 0701/10), disponível em www.dgsi.pt.
8
Decreto-Lei n.º 186/90, de 6 de junho, Decreto-Lei n.º 69/2000, de 3 de maio e Decreto-Lei n.º 151-
B/2013, de 31 de outubro, com todas as respetivas alterações e regulamentações.
— 9 —
diferentes diretivas e legislação comunitária em matéria de avaliação de impacte
ambiental, encontrando-se, por natureza, vinculado à ratio legis daquele bloco normativo.
Ora, para o que ao caso importa, há que considerar que a alínea b), do título 10, do Anexo
II, do RJAIA, consta da Diretiva vigente9
com a redação urban development projects,
including the construction of shopping centres and car parks, o que, numa tradução
apressada para a língua portuguesa, mas nem por isso menos consentânea, poderá
traduzir-se por projetos de desenvolvimento urbano, incluindo a construção de centros
comerciais e parques de estacionamento.
Ainda assim, não fosse essa a mais acertada e fiel tradução e facilmente se extrairia que,
contrariamente àquilo que a literalidade da designação que encontramos na alínea b), do
título 10, do Anexo II do RJAIA, nos sugere, essa é uma categoria de projetos, afinal,
deliberadamente aberta e não absolutamente determinada, nela cabendo diferentes
projetos de desenvolvimento urbano com impactes comparáveis aos centros comerciais e
parques de estacionamento, projetos estes que são expressamente referidos na
nomenclatura vigente mas meramente a título exemplificativo.
“The EIA Directive provides two examples of what could be considered to fall within this
category, i.e. shopping centres and car parks, but these do not constitute an exhaustive list
of the activities covered. (…) In interpreting the scope of Annex II (10) (b), the ‘wide
scope and broad purpose’ of the EIA Directive should be borne in mind”10
Mas se é verdade que a designação que hoje encontramos no RJAIA, subtraída que se
encontra da equívoca menção à abrangência do projeto por algum plano territorial de
âmbito municipal 11
, é materialmente a mesma que já encontrávamos na redação
correspondente ao período de vigência do Decreto-Lei n.º 69/2000, de 3 de maio, a
designação anterior à versão do RJAIA de 2000 era muito mais aproximada à da Diretiva
vigente.
9
Diretiva n.º 2014/52/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de abril de 2014, que alterou a
Diretiva 2011/92/UE relativa à avaliação dos efeitos de determinados projetos públicos e privados no
ambiente. Tradução para português disponível em https://eur-lex.europa.eu/legal-
content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:32014L0052&from=EL
10
Vide Interpretation of definitions of project categories of annex I and II of the EIA Directive, European
Comission, 2015, pág. 50, disponível em https://ec.europa.eu/environment/eia/pdf/cover_2015_en.pdf.
11
Numa interpretação literal dessa pretérita redação, e ainda que pudessem ser projetos com potenciais
efeitos negativos para o ambiente, bastaria que o Plano Diretor Municipal se encontrasse aprovado e em
vigor, e quaisquer projetos de desenvolvimento urbano com incidência territorial nesse concelho, ainda que
igualassem ou superassem os limiares estabelecidos, encontrar-se-iam, só por isso, dispensados de AIA.
— 10 —
Com efeito, no RJAIA de 1990, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 186/90, de 6 de junho, a
alínea b), do título 10, do (então) Anexo III, referia-se a projetos de desenvolvimento
urbano, exatamente a mesma designação que se mantinha na versão alterada pelo
Decreto-Lei n.º 278/97, de 8 de outubro, versões tais que tiveram regulamentação através
dos decretos-regulamentares números 38/90, de 27 de novembro, e 42/97, de 10 de
outubro, nos seguintes termos, respetivamente:
- “4.3 - Projectos de desenvolvimento urbano que ocupem uma área superior a 10
ha;”;
- “b) Projectos de desenvolvimento urbano não incluídos em planos regionais de
ordenamento do território (PROT), planos directores municipais (PDM) ou planos
de urbanização (PU), plenamente eficazes, que ocupam uma área superior a 10
ha;” (sic).
Assim, com recurso ao elemento histórico, não obstante as deficiências grosseiras que, a
nosso ver, as sucessivas redações evidenciam, conseguimos com meridiana clareza
perceber que a ratio da designação vigente para balizar o significado do disposto na alínea
b), do título 10, do Anexo II, do RJAIA, aponta inequivocamente para uma muito maior
amplitude de significação do que aquela que a letra do preceito sugere, interpretação que
se torna ainda mais consistente se a isso somarmos os fins inerentes à própria diretiva de
AIA da melhoria da proteção do ambiente na União Europeia.
Ora, o fim e o objetivo da sujeição de determinados projetos públicos ou privados a
avaliação de impacte ambiental é a aferição preventiva dos seus efeitos potencialmente
negativos no ambiente e a identificação de medidas que eliminem ou mitiguem esses
efeitos advenientes da construção e da exploração, facto que aconselha a uma
interpretação por princípio extensiva quanto ao significado das designações dos tipos de
projetos elencados nos anexos I e II do RJAIA.
A título de mero exemplo, não é pelo facto de uma determinada operação imobiliária ter
500 ou mais fogos ou desenvolver-se numa área de 10 ou mais hectares de solo, porém,
sem se ancorar numa operação de loteamento, que os respetivos impactes ambientais
potenciais serão menores do que o seriam caso houvesse operação de loteamento, não
parecendo lógico nem legítimo que o intérprete a possa considerar como um projeto de
desenvolvimento urbano não sujeito a AIA só por não consubstanciar uma operação de
loteamento urbano.
— 11 —
Não nos restam por isso quaisquer dúvidas de que a ratio legis de que aqui tratamos
aponta claramente para uma interpretação ampla e aberta da designação em causa, nela
se podendo incluir, portanto, outros tipos de projetos de operações urbanísticas para além
das típicas operações de loteamento definidas no RJUE, que, aliás, por definição, também
abranjem os reparcelamentos, assim atinjam ou superem os limiares correspondentes, aí
se integrando, sem qualquer margem para dúvidas, as operações de reparcelamento do
solo urbano a que se refere o número 4, do artigo 165.º, do RJIGT12
, ou outras de impacte
semelhante, por exemplo, conjuntos de edifícios contíguos e funcionalmente ligados entre si,
consubstanciando conjuntos habitacionais constituídos em propriedade horizontal, vulgo
condomínios fechados.
As operações de reparcelamento do solo urbano a que se refere o número 4, do artigo
165.º, do RJIGT são um tipo muito específico, especial, de operação urbanística, passível
de realização sem a necessidade de controlo administrativo prévio quando fundada em
plano de pormenor com efeitos registais.
Contudo, pese embora o quadro legal português, diferentemente doutros13
, não o defina
de uma forma expressa, a mobilização do elemento lógico-sistemático de interpretação
aponta, a nosso ver claramente para que, nestes casos, operações com aquelas
características, não possam ser dispensadas de avaliação de impacte ambiental sempre
que em causa estejam 500 ou mais fogos ou uma área de intervenção superior a 10
hectares, sob pena de violação do RJAIA e invalidade na forma mais grave de nulidade
(cfr. artigo 22.º do RJAIA).
Em que momento procedimental deve a AIA acontecer sempre que se trate das operações
de reparcelamento do solo urbano a que se refere o número 4, do artigo 165.º, do RJIGT,
é uma das questões centrais a que nos propomos responder no âmbito do presente
trabalho. Mas, para que tal suceda, teremos ainda de desenvolver alguns outros aspetos
12
“O reparcelamento do solo urbano é a operação de reestruturação da propriedade que consiste no
agrupamento de terrenos localizados em solo urbano e na sua posterior divisão, com adjudicação dos lotes
resultantes aos primitivos proprietários ou a outros interessados.” (Cfr. n.º 1, do artigo 164.º, do RJIGT).
13
Ao contrário do que ainda sucede em Portugal, em que não existe uma previsão expressa na lei para a
sujeição de planos de pormenor com efeitos registais ao RJAIA, de acordo com Gonçalo Reino Pires,
citando Carl-Heinz David, o ordenamento jurídico alemão, desde as alterações introduzidas na lei federal
sobre urbanismo no final da década de 1990, “[obriga] à elaboração de estudos de impacte ambiental
relativamente a certas opções adoptadas no âmbito dos planos vinculativos dos particulares.” Cfr. PIRES,
Gonçalo R.; A Classificação e a Qualificação do Solo por Planos Municipais de Ordenamento do Território
(Contributo para a compreensão do seu regime substantivo e para a determinação do regime da sua
impugnação contenciosa). Lisboa: Edições Alumni FDL, 2015, pág. 369.
— 12 —
basilares associados, como seja o do conteúdo documental que um plano de pormenor
tem necessariamente de ter para que a operação de reparcelamento, para materializar-se,
possa beneficiar da alegada economia processual e procedimental oferecida pelo n.º 4, do
artigo 165.º, do RJIGT, questão a que procuraremos responder no capítulo seguinte.
— 13 —
2. Operações de reparcelamento via PP, ou o que são (verdadeiramente) planos de
pormenor com efeitos registais?
Integrada no âmbito do SIMPLEX - Programa de Simplificação Legislativa e
Administrativa, e visando “o reforço da eficiência dos processos de ordenamento do
território e, por isso, da operatividade do sistema de gestão territorial”14
, a alteração ao
RJIGT intermediada pelo Decreto-Lei n.º 316/2007, de 19 de setembro, introduziu, entre
outras inovações, a possibilidade dos planos de pormenor “com um conteúdo
suficientemente denso procederem a operações de transformação fundiária relevantes
para efeitos de registo predial e inscrição matricial, dispensando-se um subsequente
procedimento administrativo de controlo prévio”15
.
Essa alteração materializou-se através da introdução no RJIGT do artigo 92.º-A, com a
epígrafe “Efeitos registais”, e em cujo número 1 se previa que “[a] certidão do plano de
pormenor que contenha as menções constantes das alíneas a) a d), h) e i), do n.º 1, do
artigo 91.º, constitui título bastante para a individualização no registo predial dos prédios
resultantes das operações de loteamento, estruturação da compropriedade ou
reparcelamento previstas no plano.”16
(Sublinhado nosso).
Na vigência do anterior RJIGT, ou seja, até à entrada em vigor do novo RJIGT aprovado
pelo Decreto-Lei n.º 80/2015, de 14 de maio, o artigo 92.º-A viria ainda a ser alterado
pelo Decreto-Lei n.º 46/2009, de 20 de fevereiro, passando no número 1 a fazer-se
menção à obrigatoriedade da certidão do plano de pormenor ser acompanhada das peças
escritas e desenhadas previstas no número 3, do artigo 92.º daquele regime jurídico.
A relação de tais peças escritas e desenhadas já integrava a versão do artigo 92.º que
resultou das alterações introduzidas ao RJIGT pelo Decreto-Lei n.º 316/2007, de 19 de
setembro, e em cuja redação do número 3 já se mencionava “[p]ara efeitos do registo
predial (...)”, servindo a alteração ao artigo 92.º-A feita através do Decreto-Lei n.º
14
Cfr. preâmbulo do Decreto-Lei n.º 316/2007, de 19 de setembro.
15
Idem.
16
“O plano de pormenor deixou de ser apenas instrumento de planeamento de execução das opções
urbanísticas dos planos municipais, para se apresentar também na modalidade de instrumento de execução
(plano de pormenor com efeitos registais), tornando-se autossuficiente para fundar diretamente operações
de transformação fundiária (de loteamento ou fracionamento, de reparcelamento ou de estruturação da
compropriedade), dispensando pois um procedimento administrativo subsequente e equiparando-se, assim,
aos demais instrumentos de execução capazes de efetivar a recomposição predial do solo”, in parecer do
Conselho Consultivo do Instituto dos Registos e Notariado N.º 64/CC/2015, pág. 4. (Sublinhado nosso.)
— 14 —
46/2009, de 20 de fevereiro, para explicitar aquilo que já pacificamente se interpretava
como uma condição para a eficácia registal das operações de transformação fundiária que
se alicerçassem em planos de pormenor, condição essa subjacente a uma outra essencial
- a de que o plano de pormenor tivesse um determinado grau de densidade.
Assim, para que um plano de pormenor com um dado conteúdo documental
suficientemente denso, que o dotasse de uma “identidade funcional com as operações de
loteamento e reparcelamento urbano”, pudesse fundar diretamente uma operação de
transformação fundiária do tipo operação de reparcelamento sem necessidade de
controlo administrativo prévio, havia o mesmo de ter de ser constituído pelos elementos
das alíneas a) a d), h) e i) do n.º 1, do artigo 91.º, e de integrar, quer as peças escritas e
desenhadas previstas no n.º 3 do artigo 92.º, quer um dos elementos contratuais (contrato
de urbanização ou contrato de desenvolvimento urbano) celebrado entre os titulares de
direitos sobre os prédios envolvidos17
.
Cumpre no entanto sublinhar que é alicerçada em fins de simplificação administrativa
que é originariamente consagrada a possibilidade legal dos planos de pormenor fundarem
diretamente determinadas operações de transformação fundiária, entre as quais,
operações de reparcelamento, sem necessidade de controlo administrativo prévio18
-
afinal, esse controlo prévio é, digamos, inerente à formação do próprio plano e à sua
subsequente aprovação pela assembleia municipal.
Porém, não deixou também de se prever a necessidade de licenciamento (de controlo
prévio, portanto) para os casos de operações de reparcelamento de iniciativa particular,
as quais podemos apelidar, neste enquadramento concreto, de caso geral19
, ou seja,
realizadas a jusante da aprovação e entrada em vigor de planos territoriais municipais
clássicos, em cumprimento ou não das respetivas programações.
A este respeito, a leitura do número 6, do artigo 131.º, do antigo RJIGT não deixa
quaisquer margens para dúvidas sobre a intencionalidade do legislador em distinguir as
17
Cfr. número 10, do artigo 131.º, do RJIGT, na versão do Decreto-Lei n.º 316/2007, de 19 de setembro.
18
“O legislador parte do elevado grau de concretização das prescrições urbanísticas do plano de pormenor,
que ele, aliás, impõe, ao estabelecer um conteúdo mínimo do plano para servir de suporte às referidas
operações de transformação fundiária, para dispensar uma nova intervenção da Administração no seu
licenciamento ou aprovação.” Vide MONTEIRO, Cláudio; O Domínio da Cidade - A Propriedade à Prova
no Direito do Urbanismo. Lisboa: AAFDL, 2013, pág. 481.
19
“Às operações de reparcelamento do solo urbano por iniciativa particular são aplicáveis as disposições
legais e regulamentares [de controlo prévio] relativas às operações de loteamento.” (Cfr. n.º 2, do artigo
166.º, do novo RJIGT, correspondente, com as necessárias ressalvas e adaptações, ao n.º 6, do artigo 131.º,
do antigo RJIGT na versão pós-Decreto-Lei n.º 316/2007, de 19 de novembro).
— 15 —
diferentes modalidades de reparcelamento com o critério da obrigação ou não de controlo
prévio, quando aí se dispunha que “[a] operação de reparcelamento é licenciada ou
aprovada pela câmara municipal, consoante a iniciativa do processo tenha competido,
respectivamente, aos proprietários ou à câmara municipal” (sublinhados nossos).
No fim de contas, é essa a matriz que subsiste no novo RJIGT, aprovado pelo Decreto-
Lei n.º 80/2015, de 14 de maio, nos termos do qual se consolidou a diferenciação, com
base na obrigação ou não de controlo prévio, entre as operações de reparcelamento
fundadas em PPer (que aqui designamos de caso especial) e as demais que concretizem
planos territoriais (PDM, PU, PP), sujeitas a licença administrativa desde que de iniciativa
de particulares.20 21
Ressalve-se, no entanto, que o n.º 3, do artigo 167.º, do RJIGT remete o reparcelamento
do solo urbano de iniciativa da câmara municipal para a aplicação das “disposições legais
e regulamentares relativas às operações de loteamento de iniciativa municipal”, o que é o
mesmo que dizer, para a alínea a), do número 1, do artigo 7.º, do RJUE, nos termos do
qual se determina que “[estão isentas de controlo prévio] as operações urbanísticas
promovidas pelas autarquias locais e suas associações em área abrangida por plano
municipal ou intermunicipal de ordenamento do território”.
Consabidamente, esta isenção de controlo prévio não se confunde com a isenção de
controlo prévio de que beneficia uma operação de reparcelamento fundada num PPer,
desde logo, porque as isenções de controlo prévio do artigo 7.º do RJUE não implicam a
dispensa de consultas e pareceres a entidades externas, conforme imediatamente se
interpreta da redação do n.º 6 do referido artigo.
Não obstante, estas constatações conduzem-nos forçosamente a uma outra que é a de
considerar que os planos de pormenor com efeitos registais são aqueles que no
procedimento de formação do plano incorporam a integralidade dos elementos escritos e
desenhados a que atrás se faz referência sumária, porquanto essa é, no nosso
entendimento, a forma de respeitar e proceder em consonância com os objetivos que
20
As operações de loteamento encontram-se sujeitas a licença administrativa (cfr. alínea a), do n.º 2, do
artigo 4.º, do RJUE.
21
“O desencadeamento de procedimentos de controlo preventivo das operações de transformação fundiária
previstas nos planos de pormenor é mesmo desnecessário em certas circunstâncias quando se trate de planos
de pormenor com efeitos registais [cfr. artigo 108.º do RJIGT, em especial, o seu n.º 3, e n.º 4 do artigo
165.º].” Vide OLIVEIRA, Fernanda Paula; Direito do Urbanismo. Do Planeamento à Gestão. Coimbra:
AEDRL/NEDAL, 2015, 2.ª Edição, pág. 85.
— 16 —
estiveram na génese da consagração legal da figura, desde logo, os de simplificação e
eficiência administrativas subjacentes à mesma, logo, não negligenciáveis.
E isso é válido tanto para as operações de transformação fundiária reconduzíveis às
figuras de reparcelamento do solo urbano fundadas em planos de pormenor com
determinado grau de densidade das suas disposições - vulgo, planos de pormenor com
efeitos registais -, como para as situações de estruturação da compropriedade, valendo
para estas a regra da apresentação de um “acordo de reestruturação da compropriedade”
em vez do contrato de urbanização, este último aplicável indistintamente nas situações de
reparcelamento ancoradas no artigo 165.º do RJIGT22
.
Para aquilo que aqui especificamente nos interessa - operações de reparcelamento do solo
urbano a concretizar através de plano de pormenor - propendemos a considerar que só
nos encontraremos perante um efetivo plano de pormenor com efeitos registais se, além
da densificação mínima regulamentar exigida - alíneas a) a d), h) e i), do n.º 1, do artigo
102.º, do RJIGT -, se integrarem no respetivo procedimento de formação os elementos
escritos e desenhados elencados no número 3, do artigo 107.º, do RJIGT, assim como o
contrato de urbanização previsto no n.º 4, do artigo 165.º, do RJIGT.
Para momento subsequente à aprovação do plano de pormenor com efeitos registais pela
assembleia municipal ficam reservados a emissão, pela câmara municipal, da certidão
referida no n.º 1, do artigo 108.º, o pagamento dos inerentes encargos urbanísticos
referentes a taxas de realização, manutenção e reforço de infraestruturas, compensações
pela não cedência de terrenos para espaços verdes, equipamentos e infraestruturas e
caução de boa execução de obras de urbanização (cfr. artigo 109.º do RJIGT) e, a final,
os correspondentes atos registais. (Cfr. quadro-resumo do conteúdo material mínimo de
um PPer, no fim do presente capítulo).
Dito de outro modo, ainda que a transformação fundiária prevista num determinado plano
de pormenor sugira, ou até mesmo preveja detalhadamente, a execução através do
reparcelamento do solo urbano, não estaremos perante um plano de pormenor com efeitos
registais se o mesmo não for acompanhado do contrato de urbanização que constitua o
22
Tratando-se de operações de reparcelamento do solo urbano a realizar por intermédio de PPer, parecem
excluídas do respetivo âmbito de aplicação desta figura as transformações fundiárias conjuntas com fins
turísticos visando a constituição de lotes para edificação em solos rústicos, as quais obedecerão
necessariamente ao regime do RJUE, desde logo, com o enquadramento do artigo 38.º.
— 17 —
acordo dos proprietários de direitos sobre os prédios abrangidos e os elementos previstos
no número 3, do artigo 107.º, do RJIGT.23
Em abono deste entendimento veja-se, por analogia, o disposto no artigo 72.º, sob a
epígrafe Reclassificação para solo urbano, que prevê expressamente no seu número 4
que “a reclassificação do solo processa-se através dos procedimentos de elaboração, de
revisão ou de alteração de planos de pormenor com efeitos registais, acompanhado do
contrato previsto no n.º 2 (…)”. Sublinhado nosso.
É que, pese “[e]mbora a lei pareça referir-se a duas realidades distintas - plano de
pormenor com efeitos registais e reparcelamento efetuado por intermédio de contrato -,
em causa está uma realidade única e indivisível: o plano de pormenor concretiza o
reparcelamento ou este é efetuado no âmbito daquele.”24
Parecendo perfilhar posição
essencialmente no mesmo sentido, para o Prof. Cláudio Monteiro, “os proprietários
apenas podem desencadear os efeitos reais nele contidos [no plano de pormenor], sendo
o plano o facto constitutivo dos correspondentes direitos e obrigações.”25
O contrato em causa, materializando a autonomia e vontade das partes na aceitação do
reparcelamento, é um contrato de urbanização onde se fixam, designadamente, “os
encargos urbanísticos das operações necessárias à execução do plano de pormenor, o
respetivo prazo, as condições de redistribuição de benefícios e encargos, considerando
todos os custos urbanísticos e todos os interessados envolvidos.”26
Quando falte algum dos elementos essenciais à eficácia registal do PP, as operações de
reparcelamento do solo urbano, seja por iniciativa particular, seja por iniciativa da câmara
municipal, já não beneficiam de dispensa de controlo prévio, sujeitando-se à
procedimentalização do RJUE aplicável às operações de loteamento, conforme dispõem
o número 2, do artigo 166.º e o número 3 do artigo 167.º, ambos do RJIGT.
23
Questiona-se-á que, a ter de integrar o conteúdo material do plano de pormenor, o contrato de urbanização
teria de ser prévio à discussão e deliberação nos órgãos municipais, e que a versão final do plano poderia
ser diferente daquela que esteve na base do acordo contratual entre os diferentes subscritores, a final
diferente, logo, incongruente, com o conteúdo definitivo do plano. A ser o caso, ou seja, a haver alterações
com implicações na peça contratual originária, haverá sempre a mesma de ser aditada com o
restabelecimento do acordo entre as partes antes da deliberação final da assembleia municipal que aprove
o plano.
24
OLIVEIRA, Fernanda Paula; Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial Comentado.
Coimbra: Almedina, 2016, pág. 348.
25
MONTEIRO, Cláudio; O Domínio da Cidade - A Propriedade à Prova no Direito do Urbanismo. Lisboa:
AAFDL, 2013, pág. 481.
26
Cfr. números 2 e 3, do artigo 8.º, do Decreto Regulamentar n.º 15/2015, de 19 de agosto.
— 18 —
Operação de reparcelamento do solo urbano através de plano de pormenor
com efeitos registais - conteúdo material mínimo
- Alíneas a) a d), h) e i), do n.º 1, do artigo
102.º, do RJIGT
a) A definição e a caracterização da área de intervenção, identificando e
delimitando os valores culturais e a informação arqueológica contida no solo e
no subsolo, os valores paisagísticos e naturais a proteger, bem como todas as
infraestruturas relevantes para o seu desenvolvimento;
b) As operações de transformação fundiária preconizadas e a definição das
regras relativas às obras de urbanização;
c) O desenho urbano, exprimindo a definição dos espaços públicos, incluindo
os espaços de circulação viária e pedonal e de estacionamento, bem como o
respetivo tratamento, a localização de equipamentos e zonas verdes, os
alinhamentos, as implantações, a modelação do terreno e a distribuição
volumétrica;
d) A distribuição de funções, conjugações de utilizações de áreas de
construção e a definição de parâmetros urbanísticos, designadamente,
densidade máxima de fogos, número de pisos e altura total das edificações ou
altura das fachadas;
h) Regulamentação da edificação, incluindo os critérios de inserção
urbanística e o dimensionamento dos equipamentos de utilização coletiva, bem
como a respetiva localização no caso dos equipamentos públicos;
i) A identificação dos sistemas de execução do plano, do respetivo prazo e da
programação dos investimentos públicos associados, bem como a sua
articulação com os investimentos privados
- Elementos escritos e desenhados
elencados no número 3 do artigo 107.º do
RJIGT
(Peças escritas e desenhadas que
suportem as operações de transformação
fundiária previstas, nomeadamente para
efeitos de registo predial e de elaboração
ou conservação do cadastro geométrico
da propriedade rústica ou do cadastro
predial)
a) Planta cadastral ou ficha cadastral original, quando existente;
b) Quadro com a identificação dos prédios, natureza, descrição predial,
inscrição matricial, áreas e confrontações;
c) Planta da operação de transformação fundiária, com a identificação dos
novos prédios e dos bens de domínio público;
d) Quadro com a identificação dos novos prédios ou fichas individuais, com a
indicação da respetiva área, da área destinada à implantação dos edifícios e das
construções anexas, da área de construção, da volumetria, da altura total da
edificação ou da altura da fachada e do número de pisos acima e abaixo da
cota de soleira para cada um dos edifícios, do número máximo de fogos e da
utilização de edifícios e fogos;
e) Planta com as áreas de cedência para o domínio municipal;
f) Quadro com a descrição das parcelas a ceder, sua finalidade e área de
implantação, bem como das áreas de construção e implantação dos
equipamentos de utilização coletiva;
g) Quadro de transformação fundiária, explicitando a relação entre os prédios
originários e os prédios resultantes da operação de transformação fundiária.
- Contrato de urbanização previsto no n.º 4, do artigo 165.º, do RJIGT
Aprovação do plano de pormenor pela Câmara Municipal
Aprovação do plano de pormenor pela Assembleia Municipal
Publicação do plano de pormenor em Diário da República
- Emissão, pela câmara municipal, da certidão referida no n.º 1, do artigo 108.º
- Pagamento de taxas de realização, manutenção e reforço de infraestruturas;
- Pagamento de compensações pela não cedência de terrenos para espaços verdes, equipamentos e
infraestruturas;
- Pagamento da caução de boa execução de obras de urbanização
(cfr. artigo 109.º do RJIGT)
- Pagamento dos atos registais
— 19 —
3. O reparcelamento do solo urbano fundado num plano de pormenor com efeitos
registais: qual é o lugar da avaliação (de impacte) ambiental?
Adotando-se as posições atrás apresentadas quanto ao modo de interpretar a alínea b), do
título 10, do Anexo II, do RJAIA, e quanto àquilo que devemos entender por planos de
pormenor com efeitos registais que consubstanciem operações de reparcelamento do solo
urbano, é nesta parte do trabalho que nos propomos corporizar a posição já antecipada na
introdução de que a AIA de uma operação de reparcelamento do solo urbano por via de
um PPer, quando à mesma houver obrigatoriamente lugar nos termos do RJAIA, é prévia
à deliberação da assembleia municipal que aprovar o plano.
Antes disso, há no entanto que esclarecer que, apesar de nos reportarmos aos tipos de
projetos com enquadramento na alínea b), do título 10, do Anexo II, do RJAIA, como
situação de referência, não deixa o presente exercício de ter idêntica aplicação para os
casos dos tipos de projetos da alínea a), do título 10, do Anexo II, do RJAIA, sob a
designação “[p]rojetos de loteamento, parques industriais e plataformas logísticas”, com
as mandatórias adaptações atendendo aos diferentes limiares de sujeição obrigatória a
AIA estabelecidos para tais situações27
.
3.1. Da não sujeição a AAE das operações de reparcelamento do solo urbano através de
PPer
Salvo nos casos de utilização da figura de PPer com finalidades de reclassificação para
solo urbano, no enquadramento próprio que lhe é conferido nos termos do artigo 72.º, do
RJIGT, atendendo àquela que consideramos ser a dimensão estratégica socio-territorial
intrínseca de um processo dessa natureza28
, envolvendo opções puras de planeamento,
subjaz ao entendimento que aqui formulamos para operações de reparcelamento do solo
urbano a concretizar por via de um PPer o reconhecimento-regra da inexistência de
fundamento para a sujeição da avaliação dos efeitos ambientais do plano - vulgo,
27
Para “loteamentos industriais”, a área mínima de sujeição obrigatória a AIA para o caso geral é de 20
hectares, ou seja, o dobro da área estabelecida para as “operações de loteamento urbano”.
28
Nos termos do número 1, do artigo 72.º, do RJIGT, “[a] reclassificação do solo rústico para solo urbano
tem caráter excecional, sendo limitada aos casos de inexistência de áreas urbanas disponíveis e
comprovadamente necessárias ao desenvolvimento económico e social e à indispensabilidade de
qualificação urbanística, traduzindo uma opção de planeamento sustentável em termos ambientais,
patrimoniais, económicos e sociais.” (Sublinhado nosso).
— 20 —
avaliação ambiental estratégica (AAE) -, prevista no Decreto-Lei n.º 232/2007, de 15 de
junho, alterado pelo Decreto-Lei n.º 58/2011, de 4 de maio,29 30
porquanto um PPer é um
instrumento vincadamente executório, portanto, concretizador de opções territoriais
tomadas a montante noutros instrumentos de gestão territorial, no âmbito dos quais (já)
foram sopesados e decididos todos os aspetos estratégicos da futura ocupação do
território bem como concluído o exercício atinente à classificação do solo e respetivo
regime de usos.
Isto fundamentalmente porque um plano com as características de um PPer, enquanto
“realidade única e indivisível: o plano de pormenor [que] concretiza o reparcelamento
(...)”, (Fernanda Paula Oliveira, ob. cit.), não se trata de um plano que constitua
enquadramento para a futura aprovação de projectos mencionados nos anexos I e II do
Decreto-Lei n.º 69/2000, de 3 de Maio, na sua actual redacção; ele próprio funda uma
operação de reparcelamento do solo urbano (dispensando-a de posterior controlo
administrativo prévio) e é o “facto constitutivo dos correspondentes direitos e obrigações”
(Cláudio Monteiro, ob. cit.).
Assim, tendo em conta o disposto na alínea a), do número 1, do artigo 3.º, do regime
jurídico da avaliação ambiental de planos e programas (RJAAPP), a contrario sensu, ou
seja, não constituindo o PPer enquadramento para a futura aprovação de projetos
mencionados nos anexos I e II do RJAIA - ele mesmo é plano e simultaneamente projeto
de operação de reparcelameto, como tal enquadrável nos tipos de projetos a que se reporta
a alínea b), do título 10, do Anexo II, do RJAIA - fácil será concluir que beneficiará, a
nosso ver, direta e indiscutivelmente, da prerrogativa de não sujeição a AAE, mas sim a
AIA, sempre e quando a operação em causa atinja os limiares de sujeição obrigatória a
essa modalidade de avaliação ambiental.
29
Que estabelece o regime a que fica sujeito a avaliação dos efeitos de determinados planos e programas
no ambiente29
, transpondo para a ordem jurídica interna as directivas n.º 2001/42/CE, do Parlamento
Europeu e do Conselho, de 27 de Junho, e n.º 2003/35/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26
de Maio.
30
“Foi, precisamente, em função da necessidade de ultrapassar as limitações intrínsecas à AIA (que surge
numa fase relativamente adiantada, em que já foi tomado um conjunto de decisões com impacto ambiental,
v.g., a localização do projeto) e de efetuar a avaliação dos riscos e perigos para os bens ambientais o mais
cedo possível, que nasceu a Avaliação Ambiental Estratégica (AAE), também designada Avaliação
Ambiental de Planos e Programas (AAPP).” MEALHA, Esperança; Jurisprudência portuguesa sobre AIA,
in Revisitando a Avaliação de Impacto Ambiental; Coordenação: Carla Amado Gomes e Tiago Antunes;
Lisboa: ICJP/FDUL, 2014, pág. 51.
— 21 —
Quanto à alínea b), do número 1, do artigo 3.º, do RJAAPP, reportada a planos e
programas que possam ter efeitos num sítio da lista nacional de sítios, num sítio de
interesse comunitário, numa zona especial de conservação ou numa zona de protecção
especial, fundando o PPer uma operação de transformação fundiária enquadrável nos
tipos de projetos da alínea b), do título 10, do Anexo II, do RJAIA, e superando os limiares
de sujeição obrigatória a AIA, também há, a nosso ver, fundamento para se considerar
que o mesmo não terá de sujeitar-se a Avaliação de Incidências Ambientais, atendendo
ao disposto na alínea a), do n.º 2, do artigo 10.º, do Decreto-Lei n.º 140/99, de 24 de abril,
na sua versão atual, porquanto “a avaliação de incidências ambientais segue a forma do
procedimento de avaliação de impacte ambiental quando [o] referido procedimento seja
aplicável nos termos da legislação em vigor; (...)”31
Assim sendo, para os casos de que aqui nos ocupamos, nem pela letra da lei nem pela
ratio do RJAAPP nos encontraremos perante situações suscetíveis de recair na alínea b),
do n.º 1, do artigo 3.º. Nessas situações, o que haverá é lugar à AIA, não a AIncA,
portanto, desaparecendo um dos pressupostos previstos no referido comando legal para a
sujeição obrigatória a AAE.
O outro aspeto a atender é o da própria ratio do RJAAPP e da figura da AAE enquanto
ferramenta destinada a desempenhar uma função estratégica, de análise das grandes
opções, com o propósito de “assegurar que (…) as consequências ambientais de um
determinado plano ou programa (…) são previamente identificadas e avaliadas durante a
fase da sua elaboração e antes da sua adopção”32
, escopo insuscetível de abranger o
procedimento de elaboração de um híbrido plano-projeto fundador de uma operação de
reparcelamento, instrumento inequivocamente orientado para a concretização e não para
a ponderação de alternativas de ocupação do território a longo prazo e das respetivas
opções de planeamento.
Quanto à alínea c), do número 1, do artigo 3.º, do RJAAPP - “[estão sujeitos a avaliação
ambiental] os planos e programas que, não sendo abrangidos pelas alíneas anteriores,
constituam enquadramento para a futura aprovação de projectos e que sejam qualificados
como susceptíveis de ter efeitos significativos no ambiente.” -, dir-se-á apenas o que atrás
se referiu a propósito da alínea a) para os PPer fundadores de operações de
31
Exatamente no mesmo sentido, cfr. número 3, do artigo 45.º, do RJAIA.
32
Cfr. preâmbulo do Decreto-Lei n.º 232/2007, de 15 de junho, alterado pelo Decreto-Lei n.º 58/2011, de
4 de maio.
— 22 —
reparcelamento, ou seja, que não nos encontramos perante um instrumento para a futura
aprovação de projetos (o projeto a avaliar está nele incorporado), o que equivale a dizer
que a condição compósita da alínea c) não é comprovável; e a suscetibilidade de poder
ter efeitos significativos no ambiente existirá, sim, mas essa será aprofundadamente
tratada numa mais exigente e concreta avaliação ambiental, a AIA, sempre que os limiares
se mostrem atingidos ou superados.
Mas, e quanto a outros PPer que fundem operações de reparcelamento do solo urbano que
não atinjam os limiares de sujeição obrigatória a AIA? Não se encontrarão sujeitos a AAE
perante o disposto no artigo 3.º do RJAAPP? Nesses casos, entendemos igualmente que
não, porquanto não é pelo facto de corporizarem projetos não obrigatoriamente sujeitos a
AIA que deverão, só por isso, sujeitar-se a AAE. Afinal, a natureza regulamentar-
executória do instrumento mantém-se.
Uma nota neste enquadramento referente aos casos comuns de planos de pormenor (sem
efeitos registais): apesar da realidade ser muito heterogénea quanto às finalidades dos
mesmos, admitimos a não sujeição a AAE nos casos em que os planos em causa, apesar
de não registais, sejam meramente executórios doutros planos territoriais que já tenham
sido sujeitos a AAE, por exemplo, quando operacionalizem unidades operativas de
planeamento e gestão.
O mesmo já não se perfilha quanto aos planos de pormenor cujas opções de planeamento
nele traduzidas alterem outros planos territoriais hierarquicamente superiores (PDM ou
PU, p. ex.), em observância do princípio da contra-corrente33
. Nesses casos, desde que
preenchendo a condição essencial de poderem vir a servir de enquadramento para futuros
projetos suscetíveis de ter efeitos significativos no ambiente, estarão em princípio sujeitos
a AAE por se enquadrarem objetivamente nalgum dos critérios do número 1, do artigo
3.º, do RJAAPP.
Não quer isto dizer que não reconheçamos que a experiência da aplicação do RJAAPP
em Portugal seja em tudo consonante com o entendimento atrás explanado.
Fruto das funções profissionais que vimos exercendo em diferentes organismos da
Administração Pública, parece-nos que a prática continua a ser muito alicerçada em
33
Sobre o princípio da contra-corrente enquanto “segundo princípio regulador das relações entre normas
dos vários planos”, vide CORREIA, Fernando A.; Manual de Direito do Urbanismo, Volume I. Coimbra:
Almedina, 2012, 4.ª edição, págs. 499-500.
— 23 —
abordagens do regime jurídico que dão por adquirida a aplicação automática da AAE a
todos os planos territoriais de âmbito municipal, independentemente do respetivo
conteúdo de cada um dos diferentes instrumentos34
. Por outro lado, é também de nos
parecer haver uma significativa recorrência ao regime de isenções previsto no artigo 4.º,
não só para alívio de custos processuais, como para simplificação e (suposta) celeridade
de procedimentos, factos que vêm contribuindo para alguma desvalorização deste género
de avaliação ambiental no âmbito do Sistema de Gestão Territorial.
3.2. AIA de operações de reparcelamento do solo urbano através de PPer: antes ou depois
da aprovação do plano?
Aqui chegados, encontramo-nos perante os dados essenciais para responder à questão de
saber se, em operações de reparcelamento do solo urbano fundadas em PPer, atingindo
ou superando a operação urbanística algum dos limiares da alínea b), do título 10, do
Anexo II, do RJAIA, a avaliação de impacte ambiental deve ser prévia à aprovação do
plano pela assembleia municipal ou se a mesma poderá ocorrer algures entre esse
momento e antes dos atos registais.
A resposta, óbvia e objetiva à questão, encontramo-la, desde logo, no n.º 1, do artigo 18.º,
da Lei n.º 19/2014, de 4 de abril, que “define as bases da política de ambiente em
cumprimento do disposto nos artigos 9.º e 66.º da Constituição”, nos termos do qual se
estatui que “[o]s programas, planos e projetos, públicos ou privados, que possam afetar
o ambiente, o território ou a qualidade de vida dos cidadãos, estão sujeitos a avaliação
ambiental prévia à sua aprovação, com vista a assegurar a sustentabilidade das opções
de desenvolvimento.” (Sublinhados nossos).
Assim, nas situações específicas em estudo - dos casos especiais de operação de
reparcelamento do solo urbano concretizadas por via de PPer -, encontrando-nos perante
um plano que as corporize e que na sua globalidade faça recair o projeto nos limiares de
34
Não obstante não ser exatamente isso que se extrai da leitura de documentos oficiais de referência em
matéria de AAE, como sejam, entre outros, o Guia da Avaliação Ambiental dos Planos Municipais de
Ordenamento do Território (DGOTDU/APA; 2008) ou o Guia de Melhores Práticas para Avaliação
Ambiental Estratégica – Orientações Metodológicas para um Pensamento estratégico em AAE (APA;
2012). Ainda que em ambos os documentos não haja referências específicas aos casos especiais de planos
de pormenor com efeitos registais, através do quadro relativo às condições de sujeição de um PMOT a
AAE (cfr. págs. 27 a 29 do Guia da Avaliação Ambiental…) facilmente se percebe o princípio de que,
apesar da regra ser a da sujeição, há tipos de PU e PP que, em função das suas especificidades, podem não
estar sujeitos a AAE.
— 24 —
sujeição obrigatória definidos na alínea b), do título 10, do Anexo II, do RJAIA, o estudo
de impacte ambiental é necessariamente prévio às deliberações dos órgãos municipais
que aprovem a versão final do plano de pormenor.
Nem poderia ser de outra forma se se atender ao disposto no artigo 22.º do RJAIA e que
nos encontramos não apenas perante um procedimento de formação de um plano
territorial mas, simultaneamente, perante um atípico procedimento autorizativo de uma
operação urbanística – operação de reparcelamento do solo urbano - incorporado no
procedimento de elaboração de um PPer, logo, cujo ato autorizativo final da mesma é o
próprio ato de aprovação do plano pela assembleia municipal.
É certo que um plano de pormenor é um instrumento de natureza regulamentar. Mas
também é certo que o ato que aprova um PPer, fundador que seja de uma operação de
reparcelamento do solo urbano nos termos do artigo 165.º, n.º 4, do RJIGT, e com o
conteúdo que cremos dever ser o que identificamos atrás (vide quadro inserto na página
18), contém em si mesmo uma dimensão autorizativa constitutiva de certos efeitos na
esfera jurídica dos particulares, havendo portanto de equipará-lo ao ato autorizativo
previsto no número 1, do artigo 22.º do RJAIA, até porque, consabidamente, a aprovação
do PPer dispensa a operação de reparcelamento de controlo administrativo prévio.35
A ser assim, como aliás nos parece, a necessidade de sujeição da operação de
reparcelamento/PPer a AIA36
previamente à sua aprovação pela assembleia municipal é
imperativa, caso contrário, incorrer-se-á na invalidade da deliberação, na sua forma mais
grave de nulidade, tal como estabelecido no número 3, do artigo 22.º, do RJAIA.
Naturalmente que a execução do plano de pormenor, a efetuar nos moldes nele definidos,
poderá sempre resultar numa ou mais operações de reparcelamento a concretizar
simultânea ou diferidamente de acordo com a respetiva programação, a que
35
“Decorre da Directiva AIA, não só a necessária existência de um procedimento autorizativo para o acto
em causa, que tenha uma subfase de avaliação de impacte ambiental, como é necessário que a entidade
administrativa competente para a tomada de decisão final tenha em consideração a avaliação e os
contributos da participação das entidades públicas desse Estado-Membro, do público interessado e dos
restantes Estados-Membros (artigo 8.º da Directiva AIA).” Cfr. LANCEIRO, Rui Tavares; A instrução do
procedimento de AIA – uma primeira análise do novo RJAIA, in Revisitando a Avaliação de Impacto
Ambiental; Coordenação: Carla Amado Gomes e Tiago Antunes; Lisboa: ICJP/FDUL, 2014, pág. 153.
36
Nestes casos, atendendo à densidade adveniente do conteúdo material do PPer, nada obsta a que se
considere uma AIA em fase de projeto de execução e não de estudo prévio.
— 25 —
corresponderão um ou mais contratos de urbanização, e sem que alguma das quais,
separadamente, atinja ou supere os limiares mínimos de sujeição automática a AIA37
.
Independentemente disso, sempre que um PPer, na sua integralidade, corporize o
reparcelamento do solo urbano em área igual ou superior a 10 hectares (2 hectares no caso
de solos urbanos em áreas sensíveis) ou de que possa resultar uma ocupação do solo para
500 ou mais fogos, encontra-se a respetiva aprovação obrigada a prévia avaliação de
impacte ambiental atendendo à inerente cumulação de efeitos e a que o que efetivamente
se pretende materializar é um único projeto de desenvolvimento urbanístico com impactes
significativos no ambiente (pelo menos, assim legalmente considerados).
Ainda que obedecendo a uma determinada lógica fundiária e urbanística, o faseamento
da execução do(s) reparcelamento(s) e/ou dos efeitos registais do plano de pormenor não
pode servir de fundamento para a não sujeição do englobamento das partes a AIA, ou
seja, do todo dessa transformação fundiária a avaliação de impacte ambiental.
Fatiar38
, no sentido de fracionar39
, um determinado reparcelamento do solo urbano (no
caso, enquadrado por um plano de pormenor assumido como pretendendo ter efeitos
registais), daí resultando segmentos do mesmo que não atinjem nem superam os limiares
para a sujeição obrigatória a AIA, não constitui, por si só, razão para a dispensa de cada
um dos (sub)projetos resultantes a esse tipo de avaliação ambiental.
Os potenciais efeitos significativos no ambiente medem-se através dos indicadores
globais do PPer, o qual, para efeitos do RJAIA, atendendo à sua inequívoca dimensão
executória, é, tem de ser, equiparado a um projeto; e se esse projeto, no somatório dos
37
“A exigência de apresentação dos referidos acordos e contratos, sendo indispensável para fazer prova da
legitimidade dos apresentantes, revela também que, havendo pluralidade de proprietários, a operação
apenas pode realizar-se por inteiro, de uma única vez, e com o concurso da vontade de todos eles. Isso não
obsta, porém, que o plano não possa titular mais do que uma operação de transformação fundiária, se elas
forem autónomas do ponto de vista fundiário e urbanístico, e que estas diferentes operações não se possam
realizar separadamente, de acordo com a vontade dos respetivos interessados e dentro dos limites em que
o plano admita a sua execução assistemática.” (MONTEIRO, Cláudio; ob. cit., pág.482).
38
Tentativa de tradução para português do anglicismo salami slicing, expressão que integra o vocabulário
de avaliação de impacte ambiental, equivalente a fracionamento ou segmentação de projetos.
39
“O “fraccionamento” é a prática que consiste em dividir um projecto inicial em vários projectos separados
que não excedem individualmente o limiar estabelecido ou não têm efeitos significativos quando
examinados caso a caso e não exigem, por isso, uma avaliação de impacto mas que podem exercer, no seu
conjunto, efeitos significativos no ambiente.” in Relatório da Comissão ao Parlamento Europeu e ao
Conselho sobre a aplicação e a eficácia da Directiva AIA ((Directiva 85/337/CEE alterada pela Directiva
97/11/CE) - O sucesso da aplicação da Directiva AIA pelos Estados membros; Comissão das Comunidades
Portuguesas, Bruxelas, 2003, pág.5.
— 26 —
seus diferentes segmentos, atingir os limiares mínimos para a sujeição, a AIA tem de
ocorrer, e necessariamente antes da aprovação do plano pelos órgãos municipais.40
É que, segundo o Tribunal de Justiça da União Europeia, “[o objetivo da Diretiva da AIA]
não pode ser defraudado através do fracionamento de um projeto” e “a não tomada em
consideração do efeito cumulativo de vários projetos não deve ter como resultado prático
subtraí-los, na sua totalidade, à obrigação de avaliação, quando, considerados no seu
conjunto, são suscetíveis de ter um impacto significativo no ambiente”.41
3.3. E das operações de reparcelamento do solo urbano através de PPer abaixo dos
limiares de sujeição obrigatória a AIA? Como abordar a eventualidade de um EIA?
Ainda que determinada operação urbanística enquadrada nas tipologias de projetos
identificadas no anexo II do RJAIA não atinja nem supere os limiares de sujeição
obrigatória a AIA, nem por isso fica automaticamente dispensada da submissão a estudo
de impacte ambiental.
No caso específico de projetos com enquadramento na alínea b), do título 10, do Anexo
II, do RJAIA, pode haver lugar a sujeição a AIA ainda que não se observem os limiares
definidos para o caso geral ou para as áreas sensíveis.
Bastará para isso que a autoridade de AIA ou a entidade licenciadora ou competente para
a autorização do projeto, na aceção que estes conceitos assumem no âmbito do respetivo
regime jurídico, assim o entendam, observada para o efeito a procedimentalização
definida para essas situações, prevista no artigo 3.º do RJAIA.
Quando se trate de projetos abaixo dos limiares e não incidentes em áreas sensíveis, a
decisão de sujeitar ou não a AIA é da entidade licenciadora ou competente para a
autorização do projeto, a quem compete auscultar previamente a autoridade de AIA
40
“Where several projects, taken together, may have significant effects on the environment within the
meaning of Article 2(1) of the EIA Directive, their environmental impact should be assessed as a whole. It
is necessary to consider projects jointly, in particular where they are connected, follow on from one
another, or their environmental effects overlap (see, to that effect, Case C-147/07, Ecologistas en
Acción-CODA, paragraph 44; Case C-205/08, Alpe Adria, paragraph 53).” Cfr. Interpretation of definitions
of project categories of annex I and II of the EIA Directive, European Comission, 2015, pág. 15; sublinhado
nosso.
41
Cfr. NEVES, Ana Fernanda; O âmbito de aplicação da avaliação de impacto ambiental, in Revisitando
a Avaliação de Impacto Ambiental; Coordenação: Carla Amado Gomes e Tiago Antunes; Lisboa:
ICJP/FDUL, 2014, pág.131.
— 27 —
especificamente para esse efeito, e tendo em consideração os critérios de seleção
estabelecidos no Anexo III do RJAIA.
Quando se localizem, parcial ou totalmente, em área sensível, podem ser sujeitos a AIA
projetos abaixo dos limiares desde que sejam considerados, por decisão da autoridade de
AIA, como “suscetíveis de provocar impacte significativo no ambiente em função da sua
localização, dimensão ou natureza, de acordo com os critérios estabelecidos no Anexo
III”; nestes casos específicos, a sujeição do projeto a AIA dispensaria a eventual AIncA
a que houvesse lugar42
.
Ressalve-se no entanto que, “[n]o caso de projectos a desenvolver em áreas sensíveis
(áreas protegidas nos termos do direito nacional ou da rede Natura 2000), cabe à
Autoridade de AIA, através da entidade licenciadora e após consulta das autoridades
incumbidas da gestão da área em causa, decidir sobre a sujeição ou não a AIA, sendo
certo que se nada disserem no prazo fixado no artigo 3.º/6 do RAIA, o silêncio deve ser
interpretado no sentido da necessidade da submissão.”43
Em qualquer das situações, desde que reportadas a operações de reparcelamento do solo
urbano via PPer, tenha ou não o procedimento de formação do plano de pormenor origem
nalgum contrato para planeamento 44
, porém, constituindo-se a câmara municipal
enquanto entidade responsável pela elaboração do plano, assim, inevitavelmente,
equiparada a entidade licenciadora ou competente para a autorização do reparcelamento,
deverá ponderar-se a submissão do projeto ao procedimento aplicável previsto no artigo
3.º do RJAIA logo que o estado de desenvolvimento da solução urbanística atinja
suficiente maturidade.
“A identificação concreta de quais são estas entidades [licenciadoras ou competentes para
a autorização do projeto] não se encontra propriamente prevista no RJAIA – a assunção
da qualidade de entidade licenciadora ou competente para a autorização ocorre na medida
em que uma determinada entidade, no âmbito de um qualquer procedimento
42
“Sempre que o projeto se encontre simultaneamente abrangido pelo [RJAIA] e pelo Decreto-Lei n.º
140/99, de 24 de abril, na sua redação atual, a avaliação de incidências ambientais prevista no seu artigo
10.º é assegurada pelo procedimento de AIA”. (Cfr. número 3, do artigo 45.º, do RJAIA). Vice-versa, “(...)
o diploma que disciplina a rede Natura 2000 (...) remete para a metodologia de AIA todas as avaliações de
projetos situados em zona de rede Natura 2000 que, em razão da aplicação do RAIA, a este se devam
submeter (...)” (GOMES, Carla A., A revisão do Regime de Avaliação de Impacto Ambiental no contexto
da plena transposição da Directiva 2014/52/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de abril:
um impacto desfavorável, in Revista do Ministério Público, n.º 154: Abril-Junho de 2018, pág. 58.)
43
GOMES, Carla A., ob. cit., pág. 57.
44
Sobre os contratos para planeamento, cfr. artigo 79.º e seguintes do RJIGT.
— 28 —
administrativo, deva emitir um acto autorizativo relativamente a um projecto que seja
abrangido pelo âmbito de aplicação do RJAIA (ou que decida realizar um projecto desta
natureza).”45
Ora, não se encontrando no RJAIA uma definição de “entidade licenciadora ou
competente para a autorização do projeto”, a mesma equiparação deverá a nosso ver
fazer-se, por exemplo, no caso de projetos de empreendimentos turísticos com
enquadramento no disposto nas alíneas c) e d), do título 12, do Anexo II, do RJAIA, tendo
em conta que o Regime Jurídico da Instalação, Exploração e Funcionamento dos
Empreendimentos Turísticos (RJIEFET), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 39/2008, de 7 de
março, com as suas alterações subsequentes, sujeita a edificação dos diferentes tipos de
empreendimentos turísticos ao regime da comunicação prévia com prazo (cfr. artigo 23.º-
A do RJIEFET) e não aos regimes de controlo prévio nas modalidades de licenciamento
ou da autorização46
.
Equacionar o screening47
com base nos critérios de seleção do Anexo III do RJAIA pode
justificar-se para o caso de operações de reparcelamento do solo urbano via PPer,
enquadráveis na alínea b), do título 10, do Anexo II, do RJAIA, que não atinjam nem
superem os limiares de sujeição obrigatória a AIA, localizem-se ou não em solos urbanos
de uma área sensível (p. ex. nalgum perímetro urbano de uma área classificada),
designadamente, pelos “[e]feitos cumulativos relativamente a outros projetos existentes
e/ou licenciados ou autorizados” (alínea b, do número 1), pelos usos existentes e
comprometidos para o território e da afetação do uso do solo (alínea a, do número 2), ou
pela (in)capacidade de absorção do ambiente natural, por exemplo, da “paisagem e sítios
importantes do ponto de vista histórico, cultural ou arqueológico” (subalínea IX, da alínea
c, do número 2; todos do Anexo III, do RJAIA).
45
Cfr. LANCEIRO, Rui Tavares; A instrução do procedimento de AIA – uma primeira análise do novo
RJAIA, in Revisitando a Avaliação de Impacto Ambiental; Coordenação: Carla Amado Gomes e Tiago
Antunes; Lisboa: ICJP/FDUL, 2014, pág. 155.
46
“Um dos traços fundamentais da verdadeira comunicação prévia é a de, na perspetiva da Administração
Pública, nos depararmos com um nihil obstat ou um poder de veto. Preside a este instituto a ideia de que a
atuação do particular se encontra legitimada diretamente ex lege, sem necessidade de intermediação do
poder autorizativo da Administração, isto é, sem que esta goze de um poder de permitir uma determinada
conduta mas apenas o de não se opor a ela. Precisamente por isso não faz sentido integrar a denominada
comunicação prévia com prazo na categoria das permissões administrativas (…)” MIRANDA, João; A
comunicação prévia no novo Código do Procedimento Administrativo, in Comentários ao Novo Código do
Procedimento Administrativo; Coordenação: GOMES, Carla A., FERNANDES, Ana F., SERRÃO, Tiago,
Lisboa, AAFDL, 1.ª edição, 2015, pág. 501.
47
“The process by which a decision is taken on whether or not EIA is required for a particular Project” (cfr.
Guidance on EIA - Screening, European Commission, 2001, pág. Glossary of Terms).
— 29 —
4. Considerações finais
Enquanto subprocedimento autónomo, a AIA culmina com uma decisão - a
DIA/Declaração de Impacte Ambiental - que se constitui enquanto ato prévio e
vinculativo da decisão final do procedimento principal, o que determina que essa decisão
final não possa ser tomada sem que previamente se conheça qual o desfecho do
subprocedimento.
Assim se compreende a estatuição do número 5, do artigo 3.º, do RJAIA, relativa à
suspensão do procedimento principal “até à obtenção de decisão, expressa ou tácita, sobre
a AIA”, no caso de sujeição de projeto a AIA cujos parâmetros não atinjam nem superem
os limiares de submissão obrigatória, o mesmo forçosamente ocorrendo, não obstante a
falta de previsão expressa no RJAIA a esse respeito, nos casos de projetos que observem
os limiares 48
, havendo aí que mobilizar algum comando legal previsto no regime
procedimental específico em que se enquadre o procedimento principal ou,
subsidiariamente, o Código do Procedimento Administrativo49
.
Prevalecemo-nos deste aspeto enquanto exórdio de uma das conclusões primazes deste
estudo: a concretização de operações de reparcelamento por via de PPer apresenta-se
muito menos simplificada e eficaz do que o legislador da alteração ao RJIGT/2007 parece
ter pretendido.
Desde logo, quando implique AIA obrigatória - e, conforme explanado, também há casos
abaixo dos limiares em que a tal se justifica submeter as soluções urbanísticas, projetuais
e executórias, do PPer -, não pode a DIA ser emitida sem que seja antecedida da consulta
pública legalmente prevista para o subprocedimento (cfr. artigos 28.º a 31.º do RJAIA).
Concomitantemente, não pode o procedimento de elaboração do plano de pormenor ser
decidido, a final, pela assembleia municipal, sem que haja lugar à prévia discussão
pública prevista no artigo 89.º do RJIGT.
48
O legislador parece partir do pressuposto que, nos casos em que se atinjam ou superem os limiares, é
sempre possível definir no início do procedimento (principal) se os projetos se encontram ou não sujeitos
a AIA, o que, nalgumas situações, poderá não se verificar, implicando a suspensão do procedimento
principal para que o subprocedimento de AIA se efetive.
49
A decisão final do procedimento principal não pode ser tomada sem que se conheça a decisão sobre o
EIA, equivalendo esta, portanto, a uma “questão prejudicial” nos termos do artigo 38.º, do Código do
Procedimento Administrativo, com as consequências suspensivas que daí advêm.
— 30 —
Apesar de ambos os períodos de participação pública se reportarem a âmbitos, embora
relacionados, porém, regimentalmente distintos e necessariamente desencontrados no
tempo, não deixa a globalidade dos procedimentos com estas características de ficar
onerada com dois momentos de consultas/discussões públicas - e não um único, que seria
o que as propaladas exigências de simplificação e eficiência50
, a nosso ver, justificariam
-, com repercussões diretas não negligenciáveis em termos de dilatação do tempo útil
procedimental associado à formação do plano de pormenor.
Salvo alguma alteração substancial introduzida no período que mediasse entre a proposta
sujeita a EIA e a solução urbanística definitiva a submeter à apreciação da assembleia
municipal, não se vislumbram quais as razões para que casos desta natureza tenham de
sujeitar-se a duplos períodos de participação pública, até porque, um dos fatores que
integram o conteúdo mínimo dos EIA e da AIA é, precisamente, o da avaliação integrada,
em função do caso particular, dos possíveis impactes ambientais significativos sobre o
território51
.
Naturalmente que não é esse o único indicador de acrescida complexidade que
encontramos ao identificar e apreciar criticamente as exigências legais e procedimentais
que se apresentam aos reparcelamentos com o enquadramento do n.º 4, do artigo 165.º,
do RJIGT, e que, a nosso ver (não só mas também), vêm contribuindo para um recurso
pouco significativo à figura.
Propendendo-se, com os fundamentos apresentados no presente estudo, para a
necessidade de salvaguardar a vontade dos proprietários abrangidos pelo reparcelamento
por via de instrumento contratual (contrato de urbanização) a estabelecer previamente à
aprovação final do plano pelos órgãos do município, não vemos, salvo casos de manifesta
singularidade, como toda a dimensão negocial, por natureza preliminar, associada a uma
contratualização desse género, envolvendo em regra atores públicos e privados, possa não
acrescentar complexidade e onerar o procedimento em termos temporais.
Para além da AIA, obrigatória ou a avaliar caso-a-caso, ao nível da conceção do desenho
urbano também se colocam dificuldades com os problemas de harmonização das
50
Cfr. preâmbulo do Decreto-Lei n.º 316/2007, de 19 de setembro.
51
Cfr. subalínea iii), da alínea a), do artigo 5.º, conjugado com o número 4 e com a alínea b), do número
5, ambos do Anexo V, do RJAIA.
— 31 —
expetativas associadas ao exercício dos poderes públicos de planeamento (municipais) e
das expetativas dos particulares.
A este respeito, a experiência associada às operações de loteamento urbano revela que,
apesar da valência discricionária que integra o controlo prévio desses tipos de operações
urbanísticas conferir aos municípios algum poder de controlo das soluções preconizadas
pelos particulares, são estes quem mais sistematicamente influencia ou até determina o
desenho dos espaços urbanos, orientados por (legítimos) objetivos e lógicas de
oportunidade de negócio, mais do que por interesse que se possa a priori considerar de
público.
Além dos fatores de demora inerentes à formação de um PPer fundador de uma operação
de reparcelamento do solo urbano – e, como vimos, a avaliação (de impacte) ambiental
pode ser um desses fatores -, a incerteza sobre o sentido da decisão final do procedimento,
em virtude da ampla discricionariedade que a assembleia municipal desfruta no exercício
do seu poder de aprovação de planos territoriais, acrescida do investimento financeiro
necessário para suportar processos dessa natureza, são, a nosso ver, outras das razões que
prejudicam um mais amplo recurso a estas modalidades especiais de reparcelamento.
Quase uma década e meia depois da consagração legal da figura híbrida do plano de
pormenor com efeitos registais, num momento em que ocorre a transição para a
eliminação efetiva da categoria operativa de solos urbanizáveis e em que a reclassificação
de solos rústicos em solos urbanos passará a ocorrer (quase exclusivamente) através de
PPer52
, parece justificar-se o aprofundamento da reflexão a respeito desta figura de planos
territoriais fundadores de operações urbanísticas, não só para avaliação do grau em que
os objetivos fixados aquando da sua criação foram atingidos, ou se ainda o poderão sê-lo,
como também para redefinição dos mesmos ou da própria figura em si, atendendo aos
seus originários propósitos.
Em finais de 2008, Nuno Portas reconhecia e afirmava que “[as] novas tendências
conduziram, nas últimas duas décadas e em variados países, a formas híbridas (ou menos
52
“A reclassificação do solo que se destine exclusivamente à execução de infraestruturas e de equipamentos
de utilização coletiva obedece aos critérios previstos nos n.os 1 e 3 e processa-se através de procedimentos
de elaboração, de revisão ou de alteração de planos territoriais, nos quais é fixado o respetivo prazo de
execução [e não exclusivamente através de PPer].” (Cfr. número 6, do artigo 72.º, do RJIGT.)
— 32 —
legisladas) que conjugam estratégia, programa, regulação e projecto e que dão pelo nome
genérico de programas ou projetos mais ou menos urbanos.”53
Ainda que contextualizado pela problemática da execução de unidades operativas de
planeamento obrigadas a prévia aprovação de planos (PU ou PP), também Gonçalo Reino
Pires afirma que se “justifica plenamente a consagração de uma figura híbrida que se situe
entre o PP elaborado por iniciativa pública e a operação de loteamento ou de
reparcelamento de iniciativa privada, a qual pode passar ou pela atribuição de poderes de
iniciativa de planeamento, no âmbito dos planos de pormenor, aos particulares ou pela
previsão de um tipo de operação de loteamento ainda sujeito a introdução e correcta
ponderação dos interesses públicos.”54
Portanto, a abordagem canónica originou as operações de reparcelamento fundadas em
planos de pormenor com efeitos registais. Mas o leque de opções disponíveis para
operacionalizar e agilizar loteamentos conjuntos de solos urbanos continua carente de
mais figuras ou formas (híbridas) que, conjugando as dimensões regulamentar e
executória, se apresentem realmente (mais) simplificadas e eficientes.
Poderia ser o caso de congéneres iniciativas projetuais públicas, privadas ou mistas,
previamente acordadas entre os proprietários envolvidos na transformação fundiária a
operar (fosse esse o caso), mas cuja viabilização, dependendo de uma alteração do regime
do uso dos solos urbanos para se conformar com os planos territoriais vigentes (PDM, PU
ou PP, por exemplo, quanto à categorização do uso do solo, parametrização, estruturação
viária ou desenho estabelecidos), dependeria de uma apreciação de mérito favorável por
parte da câmara municipal, com efeitos suspensivos sobre o procedimento administrativo
de controlo prévio, e, sob sua proposta sujeita a prévia discussão pública, da apreciação
final favorável por parte da assembleia municipal.
Uma decisão favorável desse cariz por parte da assembleia municipal, reconhecidamente
desconforme com disposições de conteúdo não vinculado de plano territorial municipal,
e desde que sem interferência com restrições e servidões de utilidade pública, teria por
sua vez efeitos suspensivos imediatos sobre tais disposições regulamentares, implicando
53
PORTAS, Nuno; Evolução e desenvolvimento do sistema de gestão territorial: uma perspetiva crítica,
in Os dez anos da Lei de Bases da Política de Ordenamento do Território e Urbanismo - génese e evolução
do sistema de gestão territorial, 1998-2008. Actas do Encontro Anual da Ad Urbem; Coordenação:
GONÇALVES, Fernando, BENTO, João Ferreira e PINHEIRO, Zélia; Lisboa: DGOTDU, 2010, pág. 406.
54
PIRES, Gonçalo R.; ob. cit., pág. 311.
— 33 —
a promoção, a cargo da câmara municipal, de uma alteração por adaptação55
dos planos
territoriais municipais com os quais o projeto se revelasse total ou parcialmente
desconforme, em termos análogos aos previstos no artigo 121.º, do RJIGT.
Nesses casos de operações urbanísticas com incidência em solos urbanos, estaríamos na
presença de projetos urbanos, não absolutamente conformes com todo o bloco
regulamentar dos planos territoriais municipais vigentes, mas que, pela sua relevância
local, seriam suscetíveis de originar alterações regulamentares.
E não se diga que estaríamos perante algo subversor da lógica do sistema segundo a qual
é o plano que sempre precede o projeto e nunca o inverso, nem de uma absoluta novidade
em todo o bloco normativo ao qual se vem subordinando o controlo prévio da urbanização
e da edificação ou a dinâmica do planeamento territorial.
Por exemplo, ainda que se tratasse de um regime excecional e temporário, enquanto
vigorou, o regime extraordinário de regularização de atividades económicas (RERAE)
aprovado pelo Decreto-Lei n.º 165/2014, de 5 de novembro, previa a possibilidade do ato
administrativo que consubstanciasse uma deliberação favorável ou favorável
condicionada constituir a entidade responsável pela elaboração do instrumento de gestão
territorial com o qual a operação urbanística (de legalização) fosse desconforme no dever-
obrigação de promover, num determinado prazo, a correspondente alteração, revisão ou
elaboração de plano que habilitasse a legalização56
.
Baseando-se no mesmo princípio de que um projeto, “quando se revista de especial
relevância regional ou local [sublinhado nosso]”, pode motivar a mudança da base
regulamentar que o inviabilize, é a disposição constante do número 10, do artigo 13.º-A,
do RJUE, nos termos da qual se confere à CCDR, por sua iniciativa ou do município, a
legitimidade de propor ao Governo que, através de resolução do conselho de ministros,
seja determinada uma “alteração, suspensão ou ratificação, total ou parcial”, de um
55
Sobre as alterações por adaptação enquanto “exemplo de heteroalteração que o diferencia das hipóteses
em que a alteração se efetua por livre iniciativa dos órgãos competentes”, vide MIRANDA, João; A
Dinâmica Jurídica do Planeamento Terrorial [A Alteração, a Revisão e a Suspensão dos Planos]. Coimbra
Editora, 2002, págs. 252-253.
56
“Nos casos de deliberação favorável ou favorável condicionada que tenha por pressuposto a
desconformidade com instrumentos de gestão territorial vinculativo dos particulares a entidade competente
deve promover a alteração, revisão ou elaboração do instrumento de gestão territorial em causa, no sentido
de contemplar a regularização do estabelecimento ou exploração, sem prejuízo do disposto no n.º 7.” (Cfr.
número 1, do artigo 12.º, do Decreto-Lei n.º 165/2014, de 5 de novembro).
— 34 —
determinado plano da sua esfera de competências relativamente ao qual se verifica a
desconformidade de determinada operação urbanística57
.
Por conseguinte, como ao longo destas páginas sumariamente se demonstra, o debate
doutrinário e o campo de investigação atinente a encontrar figuras híbridas de
planeamento e/ou de execução de planos está, portanto, longe de poder ser considerado
esgotado.
E, atualmente, como aquando do surgimento dos PPer, continuam a ser igualmente
sentidas as necessidades de dotar o sistema de gestão territorial com melhores
mecanismos de articulação entre os diversos regimes jurídicos que se relacionam nessa
esfera, assim como doutras ferramentas, como a que aqui esboçamos, simultaneamente
garantísticas dos princípios constitucionais do planeamento e ordenamento territorial e
indutoras de maiores e reais níveis de simplificação e eficiência.
57
“Quando a CCDR não adote posição favorável a uma operação urbanística por esta ser desconforme com
instrumento de gestão territorial, pode a CCDR, quando a operação se revista de especial relevância regional
ou local, por sua iniciativa ou a solicitação do município, respetivamente, propor ao Governo a aprovação
em Resolução do Conselho de Ministros da alteração, suspensão ou ratificação, total ou parcial, de plano
da sua competência relativamente ao qual a desconformidade se verifica.” (Cfr. número 10, do artigo 13.º-
A, do RJUE).
— 35 —
Referências bibliográficas e outras fontes utilizadas
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— Diretiva n.º 2014/52/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de abril de 2014, que
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https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:32014L0052&from=EL
— FDUC/CEDOUA (org.); Ordenamento do Território, Urbanismo e Rede Natura 2000 – Vol.
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— OLIVEIRA, Fernanda Paula; Direito do Urbanismo. Do Planeamento à Gestão. Braga:
AEDRL/NEDAL, 2015, 2.ª Edição.
— 37 —
— Parecer do Conselho Consultivo do Instituto dos Registos e Notariado N.º 64/CC/2015,
aprovado em sessão de 22 de outubro de 2015; disponível em:
https://www.irn.mj.pt/IRN/sections/irn/doutrina/pareceres/predial/2015/n-s-46-
60/downloadFile/attachedFile_13_f0/64_2015-CP44-STJSR-
CC.pdf?nocache=1449490673.94%0A
— PIRES, Gonçalo R.; A Classificação e a Qualificação do Solo por Planos Municipais de
Ordenamento do Território (Contributo para a compreensão do seu regime substantivo e para a
determinação do regime da sua impugnação contenciosa). Lisboa: Edições Alumni FDL, 2015;
disponível em: http://www.alumnifdl.pt/docs/Goncalo_Pires_A_Classificacao.pdf
— PORTAS, Nuno; Evolução e desenvolvimento do sistema de gestão territorial: uma perspetiva
crítica, in Os dez anos da Lei de Bases da Política de Ordenamento do Território e Urbanismo -
génese e evolução do sistema de gestão territorial, 1998-2008. Actas do Encontro Anual da Ad
Urbem; Coordenação: GONÇALVES, Fernando, BENTO, João Ferreira e PINHEIRO, Zélia;
Lisboa: DGOTDU, 2010.
— Relatório da Comissão ao Parlamento Europeu e ao Conselho sobre a aplicação e a eficácia
da Directiva AIA (Directiva 85/337/CEE alterada pela Directiva 97/11/CE) - O sucesso da
aplicação da Directiva AIA pelos Estados membros, Comissão Europeia, Bruxelas, 2003, (trad.
Comissão das Comunidades Portuguesas); disponível em:
https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:52003DC0334&from=PT
— Revisitando a Avaliação de Impacto Ambiental, ICJP/FDUL, Coordenação: Carla Amado
Gomes e Tiago Antunes, 2014; disponível em:
https://www.icjp.pt/sites/default/files/publicacoes/files/ebook_aia.pdf

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Avaliação ambiental de operações de reparcelamento do solo urbano via planos de pormenor com efeitos registais

  • 1. Operações de reparcelamento do solo urbano via planos de pormenor com efeitos registais Que avaliação (de impacte) ambiental e que simplificação administrativa? Nuno Pedro dos Santos Borges Marques Trabalho realizado no âmbito do curso de Pós-Graduação em Direito do Urbanismo e do Turismo Abril/2021 Instituto de Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
  • 2. — 2 — Índice Introdução 5 1. As “operações de loteamento urbano” no enquadramento do RJAIA - um significado necessariamente amplo e aberto 8 2. Operações de reparcelamento via PP, ou o que são (verdadeiramente) planos de pormenor com efeitos registais? 13 3. O reparcelamento do solo urbano fundado num plano de pormenor com efeitos registais: qual é o lugar da avaliação (de impacte) ambiental? 19 3.1. Da não sujeição a AAE das operações de reparcelamento do solo urbano através de PPer 19 3.2. AIA de operações de reparcelamento do solo urbano através de PPer: antes ou depois da aprovação do plano? 23 3.3. E das operações de reparcelamento do solo urbano através de PPer abaixo dos limiares de sujeição obrigatória a AIA? Como abordar a eventualidade de um EIA? 26 4. Considerações finais 29
  • 3. — 3 — Abreviaturas AIA - Avaliação de Impacte Ambiental. AIncA - Avaliação de Incidência Ambientais. AAE - Avaliação Ambiental Estratégica EIA - Estudo de Impacte Ambiental. PDM - Plano Diretor Municipal. PP - Plano de Pormenor. PPer - Plano de Pormenor com efeitos registais PU - Plano de Urbanização. RERAE - Regime Extraordinário de Regularização de Atividades Económicas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 165/2014, de 5 de novembro, alterado pela Lei n.º 21/2016, de 19 de julho. RJAAPP - Regime Jurídico da Avaliação Ambiental de Planos e Programas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 232/2007, de 15 de junho, alterado pelo Decreto-Lei n.º 58/2011, de 4 de maio. RJAIA - Regime Jurídico da Avaliação de Impacte Ambiental, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 151-B/2013, de 31 de outubro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 47/2014, de 24 de março, pelo Decreto-Lei n.º 179/2015, de 27 de agosto, pela Lei n.º 37/2017, de 2 de junho e pelo Decreto- Lei n.º 152-B/2017, de 11 de dezembro. RJIEFET - Regime Jurídico da Instalação, Exploração e Funcionamento dos Empreendimentos Turísticos, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 39/2008, de 7 de março, retificado pela Declaração de Rectificação n.º 25/2008, de 6 de maio, alterado pelo Decreto-Lei n.º 228/2009, de 14 de setembro, pelo Decreto-Lei n.º 15/2014, de 23 de janeiro, retificado pela Declaração de Retificação n.º 19/2014, de 24 de março, alterado pelo Decreto-Lei n.º 128/2014, de 29 de agosto, pelo Decreto-Lei n.º 186/2015, de 3 de setembro, pelo Decreto-Lei n.º 80/2017, de 30 de junho e pelo Decreto-Lei n.º 9/2021, de 29 de janeiro. RJIGT - Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 80/2015, de 14 de maio, alterado pelo Decreto-Lei n.º 81/2020, de 2 de outubro e pelo Decreto- Lei n.º 25/2021, de 29 de março. RJUE – Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 177/2001, de 4 de junho, pela Lei n.º 4-A/2003, de 19 de fevereiro, pela Lei n.º 60/2007, de 4 de setembro, pelo Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de janeiro, pelo Decreto-Lei n.º 116/2008, de 4 de junho, pelo Decreto-Lei n.º 26/2010, de 30 de
  • 4. — 4 — março, pela Lei n.º 28/2010, de 2 de setembro, pelo Decreto-Lei n.º 266-B/2012, de 31 de dezembro, pelo Decreto-Lei n.º 136/2014, de 9 de setembro, pela Retificação n.º 46-A/2014, de 10 de novembro, pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de outubro, pelo Decreto-Lei n.º 97/2017, de 10 de agosto, pela Lei n.º 79/2017, de 18 de agosto, pelo Decreto-Lei n.º 121/2018, de 28 de dezembro, pelo Decreto-Lei n.º 66/2019, de 21 de maio e pela Lei n.º 118/2019, de 17 de setembro.
  • 5. — 5 — Introdução Com a revisão das designações e limiares dos anexos I e II do regime jurídico da Avaliação de Impacte Ambiental (AIA) resultante da aprovação do Decreto-Lei n.º 151- B/2013, de 31 de outubro, passaram a constar como tipos de projetos passíveis de sujeição a AIA os designados de “operações de loteamento urbano, incluindo a construção de estabelecimento de comércio ou conjunto comercial e de parques de estacionamento”. Até esse momento, reportando-nos à alínea b), do título 10, do Anexo II, do regime jurídico de AIA (RJAIA), na redação estabelecida a partir do Decreto-Lei n.º 69/2000, de 3 de maio, a designação era a de “loteamento urbano, incluindo a construção de estabelecimento de comércio ou conjunto comercial, nos termos definidos na Lei n.º 12/2004, de 30 de Março, e parques de estacionamento não abrangidos por plano municipal de ordenamento do território” (sublinhado nosso). Ora, desaparecendo do RJAIA/2013 a condição da não abrangência daqueles tipos de projetos por “plano municipal de ordenamento do território”, dúvidas passaram a não haver de que todas as operações de loteamento urbano, estejam ou não enquadradas por qualquer instrumento de gestão territorial, encontram-se obrigatoriamente sujeitas a AIA desde que atinjam ou superem qualquer dos limiares previstos para os designados caso geral ou áreas sensíveis1 . E se com o RJAIA decorrente do Decreto-Lei n.º 151-B/2013, de 31 de outubro, passou a ser inequívoco que qualquer procedimento de controlo prévio de operação de loteamento urbano, enquadrada ou não, por Plano Diretor Municipal (PDM), Plano de Urbanização (PU) ou Plano de Pormenor (PP), terá de observar um subprocedimento de AIA sempre que se atinjam os limiares2 , menos óbvio, porquanto a lei não o explicita, é o caso das operações de reparcelamento do solo urbano resultantes da eficácia registal de 1 Para efeitos do RJAIA (cfr. alínea a, do artigo 2.º), são “áreas sensíveis” i) as áreas protegidas, classificadas ao abrigo do Decreto-Lei n.º 142/2008, de 24 de julho; ii) os sítios da Rede Natura 2000, zonas especiais de conservação e zonas de proteção especial, classificadas nos termos do Decreto-Lei n.º 140/99, de 24 de abril, no âmbito das Diretivas n.ºs 79/409/CEE, do Conselho, de 2 de abril de 1979, relativa à conservação das aves selvagens, e 92/43/CEE, do Conselho, de 21 de maio de 1992, relativa à preservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens; e iii) as zonas de proteção dos bens imóveis classificados ou em vias de classificação definidas nos termos da Lei n.º 107/2001, de 8 de setembro. 2 No atual RJAIA, os limiares para o caso geral correspondem a “área ocupada igual ou superior a 10 hectares ou mais de 500 fogos”; para as áreas sensíveis os limiares correspondem à “área ocupada igual ou superior a 2 hectares”.
  • 6. — 6 — determinados planos de pormenor, por natureza, não sujeitas a controlo administrativo prévio. Afinal, além das diferentes nomenclaturas, essas especiais operações de reparcelamento podem ser concretizadas “sem necessidade de controlo administrativo prévio, sendo o registo efetuado nos termos dos artigos 108.º e 109.º [do Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial]”3 , distinguindo-se, quanto a esse aspeto – aliás, não despiciendo -, das típicas operações de loteamento previstas no Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação (RJUE) e também dos tipos gerais de operações de reparcelamento, de iniciativa particular ou de iniciativa da câmara municipal, previstos, respetivamente, nos artigos 166.º e 167.º do (novo) RJIGT4 . A posição adotada no âmbito do presente estudo é a de que, não obstante se fundarem, para o que ao caso importa, num (híbrido) instrumento de natureza regulamentar5 , as operações de reparcelamento do solo urbano em área abrangida por planos de pormenor que contenham as menções constantes das alíneas a) a d), g) e h), do n.º 1, do artigo 102.º, do RJIGT, são operações de efeitos territoriais idênticos às operações de loteamento conforme definidas no RJUE6 , encontrando-se inevitavelmente sujeitas a AIA sempre que atinjam os limiares previstos no RJAIA, porém, não sujeitas à avaliação ambiental de planos e programas, vulgo avaliação ambiental estratégica (AAE) ou a avaliação de incidências ambientais (AIncA), como adiante se fundamentará. Assim, para os casos de operações de reparcelamento do solo urbano, em que os limiares de AIA sejam atingidos ou superados, procuraremos no âmbito do presente estudo apresentar as razões pelas quais formamos a convicção de que, consoante os efeitos registais do reparcelamento se pretendam atingir em ato contínuo ou em momento indefinido após a aprovação de um plano de pormenor com as menções atrás referidas, assim o conteúdo de cada um desses planos terá de ser diferente e a AIA deve ou não ser prévia à deliberação da assembleia municipal que o aprove. Nestas páginas, aflorar-se-ão também outros aspetos relacionados, designadamente os que sobressaem da relação inelutável entre os diferentes regimes de avaliação ambiental 3 Cfr. número 4, do artigo 165.º, do RJIGT, in fine. 4 Decreto-Lei n.º 80/2015, de 14 de maio. 5 “Os planos intermunicipais e municipais são instrumentos de natureza regulamentar (…)” (cfr. artigo 69.º do RJIGT). 6 Quanto aos efeitos das operações de reparcelamento do solo urbano fundadas em planos de pormenor com efeitos registais, cfr. o n.º 1, do artigo 169.º, do RJIGT, por remissão do número 2 do mesmo artigo.
  • 7. — 7 — e o RJIGT, como sejam os relativos à AAE de planos de pormenor com efeitos registais (PPer) ou os relativos à (in)validade, com fundamento no artigo 22.º do RJAIA, dos atos de aprovação de PPer nos quais se fundam as operações de reparcelamento previstas no artigo 165.º, n.º 4, do RJIGT, em caso de inobservância de AIA prévia à aprovação do plano. O caminho que percorremos serve também de auxiliar da formulação de considerações finais não apenas de escopo avaliativo sobre os propósitos de simplificação administrativa e de eficiência procedimental que ancoraram a criação dos PPer aquando da alteração ao RJIGT em 2007 - e se os mesmos podem ou não considerar-se alcançados -, mas também de uma reflexão crítica sumária relativamente à problemática dos instrumentos híbridos de execução em urbanismo, um contributo que se oferece para o eventual reavivar do debate doutrinário e da investigação em torno desta matéria específica, tão intrinsecamente relacionada que a mesma se encontra com os referidos propósitos de simplificação e eficiência. Lagos, abril de 2021.
  • 8. — 8 — 1. As “operações de loteamento urbano” no enquadramento do RJAIA - um significado necessariamente amplo e aberto Na ausência de uma definição expressa quanto ao significado de cada uma das designações relativas aos tipos de projetos elencados nos anexos I e II do RJAIA, restará ao intérprete, com recurso aos elementos próprios da interpretação jurídica das normas, encontrar o verdadeiro sentido da redação legal. No caso das “operações de loteamento urbano” mencionadas na tipologia de projetos da alínea b), do título 10, do Anexo II, do RJAIA, a fim de se interpretar qual o seu alcance, não basta o recurso ao elemento literal. Como veremos, não só não é, nem nunca foi, intenção do legislador considerar que só as típicas operações de loteamento conforme as encontramos definidas na alínea i), do artigo 2.º, do RJUE, integram aquele conceito, nem a intenção é, ou alguma vez foi, a de circunscrever os tipos de projetos abrangidos pela alínea b), do título 10, do Anexo II do RJAIA, unicamente às operações de loteamento urbano, estabelecimentos de comércio ou conjuntos comerciais ou aos parques de estacionamento. E porque uma correta interpretação resulta necessariamente da utilização conjugada e harmoniosa de diferentes elementos (o elemento literal e os elementos lógicos)7 , só com a convocação de algumas ou todas as categorias de elementos lógicos - elementos histórico, sistemático e racional ou teleológico -, e a sua combinação com o elemento literal, poderemos determinar qual o sentido das diferentes designações integrantes dos anexos I e II do RJAIA, logo, do verdadeiro alcance de cada uma das nomenclaturas em presença. Para esse exercício lograr ser bem sucedido há que ter presente que o RJAIA, nas suas diferentes versões8 , é o resultado da transposição para a ordem jurídica interna de 7 “(...) além do elemento literal, o intérprete tem de se socorrer algumas vezes dos elementos lógicos com os quais se tenta determinar o espírito da lei, a sua racionalidade ou a sua lógica. Estes elementos lógicos agrupam-se em três categorias: a) elemento histórico que atende à história da lei (trabalhos preparatórios, elementos do preâmbulo ou relatório da lei e occasio legis [circunstâncias sociais ou políticas e económicas em que a lei foi elaborada]; b) o elemento sistemático que indica que as leis se interpretam umas pelas outras porque a ordem jurídica forma um sistema e a norma deve ser tomada como parte de um todo, parte do sistema; c) elemento racional ou teleológico que leva a atender-se ao fim ou objectivo que a norma visa realizar, qual foi a sua razão de ser (ratio legis).” Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 29.11.2011 (Proc.º: 0701/10), disponível em www.dgsi.pt. 8 Decreto-Lei n.º 186/90, de 6 de junho, Decreto-Lei n.º 69/2000, de 3 de maio e Decreto-Lei n.º 151- B/2013, de 31 de outubro, com todas as respetivas alterações e regulamentações.
  • 9. — 9 — diferentes diretivas e legislação comunitária em matéria de avaliação de impacte ambiental, encontrando-se, por natureza, vinculado à ratio legis daquele bloco normativo. Ora, para o que ao caso importa, há que considerar que a alínea b), do título 10, do Anexo II, do RJAIA, consta da Diretiva vigente9 com a redação urban development projects, including the construction of shopping centres and car parks, o que, numa tradução apressada para a língua portuguesa, mas nem por isso menos consentânea, poderá traduzir-se por projetos de desenvolvimento urbano, incluindo a construção de centros comerciais e parques de estacionamento. Ainda assim, não fosse essa a mais acertada e fiel tradução e facilmente se extrairia que, contrariamente àquilo que a literalidade da designação que encontramos na alínea b), do título 10, do Anexo II do RJAIA, nos sugere, essa é uma categoria de projetos, afinal, deliberadamente aberta e não absolutamente determinada, nela cabendo diferentes projetos de desenvolvimento urbano com impactes comparáveis aos centros comerciais e parques de estacionamento, projetos estes que são expressamente referidos na nomenclatura vigente mas meramente a título exemplificativo. “The EIA Directive provides two examples of what could be considered to fall within this category, i.e. shopping centres and car parks, but these do not constitute an exhaustive list of the activities covered. (…) In interpreting the scope of Annex II (10) (b), the ‘wide scope and broad purpose’ of the EIA Directive should be borne in mind”10 Mas se é verdade que a designação que hoje encontramos no RJAIA, subtraída que se encontra da equívoca menção à abrangência do projeto por algum plano territorial de âmbito municipal 11 , é materialmente a mesma que já encontrávamos na redação correspondente ao período de vigência do Decreto-Lei n.º 69/2000, de 3 de maio, a designação anterior à versão do RJAIA de 2000 era muito mais aproximada à da Diretiva vigente. 9 Diretiva n.º 2014/52/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de abril de 2014, que alterou a Diretiva 2011/92/UE relativa à avaliação dos efeitos de determinados projetos públicos e privados no ambiente. Tradução para português disponível em https://eur-lex.europa.eu/legal- content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:32014L0052&from=EL 10 Vide Interpretation of definitions of project categories of annex I and II of the EIA Directive, European Comission, 2015, pág. 50, disponível em https://ec.europa.eu/environment/eia/pdf/cover_2015_en.pdf. 11 Numa interpretação literal dessa pretérita redação, e ainda que pudessem ser projetos com potenciais efeitos negativos para o ambiente, bastaria que o Plano Diretor Municipal se encontrasse aprovado e em vigor, e quaisquer projetos de desenvolvimento urbano com incidência territorial nesse concelho, ainda que igualassem ou superassem os limiares estabelecidos, encontrar-se-iam, só por isso, dispensados de AIA.
  • 10. — 10 — Com efeito, no RJAIA de 1990, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 186/90, de 6 de junho, a alínea b), do título 10, do (então) Anexo III, referia-se a projetos de desenvolvimento urbano, exatamente a mesma designação que se mantinha na versão alterada pelo Decreto-Lei n.º 278/97, de 8 de outubro, versões tais que tiveram regulamentação através dos decretos-regulamentares números 38/90, de 27 de novembro, e 42/97, de 10 de outubro, nos seguintes termos, respetivamente: - “4.3 - Projectos de desenvolvimento urbano que ocupem uma área superior a 10 ha;”; - “b) Projectos de desenvolvimento urbano não incluídos em planos regionais de ordenamento do território (PROT), planos directores municipais (PDM) ou planos de urbanização (PU), plenamente eficazes, que ocupam uma área superior a 10 ha;” (sic). Assim, com recurso ao elemento histórico, não obstante as deficiências grosseiras que, a nosso ver, as sucessivas redações evidenciam, conseguimos com meridiana clareza perceber que a ratio da designação vigente para balizar o significado do disposto na alínea b), do título 10, do Anexo II, do RJAIA, aponta inequivocamente para uma muito maior amplitude de significação do que aquela que a letra do preceito sugere, interpretação que se torna ainda mais consistente se a isso somarmos os fins inerentes à própria diretiva de AIA da melhoria da proteção do ambiente na União Europeia. Ora, o fim e o objetivo da sujeição de determinados projetos públicos ou privados a avaliação de impacte ambiental é a aferição preventiva dos seus efeitos potencialmente negativos no ambiente e a identificação de medidas que eliminem ou mitiguem esses efeitos advenientes da construção e da exploração, facto que aconselha a uma interpretação por princípio extensiva quanto ao significado das designações dos tipos de projetos elencados nos anexos I e II do RJAIA. A título de mero exemplo, não é pelo facto de uma determinada operação imobiliária ter 500 ou mais fogos ou desenvolver-se numa área de 10 ou mais hectares de solo, porém, sem se ancorar numa operação de loteamento, que os respetivos impactes ambientais potenciais serão menores do que o seriam caso houvesse operação de loteamento, não parecendo lógico nem legítimo que o intérprete a possa considerar como um projeto de desenvolvimento urbano não sujeito a AIA só por não consubstanciar uma operação de loteamento urbano.
  • 11. — 11 — Não nos restam por isso quaisquer dúvidas de que a ratio legis de que aqui tratamos aponta claramente para uma interpretação ampla e aberta da designação em causa, nela se podendo incluir, portanto, outros tipos de projetos de operações urbanísticas para além das típicas operações de loteamento definidas no RJUE, que, aliás, por definição, também abranjem os reparcelamentos, assim atinjam ou superem os limiares correspondentes, aí se integrando, sem qualquer margem para dúvidas, as operações de reparcelamento do solo urbano a que se refere o número 4, do artigo 165.º, do RJIGT12 , ou outras de impacte semelhante, por exemplo, conjuntos de edifícios contíguos e funcionalmente ligados entre si, consubstanciando conjuntos habitacionais constituídos em propriedade horizontal, vulgo condomínios fechados. As operações de reparcelamento do solo urbano a que se refere o número 4, do artigo 165.º, do RJIGT são um tipo muito específico, especial, de operação urbanística, passível de realização sem a necessidade de controlo administrativo prévio quando fundada em plano de pormenor com efeitos registais. Contudo, pese embora o quadro legal português, diferentemente doutros13 , não o defina de uma forma expressa, a mobilização do elemento lógico-sistemático de interpretação aponta, a nosso ver claramente para que, nestes casos, operações com aquelas características, não possam ser dispensadas de avaliação de impacte ambiental sempre que em causa estejam 500 ou mais fogos ou uma área de intervenção superior a 10 hectares, sob pena de violação do RJAIA e invalidade na forma mais grave de nulidade (cfr. artigo 22.º do RJAIA). Em que momento procedimental deve a AIA acontecer sempre que se trate das operações de reparcelamento do solo urbano a que se refere o número 4, do artigo 165.º, do RJIGT, é uma das questões centrais a que nos propomos responder no âmbito do presente trabalho. Mas, para que tal suceda, teremos ainda de desenvolver alguns outros aspetos 12 “O reparcelamento do solo urbano é a operação de reestruturação da propriedade que consiste no agrupamento de terrenos localizados em solo urbano e na sua posterior divisão, com adjudicação dos lotes resultantes aos primitivos proprietários ou a outros interessados.” (Cfr. n.º 1, do artigo 164.º, do RJIGT). 13 Ao contrário do que ainda sucede em Portugal, em que não existe uma previsão expressa na lei para a sujeição de planos de pormenor com efeitos registais ao RJAIA, de acordo com Gonçalo Reino Pires, citando Carl-Heinz David, o ordenamento jurídico alemão, desde as alterações introduzidas na lei federal sobre urbanismo no final da década de 1990, “[obriga] à elaboração de estudos de impacte ambiental relativamente a certas opções adoptadas no âmbito dos planos vinculativos dos particulares.” Cfr. PIRES, Gonçalo R.; A Classificação e a Qualificação do Solo por Planos Municipais de Ordenamento do Território (Contributo para a compreensão do seu regime substantivo e para a determinação do regime da sua impugnação contenciosa). Lisboa: Edições Alumni FDL, 2015, pág. 369.
  • 12. — 12 — basilares associados, como seja o do conteúdo documental que um plano de pormenor tem necessariamente de ter para que a operação de reparcelamento, para materializar-se, possa beneficiar da alegada economia processual e procedimental oferecida pelo n.º 4, do artigo 165.º, do RJIGT, questão a que procuraremos responder no capítulo seguinte.
  • 13. — 13 — 2. Operações de reparcelamento via PP, ou o que são (verdadeiramente) planos de pormenor com efeitos registais? Integrada no âmbito do SIMPLEX - Programa de Simplificação Legislativa e Administrativa, e visando “o reforço da eficiência dos processos de ordenamento do território e, por isso, da operatividade do sistema de gestão territorial”14 , a alteração ao RJIGT intermediada pelo Decreto-Lei n.º 316/2007, de 19 de setembro, introduziu, entre outras inovações, a possibilidade dos planos de pormenor “com um conteúdo suficientemente denso procederem a operações de transformação fundiária relevantes para efeitos de registo predial e inscrição matricial, dispensando-se um subsequente procedimento administrativo de controlo prévio”15 . Essa alteração materializou-se através da introdução no RJIGT do artigo 92.º-A, com a epígrafe “Efeitos registais”, e em cujo número 1 se previa que “[a] certidão do plano de pormenor que contenha as menções constantes das alíneas a) a d), h) e i), do n.º 1, do artigo 91.º, constitui título bastante para a individualização no registo predial dos prédios resultantes das operações de loteamento, estruturação da compropriedade ou reparcelamento previstas no plano.”16 (Sublinhado nosso). Na vigência do anterior RJIGT, ou seja, até à entrada em vigor do novo RJIGT aprovado pelo Decreto-Lei n.º 80/2015, de 14 de maio, o artigo 92.º-A viria ainda a ser alterado pelo Decreto-Lei n.º 46/2009, de 20 de fevereiro, passando no número 1 a fazer-se menção à obrigatoriedade da certidão do plano de pormenor ser acompanhada das peças escritas e desenhadas previstas no número 3, do artigo 92.º daquele regime jurídico. A relação de tais peças escritas e desenhadas já integrava a versão do artigo 92.º que resultou das alterações introduzidas ao RJIGT pelo Decreto-Lei n.º 316/2007, de 19 de setembro, e em cuja redação do número 3 já se mencionava “[p]ara efeitos do registo predial (...)”, servindo a alteração ao artigo 92.º-A feita através do Decreto-Lei n.º 14 Cfr. preâmbulo do Decreto-Lei n.º 316/2007, de 19 de setembro. 15 Idem. 16 “O plano de pormenor deixou de ser apenas instrumento de planeamento de execução das opções urbanísticas dos planos municipais, para se apresentar também na modalidade de instrumento de execução (plano de pormenor com efeitos registais), tornando-se autossuficiente para fundar diretamente operações de transformação fundiária (de loteamento ou fracionamento, de reparcelamento ou de estruturação da compropriedade), dispensando pois um procedimento administrativo subsequente e equiparando-se, assim, aos demais instrumentos de execução capazes de efetivar a recomposição predial do solo”, in parecer do Conselho Consultivo do Instituto dos Registos e Notariado N.º 64/CC/2015, pág. 4. (Sublinhado nosso.)
  • 14. — 14 — 46/2009, de 20 de fevereiro, para explicitar aquilo que já pacificamente se interpretava como uma condição para a eficácia registal das operações de transformação fundiária que se alicerçassem em planos de pormenor, condição essa subjacente a uma outra essencial - a de que o plano de pormenor tivesse um determinado grau de densidade. Assim, para que um plano de pormenor com um dado conteúdo documental suficientemente denso, que o dotasse de uma “identidade funcional com as operações de loteamento e reparcelamento urbano”, pudesse fundar diretamente uma operação de transformação fundiária do tipo operação de reparcelamento sem necessidade de controlo administrativo prévio, havia o mesmo de ter de ser constituído pelos elementos das alíneas a) a d), h) e i) do n.º 1, do artigo 91.º, e de integrar, quer as peças escritas e desenhadas previstas no n.º 3 do artigo 92.º, quer um dos elementos contratuais (contrato de urbanização ou contrato de desenvolvimento urbano) celebrado entre os titulares de direitos sobre os prédios envolvidos17 . Cumpre no entanto sublinhar que é alicerçada em fins de simplificação administrativa que é originariamente consagrada a possibilidade legal dos planos de pormenor fundarem diretamente determinadas operações de transformação fundiária, entre as quais, operações de reparcelamento, sem necessidade de controlo administrativo prévio18 - afinal, esse controlo prévio é, digamos, inerente à formação do próprio plano e à sua subsequente aprovação pela assembleia municipal. Porém, não deixou também de se prever a necessidade de licenciamento (de controlo prévio, portanto) para os casos de operações de reparcelamento de iniciativa particular, as quais podemos apelidar, neste enquadramento concreto, de caso geral19 , ou seja, realizadas a jusante da aprovação e entrada em vigor de planos territoriais municipais clássicos, em cumprimento ou não das respetivas programações. A este respeito, a leitura do número 6, do artigo 131.º, do antigo RJIGT não deixa quaisquer margens para dúvidas sobre a intencionalidade do legislador em distinguir as 17 Cfr. número 10, do artigo 131.º, do RJIGT, na versão do Decreto-Lei n.º 316/2007, de 19 de setembro. 18 “O legislador parte do elevado grau de concretização das prescrições urbanísticas do plano de pormenor, que ele, aliás, impõe, ao estabelecer um conteúdo mínimo do plano para servir de suporte às referidas operações de transformação fundiária, para dispensar uma nova intervenção da Administração no seu licenciamento ou aprovação.” Vide MONTEIRO, Cláudio; O Domínio da Cidade - A Propriedade à Prova no Direito do Urbanismo. Lisboa: AAFDL, 2013, pág. 481. 19 “Às operações de reparcelamento do solo urbano por iniciativa particular são aplicáveis as disposições legais e regulamentares [de controlo prévio] relativas às operações de loteamento.” (Cfr. n.º 2, do artigo 166.º, do novo RJIGT, correspondente, com as necessárias ressalvas e adaptações, ao n.º 6, do artigo 131.º, do antigo RJIGT na versão pós-Decreto-Lei n.º 316/2007, de 19 de novembro).
  • 15. — 15 — diferentes modalidades de reparcelamento com o critério da obrigação ou não de controlo prévio, quando aí se dispunha que “[a] operação de reparcelamento é licenciada ou aprovada pela câmara municipal, consoante a iniciativa do processo tenha competido, respectivamente, aos proprietários ou à câmara municipal” (sublinhados nossos). No fim de contas, é essa a matriz que subsiste no novo RJIGT, aprovado pelo Decreto- Lei n.º 80/2015, de 14 de maio, nos termos do qual se consolidou a diferenciação, com base na obrigação ou não de controlo prévio, entre as operações de reparcelamento fundadas em PPer (que aqui designamos de caso especial) e as demais que concretizem planos territoriais (PDM, PU, PP), sujeitas a licença administrativa desde que de iniciativa de particulares.20 21 Ressalve-se, no entanto, que o n.º 3, do artigo 167.º, do RJIGT remete o reparcelamento do solo urbano de iniciativa da câmara municipal para a aplicação das “disposições legais e regulamentares relativas às operações de loteamento de iniciativa municipal”, o que é o mesmo que dizer, para a alínea a), do número 1, do artigo 7.º, do RJUE, nos termos do qual se determina que “[estão isentas de controlo prévio] as operações urbanísticas promovidas pelas autarquias locais e suas associações em área abrangida por plano municipal ou intermunicipal de ordenamento do território”. Consabidamente, esta isenção de controlo prévio não se confunde com a isenção de controlo prévio de que beneficia uma operação de reparcelamento fundada num PPer, desde logo, porque as isenções de controlo prévio do artigo 7.º do RJUE não implicam a dispensa de consultas e pareceres a entidades externas, conforme imediatamente se interpreta da redação do n.º 6 do referido artigo. Não obstante, estas constatações conduzem-nos forçosamente a uma outra que é a de considerar que os planos de pormenor com efeitos registais são aqueles que no procedimento de formação do plano incorporam a integralidade dos elementos escritos e desenhados a que atrás se faz referência sumária, porquanto essa é, no nosso entendimento, a forma de respeitar e proceder em consonância com os objetivos que 20 As operações de loteamento encontram-se sujeitas a licença administrativa (cfr. alínea a), do n.º 2, do artigo 4.º, do RJUE. 21 “O desencadeamento de procedimentos de controlo preventivo das operações de transformação fundiária previstas nos planos de pormenor é mesmo desnecessário em certas circunstâncias quando se trate de planos de pormenor com efeitos registais [cfr. artigo 108.º do RJIGT, em especial, o seu n.º 3, e n.º 4 do artigo 165.º].” Vide OLIVEIRA, Fernanda Paula; Direito do Urbanismo. Do Planeamento à Gestão. Coimbra: AEDRL/NEDAL, 2015, 2.ª Edição, pág. 85.
  • 16. — 16 — estiveram na génese da consagração legal da figura, desde logo, os de simplificação e eficiência administrativas subjacentes à mesma, logo, não negligenciáveis. E isso é válido tanto para as operações de transformação fundiária reconduzíveis às figuras de reparcelamento do solo urbano fundadas em planos de pormenor com determinado grau de densidade das suas disposições - vulgo, planos de pormenor com efeitos registais -, como para as situações de estruturação da compropriedade, valendo para estas a regra da apresentação de um “acordo de reestruturação da compropriedade” em vez do contrato de urbanização, este último aplicável indistintamente nas situações de reparcelamento ancoradas no artigo 165.º do RJIGT22 . Para aquilo que aqui especificamente nos interessa - operações de reparcelamento do solo urbano a concretizar através de plano de pormenor - propendemos a considerar que só nos encontraremos perante um efetivo plano de pormenor com efeitos registais se, além da densificação mínima regulamentar exigida - alíneas a) a d), h) e i), do n.º 1, do artigo 102.º, do RJIGT -, se integrarem no respetivo procedimento de formação os elementos escritos e desenhados elencados no número 3, do artigo 107.º, do RJIGT, assim como o contrato de urbanização previsto no n.º 4, do artigo 165.º, do RJIGT. Para momento subsequente à aprovação do plano de pormenor com efeitos registais pela assembleia municipal ficam reservados a emissão, pela câmara municipal, da certidão referida no n.º 1, do artigo 108.º, o pagamento dos inerentes encargos urbanísticos referentes a taxas de realização, manutenção e reforço de infraestruturas, compensações pela não cedência de terrenos para espaços verdes, equipamentos e infraestruturas e caução de boa execução de obras de urbanização (cfr. artigo 109.º do RJIGT) e, a final, os correspondentes atos registais. (Cfr. quadro-resumo do conteúdo material mínimo de um PPer, no fim do presente capítulo). Dito de outro modo, ainda que a transformação fundiária prevista num determinado plano de pormenor sugira, ou até mesmo preveja detalhadamente, a execução através do reparcelamento do solo urbano, não estaremos perante um plano de pormenor com efeitos registais se o mesmo não for acompanhado do contrato de urbanização que constitua o 22 Tratando-se de operações de reparcelamento do solo urbano a realizar por intermédio de PPer, parecem excluídas do respetivo âmbito de aplicação desta figura as transformações fundiárias conjuntas com fins turísticos visando a constituição de lotes para edificação em solos rústicos, as quais obedecerão necessariamente ao regime do RJUE, desde logo, com o enquadramento do artigo 38.º.
  • 17. — 17 — acordo dos proprietários de direitos sobre os prédios abrangidos e os elementos previstos no número 3, do artigo 107.º, do RJIGT.23 Em abono deste entendimento veja-se, por analogia, o disposto no artigo 72.º, sob a epígrafe Reclassificação para solo urbano, que prevê expressamente no seu número 4 que “a reclassificação do solo processa-se através dos procedimentos de elaboração, de revisão ou de alteração de planos de pormenor com efeitos registais, acompanhado do contrato previsto no n.º 2 (…)”. Sublinhado nosso. É que, pese “[e]mbora a lei pareça referir-se a duas realidades distintas - plano de pormenor com efeitos registais e reparcelamento efetuado por intermédio de contrato -, em causa está uma realidade única e indivisível: o plano de pormenor concretiza o reparcelamento ou este é efetuado no âmbito daquele.”24 Parecendo perfilhar posição essencialmente no mesmo sentido, para o Prof. Cláudio Monteiro, “os proprietários apenas podem desencadear os efeitos reais nele contidos [no plano de pormenor], sendo o plano o facto constitutivo dos correspondentes direitos e obrigações.”25 O contrato em causa, materializando a autonomia e vontade das partes na aceitação do reparcelamento, é um contrato de urbanização onde se fixam, designadamente, “os encargos urbanísticos das operações necessárias à execução do plano de pormenor, o respetivo prazo, as condições de redistribuição de benefícios e encargos, considerando todos os custos urbanísticos e todos os interessados envolvidos.”26 Quando falte algum dos elementos essenciais à eficácia registal do PP, as operações de reparcelamento do solo urbano, seja por iniciativa particular, seja por iniciativa da câmara municipal, já não beneficiam de dispensa de controlo prévio, sujeitando-se à procedimentalização do RJUE aplicável às operações de loteamento, conforme dispõem o número 2, do artigo 166.º e o número 3 do artigo 167.º, ambos do RJIGT. 23 Questiona-se-á que, a ter de integrar o conteúdo material do plano de pormenor, o contrato de urbanização teria de ser prévio à discussão e deliberação nos órgãos municipais, e que a versão final do plano poderia ser diferente daquela que esteve na base do acordo contratual entre os diferentes subscritores, a final diferente, logo, incongruente, com o conteúdo definitivo do plano. A ser o caso, ou seja, a haver alterações com implicações na peça contratual originária, haverá sempre a mesma de ser aditada com o restabelecimento do acordo entre as partes antes da deliberação final da assembleia municipal que aprove o plano. 24 OLIVEIRA, Fernanda Paula; Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial Comentado. Coimbra: Almedina, 2016, pág. 348. 25 MONTEIRO, Cláudio; O Domínio da Cidade - A Propriedade à Prova no Direito do Urbanismo. Lisboa: AAFDL, 2013, pág. 481. 26 Cfr. números 2 e 3, do artigo 8.º, do Decreto Regulamentar n.º 15/2015, de 19 de agosto.
  • 18. — 18 — Operação de reparcelamento do solo urbano através de plano de pormenor com efeitos registais - conteúdo material mínimo - Alíneas a) a d), h) e i), do n.º 1, do artigo 102.º, do RJIGT a) A definição e a caracterização da área de intervenção, identificando e delimitando os valores culturais e a informação arqueológica contida no solo e no subsolo, os valores paisagísticos e naturais a proteger, bem como todas as infraestruturas relevantes para o seu desenvolvimento; b) As operações de transformação fundiária preconizadas e a definição das regras relativas às obras de urbanização; c) O desenho urbano, exprimindo a definição dos espaços públicos, incluindo os espaços de circulação viária e pedonal e de estacionamento, bem como o respetivo tratamento, a localização de equipamentos e zonas verdes, os alinhamentos, as implantações, a modelação do terreno e a distribuição volumétrica; d) A distribuição de funções, conjugações de utilizações de áreas de construção e a definição de parâmetros urbanísticos, designadamente, densidade máxima de fogos, número de pisos e altura total das edificações ou altura das fachadas; h) Regulamentação da edificação, incluindo os critérios de inserção urbanística e o dimensionamento dos equipamentos de utilização coletiva, bem como a respetiva localização no caso dos equipamentos públicos; i) A identificação dos sistemas de execução do plano, do respetivo prazo e da programação dos investimentos públicos associados, bem como a sua articulação com os investimentos privados - Elementos escritos e desenhados elencados no número 3 do artigo 107.º do RJIGT (Peças escritas e desenhadas que suportem as operações de transformação fundiária previstas, nomeadamente para efeitos de registo predial e de elaboração ou conservação do cadastro geométrico da propriedade rústica ou do cadastro predial) a) Planta cadastral ou ficha cadastral original, quando existente; b) Quadro com a identificação dos prédios, natureza, descrição predial, inscrição matricial, áreas e confrontações; c) Planta da operação de transformação fundiária, com a identificação dos novos prédios e dos bens de domínio público; d) Quadro com a identificação dos novos prédios ou fichas individuais, com a indicação da respetiva área, da área destinada à implantação dos edifícios e das construções anexas, da área de construção, da volumetria, da altura total da edificação ou da altura da fachada e do número de pisos acima e abaixo da cota de soleira para cada um dos edifícios, do número máximo de fogos e da utilização de edifícios e fogos; e) Planta com as áreas de cedência para o domínio municipal; f) Quadro com a descrição das parcelas a ceder, sua finalidade e área de implantação, bem como das áreas de construção e implantação dos equipamentos de utilização coletiva; g) Quadro de transformação fundiária, explicitando a relação entre os prédios originários e os prédios resultantes da operação de transformação fundiária. - Contrato de urbanização previsto no n.º 4, do artigo 165.º, do RJIGT Aprovação do plano de pormenor pela Câmara Municipal Aprovação do plano de pormenor pela Assembleia Municipal Publicação do plano de pormenor em Diário da República - Emissão, pela câmara municipal, da certidão referida no n.º 1, do artigo 108.º - Pagamento de taxas de realização, manutenção e reforço de infraestruturas; - Pagamento de compensações pela não cedência de terrenos para espaços verdes, equipamentos e infraestruturas; - Pagamento da caução de boa execução de obras de urbanização (cfr. artigo 109.º do RJIGT) - Pagamento dos atos registais
  • 19. — 19 — 3. O reparcelamento do solo urbano fundado num plano de pormenor com efeitos registais: qual é o lugar da avaliação (de impacte) ambiental? Adotando-se as posições atrás apresentadas quanto ao modo de interpretar a alínea b), do título 10, do Anexo II, do RJAIA, e quanto àquilo que devemos entender por planos de pormenor com efeitos registais que consubstanciem operações de reparcelamento do solo urbano, é nesta parte do trabalho que nos propomos corporizar a posição já antecipada na introdução de que a AIA de uma operação de reparcelamento do solo urbano por via de um PPer, quando à mesma houver obrigatoriamente lugar nos termos do RJAIA, é prévia à deliberação da assembleia municipal que aprovar o plano. Antes disso, há no entanto que esclarecer que, apesar de nos reportarmos aos tipos de projetos com enquadramento na alínea b), do título 10, do Anexo II, do RJAIA, como situação de referência, não deixa o presente exercício de ter idêntica aplicação para os casos dos tipos de projetos da alínea a), do título 10, do Anexo II, do RJAIA, sob a designação “[p]rojetos de loteamento, parques industriais e plataformas logísticas”, com as mandatórias adaptações atendendo aos diferentes limiares de sujeição obrigatória a AIA estabelecidos para tais situações27 . 3.1. Da não sujeição a AAE das operações de reparcelamento do solo urbano através de PPer Salvo nos casos de utilização da figura de PPer com finalidades de reclassificação para solo urbano, no enquadramento próprio que lhe é conferido nos termos do artigo 72.º, do RJIGT, atendendo àquela que consideramos ser a dimensão estratégica socio-territorial intrínseca de um processo dessa natureza28 , envolvendo opções puras de planeamento, subjaz ao entendimento que aqui formulamos para operações de reparcelamento do solo urbano a concretizar por via de um PPer o reconhecimento-regra da inexistência de fundamento para a sujeição da avaliação dos efeitos ambientais do plano - vulgo, 27 Para “loteamentos industriais”, a área mínima de sujeição obrigatória a AIA para o caso geral é de 20 hectares, ou seja, o dobro da área estabelecida para as “operações de loteamento urbano”. 28 Nos termos do número 1, do artigo 72.º, do RJIGT, “[a] reclassificação do solo rústico para solo urbano tem caráter excecional, sendo limitada aos casos de inexistência de áreas urbanas disponíveis e comprovadamente necessárias ao desenvolvimento económico e social e à indispensabilidade de qualificação urbanística, traduzindo uma opção de planeamento sustentável em termos ambientais, patrimoniais, económicos e sociais.” (Sublinhado nosso).
  • 20. — 20 — avaliação ambiental estratégica (AAE) -, prevista no Decreto-Lei n.º 232/2007, de 15 de junho, alterado pelo Decreto-Lei n.º 58/2011, de 4 de maio,29 30 porquanto um PPer é um instrumento vincadamente executório, portanto, concretizador de opções territoriais tomadas a montante noutros instrumentos de gestão territorial, no âmbito dos quais (já) foram sopesados e decididos todos os aspetos estratégicos da futura ocupação do território bem como concluído o exercício atinente à classificação do solo e respetivo regime de usos. Isto fundamentalmente porque um plano com as características de um PPer, enquanto “realidade única e indivisível: o plano de pormenor [que] concretiza o reparcelamento (...)”, (Fernanda Paula Oliveira, ob. cit.), não se trata de um plano que constitua enquadramento para a futura aprovação de projectos mencionados nos anexos I e II do Decreto-Lei n.º 69/2000, de 3 de Maio, na sua actual redacção; ele próprio funda uma operação de reparcelamento do solo urbano (dispensando-a de posterior controlo administrativo prévio) e é o “facto constitutivo dos correspondentes direitos e obrigações” (Cláudio Monteiro, ob. cit.). Assim, tendo em conta o disposto na alínea a), do número 1, do artigo 3.º, do regime jurídico da avaliação ambiental de planos e programas (RJAAPP), a contrario sensu, ou seja, não constituindo o PPer enquadramento para a futura aprovação de projetos mencionados nos anexos I e II do RJAIA - ele mesmo é plano e simultaneamente projeto de operação de reparcelameto, como tal enquadrável nos tipos de projetos a que se reporta a alínea b), do título 10, do Anexo II, do RJAIA - fácil será concluir que beneficiará, a nosso ver, direta e indiscutivelmente, da prerrogativa de não sujeição a AAE, mas sim a AIA, sempre e quando a operação em causa atinja os limiares de sujeição obrigatória a essa modalidade de avaliação ambiental. 29 Que estabelece o regime a que fica sujeito a avaliação dos efeitos de determinados planos e programas no ambiente29 , transpondo para a ordem jurídica interna as directivas n.º 2001/42/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de Junho, e n.º 2003/35/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Maio. 30 “Foi, precisamente, em função da necessidade de ultrapassar as limitações intrínsecas à AIA (que surge numa fase relativamente adiantada, em que já foi tomado um conjunto de decisões com impacto ambiental, v.g., a localização do projeto) e de efetuar a avaliação dos riscos e perigos para os bens ambientais o mais cedo possível, que nasceu a Avaliação Ambiental Estratégica (AAE), também designada Avaliação Ambiental de Planos e Programas (AAPP).” MEALHA, Esperança; Jurisprudência portuguesa sobre AIA, in Revisitando a Avaliação de Impacto Ambiental; Coordenação: Carla Amado Gomes e Tiago Antunes; Lisboa: ICJP/FDUL, 2014, pág. 51.
  • 21. — 21 — Quanto à alínea b), do número 1, do artigo 3.º, do RJAAPP, reportada a planos e programas que possam ter efeitos num sítio da lista nacional de sítios, num sítio de interesse comunitário, numa zona especial de conservação ou numa zona de protecção especial, fundando o PPer uma operação de transformação fundiária enquadrável nos tipos de projetos da alínea b), do título 10, do Anexo II, do RJAIA, e superando os limiares de sujeição obrigatória a AIA, também há, a nosso ver, fundamento para se considerar que o mesmo não terá de sujeitar-se a Avaliação de Incidências Ambientais, atendendo ao disposto na alínea a), do n.º 2, do artigo 10.º, do Decreto-Lei n.º 140/99, de 24 de abril, na sua versão atual, porquanto “a avaliação de incidências ambientais segue a forma do procedimento de avaliação de impacte ambiental quando [o] referido procedimento seja aplicável nos termos da legislação em vigor; (...)”31 Assim sendo, para os casos de que aqui nos ocupamos, nem pela letra da lei nem pela ratio do RJAAPP nos encontraremos perante situações suscetíveis de recair na alínea b), do n.º 1, do artigo 3.º. Nessas situações, o que haverá é lugar à AIA, não a AIncA, portanto, desaparecendo um dos pressupostos previstos no referido comando legal para a sujeição obrigatória a AAE. O outro aspeto a atender é o da própria ratio do RJAAPP e da figura da AAE enquanto ferramenta destinada a desempenhar uma função estratégica, de análise das grandes opções, com o propósito de “assegurar que (…) as consequências ambientais de um determinado plano ou programa (…) são previamente identificadas e avaliadas durante a fase da sua elaboração e antes da sua adopção”32 , escopo insuscetível de abranger o procedimento de elaboração de um híbrido plano-projeto fundador de uma operação de reparcelamento, instrumento inequivocamente orientado para a concretização e não para a ponderação de alternativas de ocupação do território a longo prazo e das respetivas opções de planeamento. Quanto à alínea c), do número 1, do artigo 3.º, do RJAAPP - “[estão sujeitos a avaliação ambiental] os planos e programas que, não sendo abrangidos pelas alíneas anteriores, constituam enquadramento para a futura aprovação de projectos e que sejam qualificados como susceptíveis de ter efeitos significativos no ambiente.” -, dir-se-á apenas o que atrás se referiu a propósito da alínea a) para os PPer fundadores de operações de 31 Exatamente no mesmo sentido, cfr. número 3, do artigo 45.º, do RJAIA. 32 Cfr. preâmbulo do Decreto-Lei n.º 232/2007, de 15 de junho, alterado pelo Decreto-Lei n.º 58/2011, de 4 de maio.
  • 22. — 22 — reparcelamento, ou seja, que não nos encontramos perante um instrumento para a futura aprovação de projetos (o projeto a avaliar está nele incorporado), o que equivale a dizer que a condição compósita da alínea c) não é comprovável; e a suscetibilidade de poder ter efeitos significativos no ambiente existirá, sim, mas essa será aprofundadamente tratada numa mais exigente e concreta avaliação ambiental, a AIA, sempre que os limiares se mostrem atingidos ou superados. Mas, e quanto a outros PPer que fundem operações de reparcelamento do solo urbano que não atinjam os limiares de sujeição obrigatória a AIA? Não se encontrarão sujeitos a AAE perante o disposto no artigo 3.º do RJAAPP? Nesses casos, entendemos igualmente que não, porquanto não é pelo facto de corporizarem projetos não obrigatoriamente sujeitos a AIA que deverão, só por isso, sujeitar-se a AAE. Afinal, a natureza regulamentar- executória do instrumento mantém-se. Uma nota neste enquadramento referente aos casos comuns de planos de pormenor (sem efeitos registais): apesar da realidade ser muito heterogénea quanto às finalidades dos mesmos, admitimos a não sujeição a AAE nos casos em que os planos em causa, apesar de não registais, sejam meramente executórios doutros planos territoriais que já tenham sido sujeitos a AAE, por exemplo, quando operacionalizem unidades operativas de planeamento e gestão. O mesmo já não se perfilha quanto aos planos de pormenor cujas opções de planeamento nele traduzidas alterem outros planos territoriais hierarquicamente superiores (PDM ou PU, p. ex.), em observância do princípio da contra-corrente33 . Nesses casos, desde que preenchendo a condição essencial de poderem vir a servir de enquadramento para futuros projetos suscetíveis de ter efeitos significativos no ambiente, estarão em princípio sujeitos a AAE por se enquadrarem objetivamente nalgum dos critérios do número 1, do artigo 3.º, do RJAAPP. Não quer isto dizer que não reconheçamos que a experiência da aplicação do RJAAPP em Portugal seja em tudo consonante com o entendimento atrás explanado. Fruto das funções profissionais que vimos exercendo em diferentes organismos da Administração Pública, parece-nos que a prática continua a ser muito alicerçada em 33 Sobre o princípio da contra-corrente enquanto “segundo princípio regulador das relações entre normas dos vários planos”, vide CORREIA, Fernando A.; Manual de Direito do Urbanismo, Volume I. Coimbra: Almedina, 2012, 4.ª edição, págs. 499-500.
  • 23. — 23 — abordagens do regime jurídico que dão por adquirida a aplicação automática da AAE a todos os planos territoriais de âmbito municipal, independentemente do respetivo conteúdo de cada um dos diferentes instrumentos34 . Por outro lado, é também de nos parecer haver uma significativa recorrência ao regime de isenções previsto no artigo 4.º, não só para alívio de custos processuais, como para simplificação e (suposta) celeridade de procedimentos, factos que vêm contribuindo para alguma desvalorização deste género de avaliação ambiental no âmbito do Sistema de Gestão Territorial. 3.2. AIA de operações de reparcelamento do solo urbano através de PPer: antes ou depois da aprovação do plano? Aqui chegados, encontramo-nos perante os dados essenciais para responder à questão de saber se, em operações de reparcelamento do solo urbano fundadas em PPer, atingindo ou superando a operação urbanística algum dos limiares da alínea b), do título 10, do Anexo II, do RJAIA, a avaliação de impacte ambiental deve ser prévia à aprovação do plano pela assembleia municipal ou se a mesma poderá ocorrer algures entre esse momento e antes dos atos registais. A resposta, óbvia e objetiva à questão, encontramo-la, desde logo, no n.º 1, do artigo 18.º, da Lei n.º 19/2014, de 4 de abril, que “define as bases da política de ambiente em cumprimento do disposto nos artigos 9.º e 66.º da Constituição”, nos termos do qual se estatui que “[o]s programas, planos e projetos, públicos ou privados, que possam afetar o ambiente, o território ou a qualidade de vida dos cidadãos, estão sujeitos a avaliação ambiental prévia à sua aprovação, com vista a assegurar a sustentabilidade das opções de desenvolvimento.” (Sublinhados nossos). Assim, nas situações específicas em estudo - dos casos especiais de operação de reparcelamento do solo urbano concretizadas por via de PPer -, encontrando-nos perante um plano que as corporize e que na sua globalidade faça recair o projeto nos limiares de 34 Não obstante não ser exatamente isso que se extrai da leitura de documentos oficiais de referência em matéria de AAE, como sejam, entre outros, o Guia da Avaliação Ambiental dos Planos Municipais de Ordenamento do Território (DGOTDU/APA; 2008) ou o Guia de Melhores Práticas para Avaliação Ambiental Estratégica – Orientações Metodológicas para um Pensamento estratégico em AAE (APA; 2012). Ainda que em ambos os documentos não haja referências específicas aos casos especiais de planos de pormenor com efeitos registais, através do quadro relativo às condições de sujeição de um PMOT a AAE (cfr. págs. 27 a 29 do Guia da Avaliação Ambiental…) facilmente se percebe o princípio de que, apesar da regra ser a da sujeição, há tipos de PU e PP que, em função das suas especificidades, podem não estar sujeitos a AAE.
  • 24. — 24 — sujeição obrigatória definidos na alínea b), do título 10, do Anexo II, do RJAIA, o estudo de impacte ambiental é necessariamente prévio às deliberações dos órgãos municipais que aprovem a versão final do plano de pormenor. Nem poderia ser de outra forma se se atender ao disposto no artigo 22.º do RJAIA e que nos encontramos não apenas perante um procedimento de formação de um plano territorial mas, simultaneamente, perante um atípico procedimento autorizativo de uma operação urbanística – operação de reparcelamento do solo urbano - incorporado no procedimento de elaboração de um PPer, logo, cujo ato autorizativo final da mesma é o próprio ato de aprovação do plano pela assembleia municipal. É certo que um plano de pormenor é um instrumento de natureza regulamentar. Mas também é certo que o ato que aprova um PPer, fundador que seja de uma operação de reparcelamento do solo urbano nos termos do artigo 165.º, n.º 4, do RJIGT, e com o conteúdo que cremos dever ser o que identificamos atrás (vide quadro inserto na página 18), contém em si mesmo uma dimensão autorizativa constitutiva de certos efeitos na esfera jurídica dos particulares, havendo portanto de equipará-lo ao ato autorizativo previsto no número 1, do artigo 22.º do RJAIA, até porque, consabidamente, a aprovação do PPer dispensa a operação de reparcelamento de controlo administrativo prévio.35 A ser assim, como aliás nos parece, a necessidade de sujeição da operação de reparcelamento/PPer a AIA36 previamente à sua aprovação pela assembleia municipal é imperativa, caso contrário, incorrer-se-á na invalidade da deliberação, na sua forma mais grave de nulidade, tal como estabelecido no número 3, do artigo 22.º, do RJAIA. Naturalmente que a execução do plano de pormenor, a efetuar nos moldes nele definidos, poderá sempre resultar numa ou mais operações de reparcelamento a concretizar simultânea ou diferidamente de acordo com a respetiva programação, a que 35 “Decorre da Directiva AIA, não só a necessária existência de um procedimento autorizativo para o acto em causa, que tenha uma subfase de avaliação de impacte ambiental, como é necessário que a entidade administrativa competente para a tomada de decisão final tenha em consideração a avaliação e os contributos da participação das entidades públicas desse Estado-Membro, do público interessado e dos restantes Estados-Membros (artigo 8.º da Directiva AIA).” Cfr. LANCEIRO, Rui Tavares; A instrução do procedimento de AIA – uma primeira análise do novo RJAIA, in Revisitando a Avaliação de Impacto Ambiental; Coordenação: Carla Amado Gomes e Tiago Antunes; Lisboa: ICJP/FDUL, 2014, pág. 153. 36 Nestes casos, atendendo à densidade adveniente do conteúdo material do PPer, nada obsta a que se considere uma AIA em fase de projeto de execução e não de estudo prévio.
  • 25. — 25 — corresponderão um ou mais contratos de urbanização, e sem que alguma das quais, separadamente, atinja ou supere os limiares mínimos de sujeição automática a AIA37 . Independentemente disso, sempre que um PPer, na sua integralidade, corporize o reparcelamento do solo urbano em área igual ou superior a 10 hectares (2 hectares no caso de solos urbanos em áreas sensíveis) ou de que possa resultar uma ocupação do solo para 500 ou mais fogos, encontra-se a respetiva aprovação obrigada a prévia avaliação de impacte ambiental atendendo à inerente cumulação de efeitos e a que o que efetivamente se pretende materializar é um único projeto de desenvolvimento urbanístico com impactes significativos no ambiente (pelo menos, assim legalmente considerados). Ainda que obedecendo a uma determinada lógica fundiária e urbanística, o faseamento da execução do(s) reparcelamento(s) e/ou dos efeitos registais do plano de pormenor não pode servir de fundamento para a não sujeição do englobamento das partes a AIA, ou seja, do todo dessa transformação fundiária a avaliação de impacte ambiental. Fatiar38 , no sentido de fracionar39 , um determinado reparcelamento do solo urbano (no caso, enquadrado por um plano de pormenor assumido como pretendendo ter efeitos registais), daí resultando segmentos do mesmo que não atinjem nem superam os limiares para a sujeição obrigatória a AIA, não constitui, por si só, razão para a dispensa de cada um dos (sub)projetos resultantes a esse tipo de avaliação ambiental. Os potenciais efeitos significativos no ambiente medem-se através dos indicadores globais do PPer, o qual, para efeitos do RJAIA, atendendo à sua inequívoca dimensão executória, é, tem de ser, equiparado a um projeto; e se esse projeto, no somatório dos 37 “A exigência de apresentação dos referidos acordos e contratos, sendo indispensável para fazer prova da legitimidade dos apresentantes, revela também que, havendo pluralidade de proprietários, a operação apenas pode realizar-se por inteiro, de uma única vez, e com o concurso da vontade de todos eles. Isso não obsta, porém, que o plano não possa titular mais do que uma operação de transformação fundiária, se elas forem autónomas do ponto de vista fundiário e urbanístico, e que estas diferentes operações não se possam realizar separadamente, de acordo com a vontade dos respetivos interessados e dentro dos limites em que o plano admita a sua execução assistemática.” (MONTEIRO, Cláudio; ob. cit., pág.482). 38 Tentativa de tradução para português do anglicismo salami slicing, expressão que integra o vocabulário de avaliação de impacte ambiental, equivalente a fracionamento ou segmentação de projetos. 39 “O “fraccionamento” é a prática que consiste em dividir um projecto inicial em vários projectos separados que não excedem individualmente o limiar estabelecido ou não têm efeitos significativos quando examinados caso a caso e não exigem, por isso, uma avaliação de impacto mas que podem exercer, no seu conjunto, efeitos significativos no ambiente.” in Relatório da Comissão ao Parlamento Europeu e ao Conselho sobre a aplicação e a eficácia da Directiva AIA ((Directiva 85/337/CEE alterada pela Directiva 97/11/CE) - O sucesso da aplicação da Directiva AIA pelos Estados membros; Comissão das Comunidades Portuguesas, Bruxelas, 2003, pág.5.
  • 26. — 26 — seus diferentes segmentos, atingir os limiares mínimos para a sujeição, a AIA tem de ocorrer, e necessariamente antes da aprovação do plano pelos órgãos municipais.40 É que, segundo o Tribunal de Justiça da União Europeia, “[o objetivo da Diretiva da AIA] não pode ser defraudado através do fracionamento de um projeto” e “a não tomada em consideração do efeito cumulativo de vários projetos não deve ter como resultado prático subtraí-los, na sua totalidade, à obrigação de avaliação, quando, considerados no seu conjunto, são suscetíveis de ter um impacto significativo no ambiente”.41 3.3. E das operações de reparcelamento do solo urbano através de PPer abaixo dos limiares de sujeição obrigatória a AIA? Como abordar a eventualidade de um EIA? Ainda que determinada operação urbanística enquadrada nas tipologias de projetos identificadas no anexo II do RJAIA não atinja nem supere os limiares de sujeição obrigatória a AIA, nem por isso fica automaticamente dispensada da submissão a estudo de impacte ambiental. No caso específico de projetos com enquadramento na alínea b), do título 10, do Anexo II, do RJAIA, pode haver lugar a sujeição a AIA ainda que não se observem os limiares definidos para o caso geral ou para as áreas sensíveis. Bastará para isso que a autoridade de AIA ou a entidade licenciadora ou competente para a autorização do projeto, na aceção que estes conceitos assumem no âmbito do respetivo regime jurídico, assim o entendam, observada para o efeito a procedimentalização definida para essas situações, prevista no artigo 3.º do RJAIA. Quando se trate de projetos abaixo dos limiares e não incidentes em áreas sensíveis, a decisão de sujeitar ou não a AIA é da entidade licenciadora ou competente para a autorização do projeto, a quem compete auscultar previamente a autoridade de AIA 40 “Where several projects, taken together, may have significant effects on the environment within the meaning of Article 2(1) of the EIA Directive, their environmental impact should be assessed as a whole. It is necessary to consider projects jointly, in particular where they are connected, follow on from one another, or their environmental effects overlap (see, to that effect, Case C-147/07, Ecologistas en Acción-CODA, paragraph 44; Case C-205/08, Alpe Adria, paragraph 53).” Cfr. Interpretation of definitions of project categories of annex I and II of the EIA Directive, European Comission, 2015, pág. 15; sublinhado nosso. 41 Cfr. NEVES, Ana Fernanda; O âmbito de aplicação da avaliação de impacto ambiental, in Revisitando a Avaliação de Impacto Ambiental; Coordenação: Carla Amado Gomes e Tiago Antunes; Lisboa: ICJP/FDUL, 2014, pág.131.
  • 27. — 27 — especificamente para esse efeito, e tendo em consideração os critérios de seleção estabelecidos no Anexo III do RJAIA. Quando se localizem, parcial ou totalmente, em área sensível, podem ser sujeitos a AIA projetos abaixo dos limiares desde que sejam considerados, por decisão da autoridade de AIA, como “suscetíveis de provocar impacte significativo no ambiente em função da sua localização, dimensão ou natureza, de acordo com os critérios estabelecidos no Anexo III”; nestes casos específicos, a sujeição do projeto a AIA dispensaria a eventual AIncA a que houvesse lugar42 . Ressalve-se no entanto que, “[n]o caso de projectos a desenvolver em áreas sensíveis (áreas protegidas nos termos do direito nacional ou da rede Natura 2000), cabe à Autoridade de AIA, através da entidade licenciadora e após consulta das autoridades incumbidas da gestão da área em causa, decidir sobre a sujeição ou não a AIA, sendo certo que se nada disserem no prazo fixado no artigo 3.º/6 do RAIA, o silêncio deve ser interpretado no sentido da necessidade da submissão.”43 Em qualquer das situações, desde que reportadas a operações de reparcelamento do solo urbano via PPer, tenha ou não o procedimento de formação do plano de pormenor origem nalgum contrato para planeamento 44 , porém, constituindo-se a câmara municipal enquanto entidade responsável pela elaboração do plano, assim, inevitavelmente, equiparada a entidade licenciadora ou competente para a autorização do reparcelamento, deverá ponderar-se a submissão do projeto ao procedimento aplicável previsto no artigo 3.º do RJAIA logo que o estado de desenvolvimento da solução urbanística atinja suficiente maturidade. “A identificação concreta de quais são estas entidades [licenciadoras ou competentes para a autorização do projeto] não se encontra propriamente prevista no RJAIA – a assunção da qualidade de entidade licenciadora ou competente para a autorização ocorre na medida em que uma determinada entidade, no âmbito de um qualquer procedimento 42 “Sempre que o projeto se encontre simultaneamente abrangido pelo [RJAIA] e pelo Decreto-Lei n.º 140/99, de 24 de abril, na sua redação atual, a avaliação de incidências ambientais prevista no seu artigo 10.º é assegurada pelo procedimento de AIA”. (Cfr. número 3, do artigo 45.º, do RJAIA). Vice-versa, “(...) o diploma que disciplina a rede Natura 2000 (...) remete para a metodologia de AIA todas as avaliações de projetos situados em zona de rede Natura 2000 que, em razão da aplicação do RAIA, a este se devam submeter (...)” (GOMES, Carla A., A revisão do Regime de Avaliação de Impacto Ambiental no contexto da plena transposição da Directiva 2014/52/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de abril: um impacto desfavorável, in Revista do Ministério Público, n.º 154: Abril-Junho de 2018, pág. 58.) 43 GOMES, Carla A., ob. cit., pág. 57. 44 Sobre os contratos para planeamento, cfr. artigo 79.º e seguintes do RJIGT.
  • 28. — 28 — administrativo, deva emitir um acto autorizativo relativamente a um projecto que seja abrangido pelo âmbito de aplicação do RJAIA (ou que decida realizar um projecto desta natureza).”45 Ora, não se encontrando no RJAIA uma definição de “entidade licenciadora ou competente para a autorização do projeto”, a mesma equiparação deverá a nosso ver fazer-se, por exemplo, no caso de projetos de empreendimentos turísticos com enquadramento no disposto nas alíneas c) e d), do título 12, do Anexo II, do RJAIA, tendo em conta que o Regime Jurídico da Instalação, Exploração e Funcionamento dos Empreendimentos Turísticos (RJIEFET), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 39/2008, de 7 de março, com as suas alterações subsequentes, sujeita a edificação dos diferentes tipos de empreendimentos turísticos ao regime da comunicação prévia com prazo (cfr. artigo 23.º- A do RJIEFET) e não aos regimes de controlo prévio nas modalidades de licenciamento ou da autorização46 . Equacionar o screening47 com base nos critérios de seleção do Anexo III do RJAIA pode justificar-se para o caso de operações de reparcelamento do solo urbano via PPer, enquadráveis na alínea b), do título 10, do Anexo II, do RJAIA, que não atinjam nem superem os limiares de sujeição obrigatória a AIA, localizem-se ou não em solos urbanos de uma área sensível (p. ex. nalgum perímetro urbano de uma área classificada), designadamente, pelos “[e]feitos cumulativos relativamente a outros projetos existentes e/ou licenciados ou autorizados” (alínea b, do número 1), pelos usos existentes e comprometidos para o território e da afetação do uso do solo (alínea a, do número 2), ou pela (in)capacidade de absorção do ambiente natural, por exemplo, da “paisagem e sítios importantes do ponto de vista histórico, cultural ou arqueológico” (subalínea IX, da alínea c, do número 2; todos do Anexo III, do RJAIA). 45 Cfr. LANCEIRO, Rui Tavares; A instrução do procedimento de AIA – uma primeira análise do novo RJAIA, in Revisitando a Avaliação de Impacto Ambiental; Coordenação: Carla Amado Gomes e Tiago Antunes; Lisboa: ICJP/FDUL, 2014, pág. 155. 46 “Um dos traços fundamentais da verdadeira comunicação prévia é a de, na perspetiva da Administração Pública, nos depararmos com um nihil obstat ou um poder de veto. Preside a este instituto a ideia de que a atuação do particular se encontra legitimada diretamente ex lege, sem necessidade de intermediação do poder autorizativo da Administração, isto é, sem que esta goze de um poder de permitir uma determinada conduta mas apenas o de não se opor a ela. Precisamente por isso não faz sentido integrar a denominada comunicação prévia com prazo na categoria das permissões administrativas (…)” MIRANDA, João; A comunicação prévia no novo Código do Procedimento Administrativo, in Comentários ao Novo Código do Procedimento Administrativo; Coordenação: GOMES, Carla A., FERNANDES, Ana F., SERRÃO, Tiago, Lisboa, AAFDL, 1.ª edição, 2015, pág. 501. 47 “The process by which a decision is taken on whether or not EIA is required for a particular Project” (cfr. Guidance on EIA - Screening, European Commission, 2001, pág. Glossary of Terms).
  • 29. — 29 — 4. Considerações finais Enquanto subprocedimento autónomo, a AIA culmina com uma decisão - a DIA/Declaração de Impacte Ambiental - que se constitui enquanto ato prévio e vinculativo da decisão final do procedimento principal, o que determina que essa decisão final não possa ser tomada sem que previamente se conheça qual o desfecho do subprocedimento. Assim se compreende a estatuição do número 5, do artigo 3.º, do RJAIA, relativa à suspensão do procedimento principal “até à obtenção de decisão, expressa ou tácita, sobre a AIA”, no caso de sujeição de projeto a AIA cujos parâmetros não atinjam nem superem os limiares de submissão obrigatória, o mesmo forçosamente ocorrendo, não obstante a falta de previsão expressa no RJAIA a esse respeito, nos casos de projetos que observem os limiares 48 , havendo aí que mobilizar algum comando legal previsto no regime procedimental específico em que se enquadre o procedimento principal ou, subsidiariamente, o Código do Procedimento Administrativo49 . Prevalecemo-nos deste aspeto enquanto exórdio de uma das conclusões primazes deste estudo: a concretização de operações de reparcelamento por via de PPer apresenta-se muito menos simplificada e eficaz do que o legislador da alteração ao RJIGT/2007 parece ter pretendido. Desde logo, quando implique AIA obrigatória - e, conforme explanado, também há casos abaixo dos limiares em que a tal se justifica submeter as soluções urbanísticas, projetuais e executórias, do PPer -, não pode a DIA ser emitida sem que seja antecedida da consulta pública legalmente prevista para o subprocedimento (cfr. artigos 28.º a 31.º do RJAIA). Concomitantemente, não pode o procedimento de elaboração do plano de pormenor ser decidido, a final, pela assembleia municipal, sem que haja lugar à prévia discussão pública prevista no artigo 89.º do RJIGT. 48 O legislador parece partir do pressuposto que, nos casos em que se atinjam ou superem os limiares, é sempre possível definir no início do procedimento (principal) se os projetos se encontram ou não sujeitos a AIA, o que, nalgumas situações, poderá não se verificar, implicando a suspensão do procedimento principal para que o subprocedimento de AIA se efetive. 49 A decisão final do procedimento principal não pode ser tomada sem que se conheça a decisão sobre o EIA, equivalendo esta, portanto, a uma “questão prejudicial” nos termos do artigo 38.º, do Código do Procedimento Administrativo, com as consequências suspensivas que daí advêm.
  • 30. — 30 — Apesar de ambos os períodos de participação pública se reportarem a âmbitos, embora relacionados, porém, regimentalmente distintos e necessariamente desencontrados no tempo, não deixa a globalidade dos procedimentos com estas características de ficar onerada com dois momentos de consultas/discussões públicas - e não um único, que seria o que as propaladas exigências de simplificação e eficiência50 , a nosso ver, justificariam -, com repercussões diretas não negligenciáveis em termos de dilatação do tempo útil procedimental associado à formação do plano de pormenor. Salvo alguma alteração substancial introduzida no período que mediasse entre a proposta sujeita a EIA e a solução urbanística definitiva a submeter à apreciação da assembleia municipal, não se vislumbram quais as razões para que casos desta natureza tenham de sujeitar-se a duplos períodos de participação pública, até porque, um dos fatores que integram o conteúdo mínimo dos EIA e da AIA é, precisamente, o da avaliação integrada, em função do caso particular, dos possíveis impactes ambientais significativos sobre o território51 . Naturalmente que não é esse o único indicador de acrescida complexidade que encontramos ao identificar e apreciar criticamente as exigências legais e procedimentais que se apresentam aos reparcelamentos com o enquadramento do n.º 4, do artigo 165.º, do RJIGT, e que, a nosso ver (não só mas também), vêm contribuindo para um recurso pouco significativo à figura. Propendendo-se, com os fundamentos apresentados no presente estudo, para a necessidade de salvaguardar a vontade dos proprietários abrangidos pelo reparcelamento por via de instrumento contratual (contrato de urbanização) a estabelecer previamente à aprovação final do plano pelos órgãos do município, não vemos, salvo casos de manifesta singularidade, como toda a dimensão negocial, por natureza preliminar, associada a uma contratualização desse género, envolvendo em regra atores públicos e privados, possa não acrescentar complexidade e onerar o procedimento em termos temporais. Para além da AIA, obrigatória ou a avaliar caso-a-caso, ao nível da conceção do desenho urbano também se colocam dificuldades com os problemas de harmonização das 50 Cfr. preâmbulo do Decreto-Lei n.º 316/2007, de 19 de setembro. 51 Cfr. subalínea iii), da alínea a), do artigo 5.º, conjugado com o número 4 e com a alínea b), do número 5, ambos do Anexo V, do RJAIA.
  • 31. — 31 — expetativas associadas ao exercício dos poderes públicos de planeamento (municipais) e das expetativas dos particulares. A este respeito, a experiência associada às operações de loteamento urbano revela que, apesar da valência discricionária que integra o controlo prévio desses tipos de operações urbanísticas conferir aos municípios algum poder de controlo das soluções preconizadas pelos particulares, são estes quem mais sistematicamente influencia ou até determina o desenho dos espaços urbanos, orientados por (legítimos) objetivos e lógicas de oportunidade de negócio, mais do que por interesse que se possa a priori considerar de público. Além dos fatores de demora inerentes à formação de um PPer fundador de uma operação de reparcelamento do solo urbano – e, como vimos, a avaliação (de impacte) ambiental pode ser um desses fatores -, a incerteza sobre o sentido da decisão final do procedimento, em virtude da ampla discricionariedade que a assembleia municipal desfruta no exercício do seu poder de aprovação de planos territoriais, acrescida do investimento financeiro necessário para suportar processos dessa natureza, são, a nosso ver, outras das razões que prejudicam um mais amplo recurso a estas modalidades especiais de reparcelamento. Quase uma década e meia depois da consagração legal da figura híbrida do plano de pormenor com efeitos registais, num momento em que ocorre a transição para a eliminação efetiva da categoria operativa de solos urbanizáveis e em que a reclassificação de solos rústicos em solos urbanos passará a ocorrer (quase exclusivamente) através de PPer52 , parece justificar-se o aprofundamento da reflexão a respeito desta figura de planos territoriais fundadores de operações urbanísticas, não só para avaliação do grau em que os objetivos fixados aquando da sua criação foram atingidos, ou se ainda o poderão sê-lo, como também para redefinição dos mesmos ou da própria figura em si, atendendo aos seus originários propósitos. Em finais de 2008, Nuno Portas reconhecia e afirmava que “[as] novas tendências conduziram, nas últimas duas décadas e em variados países, a formas híbridas (ou menos 52 “A reclassificação do solo que se destine exclusivamente à execução de infraestruturas e de equipamentos de utilização coletiva obedece aos critérios previstos nos n.os 1 e 3 e processa-se através de procedimentos de elaboração, de revisão ou de alteração de planos territoriais, nos quais é fixado o respetivo prazo de execução [e não exclusivamente através de PPer].” (Cfr. número 6, do artigo 72.º, do RJIGT.)
  • 32. — 32 — legisladas) que conjugam estratégia, programa, regulação e projecto e que dão pelo nome genérico de programas ou projetos mais ou menos urbanos.”53 Ainda que contextualizado pela problemática da execução de unidades operativas de planeamento obrigadas a prévia aprovação de planos (PU ou PP), também Gonçalo Reino Pires afirma que se “justifica plenamente a consagração de uma figura híbrida que se situe entre o PP elaborado por iniciativa pública e a operação de loteamento ou de reparcelamento de iniciativa privada, a qual pode passar ou pela atribuição de poderes de iniciativa de planeamento, no âmbito dos planos de pormenor, aos particulares ou pela previsão de um tipo de operação de loteamento ainda sujeito a introdução e correcta ponderação dos interesses públicos.”54 Portanto, a abordagem canónica originou as operações de reparcelamento fundadas em planos de pormenor com efeitos registais. Mas o leque de opções disponíveis para operacionalizar e agilizar loteamentos conjuntos de solos urbanos continua carente de mais figuras ou formas (híbridas) que, conjugando as dimensões regulamentar e executória, se apresentem realmente (mais) simplificadas e eficientes. Poderia ser o caso de congéneres iniciativas projetuais públicas, privadas ou mistas, previamente acordadas entre os proprietários envolvidos na transformação fundiária a operar (fosse esse o caso), mas cuja viabilização, dependendo de uma alteração do regime do uso dos solos urbanos para se conformar com os planos territoriais vigentes (PDM, PU ou PP, por exemplo, quanto à categorização do uso do solo, parametrização, estruturação viária ou desenho estabelecidos), dependeria de uma apreciação de mérito favorável por parte da câmara municipal, com efeitos suspensivos sobre o procedimento administrativo de controlo prévio, e, sob sua proposta sujeita a prévia discussão pública, da apreciação final favorável por parte da assembleia municipal. Uma decisão favorável desse cariz por parte da assembleia municipal, reconhecidamente desconforme com disposições de conteúdo não vinculado de plano territorial municipal, e desde que sem interferência com restrições e servidões de utilidade pública, teria por sua vez efeitos suspensivos imediatos sobre tais disposições regulamentares, implicando 53 PORTAS, Nuno; Evolução e desenvolvimento do sistema de gestão territorial: uma perspetiva crítica, in Os dez anos da Lei de Bases da Política de Ordenamento do Território e Urbanismo - génese e evolução do sistema de gestão territorial, 1998-2008. Actas do Encontro Anual da Ad Urbem; Coordenação: GONÇALVES, Fernando, BENTO, João Ferreira e PINHEIRO, Zélia; Lisboa: DGOTDU, 2010, pág. 406. 54 PIRES, Gonçalo R.; ob. cit., pág. 311.
  • 33. — 33 — a promoção, a cargo da câmara municipal, de uma alteração por adaptação55 dos planos territoriais municipais com os quais o projeto se revelasse total ou parcialmente desconforme, em termos análogos aos previstos no artigo 121.º, do RJIGT. Nesses casos de operações urbanísticas com incidência em solos urbanos, estaríamos na presença de projetos urbanos, não absolutamente conformes com todo o bloco regulamentar dos planos territoriais municipais vigentes, mas que, pela sua relevância local, seriam suscetíveis de originar alterações regulamentares. E não se diga que estaríamos perante algo subversor da lógica do sistema segundo a qual é o plano que sempre precede o projeto e nunca o inverso, nem de uma absoluta novidade em todo o bloco normativo ao qual se vem subordinando o controlo prévio da urbanização e da edificação ou a dinâmica do planeamento territorial. Por exemplo, ainda que se tratasse de um regime excecional e temporário, enquanto vigorou, o regime extraordinário de regularização de atividades económicas (RERAE) aprovado pelo Decreto-Lei n.º 165/2014, de 5 de novembro, previa a possibilidade do ato administrativo que consubstanciasse uma deliberação favorável ou favorável condicionada constituir a entidade responsável pela elaboração do instrumento de gestão territorial com o qual a operação urbanística (de legalização) fosse desconforme no dever- obrigação de promover, num determinado prazo, a correspondente alteração, revisão ou elaboração de plano que habilitasse a legalização56 . Baseando-se no mesmo princípio de que um projeto, “quando se revista de especial relevância regional ou local [sublinhado nosso]”, pode motivar a mudança da base regulamentar que o inviabilize, é a disposição constante do número 10, do artigo 13.º-A, do RJUE, nos termos da qual se confere à CCDR, por sua iniciativa ou do município, a legitimidade de propor ao Governo que, através de resolução do conselho de ministros, seja determinada uma “alteração, suspensão ou ratificação, total ou parcial”, de um 55 Sobre as alterações por adaptação enquanto “exemplo de heteroalteração que o diferencia das hipóteses em que a alteração se efetua por livre iniciativa dos órgãos competentes”, vide MIRANDA, João; A Dinâmica Jurídica do Planeamento Terrorial [A Alteração, a Revisão e a Suspensão dos Planos]. Coimbra Editora, 2002, págs. 252-253. 56 “Nos casos de deliberação favorável ou favorável condicionada que tenha por pressuposto a desconformidade com instrumentos de gestão territorial vinculativo dos particulares a entidade competente deve promover a alteração, revisão ou elaboração do instrumento de gestão territorial em causa, no sentido de contemplar a regularização do estabelecimento ou exploração, sem prejuízo do disposto no n.º 7.” (Cfr. número 1, do artigo 12.º, do Decreto-Lei n.º 165/2014, de 5 de novembro).
  • 34. — 34 — determinado plano da sua esfera de competências relativamente ao qual se verifica a desconformidade de determinada operação urbanística57 . Por conseguinte, como ao longo destas páginas sumariamente se demonstra, o debate doutrinário e o campo de investigação atinente a encontrar figuras híbridas de planeamento e/ou de execução de planos está, portanto, longe de poder ser considerado esgotado. E, atualmente, como aquando do surgimento dos PPer, continuam a ser igualmente sentidas as necessidades de dotar o sistema de gestão territorial com melhores mecanismos de articulação entre os diversos regimes jurídicos que se relacionam nessa esfera, assim como doutras ferramentas, como a que aqui esboçamos, simultaneamente garantísticas dos princípios constitucionais do planeamento e ordenamento territorial e indutoras de maiores e reais níveis de simplificação e eficiência. 57 “Quando a CCDR não adote posição favorável a uma operação urbanística por esta ser desconforme com instrumento de gestão territorial, pode a CCDR, quando a operação se revista de especial relevância regional ou local, por sua iniciativa ou a solicitação do município, respetivamente, propor ao Governo a aprovação em Resolução do Conselho de Ministros da alteração, suspensão ou ratificação, total ou parcial, de plano da sua competência relativamente ao qual a desconformidade se verifica.” (Cfr. número 10, do artigo 13.º- A, do RJUE).
  • 35. — 35 — Referências bibliográficas e outras fontes utilizadas — CORREIA, Fernando A.; Manual de Direito do Urbanismo, Volume I. Coimbra: Almedina, 2012, 4.ª edição. — Diretiva n.º 2014/52/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de abril de 2014, que alterou a Diretiva 2011/92/UE relativa à avaliação dos efeitos de determinados projetos públicos e privados no ambiente. Tradução para português, disponível em: https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:32014L0052&from=EL — FDUC/CEDOUA (org.); Ordenamento do Território, Urbanismo e Rede Natura 2000 – Vol. I, Coimbra: Almedina, 2009. — GOMES, Carla A., A revisão do Regime de Avaliação de Impacto Ambiental no contexto da plena transposição da Directiva 2014/52/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de abril: um impacto desfavorável, in Revista do Ministério Público, n.º 154: Abril-Junho de 2018, pp. 47-68; disponível em: https://rmp.smmp.pt/wp-content/uploads/2018/07/3.RMP_154_Carla_Gomes.pdf — Guia da Avaliação Ambiental dos Planos Municipais de Ordenamento do Território, DGOTDU/APA, 2008; disponível em: https://www.apambiente.pt/_zdata/AAE/Planos%20e%20Programas%20sujeitos%20a%20AAE /Instrumentos%20de%20Gestao%20Territorial/GuiaDGOTDU.pdf — Guia de Melhores Práticas para Avaliação Ambiental Estratégica – Orientações Metodológicas para um Pensamento estratégico em AAE, APA, Autoria: Maria do rosário Partidário, 2012; disponível em: https://www.apambiente.pt/_zdata/AAE/Boas%20Praticas/GuiamelhoresAAE.PDF — Guidance on EIA - Screening, European Commission, 2001; disponível em: https://ec.europa.eu/environment/archives/eia/eia-guidelines/g-screening-full-text.pdf
  • 36. — 36 — — Interpretation of definitions of project categories of annex I and II of the EIA Directive, European Comission, 2015; disponível em: https://ec.europa.eu/environment/eia/pdf/cover_2015_en.pdf — LANCEIRO, Rui Tavares; A instrução do procedimento de AIA – uma primeira análise do novo RJAIA, in Revisitando a Avaliação de Impacto Ambiental; Coordenação: Carla Amado Gomes e Tiago Antunes; Lisboa: ICJP/FDUL, 2014. — MEALHA, Esperança; Jurisprudência portuguesa sobre AIA, in Revisitando a Avaliação de Impacto Ambiental; Coordenação: Carla Amado Gomes e Tiago Antunes; Lisboa: ICJP/FDUL, 2014. — MIRANDA, João; A comunicação prévia no novo Código do Procedimento Administrativo, in Comentários ao Novo Código do Procedimento Administrativo; Coordenação: GOMES, Carla A., FERNANDES, Ana F., SERRÃO, Tiago; Lisboa: AAFDL, 1.ª edição, 2015. — MIRANDA, João; A Dinâmica Jurídica do Planeamento Terrorial [A Alteração, a Revisão e a Suspensão dos Planos]. Coimbra Editora, 2002. — MONTEIRO, Cláudio; O Domínio da Cidade - A Propriedade à Prova no Direito do Urbanismo. Lisboa: AAFDL, 2013; disponível em: http://hdl.handle.net/10451/4517 — NEVES, Ana Fernanda; O âmbito de aplicação da avaliação de impacto ambiental, in Revisitando a Avaliação de Impacto Ambiental; Coordenação: Carla Amado Gomes e Tiago Antunes; Lisboa: ICJP/FDUL, 2014. — OLIVEIRA, Fernanda Paula; Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial Comentado. Coimbra: Almedina, 2016. — OLIVEIRA, Fernanda Paula; Direito do Urbanismo. Do Planeamento à Gestão. Braga: AEDRL/NEDAL, 2015, 2.ª Edição.
  • 37. — 37 — — Parecer do Conselho Consultivo do Instituto dos Registos e Notariado N.º 64/CC/2015, aprovado em sessão de 22 de outubro de 2015; disponível em: https://www.irn.mj.pt/IRN/sections/irn/doutrina/pareceres/predial/2015/n-s-46- 60/downloadFile/attachedFile_13_f0/64_2015-CP44-STJSR- CC.pdf?nocache=1449490673.94%0A — PIRES, Gonçalo R.; A Classificação e a Qualificação do Solo por Planos Municipais de Ordenamento do Território (Contributo para a compreensão do seu regime substantivo e para a determinação do regime da sua impugnação contenciosa). Lisboa: Edições Alumni FDL, 2015; disponível em: http://www.alumnifdl.pt/docs/Goncalo_Pires_A_Classificacao.pdf — PORTAS, Nuno; Evolução e desenvolvimento do sistema de gestão territorial: uma perspetiva crítica, in Os dez anos da Lei de Bases da Política de Ordenamento do Território e Urbanismo - génese e evolução do sistema de gestão territorial, 1998-2008. Actas do Encontro Anual da Ad Urbem; Coordenação: GONÇALVES, Fernando, BENTO, João Ferreira e PINHEIRO, Zélia; Lisboa: DGOTDU, 2010. — Relatório da Comissão ao Parlamento Europeu e ao Conselho sobre a aplicação e a eficácia da Directiva AIA (Directiva 85/337/CEE alterada pela Directiva 97/11/CE) - O sucesso da aplicação da Directiva AIA pelos Estados membros, Comissão Europeia, Bruxelas, 2003, (trad. Comissão das Comunidades Portuguesas); disponível em: https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:52003DC0334&from=PT — Revisitando a Avaliação de Impacto Ambiental, ICJP/FDUL, Coordenação: Carla Amado Gomes e Tiago Antunes, 2014; disponível em: https://www.icjp.pt/sites/default/files/publicacoes/files/ebook_aia.pdf