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Grupo de Atuação Especializada em Meio Ambiente
Travessa do Ouvidor 38 Centro Rio de Janeiro RJ 22234-090 secgateambiental@mp.rj.gov.br 21 2224 9910
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA DE FAZENDA PÚBLICA
DA COMARCA DA CAPITAL – ESTADO DO RIO DE JANEIRO
Inquérito Civil n. MA 2461
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, pelos Promo-
tores de Justiça subscritos, vem no uso de suas atribuições legais e com fulcro nos arti-
gos 129, incisos II e III e 225 da Constituição da República de 1988; art. 173, incisos II e III
da Constituição deste Estado; e arts. 1º, incisos I e III e 5º, I da Lei n. 7.347, de 24 de ju-
lho 1985, propor a presente
AÇÃO CIVIL PÚBLICA
COM PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO INAUDITA ALTERA PART DOS EFEITOS DA TUTELA
em face do INSTITUTO ESTADUAL DO AMBIENTE – INEA, pessoa jurídica de direito pú-
blico - autarquia estadual, com sede na Avenida Venezuela, nº 110, Saúde, Rio de Janei-
ro/RJ e do ESTADO DO RIO DE JANEIRO, pessoa jurídica de direito público, a ser citado
na pessoa do Procurador do Estado com atribuição, na Rua do Carmo, nº 27, Centro, Rio
de Janeiro/RJ, pelas razões de fato e de direito a seguir aduzidas:
2
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 3
2. SOBRE A LEGITIMIDADE PASSIVA.................................................................................... 4
3. DOS FATOS E FUNDAMENTOS ........................................................................................ 5
3.1. O objeto da investigação......................................................................................... 5
3.2. A Avaliação Ambiental Integrada e seu Termo de Referência................................ 8
3.3. A Avaliação Ambiental Integrada e os Princípios da Prevenção e Precaução ...... 10
3.4. A Situação Indesejada: Avaliação Ambiental Insuficiente para uma Atividade
Poluidora Complexa e Significativamente Impactante ................................................ 16
3.5. A vinculação à AAI: a incidência da teoria dos motivos determinantes e do
princípio da eficiência................................................................................................... 21
3.6. Considerações Adicionais...................................................................................... 29
3.7. Considerações Finais ............................................................................................. 41
4. PEDIDO LIMINAR ........................................................................................................... 43
5. DOS PEDIDOS................................................................................................................. 47
6. DAS PROVAS................................................................................................................. 47
3
1. INTRODUÇÃO
A presente ação civil pública busca provimento jurisdicional, inclusive de urgên-
cia (inaudita altera parts), para assegurar a proteção do meio ambiente e à saúde amea-
çado de grave e iminente lesão. Os danos ambientais de esperada ocorrência, mantida
a situação dos fatos como vêm se desenvolvendo – isto é, sem a paralisação da ativida-
de poluidora e a conclusão de importantes estudos prévios -, decorrerá da ausência de
prognóstico e controle (vg. avaliação e estabelecimento de medidas mitigadoras) acerca
dos significativos impactos ambientais negativos das atividades de dragagens e descar-
tes oceânicos.
As principais causas de pedir desta demanda consistem, em apertada síntese, (i)
na ausência de informações e estudos ambientais seguros que comprovem a regulari-
dade do licenciamento ambiental da atividade de descarte oceânico; (ii) no fato da ava-
liação ambiental integrada, a cargo do INEA, padecer de vícios de metodologia e conte-
údo, sendo insuficiente para a formação de Estudos de Impacto Ambiental (EIA/RIMA)
adequados e, consequentemente, para a emissão das devidas licenças ambientais; (iii)
nos graves riscos ao meio ambiente decorrentes da indefinição e incompletude que cer-
cam o licenciamento ambiental de atividade significativamente impactante, inclusive
com prejuízos à publicidade e participação pública sobre o conjunto de EIA/RIMA dos
empreendimentos bem como a vocação do licenciamento como instrumento preventi-
vo.
Um registro importante
O Ministério Público Estadual não é contrário às atividades de dragagens desen-
volvidas no interior da Baía de Guanabara seguidas da disposição de sedimentos em á-
rea oceânica a ela adjacente. Tampouco é indiferente aos planos e compromissos assu-
midos pelos entes políticos envolvendo os empreendimentos sujeitos a dragagens e que
sejam importantes para o desenvolvimento socioeconômico regional e municipal (vg.
Rio de Janeiro e Niterói).
4
Esta ação é ajuizada sob as premissas de que (i) nenhum compromisso governa-
mental, à luz do Estado Democrático de Direito, pode ser concebido e executado ao ar-
repio das Leis e da Constituição e (ii) a celeridade do licenciamento ambiental, conquan-
to desejável, deve sempre e necessariamente primar pelo respeito ao devido processo
legal. Assim, eventuais atrasos em razão do distanciamento às duas premissas acima
não podem ser atribuídos ao Ministério Público ou ao Judiciário.
2. SOBRE A LEGITIMIDADE PASSIVA
Inicialmente, convém salientar que a legitimidade ativa do Parquet para ajuizar a
presente ação é inconteste, uma vez que a Lei da Ação Civil Pública – nº 7.347/1985 -, a
par de contemplar o meio ambiente como interesse/bem jurídico passível de tutela pe-
los instrumentos da ação civil pública e da ação cautelar, conforme seus artigos 1º e 4º,
expressamente reconheceu a legitimidade do Ministério Público para promovê-las (art.
5º, I).
A legitimidade passiva, por sua vez, é justificada pelo seguinte fato: o Instituto
Estadual do Ambiente (autarquia estadual) é o responsável pelo licenciamento ambien-
tal dos empreendimentos que realizam as atividades de dragagens nos canais de acesso
e nas bacias de evolução dos terminais portuários localizados na Baía de Guanabara.
Com efeito, compete ao INEA não só conceder as licenças ambientais requeridas pelos
empreendedores como também exigir e analisar os Estudos de Impacto Ambiental e
respectivos relatórios – EIA/RIMA apresentados para aquela atividade.
O INEA, assim, enquanto órgão licenciador que interpreta e aplica a legislação
ambiental no contexto da implantação e funcionamento dessas atividades, deve res-
ponder caso cometa irregularidades no exercício desta sua importante função. Isto é,
em havendo omissões ou falhas nas etapas do licenciamento ambiental sob sua condu-
ção – e a Avaliação Ambiental Integrada é uma das mais importantes fases no caso de
diagnóstico, prognóstico e remediação de impactos socioambientais cumulativos e si-
nérgicos -, deverá ser responsabilizado por esta conduta. E, para fins de responsabiliza-
ção, os fatos subjacentes e os meios de prova de que se dispõe poderão orientar para
5
uma ou mais formas de tutela jurisdicional, inclusive com a combinação delas (eg. ação
de cunho preventivo e reparatório/compensatório).
No presente caso, como se está diante de fundados indícios de violação a impor-
tantes obrigações prévias (vg. de diagnóstico) integrantes do licenciamento ambiental,
obrigações estas que deveriam ser exigidas integralmente pelo INEA antes de autorizar a
atividade de descarte oceânico, nada mais razoável do que exigi-las daquele que: (i) é o
“regulador” da referida avaliação, uma vez que assume essa posição ao confeccionar e
publicar o seu correlato Termo de Referência - fixando os parâmetros, diretrizes e obje-
tivos daquela avaliação; (ii) é o destinatário dos estudos e laudos que consubstanciam a
avaliação ambiental integrada; (iii) é o “julgador” desse conjunto de estudos/laudos, não
só analisando a higidez do seu conteúdo como a possibilidade de respaldarem as licen-
ças ambientais correlatas.
Por fim, vale ressaltar que a inclusão do Estado do Rio de Janeiro no polo passivo
se deve ao fato da Secretaria de Estado do Ambiente ser responsável pela formulação e
execução da política ambiental estadual sendo certo que, no caso em tela, em razão das
frequentes demandas do Ministério Público Estadual e da sociedade, principalmente do
segmento de pescadores, passou a atuar em coparticipação com o INEA, tanto na avali-
ação das condições ambientais e locacionais dos pontos de descarte oceânico dos mate-
riais dragados na Baía de Guanabara, quanto no monitoramento e fiscalização dos alija-
mentos.
3. DOS FATOS E FUNDAMENTOS
3.1. O objeto da investigação
O Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro - originariamente pela 5ª Pro-
motoria de Justiça de Tutela Coletiva do Meio Ambiente e a partir de agosto de 2012
com o auxílio do GAEMA –, considerando as notícias a ele trazidas sobre lançamentos
oceânicos irregulares de sedimentos oriundos de processos de dragagens, instaurou o
Inquérito Civil tombado sob o nº MA n. 2461. Este procedimento, bem de ver, teve por
objetivo precípuo apurar possíveis irregularidades nas intervenções de dragagem do ca-
6
nal de acesso e das bacias de evolução dos terminais do porto do Rio de Janeiro e Nite-
rói, inclusive no que tange a possíveis deficiências no processo de licenciamento ambi-
ental daquela atividade.
Insta salientar que, ao longo de sua instrução, o inquérito civil contou com inú-
meras diligências, tais como a requisição de informações, elaboração de Pareceres Téc-
nicos, a realização de reuniões, a expedição de recomendação e a tentativa de forma-
ção de um Grupo de Trabalho integrando, pelo menos, técnicos do INEA e do MPRJ (vide
doc. 01).
E, após essas inúmeras diligências, é possível perceber o seguinte contexto.
A partir do ano de 1996, com base em estudos realizados pelo Instituto Nacional
de Pesquisas Hidroviárias – INPH, as disposições de materiais dragados oriundos da Baía
de Guanabara foram autorizadas pelo órgão ambiental estadual, alternativamente, nos
locais de bota-fora denominados “Pontos” A, B e C, todos localizados na região oceânica
defronte à Baía. Apesar da consagração pelo uso da palavra “bota-fora”, mais tecnica-
mente estamos nos referindo à área de disposição do material dragado (art. 2º, II da
Res. CONAMA nº 454/2012)1
.
O Ponto “A” localizava-se próximo às ilhas do Pai e da Mãe, o Ponto “B” próximo
ao Arquipélago das Cagarras (Monumento Natural) e o Ponto “C” localizado ao sul do
Ponto “A”, mais afastado das praias oceânicas de Niterói.
Segundo informado pelo INEA (vide doc. 02), em função das proximidades com
acidentes geográficos ecologicamente relevantes os Pontos “A” e “B” foram desativados
e, desta forma, as dragagens realizadas no interior da Baía de Guanabara passaram a ter
como local para disposição o Ponto “C”.
Em relação ao Ponto “C”, convém salientar que, no início dos anos 2000, foi re-
querida pela Companhia Docas do Rio de Janeiro a Licença Prévia para a realização de
dragagens nos Portos do Rio e Niterói com um volume aproximado de 1.400.000 m3
. No
1
Área de disposição de material dragado é definida como “local onde será disposto o material resultante
das atividades de dragagem, em seu estado natural ou transformado em material adequado a essa per-
manência, de forma a não prejudicar a segurança da navegação e não causar danos significativos ao meio
ambiente ou à saúde humana”.
7
bojo deste licenciamento, como não poderia deixar de ser, foi exigido e apresentado
EIA/RIMA, tendo como área de estudo para disposição do material dragado o referido
ponto.
Em função da criação do Monumento Natural das Cagarras e o Ponto “C” estar
localizado a menos de 10,0 Km daquele, o INEA solicitou ao INPH um estudo para defini-
ção de um novo ponto em local que atendesse os seguintes critérios: não ocorrer trans-
porte do material em direção às praias; não ocorrer retorno para o interior da Baía; não
atingir o Monumento Natural das Cagarras; possuir profundidade adequada; não afetar
parceis (locais mais favoráveis à atividade de pesca).
Foi, então, definido o local denominado como Ponto “D”, que passou a ser utili-
zado, pelo menos, de novembro de 2010 até maio de 2012. A sua desativação pautou-se
principalmente pelas críticas e questionamentos levados a efeito pelo Parquet (com ba-
se em elementos do IC MA 2461) e pelos representantes do segmento pesqueiro. Nesse
sentido, a Secretaria de Estado do Ambiente e o INEA resolveram reavaliar, em conjunto
com as empresas que demandam operações de dragagem, as condições ambientais e
locacionais do Ponto “D”, bem como estabelecer um novo ponto de disposição de mate-
rial dragado (Ponto “E”) a ser considerado para a emissão das licenças.
No que tange à viabilidade ambiental do Ponto “E”, o INEA asseverou (vide doc.
02) que “se trata de uma alternativa que foi brevemente estudada, mas já desde o início
foi considerada como infrutífera, haja vista sua proximidade com um parcel considerado
importante para os pescadores.” Ainda segundo o INEA, “nenhum descarte foi autoriza-
do nessa localidade, até mesmo pelos estudos terem evoluído para a possibilidade de
utilização do Ponto “F”, que se localiza além da isóbara 50.
Assim, chegou-se ao Ponto “F”, sendo certo que a crescente e considerável de-
manda por dragagens, aliada a correta preocupação com a capacidade de suporte (“su-
portabilidade”) do meio impactado, fez com que o órgão licenciador, sensível às críticas2
de entidades da sociedade civil e do MPRJ, interpretasse a legislação ambiental em con-
sonância com as peculiaridades (eg. cumulatividade) da atividade. As críticas até então
2
Vide doc.03
8
feitas estão na linha daquela comunicada ao INEA por intermédio do Memorando nº
27/12, no sentido de que “os diversos licenciamentos para dragagem e lançamento de
material em bota-fora vêm sendo elaborados de forma fragmentada, ao não considerar
os volumes dragados pelos demais empreendimentos na Baía de Guanabara”.
A relação de sinergia e cumulatividade dos impactos negativos da atividade em
referência foi reconhecida pelo INEA em diversas manifestações, cabendo destacar, a
guisa de exemplo, as premissas e diretrizes do Termo de Referência (TR) expedido por
aquele Instituto para a denominada Avaliação Ambiental Integrada (AAI). Com efeito, no
capítulo 02 (objeto) do TR, consta expressamente “a necessidade de realização da Avali-
ação Ambiental Integrada – AAI da atividade de dragagem deve-se às intervenções de
responsabilidade dos diversos agentes que operam no interior da Baía de Guanabara e
que, no conjunto, podem ocasionar uma sobrecarga no meio ambiente, o que nem
sempre é percebido quando se avalia cada atividade de per si.”
Em desfecho, vale registrar que os últimos atos de instrução do Inquérito Civil
subjacente foram direcionados justamente para apurar a correção da metodologia e do
conteúdo dos estudos/laudos que compõem a Avaliação Ambiental Integrada, sendo
certo que pelo menos três Pareceres Técnicos foram exarados neste sentido.
3.2. A Avaliação Ambiental Integrada e seu Termo de Referência
A avaliação ambiental integrada e o Termo de Referência, apesar de serem insti-
tutos distintos, estão diretamente ligados. Em apertada síntese, e considerando que o
produto final (estudo consolidado) da Avaliação Ambiental Integrada passa por um e-
xercício de elaboração e sistematização de diversos estudos/diagnósticos (eg. biologia,
oceanografia, engenharia sanitária e sociologia), podemos dizer que o Termo de Refe-
rência é a “lei concreta”, a diretriz, o regulamento daquele exercício/produto fi-
nal/estudo – vide, a propósito, o art. 5º, parágrafo único, da Resolução CONAMA nº
01/1986.
Da análise do Termo de Referência (vide doc.04) estabelecido pela SEA e pelo
INEA para a AAI, convém registrar as seguintes premissas e objetivos:
9
A necessidade de realização da Avaliação Ambiental Integrada - AAI da ativi-
dade de dragagem deve-se as intervenções de responsabilidade dos diversos
agentes que operam no interior da Baía de Guanabara e que no conjunto,
podem ocasionar uma sobrecarga no meio ambiente, o que nem sempre é
percebido quando se avalia cada atividade de per si;
O documento final deverá ser capaz de dirimir dúvidas sobre a adequação
dos locais de alijamento atualmente utilizados, sobretudo no que se refere
aos impactos na atividade de pesca e subsidiar a reavaliação das condicio-
nantes das licenças já concedidas, em termos de eventuais adequações, além
de orientar o processo de concessão de novas licenças ambientais;
Os estudos a serem realizados no âmbito da AAI devem se distribuir em pelo
menos seis etapas/fases básicas, notadamente com: a caracterização socio-
ambiental da região; a identificação e análise dos impactos ambientais e dos
conflitos decorrentes do alijamento do material dragado; a avaliação dos e-
feitos sinérgicos e cumulativos resultantes dos impactos ambientais ocasio-
nados pela frequente atividade de disposição final em área oceânica; a apre-
sentação, discussão e validação do relatório final;
Caracterização Socioambiental da região, envolvendo a identificação das
principais características ambientais, econômicas e sociais devendo gerar
uma análise dos aspectos socioambientais mais relevantes, incluindo as po-
tencialidades e os espaços/elementos mais sensíveis do ponto de vista ambi-
ental. Esta atividade deverá definir os aspectos relevantes e apontar os indi-
cadores de sensibilidade;
Análise de questões que devem ser necessariamente observadas pelo em-
preendedor, tais como levantamentos temáticos (eg. levantamento e carac-
terização das atividades já licenciadas ou em via de licenciamento, ecossis-
temas aquáticos, qualidade da água e sedimento), levantamento batimétrico
e geofísico da área de influência do ponto de disposição, estudo de modela-
10
gem computacional para prognóstico, análise de impactos ambientais e sis-
tematização do relatório da AAI.
Expostas as principais premissas, etapas e objetivos do Termo de Referência que
devem (ou deveriam) orientar a AAI, convém enveredar pelos principais fundamentos
jurídicos que conduzem à procedência dos pedidos.
3.3. A Avaliação Ambiental Integrada e os Princípios da Prevenção e Precaução
Impacto Ambiental, de acordo com o artigo 1º da Resolução CONAMA 01/86, é
“qualquer alteração das propriedades físicas, químicas e biológicas do meio ambiente,
causada por qualquer forma de matéria ou energia resultante das atividades humanas
que, direta ou indiretamente, afetam: a) a saúde, a segurança e o bem estar da popula-
ção; b) as atividades sociais e econômicas; c) a biota (flora, fauna e outros organismos);
d) as condições estéticas e sanitárias do meio ambiente; e) a qualidade dos recursos am-
bientais.
A identificação e análise dos impactos ambientais dão-se por meio de instrumen-
tos de Avaliação de Impactos Ambientais (AIA), sendo esta um gênero, do qual diversos
estudos ambientais são espécies.
A Avaliação de Impacto Ambiental foi instituída como um instrumento da Política
Nacional do Meio Ambiente (PNMA) (art. 9º, III, Lei Federal nº 6.938/81). Só pelo fato de
existência de risco de ocorrência de impacto ambiental, e por ser ela instrumento da
PNMA, a AIA pode ser exigida sem qualquer limitação ou condicionante, em projetos
públicos ou privados, industriais ou não, urbanos ou rurais, em áreas consideradas críti-
cas de poluição ou não.
Uma das espécies mais conhecidas de AIA é o Estudo de Impacto Ambiental e
seu respectivo relatório (EIA-RIMA). Disciplinado diretamente pela Constituição da Re-
pública de 19883
, constitui-se numa obrigação para aquelas atividades e empreendi-
mentos potencialmente causadores de significativo impacto ambiental.
3
Artigo 225, §1º, IV, da Constituição da República.
11
Muito embora o EIA-RIMA elaborado para o projeto de uma atividade ou empre-
endimento específico deva contemplar os impactos cumulativos e sinérgicos em relação
à soma ou interação de impactos gerados por ações em um mesmo sistema ambiental,
há situações em que determinadas regiões passam a ser alvo de inúmeras atividades
sem o anterior planejamento de impactos que, somados, podem gerar a saturação do
ambiente.
Nesse caso, com a finalidade de prever a capacidade de determinado sistema pa-
ra suportar os impactos das atuais e eventuais futuras atividades, faz-se necessário um
diagnóstico aprofundado de todos os impactos ambientais possíveis por meio de estu-
dos mais abrangentes, independente do licenciamento individual de cada empreendi-
mento ou atividade.
Nesse caso, a espécie de AIA adequada para esse fim é a Avaliação Ambiental In-
tegrada, com interessante definição trazida por VALERA: “É o estudo capaz de conhecer
especificamente os efeitos sinérgicos e cumulativos resultantes dos impactos ambien-
tais ocasionados pelo conjunto de empreendimentos em planejamento, implantação e
operação em uma determinada área”4
.
No caso em tela, contemplar as diversas atividades de dragagem apenas a partir
de seus licenciamentos individuais não gera a análise real de todos os impactos ao am-
biente marinho de descarte. Mesmo porque todas as atividades utilizam-se de ponto
comum para o alijamento (Ponto “F”), o que revela a necessidade de avaliação da capa-
cidade de saturação deste ponto, análise conjunta da qualidade e quantidade do mate-
rial, dentre outros fatores.
O entendimento quanto à análise sinérgica e cumulativa de impactos encontra-
se previsto na legislação fluminense desde 1998, quando a Lei Estadual nº 3.111, de
18.11.1998 veio complementar a Lei Estadual nº 1.356, de 03.10.1988, que dispõe sobre
o EIA-RIMA neste Estado.
Assim dispõem os arts. 1º e 2º da mencionada Lei Estadual nº 3.111/1998:
4
VALERA, Carlos Alberto. A Avaliação Ambiental Integrada dos impactos cumulativos sinérgicos dos em-
preendimentos minerários. Acessível em: < http://www.gnmp.com.br/publicacao/147/>.
12
Art. 1º - Quando houver mais de um EIA/RIMA para a mesma bacia hi-
drográfica, a Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente5
de-
verá realizar a análise conjunta dos empreendimentos, para definir a
capacidade de suporte do ecossistema, a diluição dos poluentes e os
riscos civis, sem prejuízo das análises individuais dos empreendimen-
tos.
Art. 2º - O não atendimento ao previsto nesta Lei anulará o licencia-
mento ambiental.
A legislação mencionada utiliza-se da Bacia Hidrográfica como a unidade territo-
rial de gestão ambiental, o que é comum em outras normas legais, como, por exemplo,
as Políticas Nacional e Estadual de Recursos Hídricos6
. No caso em exame, as atividades
de dragagem licenciadas pelo INEA ocorrem todas na mesma Bacia Hidrográfica – Bacia
Hidrográfica da Baía de Guanabara.
Por tal razão, a Avaliação Ambiental Integrada, como forma de análise conjunta
dos empreendimentos, ditada pela legislação estadual transcrita, faz-se imprescindível
para análise não só do diagnóstico da área selecionada para os descartes, mas também
para avaliar se, de fato, esta é a área com capacidade de suporte, se é viável a diluição
do material depositado, dentre outros possíveis impactos advindos das atividades de
dragagem.
O escopo de cautela da legislação e dos pleitos veiculados nesta demanda quan-
to à necessidade da análise sinérgica e cumulativa dos impactos fundamenta-se em dois
princípios basilares do Direito Ambiental: Princípios da Prevenção e da Precaução.
Pelo Princípio da Prevenção, que se encontra implícito na Constituição de 1988
em diversos comandos que elencam medidas preventivas em prol do meio ambiente,
toda e qualquer ação ou decisão, pública ou privada, deve avaliar previamente os im-
pactos que elas possam ocasionar, antes que tragam risco de danos sobre o meio.
5
Com a criação do Instituto Estadual do Ambiente (INEA) em 2007, a Fundação Estadual de Engenharia do
Meio Ambiente (FEEMA) foi extinta, sendo incorporado àquele Instituto todas as suas competências.
6
Respectivamente, Lei Federal nº 9.433, de 08.01.1997 e Lei Estadual nº 3.239, de 02.08.1999.
13
Já o Princípio da Precaução7
consagra o entendimento de que, diante da incerte-
za científica de que certa atividade vá ou não causar dano, deve-se impedi-la e evitá-la,
respeitando-se a regra in dubio, pro ambiente.
Em artigo publicado na página do Superior Tribunal de Justiça na internet8
, fica
claro o entendimento pacífico do Tribunal no sentido da aplicabilidade, normatividade e
consequências jurídico-processuais do princípio da precaução, inclusive admitindo a in-
versão do ônus da prova ao (co)responsável pela atividade ou empreendimento que ge-
re o risco de dano ao ambiente:
No sistema processual brasileiro, há uma regra geral: o ônus da prova
incumbe ao autor, que deve demonstrar os fatos constitutivos do seu
direito, para que a verdade alegada em juízo seja admitida pelo magis-
trado. Ao réu, por sua vez, cabe demonstrar a existência de fatos que
modificam ou mesmo extinguem o direito pleiteado pelo autor, po-
dendo contestá-lo por meio de contraprovas.
Se parece adequada para a maioria das lides, a regra do ônus da prova
pode representar, no caso das ações ambientais, um empecilho pro-
cessual. Não apenas porque desconsidera as dificuldades naturais de
prova do nexo de causalidade entre a atividade exercida e a degrada-
ção, como também ignora um princípio fundamental do Direito Ambi-
ental: o de que a adoção de medidas para evitar a ocorrência de danos
ambientais não deve ser protelada – nem mesmo nos casos em que
não há certeza científica do dano.
Tal abordagem, consagrada como o “princípio da precaução”, motivou
o Superior Tribunal de Justiça (STJ) a adotar uma nova racionalidade ju-
rídica no julgamento das ações civis ambientais. Em uma inovação de
sua jurisprudência, o Tribunal tem admitido a inversão do ônus da pro-
va em casos de empresas ou empreendedores acusados de dano am-
biental – ou seja, cabe ao próprio acusado provar que sua atividade
não enseja riscos à natureza.
O entendimento se baseia na ideia de que, quando o conhecimento ci-
entífico não é suficiente para demonstrar a relação de causa e efeito
entre a ação do empreendedor e uma determinada degradação ecoló-
gica, o benefício da dúvida deve prevalecer em favor do meio ambien-
te – o que se traduz na expressão in dubio pro ambiente, ou interpre-
tação mais amiga da natureza.
A aplicação do princípio da precaução como instrumento hermenêuti-
co foi evidenciada em um julgamento paradigmático da Segunda Tur-
ma do STJ (REsp 972.902/RS). O processo envolveu uma ação civil pú-
blica ajuizada pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul objetivando
7
Este entendimento encontra-se definido no Princípio 15 da Declaração do Rio: “(...) Quando houver a-
meaça de danos graves ou irreversíveis, a ausência de certeza científica absoluta não será utilizada como
razão para o adiamento de medidas economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental.”
8
Disponível em <http://www.stj.gov.br/portal_stj /publicacao/engine.wsp ?tmp.area=398& tmp.texto=
97506>
14
a reparação de dano ambiental de uma indústria de borracha. No re-
curso especial que interpôs no Tribunal, o Ministério Público pleiteou a
inversão do ônus da prova, pedido negado pelas instâncias inferiores.
Em seu voto, a relatora do processo, ministra Eliana Calmon, deferiu o
pedido por meio da equiparação da proteção do meio ambiente às re-
lações de consumo, nas quais o instituto da inversão do ônus da prova
aparece expressamente previsto no ordenamento jurídico (art. 6º, inci-
so VIII do Código de Defesa do Consumidor). “No caso das ações civis
ambientais, entendo que o caráter público e coletivo do bem jurídico
tutelado nos leva à conclusão de que alguns dos direitos do consumi-
dor também devem ser estendidos ao autor daquelas ações, afinal tais
buscam resguardar ou reparar o patrimônio público de uso coletivo”,
afirmou a ministra.
Tal entendimento foi pacificado no Tribunal no julgamento das ações
por dano ambiental em que cabe a aplicação do princípio da precau-
ção. “Esse princípio pressupõe a inversão do ônus probatório, compe-
tindo a quem supostamente promoveu o dano ambiental comprovar
que não o causou ou que a substância lançada ao meio ambiente não
lhe é potencialmente lesiva”, posicionou-se Eliana Calmon num julga-
mento recente, que envolveu a emissão de um suposto poluente – o
carbonato de cálcio – por uma empresa de transportes e armazena-
gem do interior de São Paulo (REsp 1.060.753/SP).
Ao interpretar o disposto no Código de Defesa do Consumidor sob a
lente da gestão preventiva do dano ambiental, os ministros do STJ
transferiram para o empreendedor da atividade potencialmente lesiva
o ônus de demonstrar a segurança da atividade. A decisão, recebida
com louvores, conferiu normatividade aos princípios do Direito Ambi-
ental que vinculam a ação humana presente a resultados futuros, revi-
gorando uma nova concepção ética da tutela ao meio ambiente.
Em casos similares, onde há necessidade de análise sinérgica e cumulativa de
impactos, os tribunais pátrios têm entendido pela prevalência da cautela, em prol dos
Princípios da Prevenção e Precaução.
Em julgamento recente, o Superior Tribunal de Justiça, por sua Corte Especial,
entendeu pela suspensão de licenças ambientais expedidas sem Avaliação Ambiental
Integrada que pudesse analisar os efeitos cumulativos e sinérgicos de empreendimentos
na mesma Bacia Hidrográfica. Eis a transcrição da ementa e trecho do julgado:
AGRAVO REGIMENTAL NO PEDIDO DE SUSPENSÃO. GRAVE LESÃO À
ORDEM E ECONOMIA PÚBLICAS. INEXISTÊNCIA. PEDIDO DE SUSPEN-
SÃO INDEFERIDO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
I – (...)
II - Não se mostra viável na presente senda o exame do acerto ou de-
sacerto de decisum, não podendo o incidente ser utilizado com o obje-
15
tivo de discutir o próprio mérito da ação principal, in casu, a questão
da possibilidade ou não de convalidação das licenças ambientais expe-
didas sem consideração dos efeitos cumulativos ou sinérgicos entre os
empreendimentos hidrelétricos instalados numa mesma região da Ba-
cia Hidrográfica do Rio Santo Antônio.
III - Em relação à alegação de grave lesão à ordem e economia públicas,
denota-se que a preocupação contida na ação civil pública analisada
pelo Poder Judiciário mineiro tem índole ambiental, focada na necessi-
dade de que a implementação de política pública consubstanciada no
progresso energético estadual e nacional seja feita com a devida pre-
servação do meio ambiente.
IV - Sem emitir juízo de mérito sobre questão acima exposta, diante da
dúvida sobre validade dos procedimento administrativos das licenças
ambientais pendentes ou já concedidas, bem como sobre as incertezas
a respeito dos impactos ambientais dos mencionados empreendimen-
tos em conjunto considerados, não visualizo, em atenção aos princí-
pios ambientais da precaução/prevenção, grave lesão às ordens públi-
ca e econômica do Estado de Minas Gerais.
V - Entendo que a suspensão das licenças ambientais até o julgamento
de mérito da ação civil pública, prestigia, ao final, o interesse coletivo
lato sensu à saúde pública. Agravo regimental desprovido. (AgRg na
SLS 1753/MG. Relator Ministro FELIX FISCHER, Data de Julgamento
07/08/2013. Dje 26/08/2013. CE - CORTE ESPECIAL).
Ainda sobre o tema, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região já proferiu enten-
dimento no sentido de que a análise cumulativa e sinérgica de atividades conjuntas em
uma mesma Bacia Hidrográfica é essencial. Eis a transcrição de trecho do julgado:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL
CIVIL. EFEITOS DA APELAÇÃO. 1. Nos termos do art. 14 da Lei nº
7.347/85, numa interpretação a contrario sensu, a regra geral é de que
os recursos contra sentença proferida em ação civil pública serão rece-
bidos somente no efeito devolutivo. 2. Nos termos do artigo 520, VII,
do Código de Processo Civil a apelação interposta contra sentença que
confirmar a antecipação dos efeitos da tutela será recebida somente
no efeito devolutivo. (...) No que se refere à necessidade da elaboração
de uma avaliação ambiental integrada, dada a inequívoca magnitude
dos impactos socioambientais ocasionados pela construção contínua
de hidrelétricas ao longo dos rios nacionais, é certo que objetivará afe-
rir os danos a serem suportados por toda a região de influência da Ba-
cia, e não apenas para cada Hidrelétrica isoladamente considerada, vis-
to que, como é sabido, em termos de meio ambiente e ecologia o todo
não é a simples soma das partes. (AG 39989 TRF-4
(2007.04.00.039989-4 PR), Relator JOÃO PEDRO GEBRAN NETO, Data
de Julgamento: 03/08/2010. DJe: 12/08/2010. TERCEIRA TURMA)
16
Diante do exposto, percebe-se que: (i) a AAI, enquanto espécie de AIA, tem pre-
visão no ordenamento jurídico-ambiental, consistindo no instrumento adequado e ne-
cessário para avaliar os impactos cumulativos e sinérgicos de atividade significativamen-
te poluidora em determinada área; (ii) que a AAI, nos casos de atividades com as carac-
terísticas descritas no item anterior, tem seus pilares nos princípios da prevenção e pre-
caução, dotados de força normativa e observância obrigatória.
3.4. A Situação Indesejada: Avaliação Ambiental Insuficiente para uma Ativida-
de Poluidora Complexa e Significativamente Impactante
O Termo de Referência para o desenvolvimento da Avaliação Ambiental Integra-
da (vide doc. 04) foi elaborado em maio de 2012 e prevê 6 (seis) principais etapas da
Avaliação Ambiental Integrada, sendo a última delas configurada na apresentação, dis-
cussão e validação do Relatório Final da AAI, o qual deveria ser apresentado pelos em-
preendedores responsáveis pela dragagem/descarte oceânico ao INEA em um prazo de
180 (cento e oitenta) dias.
Alguns dos empreendedores que exercem as atividades de dragagem na Baía de
Guanabara reuniram-se na contratação de uma empresa consultora – Interdraga Con-
sultoria e Serviços Ltda. – para a elaboração da Avaliação Ambiental Integrada.9
De acordo com os Ofícios INEA/PRES nº 444/13, de 12 de março de 2013 (vide
doc. 02) e Ofício INEA/PRES nº 2355/13, os estudos realizados pela consultora Interdra-
ga foram iniciados em julho de 2012 e até o momento da propositura desta ação não
foram concluídos.
Malgrado a expedição de inúmeros ofícios, a realização de reuniões e o encami-
nhamento de pelo menos duas recomendações, infelizmente o INEA persistiu no seu
entendimento de que a conclusão das etapas da Avaliação Ambiental Integrada, pelos
empreendedores, não é pressuposto necessário para fins de concessão da licença ambi-
ental.
9
Conforme esclarece o memorando nº 10/2013/GATE Ambiental, de 10 de abril 2013 (vide doc. 03).
17
Com efeito, ao responder aos ofícios nº 02/13 e 09/13 GAEMA, a Presidência do
INEA se pronunciou no seguinte sentido, em 12 de março de 2013: “(...) o Inea já se ma-
nifestou positivamente quanto à possibilidade de autorizar a disposição oceânica do ma-
terial dragado no Ponto “F” pelos empreendimentos licenciados que atenderem às con-
dições do termo de referência e aderirem aos estudos e ao monitoramento da AAI. Nes-
sa linha já aderiram as empresas Marina da Glória, Brasco, Briclog e BR-Comperj” (vide
doc.02).
Na mesma linha, em reunião realizada em 05 de abril de 2013, na Sede do MPRJ,
o referido entendimento foi repisado. Segundo consta do Memorando nº 10/2013 (doc.
03), “foi informado pelo INEA que a liberação para dispor material no bota-fora “F” teria
condicionantes, em particular foram destacadas: (i) a necessidade do compromisso com
o uso do GPS e (ii) a necessidade do processo de peneiramento para lançamento de a-
penas areia e silte no bota-fora. As empresas participantes da promoção da AAI necessi-
tam atender a essas exigências de modo a poderem voltar a realizar as operações de
dragagens, atualmente suspensas”.
Importante registrar que, até aquele momento – ou seja, da reunião supracitada
-, o Ministério Público ainda não tinha tido acesso aos estudos10
já elaborados que inte-
gravam as etapas da Avaliação Ambiental Integrada. Por essa razão, as informações pas-
sadas pelo INEA e SEA foram até então absorvidas pelo Autor com certa tranquilidade,
na crença de que as avaliações (vg. de diagnóstico e prognóstico) já realizadas seriam
suficientes para, pelo menos, atestar a viabilidade ambiental do Ponto “F”.
Antes mesmo da conclusão do primeiro Parecer Técnico do GATE/MPRJ a respei-
to da regularidade/higidez dos estudos/relatórios considerados pelo INEA no bojo do
licenciamento ambiental da atividade em tela, a informação acerca do que seria neces-
sário para iniciar/retomar os descartes foi reafirmada. Pelo Ofício INEA/PRES nº 1170/13
pontuou-se que a Petrobras foi autorizada pelo INEA a fazer uso do Ponto “F” após a-
presentar o plano de trabalho com a subscrição da elaboração da AAI e a caracterização
do Ponto “F” antes de sua utilização (vide doc. 06).
10
Somente em 18 de abril de 2013, pelo Ofício SEA/SSE nº 45/13, o MP recebeu cópia do “Relatório de
Caracterização Inicial da área de disposição do material dragado na Baía de Guanabara” (vide doc.05).
18
Ora, diante desta informação, e considerando que à luz do artigo 6º da Resolu-
ção CONAMA nº 01/1986 o diagnóstico, o prognóstico e a definição de medidas mitiga-
doras são exercícios/etapas fundamentais do EIA/RIMA, foi grande a apreensão acerca
da satisfatoriedade dos relatórios/estudos ambientais considerados pelo INEA, notada-
mente aqueles de caracterização do “Ponto F”. Diante da interdisciplinaridade exigida
pelo conteúdo do estudo ambiental apresentado, o GAEMA, visando um melhor e mais
seguro entendimento, submeteu os respectivos documentos ao seu Grupo de Apoio
Técnico Especializado (GATE/MPRJ).
As deficiências dos estudos ambientais considerados pelo INEA para fins de autorização
dos descartes oceânicos no “Ponto F”
Como destacado, os estudos realizados pela consultora contratada Interdraga
tiveram início em julho de 2012, tendo sido apresentados ao Ministério Público 2 (dois)
documentos no decorrer deste período: (i) “Avaliação Ambiental Integrada da Disposi-
ção Oceânica dos Sedimentos Dragados na Baía de Guanabara: Caracterização Inicial” e
“Avaliação Ambiental Integrada da Disposição Oceânica dos Sedimentos Dragados na
Baía de Guanabara: Relatório Preliminar”, os quais foram objeto de pareceres técnicos
do Grupo de Apoio Técnico Especializado do Ministério Público – GATE/MPRJ.
Desde já, salientamos que o conjunto de pareceres técnicos pertinentes a este
tópico seguem anexo, constituindo o denominado “doc.07”. Bem de ver que todas as
premissas e conclusões dessas peças técnicas são relevantes, daí porque acompanham a
exordial. Porém, sua especial relevância para corroborar a causa de pedir e os pedidos
da inicial justifica uma breve exposição.
O GATE/MPRJ, ao analisar o estudo promovido pela consultora Interdraga, intitu-
lado de “Avaliação Ambiental Integrada da Disposição Oceânica dos Sedimentos Draga-
dos na Baía de Guanabara: Caracterização Inicial”, teceu diversas considerações de or-
dem técnica, conforme consta do Parecer Técnico nº 161/13.
No Parecer supracitado constam as seguintes observações: (i) ausência de apre-
sentação de alternativas locacionais e tecnológicas para fins de avaliação de possíveis
19
locais de descarte dos sedimentos, uma vez que na AAI somente foi apresentado o pon-
to de “bota-fora” F; (ii) não foram apresentados os aspectos operacionais dos projetos e
não houve análise das características socioambientais no que tange, principalmente, aos
conflitos em torno dos recursos naturais existentes; (iii) ausência de diagnóstico seguro
e preciso, pois este “só seria efetivo no momento em que se alcançasse a Fase 3 (carac-
terização socioambiental da região)”; e (iv) que “para a plena identificação dos impactos
e consolidação dos estudos para garantir a concessão das licenças, é necessária a finali-
zação de todas as fases do estudos”;
O GATE/MPRJ, no mesmo Parecer, pontuou que “o estudo preliminar apresenta-
do é incipiente para viabilizar a promoção de licenças a fim de dar continuidade ao pro-
cesso de disposição oceânica”, não havendo, outrossim, “um mínimo de informações
no estudo que garanta que a opção pela área de bota-fora F seja a melhor opção, nem
a identificação mínima dos impactos cumulativos e sinérgicos”. Concluindo que “o es-
tudo não possui a abrangência necessária para possibilitar uma tomada de decisão so-
bre qual é o melhor local para o descarte considerando as características ambientais
da área e a necessidade de minimizar os impactos socioambientais”.
Já em 26 de agosto de 2013, o GATE/MPRJ concluiu um novo Parecer Técnico,
tombado sob o nº 212/2013, e, desta feita, tendo por objeto a “Avaliação Ambiental
Integrada da Disposição Oceânica dos Sedimentos Dragados na Baía de Guanabara: Re-
latório Preliminar” – apresentado pela consultora Interdraga.
Dentre as diversas observações e críticas constantes deste Parecer, destacam-se
as seguintes: “o estudo até então apresentado não foi suficiente para atender o dispos-
to no Termo de Referência apresentado pelo INEA, ou seja, promover a plena caracteri-
zação da área, os possíveis impactos e prever os mecanismos de mitigação”.
Conquanto tenha sido apresentado esse estudo complementar pela consultora
Interdraga, o GATE/MPRJ considerou, após detida análise, que a autorização concedida
pelo órgão de fiscalização para o alijamento marinho no Ponto “F” foi baseada em dados
que não permitem uma real avaliação dos possíveis impactos à biota aquática e aos
20
meios socioeconômico e físico, uma vez que o diagnóstico não foi suficiente para se co-
nhecer a situação da área previamente ao início das operações.
Importante ressaltar que, à época da elaboração do Parecer em tela, já havia si-
do expedido pelo Comitê de Bacia da Baía de Guanabara, por intermédio do Ofício CBH-
BG nº 28/2013 (doc.08), postulação para que o INEA suspendesse as atividades de des-
carte em “bota-fora” até que a questão fosse esclarecida entre os técnicos da SEA, do
INEA e do referido Comitê, notadamente com a apresentação dos mesmos na Plenária
do CBH-BG de 29/08/2013 (ressaltando que, apesar da presença do MPE naquele ato,
nenhum representante do órgão licenciador ou do empreendedor se fez presente).
Se não bastasse a recomendação do Comitê de Bacia da Baía de Guanabara, o
Autor, em substanciosa recomendação (doc.09) - alicerçada em vasto suporte fático-
normativo, especialmente nos Pareceres supracitados -, notificou a SEA e o INEA, em
10/09/2013, para que encampassem as providências veiculadas naquela peça. E, dentre
as medidas elencadas, estava a de, “à luz dos fatos e fundamentos expostos na reco-
mendação, bem como dos princípios da precaução e prevenção, interromper as ativida-
des de descarte oceânico no denominado Ponto “F”, concedendo-se o prazo de 15 dias,
a contar do recebimento, para o cumprimento das demais providências (vg. de exigir o
cumprimento integral do TR da AAI).
Em resposta à Recomendação Ministerial acima referida, o Exmo. Secretário Es-
tadual do Ambiente e a Exma. Presidente do INEA, em ofício conjunto (vide doc.10), da-
tado de 24 de setembro de 2013, apresentaram informações e documentos, cabendo
destacar: (i) a informação de que o IBAMA seria provocado para fins de ciência e mani-
festação sobre os estudos que integram a AAI; (ii) a justificativa de adoção do Ponto “F”,
reiterando o seu argumento quanto à satisfatoriedade dos estudos apresentados; (iii) a
anexação de estudo confeccionado pelo INPH sobre a análise da pluma dos rejeitos de
dragagem no bota-fora do Rio de Janeiro – Avaliação dos Pontos “F” e “F1”11
.
Assim, diante da recalcitrância do INEA em não autorizar os descartes oceânicos
até a realização de AAI que contasse com diagnóstico e prognósticos completos, ante-
11
Sobre a justificativa apresentada pela SEA e pelo INEA, especialmente quanto ao Estudo do INPH, vide
as críticas constantes do Parecer Técnico do GATE nº 289/2013 (doc.07).
21
cedidos de estudo de alternativa locacional, não restou alternativa ao Autor se não o
ajuizamento da presente ação.
3.5. A vinculação à AAI: a incidência da teoria dos motivos determinantes e do
princípio da eficiência
Se não bastasse a violação aos princípios da precaução e prevenção, bem como
das normas a eles correlatas (vg. art. 225 da CRFB/1988), verifica-se que o INEA, ao não
exigir importantes etapas da AAI dos empreendedores, também violou outros
importantes institutos e princípios do Direito.
A partir da análise do contexto em que concebida a AAI e seu respectivo Termo
de Referência, verifica-se que os fatos que serviram de suporte à decisão do INEA
passaram a integrar a validade do licenciamento ambiental. Em outros termos, e em
ordem lógico-consequencial: 1º) houve o reconhecimento pelo órgão ambiental
licenciador da relação de cumulatividade e sinergia afeta à atividade de
dragagens/descarte oceânico; 2º) diante do reconhecimento retro, estabeleceu-se a
necessidade quanto à adoção de uma Avaliação Ambiental Integrada - AAI, orientada
por um Termo de Referência, que pudesse avaliar corretamente os impactos ambientais
no meio (vg. marinho) afetado; 3º) as licenças ambientais requeridas pelos
empreendedores para aquela atividade, para fins de regular e válida expedição,
deveriam observar os escopos e parâmetros da AAI.
Este condicionamento do descarte oceânico à observância da AAI foi tão
significativo que, no passado, as empresas que dispunham de licença ambiental12
para
descartar material dragado em outros pontos marítimos (vg. “C” e “D”) foram
notificadas para aderirem aos termos daquela AAI, inclusive com a paralisação das
atividades (ou impedimentos de novas concessões de licença) naqueles pontos até a
elaboração da AAI (vide docs.3 e 4).
12
Vale esclarecer que a autorização para o descarte oceânico vem instrumentalizada na licença de instala-
ção (LI) como condicionante. A propósito, confira-se os termos da LI nº IN020796: “(...) 13 – A disposição
oceânica só poderá ser feita no ´Ponto F’ após a comprovação do início dos estudos da Avaliação Ambien-
tal Integrada – AAI, que será caracterizado com a aprovação pelo INEA do Plano de Trabalho e respectivo
Plano de Monitoramento” (vide doc.11).
22
Nesse diapasão, e considerando o contexto e as premissas13
que antecederam e
justificaram a adoção da AAI, não se afigurou razoável e lícito o entendimento do INEA
em considerar que apenas algumas das etapas daquela Avaliação seriam suficientes. E
essa afirmação resulta: (i) do entendimento dos Réus de que a AAI seria o instrumento
adequado para, ao contrário das escolhas anteriores (eg. Pontos “A”, “B”, “C” , “D” “E”),
definir a área ambientalmente mais viável para suportar as atividades; (ii) do
reconhecimento pelos Réus de que a AAI também seria o instrumento adequado para
aferir os impactos cumulativos e sinérgicos das atividades de dragagem; (iii) do objetivo
expresso no próprio Termo de Referência da AAI; (iv) da sistematização das etapas da
AAI à luz daquele mesmo Termo, uma vez que os resultados buscados nos itens
anteriores somente seriam alcançados, em consonância com o princípio da prevenção e
do caráter complementar14
da AAI, com a exigência da metodologia e do conteúdo
apontados pelo GATE/MPRJ em seus Pareceres.
Nessa ordem de ideias, percebe-se que a realização substancial da Avaliação
Ambiental Integrada, principalmente no que diz com o diagnóstico completo da área e o
prognóstico dos impactos socioambientais, deveria condicionar a renovação e a emissão
de novas licenças.
O ato - ou conjunto de atos que integram o procedimento administrativo de
licenciamento - que concedeu a licença ambiental tem cunho administrativo, pois, para
além do seu conteúdo material, emana do INEA, autarquia estadual sob o regime de
direito público. Desse modo, o ato supracitado deve constituir-se dos elementos
necessários à sua existência, bem dos seus requisitos de validade, a fim de que tenha
plena eficácia no mundo jurídico.
13
Sobre o contexto e as premissas que envolveram a adoção da AAI e a confecção do Termo de Referên-
cia, vide o conjunto de documentos que integram os docs.1 e 3.
14
Com efeito, as obrigações dispostas na AAI não derrogam aquelas constantes da Res. CONAMA nº
01/1986. Isso porque o Termo de Referência estabelece obrigações complementares e, no que tange à
AAI, decorre da própria instrumentalização do dever de identificar e avaliar os impactos cumulativos e
sinérgicos, sem prejuízo do conteúdo e da ordem lógica das demais obrigações previstas no artigo 5º da-
quela Resolução.
23
E, dentre esses elementos, cabe destacar o motivo, que, aferido no caso em tela
em sua relação de compatibilidade com o objeto e a finalidade15
, gera importantes
consequências no campo da validade do ato administrativo.
O motivo, como cediço, é constituído dos pressupostos de fato e de direito do
ato administrativo. Em outras palavras, o motivo precede a prática do ato, tornando-se
diretriz para a Administração Pública. No caso em tela, o motivo para a exigência da AAI
é extraído e revelado não só pelo suporte fático-normativo subjacente, como,
principalmente, pelas premissas e conclusões constantes do respectivo Termo de
Referência.
Caso se verifique, como in casu, uma relação de descompasso entre o objeto do
ato administrativo e os motivos que lhe deram origem, estaremos diante de uma
nulidade deste mesmo ato. Igual conclusão será alcançada se o objeto (ex: expedição da
licença) não atender a finalidade próxima e remota do ato administrativo (ex:
preservação do meio ambiente e desenvolvimento sustentável).
Assim, uma vez exposto o motivo deflagrador do ato administrativo, ainda mais
durante a vigência da Lei Estadual nº 3.111/1998, vincula-se a Administração Pública à
veracidade da declaração exteriorizada, sob pena de nulidade.
Ao abordar a denominada “teoria dos motivos determinantes”, Celso Antônio
Bandeira de Mello ensina o seguinte:
“A propósito dos motivos e da motivação, é conveniente, ainda,
lembrar a “teoria dos motivos determinantes”. De acordo com esta
teoria, os motivos que determinaram a vontade do agente, isto é, os
fatos que serviram de suporte à sua decisão, integram a validade do
ato. (MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito
Administrativo. 23ª edição. Editora Malheiros. São Paulo: 2007; p. 388)
Percebe-se, portanto, que em casos tais ocorre uma vinculação da Administração
Pública, notadamente por intermédios de seus agentes públicos, ao motivo por ela
declarado no ato administrativo.
15
Podemos dizer que o objeto seria a própria licença ambiental, ao passo que a finalidade seria o interes-
se público primário na preservação do meio ambiente.
24
Nesse contexto, ainda que se entendesse que a expedição do Termo de
Referência da AAI consistiria num “ato discricionário” (o que não é o caso, obviamente),
tendo ela adotado-o para o desenvolvimento da AAI, tornou-se um ato vinculado,
passando a regulamentar minimamente as atividades nele previstas e firmadas.
O Termo de Referência vincula o INEA ao seu estrito cumprimento, podendo-se
dizer que nestes casos o TR adquire o status de lei, estabelecendo os requisitos e as
condições de validade do ato administrativo – e a licença ambiental, assim como o
licenciamento respectivo, emanam do exercício do consentimento de polícia. Havendo o
descompasso nesta relação (TR – AAI – Licenciamento Ambiental – LI), como ocorre in
casu, o Judiciário estará legitimado para atuar com vistas ao desfazimento e correção do
ato viciado.
Este entendimento acerca das razões do ato administrativo para fins de vincula-
ção da atuação da Administração Pública tem plena acolhida em sede jurisprudencial,
notadamente nos casos de controle da legalidade do ato à luz da teoria dos motivos de-
terminantes. Nesse sentido, em Saint Clair v. Cmd da Aeronáutica, MS nº 15290/DF, 1a
Seção, 2011, o Superior Tribunal de Justiça assentou “(...) há vício de legalidade não a-
penas quando inexistentes ou inverídicos os motivos suscitados pela administração, mas
também quando verificada a falta de congruência entre as razões explicitadas no ato e o
resultado nele contido”. Em Baião v. EMG, RMS 32437/DF, 2a
Turma, 2011, a mesma
Corte assentou: “(...) a Administração, ao justificar o ato administrativo, fica vinculada às
razões ali expostas, para todos os efeitos jurídicos, de acordo com o preceituado na teo-
ria dos motivos determinantes”.
Destaque-se, de todo modo, que o licenciamento ambiental possui
peculiaridades próprias que implicam em natureza específica, de forma que a “licença
ambiental” constitui um instituto sui generis.
Dessa forma, é híbrida a natureza da “licença” ambiental, já que (i) o órgão
licenciador possui certo poder decisório e tem flexibilidade (quase discricionária) para
enumerar condicionantes de validade do ato; (ii) as “licenças” possuem prazo de
25
validade e (iii) o órgão licenciador tem o poder-dever de autotutela, revisando seus atos
quando observadas irregularidades ou ilegalidades16
.
A propósito, o art. 19 da Resolução CONAMA nº 237/1997, que dispõe sobre
procedimentos e critérios utilizados para o licenciamento ambiental, estabelece a
possibilidade de o órgão licenciador modificar condições de validade e as medidas de
controle e adequação, bem como suspender ou cancelar uma licença ambiental,
inclusive nos casos de grave risco ambiental e de saúde, como é o caso em tela:
Art. 19. O órgão ambiental competente, mediante decisão motivada,
poderá modificar os condicionantes e as medidas de controle e
adequação, suspender ou cancelar uma licença expedida, quando
ocorrer:
I - violação ou inadequação de quaisquer condicionantes ou normas
legais;
II - omissão ou falsa descrição de informações relevantes que
subsidiaram a expedição da licença;
III - superveniência de graves riscos ambientais e de saúde. (Grifou-se)
Sendo assim, é necessário ressaltar que o descarte do material dragado é parte
da atividade de dragagem, sendo o local de bota-fora indicado na licença ambiental. Se
há descompasso no licenciamento e indicação de local de descarte oceânico sem a aná-
lise segura de viabilidade ambiental e possibilidade de graves riscos ao meio ambiente e
à saúde, tal condicionante (eivada de vício) de licença deve ser modificada, indicando-se
local de descarte com comprovada viabilidade ambiental, sob pena de vício de todo o
ato administrativo (licença ambiental).
A Avaliação Ambiental Integrada sob a ótica do princípio constitucional da eficiência
Para além das considerações sobre o controle da legalidade do ato
administrativo à luz da compatibilidade entre os seus elementos integrantes, não
podemos perder de vista que a eficácia normativa do princípio da eficiência – previsto
no artigo 37 da CRFB/1988 - também aponta para a procedência do pedido autoral.
16
Súmula 473 do Supremo Tribunal Federal – A Administração pode anular seus próprios atos, quando
eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo
de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos e ressalvada, em todos os casos, a
apreciação judicial.
26
Os empreendimentos que realizam dragagens, seja como atividade-fim ou meio,
produzem enormes e significativos impactos ambientais. Tanto é verdade que a imensa
maioria deles (eg. COMPERJ) se enquadra na Resolução CONAMA 01/86 e na Lei Estadu-
al nº 1.356/88, que tratam do licenciamento ambiental precedido de EIA/RIMA.
Destarte, tratando-se de atividades e empreendimentos com alto potencial de-
gradador/poluidor e com características cumulativas e sinérgicas, resta evidente que a
apresentação de EIA/RIMA, por si só, não tem o condão de prever os mencionados im-
pactos cumulativos e sinérgicos.
Ademais, vale relembrar que o EIA e seu respectivo relatório RIMA são uma das
modalidades de AIA – Avaliação de Impactos Ambientais, esta encerrando conceito mui-
to mais amplo.
A esse respeito, é oportuna a advertência de Edis Milaré:
“Nunca é demais insistir neste ponto, pois existe uma certa tendência
entre os ambientalistas, inclusive, autoridades ambientais, de confun-
dir o instrumento da Política Nacional do Meio Ambiente ´Avaliação de
Impactos Ambientais (AIA)’ com uma ferramenta do licenciamento
ambiental denominada ‘Estudo de Impacto Ambiental (EIA)’, que vem
prejudicando bastante que se extraia do instrumental representado
pelas técnicas e metodologias de AIA todas as úteis consequências
possíveis” (MILARÉ, Edis. Direito do Ambiente. A gestão ambiental em
foco. Doutrina. Jurisprudência. Glossário. Editora Revista dos Tribunais,
7ª ed. 2011)
A Avaliação Ambiental Integrada, conforme mencionado no capítulo 3.3, pode
ser identificada como o estudo capaz de conhecer especificamente os efeitos sinérgicos
e cumulativos resultantes dos impactos ambientais ocasionados pelo conjunto de em-
preendimentos em planejamento, implantação e operação em uma determinada área.
Não se olvide que a AAI não é fruto de um ato ou vontade dos particulares, mui-
to menos de convenção por parte destes. Muito pelo contrário, a AAI é um instrumento
de avaliação de impactos endereçado (pelo legislador) e gerido (pela Administração) pe-
lo Poder Público (Ente Político) para cumprir a sua missão constitucional de proteção e
preservação do meio ambiente – cf. arts. 23, VI, 24, VI e 225 da CRFB/1988.
27
E, no cumprimento dessas competências/deveres administrativos, a AAI despon-
ta, nos casos em que exigida, como um importante instrumento preventivo de danos
ambientais, revelado e exercido em sede de poder de polícia ambiental – clássica ativi-
dade administrativa.
Esse contexto, a evidência, reclama dos órgãos do SISNAMA e, em especial, no
caso do Rio de Janeiro, do INEA, que todos os empreendimentos que causem ou possam
causar significativo impacto ambiental por ocasião do descarte oceânico se submetam à
apresentação de AAI – Avaliação Ambiental Integrada, utilizando como unidade de ges-
tão ambiental, no mínimo, a bacia hidrográfica.
Pontue-se que não se cuida de mera faculdade do órgão público ambiental, mas
de verdadeiro comando constitucional constante do artigo 37, “caput”, da Constituição
Federal de 1988, notadamente, do princípio da eficiência.
A emenda constitucional nº 19/1998 inseriu no mencionado dispositivo constitu-
cional, como princípio de regência da Administração Pública dos entes federados, a efi-
ciência.
Conceitualmente e etimologicamente podemos asseverar que eficiência é a qua-
lidade de produzir um resultado desejado, ou seja, obtém-se o resultado empregando-
se as melhores e mais produtivas técnicas possíveis e disponíveis.
Segundo Maria Sylvia Zanella Di Pietro, o princípio da eficiência impõe ao agente
público um modo de atuar que produza resultados favoráveis à consecução dos fins que
cabem ao Estado alcançar. Salienta que “a eficiência é princípio que se soma aos demais
princípios impostos à Administração, não podendo sobrepor-se a nenhum deles, especi-
almente ao da legalidade” (apud VALERA, Carlos Alberto, op. cit).
Ora, se o princípio da eficiência determina que a Administração Pública dos entes
federados empregue as mais atuais e melhores técnicas na resolução dos problemas,
considerando que o meio ambiente ecologicamente equilibrado é um direito/dever fun-
damental - que inclui o devido licenciamento das atividades que provoquem ou possam
provocar significativo impacto ambiental cumulativo e sinérgico em dada área -, resta
28
claro que o órgão público ambiental deverá sempre exigir a AAI em termos qualitativos,
de melhor efetivação dos direitos por ela assegurados.
Assim, temos que a Avaliação Ambiental Integrada não pode se prestar a ser
mera formalidade ou simples agrupamento de estudos individuais. Não pode ser
realizada “mais ou menos”, ainda mais quando se tem etapas (vg. de diagnóstico e
prognóstico) bem definidas e concatenadas no seu respectivo Termo de Referência.
A nobre e importante vocação da AAI também não se coaduna com omissões,
falhas de metodologia ou equívocos17
. Isso porque, repita-se, por intermédio dela se
busca o meio mais eficiente não só de otimizar o resultado dos estudos a serem
realizados na região do descarte, como também de efetivamente prever os impactos
negativos, inclusive proporcionando uma melhor previsão e adaptação das medidas
mitigadoras na busca da mais ampla e efetiva proteção ambiental.
Sobre o princípio da eficiência, sua correlação com o ordenamento jurídico-
ambiental18
e suas formas de manifestação, confira-se:
APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ATO DE PARALISAÇÃO DE
EXTRAÇÃO DE ARGILA. IMPETRANTE QUE ESTAVA COM A LICENÇA DE
OPERAÇÃO VENCIDA. CABIMENTO DA PARALISAÇÃO DE ATIVIDADES
COMO ALTERNATIVA ÚNICA OFERECIDA À ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
ENQUANTO NÃO FOR CONFERIDA A LICENÇA AMBIENTAL PELO
ÓRGÃO COMPETENTE. A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA ATUOU NO SEU
LEGÍTIMO PODER DE POLÍCIA, CONSUBUSTANCIADO NO DEVER DE
FAZER CESSAR ATIVIDADE AMBIENTALMENTE NOCIVA. APELO
DESPROVIDO. A atividade poluidora ou causadora de danos ambientais
deve merecer pronta atuação da Administração Pública, a quem
incumbe a obrigação de propiciar à população a efetividade do direito
ao meio ambiente saudável, essencial à garantia de subsistência da
vida humana neste planeta. O princípio da obrigatoriedade da
intervenção estatal não reserva a mínima discricionariedade à
Administração Pública, mas impõe o dever inquestionável de atuar na
tutela ambiental para assegurar a efetividade do direito ao meio
17
Vide, a propósito, o capítulo 3.4.
18
Esta correlação tem se revelado cada vez mais profunda, permeando até mesmo as normas de regência
do licenciamento ambiental Com efeito, o artigo 3º da Lei Complementar nº 140/2011 determina o se-
guinte: constituem objetivos fundamentais da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, no
exercício da competência comum a que se refere esta Lei Complementar: I - proteger, defender e conservar
o meio ambiente ecologicamente equilibrado, promovendo gestão descentralizada, democrática e eficien-
te.
29
ambiente ecologicamente equilibrado. Por isso é que os agentes
públicos, diante do comando específico das normas ambientais e do
princípio da eficiência, têm o dever jurídico de adotar e executar as
medidas mais eficazes para a satisfação desse bem da vida. (TJ-SP -
APL: 35561920108260306 SP 0003556-19.2010.8.26.0306, Relator:
Renato Nalini, Data de Julgamento: 25/08/2011, Câmara Reservada ao
Meio Ambiente, Data de Publicação: 01/09/2011)
Pelo fio do exposto, fica claro que o princípio da eficiência impõe aos órgãos
públicos, dentre eles, os ambientais, a obrigatoriedade quanto à utilização das mais
atuais e melhores técnicas de avaliação. E a correta utilização da AAI atende justamente
a esses objetivos, principalmente por ensejar uma deliberação isenta, eficaz e efetiva
sobre a viabilidade (e em que proporção) ou não dos descartes de material dragado em
determinado ponto oceânico.
3.6. Considerações Adicionais
Ao encerrar a exposição do suporte fático-normativo que embasa a pretensão
autoral, o Parquet considerou relevante apresentar outros argumentos adicionais.
A ausência de manifestação do IBAMA sobre os estudos que integram a AAI bem como
sobre a viabilidade ambiental dos descartes no Ponto “F”
Como pode se perceber ao longo da exposição, ao se discutir os impactos do
lançamento do material dragado, inevitavelmente se fez referência a “pontos
oceânicos”. O Relatório Técnico do GATE nº 03/13 (vide doc.12) ilustra bem essa
circunstância, este aspecto territorial, inclusive trazendo mapeamento e registros
fotográficos dos pontos marítimos já utilizados e em utilização – Ponto “F”, a
aproximadamente 15 km da Costa de Niterói.
Atento a essa peculiaridade quanto ao destino do lançamento, o Ministério
Público alertou o INEA para a necessidade de comunicar e ouvir o IBAMA acerca da
viabilidade ambiental daquelas atividades na área de disposição escolhida (Ponto “F”).
Assim, em 10 de setembro de 2013, por meio do Ofício nº 135/13/GAEMA (vide doc.09),
o Ministério Público encaminhou Recomendação ao INEA na qual consignou as
seguintes providências: “(...) 2 - Seja dada ciência ao IBAMA para pronunciamento sobre
30
os estudos em curso para elaboração da AAI, bem como sobre a viabilidade ambiental
das atividades de descartes oceânicos no ponto de bota-fora F”.
Os fundamentos subjacentes àquelas providências constaram expressamente da
Recomendação expedida, valendo recordá-los nesta senda.
O Egrégio Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o Recurso Especial nº 588.022-
SC – 1ª Turma, Rel. Min. José Delgado, DJ 05/04/2004 -, assentou o seguinte entendi-
mento:
(...) Não merece relevo a discussão sobre ser o Rio Itajaí-Açu estadual
ou federal. A conservação do meio ambiente não se prende a situações
geográficas ou referências históricas, extrapolando os limites impostos
pelo homem. A natureza desconhece fronteiras políticas. Os bens am-
bientais são transnacionais. A preocupação que motiva a presente cau-
sa não é unicamente o rio, mas, principalmente, o mar territorial afe-
tado. O impacto será considerável sobre o ecossistema marinho, o qual
receberá milhões de toneladas de detritos. Está diretamente afetada
pelas obras de dragagem do Rio Itajaí-Açu toda a zona costeira e o mar
territorial, impondo-se a participação do IBAMA e a necessidade de
prévios EIA/RIMA. (...) Somente o estudo e o acompanhamento apro-
fundado da questão, através dos órgãos ambientais públicos e priva-
dos, poderá aferir quais os contornos do impacto causado pelas draga-
gens no rio, pelo depósito dos detritos no mar, bem como, sobre as cor-
rentes marítimas, sobre a orla litorânea, sobre os mangues, sobre as
praias, e, enfim, sobre o homem que vive e depende do rio, do mar e do
mangue nessa região.
Apesar de o acórdão supracitado ser anterior ao advento da Lei Complementar
nº 140/2011 – que, dentre outras providências, disciplinou as competências ambientais
-, o entendimento nele veiculado permaneceu alinhado ao quanto disposto no parágra-
fo 1º do artigo 1319
daquela Lei, tornando, assim, juridicamente relevante a participação
e a manifestação do IBAMA acerca dos estudos e relatórios que integram a Avaliação
Ambiental Integrada – AAI.
19
Art. 13. Os empreendimentos e atividades são licenciados ou autorizados, ambientalmente, por um
único ente federativo, em conformidade com as atribuições estabelecidas nos termos desta Lei Comple-
mentar. § 1
o
Os demais entes federativos interessados podem manifestar-se ao órgão responsável pela
licença ou autorização, de maneira não vinculante, respeitados os prazos e procedimentos do licencia-
mento ambiental.
31
Anote-se que o quanto aqui sustentado, por si só e em tese, não desloca a com-
petência do INEA para fins de licenciamento dos empreendimentos que utilizam o Ponto
“F”, pois a maioria desses empreendimentos/atividades (“em terra”) está sujeita à tipo-
logia que atrai a competência do Estado para fins de licenciamento20
.
Todavia, o critério da “preponderância da atividade” ou do “local/extensão do
impacto” para fins de licenciamento não deve ser excludente da participação do IBAMA
em casos como o dos autos (dragagens em que o lançamento ocorre em mar territorial),
principalmente em razão da interpretação sistemática daquela mesma Lei Complemen-
tar. A propósito, confiram-se os seguintes dispositivos:
Art. 7o
São ações administrativas da União:
XIV - promover o licenciamento ambiental de empreendimentos e ati-
vidades:
b) localizados ou desenvolvidos no mar territorial, na plataforma con-
tinental ou na zona econômica exclusiva;
Parágrafo único. O licenciamento dos empreendimentos cuja localiza-
ção compreenda concomitantemente áreas das faixas terrestre e marí-
tima da zona costeira será de atribuição da União exclusivamente nos
casos previstos em tipologia estabelecida por ato do Poder Executivo, a
partir de proposição da Comissão Tripartite Nacional, assegurada a
participação de um membro do Conselho Nacional do Meio Ambiente
(Conama) e considerados os critérios de porte, potencial poluidor e na-
tureza da atividade ou empreendimento.
Portanto, e sem prejuízo da racionalização, da eficiência e da harmonia no licen-
ciamento preconizadas no art. 3º da LC nº 140/2011, cremos que a afetação direta de
bem da União torna necessária a manifestação do IBAMA para fins de prévia utilização
da área de bota-fora oceânico, ainda mais se consideramos (i) as corretas preocupações
levantadas pelo STJ no precedente supracitado; (ii) a interpretação conforme à Constitu-
ição e sistemática da Lei Complementar nº 140/2011; (iii) o princípio da precaução.
O insigne Paulo Affonso Leme Machado, ao comentar a Lei Complementar nº
140/201121
, corretamente adverte que:
20
Vide, a propósito, o art. 8º, XIV da LC nº 140/11 e art. 2º da Res. CONAMA nº 01/1986.
21
Legislação Florestal (Lei nº 12.651/2012) e Competência e Licenciamento Ambiental (Lei Complementar
nº 140/2011), Malheiros, 2012, p.80.
32
“(...) No federalismo, mesmo com o viés cooperativo, como o brasilei-
ro, os interesses e as influências ambientais não são sempre rigida-
mente localizáveis num só ente federado.
Na instituição do licenciamento ambiental somente por um ente fede-
rado, foi apontado o interesse em evitar-se a ´sobreposição de atuação
entre os entes federativos´. No federalismo podem existir interesses
públicos de vários aspectos em que a simultaneidade do exame admi-
nistrativo não leva, necessariamente, a um estado de conflito entre os
entes federativos. O exame conjunto, não apenas opinativo, mas vin-
culante por diversos entes federativos pode propiciar o aporte me um
maior e melhor conhecimento sobre o empreendimento a ser licencia-
do ou autorizado e a utilização de tecnologias não degradadoras do
meio ambiente.”
Não podemos deixar de mencionar que o INEA e a Secretaria de Estado do Am-
biente, ao responderem a Recomendação retrocitada, salientaram o seguinte: “(...) de
qualquer forma, em face do mencionado nas recomendações do GATE, submeteremos
os estudos da AAI ao IBAMA para ciência e manifestação sobre o descarte no ponto F”.
Muito embora a manifestação acima, datada de 24 de setembro de 2013, repre-
sente um aceno positivo no trato da questão, a “retificação” (com a manifestação do
IBAMA) nos rumos da AAI deveria, necessariamente, ser realizada sem a concomitância
dos descartes oceânicos. Ou seja, deveria haver a suspensão das atividades de descarte
até a manifestação do IBAMA, seja pela (i) natureza prévia dessa análise, que tem em
mira a própria viabilidade ambiental das atividades no “ponto F”; (ii) observância e res-
peito aos princípios da precaução e prevenção.
Mas não é só o IBAMA que deveria se manifestar, como veremos adiante.
A importante manifestação do Monumento Natural das Ilhas Cagarras/ICMBio/MMA
Na linha de raciocínio do tópico anterior, e atento às possíveis consequências
dos descartes nas áreas de influência direta e indireta, o MPRJ oficiou a Unidade de
Conservação Federal Monumento Natural das Ilhas Cagarras, na pessoa do Chefe da U-
nidade, para que analisasse e tecesse considerações/críticas/recomendações de ordem
técnica sobre os estudos “Caracterização Inicial” e “Relatório Preliminar” da AAI apre-
sentados pela sociedade Interdragas.
33
Em atendimento ao MPRJ, fora encaminhado em 09 de outubro de 2013 a Mani-
festação Técnica MONA Cagarras – ICMBio nº 01/2013 (doc.13), com relevantes contri-
buições para a instrução do Inquérito Civil. Dentre as observações, críticas e recomen-
dações mais importantes, transcrevemos as seguintes:
“(...) Assim, acreditamos que, frente à falta de conclusões concretas sobre os
impactos que podem estar sendo causados, no que tange a uma unidade de
conservação federal de proteção integral, estaria sendo negligenciado o Prin-
cípio da Precaução, o qual prevê a necessidade e responsabilidade de pre-
venção dos possíveis impactos pelas incertezas sobre as consequências que
determinado empreendimento causará ao meio ambiente no espaço e/ou no
tempo, assim como quais os reflexos ou consequências para os ambientes
protegidos e para os usuários do MONA das Ilhas Cagarras”;
“Quanto ao processo de licenciamento realizado para definição da área de
descarte oceânico, entendemos que, ademais da distância da área em ques-
tão (Ponto F) em relação à unidade de conservação, existem argumentos, di-
vergências e lacunas de conhecimento consideráveis que levam à necessida-
de e legitimidade de participação formal deste Monumento Natural/ICMBio,
conforme estabelecido na Resolução CONAMA 428/2010, que versa sobre a
autorização do órgão responsável pela administração da unidade de conser-
vação no âmbito do licenciamento ambiental”;
“Atualmente, como não houve a consulta e participação da unidade de con-
servação no processo de discussão e definição da área oceânica a ser utiliza-
da para descarte do material proveniente de obras realizadas no interior da
Baía de Guanabara por diversos empreendimentos, não foi previsto pelo pro-
cesso ambiental a necessidade de indicadores de monitoramento que pudes-
sem responder adequadamente sobre possíveis impactos causados à UC”;
“Os estudos apresentados de Caracterização Inicial e Relatório Preliminar
não possibilitam analisar de forma adequada a influência do uso desta área
oceânica (Ponto F) no Monumento Natural das Ilhas Cagarras e suas adjacên-
cias, já que os dados apresentados não tomam por base uma análise ambien-
34
talmente integrada e regionalizada, afinal diferentemente do que é mostrado
nestes documentos, a área que este tipo de atividade se insere vai desde a
obra realizada na Baía de Guanabara, o transporte deste material por barcas
para regiões oceânicas e seu descarte final em pontos que já variaram apro-
ximadamente quatro vezes em relação a sua localização. Assim como, pode-
se verificar que os dados apresentados são referentes apenas às análises re-
lacionadas à área do empreendimento propriamente dita e não às suas adja-
cências”;
Se não bastasse esta e outras inúmeras observações de extrema importância, e
que corroboram a análise técnica do GATE/MPRJ, o referido órgão (MONA Ilhas Cagar-
ras/ICMBio) ainda recomendou (i) a sua inserção formal no processo de licenciamento,
especialmente nas fases de elaboração do Termo de Referência e na avaliação de EI-
A/RIMAs; (ii) a inserção de minimamente dois pontos de monitoramento nas proximi-
dades das Ilhas Cagarras; e (iii) detalhamento sobre o sistema de controle e fiscalização
da atividade operacional de descartes nas áreas autorizadas.
A importância na correção do Estudo de Alternativas
AS LIÇÕES DO PASSADO
Os estudos de alternativa locacional e tecnológica são um dos componentes mais
importantes integrantes do EIA/RIMA, bem como da avaliação de impactos. No contexto
específico das dragagens, infelizmente o passado tem revelado desacertos nas escolhas
dos pontos de “bota-fora” oceânicos, sendo certo que, provavelmente, corremos o risco
de erros pretéritos se repetirem.
Em 21 de maio de 2012, pelo Ofício nº 796/2012, o INEA asseverou o seguinte:
“alternativamente ao Ponto “D”, baseado em nova modelagem hidrodinâmica sob res-
ponsabilidade do Instituto Nacional de Pesquisa Hidroviárias – INPH, levando em conta
dados da estatística pesqueira apresentados pela FIPERJ, foi identificado um novo local
para disposição de material de dragagem, denominado Ponto “E”, distante cerca de 1
km do ponto “D”, direção mar a dentro”.
35
E continua: “este novo local, inserido em quadrante com baixos índices de captu-
ra de peixes, foi objeto de avaliação complementar por meio de consultas a Cartas Náu-
ticas, onde não se constatou a existência de parcel na sua área de influência direta. Pro-
gramamos também mergulho anterior a sua utilização” (vide doc.03).
Todavia, em 12 de março de 2013, pelo Ofício 444/2013, o mesmo Instituto res-
saltou que o Ponto “E”, apesar de ter sido uma alternativa brevemente estudada, teve a
sua viabilidade ambiental comprometida, “haja vista sua proximidade com um parcel
considerado importante para os pescadores”(doc.02).
Muito embora o INEA tenha asseverado, na mesma resposta acima, que nenhum
descarte jamais foi autorizado nessa localidade (Ponto “E”), o confronto entre os dois
ofícios revela: (i) a importância do aprofundamento dos estudos, notadamente pela in-
suficiência de fontes secundárias e teóricas como modelagens hidrodinâmicas, estatísti-
cas e cartas náuticas; (ii) que o estudo de alternativas, devidamente considerado, é uma
importante análise (prévia) para fins de utilização dos bota-foras, contribuindo para o
princípio da prevenção.
Todavia, apesar da exclusão do Ponto “E” ter sido um acerto, o mesmo não pode
ser dito em relação às escolhas pretéritas (“A”,“B”,“C” e “D”), conforme exposto no
próprio “contexto histórico” do Termo de Referência da AAI. Sobre esse histórico acerca
das escolhas, bem de ver, o Autor se manifestou no capítulo 3.1, daí porque pedimos
venia para a ele nos reportamos.
Assim, e considerando que a escolha do Ponto “F” também não foi acertada, pe-
los motivos expostos no capítulo 3.4, é inevitável não temer o presente e o futuro, ainda
mais diante do crescimento vertiginoso de material dragado (e a ser dragado) na Baía de
Guanabara, para os mais variados fins (eg. ampliação dos portos). Para ser ter uma ideia
da relevância da questão, ressaltamos que, além dos 4.000.000m3
de sedimentos previs-
tos no TR da AAI supracitada, existe a previsão de descartes adicionais de aproximada-
mente igual volume (4 milhões de m3
) por parte da Secretaria de Portos e Cia. Docas do
Rio de Janeiro (vide doc.02), o que reforça ainda mais o caráter preventivo e corretivo
desta demanda.
36
Paralelamente ao tão propalado crescimento econômico iniciado na 1ª década
deste século, tivemos o desenvolvimento da ciência e das técnicas de pesquisa. Sem fa-
lar no desenvolvimento teórico e normativo do Direito Ambiental. Se os três desenvol-
vimentos devem ser considerados em igual medida, nada justifica temermos o trecho da
conhecida música “o tempo não para”, de Cazuza, quando se diz “eu vejo o futuro repe-
tir o passado (...)”.
BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE EXIGÊNCIA DO ESTUDO DE ALTERNATIVAS
Dentre os principais elementos que diferenciam um licenciamento sujeito à EI-
A/RIMA dos demais está a necessidade de apresentação de alternativas locacionais e
tecnológicas ao Projeto, assim como a análise comparativa de seus impactos (arts. 5º,
inciso I e 6º, inciso II, Resolução CONAMA n. 1, de 23 de janeiro de 1986). Com essa exi-
gência, considerada pela matriz norte-americana como “o coração do EIA” (Council on
Environmental Quality - CEQ Regulations for Implementing NEPA, Section 40 C.F.R.
§1502.14), garante-se que a decisão do órgão ambiental seja informada quanto à confi-
guração do Projeto que apresentar os menores impactos socioambientais.
No caso em tela, além da exigência individualizada22
, ou seja, em relação a cada
empreendimento sujeito a licenciamento com EIA/RIMA, o estudo de alternativas tam-
bém deve ser exigido por força de outro ato normativo, qual seja, a Resolução CONAMA
nº 454/2012, - estabelece as diretrizes gerais e os procedimentos referenciais para o ge-
renciamento do material a ser dragado em águas sob jurisdição nacional – que, inclusi-
ve, prevê a hipótese da utilização benéfica do material dragado (artigo 15).
Ao estabelecer o comparativo entre as alternativas locacionais e tecnológicas,
deverá o estudo ambiental (vg. aquele integrante da AAI) demonstrar, de forma idônea
(eg. sob a forma mapas e tabelas), cada uma das alternativas com os respectivos impac-
tos ambientais positivos e/ou negativos (eg. cumulativos e sinérgicos).
22
Vale anotar que o estudo de alternativas (tecnológica e locacional) não sofre limitação espacial ou adstrição à sede
do empreendimento, ou seja, ao principal estabelecimento/parque industrial. Muito pelo contrário. Ele acompanha e
orienta todos os impactos das atividades decorrentes do empreendimento, estejam elas no mesmo ou em diferentes
regiões ou ecossistemas (eg. terrestre/marinho).
37
Como exemplo do cumprimento dessa obrigação legal, bem de ver, temos o “Pa-
recer Conjunto de Alternativas Locacionais para Implantação do Complexo Porto Sul na
Região de Ilhéus, Bahia – Instalações Portuárias e Polo Industrial e de Serviços”23
.
Essa análise foi acordada com a Secretaria de Estado da Casa Civil após a realiza-
ção de reunião, em 14 de outubro de 2008, com a participação das Secretarias de Plane-
jamento, Meio Ambiente, Indústria, Comércio, Mineração e Infraestrutura do Estado da
Bahia. Seu objetivo foi a escolha da alternativa mais adequada para implantação, no
município de Ilhéus, do Complexo Porto Sul.
O referido Estudo contempla critérios para a “avaliação das alternativas”, tra-
zendo “fatores críticos-estratégicos” (vg. biodiversidade e dinâmica dos ecossistemas
terrestres), “processos” (vg. eliminação de ambientes singulares e espécies da fauna e
flora) e “indicadores” (vg. fragmentação dos remanescentes florestais), avaliando a sério
e holisticamente a questão ambiental.
Ora, por aí já se vê que o Estudo de Alternativa Locacional é peça fundamental
no contexto do EIA e do licenciamento ambiental, podendo-se dizer que por ele se con-
cretizam princípios da mais alta expressão jurídico-ambiental, como os da prevenção e
do poluidor-pagador. No caso da AAI, sua importância é ainda maior, notadamente pela
gravidade dos impactos cumulativos e sinérgicos. E, nesses casos, o órgão ambiental po-
de ter um papel ainda mais ativo, pois, tal como no caso em tela, ele mesmo poderá
participar e liderar a escolha dos pontos a serem diagnosticados/comparados.
E o papel do órgão licenciador nesse Estudo, repise-se, é fundamental, notada-
mente por ser o responsável por sua análise e aprovação. Não por outra razão, o IBAMA
se manifestou no seguinte sentido no processo de licenciamento ambiental do Estaleiro
Eisa, em Coruripe/AL (vide doc.14):
O Ibama entende que o empreendimento traz benefícios socioeconô-
micos para o município de Coruripe e para o Estado de Alagoas, não
sendo contrário à sua instalação no município, mas, sim, à alternativa
locacional atualmente proposta nos documentos analisados.
23
Disponível em <www.slideshare.net/osarrafo/parecer-conjunto-ambeng-7594258>
38
No Parecer n. 50/2012 e no despacho n. 12/2012 o IBAMA ressalta que pela es-
colha denominada no estudo de “Alternativa 5A", mais da metade da área proposta
(55,4%) para instalação do empreendimento encontra-se em Área de Preservação Per-
manente (APP), área de mangue, ecossistema fundamental para inúmeras espécies, in-
clusive, de valor comercial.
Segundo aquele órgão ambiental, na análise realizada verificou-se deficiências
no estudo de alternativas locacionais apresentado pelo empreendedor. Invocando a Re-
solução CONAMA n. 01, de 23 de janeiro de 1986, aquele órgão recorda que a referida
normativa exige que propostas de alternativas locacionais e tecnológicas sejam apresen-
tadas para os empreendimentos submetidos ao licenciamento ambiental.
A análise do IBAMA traz ainda a colação passagem que traduz com clareza a im-
portância da avaliação daquele estudo:
Para a continuidade do processo, há a necessidade de que sejam apre-
sentadas ao Ibama análise das soluções tecnológicas para implantação
do empreendimento nas alternativas locacionais e análise comparativa
dos impactos ambientais das alternativas, em atendimento à Resolu-
ção Conama 01/86” (...).
As informações sobre as alternativas locacionais, o diagnóstico ambi-
ental elaborado e a avaliação de impactos, além das observações em
campo, sugerem a existência de alternativas locacionais que implicari-
am em menores impactos ambientais, porém o estudo não trouxe as
análises ambientais apropriadas de tais áreas.
Por fim, vale ressaltar que o Poder Judiciário também tem revelado preocupação
com a observância do estudo de alternativas, podendo-se conferir as decisões proferi-
das nos autos dos processos MPRJ vs ERJ, INEA e CBA, ACP nº 0421134-
93.2012.8.19.0001, TJRJ e São Luis vs. MPMA, AgRg Susp Liminar e de Sentença
1.524/MA, 2012, STJ.
CONSIDERAÇÕES SOBRE A FISCALIZAÇÃO DO TRANSPORTE DO MATERIAL DRAGADO E O
MONITORAMENTO DOS IMPACTOS NAS ÁREAS DE DISPOSIÇÃO E DE INFLUÊNCIA
Entre a dragagem no interior da Baía de Guanabara até o lançamento no ponto
de bota-fora oceânico existe uma etapa de suma importância sob o ponto de vista am-
biental, consistente no transporte do material dragado.
39
Por ocasião da reunião realizada em 05 de abril de 2013 entre representantes da
Secretaria Estadual do Ambiente e do INEA com membros do MPRJ, foi informado que a
para fins de disposição do material dragado no ponto “F” seria necessário, por parte dos
empreendedores ou terceiros por ele contratados, que se assumisse o compromisso
quanto ao uso de GPS nas embarcações. Tal informação, gize-se, estava na linha do
quanto asseverado no Of. INEA/PRES nº 444/13, de 12/03/2013, oportunidade em que o
INEA asseverou que acompanhava o cumprimento das condicionantes das licenças con-
cedidas e atuava na apuração de denúncias em parceria com a Capitania dos Portos.
Apesar do repasse dessas informações, verifica-se que durante a instrução do
Inquérito Civil, mais precisamente ao longo do segundo semestre de 2013, foram neces-
sárias novas medidas para aperfeiçoar o sistema de acompanhamento. Assim que, após
a provocação do MPRJ, por exemplo, o INEA notificou (em 06/06/2013) a Petrobrás para
que instalasse o sistema de acompanhamento das balsas pelo próprio Instituto.
O aprimoramento quanto ao sistema de rastreamento das embarcações em
tempo real, principalmente a cargo do INEA (que, obviamente, é o principal responsável
pela fiscalização), passou a gerar um maior controle quanto ao transporte do material
dragado, inclusive com a emissão de recentes notificações e autos de constatação por
descumprimento de condicionantes das respectivas licenças (vide doc.15).
Apesar desses avanços no trato da fiscalização do transporte, o Autor considera,
especialmente à luz do Termo de Referência da AAI e de importantes princípios jurídicos
– transparência, publicidade, controle social e efetividade), que as críticas e sugestões
do Monumento Natural das Ilhas Cagarras são inteiramente válidas quando apontam
para o seguinte quadro:
“Ainda segundo a operacionalização da atividade de uso das áreas oce-
ânicas para descarte de sedimento, não fica claro como os órgãos ou setores
interessados poderia acompanhar ou fiscalizar as atividades de descarte. A-
demais de podermos verificar em tempo real o trajeto do navio rebocador
pelo site indicado nos estudos, pelo sistema de análise remota, não há como
ter a certeza de que o sedimento está sendo despejado apenas após a che-
gada do navio na área autorizada. Descarte fora da área autorizada, sejam a-
cidentais ou intencionais, consequentemente mais próximas e mais influen-
ciáveis pelas correntes marítimas à dispersão, teriam um potencial de impac-
to significativamente maior a esta unidade de conservação, assim muito nos
40
interessa garantir que os descartes estão sendo realizados apenas nas áreas
estudadas, analisadas e permitidas”(doc.13).
O GATE/MPRJ, nesse diapasão, também assentou no seu Parecer Técnico nº
161/2013 que “a ausência de um modelo de governança de gestão participativa afeta
diretamente o processo de cooperação com as comunidades pesqueiras e o processo de
fiscalização dessas atividades de forma cooperativa”.
Impende registrar que essas críticas convergem com as diretrizes e medidas pre-
vistas no item 14 - Modelo de Governança para Gestão Participativa dos Processos de
Dragagem - do Termo de Referência da AAI, que preconiza o seguinte: “a AAI deverá in-
cluir a proposição de um arranjo institucional envolvendo todos os atores envolvidos ou
afetados diretamente pelas operações de dragagem para funcionar como Fórum Per-
manente de Acompanhamento da atividade.”
Em relação ao monitoramento, observa-se que o GATE/MPRJ e o MONA - Cagar-
ras também foram harmônicos em suas observações, críticas e recomendações, valendo
conferir as seguintes passagens:
“No estudo, deveriam ter sido consideradas áreas sensíveis mais próxi-
mas a área de descarte (como, por exemplo, a embarcação submersa, parceis
de pesca ou ilhas), como estabelece o TR, fornecendo subsídios para posteri-
or monitoramento das mesmas. Esse monitoramento possibilitaria confirmar
as previsões do estudo de modelagem e avaliar uma possível deposição de
sedimentos finos nesses ecossistemas em decorrência do descarte de sedi-
mento (...).”– página 14 do Parecer Técnico nº 212/2013, cf. doc.07.
“Para o posterior acompanhamento dos impactos na área estabelecida
para o descarte é importante que seja definida e avaliada uma área de refe-
rência com características semelhantes fora da área de influência direta e in-
direta. Essa área pode ser considerada como base comparativa para a avalia-
ção dos impactos”. – página 16 do PT nº 212/2013.
“(...) Assim, reconhecendo a necessidade de se prevenir impactos ou
danos à unidade de conservação e na falta de conclusões técnicas adequadas
sobre os possíveis impactos causados pelo uso das áreas de bota-fora oceâni-
cos nas adjacências da Baía de Guanabara, seria correto afirmar que o licen-
ciamento destas áreas deveria garantir a inclusão de pontos de monitora-
mento de parâmetros biológicos, químicos e físicos especificamente relacio-
nados à atividade, que pudessem comprovar a ocorrência ou ausência de da-
41
nos a esta área especialmente protegida (...)” – página 5 da Manifestação
Técnica MONA Cagarras nº 01/2013, cf. doc.13.
“Vimos sugerir, como forma de contribuir positivamente à discussão da
questão e à minimização e possíveis impactos que estejam sendo ocasiona-
dos à biota marinha, a inserção de minimamente dois pontos de monitora-
mento de parâmetros biológicos, químicos e físicos, a serem definidos pela
unidade de conservação, nas proximidades do MONA Ilhas Cagarras, como
forma de monitorar e dirimir lacunas de conhecimento técnico que dizem
respeito à influência desta atividade nas áreas da UC, à médio prazo, no que
diz respeito ao Ponto F”. – página 6 da MT MONA Cagarras nº 01/2013.
Portanto, infere-se que, tanto o transporte do material dragado quanto o moni-
toramento dos impactos da atividade de descartes oceânicos devem ser objeto de aper-
feiçoamento substancial, seja para aumentar a transparência e o controle social quanto
à operacionalização da atividade, seja para acompanhar, controlar ou evitar impactos
negativos em outras áreas, notadamente naquelas ambientalmente protegidas.
3.7. Considerações Finais
No presente e derradeiro capítulo, o Autor, além de resumir a causa de pedir,
fará brevíssima consideração sobre as razões do próprio ajuizamento.
Conforme exposto nos capítulos antecedentes, basicamente seis situações anti-
jurídicas atribuídas aos Réus ocorreram ao longo do processo de licenciamento dos em-
preendimentos/atividades sujeitas à dragagem que utilizam bota-fora oceânico adjacen-
te à Baía de Guanabara. São elas:
(i) a autorização de descartes de material dragado em área de disposição oceânica (bo-
ta-fora “F”) sem a realização de prévio e correto estudo de alternativa locacional; bem
como sem prévia, regular e integral caracterização física, química e biótica da área im-
pactada. Ou seja, falha de conteúdo dos estudos apresentados em afronta ao art. 225,§
1º, inciso IV da CRFB/1988;
(ii) além da ausência de correto diagnóstico da área impactada, os descartes foram e
estão sendo permitidos sem prévio e regular prognóstico dos impactos cumulativos e
sinérgicos nos diversos meios e compartimentos socioambientais afetados. Tal fato vai
de encontro com o art. 1º da Lei Estadual nº 3.111/1998;
42
(iii) importantes e imprescindíveis etapas da Avaliação Ambiental Integrada (AAI), além
das mencionadas nos itens anteriores, não foram cumpridas previamente à autorização
e aos respectivos descartes, perdurando tal inadimplemento por considerável período;
assim, e considerando que a AAI complementa o EIA/RIMA apresentado pelos empre-
endedores, não há a formação um de cenário idôneo que aponte para a viabilidade am-
biental e o grau de suportabilidade do meio impactado para a totalidade dos descartes a
serem efetuados;
(iv) os vícios de metodologia e conteúdo na realização/condução dos estudos integran-
tes Avaliação Ambiental Integrada não permitiram a formação de uma segura avaliação
de impactos que pudesse, à luz do ordenamento jurídico ambiental, garantir a ausência
de impactos negativos não toleráveis ou controláveis nas áreas diretamente impactadas
e de influência, contrariando, assim, os princípios da precaução e da prevenção;
(v) além das obrigações dispostas no Termo de Referência da AAI, a legislação de regên-
cia (vg. Res. CONAMA nº 01/1986 e art. 37 da CRFB/1988) não foi corretamente inter-
pretada/aplicada pelos órgãos ambientais competentes, dando ensejo: a incompatibili-
dades (objeto/motivo/finalidade) na formação do ato administrativo - licenças ambien-
tais; a inobservância de vetores do princípio da eficiência; a ausência de manifestação
de outros órgãos e entidades no licenciamento ambiental, como o IBAMA e o MONA
Cagarras/ICMBio/MMA;
(vi) inconsistências no licenciamento que impedem: o efetivo monitoramento dos im-
pactos socioambientais nas áreas diretamente afetadas e de influência; a transparência,
a participação e o controle social quanto ao transporte e regular despejo do material
dragado na área de bota-fora autorizada.
Muito embora o INEA e a SEA, em 11 de dezembro de 2013, tenham encaminha-
do o Ofício INEA/PRES nº 2355/2013 (doc.15), oportunidade em que acenaram para o
atendimento próximo da conclusão das etapas da AAI, não se pode perder de vista que
alguns dos vícios de metodologia e de conteúdo apontados pelo GATE/MPRJ e pelo
MONA Cagarras/ICMBio são graves e remontam a etapas como o diagnóstico e o prog-
43
nóstico da avaliação de impactos – que, por sua vez, são fundamentais para o estabele-
cimento das medidas mitigadoras.
Assim, e ainda que os Réus estejam dispostos a exigir o encerramento das etapas
da AAI e até mesmo a correção ou complementação dos estudos ambientais pertinen-
tes, certo é que (i) graves vícios já foram identificados - alguns demandarão prova com-
plexa para fins de desconstituição (como a incompletude na caracterização inicial); (ii)
existe a probabilidade de sérios danos ambientais e de seu agravamento - de dificílima
ou até mesmo impossível reparação; (iii) apesar das recomendações expedidas pelo
Parquet, os demandados insistem em permitir os descartes no ponto “f” sem a imediata
correção e conclusão dos estudos integrantes da AAI, não prestigiando os princípios da
precaução e prevenção e gerando fundado receio quanto à repetição desses mesmos
erros nas avaliações de descartes futuros. Ou seja, neste cenário, só resta ao Autor o
ajuizamento desta ação civil pública, que conta inclusive com pretensão de provimento
antecipatório.
4. PEDIDO LIMINAR
É imprescindível a antecipação dos efeitos da tutela, com o deferimento de me-
dida liminar que determine a suspensão dos descartes oceânicos, até que sanadas as
irregularidades detalhadas nesta ação e, por meio da Avaliação Ambiental Integrada,
composta por todos os seus elementos normativos, seja configurada a suportabilidade e
adequação do ponto de descarte “F”.
Os requisitos para a concessão de liminar na ação civil pública, com natureza de
antecipação de tutela, são a urgência, ou, nos termos da lei, o justificado receio de inefi-
cácia do provimento final - periculum in mora - e a relevância do fundamento da de-
manda, ou fumus boni juris.
No caso em questão, ambos os requisitos mostram-se insofismáveis e a conces-
são da medida liminar é medida que se impõe para a preservação do ordenamento jurí-
dico, para garantia do provimento final e em especial para salvaguarda do meio ambien-
te e da saúde da população (eg. pelos riscos de contaminação da fauna marinha, especi-
Licenciamento ambiental de dragagens e descartes na Baía de Guanabara
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Licenciamento ambiental de dragagens e descartes na Baía de Guanabara

  • 1. Grupo de Atuação Especializada em Meio Ambiente Travessa do Ouvidor 38 Centro Rio de Janeiro RJ 22234-090 secgateambiental@mp.rj.gov.br 21 2224 9910 EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA DE FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DA CAPITAL – ESTADO DO RIO DE JANEIRO Inquérito Civil n. MA 2461 O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, pelos Promo- tores de Justiça subscritos, vem no uso de suas atribuições legais e com fulcro nos arti- gos 129, incisos II e III e 225 da Constituição da República de 1988; art. 173, incisos II e III da Constituição deste Estado; e arts. 1º, incisos I e III e 5º, I da Lei n. 7.347, de 24 de ju- lho 1985, propor a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO INAUDITA ALTERA PART DOS EFEITOS DA TUTELA em face do INSTITUTO ESTADUAL DO AMBIENTE – INEA, pessoa jurídica de direito pú- blico - autarquia estadual, com sede na Avenida Venezuela, nº 110, Saúde, Rio de Janei- ro/RJ e do ESTADO DO RIO DE JANEIRO, pessoa jurídica de direito público, a ser citado na pessoa do Procurador do Estado com atribuição, na Rua do Carmo, nº 27, Centro, Rio de Janeiro/RJ, pelas razões de fato e de direito a seguir aduzidas:
  • 2. 2 SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 3 2. SOBRE A LEGITIMIDADE PASSIVA.................................................................................... 4 3. DOS FATOS E FUNDAMENTOS ........................................................................................ 5 3.1. O objeto da investigação......................................................................................... 5 3.2. A Avaliação Ambiental Integrada e seu Termo de Referência................................ 8 3.3. A Avaliação Ambiental Integrada e os Princípios da Prevenção e Precaução ...... 10 3.4. A Situação Indesejada: Avaliação Ambiental Insuficiente para uma Atividade Poluidora Complexa e Significativamente Impactante ................................................ 16 3.5. A vinculação à AAI: a incidência da teoria dos motivos determinantes e do princípio da eficiência................................................................................................... 21 3.6. Considerações Adicionais...................................................................................... 29 3.7. Considerações Finais ............................................................................................. 41 4. PEDIDO LIMINAR ........................................................................................................... 43 5. DOS PEDIDOS................................................................................................................. 47 6. DAS PROVAS................................................................................................................. 47
  • 3. 3 1. INTRODUÇÃO A presente ação civil pública busca provimento jurisdicional, inclusive de urgên- cia (inaudita altera parts), para assegurar a proteção do meio ambiente e à saúde amea- çado de grave e iminente lesão. Os danos ambientais de esperada ocorrência, mantida a situação dos fatos como vêm se desenvolvendo – isto é, sem a paralisação da ativida- de poluidora e a conclusão de importantes estudos prévios -, decorrerá da ausência de prognóstico e controle (vg. avaliação e estabelecimento de medidas mitigadoras) acerca dos significativos impactos ambientais negativos das atividades de dragagens e descar- tes oceânicos. As principais causas de pedir desta demanda consistem, em apertada síntese, (i) na ausência de informações e estudos ambientais seguros que comprovem a regulari- dade do licenciamento ambiental da atividade de descarte oceânico; (ii) no fato da ava- liação ambiental integrada, a cargo do INEA, padecer de vícios de metodologia e conte- údo, sendo insuficiente para a formação de Estudos de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) adequados e, consequentemente, para a emissão das devidas licenças ambientais; (iii) nos graves riscos ao meio ambiente decorrentes da indefinição e incompletude que cer- cam o licenciamento ambiental de atividade significativamente impactante, inclusive com prejuízos à publicidade e participação pública sobre o conjunto de EIA/RIMA dos empreendimentos bem como a vocação do licenciamento como instrumento preventi- vo. Um registro importante O Ministério Público Estadual não é contrário às atividades de dragagens desen- volvidas no interior da Baía de Guanabara seguidas da disposição de sedimentos em á- rea oceânica a ela adjacente. Tampouco é indiferente aos planos e compromissos assu- midos pelos entes políticos envolvendo os empreendimentos sujeitos a dragagens e que sejam importantes para o desenvolvimento socioeconômico regional e municipal (vg. Rio de Janeiro e Niterói).
  • 4. 4 Esta ação é ajuizada sob as premissas de que (i) nenhum compromisso governa- mental, à luz do Estado Democrático de Direito, pode ser concebido e executado ao ar- repio das Leis e da Constituição e (ii) a celeridade do licenciamento ambiental, conquan- to desejável, deve sempre e necessariamente primar pelo respeito ao devido processo legal. Assim, eventuais atrasos em razão do distanciamento às duas premissas acima não podem ser atribuídos ao Ministério Público ou ao Judiciário. 2. SOBRE A LEGITIMIDADE PASSIVA Inicialmente, convém salientar que a legitimidade ativa do Parquet para ajuizar a presente ação é inconteste, uma vez que a Lei da Ação Civil Pública – nº 7.347/1985 -, a par de contemplar o meio ambiente como interesse/bem jurídico passível de tutela pe- los instrumentos da ação civil pública e da ação cautelar, conforme seus artigos 1º e 4º, expressamente reconheceu a legitimidade do Ministério Público para promovê-las (art. 5º, I). A legitimidade passiva, por sua vez, é justificada pelo seguinte fato: o Instituto Estadual do Ambiente (autarquia estadual) é o responsável pelo licenciamento ambien- tal dos empreendimentos que realizam as atividades de dragagens nos canais de acesso e nas bacias de evolução dos terminais portuários localizados na Baía de Guanabara. Com efeito, compete ao INEA não só conceder as licenças ambientais requeridas pelos empreendedores como também exigir e analisar os Estudos de Impacto Ambiental e respectivos relatórios – EIA/RIMA apresentados para aquela atividade. O INEA, assim, enquanto órgão licenciador que interpreta e aplica a legislação ambiental no contexto da implantação e funcionamento dessas atividades, deve res- ponder caso cometa irregularidades no exercício desta sua importante função. Isto é, em havendo omissões ou falhas nas etapas do licenciamento ambiental sob sua condu- ção – e a Avaliação Ambiental Integrada é uma das mais importantes fases no caso de diagnóstico, prognóstico e remediação de impactos socioambientais cumulativos e si- nérgicos -, deverá ser responsabilizado por esta conduta. E, para fins de responsabiliza- ção, os fatos subjacentes e os meios de prova de que se dispõe poderão orientar para
  • 5. 5 uma ou mais formas de tutela jurisdicional, inclusive com a combinação delas (eg. ação de cunho preventivo e reparatório/compensatório). No presente caso, como se está diante de fundados indícios de violação a impor- tantes obrigações prévias (vg. de diagnóstico) integrantes do licenciamento ambiental, obrigações estas que deveriam ser exigidas integralmente pelo INEA antes de autorizar a atividade de descarte oceânico, nada mais razoável do que exigi-las daquele que: (i) é o “regulador” da referida avaliação, uma vez que assume essa posição ao confeccionar e publicar o seu correlato Termo de Referência - fixando os parâmetros, diretrizes e obje- tivos daquela avaliação; (ii) é o destinatário dos estudos e laudos que consubstanciam a avaliação ambiental integrada; (iii) é o “julgador” desse conjunto de estudos/laudos, não só analisando a higidez do seu conteúdo como a possibilidade de respaldarem as licen- ças ambientais correlatas. Por fim, vale ressaltar que a inclusão do Estado do Rio de Janeiro no polo passivo se deve ao fato da Secretaria de Estado do Ambiente ser responsável pela formulação e execução da política ambiental estadual sendo certo que, no caso em tela, em razão das frequentes demandas do Ministério Público Estadual e da sociedade, principalmente do segmento de pescadores, passou a atuar em coparticipação com o INEA, tanto na avali- ação das condições ambientais e locacionais dos pontos de descarte oceânico dos mate- riais dragados na Baía de Guanabara, quanto no monitoramento e fiscalização dos alija- mentos. 3. DOS FATOS E FUNDAMENTOS 3.1. O objeto da investigação O Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro - originariamente pela 5ª Pro- motoria de Justiça de Tutela Coletiva do Meio Ambiente e a partir de agosto de 2012 com o auxílio do GAEMA –, considerando as notícias a ele trazidas sobre lançamentos oceânicos irregulares de sedimentos oriundos de processos de dragagens, instaurou o Inquérito Civil tombado sob o nº MA n. 2461. Este procedimento, bem de ver, teve por objetivo precípuo apurar possíveis irregularidades nas intervenções de dragagem do ca-
  • 6. 6 nal de acesso e das bacias de evolução dos terminais do porto do Rio de Janeiro e Nite- rói, inclusive no que tange a possíveis deficiências no processo de licenciamento ambi- ental daquela atividade. Insta salientar que, ao longo de sua instrução, o inquérito civil contou com inú- meras diligências, tais como a requisição de informações, elaboração de Pareceres Téc- nicos, a realização de reuniões, a expedição de recomendação e a tentativa de forma- ção de um Grupo de Trabalho integrando, pelo menos, técnicos do INEA e do MPRJ (vide doc. 01). E, após essas inúmeras diligências, é possível perceber o seguinte contexto. A partir do ano de 1996, com base em estudos realizados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Hidroviárias – INPH, as disposições de materiais dragados oriundos da Baía de Guanabara foram autorizadas pelo órgão ambiental estadual, alternativamente, nos locais de bota-fora denominados “Pontos” A, B e C, todos localizados na região oceânica defronte à Baía. Apesar da consagração pelo uso da palavra “bota-fora”, mais tecnica- mente estamos nos referindo à área de disposição do material dragado (art. 2º, II da Res. CONAMA nº 454/2012)1 . O Ponto “A” localizava-se próximo às ilhas do Pai e da Mãe, o Ponto “B” próximo ao Arquipélago das Cagarras (Monumento Natural) e o Ponto “C” localizado ao sul do Ponto “A”, mais afastado das praias oceânicas de Niterói. Segundo informado pelo INEA (vide doc. 02), em função das proximidades com acidentes geográficos ecologicamente relevantes os Pontos “A” e “B” foram desativados e, desta forma, as dragagens realizadas no interior da Baía de Guanabara passaram a ter como local para disposição o Ponto “C”. Em relação ao Ponto “C”, convém salientar que, no início dos anos 2000, foi re- querida pela Companhia Docas do Rio de Janeiro a Licença Prévia para a realização de dragagens nos Portos do Rio e Niterói com um volume aproximado de 1.400.000 m3 . No 1 Área de disposição de material dragado é definida como “local onde será disposto o material resultante das atividades de dragagem, em seu estado natural ou transformado em material adequado a essa per- manência, de forma a não prejudicar a segurança da navegação e não causar danos significativos ao meio ambiente ou à saúde humana”.
  • 7. 7 bojo deste licenciamento, como não poderia deixar de ser, foi exigido e apresentado EIA/RIMA, tendo como área de estudo para disposição do material dragado o referido ponto. Em função da criação do Monumento Natural das Cagarras e o Ponto “C” estar localizado a menos de 10,0 Km daquele, o INEA solicitou ao INPH um estudo para defini- ção de um novo ponto em local que atendesse os seguintes critérios: não ocorrer trans- porte do material em direção às praias; não ocorrer retorno para o interior da Baía; não atingir o Monumento Natural das Cagarras; possuir profundidade adequada; não afetar parceis (locais mais favoráveis à atividade de pesca). Foi, então, definido o local denominado como Ponto “D”, que passou a ser utili- zado, pelo menos, de novembro de 2010 até maio de 2012. A sua desativação pautou-se principalmente pelas críticas e questionamentos levados a efeito pelo Parquet (com ba- se em elementos do IC MA 2461) e pelos representantes do segmento pesqueiro. Nesse sentido, a Secretaria de Estado do Ambiente e o INEA resolveram reavaliar, em conjunto com as empresas que demandam operações de dragagem, as condições ambientais e locacionais do Ponto “D”, bem como estabelecer um novo ponto de disposição de mate- rial dragado (Ponto “E”) a ser considerado para a emissão das licenças. No que tange à viabilidade ambiental do Ponto “E”, o INEA asseverou (vide doc. 02) que “se trata de uma alternativa que foi brevemente estudada, mas já desde o início foi considerada como infrutífera, haja vista sua proximidade com um parcel considerado importante para os pescadores.” Ainda segundo o INEA, “nenhum descarte foi autoriza- do nessa localidade, até mesmo pelos estudos terem evoluído para a possibilidade de utilização do Ponto “F”, que se localiza além da isóbara 50. Assim, chegou-se ao Ponto “F”, sendo certo que a crescente e considerável de- manda por dragagens, aliada a correta preocupação com a capacidade de suporte (“su- portabilidade”) do meio impactado, fez com que o órgão licenciador, sensível às críticas2 de entidades da sociedade civil e do MPRJ, interpretasse a legislação ambiental em con- sonância com as peculiaridades (eg. cumulatividade) da atividade. As críticas até então 2 Vide doc.03
  • 8. 8 feitas estão na linha daquela comunicada ao INEA por intermédio do Memorando nº 27/12, no sentido de que “os diversos licenciamentos para dragagem e lançamento de material em bota-fora vêm sendo elaborados de forma fragmentada, ao não considerar os volumes dragados pelos demais empreendimentos na Baía de Guanabara”. A relação de sinergia e cumulatividade dos impactos negativos da atividade em referência foi reconhecida pelo INEA em diversas manifestações, cabendo destacar, a guisa de exemplo, as premissas e diretrizes do Termo de Referência (TR) expedido por aquele Instituto para a denominada Avaliação Ambiental Integrada (AAI). Com efeito, no capítulo 02 (objeto) do TR, consta expressamente “a necessidade de realização da Avali- ação Ambiental Integrada – AAI da atividade de dragagem deve-se às intervenções de responsabilidade dos diversos agentes que operam no interior da Baía de Guanabara e que, no conjunto, podem ocasionar uma sobrecarga no meio ambiente, o que nem sempre é percebido quando se avalia cada atividade de per si.” Em desfecho, vale registrar que os últimos atos de instrução do Inquérito Civil subjacente foram direcionados justamente para apurar a correção da metodologia e do conteúdo dos estudos/laudos que compõem a Avaliação Ambiental Integrada, sendo certo que pelo menos três Pareceres Técnicos foram exarados neste sentido. 3.2. A Avaliação Ambiental Integrada e seu Termo de Referência A avaliação ambiental integrada e o Termo de Referência, apesar de serem insti- tutos distintos, estão diretamente ligados. Em apertada síntese, e considerando que o produto final (estudo consolidado) da Avaliação Ambiental Integrada passa por um e- xercício de elaboração e sistematização de diversos estudos/diagnósticos (eg. biologia, oceanografia, engenharia sanitária e sociologia), podemos dizer que o Termo de Refe- rência é a “lei concreta”, a diretriz, o regulamento daquele exercício/produto fi- nal/estudo – vide, a propósito, o art. 5º, parágrafo único, da Resolução CONAMA nº 01/1986. Da análise do Termo de Referência (vide doc.04) estabelecido pela SEA e pelo INEA para a AAI, convém registrar as seguintes premissas e objetivos:
  • 9. 9 A necessidade de realização da Avaliação Ambiental Integrada - AAI da ativi- dade de dragagem deve-se as intervenções de responsabilidade dos diversos agentes que operam no interior da Baía de Guanabara e que no conjunto, podem ocasionar uma sobrecarga no meio ambiente, o que nem sempre é percebido quando se avalia cada atividade de per si; O documento final deverá ser capaz de dirimir dúvidas sobre a adequação dos locais de alijamento atualmente utilizados, sobretudo no que se refere aos impactos na atividade de pesca e subsidiar a reavaliação das condicio- nantes das licenças já concedidas, em termos de eventuais adequações, além de orientar o processo de concessão de novas licenças ambientais; Os estudos a serem realizados no âmbito da AAI devem se distribuir em pelo menos seis etapas/fases básicas, notadamente com: a caracterização socio- ambiental da região; a identificação e análise dos impactos ambientais e dos conflitos decorrentes do alijamento do material dragado; a avaliação dos e- feitos sinérgicos e cumulativos resultantes dos impactos ambientais ocasio- nados pela frequente atividade de disposição final em área oceânica; a apre- sentação, discussão e validação do relatório final; Caracterização Socioambiental da região, envolvendo a identificação das principais características ambientais, econômicas e sociais devendo gerar uma análise dos aspectos socioambientais mais relevantes, incluindo as po- tencialidades e os espaços/elementos mais sensíveis do ponto de vista ambi- ental. Esta atividade deverá definir os aspectos relevantes e apontar os indi- cadores de sensibilidade; Análise de questões que devem ser necessariamente observadas pelo em- preendedor, tais como levantamentos temáticos (eg. levantamento e carac- terização das atividades já licenciadas ou em via de licenciamento, ecossis- temas aquáticos, qualidade da água e sedimento), levantamento batimétrico e geofísico da área de influência do ponto de disposição, estudo de modela-
  • 10. 10 gem computacional para prognóstico, análise de impactos ambientais e sis- tematização do relatório da AAI. Expostas as principais premissas, etapas e objetivos do Termo de Referência que devem (ou deveriam) orientar a AAI, convém enveredar pelos principais fundamentos jurídicos que conduzem à procedência dos pedidos. 3.3. A Avaliação Ambiental Integrada e os Princípios da Prevenção e Precaução Impacto Ambiental, de acordo com o artigo 1º da Resolução CONAMA 01/86, é “qualquer alteração das propriedades físicas, químicas e biológicas do meio ambiente, causada por qualquer forma de matéria ou energia resultante das atividades humanas que, direta ou indiretamente, afetam: a) a saúde, a segurança e o bem estar da popula- ção; b) as atividades sociais e econômicas; c) a biota (flora, fauna e outros organismos); d) as condições estéticas e sanitárias do meio ambiente; e) a qualidade dos recursos am- bientais. A identificação e análise dos impactos ambientais dão-se por meio de instrumen- tos de Avaliação de Impactos Ambientais (AIA), sendo esta um gênero, do qual diversos estudos ambientais são espécies. A Avaliação de Impacto Ambiental foi instituída como um instrumento da Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA) (art. 9º, III, Lei Federal nº 6.938/81). Só pelo fato de existência de risco de ocorrência de impacto ambiental, e por ser ela instrumento da PNMA, a AIA pode ser exigida sem qualquer limitação ou condicionante, em projetos públicos ou privados, industriais ou não, urbanos ou rurais, em áreas consideradas críti- cas de poluição ou não. Uma das espécies mais conhecidas de AIA é o Estudo de Impacto Ambiental e seu respectivo relatório (EIA-RIMA). Disciplinado diretamente pela Constituição da Re- pública de 19883 , constitui-se numa obrigação para aquelas atividades e empreendi- mentos potencialmente causadores de significativo impacto ambiental. 3 Artigo 225, §1º, IV, da Constituição da República.
  • 11. 11 Muito embora o EIA-RIMA elaborado para o projeto de uma atividade ou empre- endimento específico deva contemplar os impactos cumulativos e sinérgicos em relação à soma ou interação de impactos gerados por ações em um mesmo sistema ambiental, há situações em que determinadas regiões passam a ser alvo de inúmeras atividades sem o anterior planejamento de impactos que, somados, podem gerar a saturação do ambiente. Nesse caso, com a finalidade de prever a capacidade de determinado sistema pa- ra suportar os impactos das atuais e eventuais futuras atividades, faz-se necessário um diagnóstico aprofundado de todos os impactos ambientais possíveis por meio de estu- dos mais abrangentes, independente do licenciamento individual de cada empreendi- mento ou atividade. Nesse caso, a espécie de AIA adequada para esse fim é a Avaliação Ambiental In- tegrada, com interessante definição trazida por VALERA: “É o estudo capaz de conhecer especificamente os efeitos sinérgicos e cumulativos resultantes dos impactos ambien- tais ocasionados pelo conjunto de empreendimentos em planejamento, implantação e operação em uma determinada área”4 . No caso em tela, contemplar as diversas atividades de dragagem apenas a partir de seus licenciamentos individuais não gera a análise real de todos os impactos ao am- biente marinho de descarte. Mesmo porque todas as atividades utilizam-se de ponto comum para o alijamento (Ponto “F”), o que revela a necessidade de avaliação da capa- cidade de saturação deste ponto, análise conjunta da qualidade e quantidade do mate- rial, dentre outros fatores. O entendimento quanto à análise sinérgica e cumulativa de impactos encontra- se previsto na legislação fluminense desde 1998, quando a Lei Estadual nº 3.111, de 18.11.1998 veio complementar a Lei Estadual nº 1.356, de 03.10.1988, que dispõe sobre o EIA-RIMA neste Estado. Assim dispõem os arts. 1º e 2º da mencionada Lei Estadual nº 3.111/1998: 4 VALERA, Carlos Alberto. A Avaliação Ambiental Integrada dos impactos cumulativos sinérgicos dos em- preendimentos minerários. Acessível em: < http://www.gnmp.com.br/publicacao/147/>.
  • 12. 12 Art. 1º - Quando houver mais de um EIA/RIMA para a mesma bacia hi- drográfica, a Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente5 de- verá realizar a análise conjunta dos empreendimentos, para definir a capacidade de suporte do ecossistema, a diluição dos poluentes e os riscos civis, sem prejuízo das análises individuais dos empreendimen- tos. Art. 2º - O não atendimento ao previsto nesta Lei anulará o licencia- mento ambiental. A legislação mencionada utiliza-se da Bacia Hidrográfica como a unidade territo- rial de gestão ambiental, o que é comum em outras normas legais, como, por exemplo, as Políticas Nacional e Estadual de Recursos Hídricos6 . No caso em exame, as atividades de dragagem licenciadas pelo INEA ocorrem todas na mesma Bacia Hidrográfica – Bacia Hidrográfica da Baía de Guanabara. Por tal razão, a Avaliação Ambiental Integrada, como forma de análise conjunta dos empreendimentos, ditada pela legislação estadual transcrita, faz-se imprescindível para análise não só do diagnóstico da área selecionada para os descartes, mas também para avaliar se, de fato, esta é a área com capacidade de suporte, se é viável a diluição do material depositado, dentre outros possíveis impactos advindos das atividades de dragagem. O escopo de cautela da legislação e dos pleitos veiculados nesta demanda quan- to à necessidade da análise sinérgica e cumulativa dos impactos fundamenta-se em dois princípios basilares do Direito Ambiental: Princípios da Prevenção e da Precaução. Pelo Princípio da Prevenção, que se encontra implícito na Constituição de 1988 em diversos comandos que elencam medidas preventivas em prol do meio ambiente, toda e qualquer ação ou decisão, pública ou privada, deve avaliar previamente os im- pactos que elas possam ocasionar, antes que tragam risco de danos sobre o meio. 5 Com a criação do Instituto Estadual do Ambiente (INEA) em 2007, a Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente (FEEMA) foi extinta, sendo incorporado àquele Instituto todas as suas competências. 6 Respectivamente, Lei Federal nº 9.433, de 08.01.1997 e Lei Estadual nº 3.239, de 02.08.1999.
  • 13. 13 Já o Princípio da Precaução7 consagra o entendimento de que, diante da incerte- za científica de que certa atividade vá ou não causar dano, deve-se impedi-la e evitá-la, respeitando-se a regra in dubio, pro ambiente. Em artigo publicado na página do Superior Tribunal de Justiça na internet8 , fica claro o entendimento pacífico do Tribunal no sentido da aplicabilidade, normatividade e consequências jurídico-processuais do princípio da precaução, inclusive admitindo a in- versão do ônus da prova ao (co)responsável pela atividade ou empreendimento que ge- re o risco de dano ao ambiente: No sistema processual brasileiro, há uma regra geral: o ônus da prova incumbe ao autor, que deve demonstrar os fatos constitutivos do seu direito, para que a verdade alegada em juízo seja admitida pelo magis- trado. Ao réu, por sua vez, cabe demonstrar a existência de fatos que modificam ou mesmo extinguem o direito pleiteado pelo autor, po- dendo contestá-lo por meio de contraprovas. Se parece adequada para a maioria das lides, a regra do ônus da prova pode representar, no caso das ações ambientais, um empecilho pro- cessual. Não apenas porque desconsidera as dificuldades naturais de prova do nexo de causalidade entre a atividade exercida e a degrada- ção, como também ignora um princípio fundamental do Direito Ambi- ental: o de que a adoção de medidas para evitar a ocorrência de danos ambientais não deve ser protelada – nem mesmo nos casos em que não há certeza científica do dano. Tal abordagem, consagrada como o “princípio da precaução”, motivou o Superior Tribunal de Justiça (STJ) a adotar uma nova racionalidade ju- rídica no julgamento das ações civis ambientais. Em uma inovação de sua jurisprudência, o Tribunal tem admitido a inversão do ônus da pro- va em casos de empresas ou empreendedores acusados de dano am- biental – ou seja, cabe ao próprio acusado provar que sua atividade não enseja riscos à natureza. O entendimento se baseia na ideia de que, quando o conhecimento ci- entífico não é suficiente para demonstrar a relação de causa e efeito entre a ação do empreendedor e uma determinada degradação ecoló- gica, o benefício da dúvida deve prevalecer em favor do meio ambien- te – o que se traduz na expressão in dubio pro ambiente, ou interpre- tação mais amiga da natureza. A aplicação do princípio da precaução como instrumento hermenêuti- co foi evidenciada em um julgamento paradigmático da Segunda Tur- ma do STJ (REsp 972.902/RS). O processo envolveu uma ação civil pú- blica ajuizada pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul objetivando 7 Este entendimento encontra-se definido no Princípio 15 da Declaração do Rio: “(...) Quando houver a- meaça de danos graves ou irreversíveis, a ausência de certeza científica absoluta não será utilizada como razão para o adiamento de medidas economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental.” 8 Disponível em <http://www.stj.gov.br/portal_stj /publicacao/engine.wsp ?tmp.area=398& tmp.texto= 97506>
  • 14. 14 a reparação de dano ambiental de uma indústria de borracha. No re- curso especial que interpôs no Tribunal, o Ministério Público pleiteou a inversão do ônus da prova, pedido negado pelas instâncias inferiores. Em seu voto, a relatora do processo, ministra Eliana Calmon, deferiu o pedido por meio da equiparação da proteção do meio ambiente às re- lações de consumo, nas quais o instituto da inversão do ônus da prova aparece expressamente previsto no ordenamento jurídico (art. 6º, inci- so VIII do Código de Defesa do Consumidor). “No caso das ações civis ambientais, entendo que o caráter público e coletivo do bem jurídico tutelado nos leva à conclusão de que alguns dos direitos do consumi- dor também devem ser estendidos ao autor daquelas ações, afinal tais buscam resguardar ou reparar o patrimônio público de uso coletivo”, afirmou a ministra. Tal entendimento foi pacificado no Tribunal no julgamento das ações por dano ambiental em que cabe a aplicação do princípio da precau- ção. “Esse princípio pressupõe a inversão do ônus probatório, compe- tindo a quem supostamente promoveu o dano ambiental comprovar que não o causou ou que a substância lançada ao meio ambiente não lhe é potencialmente lesiva”, posicionou-se Eliana Calmon num julga- mento recente, que envolveu a emissão de um suposto poluente – o carbonato de cálcio – por uma empresa de transportes e armazena- gem do interior de São Paulo (REsp 1.060.753/SP). Ao interpretar o disposto no Código de Defesa do Consumidor sob a lente da gestão preventiva do dano ambiental, os ministros do STJ transferiram para o empreendedor da atividade potencialmente lesiva o ônus de demonstrar a segurança da atividade. A decisão, recebida com louvores, conferiu normatividade aos princípios do Direito Ambi- ental que vinculam a ação humana presente a resultados futuros, revi- gorando uma nova concepção ética da tutela ao meio ambiente. Em casos similares, onde há necessidade de análise sinérgica e cumulativa de impactos, os tribunais pátrios têm entendido pela prevalência da cautela, em prol dos Princípios da Prevenção e Precaução. Em julgamento recente, o Superior Tribunal de Justiça, por sua Corte Especial, entendeu pela suspensão de licenças ambientais expedidas sem Avaliação Ambiental Integrada que pudesse analisar os efeitos cumulativos e sinérgicos de empreendimentos na mesma Bacia Hidrográfica. Eis a transcrição da ementa e trecho do julgado: AGRAVO REGIMENTAL NO PEDIDO DE SUSPENSÃO. GRAVE LESÃO À ORDEM E ECONOMIA PÚBLICAS. INEXISTÊNCIA. PEDIDO DE SUSPEN- SÃO INDEFERIDO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. I – (...) II - Não se mostra viável na presente senda o exame do acerto ou de- sacerto de decisum, não podendo o incidente ser utilizado com o obje-
  • 15. 15 tivo de discutir o próprio mérito da ação principal, in casu, a questão da possibilidade ou não de convalidação das licenças ambientais expe- didas sem consideração dos efeitos cumulativos ou sinérgicos entre os empreendimentos hidrelétricos instalados numa mesma região da Ba- cia Hidrográfica do Rio Santo Antônio. III - Em relação à alegação de grave lesão à ordem e economia públicas, denota-se que a preocupação contida na ação civil pública analisada pelo Poder Judiciário mineiro tem índole ambiental, focada na necessi- dade de que a implementação de política pública consubstanciada no progresso energético estadual e nacional seja feita com a devida pre- servação do meio ambiente. IV - Sem emitir juízo de mérito sobre questão acima exposta, diante da dúvida sobre validade dos procedimento administrativos das licenças ambientais pendentes ou já concedidas, bem como sobre as incertezas a respeito dos impactos ambientais dos mencionados empreendimen- tos em conjunto considerados, não visualizo, em atenção aos princí- pios ambientais da precaução/prevenção, grave lesão às ordens públi- ca e econômica do Estado de Minas Gerais. V - Entendo que a suspensão das licenças ambientais até o julgamento de mérito da ação civil pública, prestigia, ao final, o interesse coletivo lato sensu à saúde pública. Agravo regimental desprovido. (AgRg na SLS 1753/MG. Relator Ministro FELIX FISCHER, Data de Julgamento 07/08/2013. Dje 26/08/2013. CE - CORTE ESPECIAL). Ainda sobre o tema, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região já proferiu enten- dimento no sentido de que a análise cumulativa e sinérgica de atividades conjuntas em uma mesma Bacia Hidrográfica é essencial. Eis a transcrição de trecho do julgado: AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. EFEITOS DA APELAÇÃO. 1. Nos termos do art. 14 da Lei nº 7.347/85, numa interpretação a contrario sensu, a regra geral é de que os recursos contra sentença proferida em ação civil pública serão rece- bidos somente no efeito devolutivo. 2. Nos termos do artigo 520, VII, do Código de Processo Civil a apelação interposta contra sentença que confirmar a antecipação dos efeitos da tutela será recebida somente no efeito devolutivo. (...) No que se refere à necessidade da elaboração de uma avaliação ambiental integrada, dada a inequívoca magnitude dos impactos socioambientais ocasionados pela construção contínua de hidrelétricas ao longo dos rios nacionais, é certo que objetivará afe- rir os danos a serem suportados por toda a região de influência da Ba- cia, e não apenas para cada Hidrelétrica isoladamente considerada, vis- to que, como é sabido, em termos de meio ambiente e ecologia o todo não é a simples soma das partes. (AG 39989 TRF-4 (2007.04.00.039989-4 PR), Relator JOÃO PEDRO GEBRAN NETO, Data de Julgamento: 03/08/2010. DJe: 12/08/2010. TERCEIRA TURMA)
  • 16. 16 Diante do exposto, percebe-se que: (i) a AAI, enquanto espécie de AIA, tem pre- visão no ordenamento jurídico-ambiental, consistindo no instrumento adequado e ne- cessário para avaliar os impactos cumulativos e sinérgicos de atividade significativamen- te poluidora em determinada área; (ii) que a AAI, nos casos de atividades com as carac- terísticas descritas no item anterior, tem seus pilares nos princípios da prevenção e pre- caução, dotados de força normativa e observância obrigatória. 3.4. A Situação Indesejada: Avaliação Ambiental Insuficiente para uma Ativida- de Poluidora Complexa e Significativamente Impactante O Termo de Referência para o desenvolvimento da Avaliação Ambiental Integra- da (vide doc. 04) foi elaborado em maio de 2012 e prevê 6 (seis) principais etapas da Avaliação Ambiental Integrada, sendo a última delas configurada na apresentação, dis- cussão e validação do Relatório Final da AAI, o qual deveria ser apresentado pelos em- preendedores responsáveis pela dragagem/descarte oceânico ao INEA em um prazo de 180 (cento e oitenta) dias. Alguns dos empreendedores que exercem as atividades de dragagem na Baía de Guanabara reuniram-se na contratação de uma empresa consultora – Interdraga Con- sultoria e Serviços Ltda. – para a elaboração da Avaliação Ambiental Integrada.9 De acordo com os Ofícios INEA/PRES nº 444/13, de 12 de março de 2013 (vide doc. 02) e Ofício INEA/PRES nº 2355/13, os estudos realizados pela consultora Interdra- ga foram iniciados em julho de 2012 e até o momento da propositura desta ação não foram concluídos. Malgrado a expedição de inúmeros ofícios, a realização de reuniões e o encami- nhamento de pelo menos duas recomendações, infelizmente o INEA persistiu no seu entendimento de que a conclusão das etapas da Avaliação Ambiental Integrada, pelos empreendedores, não é pressuposto necessário para fins de concessão da licença ambi- ental. 9 Conforme esclarece o memorando nº 10/2013/GATE Ambiental, de 10 de abril 2013 (vide doc. 03).
  • 17. 17 Com efeito, ao responder aos ofícios nº 02/13 e 09/13 GAEMA, a Presidência do INEA se pronunciou no seguinte sentido, em 12 de março de 2013: “(...) o Inea já se ma- nifestou positivamente quanto à possibilidade de autorizar a disposição oceânica do ma- terial dragado no Ponto “F” pelos empreendimentos licenciados que atenderem às con- dições do termo de referência e aderirem aos estudos e ao monitoramento da AAI. Nes- sa linha já aderiram as empresas Marina da Glória, Brasco, Briclog e BR-Comperj” (vide doc.02). Na mesma linha, em reunião realizada em 05 de abril de 2013, na Sede do MPRJ, o referido entendimento foi repisado. Segundo consta do Memorando nº 10/2013 (doc. 03), “foi informado pelo INEA que a liberação para dispor material no bota-fora “F” teria condicionantes, em particular foram destacadas: (i) a necessidade do compromisso com o uso do GPS e (ii) a necessidade do processo de peneiramento para lançamento de a- penas areia e silte no bota-fora. As empresas participantes da promoção da AAI necessi- tam atender a essas exigências de modo a poderem voltar a realizar as operações de dragagens, atualmente suspensas”. Importante registrar que, até aquele momento – ou seja, da reunião supracitada -, o Ministério Público ainda não tinha tido acesso aos estudos10 já elaborados que inte- gravam as etapas da Avaliação Ambiental Integrada. Por essa razão, as informações pas- sadas pelo INEA e SEA foram até então absorvidas pelo Autor com certa tranquilidade, na crença de que as avaliações (vg. de diagnóstico e prognóstico) já realizadas seriam suficientes para, pelo menos, atestar a viabilidade ambiental do Ponto “F”. Antes mesmo da conclusão do primeiro Parecer Técnico do GATE/MPRJ a respei- to da regularidade/higidez dos estudos/relatórios considerados pelo INEA no bojo do licenciamento ambiental da atividade em tela, a informação acerca do que seria neces- sário para iniciar/retomar os descartes foi reafirmada. Pelo Ofício INEA/PRES nº 1170/13 pontuou-se que a Petrobras foi autorizada pelo INEA a fazer uso do Ponto “F” após a- presentar o plano de trabalho com a subscrição da elaboração da AAI e a caracterização do Ponto “F” antes de sua utilização (vide doc. 06). 10 Somente em 18 de abril de 2013, pelo Ofício SEA/SSE nº 45/13, o MP recebeu cópia do “Relatório de Caracterização Inicial da área de disposição do material dragado na Baía de Guanabara” (vide doc.05).
  • 18. 18 Ora, diante desta informação, e considerando que à luz do artigo 6º da Resolu- ção CONAMA nº 01/1986 o diagnóstico, o prognóstico e a definição de medidas mitiga- doras são exercícios/etapas fundamentais do EIA/RIMA, foi grande a apreensão acerca da satisfatoriedade dos relatórios/estudos ambientais considerados pelo INEA, notada- mente aqueles de caracterização do “Ponto F”. Diante da interdisciplinaridade exigida pelo conteúdo do estudo ambiental apresentado, o GAEMA, visando um melhor e mais seguro entendimento, submeteu os respectivos documentos ao seu Grupo de Apoio Técnico Especializado (GATE/MPRJ). As deficiências dos estudos ambientais considerados pelo INEA para fins de autorização dos descartes oceânicos no “Ponto F” Como destacado, os estudos realizados pela consultora contratada Interdraga tiveram início em julho de 2012, tendo sido apresentados ao Ministério Público 2 (dois) documentos no decorrer deste período: (i) “Avaliação Ambiental Integrada da Disposi- ção Oceânica dos Sedimentos Dragados na Baía de Guanabara: Caracterização Inicial” e “Avaliação Ambiental Integrada da Disposição Oceânica dos Sedimentos Dragados na Baía de Guanabara: Relatório Preliminar”, os quais foram objeto de pareceres técnicos do Grupo de Apoio Técnico Especializado do Ministério Público – GATE/MPRJ. Desde já, salientamos que o conjunto de pareceres técnicos pertinentes a este tópico seguem anexo, constituindo o denominado “doc.07”. Bem de ver que todas as premissas e conclusões dessas peças técnicas são relevantes, daí porque acompanham a exordial. Porém, sua especial relevância para corroborar a causa de pedir e os pedidos da inicial justifica uma breve exposição. O GATE/MPRJ, ao analisar o estudo promovido pela consultora Interdraga, intitu- lado de “Avaliação Ambiental Integrada da Disposição Oceânica dos Sedimentos Draga- dos na Baía de Guanabara: Caracterização Inicial”, teceu diversas considerações de or- dem técnica, conforme consta do Parecer Técnico nº 161/13. No Parecer supracitado constam as seguintes observações: (i) ausência de apre- sentação de alternativas locacionais e tecnológicas para fins de avaliação de possíveis
  • 19. 19 locais de descarte dos sedimentos, uma vez que na AAI somente foi apresentado o pon- to de “bota-fora” F; (ii) não foram apresentados os aspectos operacionais dos projetos e não houve análise das características socioambientais no que tange, principalmente, aos conflitos em torno dos recursos naturais existentes; (iii) ausência de diagnóstico seguro e preciso, pois este “só seria efetivo no momento em que se alcançasse a Fase 3 (carac- terização socioambiental da região)”; e (iv) que “para a plena identificação dos impactos e consolidação dos estudos para garantir a concessão das licenças, é necessária a finali- zação de todas as fases do estudos”; O GATE/MPRJ, no mesmo Parecer, pontuou que “o estudo preliminar apresenta- do é incipiente para viabilizar a promoção de licenças a fim de dar continuidade ao pro- cesso de disposição oceânica”, não havendo, outrossim, “um mínimo de informações no estudo que garanta que a opção pela área de bota-fora F seja a melhor opção, nem a identificação mínima dos impactos cumulativos e sinérgicos”. Concluindo que “o es- tudo não possui a abrangência necessária para possibilitar uma tomada de decisão so- bre qual é o melhor local para o descarte considerando as características ambientais da área e a necessidade de minimizar os impactos socioambientais”. Já em 26 de agosto de 2013, o GATE/MPRJ concluiu um novo Parecer Técnico, tombado sob o nº 212/2013, e, desta feita, tendo por objeto a “Avaliação Ambiental Integrada da Disposição Oceânica dos Sedimentos Dragados na Baía de Guanabara: Re- latório Preliminar” – apresentado pela consultora Interdraga. Dentre as diversas observações e críticas constantes deste Parecer, destacam-se as seguintes: “o estudo até então apresentado não foi suficiente para atender o dispos- to no Termo de Referência apresentado pelo INEA, ou seja, promover a plena caracteri- zação da área, os possíveis impactos e prever os mecanismos de mitigação”. Conquanto tenha sido apresentado esse estudo complementar pela consultora Interdraga, o GATE/MPRJ considerou, após detida análise, que a autorização concedida pelo órgão de fiscalização para o alijamento marinho no Ponto “F” foi baseada em dados que não permitem uma real avaliação dos possíveis impactos à biota aquática e aos
  • 20. 20 meios socioeconômico e físico, uma vez que o diagnóstico não foi suficiente para se co- nhecer a situação da área previamente ao início das operações. Importante ressaltar que, à época da elaboração do Parecer em tela, já havia si- do expedido pelo Comitê de Bacia da Baía de Guanabara, por intermédio do Ofício CBH- BG nº 28/2013 (doc.08), postulação para que o INEA suspendesse as atividades de des- carte em “bota-fora” até que a questão fosse esclarecida entre os técnicos da SEA, do INEA e do referido Comitê, notadamente com a apresentação dos mesmos na Plenária do CBH-BG de 29/08/2013 (ressaltando que, apesar da presença do MPE naquele ato, nenhum representante do órgão licenciador ou do empreendedor se fez presente). Se não bastasse a recomendação do Comitê de Bacia da Baía de Guanabara, o Autor, em substanciosa recomendação (doc.09) - alicerçada em vasto suporte fático- normativo, especialmente nos Pareceres supracitados -, notificou a SEA e o INEA, em 10/09/2013, para que encampassem as providências veiculadas naquela peça. E, dentre as medidas elencadas, estava a de, “à luz dos fatos e fundamentos expostos na reco- mendação, bem como dos princípios da precaução e prevenção, interromper as ativida- des de descarte oceânico no denominado Ponto “F”, concedendo-se o prazo de 15 dias, a contar do recebimento, para o cumprimento das demais providências (vg. de exigir o cumprimento integral do TR da AAI). Em resposta à Recomendação Ministerial acima referida, o Exmo. Secretário Es- tadual do Ambiente e a Exma. Presidente do INEA, em ofício conjunto (vide doc.10), da- tado de 24 de setembro de 2013, apresentaram informações e documentos, cabendo destacar: (i) a informação de que o IBAMA seria provocado para fins de ciência e mani- festação sobre os estudos que integram a AAI; (ii) a justificativa de adoção do Ponto “F”, reiterando o seu argumento quanto à satisfatoriedade dos estudos apresentados; (iii) a anexação de estudo confeccionado pelo INPH sobre a análise da pluma dos rejeitos de dragagem no bota-fora do Rio de Janeiro – Avaliação dos Pontos “F” e “F1”11 . Assim, diante da recalcitrância do INEA em não autorizar os descartes oceânicos até a realização de AAI que contasse com diagnóstico e prognósticos completos, ante- 11 Sobre a justificativa apresentada pela SEA e pelo INEA, especialmente quanto ao Estudo do INPH, vide as críticas constantes do Parecer Técnico do GATE nº 289/2013 (doc.07).
  • 21. 21 cedidos de estudo de alternativa locacional, não restou alternativa ao Autor se não o ajuizamento da presente ação. 3.5. A vinculação à AAI: a incidência da teoria dos motivos determinantes e do princípio da eficiência Se não bastasse a violação aos princípios da precaução e prevenção, bem como das normas a eles correlatas (vg. art. 225 da CRFB/1988), verifica-se que o INEA, ao não exigir importantes etapas da AAI dos empreendedores, também violou outros importantes institutos e princípios do Direito. A partir da análise do contexto em que concebida a AAI e seu respectivo Termo de Referência, verifica-se que os fatos que serviram de suporte à decisão do INEA passaram a integrar a validade do licenciamento ambiental. Em outros termos, e em ordem lógico-consequencial: 1º) houve o reconhecimento pelo órgão ambiental licenciador da relação de cumulatividade e sinergia afeta à atividade de dragagens/descarte oceânico; 2º) diante do reconhecimento retro, estabeleceu-se a necessidade quanto à adoção de uma Avaliação Ambiental Integrada - AAI, orientada por um Termo de Referência, que pudesse avaliar corretamente os impactos ambientais no meio (vg. marinho) afetado; 3º) as licenças ambientais requeridas pelos empreendedores para aquela atividade, para fins de regular e válida expedição, deveriam observar os escopos e parâmetros da AAI. Este condicionamento do descarte oceânico à observância da AAI foi tão significativo que, no passado, as empresas que dispunham de licença ambiental12 para descartar material dragado em outros pontos marítimos (vg. “C” e “D”) foram notificadas para aderirem aos termos daquela AAI, inclusive com a paralisação das atividades (ou impedimentos de novas concessões de licença) naqueles pontos até a elaboração da AAI (vide docs.3 e 4). 12 Vale esclarecer que a autorização para o descarte oceânico vem instrumentalizada na licença de instala- ção (LI) como condicionante. A propósito, confira-se os termos da LI nº IN020796: “(...) 13 – A disposição oceânica só poderá ser feita no ´Ponto F’ após a comprovação do início dos estudos da Avaliação Ambien- tal Integrada – AAI, que será caracterizado com a aprovação pelo INEA do Plano de Trabalho e respectivo Plano de Monitoramento” (vide doc.11).
  • 22. 22 Nesse diapasão, e considerando o contexto e as premissas13 que antecederam e justificaram a adoção da AAI, não se afigurou razoável e lícito o entendimento do INEA em considerar que apenas algumas das etapas daquela Avaliação seriam suficientes. E essa afirmação resulta: (i) do entendimento dos Réus de que a AAI seria o instrumento adequado para, ao contrário das escolhas anteriores (eg. Pontos “A”, “B”, “C” , “D” “E”), definir a área ambientalmente mais viável para suportar as atividades; (ii) do reconhecimento pelos Réus de que a AAI também seria o instrumento adequado para aferir os impactos cumulativos e sinérgicos das atividades de dragagem; (iii) do objetivo expresso no próprio Termo de Referência da AAI; (iv) da sistematização das etapas da AAI à luz daquele mesmo Termo, uma vez que os resultados buscados nos itens anteriores somente seriam alcançados, em consonância com o princípio da prevenção e do caráter complementar14 da AAI, com a exigência da metodologia e do conteúdo apontados pelo GATE/MPRJ em seus Pareceres. Nessa ordem de ideias, percebe-se que a realização substancial da Avaliação Ambiental Integrada, principalmente no que diz com o diagnóstico completo da área e o prognóstico dos impactos socioambientais, deveria condicionar a renovação e a emissão de novas licenças. O ato - ou conjunto de atos que integram o procedimento administrativo de licenciamento - que concedeu a licença ambiental tem cunho administrativo, pois, para além do seu conteúdo material, emana do INEA, autarquia estadual sob o regime de direito público. Desse modo, o ato supracitado deve constituir-se dos elementos necessários à sua existência, bem dos seus requisitos de validade, a fim de que tenha plena eficácia no mundo jurídico. 13 Sobre o contexto e as premissas que envolveram a adoção da AAI e a confecção do Termo de Referên- cia, vide o conjunto de documentos que integram os docs.1 e 3. 14 Com efeito, as obrigações dispostas na AAI não derrogam aquelas constantes da Res. CONAMA nº 01/1986. Isso porque o Termo de Referência estabelece obrigações complementares e, no que tange à AAI, decorre da própria instrumentalização do dever de identificar e avaliar os impactos cumulativos e sinérgicos, sem prejuízo do conteúdo e da ordem lógica das demais obrigações previstas no artigo 5º da- quela Resolução.
  • 23. 23 E, dentre esses elementos, cabe destacar o motivo, que, aferido no caso em tela em sua relação de compatibilidade com o objeto e a finalidade15 , gera importantes consequências no campo da validade do ato administrativo. O motivo, como cediço, é constituído dos pressupostos de fato e de direito do ato administrativo. Em outras palavras, o motivo precede a prática do ato, tornando-se diretriz para a Administração Pública. No caso em tela, o motivo para a exigência da AAI é extraído e revelado não só pelo suporte fático-normativo subjacente, como, principalmente, pelas premissas e conclusões constantes do respectivo Termo de Referência. Caso se verifique, como in casu, uma relação de descompasso entre o objeto do ato administrativo e os motivos que lhe deram origem, estaremos diante de uma nulidade deste mesmo ato. Igual conclusão será alcançada se o objeto (ex: expedição da licença) não atender a finalidade próxima e remota do ato administrativo (ex: preservação do meio ambiente e desenvolvimento sustentável). Assim, uma vez exposto o motivo deflagrador do ato administrativo, ainda mais durante a vigência da Lei Estadual nº 3.111/1998, vincula-se a Administração Pública à veracidade da declaração exteriorizada, sob pena de nulidade. Ao abordar a denominada “teoria dos motivos determinantes”, Celso Antônio Bandeira de Mello ensina o seguinte: “A propósito dos motivos e da motivação, é conveniente, ainda, lembrar a “teoria dos motivos determinantes”. De acordo com esta teoria, os motivos que determinaram a vontade do agente, isto é, os fatos que serviram de suporte à sua decisão, integram a validade do ato. (MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 23ª edição. Editora Malheiros. São Paulo: 2007; p. 388) Percebe-se, portanto, que em casos tais ocorre uma vinculação da Administração Pública, notadamente por intermédios de seus agentes públicos, ao motivo por ela declarado no ato administrativo. 15 Podemos dizer que o objeto seria a própria licença ambiental, ao passo que a finalidade seria o interes- se público primário na preservação do meio ambiente.
  • 24. 24 Nesse contexto, ainda que se entendesse que a expedição do Termo de Referência da AAI consistiria num “ato discricionário” (o que não é o caso, obviamente), tendo ela adotado-o para o desenvolvimento da AAI, tornou-se um ato vinculado, passando a regulamentar minimamente as atividades nele previstas e firmadas. O Termo de Referência vincula o INEA ao seu estrito cumprimento, podendo-se dizer que nestes casos o TR adquire o status de lei, estabelecendo os requisitos e as condições de validade do ato administrativo – e a licença ambiental, assim como o licenciamento respectivo, emanam do exercício do consentimento de polícia. Havendo o descompasso nesta relação (TR – AAI – Licenciamento Ambiental – LI), como ocorre in casu, o Judiciário estará legitimado para atuar com vistas ao desfazimento e correção do ato viciado. Este entendimento acerca das razões do ato administrativo para fins de vincula- ção da atuação da Administração Pública tem plena acolhida em sede jurisprudencial, notadamente nos casos de controle da legalidade do ato à luz da teoria dos motivos de- terminantes. Nesse sentido, em Saint Clair v. Cmd da Aeronáutica, MS nº 15290/DF, 1a Seção, 2011, o Superior Tribunal de Justiça assentou “(...) há vício de legalidade não a- penas quando inexistentes ou inverídicos os motivos suscitados pela administração, mas também quando verificada a falta de congruência entre as razões explicitadas no ato e o resultado nele contido”. Em Baião v. EMG, RMS 32437/DF, 2a Turma, 2011, a mesma Corte assentou: “(...) a Administração, ao justificar o ato administrativo, fica vinculada às razões ali expostas, para todos os efeitos jurídicos, de acordo com o preceituado na teo- ria dos motivos determinantes”. Destaque-se, de todo modo, que o licenciamento ambiental possui peculiaridades próprias que implicam em natureza específica, de forma que a “licença ambiental” constitui um instituto sui generis. Dessa forma, é híbrida a natureza da “licença” ambiental, já que (i) o órgão licenciador possui certo poder decisório e tem flexibilidade (quase discricionária) para enumerar condicionantes de validade do ato; (ii) as “licenças” possuem prazo de
  • 25. 25 validade e (iii) o órgão licenciador tem o poder-dever de autotutela, revisando seus atos quando observadas irregularidades ou ilegalidades16 . A propósito, o art. 19 da Resolução CONAMA nº 237/1997, que dispõe sobre procedimentos e critérios utilizados para o licenciamento ambiental, estabelece a possibilidade de o órgão licenciador modificar condições de validade e as medidas de controle e adequação, bem como suspender ou cancelar uma licença ambiental, inclusive nos casos de grave risco ambiental e de saúde, como é o caso em tela: Art. 19. O órgão ambiental competente, mediante decisão motivada, poderá modificar os condicionantes e as medidas de controle e adequação, suspender ou cancelar uma licença expedida, quando ocorrer: I - violação ou inadequação de quaisquer condicionantes ou normas legais; II - omissão ou falsa descrição de informações relevantes que subsidiaram a expedição da licença; III - superveniência de graves riscos ambientais e de saúde. (Grifou-se) Sendo assim, é necessário ressaltar que o descarte do material dragado é parte da atividade de dragagem, sendo o local de bota-fora indicado na licença ambiental. Se há descompasso no licenciamento e indicação de local de descarte oceânico sem a aná- lise segura de viabilidade ambiental e possibilidade de graves riscos ao meio ambiente e à saúde, tal condicionante (eivada de vício) de licença deve ser modificada, indicando-se local de descarte com comprovada viabilidade ambiental, sob pena de vício de todo o ato administrativo (licença ambiental). A Avaliação Ambiental Integrada sob a ótica do princípio constitucional da eficiência Para além das considerações sobre o controle da legalidade do ato administrativo à luz da compatibilidade entre os seus elementos integrantes, não podemos perder de vista que a eficácia normativa do princípio da eficiência – previsto no artigo 37 da CRFB/1988 - também aponta para a procedência do pedido autoral. 16 Súmula 473 do Supremo Tribunal Federal – A Administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial.
  • 26. 26 Os empreendimentos que realizam dragagens, seja como atividade-fim ou meio, produzem enormes e significativos impactos ambientais. Tanto é verdade que a imensa maioria deles (eg. COMPERJ) se enquadra na Resolução CONAMA 01/86 e na Lei Estadu- al nº 1.356/88, que tratam do licenciamento ambiental precedido de EIA/RIMA. Destarte, tratando-se de atividades e empreendimentos com alto potencial de- gradador/poluidor e com características cumulativas e sinérgicas, resta evidente que a apresentação de EIA/RIMA, por si só, não tem o condão de prever os mencionados im- pactos cumulativos e sinérgicos. Ademais, vale relembrar que o EIA e seu respectivo relatório RIMA são uma das modalidades de AIA – Avaliação de Impactos Ambientais, esta encerrando conceito mui- to mais amplo. A esse respeito, é oportuna a advertência de Edis Milaré: “Nunca é demais insistir neste ponto, pois existe uma certa tendência entre os ambientalistas, inclusive, autoridades ambientais, de confun- dir o instrumento da Política Nacional do Meio Ambiente ´Avaliação de Impactos Ambientais (AIA)’ com uma ferramenta do licenciamento ambiental denominada ‘Estudo de Impacto Ambiental (EIA)’, que vem prejudicando bastante que se extraia do instrumental representado pelas técnicas e metodologias de AIA todas as úteis consequências possíveis” (MILARÉ, Edis. Direito do Ambiente. A gestão ambiental em foco. Doutrina. Jurisprudência. Glossário. Editora Revista dos Tribunais, 7ª ed. 2011) A Avaliação Ambiental Integrada, conforme mencionado no capítulo 3.3, pode ser identificada como o estudo capaz de conhecer especificamente os efeitos sinérgicos e cumulativos resultantes dos impactos ambientais ocasionados pelo conjunto de em- preendimentos em planejamento, implantação e operação em uma determinada área. Não se olvide que a AAI não é fruto de um ato ou vontade dos particulares, mui- to menos de convenção por parte destes. Muito pelo contrário, a AAI é um instrumento de avaliação de impactos endereçado (pelo legislador) e gerido (pela Administração) pe- lo Poder Público (Ente Político) para cumprir a sua missão constitucional de proteção e preservação do meio ambiente – cf. arts. 23, VI, 24, VI e 225 da CRFB/1988.
  • 27. 27 E, no cumprimento dessas competências/deveres administrativos, a AAI despon- ta, nos casos em que exigida, como um importante instrumento preventivo de danos ambientais, revelado e exercido em sede de poder de polícia ambiental – clássica ativi- dade administrativa. Esse contexto, a evidência, reclama dos órgãos do SISNAMA e, em especial, no caso do Rio de Janeiro, do INEA, que todos os empreendimentos que causem ou possam causar significativo impacto ambiental por ocasião do descarte oceânico se submetam à apresentação de AAI – Avaliação Ambiental Integrada, utilizando como unidade de ges- tão ambiental, no mínimo, a bacia hidrográfica. Pontue-se que não se cuida de mera faculdade do órgão público ambiental, mas de verdadeiro comando constitucional constante do artigo 37, “caput”, da Constituição Federal de 1988, notadamente, do princípio da eficiência. A emenda constitucional nº 19/1998 inseriu no mencionado dispositivo constitu- cional, como princípio de regência da Administração Pública dos entes federados, a efi- ciência. Conceitualmente e etimologicamente podemos asseverar que eficiência é a qua- lidade de produzir um resultado desejado, ou seja, obtém-se o resultado empregando- se as melhores e mais produtivas técnicas possíveis e disponíveis. Segundo Maria Sylvia Zanella Di Pietro, o princípio da eficiência impõe ao agente público um modo de atuar que produza resultados favoráveis à consecução dos fins que cabem ao Estado alcançar. Salienta que “a eficiência é princípio que se soma aos demais princípios impostos à Administração, não podendo sobrepor-se a nenhum deles, especi- almente ao da legalidade” (apud VALERA, Carlos Alberto, op. cit). Ora, se o princípio da eficiência determina que a Administração Pública dos entes federados empregue as mais atuais e melhores técnicas na resolução dos problemas, considerando que o meio ambiente ecologicamente equilibrado é um direito/dever fun- damental - que inclui o devido licenciamento das atividades que provoquem ou possam provocar significativo impacto ambiental cumulativo e sinérgico em dada área -, resta
  • 28. 28 claro que o órgão público ambiental deverá sempre exigir a AAI em termos qualitativos, de melhor efetivação dos direitos por ela assegurados. Assim, temos que a Avaliação Ambiental Integrada não pode se prestar a ser mera formalidade ou simples agrupamento de estudos individuais. Não pode ser realizada “mais ou menos”, ainda mais quando se tem etapas (vg. de diagnóstico e prognóstico) bem definidas e concatenadas no seu respectivo Termo de Referência. A nobre e importante vocação da AAI também não se coaduna com omissões, falhas de metodologia ou equívocos17 . Isso porque, repita-se, por intermédio dela se busca o meio mais eficiente não só de otimizar o resultado dos estudos a serem realizados na região do descarte, como também de efetivamente prever os impactos negativos, inclusive proporcionando uma melhor previsão e adaptação das medidas mitigadoras na busca da mais ampla e efetiva proteção ambiental. Sobre o princípio da eficiência, sua correlação com o ordenamento jurídico- ambiental18 e suas formas de manifestação, confira-se: APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ATO DE PARALISAÇÃO DE EXTRAÇÃO DE ARGILA. IMPETRANTE QUE ESTAVA COM A LICENÇA DE OPERAÇÃO VENCIDA. CABIMENTO DA PARALISAÇÃO DE ATIVIDADES COMO ALTERNATIVA ÚNICA OFERECIDA À ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA ENQUANTO NÃO FOR CONFERIDA A LICENÇA AMBIENTAL PELO ÓRGÃO COMPETENTE. A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA ATUOU NO SEU LEGÍTIMO PODER DE POLÍCIA, CONSUBUSTANCIADO NO DEVER DE FAZER CESSAR ATIVIDADE AMBIENTALMENTE NOCIVA. APELO DESPROVIDO. A atividade poluidora ou causadora de danos ambientais deve merecer pronta atuação da Administração Pública, a quem incumbe a obrigação de propiciar à população a efetividade do direito ao meio ambiente saudável, essencial à garantia de subsistência da vida humana neste planeta. O princípio da obrigatoriedade da intervenção estatal não reserva a mínima discricionariedade à Administração Pública, mas impõe o dever inquestionável de atuar na tutela ambiental para assegurar a efetividade do direito ao meio 17 Vide, a propósito, o capítulo 3.4. 18 Esta correlação tem se revelado cada vez mais profunda, permeando até mesmo as normas de regência do licenciamento ambiental Com efeito, o artigo 3º da Lei Complementar nº 140/2011 determina o se- guinte: constituem objetivos fundamentais da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, no exercício da competência comum a que se refere esta Lei Complementar: I - proteger, defender e conservar o meio ambiente ecologicamente equilibrado, promovendo gestão descentralizada, democrática e eficien- te.
  • 29. 29 ambiente ecologicamente equilibrado. Por isso é que os agentes públicos, diante do comando específico das normas ambientais e do princípio da eficiência, têm o dever jurídico de adotar e executar as medidas mais eficazes para a satisfação desse bem da vida. (TJ-SP - APL: 35561920108260306 SP 0003556-19.2010.8.26.0306, Relator: Renato Nalini, Data de Julgamento: 25/08/2011, Câmara Reservada ao Meio Ambiente, Data de Publicação: 01/09/2011) Pelo fio do exposto, fica claro que o princípio da eficiência impõe aos órgãos públicos, dentre eles, os ambientais, a obrigatoriedade quanto à utilização das mais atuais e melhores técnicas de avaliação. E a correta utilização da AAI atende justamente a esses objetivos, principalmente por ensejar uma deliberação isenta, eficaz e efetiva sobre a viabilidade (e em que proporção) ou não dos descartes de material dragado em determinado ponto oceânico. 3.6. Considerações Adicionais Ao encerrar a exposição do suporte fático-normativo que embasa a pretensão autoral, o Parquet considerou relevante apresentar outros argumentos adicionais. A ausência de manifestação do IBAMA sobre os estudos que integram a AAI bem como sobre a viabilidade ambiental dos descartes no Ponto “F” Como pode se perceber ao longo da exposição, ao se discutir os impactos do lançamento do material dragado, inevitavelmente se fez referência a “pontos oceânicos”. O Relatório Técnico do GATE nº 03/13 (vide doc.12) ilustra bem essa circunstância, este aspecto territorial, inclusive trazendo mapeamento e registros fotográficos dos pontos marítimos já utilizados e em utilização – Ponto “F”, a aproximadamente 15 km da Costa de Niterói. Atento a essa peculiaridade quanto ao destino do lançamento, o Ministério Público alertou o INEA para a necessidade de comunicar e ouvir o IBAMA acerca da viabilidade ambiental daquelas atividades na área de disposição escolhida (Ponto “F”). Assim, em 10 de setembro de 2013, por meio do Ofício nº 135/13/GAEMA (vide doc.09), o Ministério Público encaminhou Recomendação ao INEA na qual consignou as seguintes providências: “(...) 2 - Seja dada ciência ao IBAMA para pronunciamento sobre
  • 30. 30 os estudos em curso para elaboração da AAI, bem como sobre a viabilidade ambiental das atividades de descartes oceânicos no ponto de bota-fora F”. Os fundamentos subjacentes àquelas providências constaram expressamente da Recomendação expedida, valendo recordá-los nesta senda. O Egrégio Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o Recurso Especial nº 588.022- SC – 1ª Turma, Rel. Min. José Delgado, DJ 05/04/2004 -, assentou o seguinte entendi- mento: (...) Não merece relevo a discussão sobre ser o Rio Itajaí-Açu estadual ou federal. A conservação do meio ambiente não se prende a situações geográficas ou referências históricas, extrapolando os limites impostos pelo homem. A natureza desconhece fronteiras políticas. Os bens am- bientais são transnacionais. A preocupação que motiva a presente cau- sa não é unicamente o rio, mas, principalmente, o mar territorial afe- tado. O impacto será considerável sobre o ecossistema marinho, o qual receberá milhões de toneladas de detritos. Está diretamente afetada pelas obras de dragagem do Rio Itajaí-Açu toda a zona costeira e o mar territorial, impondo-se a participação do IBAMA e a necessidade de prévios EIA/RIMA. (...) Somente o estudo e o acompanhamento apro- fundado da questão, através dos órgãos ambientais públicos e priva- dos, poderá aferir quais os contornos do impacto causado pelas draga- gens no rio, pelo depósito dos detritos no mar, bem como, sobre as cor- rentes marítimas, sobre a orla litorânea, sobre os mangues, sobre as praias, e, enfim, sobre o homem que vive e depende do rio, do mar e do mangue nessa região. Apesar de o acórdão supracitado ser anterior ao advento da Lei Complementar nº 140/2011 – que, dentre outras providências, disciplinou as competências ambientais -, o entendimento nele veiculado permaneceu alinhado ao quanto disposto no parágra- fo 1º do artigo 1319 daquela Lei, tornando, assim, juridicamente relevante a participação e a manifestação do IBAMA acerca dos estudos e relatórios que integram a Avaliação Ambiental Integrada – AAI. 19 Art. 13. Os empreendimentos e atividades são licenciados ou autorizados, ambientalmente, por um único ente federativo, em conformidade com as atribuições estabelecidas nos termos desta Lei Comple- mentar. § 1 o Os demais entes federativos interessados podem manifestar-se ao órgão responsável pela licença ou autorização, de maneira não vinculante, respeitados os prazos e procedimentos do licencia- mento ambiental.
  • 31. 31 Anote-se que o quanto aqui sustentado, por si só e em tese, não desloca a com- petência do INEA para fins de licenciamento dos empreendimentos que utilizam o Ponto “F”, pois a maioria desses empreendimentos/atividades (“em terra”) está sujeita à tipo- logia que atrai a competência do Estado para fins de licenciamento20 . Todavia, o critério da “preponderância da atividade” ou do “local/extensão do impacto” para fins de licenciamento não deve ser excludente da participação do IBAMA em casos como o dos autos (dragagens em que o lançamento ocorre em mar territorial), principalmente em razão da interpretação sistemática daquela mesma Lei Complemen- tar. A propósito, confiram-se os seguintes dispositivos: Art. 7o São ações administrativas da União: XIV - promover o licenciamento ambiental de empreendimentos e ati- vidades: b) localizados ou desenvolvidos no mar territorial, na plataforma con- tinental ou na zona econômica exclusiva; Parágrafo único. O licenciamento dos empreendimentos cuja localiza- ção compreenda concomitantemente áreas das faixas terrestre e marí- tima da zona costeira será de atribuição da União exclusivamente nos casos previstos em tipologia estabelecida por ato do Poder Executivo, a partir de proposição da Comissão Tripartite Nacional, assegurada a participação de um membro do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) e considerados os critérios de porte, potencial poluidor e na- tureza da atividade ou empreendimento. Portanto, e sem prejuízo da racionalização, da eficiência e da harmonia no licen- ciamento preconizadas no art. 3º da LC nº 140/2011, cremos que a afetação direta de bem da União torna necessária a manifestação do IBAMA para fins de prévia utilização da área de bota-fora oceânico, ainda mais se consideramos (i) as corretas preocupações levantadas pelo STJ no precedente supracitado; (ii) a interpretação conforme à Constitu- ição e sistemática da Lei Complementar nº 140/2011; (iii) o princípio da precaução. O insigne Paulo Affonso Leme Machado, ao comentar a Lei Complementar nº 140/201121 , corretamente adverte que: 20 Vide, a propósito, o art. 8º, XIV da LC nº 140/11 e art. 2º da Res. CONAMA nº 01/1986. 21 Legislação Florestal (Lei nº 12.651/2012) e Competência e Licenciamento Ambiental (Lei Complementar nº 140/2011), Malheiros, 2012, p.80.
  • 32. 32 “(...) No federalismo, mesmo com o viés cooperativo, como o brasilei- ro, os interesses e as influências ambientais não são sempre rigida- mente localizáveis num só ente federado. Na instituição do licenciamento ambiental somente por um ente fede- rado, foi apontado o interesse em evitar-se a ´sobreposição de atuação entre os entes federativos´. No federalismo podem existir interesses públicos de vários aspectos em que a simultaneidade do exame admi- nistrativo não leva, necessariamente, a um estado de conflito entre os entes federativos. O exame conjunto, não apenas opinativo, mas vin- culante por diversos entes federativos pode propiciar o aporte me um maior e melhor conhecimento sobre o empreendimento a ser licencia- do ou autorizado e a utilização de tecnologias não degradadoras do meio ambiente.” Não podemos deixar de mencionar que o INEA e a Secretaria de Estado do Am- biente, ao responderem a Recomendação retrocitada, salientaram o seguinte: “(...) de qualquer forma, em face do mencionado nas recomendações do GATE, submeteremos os estudos da AAI ao IBAMA para ciência e manifestação sobre o descarte no ponto F”. Muito embora a manifestação acima, datada de 24 de setembro de 2013, repre- sente um aceno positivo no trato da questão, a “retificação” (com a manifestação do IBAMA) nos rumos da AAI deveria, necessariamente, ser realizada sem a concomitância dos descartes oceânicos. Ou seja, deveria haver a suspensão das atividades de descarte até a manifestação do IBAMA, seja pela (i) natureza prévia dessa análise, que tem em mira a própria viabilidade ambiental das atividades no “ponto F”; (ii) observância e res- peito aos princípios da precaução e prevenção. Mas não é só o IBAMA que deveria se manifestar, como veremos adiante. A importante manifestação do Monumento Natural das Ilhas Cagarras/ICMBio/MMA Na linha de raciocínio do tópico anterior, e atento às possíveis consequências dos descartes nas áreas de influência direta e indireta, o MPRJ oficiou a Unidade de Conservação Federal Monumento Natural das Ilhas Cagarras, na pessoa do Chefe da U- nidade, para que analisasse e tecesse considerações/críticas/recomendações de ordem técnica sobre os estudos “Caracterização Inicial” e “Relatório Preliminar” da AAI apre- sentados pela sociedade Interdragas.
  • 33. 33 Em atendimento ao MPRJ, fora encaminhado em 09 de outubro de 2013 a Mani- festação Técnica MONA Cagarras – ICMBio nº 01/2013 (doc.13), com relevantes contri- buições para a instrução do Inquérito Civil. Dentre as observações, críticas e recomen- dações mais importantes, transcrevemos as seguintes: “(...) Assim, acreditamos que, frente à falta de conclusões concretas sobre os impactos que podem estar sendo causados, no que tange a uma unidade de conservação federal de proteção integral, estaria sendo negligenciado o Prin- cípio da Precaução, o qual prevê a necessidade e responsabilidade de pre- venção dos possíveis impactos pelas incertezas sobre as consequências que determinado empreendimento causará ao meio ambiente no espaço e/ou no tempo, assim como quais os reflexos ou consequências para os ambientes protegidos e para os usuários do MONA das Ilhas Cagarras”; “Quanto ao processo de licenciamento realizado para definição da área de descarte oceânico, entendemos que, ademais da distância da área em ques- tão (Ponto F) em relação à unidade de conservação, existem argumentos, di- vergências e lacunas de conhecimento consideráveis que levam à necessida- de e legitimidade de participação formal deste Monumento Natural/ICMBio, conforme estabelecido na Resolução CONAMA 428/2010, que versa sobre a autorização do órgão responsável pela administração da unidade de conser- vação no âmbito do licenciamento ambiental”; “Atualmente, como não houve a consulta e participação da unidade de con- servação no processo de discussão e definição da área oceânica a ser utiliza- da para descarte do material proveniente de obras realizadas no interior da Baía de Guanabara por diversos empreendimentos, não foi previsto pelo pro- cesso ambiental a necessidade de indicadores de monitoramento que pudes- sem responder adequadamente sobre possíveis impactos causados à UC”; “Os estudos apresentados de Caracterização Inicial e Relatório Preliminar não possibilitam analisar de forma adequada a influência do uso desta área oceânica (Ponto F) no Monumento Natural das Ilhas Cagarras e suas adjacên- cias, já que os dados apresentados não tomam por base uma análise ambien-
  • 34. 34 talmente integrada e regionalizada, afinal diferentemente do que é mostrado nestes documentos, a área que este tipo de atividade se insere vai desde a obra realizada na Baía de Guanabara, o transporte deste material por barcas para regiões oceânicas e seu descarte final em pontos que já variaram apro- ximadamente quatro vezes em relação a sua localização. Assim como, pode- se verificar que os dados apresentados são referentes apenas às análises re- lacionadas à área do empreendimento propriamente dita e não às suas adja- cências”; Se não bastasse esta e outras inúmeras observações de extrema importância, e que corroboram a análise técnica do GATE/MPRJ, o referido órgão (MONA Ilhas Cagar- ras/ICMBio) ainda recomendou (i) a sua inserção formal no processo de licenciamento, especialmente nas fases de elaboração do Termo de Referência e na avaliação de EI- A/RIMAs; (ii) a inserção de minimamente dois pontos de monitoramento nas proximi- dades das Ilhas Cagarras; e (iii) detalhamento sobre o sistema de controle e fiscalização da atividade operacional de descartes nas áreas autorizadas. A importância na correção do Estudo de Alternativas AS LIÇÕES DO PASSADO Os estudos de alternativa locacional e tecnológica são um dos componentes mais importantes integrantes do EIA/RIMA, bem como da avaliação de impactos. No contexto específico das dragagens, infelizmente o passado tem revelado desacertos nas escolhas dos pontos de “bota-fora” oceânicos, sendo certo que, provavelmente, corremos o risco de erros pretéritos se repetirem. Em 21 de maio de 2012, pelo Ofício nº 796/2012, o INEA asseverou o seguinte: “alternativamente ao Ponto “D”, baseado em nova modelagem hidrodinâmica sob res- ponsabilidade do Instituto Nacional de Pesquisa Hidroviárias – INPH, levando em conta dados da estatística pesqueira apresentados pela FIPERJ, foi identificado um novo local para disposição de material de dragagem, denominado Ponto “E”, distante cerca de 1 km do ponto “D”, direção mar a dentro”.
  • 35. 35 E continua: “este novo local, inserido em quadrante com baixos índices de captu- ra de peixes, foi objeto de avaliação complementar por meio de consultas a Cartas Náu- ticas, onde não se constatou a existência de parcel na sua área de influência direta. Pro- gramamos também mergulho anterior a sua utilização” (vide doc.03). Todavia, em 12 de março de 2013, pelo Ofício 444/2013, o mesmo Instituto res- saltou que o Ponto “E”, apesar de ter sido uma alternativa brevemente estudada, teve a sua viabilidade ambiental comprometida, “haja vista sua proximidade com um parcel considerado importante para os pescadores”(doc.02). Muito embora o INEA tenha asseverado, na mesma resposta acima, que nenhum descarte jamais foi autorizado nessa localidade (Ponto “E”), o confronto entre os dois ofícios revela: (i) a importância do aprofundamento dos estudos, notadamente pela in- suficiência de fontes secundárias e teóricas como modelagens hidrodinâmicas, estatísti- cas e cartas náuticas; (ii) que o estudo de alternativas, devidamente considerado, é uma importante análise (prévia) para fins de utilização dos bota-foras, contribuindo para o princípio da prevenção. Todavia, apesar da exclusão do Ponto “E” ter sido um acerto, o mesmo não pode ser dito em relação às escolhas pretéritas (“A”,“B”,“C” e “D”), conforme exposto no próprio “contexto histórico” do Termo de Referência da AAI. Sobre esse histórico acerca das escolhas, bem de ver, o Autor se manifestou no capítulo 3.1, daí porque pedimos venia para a ele nos reportamos. Assim, e considerando que a escolha do Ponto “F” também não foi acertada, pe- los motivos expostos no capítulo 3.4, é inevitável não temer o presente e o futuro, ainda mais diante do crescimento vertiginoso de material dragado (e a ser dragado) na Baía de Guanabara, para os mais variados fins (eg. ampliação dos portos). Para ser ter uma ideia da relevância da questão, ressaltamos que, além dos 4.000.000m3 de sedimentos previs- tos no TR da AAI supracitada, existe a previsão de descartes adicionais de aproximada- mente igual volume (4 milhões de m3 ) por parte da Secretaria de Portos e Cia. Docas do Rio de Janeiro (vide doc.02), o que reforça ainda mais o caráter preventivo e corretivo desta demanda.
  • 36. 36 Paralelamente ao tão propalado crescimento econômico iniciado na 1ª década deste século, tivemos o desenvolvimento da ciência e das técnicas de pesquisa. Sem fa- lar no desenvolvimento teórico e normativo do Direito Ambiental. Se os três desenvol- vimentos devem ser considerados em igual medida, nada justifica temermos o trecho da conhecida música “o tempo não para”, de Cazuza, quando se diz “eu vejo o futuro repe- tir o passado (...)”. BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE EXIGÊNCIA DO ESTUDO DE ALTERNATIVAS Dentre os principais elementos que diferenciam um licenciamento sujeito à EI- A/RIMA dos demais está a necessidade de apresentação de alternativas locacionais e tecnológicas ao Projeto, assim como a análise comparativa de seus impactos (arts. 5º, inciso I e 6º, inciso II, Resolução CONAMA n. 1, de 23 de janeiro de 1986). Com essa exi- gência, considerada pela matriz norte-americana como “o coração do EIA” (Council on Environmental Quality - CEQ Regulations for Implementing NEPA, Section 40 C.F.R. §1502.14), garante-se que a decisão do órgão ambiental seja informada quanto à confi- guração do Projeto que apresentar os menores impactos socioambientais. No caso em tela, além da exigência individualizada22 , ou seja, em relação a cada empreendimento sujeito a licenciamento com EIA/RIMA, o estudo de alternativas tam- bém deve ser exigido por força de outro ato normativo, qual seja, a Resolução CONAMA nº 454/2012, - estabelece as diretrizes gerais e os procedimentos referenciais para o ge- renciamento do material a ser dragado em águas sob jurisdição nacional – que, inclusi- ve, prevê a hipótese da utilização benéfica do material dragado (artigo 15). Ao estabelecer o comparativo entre as alternativas locacionais e tecnológicas, deverá o estudo ambiental (vg. aquele integrante da AAI) demonstrar, de forma idônea (eg. sob a forma mapas e tabelas), cada uma das alternativas com os respectivos impac- tos ambientais positivos e/ou negativos (eg. cumulativos e sinérgicos). 22 Vale anotar que o estudo de alternativas (tecnológica e locacional) não sofre limitação espacial ou adstrição à sede do empreendimento, ou seja, ao principal estabelecimento/parque industrial. Muito pelo contrário. Ele acompanha e orienta todos os impactos das atividades decorrentes do empreendimento, estejam elas no mesmo ou em diferentes regiões ou ecossistemas (eg. terrestre/marinho).
  • 37. 37 Como exemplo do cumprimento dessa obrigação legal, bem de ver, temos o “Pa- recer Conjunto de Alternativas Locacionais para Implantação do Complexo Porto Sul na Região de Ilhéus, Bahia – Instalações Portuárias e Polo Industrial e de Serviços”23 . Essa análise foi acordada com a Secretaria de Estado da Casa Civil após a realiza- ção de reunião, em 14 de outubro de 2008, com a participação das Secretarias de Plane- jamento, Meio Ambiente, Indústria, Comércio, Mineração e Infraestrutura do Estado da Bahia. Seu objetivo foi a escolha da alternativa mais adequada para implantação, no município de Ilhéus, do Complexo Porto Sul. O referido Estudo contempla critérios para a “avaliação das alternativas”, tra- zendo “fatores críticos-estratégicos” (vg. biodiversidade e dinâmica dos ecossistemas terrestres), “processos” (vg. eliminação de ambientes singulares e espécies da fauna e flora) e “indicadores” (vg. fragmentação dos remanescentes florestais), avaliando a sério e holisticamente a questão ambiental. Ora, por aí já se vê que o Estudo de Alternativa Locacional é peça fundamental no contexto do EIA e do licenciamento ambiental, podendo-se dizer que por ele se con- cretizam princípios da mais alta expressão jurídico-ambiental, como os da prevenção e do poluidor-pagador. No caso da AAI, sua importância é ainda maior, notadamente pela gravidade dos impactos cumulativos e sinérgicos. E, nesses casos, o órgão ambiental po- de ter um papel ainda mais ativo, pois, tal como no caso em tela, ele mesmo poderá participar e liderar a escolha dos pontos a serem diagnosticados/comparados. E o papel do órgão licenciador nesse Estudo, repise-se, é fundamental, notada- mente por ser o responsável por sua análise e aprovação. Não por outra razão, o IBAMA se manifestou no seguinte sentido no processo de licenciamento ambiental do Estaleiro Eisa, em Coruripe/AL (vide doc.14): O Ibama entende que o empreendimento traz benefícios socioeconô- micos para o município de Coruripe e para o Estado de Alagoas, não sendo contrário à sua instalação no município, mas, sim, à alternativa locacional atualmente proposta nos documentos analisados. 23 Disponível em <www.slideshare.net/osarrafo/parecer-conjunto-ambeng-7594258>
  • 38. 38 No Parecer n. 50/2012 e no despacho n. 12/2012 o IBAMA ressalta que pela es- colha denominada no estudo de “Alternativa 5A", mais da metade da área proposta (55,4%) para instalação do empreendimento encontra-se em Área de Preservação Per- manente (APP), área de mangue, ecossistema fundamental para inúmeras espécies, in- clusive, de valor comercial. Segundo aquele órgão ambiental, na análise realizada verificou-se deficiências no estudo de alternativas locacionais apresentado pelo empreendedor. Invocando a Re- solução CONAMA n. 01, de 23 de janeiro de 1986, aquele órgão recorda que a referida normativa exige que propostas de alternativas locacionais e tecnológicas sejam apresen- tadas para os empreendimentos submetidos ao licenciamento ambiental. A análise do IBAMA traz ainda a colação passagem que traduz com clareza a im- portância da avaliação daquele estudo: Para a continuidade do processo, há a necessidade de que sejam apre- sentadas ao Ibama análise das soluções tecnológicas para implantação do empreendimento nas alternativas locacionais e análise comparativa dos impactos ambientais das alternativas, em atendimento à Resolu- ção Conama 01/86” (...). As informações sobre as alternativas locacionais, o diagnóstico ambi- ental elaborado e a avaliação de impactos, além das observações em campo, sugerem a existência de alternativas locacionais que implicari- am em menores impactos ambientais, porém o estudo não trouxe as análises ambientais apropriadas de tais áreas. Por fim, vale ressaltar que o Poder Judiciário também tem revelado preocupação com a observância do estudo de alternativas, podendo-se conferir as decisões proferi- das nos autos dos processos MPRJ vs ERJ, INEA e CBA, ACP nº 0421134- 93.2012.8.19.0001, TJRJ e São Luis vs. MPMA, AgRg Susp Liminar e de Sentença 1.524/MA, 2012, STJ. CONSIDERAÇÕES SOBRE A FISCALIZAÇÃO DO TRANSPORTE DO MATERIAL DRAGADO E O MONITORAMENTO DOS IMPACTOS NAS ÁREAS DE DISPOSIÇÃO E DE INFLUÊNCIA Entre a dragagem no interior da Baía de Guanabara até o lançamento no ponto de bota-fora oceânico existe uma etapa de suma importância sob o ponto de vista am- biental, consistente no transporte do material dragado.
  • 39. 39 Por ocasião da reunião realizada em 05 de abril de 2013 entre representantes da Secretaria Estadual do Ambiente e do INEA com membros do MPRJ, foi informado que a para fins de disposição do material dragado no ponto “F” seria necessário, por parte dos empreendedores ou terceiros por ele contratados, que se assumisse o compromisso quanto ao uso de GPS nas embarcações. Tal informação, gize-se, estava na linha do quanto asseverado no Of. INEA/PRES nº 444/13, de 12/03/2013, oportunidade em que o INEA asseverou que acompanhava o cumprimento das condicionantes das licenças con- cedidas e atuava na apuração de denúncias em parceria com a Capitania dos Portos. Apesar do repasse dessas informações, verifica-se que durante a instrução do Inquérito Civil, mais precisamente ao longo do segundo semestre de 2013, foram neces- sárias novas medidas para aperfeiçoar o sistema de acompanhamento. Assim que, após a provocação do MPRJ, por exemplo, o INEA notificou (em 06/06/2013) a Petrobrás para que instalasse o sistema de acompanhamento das balsas pelo próprio Instituto. O aprimoramento quanto ao sistema de rastreamento das embarcações em tempo real, principalmente a cargo do INEA (que, obviamente, é o principal responsável pela fiscalização), passou a gerar um maior controle quanto ao transporte do material dragado, inclusive com a emissão de recentes notificações e autos de constatação por descumprimento de condicionantes das respectivas licenças (vide doc.15). Apesar desses avanços no trato da fiscalização do transporte, o Autor considera, especialmente à luz do Termo de Referência da AAI e de importantes princípios jurídicos – transparência, publicidade, controle social e efetividade), que as críticas e sugestões do Monumento Natural das Ilhas Cagarras são inteiramente válidas quando apontam para o seguinte quadro: “Ainda segundo a operacionalização da atividade de uso das áreas oce- ânicas para descarte de sedimento, não fica claro como os órgãos ou setores interessados poderia acompanhar ou fiscalizar as atividades de descarte. A- demais de podermos verificar em tempo real o trajeto do navio rebocador pelo site indicado nos estudos, pelo sistema de análise remota, não há como ter a certeza de que o sedimento está sendo despejado apenas após a che- gada do navio na área autorizada. Descarte fora da área autorizada, sejam a- cidentais ou intencionais, consequentemente mais próximas e mais influen- ciáveis pelas correntes marítimas à dispersão, teriam um potencial de impac- to significativamente maior a esta unidade de conservação, assim muito nos
  • 40. 40 interessa garantir que os descartes estão sendo realizados apenas nas áreas estudadas, analisadas e permitidas”(doc.13). O GATE/MPRJ, nesse diapasão, também assentou no seu Parecer Técnico nº 161/2013 que “a ausência de um modelo de governança de gestão participativa afeta diretamente o processo de cooperação com as comunidades pesqueiras e o processo de fiscalização dessas atividades de forma cooperativa”. Impende registrar que essas críticas convergem com as diretrizes e medidas pre- vistas no item 14 - Modelo de Governança para Gestão Participativa dos Processos de Dragagem - do Termo de Referência da AAI, que preconiza o seguinte: “a AAI deverá in- cluir a proposição de um arranjo institucional envolvendo todos os atores envolvidos ou afetados diretamente pelas operações de dragagem para funcionar como Fórum Per- manente de Acompanhamento da atividade.” Em relação ao monitoramento, observa-se que o GATE/MPRJ e o MONA - Cagar- ras também foram harmônicos em suas observações, críticas e recomendações, valendo conferir as seguintes passagens: “No estudo, deveriam ter sido consideradas áreas sensíveis mais próxi- mas a área de descarte (como, por exemplo, a embarcação submersa, parceis de pesca ou ilhas), como estabelece o TR, fornecendo subsídios para posteri- or monitoramento das mesmas. Esse monitoramento possibilitaria confirmar as previsões do estudo de modelagem e avaliar uma possível deposição de sedimentos finos nesses ecossistemas em decorrência do descarte de sedi- mento (...).”– página 14 do Parecer Técnico nº 212/2013, cf. doc.07. “Para o posterior acompanhamento dos impactos na área estabelecida para o descarte é importante que seja definida e avaliada uma área de refe- rência com características semelhantes fora da área de influência direta e in- direta. Essa área pode ser considerada como base comparativa para a avalia- ção dos impactos”. – página 16 do PT nº 212/2013. “(...) Assim, reconhecendo a necessidade de se prevenir impactos ou danos à unidade de conservação e na falta de conclusões técnicas adequadas sobre os possíveis impactos causados pelo uso das áreas de bota-fora oceâni- cos nas adjacências da Baía de Guanabara, seria correto afirmar que o licen- ciamento destas áreas deveria garantir a inclusão de pontos de monitora- mento de parâmetros biológicos, químicos e físicos especificamente relacio- nados à atividade, que pudessem comprovar a ocorrência ou ausência de da-
  • 41. 41 nos a esta área especialmente protegida (...)” – página 5 da Manifestação Técnica MONA Cagarras nº 01/2013, cf. doc.13. “Vimos sugerir, como forma de contribuir positivamente à discussão da questão e à minimização e possíveis impactos que estejam sendo ocasiona- dos à biota marinha, a inserção de minimamente dois pontos de monitora- mento de parâmetros biológicos, químicos e físicos, a serem definidos pela unidade de conservação, nas proximidades do MONA Ilhas Cagarras, como forma de monitorar e dirimir lacunas de conhecimento técnico que dizem respeito à influência desta atividade nas áreas da UC, à médio prazo, no que diz respeito ao Ponto F”. – página 6 da MT MONA Cagarras nº 01/2013. Portanto, infere-se que, tanto o transporte do material dragado quanto o moni- toramento dos impactos da atividade de descartes oceânicos devem ser objeto de aper- feiçoamento substancial, seja para aumentar a transparência e o controle social quanto à operacionalização da atividade, seja para acompanhar, controlar ou evitar impactos negativos em outras áreas, notadamente naquelas ambientalmente protegidas. 3.7. Considerações Finais No presente e derradeiro capítulo, o Autor, além de resumir a causa de pedir, fará brevíssima consideração sobre as razões do próprio ajuizamento. Conforme exposto nos capítulos antecedentes, basicamente seis situações anti- jurídicas atribuídas aos Réus ocorreram ao longo do processo de licenciamento dos em- preendimentos/atividades sujeitas à dragagem que utilizam bota-fora oceânico adjacen- te à Baía de Guanabara. São elas: (i) a autorização de descartes de material dragado em área de disposição oceânica (bo- ta-fora “F”) sem a realização de prévio e correto estudo de alternativa locacional; bem como sem prévia, regular e integral caracterização física, química e biótica da área im- pactada. Ou seja, falha de conteúdo dos estudos apresentados em afronta ao art. 225,§ 1º, inciso IV da CRFB/1988; (ii) além da ausência de correto diagnóstico da área impactada, os descartes foram e estão sendo permitidos sem prévio e regular prognóstico dos impactos cumulativos e sinérgicos nos diversos meios e compartimentos socioambientais afetados. Tal fato vai de encontro com o art. 1º da Lei Estadual nº 3.111/1998;
  • 42. 42 (iii) importantes e imprescindíveis etapas da Avaliação Ambiental Integrada (AAI), além das mencionadas nos itens anteriores, não foram cumpridas previamente à autorização e aos respectivos descartes, perdurando tal inadimplemento por considerável período; assim, e considerando que a AAI complementa o EIA/RIMA apresentado pelos empre- endedores, não há a formação um de cenário idôneo que aponte para a viabilidade am- biental e o grau de suportabilidade do meio impactado para a totalidade dos descartes a serem efetuados; (iv) os vícios de metodologia e conteúdo na realização/condução dos estudos integran- tes Avaliação Ambiental Integrada não permitiram a formação de uma segura avaliação de impactos que pudesse, à luz do ordenamento jurídico ambiental, garantir a ausência de impactos negativos não toleráveis ou controláveis nas áreas diretamente impactadas e de influência, contrariando, assim, os princípios da precaução e da prevenção; (v) além das obrigações dispostas no Termo de Referência da AAI, a legislação de regên- cia (vg. Res. CONAMA nº 01/1986 e art. 37 da CRFB/1988) não foi corretamente inter- pretada/aplicada pelos órgãos ambientais competentes, dando ensejo: a incompatibili- dades (objeto/motivo/finalidade) na formação do ato administrativo - licenças ambien- tais; a inobservância de vetores do princípio da eficiência; a ausência de manifestação de outros órgãos e entidades no licenciamento ambiental, como o IBAMA e o MONA Cagarras/ICMBio/MMA; (vi) inconsistências no licenciamento que impedem: o efetivo monitoramento dos im- pactos socioambientais nas áreas diretamente afetadas e de influência; a transparência, a participação e o controle social quanto ao transporte e regular despejo do material dragado na área de bota-fora autorizada. Muito embora o INEA e a SEA, em 11 de dezembro de 2013, tenham encaminha- do o Ofício INEA/PRES nº 2355/2013 (doc.15), oportunidade em que acenaram para o atendimento próximo da conclusão das etapas da AAI, não se pode perder de vista que alguns dos vícios de metodologia e de conteúdo apontados pelo GATE/MPRJ e pelo MONA Cagarras/ICMBio são graves e remontam a etapas como o diagnóstico e o prog-
  • 43. 43 nóstico da avaliação de impactos – que, por sua vez, são fundamentais para o estabele- cimento das medidas mitigadoras. Assim, e ainda que os Réus estejam dispostos a exigir o encerramento das etapas da AAI e até mesmo a correção ou complementação dos estudos ambientais pertinen- tes, certo é que (i) graves vícios já foram identificados - alguns demandarão prova com- plexa para fins de desconstituição (como a incompletude na caracterização inicial); (ii) existe a probabilidade de sérios danos ambientais e de seu agravamento - de dificílima ou até mesmo impossível reparação; (iii) apesar das recomendações expedidas pelo Parquet, os demandados insistem em permitir os descartes no ponto “f” sem a imediata correção e conclusão dos estudos integrantes da AAI, não prestigiando os princípios da precaução e prevenção e gerando fundado receio quanto à repetição desses mesmos erros nas avaliações de descartes futuros. Ou seja, neste cenário, só resta ao Autor o ajuizamento desta ação civil pública, que conta inclusive com pretensão de provimento antecipatório. 4. PEDIDO LIMINAR É imprescindível a antecipação dos efeitos da tutela, com o deferimento de me- dida liminar que determine a suspensão dos descartes oceânicos, até que sanadas as irregularidades detalhadas nesta ação e, por meio da Avaliação Ambiental Integrada, composta por todos os seus elementos normativos, seja configurada a suportabilidade e adequação do ponto de descarte “F”. Os requisitos para a concessão de liminar na ação civil pública, com natureza de antecipação de tutela, são a urgência, ou, nos termos da lei, o justificado receio de inefi- cácia do provimento final - periculum in mora - e a relevância do fundamento da de- manda, ou fumus boni juris. No caso em questão, ambos os requisitos mostram-se insofismáveis e a conces- são da medida liminar é medida que se impõe para a preservação do ordenamento jurí- dico, para garantia do provimento final e em especial para salvaguarda do meio ambien- te e da saúde da população (eg. pelos riscos de contaminação da fauna marinha, especi-