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Garcia, J. L. (2015) “Uma crítica da economia da informação na era das mídias digitais”
in Novos Olhares V.4, n.1, pp. 178-186
As novas tecnologias de informação vieram causar impacto na economia, na tecnologia,
comunicação e, consequentemente, na sociedade em si. Esta nova realidade, como é
apresentada no artigo de José Luís Garcia, relaciona a informacionalização da sociedade,
na qual ocorreram transformações nos métodos de produção e distribuição, e as
tendências económicas orientadas para a transformação do conhecimento, cultura e
comunicação, na forma digital, em produtos à escala global (Garcia, 2015: 178).
O início do séc. XXI ficou marcado pelas transformações que originaram a mundialização,
que permitiu um desenvolvimento dos mercados e do comércio mundial, entre as quais
uma forte urbanização, o surgimento de novas indústrias, a constituição de mercados
nacionais, movimentos migratórios massivos, o aparecimento de novas vias e meios de
transporte a nível nacional e internacional. Estas transformações levaram ainda a que
se acreditasse que se vivia numa era de informações impulsionada pelas máquinas. Ora,
a revolução digital impulsionou uma remodelação do contexto de informação, criando-
se assim redes que interligam indivíduos, empresas, entidades políticas e Estados. As
primeiras décadas do séc. XXI viram, portanto, um crescimento da riqueza, a aplicação
da ciência à indústria e um regime liberal de intercâmbio.
Recuando até à sociedade pré-industrial e comparando-a com a sociedade industrial e
pós-industrial, as diferenças são de notar. Na sociedade pré-industrial, os indivíduos
trabalhavam com base na sua força física. O mesmo não se verificou na sociedade
industrial, na qual predominava a existência de máquinas, da padronização das
mercadorias e da racionalização. Já na sociedade pós-industrial, ocorreu uma
“intelectualização” do mercado e um crescimento no setor de serviços que umas
empresas servem a outras, como é o caso do da gestão, auditoria, entre outros. Esta
última sociedade tratou-se, então, de uma sociedade da era da informação e do
conhecimento.
A partir de 1970, o fordismo viu o fim dos seus dias. Tanto o choque petrolífero de 71-
73 como a concorrência japonesa, a mudança tecnológica e o surgimento de novas
necessidades mudaram o panorama que se verificava até então. Passou a dar-se
importância aos valores informacionais em detrimento dos valores materiais, fazendo
com que a informação se tenha tornado numa nova matéria-prima.
Se até 1980 a economia era baseada na capacidade produtiva com ênfase no industrial,
com investimento em capital fixo, ao longo dos anos, esse destaque passou para o
“processo de aquisição e gestão do conhecimento” (Garcia, 2015: 180), onde o capital
humano ganhou lugar.
Na década de 90, o conceito de sociedade de informação tratou-se de uma construção
política e ideológica que se desenvolveu a partir da globalização, cujo principal objetivo
foi instaurar um mercado mundial aberto e com autorregulação. Foi graças ao processo
de globalização que os acessos às tecnologias de informação e comunicação, conhecidas
como TIC, ultrapassaram barreiras de poder ou dinheiro, auxiliando uma “exposição
massiva à informação e um fluxo instantâneo de informação no espaço” (Garcia, 2015:
181).
Com a mudança das necessidades do Homem, tornou-se fundamental a criação de
novos produtos e modos de divulgação com foco no conhecimento, na informação, na
cultura, sociabilidade e entretenimento, originando as indústrias criativas. Com o
aumento da produção de bens e serviços altamente dotados de informação, marketing
e publicidade, amplificou-se também a quantidade de mercadorias associadas ao
contexto informacional. Este movimento de capitalização do conhecimento/informação
“correspondeu a uma propensão para a economia apresentar uma caraterística digital”
(Garcia, 2015: 181).
A informação ganhou uma nova perspetiva, passando a ser tratada como uma
mercadoria de aspetos simbólicos, biológicos e económicos, ou seja, uma “bem de
mercado transacionável e consumível”. Surgem, então, problemáticas associadas à
“busca por lucro e às necessidades de as sociedades democráticas contarem com um
sistema de informação que sirva ao espaço político democrático” (Garcia, 2015: 182).
Estas atividades geradores de riquezas tiveram os seus prós e contras, já que não se
encontravam geograficamente divididas de forma uniforme pelo mundo, o que colocou
os países mais pobres, da periferia ou menos desenvolvidos em desvantagem, estes que
não produzem produtos do pós-industrial, ainda que os consumam, mas produzem
agrícolas e industriais. “A sociedade de informação politizou-se, passando a ser
encarada como uma espécie de lema para as estratégias dos governos das grandes
potências e grandes indústrias promoverem a consolidação necessária à afirmação do
movimento de globalização dos mercados e da livre circulação de dados financeiros e
comerciais, revestindo de um certo fatalismo economicista os efeitos da ocidentalização
do mundo, encabeçada pela superpotência norte-americana” (Mattelart, 1999, 2001 cit.
Garcia et al., 2015: 183).
Um dos grandes problemas deste “negócio” que é a informação é precisamente o facto
de os novos meios digitais serem agora usados para fins de enriquecimento próprio,
aumento do poder e levarem à conceção de “modelos de gestão transgressores das
especificidades da atividade informativa”, o que conduz a uma indiferenciação dos
conteúdos, provocando assim uma homogeneidade entre a informação e o
entretenimento. Por outro lado, a abundância de informação, caraterística do mundo
contemporâneo, tende a acolher uma crescente tendência à desinformação levada a
cabo por uma necessidade de rapidez e imediatismo, à contaminação entre dados e
conteúdos, e aos abusos publicitários. Quando não filtrada, esta abundância de
informação constituiu um problema.
A “informação e as trocas comunicacionais constituem as instituições e as formas
culturais que definem o mundo”. Na atualidade, as tecnologias de informação e
comunicação são ferramentas utilizadas com variados propósitos por vários tipos de
elites. Luís Garcia terminou o seu artigo referindo o fenómeno “shitstorm”, o qual
constitui uma “banalização do insulto em bloco na internet e manifestações de ódio
coletivo, que podem tornar redes sociais verdadeiros pelourinhos políticos sociais”
(Garcia, 2015: 185).
Concluindo, a crescente apropriação, controlo e monopólio da informação podem
constituir graves problemas para a sociedade, o que nos leva a pensar se, de facto, as
TIC serão ou não um instrumento moderno de domínio económico e político das nações
mais poderosas do mundo.

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Resenha crítica sobre a economia da informação na era dos media digitais

  • 1. Garcia, J. L. (2015) “Uma crítica da economia da informação na era das mídias digitais” in Novos Olhares V.4, n.1, pp. 178-186 As novas tecnologias de informação vieram causar impacto na economia, na tecnologia, comunicação e, consequentemente, na sociedade em si. Esta nova realidade, como é apresentada no artigo de José Luís Garcia, relaciona a informacionalização da sociedade, na qual ocorreram transformações nos métodos de produção e distribuição, e as tendências económicas orientadas para a transformação do conhecimento, cultura e comunicação, na forma digital, em produtos à escala global (Garcia, 2015: 178). O início do séc. XXI ficou marcado pelas transformações que originaram a mundialização, que permitiu um desenvolvimento dos mercados e do comércio mundial, entre as quais uma forte urbanização, o surgimento de novas indústrias, a constituição de mercados nacionais, movimentos migratórios massivos, o aparecimento de novas vias e meios de transporte a nível nacional e internacional. Estas transformações levaram ainda a que se acreditasse que se vivia numa era de informações impulsionada pelas máquinas. Ora, a revolução digital impulsionou uma remodelação do contexto de informação, criando- se assim redes que interligam indivíduos, empresas, entidades políticas e Estados. As primeiras décadas do séc. XXI viram, portanto, um crescimento da riqueza, a aplicação da ciência à indústria e um regime liberal de intercâmbio. Recuando até à sociedade pré-industrial e comparando-a com a sociedade industrial e pós-industrial, as diferenças são de notar. Na sociedade pré-industrial, os indivíduos trabalhavam com base na sua força física. O mesmo não se verificou na sociedade industrial, na qual predominava a existência de máquinas, da padronização das mercadorias e da racionalização. Já na sociedade pós-industrial, ocorreu uma “intelectualização” do mercado e um crescimento no setor de serviços que umas empresas servem a outras, como é o caso do da gestão, auditoria, entre outros. Esta última sociedade tratou-se, então, de uma sociedade da era da informação e do conhecimento. A partir de 1970, o fordismo viu o fim dos seus dias. Tanto o choque petrolífero de 71- 73 como a concorrência japonesa, a mudança tecnológica e o surgimento de novas necessidades mudaram o panorama que se verificava até então. Passou a dar-se importância aos valores informacionais em detrimento dos valores materiais, fazendo com que a informação se tenha tornado numa nova matéria-prima. Se até 1980 a economia era baseada na capacidade produtiva com ênfase no industrial, com investimento em capital fixo, ao longo dos anos, esse destaque passou para o “processo de aquisição e gestão do conhecimento” (Garcia, 2015: 180), onde o capital humano ganhou lugar. Na década de 90, o conceito de sociedade de informação tratou-se de uma construção política e ideológica que se desenvolveu a partir da globalização, cujo principal objetivo foi instaurar um mercado mundial aberto e com autorregulação. Foi graças ao processo de globalização que os acessos às tecnologias de informação e comunicação, conhecidas como TIC, ultrapassaram barreiras de poder ou dinheiro, auxiliando uma “exposição
  • 2. massiva à informação e um fluxo instantâneo de informação no espaço” (Garcia, 2015: 181). Com a mudança das necessidades do Homem, tornou-se fundamental a criação de novos produtos e modos de divulgação com foco no conhecimento, na informação, na cultura, sociabilidade e entretenimento, originando as indústrias criativas. Com o aumento da produção de bens e serviços altamente dotados de informação, marketing e publicidade, amplificou-se também a quantidade de mercadorias associadas ao contexto informacional. Este movimento de capitalização do conhecimento/informação “correspondeu a uma propensão para a economia apresentar uma caraterística digital” (Garcia, 2015: 181). A informação ganhou uma nova perspetiva, passando a ser tratada como uma mercadoria de aspetos simbólicos, biológicos e económicos, ou seja, uma “bem de mercado transacionável e consumível”. Surgem, então, problemáticas associadas à “busca por lucro e às necessidades de as sociedades democráticas contarem com um sistema de informação que sirva ao espaço político democrático” (Garcia, 2015: 182). Estas atividades geradores de riquezas tiveram os seus prós e contras, já que não se encontravam geograficamente divididas de forma uniforme pelo mundo, o que colocou os países mais pobres, da periferia ou menos desenvolvidos em desvantagem, estes que não produzem produtos do pós-industrial, ainda que os consumam, mas produzem agrícolas e industriais. “A sociedade de informação politizou-se, passando a ser encarada como uma espécie de lema para as estratégias dos governos das grandes potências e grandes indústrias promoverem a consolidação necessária à afirmação do movimento de globalização dos mercados e da livre circulação de dados financeiros e comerciais, revestindo de um certo fatalismo economicista os efeitos da ocidentalização do mundo, encabeçada pela superpotência norte-americana” (Mattelart, 1999, 2001 cit. Garcia et al., 2015: 183). Um dos grandes problemas deste “negócio” que é a informação é precisamente o facto de os novos meios digitais serem agora usados para fins de enriquecimento próprio, aumento do poder e levarem à conceção de “modelos de gestão transgressores das especificidades da atividade informativa”, o que conduz a uma indiferenciação dos conteúdos, provocando assim uma homogeneidade entre a informação e o entretenimento. Por outro lado, a abundância de informação, caraterística do mundo contemporâneo, tende a acolher uma crescente tendência à desinformação levada a cabo por uma necessidade de rapidez e imediatismo, à contaminação entre dados e conteúdos, e aos abusos publicitários. Quando não filtrada, esta abundância de informação constituiu um problema. A “informação e as trocas comunicacionais constituem as instituições e as formas culturais que definem o mundo”. Na atualidade, as tecnologias de informação e comunicação são ferramentas utilizadas com variados propósitos por vários tipos de elites. Luís Garcia terminou o seu artigo referindo o fenómeno “shitstorm”, o qual constitui uma “banalização do insulto em bloco na internet e manifestações de ódio
  • 3. coletivo, que podem tornar redes sociais verdadeiros pelourinhos políticos sociais” (Garcia, 2015: 185). Concluindo, a crescente apropriação, controlo e monopólio da informação podem constituir graves problemas para a sociedade, o que nos leva a pensar se, de facto, as TIC serão ou não um instrumento moderno de domínio económico e político das nações mais poderosas do mundo.