O documento discute como o medo e o trauma histórico afetam israelenses e palestinos no conflito entre eles. Ambos os lados sofreram tragédias no passado que alimentam o medo do outro. Isso cria círculos concêntricos de medo que dificultam a resolução do conflito.
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Os círculos concêntricos do trauma
12/12/2014 Escrito por Marcel Beer Kremnitzer Sem categoria
O conflito entre israelenses e palestinos – ou entre sionistas e árabes, se considerarmos
que iniciou-se no século XIX, quando não havia o Estado de Israel nem a nação palestina –
não se resolve com facilidade devido, entre outros motivos, ao medo que aflige ambas as
sociedades. Pavor e trauma são sentimentos típicos dos habitantes do naco de terra entre
o Jordão e o Mediterrâneo. Enquanto os israelenses são levados a terem medo do mundo
muçulmano e dos jihadistas globais, os palestinos carregam rancor e temor de Israel e dos
sionistas. Por isso, o sentimento – medo – que une os dois povos em conflito também gera
uma sensação única entre ambos: a eliminação iminente nas mãos de seus respectivos
nêmesis (muçulmanos jihadistas e Israel). Os palestinos temem Israel, que teme os
muçulmanos; círculos concêntricos de trauma, como em um jogo de dardos.
Judeus, que constituem mais de 75% da população do Estado de Israel, são
inquestionavelmente reconhecidos por sempre terem sofrido discriminação, perseguições,
massacres e, obviamente, o Holocausto. O trauma gerado por essa tragédia, onde foram
assassinadas 6 milhões de pessoas – um terço da população judaica do planeta – ainda
não abandonou a mentalidade do israelense médio. No nascer do século XXI, os
israelenses adquiriram mais um ingrediente para a receita do medo eterno: a Segunda
Intifada. Entre 2000 e 2005, palestinos (inclusive mulheres) entravam em discotecas, cafés,
pizzarias e ônibus em Israel e, com o apertar de um botão, explodiam-se, no intuito de
levar consigo o maior número possível de judeus. À luz do dia, em locais movimentados, os
suicidas palestinos criavam cenários dantescos de concreto, metal, sangue e corpos
despedaçados. Atualmente, a menção a um novo Holocausto não é rara, e seus possíveis
perpetradores são conhecidos: grupos terroristas jihadistas (Hamas, Hezbollah, Estado
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Islâmico, Al-Qaeda, Boko Haram, etc) e um Irã munido de bombas nucleares. Esses atores
frequentemente enfatizam, entre seus objetivos, a matança de judeus e a eliminação do
Estado de Israel.
A pregação do medo na questão nuclear iraniana
A narrativa palestina do conflito é extremamente penosa e dolorida. O sofrimento causado
pelo Mandato Britânico, pelos sionistas e pelos sucessivos governos israelenses persiste
até hoje. Os palestinos foram presos, torturados, mortos e oprimidos pelos britânicos.
Além disso, viram o governo da Rainha favorecer os sionistas, que imigravam e adquiriam
terras em números significativos no pré-2a Guerra; Sir Herbert Samuel, Alto Comissário
inglês na região entre 1920 e 1925, era judeu. Em 1948, os sionistas trouxeram a maior
tragédia palestina: a Nakba (catástrofe), onde 700 mil pessoas foram obrigadas a sair de
suas casas e vilas, muitos milhares foram mortas e a nação palestina foi humilhada. De
1948 a 1966, os palestinos restantes em Israel foram governados por militares, numa
gestão discriminatória e diferente dos demais habitantes do país. Na longa lista de
tragédias palestinas causadas por Israel estão Deir Yassin (1948), Kafr Qasim (1956), a
Naksa (1967), a traição dos egípcios em 1974 e Sabra e Chatila (1982). Desde 1967, os
sucessivos governos israelenses tomaram terras palestinas em Gaza e Cisjordânia,
oprimiram e mataram seus moradores, impediram-nos de locomoverem-se, trabalharem e
conduzirem suas vidas dignamente. Políticos israelenses no atual governo, como Avigdor
Lieberman e Naftali Bennett, falam abertamente na inferioridade cívica dos palestinos e
em sua possível expulsão de Israel.
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← Coração partido, coração aberto Aqui não se fala a língua da ocupação →
O discurso do trauma na questão de Gaza. Ehud Olmert e
Ban Ki-Moon estão retratados na caricatura
Esse enredo de tragédias passadas e presentes, sofrimento histórico e recente cria, nas
mentes de palestinos e israelenses, a clara possibilidade de novas catástrofes e massacres.
Esse medo é muito presente nas produções artística e cinematográfica, nos discursos
políticos, nas notícias de jornal e nos diálogos rotineiros. Sociedades traumatizadas, que
em qualquer interação com a outra carregam esse trauma e o medo de uma traição, uma
reviravolta e de ver-se exposto e indefeso ao “inimigo”. Nas muitas conferências, planos,
acordos e road maps de paz, um elemento de pressão popular (e até mesmo pessoal, na
mente dos líderes) é o medo, o qual trava concessões, impede aberturas e antecipa
cenários somente negativos. Governantes que utilizem-se do discurso do medo são
favorecidos e obtém simpatia popular. Políticos que falem de “concessões”, “sacrifícios” e
“empatia” são desmoralizados após o próximo atentado terrorista palestino ou a próxima
punição coletiva israelense. Os estímulos errados aos políticos geram os sentimentos
errados nos cidadãos, esse círculo fecha-se, alimenta-se e seguimos caminhando como
caranguejos, transversalmente aos compromissos necessários à paz.
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