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A QUESTÃO RACIAL PRESENTE NA SÍNTESE ÉTNICO-CULTURAL
DO ANTI-HERÓI MACUNAÍMA
Wécio Pinheiro Araújo1
Érika Pinheiro Araújo2
Siméia de Castro Ferreira Neves3
Resumo: Pretende-se analisar a questão racial enquanto “choque de civilizações”
implícita na rapsódia do anti-herói Macunaíma, ao passo que personifica a síntese de
elementos étnico-culturais dos índios, negros e brancos simbolizando a formação do
“modo de ser” brasileiro. O corpus analítico-literário principal destaca-se na obra de
Mário de Andrade, Macunaíma, no Capítulo V (Piaimã), momento do banho no Sumé,
quando o anti-herói, índio, preto, e feio, após banhar-se na água encantada,
milagrosamente sai transformado, branco louro e de olhos azuis. Depuramos a
sensibilidade étnica-cultural presente na alegoria antropofágica que mistura o estilo
épico lírico com a crônica jocosa claramente permeada pelo debate da questão racial em
pauta no modernismo brasileiro.
Palavras-chave: Questão racial. Macunaíma. Etnia. Cultura. Modernismo.
Introdução
Entre os dilemas que perpassam a história do mundo moderno, um dos mais
marcantes é a questão racial; discussão que não raro é tratada de forma reducionista
aparecendo de forma mistificada e superficial, como aquilo que nos é contado pela
historiografia oficial. Entre tantas desigualdades e contradições, fabricadas ou
reeditadas pela dinâmica capitalista, tem-se flagrante a tendência de transfigurar
problemáticas sociais em consequências naturais do desenvolvimento da humanidade e
do processo de civilização. Nessa sociedade fundada na forma-mercadoria, os
fenômenos entre seres humanos, tendem a ser instrumentalizados por uma razão
mercantil, das aparências, da alienação dos sujeitos, e exatamente por isso,
transfiguram-se relações entre pessoas em relações entre coisas. Logo, aquilo que não é
coisa palpável ao mercado, é naturalizado, ocultando o seu devir enquanto construção
sócio-cultural.
Não obstante, a questão racial também não escapa à racionalidade burguesa,
positivista, mercantilista, campo fértil para a semeadura de preconceitos como
xenofobia, etnicismo, racismo, etc. Na concepção de raça predominará uma abordagem
naturalizante, reduzindo-a meramente a explicações de cunho biológico-genético, e
consequentemente relegando a dimensão sócio-cultural e processual indissociável das
vicissitudes históricas. A cor da pele definirá uma raça na sua dimensão biológica,
natural, sem considerar as diferenciações sócio-culturais, e sobretudo, as relações
sociais que dão base a tais diferenciações, raciais, étnicas, culturais, etc. Criticamente
abordamos o problema na perspectiva da totalidade social, concebendo a cultura
humana como indissociável da produção e reprodução da vida social. Desse modo, a
própria cultura surge a partir do momento em que o homem, por meio do trabalho — a
1

Graduado em Serviço Social pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e com formação
complementar pela Universidade Técnica de Lisboa (UTL - Portugal); Mestrando/Pesquisador em
Serviço Social – UFPB, e bolsista do Programa de Bolsas de Assistência ao Ensino – CAPES/REUNI,
por meio do qual atua em estágio docência no curso de Serviço Social (UFPB). Apreciador e autodidata
das letras, artes, literatura e filosofia. E-mail: weciop@bol.com.br
2
Graduanda em Letras (Licenciatura plena em português) pela Universidade Federal da Paraíba – UFPB.
3
Graduada em História (UVA). Graduanda em Letras (Licenciatura plena em português) pela
Universidade Federal da Paraíba – UFPB.
modificar a natureza e ser modificado também nesse processo que visa a satisfação de
suas próprias necessidades —, torna-se ser social. Ou seja, produtor de cultura; onde
puser a mão o homem, manifestará sua capacidade criativa enquanto atividade
consciente e objetiva, gerar-se-á cultura. A história desse homem é a história de como se
produz social e culturalmente, construindo povos, etnias e matrizes culturais das mais
diversas espraiadas por todo o mundo. Daí, a existência de diversas formas de
civilização que ora se encontram, se chocam, conflitam e até exterminam umas as outras
por razões igualmente diversas. Como destaca Ianni (2004, p. 21):
Em certa medida, o debate relativo ao "choque de civilizações" implica em
xenofobia, etnicismo e racismo. Ao hierarquizar as "civilizações",
hierarquizando também os povos, nações, nacionalidades, e etnias, é evidente
que se promove a classificação, entre positiva, negativa, neutra ou indefinida, de
uns e outros. Samuel P. Huntington, que classifica as "civilizações
contemporâneas" em: Chinesa, Japonesa, Hindú, Islâmica, Ocidental e Latinoamericana, está, simultaneamente, estabelecendo alguma relação entre etnia, ou
raça e cultura ou civilização; uma relação cientificamente insustentável, desde
Franz Boas, mesmo quando dissimulada. Essa é, obviamente, uma implicação de
sua teoria, ao priorizar a "civilização ocidental" por sua escala de
"modernização",
"tecnificação",
"produtividade",
"prosperidade",
"lucratividade". Aliás, esse contrabando etnicista, xenófobo ou racista, está
presente em diferentes pensadores "empenhados" em explicar o mundo em
termos de "modernização", "racionalização", "tecnificação" e outros emblemas
ideológicos do "ocidentalismo".
Ianni (2004) chamará atenção para pensadores como Huntington relegarem os
determinantes oriundos das relações sociais basilares da sociedade, que marcam
presença com o mercantilismo, o colonialismo, o imperialismo e/ou capitalismo no
“choque” entre culturas com matrizes diferentes.
No Brasil, a questão racial envolve claramente os dilemas do “choque de
civilizações” analisado por Ianni. Historicamente, na trama brasileira, temos o “choque”
entre índios, negros e brancos; ou de outro modo, nativos brasileiros, escravos trazidos
do continente africano, e colonizadores europeus. Esse “choque” refletirá o embate
entre culturas diferentes, não raro, constituindo oposições, com expressões virulentas, e
culminando nos mais diversos fenômenos de ordem sócio-cultural, entre eles, as
expressões da questão racial.
A questão racial e o Modernismo brasileiro
Mário de Andrade, autor de Macunaíma, irá trazer à ordem do dia questões de
caráter étnico-cultural que marcarão a presença, implícita ou não, da questão racial na
produção modernista. Situações vividas pelos povos indígenas quando “descobertos”
pelos colonizadores europeus são emblemáticas, que relatarão aquela “nova sociedade”
como selvagem, de recusa ao trabalho, de paganismo, etc.; relato este, permeado pelo
espanto etnocêntrico do europeu diante, por exemplo, da “facilidade com que o índio
obtinha o seu sustento e a nudez desavergonhada de nativos preguiçosos e saudáveis, e
robustos, e felizes”4. O caso da preguiça como estigma racial, analisado por Turino
(2007, p. 40) é emblemático:
4

Ver TURINO, Celio. O heroí sem nenhum trabalho. In: Revista de História da Biblioteca Nacional. Ano
2. Nº 17, Rio de Janeiro, Fevereiro, 2007, p. 38-43.
Após seis anos sem falar, Macunaíma proferiu sua primeira fase: “Ai! que
preguiça!…” Em uma só frase ele uniu duas culturas, dois idiomas, formando
uma onomatopéia e um pleonasmo. Ai, em tupi, significa um comportamento e
também um animal: o bicho preguiça, o mamífero de movimentos extremamente
lentos que tanto surpreendeu os primeiros europeus.
Primeiro o índio — na colonização —, e posteriormente o negro —
principalmente após a abolição da escravatura —, carregarão o estigma étnico de uma
imagem negativa da preguiça. Turino (2007) sublinhará que talvez por isso os
colonizadores tenham se dedicado com tanto afinco à evangelização do gentio: caçandoos, escravizando-os, livrando-os do reino do pecado, oferecendo-lhes o mundo do
trabalho.
Com o tempo, a imagem negativa da preguiça se transferiu do indígena para o
negro, principalmente após a abolição da escravatura. Pouco importava se o
trabalho escravo havia sustentado a economia da Colônia e do Império, pois os
bandos de negros sem trabalho, expulsos das fazendas de café, vagando pelas
estradas, habitando os bairros pobres dos extremos das cidades, vivendo de
biscates, inventando a capoeira, e a feijoada, e o samba, provocavam medo;
eram associados à vagabundagem e ao perigo (TURINO, 2007, p. 40).
Com a chegada do século XX, a economia brasileira, antes caracterizada
eminentemente por atividades agro-exportadoras, agora, dá seus primeiros passos rumo
à industrialização.
Segundo Turino (2007), nesse período, São Paulo passou por uma contínua
explosão demográfica, tendo aumentado sua população em 270% no curto período de
dez anos, entre 1890 (65 mil habitantes) e 1900 (240 mil habitantes). Nos vintes anos
seguintes, a população mais que dobrou (580 mil habitantes). Era gente nova chegando
todos os dias, principalmente imigrantes, que compunham mais da metade da população
de São Paulo e que se somariam à gente do interior, caipiras e ex-escravos. Hoje o
paulistano médio associa criminalidade e vagabundagem à onda migratória, aos
nordestinos e negros, que vieram de algum lugar, mas, certamente, “de fora” de São
Paulo (pelo menos o pensamento médio gostaria que assim fosse).
Desse modo, observamos como não é à toa que historicamente, São Paulo será o
núcleo do modernismo brasileiro, e de autores como Mário de Andrade, habitantes do
terreno histórico e geopolítico onde convergiu a maior fatia dos dilemas afetos ao
processo de modernização urbano-industrial no Brasil. Nesse contexto, São Paulo foi
também palco dos movimentos operários, que expressaram o surgimento no cenário
político brasileiro dos trabalhadores com suas demandas no embate com o capital
industrial5, embates que tiveram como testemunha os intelectuais modernistas, entre
eles, obviamente, Mário de Andrade.
A epopéia de Macunaíma se insere num momento em que São Paulo estava
construindo a imagem de “locomotiva do Brasil”6, de seio do desenvolvimento
econômico, cultural, político, artístico, e social do país. Destarte, na rapsódia de Mário
de Andrade irão repercutir os embates da sua época, entre tantos, aqueles dilemas e
rachas provocados pelo choque entre as culturas oriundas das diversas etnias
5

Ver BOSI, Alfredo. História Concisa da Literatura Brasileira. 43. ed. – São Paulo: Cultrix, 2006, p.
301-307.
6
Ver TURINO, Celio. O heroí sem nenhum trabalho. In: Revista de História da Biblioteca Nacional. Ano
2. Nº 17, Rio de Janeiro, Fevereiro, 2007, p. 41.
constituintes desse ser social brasileiro miscigenado e multicultural; sem consciência
civilizatória própria nem identidade nacional monolítica — como diria Mário de
Andrade, “o brasileiro não tem caráter” (apud TURINO, 2007, p. 39). Pretendemos
demonstrar alguns elementos da questão racial, implícitos nos elementos étnicoculturais condensados alegoricamente no anti-herói Macunaíma, assim como no
episódio do banho no Sumé.
MACUNAÍMA: a síntese étnico-cultural na alegoria antropofágica
A congregação dos elementos que formam aquilo que Mário de Andrade nomeia
de “entidade nacional dos brasileiros” (ANDRADE apud TURINO, 2007, p. 39), põe-se
como a própria totalidade alegórica personificada no anti-herói Macunaíma. A história
apresentará um protagonista sobre-humano, que incorpora a síntese do ser brasileiro,
manifestada em várias determinações, de costumes, atitudes, comportamentos,
compleição física, vocabulário, crendices, hábitos alimentares, virtudes e defeitos.
Como destaca Proença, “O herói é da nossa gente, de todos os quadrantes, tem hábitos,
crendices, alimentação, linguagem isentos de qualquer traço predominante. Incorpora
sem ordem nem hierarquia as características de cultura, diferenciadas nas várias regiões
brasileiras” (1987, p. 60). Segundo Bosi (2006, p. 353), simbolicamente, a figura de
Macunaíma, o herói sem nenhum caráter, foi trabalhada como síntese de um presumido
“modo de ser brasileiro” descrito como luxurioso, ávido, preguiçoso e sonhador:
caracteres que lhe atribuía um teórico do Modernismo, Paulo Prado, em Retrato do
Brasil (1926).
Proença sublinhará o sentido nacional de Macunaíma, ao considerá-lo “uma
figura turbulenta e sem medida, que encarna o caos psicológico de um povo em que os
mais diversos elementos rácicos e culturais se reuniram, sem que estejam, por
enquanto, amalgamados” (1987, p. 8, grifo nosso).
Note-se como Mário de Andrade o descreverá no primeiro capítulo da obra. A
ontologia do anti-herói, seu nascimento, seu ser, suas características físicas e espirituais
são logo antecipadas nas primeiras linhas da rapsódia. O que predomina na figura do
anti-herói antropofágico é exatamente a convergência de contradições, de elementos
étnicos e culturais próprios da diversidade brasileira.
No fundo do mato-virgem nasceu Macunaíma, herói da nossa gente. Era preto
retinto e filho do medo da noite. Houve um momento em que o silêncio foi tão
grande escutando o murmurejo do Uraricoera, que ainda tapanhumas pariu uma
criança feia. Essa criança é chamaram de Macunaíma (ANDRADE, 1980, p. 9).
Macunaíma personifica a síntese proposta pelo Manifesto Antropófago7, a figura
enquanto resultante da fusão dos mais diversos elementos rácicos e culturais só
encontrados no “modo de ser” brasileiro, realiza alegoricamente o espírito do manifesto.
Nosso anti-herói invoca a expressão de todos os individualismos, de todos os
coletivismos, de todas as religiões, costumes e etc., como pretendia a antropofagia. A
presença da diversidade étnica e cultural própria da vida brasileira, claramente ganha
vida com nosso personagem. Consequentemente, aqueles dilemas e aporias oriundos
desse “modo de ser” no qual se chocam as mais diferentes culturas — não raro,

7

Cf. Manifesto Antropófago, publicado por Oswald de Andrade na edição inaugural da Revista de
antropofagia, São Paulo, em 1º de Maio de 1928. In: TELES, Gilberto Mendonça. Vanguarda europeia e
modernismo; apresentação dos principais poemas metalinguísticos, manifestos, prefácios e conferências
vanguardistas de 1857 à 1972. 19. ed. – Revisada e ampliada. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009, p. 504-511.
historicamente, até opostas —, por sua vez, serão os dilemas e dificuldades manifestas
na própria trajetória vivida por Macunaíma.
Interessa-nos destacar, particularmente no episódio do banho no Sumé, como
aparecem implicitamente elementos que permitem extrair, da rapsódia e suas alegorias,
tanto na figura central de Macunaíma, como no contexto que envolve o herói, a
presença de um importante dilema no tocante à formação do ser social brasileiro, isto é,
a questão racial, e como podemos enxergá-la no universo simbólico de Mário de
Andrade.
O “choque de civilizações” no banho do Sumé e o mito racial como alegoria da
questão racial
No capítulo V, sob o título de PIAIMÃ, nosso herói seguia acompanhado por
seus dois irmãos, Maanape, o mais velho e experiente personificado na figura do
feiticeiro, macumbeiro; e Jiguê, irmão do meio, um índio abobalhado e ingênuo. Ambos
resolveram ir com Macunaíma porque, segundo a narrativa, o herói carecia de proteção.
Diz o episódio que:
Uma feita a Sol cobrira os três manos duma escaminha de suor e Macunaíma se
lembrou de tomar banho. Porém no rio era impossível por causa das piranhas tão
vorazes que de quando em quando na luta pra pegar um naco de irmã
espedaçada, pulavam os cachos pra fora d‘água metro e mais. Então Macunaíma
enxergou numa lapa bem no meio do rio uma cova cheia d‘água. E a cova era
que nem a marca dum pé gigante. Abicaram. O herói depois de muitos gritos por
causa do frio da água entrou na cova e se lavou inteirinho. Mas a água era
encantada porque aquele buraco na lapa era marca do pezão do Sumé, do tempo
em que andava pregando o evangelho de Jesus pra indiada brasileira. Quando o
herói saiu do banho estava branco louro e de olhos azuizinhos, água lavara o
pretume dele. E ninguém não seria capaz mais de indicar nele um filho da tribo
retinta dos Tapanhumas (ANDRADE, 1980, p. 29-30).
São as águas sagradas pela passagem do pregador do evangelho de Jesus
deixando a pegada que formou a cova do Sumé8; águas encantadas, que operam o
“milagre”. É o herói que resolve tomar banho por conta do calor traduzido pela
narrativa numa “escaminha de suor”. Mas sobretudo, importa-nos o que isso representa:
temos o contato do herói, preto retinto e filho do medo da noite, com as águas santas do
Sumé, ilustrando claramente o contato entre tradições culturais diversas, e presentes na
formação brasileira. E mais ainda: neste contato, que historicamente, não raro, se
traduzirá em impacto, em “choque de civilizações”, entre as matrizes étnicas e culturais
envolvidas, qual delas sobressaíra dominante? Há uma relação de poder na essência do
que nomeamos de questão racial, que não é dada na imediaticidade dos fatos, assim
como na alegoria de Macunaíma, que invoca algo único no seu gênero, sui generis.
Macunaíma representa num só golpe a fusão de elementos étnicos e culturais dos
índios e negros; daqueles povos colonizados, estigmatizados pelo europeu branco e
8

Conta Proença (1987, p. 152) que segundo a lenda, há no Brasil várias marcas dos pés de Sumé (São
Tomé) em sua peregrinação apostólica, antes do descobrimento do país. Pereira da Costa cita Santa Rita
Durão: ―Enxergam-se mui bem sobre os penedos / Toda a forma do pé com planta e dedosǁ. O mesmo
pode ser lido nas Cartas do Padre Nóbrega, (…), quando refere informações que tivera a respeito de
Sumé e das pegadas existentes sobre a rocha. Frei Vicente do Salvador faz referência a pegadas de Sumé
na ilha de Maré.
detentor da verdade religiosa ocidental, o evangelho cristão. A partir do momento do
banho no Sumé, nosso herói incorporará o que faltava, a brancura da matriz étnica e
cultural européia, colonizadora. Para o branco colonizador, o índio e o negro eram
pagãos, preguiçosos, selvagens, inferiores; careciam de civilização, de salvação.
Lembre-se daquilo que representou a Companhia de Jesus9 na colonização brasileira,
aquelas gigantescas missões vindas da Europa com a incumbência de converter o
paganismo dos índios e colonos, ou de demonizar as expressões da fé africana trazidas
pelos negros para solo brasileiro. “Gigantes” no sentido da quimérica e onipotente
matriz cultural única capaz de civilizar, de salvar — ou de condenar também, pois não
teremos “salvos” sem uma condenação da qual os homens precisem de salvação.
“Gigantes” do tamanho de uma tradição secular, construída distante dali, e que agora
chegara, e passava a deixar pegadas da “marca do pezão do Sumé, do tempo em que
andava pregando o evangelho de Jesus pra indiada brasileira” (ANDRADE, 1980, p.
30). “Gigante” que se impõe verticalmente, de cima pra baixo, aos nativos, que teriam
sua própria cultura sobreposta coercitivamente pelo cristianismo.
Nosso herói resolve banhar-se na cova deixada pela pegada de um desses
“gigantes” que passaram por ali pregando em nome da matriz cultural colonizadora.
Macunaíma representará as culturas indígenas e africanas sendo “lavadas” pelo “milagre
civilizatório europeu”. Suas raízes, de ser filho dos Tapanhumas, índio, preto retinto,
agora, a água encantada lavara. “E ninguém seria capaz mais de indicar nele um filho da
tribo retinta dos Tapanhumas” (ANDRADE, 1980, p. 30). No entanto, para “lavar”, na
história leia-se sobrepor coercitivamente, dominar; quando não raro, estigmatizar
envolvendo numa visão negativa as expressões culturais dos índios e negros na
formação social brasileira. Desse modo, a síntese étnico-cultural antropomorfizada em
Macunaíma, sobretudo no episódio em questão, do banho no Sumé, terá sua face
conflituosa ilustrada no fenômeno milagroso em que nosso herói incorporará a
sobreposição étnico-cultural das matrizes indígena e negra pela matriz branca européia,
vivenciando-a na pele. Literalmente na pele, que mudará de cor: o negro
milagrosamente transformar-se-á em branco. Quando ele “saiu do banho estava branco
louro e de olhos azuizinhos, a água lavara o pretume dele” (ANDRADE, 1980, p. 30).
Suas características étnicas e culturais de origem — pelo menos na aparência —, agora,
haviam sido “lavadas”, isto é, eliminadas pelo milagre deixado na pegada do Sumé, a
marca da civilização.
Somos remetidos de uma forma simultaneamente mítica, crítica e cômica (ou
sarcástica) à imposição etnocêntrica da “cultura civilizada” aos nativos brasileiros, e
dentro disto exteriorizando um dos principais temas combatidos pelo modernismo, a
influência exacerbada da cultura européia e clássica na literatura brasileira. Mário de
Andrade demonstra que mesmo dentro dos moldes já conhecidos pelas escolas
anteriores se poderia trabalhar com a cultura nativa, valorizando a multiplicidade étnicocultural da formação brasileira. Mostra-se também extremamente fecundo na formação

9

A Companhia de Jesus (em latim: Societas Iesu, S. J.), cujos membros são conhecidos como jesuítas, é
uma ordem religiosa fundada em 1534 por um grupo de estudantes da Universidade de Paris, liderados
pelo basco Íñigo López de Loyola, conhecido posteriormente como Inácio de Loyola. Justificam que
queriam oferecer proteção aos índios, quando na verdade ocorria, segundos registros históricos, a
imposição cultural etnocêntrica aos índios e colonos. Chegaram ao Brasil por volta de 1549, e pregavam a
obediência cega e total à doutrina da Igreja Católica, tendo Inácio de Loyola declarado: ―Acredito que o
branco que eu vejo é negro, se a hierarquia da igreja assim o tiver determinadoǁ. Fonte: Wikipédia.
Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Companhia_de_Jesus.
da própria identidade literária, ao criá-la, na verdade assume e imortaliza uma “entidade
literária”10 genuinamente brasileira.
Mário de Andrade, de forma certeira, ao “modo Macunaíma”, traduzirá na sua
alegoria, desde o anti-herói até aquilo que vivencia, o “choque de civilizações” nas suas
expressões étnicas e culturais resultando claramente na hegemonia e dominação do
branco, do europeu na formação do “modo de ser” brasileiro. Mesmo quando não se
conseguiu apagar do nosso povo os traços étnicos e culturais indígenas e africanos,
fabricaram-se uma série de preconceitos a essas matrizes étnicas e culturais. Portanto,
temos o mito racial em Macunaíma como alegoria da questão racial no Brasil, sua
crônica jocosa perpassada pelo estilo épico. Numa palavra, a questão racial ganha, na
narrativa de Mário de Andrade, sua versão mítica, alegórica, mas fortemente
impregnada de uma apurada sensibilidade do poeta que se travestiu de cientista social,
de antropólogo e estudioso da alma brasileira. Como enfatiza Turino (2007, p. 42), em
Macunaíma encontramos “a maestria de um artista e mágico que, a partir do lúdico,
produz efeitos emocionais e de análise; um mágico da interpretação do Brasil”. Eis o
que invocamos como “entidade literária radicalmente brasileira”, em forma e conteúdo,
a identidade literária assumida pelo autor de Macunaíma, desconstrói a noção de mera
identificação, para invocar aquelas raízes genuinamente brasileiras, extraídas do
fecundo imaginário do povo brasileiro, sua história, seus causos, suas figuras míticas, e
vicissitudes históricas reproduzidas espiritualmente em forma de alegorias populares.
Conclusões
Para falar ainda mais uma vez em gigantes, resgatamos, em caráter conclusivo,
que na divisão que compõe o trecho da rapsódia que estudamos, Macunaíma se
defrontará com Piaimã, gigante comedor de gente que dá nome ao próprio capítulo
supracitado. Ele personifica o monstro que usurpa com sua ganância insaciável, todo o
fôlego cultural, toda a multiplicidade étnica da nossa gente. Promove a hierarquização
das culturas e etnias presentes no Brasil, alimentando o “choque de civilizações” na
configuração do que chamamos de questão racial, ou seja, o conjunto de problemas
econômicos, sociais, políticos, étnicos e culturais oriundos da relação conflituosa entre
as matrizes raciais na formação histórica da sociedade brasileira. O gigante que
conhecemos pela designação genérica de capitalismo, para Macunaíma estará
personificado como Piaimã. A cultura que recebemos como civilizatória, enaltecedora
da raça branca, com seu evangelho de Jesus, salvador branco, para nosso herói sem
nenhum caráter será vivenciada no banho do Sumé. E a questão racial brasileira,
reproduzida e (re)fabricada permanentemente pela nossa sociedade nas suas expressões
etnicistas e racistas, encontra na alegoria antropofágica de Mário de Andrade, a forma
de mito racial enquanto síntese épica e jocosa, que remete genialmente às raízes da
formação dessa multiplicidade étnica e cultural chamada Brasil, sem relegar seus
conflitos.
Como constatou o sociólogo francês Roger Bastide, “não se pode encontrar um
livro mais brasileiro que Macunaíma” (apud TURINO, 2007, p. 42). Nele, depuramos a
sensibilidade desse poeta-antropólogo ou poeta-sociólogo, que traduz o “modo de ser”
10

Lembre-se como Mário de Andrade se referia à sua descoberta quanto à identidade nacional dos
brasileiros, que chamava num insight poético-antropológico de, ―entidade nacional dos brasileirosǁ. Cf.
TURINO, Celio. O herói sem nenhum trabalho. In: Revista de História da Biblioteca Nacional. Ano 2.
Nº 17, Rio de Janeiro, Fevereiro, 2007, p. 39. Por isso, nos permitimos convocar sua identidade literária
como ―entidade literária radicalmente brasileiraǁ, radical no sentido de invocar as mais profundas raízes
étnicas e culturais do nosso país.
brasileiro misturando historicidade e mitologia, fantasia e razão, a captar os dilemas
mais íntimos da alma desse povo índio, africano e europeu; vermelho, negro e branco.
Nele, parece antecipar-se uma espécie de fusão de espíritos atualíssimos na apreensão
da questão racial, como Octavio Ianni e Oliveira Silveira, o sociólogo e o poeta.
Se não quisermos o destino de ser alimento para o gigante comedor de gente, é
preciso atacar as relações sociais que dão base a problemas como a questão racial;
crônica ferida no tecido social do mundo humano. Aquelas relações que fomentaram as
condições sociais, econômicas e políticas que culminaram na perpetuação de gerações
inteiras de etnias estigmatizadas e deixadas à miséria social e cultural na exploração
operada por uma outra etnia dominante numa relação de poder virulenta e baseada
unicamente na propriedade privada dos meios de produção. Enquanto homens
explorarem homens na produção do conteúdo social da riqueza material em nossa
sociedade, sempre haverá grupos, etnias, culturas e povos inteiros vitimados pela
desigualdade social, fundadora de todas as outras formas de segregação e desigualdade,
seja de cunho racial, cultural, étnico, de gênero, etc. Toda essas formas de desigualdade
vitimam seres humanos porque se manifestam enquanto desigualdades sociais,
econômicas, políticas, etc. Não é a cor ou a raça que cria essa desigualdade social entre
brancos, índios e negros, mas a desigualdade social da qual lançou mão oportunamente
na história uma etnia ou uma cor em razão da exploração e dominação social de outras.
Enquanto nossa sociedade priorizar a mercantilização de todas suas relações, e
produzir a riqueza social, condição material de sua existência, por meio da exploração e
da manutenção da propriedade privada dos meios de produção, então estará de pé o
gigante antropófago insaciável em sua ganância. Resgatamos ainda mais uma vez o
sociólogo, já citado introdutoriamente, na sua Dialética das relações sociais a
desmistificar a problemática a partir do presente, resgatando a sua historicidade, assim
como as contradições inerentes:
Esta é a dialética das relações sociais, nas quais se inserem as relações raciais: o
indivíduo, tomado no singular ou coletivamente, forma-se, conforma-se e
transforma-se na trama das relações sociais, formas de sociabilidade, jogos de
forças sociais. São várias, mutáveis e contraditórias as determinações que
constituem o indivíduo, no singular e coletivamente, o que pode transformá-lo e
transformá-los; daí constituindo-se o "negro", o "branco", o "árabe", o "judeu", o
"hindu", o "mexicano", o "paraguaio", o "senegalês", o "angolano", tanto como o
"operário", o "camponês", o "latifundiário", o "burguês"; tanto como a "mulher",
o "homem"; todos e cada um visto como criados e recriados, modificados e
transfigurados na trama das relações sociais, das formas de sociabilidade e dos
jogos das forças sociais; envolvendo sempre processos socioculturais e políticoeconômicos, desdobrando-se em teorias, doutrinas e ideologias. Assim se dá a
metamorfose do indivíduo "em geral", indeterminado, em indivíduo "em
particular", determinado, concretizado por várias, distintas e contraditórias
determinações. Esse o clima em que germina o "eu" e o "outro", o "nós" e o
"eles", compreendendo identidade e alteridade, diversidade e desigualdade,
cooperação e hierarquização, divisão do trabalho social e alienação, lutas sociais
e emancipação (IANNI, 2004, p. 27-28).
Não temamos as palavras, diante disso, indagamos: o que fazer? Pergunta
clássica que se defronta com aquelas “feridas clássicas” da humanidade, como a questão
racial, de caráter crônico, com implicações agudas num espectro de problemas de cunho
social, político, econômico, cultural, etc.; ferida daquelas que parecem não sarar nunca.
Pode-se eliminar problemas como a questão racial a partir dessa sociedade fundada na
exploração e na desigualdade? O poeta, com vivacidade, resgata-nos a imagem
(SILVEIRA apud IANNI, 2004, p. 25):
CHARQUEADA GRANDE
Oliveira Silveira
Um talho fundo na carne do mapa:
Américas e Áfricas margeiam.
Um navio negreiro como faca:
mar de sal, sangue e lágrimas no meio.
Um Sol bem tropical ardendo forte
ventos alíseos no varal dos juncos
e sal e sol e vento sul no corte
de uma ferida que não seca nunca11.
REFERÊNCIAS
ANDRADE, Mário de. MACUNAÍMA - o herói sem nenhum caráter. 17. ed. – São
Paulo, Martins, Belo Horizonte, Ed. Itatiaia; 1980.
BOSI, Alfredo. História Concisa da Literatura Brasileira. 43. ed. – São Paulo:
Cultrix, 2006.
IANNI, Octavio. A questão racial. SBPC, Labjor, Brasil, 2003. Disponível em:
http://www.comciencia.br/reportagens/negros/11.shtml.
IANNI, Octavio. Dialética das relações raciais. Estud. av., São Paulo, v. 18, n. 50, Apr.
2004. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010340142004000100003&lng=en&nrm=iso>. Acesso em 19 Outubro. 2010.
PROENÇA, Manuel Cavalcanti. Roteiro de Macunaíma por M. Cavalcanti Proença.
6. ed. – Rio de Janeiro, Civilização Brasileira; 1987.
TELES, Gilberto Mendonça. Vanguarda européia e modernismo; apresentação dos
principais poemas metalinguísticos, manifestos, prefácios e conferências vanguardistas
de 1857 à 1972. 19. ed. – Revisada e ampliada. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009.
TURINO, Celio. O herói sem nenhum trabalho. In: Revista de História da Biblioteca
Nacional. Ano 2. Nº 17, Rio de Janeiro, Fevereiro, 2007, p. 38-43.

11

Cf. Oliveira Silveira, "Charqueada Grande", publicado por Oswaldo de Camargo (seleção e
organização), A razão da chama, São Paulo, GRD, 1986, p. 65.

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A questão racial presente na sintese de macunaima araujo e neves

  • 1. A QUESTÃO RACIAL PRESENTE NA SÍNTESE ÉTNICO-CULTURAL DO ANTI-HERÓI MACUNAÍMA Wécio Pinheiro Araújo1 Érika Pinheiro Araújo2 Siméia de Castro Ferreira Neves3 Resumo: Pretende-se analisar a questão racial enquanto “choque de civilizações” implícita na rapsódia do anti-herói Macunaíma, ao passo que personifica a síntese de elementos étnico-culturais dos índios, negros e brancos simbolizando a formação do “modo de ser” brasileiro. O corpus analítico-literário principal destaca-se na obra de Mário de Andrade, Macunaíma, no Capítulo V (Piaimã), momento do banho no Sumé, quando o anti-herói, índio, preto, e feio, após banhar-se na água encantada, milagrosamente sai transformado, branco louro e de olhos azuis. Depuramos a sensibilidade étnica-cultural presente na alegoria antropofágica que mistura o estilo épico lírico com a crônica jocosa claramente permeada pelo debate da questão racial em pauta no modernismo brasileiro. Palavras-chave: Questão racial. Macunaíma. Etnia. Cultura. Modernismo. Introdução Entre os dilemas que perpassam a história do mundo moderno, um dos mais marcantes é a questão racial; discussão que não raro é tratada de forma reducionista aparecendo de forma mistificada e superficial, como aquilo que nos é contado pela historiografia oficial. Entre tantas desigualdades e contradições, fabricadas ou reeditadas pela dinâmica capitalista, tem-se flagrante a tendência de transfigurar problemáticas sociais em consequências naturais do desenvolvimento da humanidade e do processo de civilização. Nessa sociedade fundada na forma-mercadoria, os fenômenos entre seres humanos, tendem a ser instrumentalizados por uma razão mercantil, das aparências, da alienação dos sujeitos, e exatamente por isso, transfiguram-se relações entre pessoas em relações entre coisas. Logo, aquilo que não é coisa palpável ao mercado, é naturalizado, ocultando o seu devir enquanto construção sócio-cultural. Não obstante, a questão racial também não escapa à racionalidade burguesa, positivista, mercantilista, campo fértil para a semeadura de preconceitos como xenofobia, etnicismo, racismo, etc. Na concepção de raça predominará uma abordagem naturalizante, reduzindo-a meramente a explicações de cunho biológico-genético, e consequentemente relegando a dimensão sócio-cultural e processual indissociável das vicissitudes históricas. A cor da pele definirá uma raça na sua dimensão biológica, natural, sem considerar as diferenciações sócio-culturais, e sobretudo, as relações sociais que dão base a tais diferenciações, raciais, étnicas, culturais, etc. Criticamente abordamos o problema na perspectiva da totalidade social, concebendo a cultura humana como indissociável da produção e reprodução da vida social. Desse modo, a própria cultura surge a partir do momento em que o homem, por meio do trabalho — a 1 Graduado em Serviço Social pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e com formação complementar pela Universidade Técnica de Lisboa (UTL - Portugal); Mestrando/Pesquisador em Serviço Social – UFPB, e bolsista do Programa de Bolsas de Assistência ao Ensino – CAPES/REUNI, por meio do qual atua em estágio docência no curso de Serviço Social (UFPB). Apreciador e autodidata das letras, artes, literatura e filosofia. E-mail: weciop@bol.com.br 2 Graduanda em Letras (Licenciatura plena em português) pela Universidade Federal da Paraíba – UFPB. 3 Graduada em História (UVA). Graduanda em Letras (Licenciatura plena em português) pela Universidade Federal da Paraíba – UFPB.
  • 2. modificar a natureza e ser modificado também nesse processo que visa a satisfação de suas próprias necessidades —, torna-se ser social. Ou seja, produtor de cultura; onde puser a mão o homem, manifestará sua capacidade criativa enquanto atividade consciente e objetiva, gerar-se-á cultura. A história desse homem é a história de como se produz social e culturalmente, construindo povos, etnias e matrizes culturais das mais diversas espraiadas por todo o mundo. Daí, a existência de diversas formas de civilização que ora se encontram, se chocam, conflitam e até exterminam umas as outras por razões igualmente diversas. Como destaca Ianni (2004, p. 21): Em certa medida, o debate relativo ao "choque de civilizações" implica em xenofobia, etnicismo e racismo. Ao hierarquizar as "civilizações", hierarquizando também os povos, nações, nacionalidades, e etnias, é evidente que se promove a classificação, entre positiva, negativa, neutra ou indefinida, de uns e outros. Samuel P. Huntington, que classifica as "civilizações contemporâneas" em: Chinesa, Japonesa, Hindú, Islâmica, Ocidental e Latinoamericana, está, simultaneamente, estabelecendo alguma relação entre etnia, ou raça e cultura ou civilização; uma relação cientificamente insustentável, desde Franz Boas, mesmo quando dissimulada. Essa é, obviamente, uma implicação de sua teoria, ao priorizar a "civilização ocidental" por sua escala de "modernização", "tecnificação", "produtividade", "prosperidade", "lucratividade". Aliás, esse contrabando etnicista, xenófobo ou racista, está presente em diferentes pensadores "empenhados" em explicar o mundo em termos de "modernização", "racionalização", "tecnificação" e outros emblemas ideológicos do "ocidentalismo". Ianni (2004) chamará atenção para pensadores como Huntington relegarem os determinantes oriundos das relações sociais basilares da sociedade, que marcam presença com o mercantilismo, o colonialismo, o imperialismo e/ou capitalismo no “choque” entre culturas com matrizes diferentes. No Brasil, a questão racial envolve claramente os dilemas do “choque de civilizações” analisado por Ianni. Historicamente, na trama brasileira, temos o “choque” entre índios, negros e brancos; ou de outro modo, nativos brasileiros, escravos trazidos do continente africano, e colonizadores europeus. Esse “choque” refletirá o embate entre culturas diferentes, não raro, constituindo oposições, com expressões virulentas, e culminando nos mais diversos fenômenos de ordem sócio-cultural, entre eles, as expressões da questão racial. A questão racial e o Modernismo brasileiro Mário de Andrade, autor de Macunaíma, irá trazer à ordem do dia questões de caráter étnico-cultural que marcarão a presença, implícita ou não, da questão racial na produção modernista. Situações vividas pelos povos indígenas quando “descobertos” pelos colonizadores europeus são emblemáticas, que relatarão aquela “nova sociedade” como selvagem, de recusa ao trabalho, de paganismo, etc.; relato este, permeado pelo espanto etnocêntrico do europeu diante, por exemplo, da “facilidade com que o índio obtinha o seu sustento e a nudez desavergonhada de nativos preguiçosos e saudáveis, e robustos, e felizes”4. O caso da preguiça como estigma racial, analisado por Turino (2007, p. 40) é emblemático: 4 Ver TURINO, Celio. O heroí sem nenhum trabalho. In: Revista de História da Biblioteca Nacional. Ano 2. Nº 17, Rio de Janeiro, Fevereiro, 2007, p. 38-43.
  • 3. Após seis anos sem falar, Macunaíma proferiu sua primeira fase: “Ai! que preguiça!…” Em uma só frase ele uniu duas culturas, dois idiomas, formando uma onomatopéia e um pleonasmo. Ai, em tupi, significa um comportamento e também um animal: o bicho preguiça, o mamífero de movimentos extremamente lentos que tanto surpreendeu os primeiros europeus. Primeiro o índio — na colonização —, e posteriormente o negro — principalmente após a abolição da escravatura —, carregarão o estigma étnico de uma imagem negativa da preguiça. Turino (2007) sublinhará que talvez por isso os colonizadores tenham se dedicado com tanto afinco à evangelização do gentio: caçandoos, escravizando-os, livrando-os do reino do pecado, oferecendo-lhes o mundo do trabalho. Com o tempo, a imagem negativa da preguiça se transferiu do indígena para o negro, principalmente após a abolição da escravatura. Pouco importava se o trabalho escravo havia sustentado a economia da Colônia e do Império, pois os bandos de negros sem trabalho, expulsos das fazendas de café, vagando pelas estradas, habitando os bairros pobres dos extremos das cidades, vivendo de biscates, inventando a capoeira, e a feijoada, e o samba, provocavam medo; eram associados à vagabundagem e ao perigo (TURINO, 2007, p. 40). Com a chegada do século XX, a economia brasileira, antes caracterizada eminentemente por atividades agro-exportadoras, agora, dá seus primeiros passos rumo à industrialização. Segundo Turino (2007), nesse período, São Paulo passou por uma contínua explosão demográfica, tendo aumentado sua população em 270% no curto período de dez anos, entre 1890 (65 mil habitantes) e 1900 (240 mil habitantes). Nos vintes anos seguintes, a população mais que dobrou (580 mil habitantes). Era gente nova chegando todos os dias, principalmente imigrantes, que compunham mais da metade da população de São Paulo e que se somariam à gente do interior, caipiras e ex-escravos. Hoje o paulistano médio associa criminalidade e vagabundagem à onda migratória, aos nordestinos e negros, que vieram de algum lugar, mas, certamente, “de fora” de São Paulo (pelo menos o pensamento médio gostaria que assim fosse). Desse modo, observamos como não é à toa que historicamente, São Paulo será o núcleo do modernismo brasileiro, e de autores como Mário de Andrade, habitantes do terreno histórico e geopolítico onde convergiu a maior fatia dos dilemas afetos ao processo de modernização urbano-industrial no Brasil. Nesse contexto, São Paulo foi também palco dos movimentos operários, que expressaram o surgimento no cenário político brasileiro dos trabalhadores com suas demandas no embate com o capital industrial5, embates que tiveram como testemunha os intelectuais modernistas, entre eles, obviamente, Mário de Andrade. A epopéia de Macunaíma se insere num momento em que São Paulo estava construindo a imagem de “locomotiva do Brasil”6, de seio do desenvolvimento econômico, cultural, político, artístico, e social do país. Destarte, na rapsódia de Mário de Andrade irão repercutir os embates da sua época, entre tantos, aqueles dilemas e rachas provocados pelo choque entre as culturas oriundas das diversas etnias 5 Ver BOSI, Alfredo. História Concisa da Literatura Brasileira. 43. ed. – São Paulo: Cultrix, 2006, p. 301-307. 6 Ver TURINO, Celio. O heroí sem nenhum trabalho. In: Revista de História da Biblioteca Nacional. Ano 2. Nº 17, Rio de Janeiro, Fevereiro, 2007, p. 41.
  • 4. constituintes desse ser social brasileiro miscigenado e multicultural; sem consciência civilizatória própria nem identidade nacional monolítica — como diria Mário de Andrade, “o brasileiro não tem caráter” (apud TURINO, 2007, p. 39). Pretendemos demonstrar alguns elementos da questão racial, implícitos nos elementos étnicoculturais condensados alegoricamente no anti-herói Macunaíma, assim como no episódio do banho no Sumé. MACUNAÍMA: a síntese étnico-cultural na alegoria antropofágica A congregação dos elementos que formam aquilo que Mário de Andrade nomeia de “entidade nacional dos brasileiros” (ANDRADE apud TURINO, 2007, p. 39), põe-se como a própria totalidade alegórica personificada no anti-herói Macunaíma. A história apresentará um protagonista sobre-humano, que incorpora a síntese do ser brasileiro, manifestada em várias determinações, de costumes, atitudes, comportamentos, compleição física, vocabulário, crendices, hábitos alimentares, virtudes e defeitos. Como destaca Proença, “O herói é da nossa gente, de todos os quadrantes, tem hábitos, crendices, alimentação, linguagem isentos de qualquer traço predominante. Incorpora sem ordem nem hierarquia as características de cultura, diferenciadas nas várias regiões brasileiras” (1987, p. 60). Segundo Bosi (2006, p. 353), simbolicamente, a figura de Macunaíma, o herói sem nenhum caráter, foi trabalhada como síntese de um presumido “modo de ser brasileiro” descrito como luxurioso, ávido, preguiçoso e sonhador: caracteres que lhe atribuía um teórico do Modernismo, Paulo Prado, em Retrato do Brasil (1926). Proença sublinhará o sentido nacional de Macunaíma, ao considerá-lo “uma figura turbulenta e sem medida, que encarna o caos psicológico de um povo em que os mais diversos elementos rácicos e culturais se reuniram, sem que estejam, por enquanto, amalgamados” (1987, p. 8, grifo nosso). Note-se como Mário de Andrade o descreverá no primeiro capítulo da obra. A ontologia do anti-herói, seu nascimento, seu ser, suas características físicas e espirituais são logo antecipadas nas primeiras linhas da rapsódia. O que predomina na figura do anti-herói antropofágico é exatamente a convergência de contradições, de elementos étnicos e culturais próprios da diversidade brasileira. No fundo do mato-virgem nasceu Macunaíma, herói da nossa gente. Era preto retinto e filho do medo da noite. Houve um momento em que o silêncio foi tão grande escutando o murmurejo do Uraricoera, que ainda tapanhumas pariu uma criança feia. Essa criança é chamaram de Macunaíma (ANDRADE, 1980, p. 9). Macunaíma personifica a síntese proposta pelo Manifesto Antropófago7, a figura enquanto resultante da fusão dos mais diversos elementos rácicos e culturais só encontrados no “modo de ser” brasileiro, realiza alegoricamente o espírito do manifesto. Nosso anti-herói invoca a expressão de todos os individualismos, de todos os coletivismos, de todas as religiões, costumes e etc., como pretendia a antropofagia. A presença da diversidade étnica e cultural própria da vida brasileira, claramente ganha vida com nosso personagem. Consequentemente, aqueles dilemas e aporias oriundos desse “modo de ser” no qual se chocam as mais diferentes culturas — não raro, 7 Cf. Manifesto Antropófago, publicado por Oswald de Andrade na edição inaugural da Revista de antropofagia, São Paulo, em 1º de Maio de 1928. In: TELES, Gilberto Mendonça. Vanguarda europeia e modernismo; apresentação dos principais poemas metalinguísticos, manifestos, prefácios e conferências vanguardistas de 1857 à 1972. 19. ed. – Revisada e ampliada. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009, p. 504-511.
  • 5. historicamente, até opostas —, por sua vez, serão os dilemas e dificuldades manifestas na própria trajetória vivida por Macunaíma. Interessa-nos destacar, particularmente no episódio do banho no Sumé, como aparecem implicitamente elementos que permitem extrair, da rapsódia e suas alegorias, tanto na figura central de Macunaíma, como no contexto que envolve o herói, a presença de um importante dilema no tocante à formação do ser social brasileiro, isto é, a questão racial, e como podemos enxergá-la no universo simbólico de Mário de Andrade. O “choque de civilizações” no banho do Sumé e o mito racial como alegoria da questão racial No capítulo V, sob o título de PIAIMÃ, nosso herói seguia acompanhado por seus dois irmãos, Maanape, o mais velho e experiente personificado na figura do feiticeiro, macumbeiro; e Jiguê, irmão do meio, um índio abobalhado e ingênuo. Ambos resolveram ir com Macunaíma porque, segundo a narrativa, o herói carecia de proteção. Diz o episódio que: Uma feita a Sol cobrira os três manos duma escaminha de suor e Macunaíma se lembrou de tomar banho. Porém no rio era impossível por causa das piranhas tão vorazes que de quando em quando na luta pra pegar um naco de irmã espedaçada, pulavam os cachos pra fora d‘água metro e mais. Então Macunaíma enxergou numa lapa bem no meio do rio uma cova cheia d‘água. E a cova era que nem a marca dum pé gigante. Abicaram. O herói depois de muitos gritos por causa do frio da água entrou na cova e se lavou inteirinho. Mas a água era encantada porque aquele buraco na lapa era marca do pezão do Sumé, do tempo em que andava pregando o evangelho de Jesus pra indiada brasileira. Quando o herói saiu do banho estava branco louro e de olhos azuizinhos, água lavara o pretume dele. E ninguém não seria capaz mais de indicar nele um filho da tribo retinta dos Tapanhumas (ANDRADE, 1980, p. 29-30). São as águas sagradas pela passagem do pregador do evangelho de Jesus deixando a pegada que formou a cova do Sumé8; águas encantadas, que operam o “milagre”. É o herói que resolve tomar banho por conta do calor traduzido pela narrativa numa “escaminha de suor”. Mas sobretudo, importa-nos o que isso representa: temos o contato do herói, preto retinto e filho do medo da noite, com as águas santas do Sumé, ilustrando claramente o contato entre tradições culturais diversas, e presentes na formação brasileira. E mais ainda: neste contato, que historicamente, não raro, se traduzirá em impacto, em “choque de civilizações”, entre as matrizes étnicas e culturais envolvidas, qual delas sobressaíra dominante? Há uma relação de poder na essência do que nomeamos de questão racial, que não é dada na imediaticidade dos fatos, assim como na alegoria de Macunaíma, que invoca algo único no seu gênero, sui generis. Macunaíma representa num só golpe a fusão de elementos étnicos e culturais dos índios e negros; daqueles povos colonizados, estigmatizados pelo europeu branco e 8 Conta Proença (1987, p. 152) que segundo a lenda, há no Brasil várias marcas dos pés de Sumé (São Tomé) em sua peregrinação apostólica, antes do descobrimento do país. Pereira da Costa cita Santa Rita Durão: ―Enxergam-se mui bem sobre os penedos / Toda a forma do pé com planta e dedosǁ. O mesmo pode ser lido nas Cartas do Padre Nóbrega, (…), quando refere informações que tivera a respeito de Sumé e das pegadas existentes sobre a rocha. Frei Vicente do Salvador faz referência a pegadas de Sumé na ilha de Maré.
  • 6. detentor da verdade religiosa ocidental, o evangelho cristão. A partir do momento do banho no Sumé, nosso herói incorporará o que faltava, a brancura da matriz étnica e cultural européia, colonizadora. Para o branco colonizador, o índio e o negro eram pagãos, preguiçosos, selvagens, inferiores; careciam de civilização, de salvação. Lembre-se daquilo que representou a Companhia de Jesus9 na colonização brasileira, aquelas gigantescas missões vindas da Europa com a incumbência de converter o paganismo dos índios e colonos, ou de demonizar as expressões da fé africana trazidas pelos negros para solo brasileiro. “Gigantes” no sentido da quimérica e onipotente matriz cultural única capaz de civilizar, de salvar — ou de condenar também, pois não teremos “salvos” sem uma condenação da qual os homens precisem de salvação. “Gigantes” do tamanho de uma tradição secular, construída distante dali, e que agora chegara, e passava a deixar pegadas da “marca do pezão do Sumé, do tempo em que andava pregando o evangelho de Jesus pra indiada brasileira” (ANDRADE, 1980, p. 30). “Gigante” que se impõe verticalmente, de cima pra baixo, aos nativos, que teriam sua própria cultura sobreposta coercitivamente pelo cristianismo. Nosso herói resolve banhar-se na cova deixada pela pegada de um desses “gigantes” que passaram por ali pregando em nome da matriz cultural colonizadora. Macunaíma representará as culturas indígenas e africanas sendo “lavadas” pelo “milagre civilizatório europeu”. Suas raízes, de ser filho dos Tapanhumas, índio, preto retinto, agora, a água encantada lavara. “E ninguém seria capaz mais de indicar nele um filho da tribo retinta dos Tapanhumas” (ANDRADE, 1980, p. 30). No entanto, para “lavar”, na história leia-se sobrepor coercitivamente, dominar; quando não raro, estigmatizar envolvendo numa visão negativa as expressões culturais dos índios e negros na formação social brasileira. Desse modo, a síntese étnico-cultural antropomorfizada em Macunaíma, sobretudo no episódio em questão, do banho no Sumé, terá sua face conflituosa ilustrada no fenômeno milagroso em que nosso herói incorporará a sobreposição étnico-cultural das matrizes indígena e negra pela matriz branca européia, vivenciando-a na pele. Literalmente na pele, que mudará de cor: o negro milagrosamente transformar-se-á em branco. Quando ele “saiu do banho estava branco louro e de olhos azuizinhos, a água lavara o pretume dele” (ANDRADE, 1980, p. 30). Suas características étnicas e culturais de origem — pelo menos na aparência —, agora, haviam sido “lavadas”, isto é, eliminadas pelo milagre deixado na pegada do Sumé, a marca da civilização. Somos remetidos de uma forma simultaneamente mítica, crítica e cômica (ou sarcástica) à imposição etnocêntrica da “cultura civilizada” aos nativos brasileiros, e dentro disto exteriorizando um dos principais temas combatidos pelo modernismo, a influência exacerbada da cultura européia e clássica na literatura brasileira. Mário de Andrade demonstra que mesmo dentro dos moldes já conhecidos pelas escolas anteriores se poderia trabalhar com a cultura nativa, valorizando a multiplicidade étnicocultural da formação brasileira. Mostra-se também extremamente fecundo na formação 9 A Companhia de Jesus (em latim: Societas Iesu, S. J.), cujos membros são conhecidos como jesuítas, é uma ordem religiosa fundada em 1534 por um grupo de estudantes da Universidade de Paris, liderados pelo basco Íñigo López de Loyola, conhecido posteriormente como Inácio de Loyola. Justificam que queriam oferecer proteção aos índios, quando na verdade ocorria, segundos registros históricos, a imposição cultural etnocêntrica aos índios e colonos. Chegaram ao Brasil por volta de 1549, e pregavam a obediência cega e total à doutrina da Igreja Católica, tendo Inácio de Loyola declarado: ―Acredito que o branco que eu vejo é negro, se a hierarquia da igreja assim o tiver determinadoǁ. Fonte: Wikipédia. Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Companhia_de_Jesus.
  • 7. da própria identidade literária, ao criá-la, na verdade assume e imortaliza uma “entidade literária”10 genuinamente brasileira. Mário de Andrade, de forma certeira, ao “modo Macunaíma”, traduzirá na sua alegoria, desde o anti-herói até aquilo que vivencia, o “choque de civilizações” nas suas expressões étnicas e culturais resultando claramente na hegemonia e dominação do branco, do europeu na formação do “modo de ser” brasileiro. Mesmo quando não se conseguiu apagar do nosso povo os traços étnicos e culturais indígenas e africanos, fabricaram-se uma série de preconceitos a essas matrizes étnicas e culturais. Portanto, temos o mito racial em Macunaíma como alegoria da questão racial no Brasil, sua crônica jocosa perpassada pelo estilo épico. Numa palavra, a questão racial ganha, na narrativa de Mário de Andrade, sua versão mítica, alegórica, mas fortemente impregnada de uma apurada sensibilidade do poeta que se travestiu de cientista social, de antropólogo e estudioso da alma brasileira. Como enfatiza Turino (2007, p. 42), em Macunaíma encontramos “a maestria de um artista e mágico que, a partir do lúdico, produz efeitos emocionais e de análise; um mágico da interpretação do Brasil”. Eis o que invocamos como “entidade literária radicalmente brasileira”, em forma e conteúdo, a identidade literária assumida pelo autor de Macunaíma, desconstrói a noção de mera identificação, para invocar aquelas raízes genuinamente brasileiras, extraídas do fecundo imaginário do povo brasileiro, sua história, seus causos, suas figuras míticas, e vicissitudes históricas reproduzidas espiritualmente em forma de alegorias populares. Conclusões Para falar ainda mais uma vez em gigantes, resgatamos, em caráter conclusivo, que na divisão que compõe o trecho da rapsódia que estudamos, Macunaíma se defrontará com Piaimã, gigante comedor de gente que dá nome ao próprio capítulo supracitado. Ele personifica o monstro que usurpa com sua ganância insaciável, todo o fôlego cultural, toda a multiplicidade étnica da nossa gente. Promove a hierarquização das culturas e etnias presentes no Brasil, alimentando o “choque de civilizações” na configuração do que chamamos de questão racial, ou seja, o conjunto de problemas econômicos, sociais, políticos, étnicos e culturais oriundos da relação conflituosa entre as matrizes raciais na formação histórica da sociedade brasileira. O gigante que conhecemos pela designação genérica de capitalismo, para Macunaíma estará personificado como Piaimã. A cultura que recebemos como civilizatória, enaltecedora da raça branca, com seu evangelho de Jesus, salvador branco, para nosso herói sem nenhum caráter será vivenciada no banho do Sumé. E a questão racial brasileira, reproduzida e (re)fabricada permanentemente pela nossa sociedade nas suas expressões etnicistas e racistas, encontra na alegoria antropofágica de Mário de Andrade, a forma de mito racial enquanto síntese épica e jocosa, que remete genialmente às raízes da formação dessa multiplicidade étnica e cultural chamada Brasil, sem relegar seus conflitos. Como constatou o sociólogo francês Roger Bastide, “não se pode encontrar um livro mais brasileiro que Macunaíma” (apud TURINO, 2007, p. 42). Nele, depuramos a sensibilidade desse poeta-antropólogo ou poeta-sociólogo, que traduz o “modo de ser” 10 Lembre-se como Mário de Andrade se referia à sua descoberta quanto à identidade nacional dos brasileiros, que chamava num insight poético-antropológico de, ―entidade nacional dos brasileirosǁ. Cf. TURINO, Celio. O herói sem nenhum trabalho. In: Revista de História da Biblioteca Nacional. Ano 2. Nº 17, Rio de Janeiro, Fevereiro, 2007, p. 39. Por isso, nos permitimos convocar sua identidade literária como ―entidade literária radicalmente brasileiraǁ, radical no sentido de invocar as mais profundas raízes étnicas e culturais do nosso país.
  • 8. brasileiro misturando historicidade e mitologia, fantasia e razão, a captar os dilemas mais íntimos da alma desse povo índio, africano e europeu; vermelho, negro e branco. Nele, parece antecipar-se uma espécie de fusão de espíritos atualíssimos na apreensão da questão racial, como Octavio Ianni e Oliveira Silveira, o sociólogo e o poeta. Se não quisermos o destino de ser alimento para o gigante comedor de gente, é preciso atacar as relações sociais que dão base a problemas como a questão racial; crônica ferida no tecido social do mundo humano. Aquelas relações que fomentaram as condições sociais, econômicas e políticas que culminaram na perpetuação de gerações inteiras de etnias estigmatizadas e deixadas à miséria social e cultural na exploração operada por uma outra etnia dominante numa relação de poder virulenta e baseada unicamente na propriedade privada dos meios de produção. Enquanto homens explorarem homens na produção do conteúdo social da riqueza material em nossa sociedade, sempre haverá grupos, etnias, culturas e povos inteiros vitimados pela desigualdade social, fundadora de todas as outras formas de segregação e desigualdade, seja de cunho racial, cultural, étnico, de gênero, etc. Toda essas formas de desigualdade vitimam seres humanos porque se manifestam enquanto desigualdades sociais, econômicas, políticas, etc. Não é a cor ou a raça que cria essa desigualdade social entre brancos, índios e negros, mas a desigualdade social da qual lançou mão oportunamente na história uma etnia ou uma cor em razão da exploração e dominação social de outras. Enquanto nossa sociedade priorizar a mercantilização de todas suas relações, e produzir a riqueza social, condição material de sua existência, por meio da exploração e da manutenção da propriedade privada dos meios de produção, então estará de pé o gigante antropófago insaciável em sua ganância. Resgatamos ainda mais uma vez o sociólogo, já citado introdutoriamente, na sua Dialética das relações sociais a desmistificar a problemática a partir do presente, resgatando a sua historicidade, assim como as contradições inerentes: Esta é a dialética das relações sociais, nas quais se inserem as relações raciais: o indivíduo, tomado no singular ou coletivamente, forma-se, conforma-se e transforma-se na trama das relações sociais, formas de sociabilidade, jogos de forças sociais. São várias, mutáveis e contraditórias as determinações que constituem o indivíduo, no singular e coletivamente, o que pode transformá-lo e transformá-los; daí constituindo-se o "negro", o "branco", o "árabe", o "judeu", o "hindu", o "mexicano", o "paraguaio", o "senegalês", o "angolano", tanto como o "operário", o "camponês", o "latifundiário", o "burguês"; tanto como a "mulher", o "homem"; todos e cada um visto como criados e recriados, modificados e transfigurados na trama das relações sociais, das formas de sociabilidade e dos jogos das forças sociais; envolvendo sempre processos socioculturais e políticoeconômicos, desdobrando-se em teorias, doutrinas e ideologias. Assim se dá a metamorfose do indivíduo "em geral", indeterminado, em indivíduo "em particular", determinado, concretizado por várias, distintas e contraditórias determinações. Esse o clima em que germina o "eu" e o "outro", o "nós" e o "eles", compreendendo identidade e alteridade, diversidade e desigualdade, cooperação e hierarquização, divisão do trabalho social e alienação, lutas sociais e emancipação (IANNI, 2004, p. 27-28). Não temamos as palavras, diante disso, indagamos: o que fazer? Pergunta clássica que se defronta com aquelas “feridas clássicas” da humanidade, como a questão racial, de caráter crônico, com implicações agudas num espectro de problemas de cunho social, político, econômico, cultural, etc.; ferida daquelas que parecem não sarar nunca.
  • 9. Pode-se eliminar problemas como a questão racial a partir dessa sociedade fundada na exploração e na desigualdade? O poeta, com vivacidade, resgata-nos a imagem (SILVEIRA apud IANNI, 2004, p. 25): CHARQUEADA GRANDE Oliveira Silveira Um talho fundo na carne do mapa: Américas e Áfricas margeiam. Um navio negreiro como faca: mar de sal, sangue e lágrimas no meio. Um Sol bem tropical ardendo forte ventos alíseos no varal dos juncos e sal e sol e vento sul no corte de uma ferida que não seca nunca11. REFERÊNCIAS ANDRADE, Mário de. MACUNAÍMA - o herói sem nenhum caráter. 17. ed. – São Paulo, Martins, Belo Horizonte, Ed. Itatiaia; 1980. BOSI, Alfredo. História Concisa da Literatura Brasileira. 43. ed. – São Paulo: Cultrix, 2006. IANNI, Octavio. A questão racial. SBPC, Labjor, Brasil, 2003. Disponível em: http://www.comciencia.br/reportagens/negros/11.shtml. IANNI, Octavio. Dialética das relações raciais. Estud. av., São Paulo, v. 18, n. 50, Apr. 2004. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010340142004000100003&lng=en&nrm=iso>. Acesso em 19 Outubro. 2010. PROENÇA, Manuel Cavalcanti. Roteiro de Macunaíma por M. Cavalcanti Proença. 6. ed. – Rio de Janeiro, Civilização Brasileira; 1987. TELES, Gilberto Mendonça. Vanguarda européia e modernismo; apresentação dos principais poemas metalinguísticos, manifestos, prefácios e conferências vanguardistas de 1857 à 1972. 19. ed. – Revisada e ampliada. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009. TURINO, Celio. O herói sem nenhum trabalho. In: Revista de História da Biblioteca Nacional. Ano 2. Nº 17, Rio de Janeiro, Fevereiro, 2007, p. 38-43. 11 Cf. Oliveira Silveira, "Charqueada Grande", publicado por Oswaldo de Camargo (seleção e organização), A razão da chama, São Paulo, GRD, 1986, p. 65.