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INSTITUTO SUPERIOR POLITÉCNICO – TUNDAVALA
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS
CURSO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS
ANGOLA E A DEPENDÊNCIA EXTERNA (2002-2012)
Autor: Ludizénio António Joaquim
LUBANGO, 2021
INSTITUTO SUPERIOR POLITÉCNICO – TUNDAVALA
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS
CURSO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS
ANGOLA E A DEPENDÊNCIA EXTERNA (2002-2012)
Trabalho de final de curso, apresentado no
Instituto Superior Politécnico Tundavala, para a
obtenção do Grau de Licenciatura em Relações
Internacionais.
Autor: Ludizénio António Joaquim
Orientador: Dr. Carlos Sousa
LUBANGO, 2021
III
DEDICATÓRIA
O presente trabalho é especialmente dedicado aos meus pais, Mateus e Rosalina
Joaquim, pela educação, apoio constante e pelo investimento feito em mim. Sou quem sou por
serem quem são.
IV
AGRADECIMENTOS
Agradeço
A Deus, pelas boas dádivas como a vida e a sabedoria;
Ao Exmo. Dr. Carlos Sousa, por quem tive o privilégio de ser orientando, pela sua enorme
paciência, disponibilidade e suas críticas construtivas, procurando a minha constante melhoria;
À Direcção do Instituto Superior Politécnico - Tundavala (ISPT), por cuja visão tivemos a
oportunidade de realizar o sonho de estudar Relações Internacionais (RI’s);
Ao corpo docente do curso de Relações Internacionais, por meio de quem pudemos aprender e
apreender variadíssimos conceitos, teorias e demais instrumentos úteis na compreensão das
RI’s e na explicação dos seus fenómenos;
Aos meus pais, irmãos e demais parentes, por cujos conselhos, apoio e provisão aqui chegamos;
A todos os meus amigos, em geral, e colegas de curso, que com dedicação trilharam a dura
senda do crescimento académico;
Por não ser possível citar a cada um por nome, agradeço a todos os que de algum modo deram
o seu contributo para a conclusão deste trabalho;
O meu muito obrigado!
V
RESUMO
O presente trabalho, elaborado no âmbito do curso de licenciatura em Relações
Internacionais, visa colocar seu enfoque descritivo e analítico, à luz da Teoria da Dependência,
sobre os factores que caracterizaram e determinaram a situação de dependência económica
externa do Estado angolano dentro do período correspondente a 2002-2012.
Por meio da Teoria da Dependência e baseando-se em vários indicadores sócio-
económicos, podemos abordar de forma mais cabal o processo de crescimento da economia
angolana no período de 2002-2012 e confirmar a razão do crescimento sem desenvolvimento,
manifestado numa dependência produtiva, financeira e comercial, além dos altos índices de
pobreza, desemprego e fome, fazendo o Estado angolano tornar-se tão dependente ao ponto de,
apesar de tudo possuir, de tudo precisar.
PALAVRAS-CHAVE: Dependência Externa, Teoria da Dependência, Estado angolano
VI
ABSTRACT
The presente work, elaborated within the scope of the International Relations course,
aims to place its descriptive and analytical approach, in the ligh of Dependency Theory, on the
factors that characterized and determined the situation of external dependence of the angolan
State within the period corresponding to 2002-2012.
Trough Dependency Theory and based on various socio-economic indicators, we can
more fully address the process of growth of the angolan economy in the period 2002-2012 and
confirm the reason for growth without development, manifested in productive, financial and
commercial dependence, beside the high levels of poverty, unemployment and famine, making
the angolan State become so dependent that, despite having everything, it needs everything.
KEY-WORDS: External Dependency, Dependency Theory, angolan State
VII
ÍNDICE
DEDICATÓRIA........................................................................................................................iii
AGRADECIMENTOS ..............................................................................................................iv
ABSTRACT ..............................................................................................................................vi
ÍNDICE.....................................................................................................................................vii
LISTA DE GRÁFICOS.............................................................................................................ix
LISTA DE QUADROS .............................................................................................................ix
LISTA DE ABREVIATURAS...................................................................................................x
INTRODUÇÃO..........................................................................................................................1
1. GÉNESE DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS ........................................................4
1.1 Paradigmas das Relações Internacionais e Debate Teórico.............................................4
1.1.1 Teorias Marxistas das Relações Internacionais........................................................5
1.2 Teoria da Dependência ....................................................................................................6
1.2.1 Precedentes Históricos .............................................................................................6
1.2.2 Surgimento, Tese e Principais Teóricos...................................................................8
1.3 Níveis de Análise da Teoria da Dependência ..............................................................9
2. CARACTERIZAÇÃO SÓCIO-ECONÓMICA DE ANGOLA....................................11
2.1 Potencialidades e Vulnerabilidades...............................................................................12
2.2 Colonização, nacionalismo e luta pela independência ..................................................12
2.3 Guerra Civil (1976-2002)..............................................................................................13
2.4 Desafios do novo século (XXI) .....................................................................................14
2.5 Política Externa (2002-2012).........................................................................................15
2.5.1 Acordos multilaterais e bilaterais...........................................................................15
2.5.2 Impacto dos acordos na Balança Comercial (BC) .................................................17
2.5.3 Impacto dos acordos no Investimento Directo Externo (IDE)...............................22
VIII
2.6 Dinâmicas da economia angolana (2002-2012) ............................................................24
2.6.1 Produto Interno Bruto (PIB) ......................................................................................24
3. ANGOLA E A DEPENDÊNCIA EXTERNA ..............................................................29
3.1 Causas da Dependência Externa....................................................................................30
3.2 Consequências da Dependência Externa .......................................................................32
3.2.1 Dependência Produtiva ..........................................................................................32
3.2.2 Dependência Comercial .........................................................................................33
3.2.3 Dependência Financeira .........................................................................................34
3.3 Medidas para Mitigar a Dependência Externa ..............................................................35
CONCLUSÃO..........................................................................................................................38
BIBLIOGRAFIA......................................................................................................................39
ANEXOS
IX
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico nº 1: Exportações angolanas por parceiros selecionados (2003-2012) .......................18
Gráfico nº 2: Estrutura das Exportações em 2012....................................................................18
Gráfico nº 3 – Comportamento das Importações (USD mil milhões)......................................19
Gráfico nº 4 – Estrutura das Importações (2012) .....................................................................20
Gráfico nº 5 – Principais Países de Procedência das Importações ...........................................21
Gráfico nº 6 - Investimento Directo Estrangeiro (USD mil milhões) ......................................23
Gráfico nº 7 – Correlação entre a taxa de crescimento do PIB (%) e o preço do barril do petróleo
(USD)........................................................................................................................................25
Gráfico nº 8 - Evolução do PIB (USD mil milhões) ................................................................26
LISTA DE QUADROS
Quadro nº 1 – Estrutura Sectorial do PIB angolano (2002-2012) ............................................27
Quadro nº 2 – Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) .....................................................29
Quadro nº 3 - Síntese dos Principais Produtos Transacionados em 2011 ................................33
Quadro nº 4 – Dívida Externa Angolana (USD mil milhões) ..................................................35
X
LISTA DE ABREVIATURAS
ANIP Agência Nacional para o Investimento Privado
BNA Banco Nacional de Angola
Bpd Barris por dia
CEIC Centro de Estudos e Investigação Científica
CEPAL Comissão Económica dos Países da América Latina e o Caribe
DIT Divisão Internacional do Trabalho
EUA Estados Unidos da América
FMI Fundo Monetário Internacional
FNLA Frente Nacional de Libertação de Angola
GATT Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio
IDE Investimento Directo Estrangeiro
INE Instituto Nacional de Estatística
IPI Índice de Produção Industrial
MPLA Movimento Popular de Libertação de Angola
ODM Objectivos de Desenvolvimento do Milénio
ONU Organização das Nações Unidas
PIB Produto Interno Bruto
PNUD Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
RI’s Relações Internacionais
SADC Comunidade para o Desenvolvimento dos Países da África Austral
SI Sistema Internacional
SONANGOL Sociedade Nacional de Combustíveis de Angola
UNCTAD Conferência das Nações Unidas sobre o Comércio e Desenvolvimento
UNITA União Nacional para a Independência Total de Angola
URSS União das Repúblicas Socialistas Soviéticas
USD Dólar Americano
1
INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem como razão de ser a compreensão e análise dos factores
responsáveis pela situação de dependência externa registada em Angola desde 2002 até 2012.
Tal situação arrasta-se até aos dias actuais, mas o horizonte temporal para o estudo do tema foi
reduzido a esse decênio para não incorrermos no risco de apresentar um trabalho enfadonho e
de leitura cansativa, o que acabaria afectando a sua qualidade. Por essa razão, ao longo do
trabalho notar-se-á que a maior parte dos verbos estarão no tempo verbal passado.
A análise da temática da dependência externa de Angola de 2002 a 2012 e dos factores
que a determinaram e caracterizavam será feita à luz da Teoria da Dependência devido ao facto
de esta possuir um carácter descritivo e analítico que vai ao encontro dos objectivos que nos
propomos a atingir.
O fenómeno da dependência externa que se regista em Angola afecta directamente a
vida social, económica e financeira do Estado e de cada cidadão angolano. A justificação para
a escolha do tema está fundamentada neste facto e na necessidade de analisarmos
profundamente o fenómeno, de modo a fazermos um levantamento das suas causas e
consequências para os Estados periféricos, dos quais Angola faz parte.
Objectivo Geral
O objectivo geral do presente trabalho é analisar, à luz da Teoria da Dependência, a
dependência económica externa do Estado angolano de 2002 a 2012.
Objectivos Específicos
Como objectivos específicos do presente trabalho, temos os seguintes:
a) Analisar a dinâmica histórica e estrutural da economia do Estado angolano
durante o decênio (2002-2012);
b) Avaliar os indicadores económicos e sociais e o crescimento e desenvolvimento
da economia angolana entre 2002 e 2012;
c) Descrever as causas e as consequências da dependência económica externa do
Estado angolano e apresentar sugestões de acordo à Teoria da Dependência.
2
Metodologia
Quanto à sua natureza, o presente trabalho é uma pesquisa aplicada, por procurar gerar
conhecimentos com finalidade prática sobre determinado fenómeno. Quanto aos objectivos, é
uma pesquisa descritiva na medida em que procura descrever e interpretar factos. Quanto aos
procedimentos técnicos, a pesquisa é bibliográfica, pois foi elaborada com base em material já
publicado (livros, revistas, artigos científicos e teses).
Estrutura e Organização do Trabalho
A nossa pesquisa está estruturada em três capítulos. No primeiro capítulo é feita uma
abordagem relativa à visão de certas escolas de pensamento sobre o Sistema Internacional (SI)
e, posteriormente, apresentaremos o processo de construção do pensamento em volta da Teoria
da Dependência, o contexto histórico em que surgiu, os seus principais autores e o seu impacto
no estudo das Relações Internacionais (RI's).
No segundo capítulo é feita a caracterização sócio-económica do Estado angolano,
incluíndo suas potencialidades e vulnerabilidades, a sua política externa, a celebração dos
acordos de cooperação bilateral e multilateral, o seu impacto na balança comercial angolana e
no PIB, desde 2002 a 2012.
No terceiro capítulo analisamos o fenómeno da dependência económica do Estado
angolano fazendo a descrição das suas causas e das consequências sentidas e vividas a nível
interno, assim como apresentaremos algumas sugestões sobre posssíveis formas de mitigar o
fenômeno da dependência.
CAPÍTULO I: HISTÓRIA E CONCEITOS DA TEORIA DA
DEPENDÊNCIA
4
1. GÉNESE DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS
Segundo Jubran & Valdez (2015), antes do surgimento das RI’s como campo de estudo,
vários autores apresentaram obras que serviriam de base para o seu estudo e formulação de
conceitos teóricos. Por exemplo, Nicolau Maquiavel (1469-1527), na sua obra «O Príncipe»,
defendia que os interesses políticos não se deveriam submeter aos valores morais. Estas ideias
influenciaram o surgimento e consolidação das monarquias absolutistas europeias.
Com a tentativa das monarquias e impérios europeus em alargar o seu poder disputando
territórios, deu-se a Guerra dos Trinta Anos (1618-1648) que teve seu fim com a celebração
dos Tratados de Vestefália (1648). A partir destes Tratados surgiram os primeiros Estados
modernos e o Sistema Internacional, caracterizado na altura pelo equilíbrio de poder.
Porém, a tentativa do expansionismo francês liderada por Napoleão Bonaparte
impulsionou outra guerra (1792-1815). Após a sua derrota, ocorreu então o Congresso de Paz
de Viena (1815) estabelecendo-se na Europa um período de paz que só foi interrompido pela
Primeira Guerra Mundial (1914-18), que teve como factores latentes as tentativas de expansão
territorial e controle dos recursos naturais de territórios situados além das fronteiras nacionais.
Nesse contexto marcado por conflitos, começaram a ser feitas as primeiras observações
teóricas sobre as relações e conflitos entre Estados, e surgiram as RI´s como ciência, em 1919,
designada como “Cadeira Woodrow Wilson de Política Internacional” – em Aberystwyth,
Universidade de Gales (EUA), como medida preventiva contra uma Segunda Guerra Mundial.
1.1 Paradigmas das Relações Internacionais e Debate Teórico
Segundo Capenda (2018), a primeira teoria que se destacou no estudo das RI's foi o
Idealismo. Em oposição a esta, surgiu a Teoria Realista (após a Segunda Guerra Mundial), com
uma visão mais empírica das RI's. Ambas buscavam apresentar a sua visão funcionalista sobre
o Sistema Internacional e sobre como se poderia evitar novos conflitos.
Por apresentarem abordagens similares, as teorias das RI’s estão organizadas em três
grupos específicos, denominados como paradigmas das RI's:
a) Paradigma da Comunidade Interestadual, do qual fazem parte as teorias clássicas das
RI´s (Teoria Realista e a Teoria Diplomático-Estratégica);
b) Paradigma da Comunidade Universal (ou transnacional), no qual encontramos a Teoria
Transnacionalista e a Teoria do Universalismo;
5
c) Paradigma da Comunidade Internacional Estratificada, ao qual associa-se a Teoria
Marxista das RI’s e outras como a Teoria do Sistema Mundo e a Teoria da Dependência.
Inicialmente, a discussão teórica nas RI’s teve como principais intervenientes os
liberalistas e os realistas, pois foram os precursores no debate sobre fenómenos internacionais.
A corrente idealista considerava que o SI1
é anárquico2
e que a criação de um código de Direito
Universal, de uma instituição supranacional, de mecanismos de conciliação de interesses e a
promoção do comércio mundial seriam as medidas apropriadas para se evitar novas guerras.
A escola realista, com uma visão pessimista do Sistema Internacional, defendia que a
anarquia potencializa a ocorrência de guerra, pois não há uma entidade supranacional que
estabeleça limites à acção dos Estados, e atribuía ao uso da força e do poder a tarefa de encontrar
equilíbrio a nível internacional e de evitar uma nova guerra (Jubran & Valdez, 2015)
Além do Realismo e do Liberalismo, no campo das RI’s destacam-se visões alternativas
que trazem luz ao estudo das relações entre Estados. É o caso das Teorias Marxistas das RI's,
que possuem uma perspectiva estruturalista dos fenómenos internacionais (Capenda, 2018).
1.1.1 Teorias Marxistas das Relações Internacionais
A Teoria Marxista das RI's defende que o SI é um sistema estratificado de dominação
ideológica, política e económica, em que os Estados desenvolvidos exercem domínio sobre os
Estados subdesenvolvidos. Os autores marxistas não partilham a visão dos liberalistas, pois,
para eles, assim como para os realistas, uma cooperação mutuamente benéfica entre Estados é
quase inalcançável, pois todos buscam seus próprios interesses económicos.
Quanto à visão dos realistas sobre o SI anárquico, os marxistas defendem que, apesar
de nele não haver uma entidade supranacional, o SI é estratificado, pois as relações
internacionais são impulsionadas pelos interesses da classe dominante (Estados desenvolvidos)
sobre a classe dominada (Estados subdesenvolvidos). Tais interesses traduzem-se na
maximização dos seus lucros à custa da exploração da classe dominada.
1
Segundo Aron (1986), apud Hage (2013), por Sistema Internacional (SI) entende-se a maneira pela qual os
Estados relacionam-se por meio da diplomacia e demais organizações internacionais, obedecendo a um centro
aglutinador. Sob este prisma, quem coordena o SI são as grandes potências, por meio do poder político.
2
Em RI´s, entende-se por anarquia, não a existência de caos ou desorganização internacional, mas a ausência de
uma entidade internacional superior aos Estados. Embora o SI seja anárquico, existe um conjunto de imposições,
sanções e regras que norteiam o comportamento dos Estados dentro do mesmo (Jubran & Valdez, 2015);
6
O Marxismo trouxe o debate sobre o fenómeno da dependência em sua versão
preliminar, no início do século XX, e várias escolas de pensamento, mais tarde,
fundamentaram-se nas mesmas premissas marxistas. É o caso da Teoria da Dependência
(Marini, 2013).
1.2Teoria da Dependência
De acordo com Hage (2013), à primeira vista, a teoria da dependência não parece
merecer partilhar um lugar de destaque no rol de teorias das RI’s. Os primeiros estudos sobre a
dependência foram motivados por questões domésticas, tais como conflitos sociais,
subdesenvolvimento e industrialização dos Estados da América Latina.
Trata-se de uma teoria que apresenta razões históricas, sociais, políticas e económicas
que concorrem para que Estados subdesenvolvidos, não obstante a constante acumulação de
capital, estejam numa situação de permanente dependência dos Estados desenvolvidos e analisa
as desigualdades políticas e económicas existentes entre ambos (dicotomia entre centro e
periferia3
).
1.2.1 Precedentes Históricos
Segundo Dos Santos (1998), as duas guerras mundiais (1914-1918 e 1939-1945) e a
crise de 1929 causaram grandes mudanças no SI. Na tentativa de se integrar a economia
mundial, em Julho de 1944 ocorreu a Conferência de Bretton Woods, a partir da qual foram
criadas instituições como o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Acordo Geral sobre Tarifas
e Comércio (GATT), entre outros.
Neste período estava em curso a Guerra Fria entre Estados Unidos da América (EUA)
e a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). Tentando conter o comunismo e a
influência soviética no continente europeu, os EUA estabeleceram o Plano Marshall4
. Quanto
aos problemas económicos da América Latina, os EUA afirmavam ser prioridade a
reconstrução dos Estados europeus. Seguiram-se protestos dos Estados da América Latina.
3
Nas RI´s, periferia e centro, também denominados de Sul e Norte globais, são termos usados para designar os
Estados subdesenvolvidos, emergentes ou em vias de desenvolvimento, situados na parte sul do Globo (países
periféricos), e os Estados desenvolvidos ou industrializados (países centrais), situados na parte norte do Globo
(Padilha e Oliveira, 2015).
4
Além de visar reconstruir a economia e infra-estruturas dos países europeus, o Plano Marshall visava impedir a
difusão das doutrinas comunistas na Europa. Possuía, portanto, uma visão económica e outra geopolítica (Haffner,
1996, apud Pagliarini, 2014).
7
Sob este contexto de crises, críticas e protestos dos países latino-americanos, em 1948
surgiu a CEPAL (Comissão Económica para a América Latina e o Caribe) com o objectivo
principal de estudar as possibilidades de industrialização da América Latina e com uma política
de estímulo à industrialização nacional baseada no modelo de substituição de importações,
aumento das tarifas e dos controles sobre a taxa de câmbio, a denominada Ideologia Cepalina.
Segundo Prebisch (1976), que em 1949 redigiu uma obra que ficou conhecida como o
«Manifesto Latino-Americano», o progresso técnico foi retido nos países do centro e os países
periféricos passaram-lhes parte do seu próprio progresso técnico através do processo de
deterioração dos termos de troca5
, causando a dependência.
Os Estados subdesenvolvidos deviam assumir as rédeas da sua própria industrialização
a fim de aumentar a produtividade e elevar progressivamente o nível de vida da população. Para
isso, seria necessária a importação de bens necessários para produzir bens de consumo. A
substituição das importações auxiliaria a indústria nacional e iria suprir os mercados
constituídos por produtos até então importados, além de colocar sobre o Estado e sobre a
burguesia nacional o dever de realizar políticas proteccionistas para restringir as importações
(somente bens essenciais) e estimular a produção interna.
No entanto, a ideologia cepalina, que visava a industrialização por substituição de
importações, não foi suficiente para superar o subdesenvolvimento na América Latina, pois,
segundo Bastos e Silva (1995) apud Plagliarini (2014, pp. 23-24), “(…) a industrialização
ocorrida fez com que a importação de bens de consumo fosse substituída pela importação de
bens de capital e de bens necessários para produzir bens de consumo, sem eliminar a
dependência”.
No momento de falha do modelo de desenvolvimento proposto pela CEPAL, alguns
teóricos da década de 1960, inspirados pela visão Marxista, dariam uma contribuição intelectual
que desafiaria o mainstream6
, e apresentariam sob novo enfoque o porquê da situação de
pobreza crônica e dependência dos Estados periféricos.
5
Segundo Hage (2013), a deterioração dos termos de troca é um fenómeno da economia política que caracteriza
as relações entre Estados subdesenvolvidos e desenvolvidos. Resultante da Divisão Internacional do Trabalho
(DIT), sua lógica consiste em que enquanto os países do Norte exportam produtos industrializados, os do Sul
vendem produtos primários. Como consequência, enquanto o Norte enriquece vendendo produtos com alto valor
agregado, o Sul estagna vendendo bens primários.
6
Termo inglês que designa, entre outros, um movimento ou corrente dominante que goza de reconhecimento geral
(http://www.significados.com.br./mainstream/[acessado aos 19/04/2021]).
8
1.2.2 Surgimento, Tese e Principais Teóricos
De acordo com Dos Santos (1998, p. 1), “poucas vezes um produto gerado no mundo
periférico teve uma repercussão tão ampla”. A Teoria da Dependência surgiu procurando
demonstrar a cisão existente no SI (países ricos no Hemisfério Norte e países pobres no
Hemisfério Sul), e explicar o porquê da preeminência político-económica do Centro sobre a
Periferia, manifestada numa relação de dependência que resulta em subdesenvolvimento.
O termo dependência remete-nos à existência e modo de funcionamento do sistema
sócio-económico e político de um Estado periférico dentro do SI, bem como o efeito das
relações entre este e os países centrais. Segundo Cardoso e Faleto (2010), por dependência
económica externa compreende-se a conformação de uma estrutura produtiva nacional em
função do mercado externo, que mantém os vínculos comerciais, produtivos e financeiros com
a expansão internacional do capitalismo.
A Teoria da Dependência tem como objecto de estudo os Estados que possuem uma
estrutura económica definida em função de interesses que se encontram fora da nação e que por
isso possuem padrões de desenvolvimento divergentes em relação ao padrão dos países centrais.
Bresser Pereira (2010), divide em três correntes os teóricos da dependência:
1. A corrente do nacional-desenvolvimentismo ou estruturalista – tendo Luis Carlos
Bresser-Pereira, Celso Furtado e Oswaldo Sunkel como principais teóricos;
2. A corrente marxista ou da super exploração capitalista - sendo Theotônio dos Santos,
André Gunder Frank, Rui Mauro Marini e Vânia Bambirra os principais defensores;
3. E a corrente da dependência associada, representada por Enzo Faletto e Fernando
Henrique Cardoso.
A primeira vertente introduziu o aspecto cultural à análise do desenvolvimento. Para
esta corrente, pode haver crescimento económico com produtos primários. Porém, o aumento
de renda geralmente é apropriado por uma elite com padrões de consumo e formas de viver
totalmente incompatíveis com a realidade do seu próprio país, aumentando o fosso de
desigualdade interna do Estado que, apesar do crescimento económico, não desenvolve.
O desenvolvimento seria possível se as elites estivessem guiadas pelos interesses
nacionais e não por influência externa ou, em outras palavras, sempre que factores nacionais
prevalecessem sobre os factores dependentes na definição de políticas e reformas.
9
Os autores da corrente marxista defendiam que as relações entre Centro e Periferia
caracterizam-se pelo intercâmbio desigual. Os países em desenvolvimento não possuem os bens
de equipamento para a produção de bens com alto valor agregado. A solução encontrada pela
burguesia destes países foi a super exploração do trabalhador. Assim, em lugar de se aumentar
a capacidade produtiva, aumentou-se a exploração da força de trabalho (Marini, 2013).
A corrente da dependência associada defendia que a dependência não inviabilizaria o
desenvolvimento. Pelo contrário, era viável do ponto de vista capitalista e traria crescimento
económico. A participação do capital externo e das empresas multinacionais na industrialização
aceleraria o desenvolvimento da indústria nacional, levaria ao crescimento económico,
enquadraria a economia nacional no mercado mundial e traria a vantagem adicional de
aumentar a renda interna (parte da mais-valia das multinacionais permaneceria no país).
Bresser Pereira (2010) afirma que para todas as correntes a relação de dependência da
periferia para com o centro é clara. Porém, enquanto que para a versão da super-exploração o
desenvolvimento económico e social é quase impossível nesse cenário e para a versão associada
só é possível mediante a subordinação ao centro, para a interpretação estruturalista o
desenvolvimento seria possível se as elites buscassem promover os interesses nacionais.
1.3 Níveis de Análise da Teoria da Dependência
A Teoria da Dependência interpreta o SI como uma pirâmide em que os países
desenvolvidos e industriais exploram e dominam outros com menor capacidade económica por
meio da divisão internacional do trabalho (DIT)7
. A estrutura económica internacional possui
um papel essencial no desenvolvimento ou subdesenvolvimento dos Estados (Mattedi, 2002).
Segundo Jubran & Valdez (2015), no estudo das RI's podem ser usados diferentes níveis
de análise, de acordo ao foco da pesquisa, isto é, a primazia dos actores no estudo de
determinado fenómeno. Para uma melhor compreensão, a dependência externa do Estado
angolano (2002-2012) será abordada sob a óptica da escola da Teoria da Dependência a partir
dos níveis estatal, supra estatal e do Sistema Internacional.
7
Segundo Cardoso e Faleto (2010), a DIT consiste numa estrutura mundial de relações de troca e produção em
que os países periféricos inserem-se como exportadores de bens primários com baixo valor agregado, dependendo
dos países centrais para o seu crescimento económico, enquanto os países centrais exportam para a periferia
produtos de alto valor agregado, causando a denominada «deterioração dos termos de troca».
CAPÍTULO II: DINÂMICAS ESTRUTURAIS DA
ECONOMIA ANGOLANA (2002-2012)
11
2. CARACTERIZAÇÃO SÓCIO-ECONÓMICA DE ANGOLA
Angola é um país da costa ocidental de África. Ocupa uma extensão territorial de
1.246.700 Km2
e está dividido em 18 províncias, sendo Luanda a sua capital. É limitado a Norte
pela República do Congo e por uma parte da República Democrática do Congo; a leste, pela
República da Zâmbia e por uma parte da República Democrática do Congo; a Sul, pela
República da Namíbia e a Oeste, pelo Oceano Atlântico.
Possui uma extensa costa litoral de 1.650 Km, banhada pelo Oceano Atlântico. Possui
vários rios8
e vastas florestas, além de recursos minerais, sendo os mais explorados o petróleo
e os diamantes, embora possua grandes jazidas de ferro, cobre, ouro, chumbo, zinco, manganês,
volfrâmio, estanho e mesmo urânio.
Segundo o PNUD (2013), em 2011, o Estado angolano possuía uma população estimada
de 19,6 milhões de habitantes, com uma estrutura etária caracterizada pelo domínio de classes
mais jovens, entre zero e trinta anos de idade, estando a sua maior parte na capital, Luanda, em
Benguela, Huíla e Huambo.
Angola sofreu quase três décadas de conflitos armados. Passado o período, finalmente
celebrou o acordo de paz e iniciou o processo de reconstrução das infra-estruturas e da
economia, embora com muitos altos e baixos. Recebendo apoios externos e arrecadando
receitas mediante a exportação de commodities, de 2002 a 2012 a economia angolana cresceu
de forma incomum.
No entanto, tal crescimento, visto e reconhecido a nível externo, não se traduziu em
desenvolvimento a nível interno. Pelo contrário, o Estado era marcado e afectado
negativamente pela existência de poucas infra-estruturas industriais (e não só), altos índices de
pobreza, desemprego, fome, altas taxas de inflação, além da dependência para com o exterior.
Segundo Hage (2013), a Teoria da Dependência oferece uma nova compreensão do
fenómeno da dependêndia dos países periféricos, por meio da análise do processo de construção
e evolução do modelo de desenvolvimento seguidos por eles. O presente capítulo terá como
foco especial a apresentação e análise das dinâmicas históricas, políticas e socieconómicas que
tiveram lugar dentro do Estado angolano desde a independência até em 2012.
8
O rio Kwanza, que dá nome à moeda do país, é o maior de todos;
12
2.1Potencialidades e Vulnerabilidades
Angola é um Estado com várias potencialidades. Segundo GRILO (2009), os recursos
energéticos (petróleo, gás natural e energia hidroeléctrica) de Angola são estratégicos. Os
recursos minerais constituem outra potencialidade, embora não totalmente conhecida. Estima-
se que Angola alberga 35 dos 45 minérios mais importantes do comércio mundial9
.
Outrossim, Angola possui uma extensa costa rica em recursos piscatórios. Possui
também uma vasta rede florestal (em Cabinda encontramos a Floresta do Mayombe, que possui
madeiras de alto valor económico), além de extensos hectares de terras aráveis. Os pontos
turísticos extremamente belos são outra forte potencialidade que Angola possui.
Quanto às vulnerabilidades, entre 2002 e 2012, uma das mais evidentes foi a sua forte
dependência do petróleo. Além disso, as potencialidades garantidas pela mineração são
reduzidas a vulnerabilidades devido à existência de poucas infra-estruturas necessárias ao seu
transporte e de mão de obra interna especializada, tecnologias e capacidade de transformação.
No âmbito da produção industrial e da agropecuária, possuía uma frota pesqueira
envelhecida e rudimentar, além de insuficientes infra-estruturas de apoio à produção,
escoamento, armazenamento e comercialização, e a ausência de maquinaria moderna, tornando
a agricultura essencialmente de subsistência e causando insufieciência de recursos alimentares.
2.2Colonização, nacionalismo e luta pela independência
Antes de se ter tornado independente, Angola era uma colónia portuguesa, sendo o
negócio de escravos um dos pilares em que a economia assentava. Com a abolição do tráfico
de escravos, a exportação de matérias primas e o sector agrícola passaram a ser os impulsores
da economia da colónia, que quase não possuía infra-estruturas industriais. A partir de 1960,
Portugal promoveu a industrialização das suas colónias, dando-se um crescimento económico
exponencial de 1961 a 1973 (CEIC, 2016).
No entanto, conforme conta Matrosse (2014), nas décadas de 1960-1970 a história da
África Austral foi marcada pelo surgimento de vários movimentos de libertação. Em Angola
destacaram-se a Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA), o Movimento Popular de
Libertação de Angola (MPLA) e a União para Independência Total de Angola (UNITA).
9
Além do petróleo, gás e diamantes, inclui-se o ferro, ouro, rochas ornamentais, cobre, manganésio, entre outros.
13
Em 25 de Abril de 1974 deu-se a Revolução dos Cravos10
. O novo governo, encabeçado
pelo General António Spínola, devido às pressões internas e internacionais, celebrou o “Acordo
de Alvor”11
com os três movimentos. A proclamação do governo da República Popular de
Angola no dia 11 de novembro de 1975 seria feita pelo único movimento que, após a batalha
pelo controle da capital, encontrava-se instalado no interior de Luanda, o MPLA.
A instabilidade social e a situação político-militar associada à Guerra Fria causaram a
“fuga” de empresários, comerciantes, gestores e quadros técnicos, prejudicando sectores como
a indústria e a agricultura. A nova nação não dispunha de recursos humanos qualificados. Deu-
se uma quebra do ciclo de produção das culturas agrícolas e da indústria, exceptuando-se o
petróleo, cujo preço nos mercados internacionais era consideravelmente alto.
2.3 Guerra Civil (1976-2002)
À chegada do 11 de novembro, Angola encontrava-se numa situação sensível. A
incompatibilidade entre os 3 movimentos responsáveis pela independência e os seus dirigentes
causou um extenso conflito que seria agravado pelo contexto da Guerra Fria, pois os EUA e a
URSS influenciariam directamente a guerra civil angolana prestando apoio aos partidos que
seguiam suas inclinações ideológicas. Essa influência externa prolongou o conflito angolano,
causando atrasos em todos os níveis.
Em 1992 foram realizadas as primeiras eleições gerais multipartidárias12
. Após a
rejeição dos resultados pela UNITA, viu-se outra vez adiada a possibilidade de uma paz
efectiva, até que em fevereiro de 2002 Savimbi foi morto em combate no Moxico, o que
permitiu um acordo formal de cessar-fogo, no dia 4 de abril de 2002 (Matrosse, 2014).
Segundo Ganga (2019), a guerra civil angolana afectou sobremaneira o país em vários
aspectos. No âmbito social, desestruturou famílias (muitos membros de famílias tiveram que
cumprir o serviço militar obrigatório, alguns acabaram mortos na guerra, e ainda outros foram
refugiar-se em outras partes do Globo), causando uma grande ruptura no tecido social.
De acordo ao Centro de Estudos e Investigação Científica (CEIC, 2016), a economia
angolana após a independência foi sofrendo uma retracção. Deu-se um processo de
10
Golpe de estado militar executado em Portugal pelo Movimento das Forças Armadas (MFA), que derrubou o
regime salazarista, abrindo caminho para a independência das colónias.
11
Conferência realizada de 10 a 15 de janeiro de 1974, com o objectivo de definir as condições para a transferência
do poder, as futuras eleições e o dia da independência. Participaram nela Portugal e os três movimentos;
12
Dezassete meses após a assinatura dos Acordos de Bicesse, nos dias 29 e 30 de Setembro de 1992;
14
desindustrialização que levou o país a uma dependência de importações em mais de 70%. As
crescentes receitas petrolíferas não foram investidas em actividades geradoras de rendimentos,
nem em sectores sociais como a saúde e a educação, mas sim nas despesas com a guerra, com
subsídios a preços e às empresas estatais ineficientes. As finanças públicas passaram a depender
das receitas petrolíferas e o investimento privado passou a ser dirigido exclusivamente para a
extracção de petróleo.
O sistema agrícola e das pescas, que poderiam servir de base para a prosperidade do
Estado independente, também foi paralisado, pois mais de 10 milhões de minas terrestres
espalhadas pelo território nacional impediam a livre circulação e o cultivo de quaisquer
produtos, afectando comerciantes, agricultores e todos os demais sectores de produção.
2.4 Desafios do novo século (XXI)
O início do século XXI foi marcado pela celebração do acordo de paz13
, dando-se o
início da reconciliação nacional e da reconstrução das infra-estruturas do país. Nesta altura, a
Guerra Fria havia terminado há mais de 10 anos. O MPLA, outrora apoiado pela URSS, após a
“queda” do comunismo, em 1992 abdicou do socialismo monopartidário e optou pela
democracia multipartidária. O sistema económico angolano também foi alterado.
O modelo de economia planificada e dirigida pelo Estado foi substituído pelo sistema
económico de mercado. A liberalização do comércio aprofundou o carácter extractivo da
economia angolana e restringiu significativamente a diversificação das actividades económicas.
Nessa altura o petróleo já era considerado como um sector estratégico para o país (UNCTAD,
2013).
Augurava-se uma nova era, marcada pelo trabalho, ordem e progresso, a fim de colocar
o país na corrida rumo ao desenvolvimento. Em termos de política externa, produção nacional,
comércio externo, crescimento e desenvolvimento económicos, entre outros, o Estado conheceu
várias mudanças. A análise destes aspectos confere-nos a possibilidade de ganharmos novas
noções sobre as dinâmicas estruturais da economia angolana.
13
O acordo de paz em Angola foi celebrado aos 04 de Abril de 2002 (considerado como feriado nacional alusivo
ao ¨Dia da Paz e da Reconciliação Nacional¨), após a morte de Jonas Malheiro Savimbi em Fevereiro do mesmo
ano;
15
2.5 Política Externa (2002-2012)
Segundo Santos (2012), a política externa é um conjunto de objectivos, processos,
decisões e acções definidas por um Estado e desenvolvidas fora das suas fronteiras territoriais,
desempenhadas por órgãos próprios através da utilização de instrumentos específicos. É
considerada como uma continuação da política interna.
Na actualidade ainda existem poucos trabalhos sobre a política externa de Angola.
Porém, sabemos que do ponto de vista político e económico passou a estar orientada à
divulgação da imagem do país a fim de promover um clima favorável ao investimento e ao
aprofundamento das relações multilaterais e bilaterais, tendo em vista a cooperação
mutuamente vantajosa, a reconstrução das suas infra-estruturas e o crescimento económico.
2.5.1 Acordos multilaterais e bilaterais
Segundo o relatório da Conferência das Nações Unidas sobre o Comércio e
Desenvolvimento (UNCTAD, 2013), a nova política externa permitiu que entre 2002 a 2012
Angola estabelecesse diversos acordos económicos e políticos a nível multilateral e bilateral.
Destacaremos apenas alguns:
Fundo Monetário Internacional (FMI)
As relações de Angola e o FMI datam de 1989, ano em que foi admitida como membro.
Em 2000 comprometeu-se com o FMI por meio de programas e memorandos que visavam
reforçar a sua credibilidade e receber assistência técnica e financeira. Apesar de certa discórdia
entre ambos, a assistência do FMI contribuiu para o crescimento da economia angolana.
Comunidade para o Desenvolvimento dos Países da África Austral (SADC)
No plano regional, foi co-fundadora da SADC, tendo aderido, em 2003, ao Protocolo
Comercial Regional que previa a criação de uma Área de Livre Comércio na África Austral.
Apesar disso, a nível do comércio intra-regional, Angola continuou muito limitada e a maioria
dos fluxos comerciais do país ocorreram nos mercados extra regionais.
África do Sul
Em 2007, Angola e África do Sul assinaram acordos de cooperação nos sectores do
petróleo e turismo, bem como uma declaração de intenções no sentido de eliminar a
obrigatoriedade de vistos. Realçam-se os interesses sul-africanos em Angola, em especial no
16
que concerne ao comércio diamantífero e à extracção petrolífera. A África do Sul permitia
importações de serviços bancários, de consultoria, de saúde e educação, entre outros.
Estados Unidos da América (EUA)
Desde o fim da guerra civil angolana, a relação com os EUA intensificou-se. É inegável
que Angola representa para os EUA uma alternativa no esforço de obtenção de recursos como
petróleo e minérios. Segundo o Centro Brasileiro de Relações Internacionais - CEBRI (2002),
apud Grilo (2009, p. 23),“(…) poucos países africanos são mais importantes para os EUA que
Angola. O sucesso ou o fracasso de Angola, na passagem de quase trinta anos de guerra para
a paz e democracia, sempre afectaram a estabilidade do abastecimento de petróleo dos EUA”.
Os EUA absorvem uma considerável fatia do petróleo angolano. As duas empresas norte
americanas – Chevron e Exxon Mobill- durante o tempo em estudo, lideravam as operações de
extracção petrolífera em Angola, representando um conjunto de cerca de 50% dos impostos
pagos no respectivo sector (Fernandes, 2015).
Portugal
Nas relações entre ambos destacou-se a participação portuguesa nos sectores petrolífero,
de construção e na banca angolana. No sector dos petróleos destacaram-se as participações da
Petrogal, a GALP e a Partex & Gás, detentoras de blocos petrolíferos, e no sector de construção
destacavam-se empresas como a Mota Engil, Soares da Costa e Somague. Quanto ao sector
bancário, sete dos dezanove bancos tinham participação de accionistas portugueses14
.
Os investimentos empresariais angolanos em Portugal começaram após o ano 2000,
embora de forma tímida, invertendo a tendência unilateral até então dominante. O exemplo
mais mediático é o da Sonangol, investidora nos sectores da energia e da banca portuguesa.
Espanha
As relações estratégicas entre ambos não se limitava à cooperação e investimento
económico. Apresentava-se em outros domínios, com incidência para os sectores do turismo,
educação e construção civil, além de Espanha possuir interesses no sector das pescas e exercer
actividades de cooperação na área da educação. Em 2006, por exemplo, o volume do comércio
bilateral ascendeu a 571,8 milhões de euros.
14
Trata-se dos Banco de Fomento de Angola (BFA), onde os portugueses detinham 50,1%, o Banco Totta de
Angola com 99,9%, Banco Millennium de Angola com 50,1%, Banco Espírito Santo Angola com 80%, Finibanco
com 67, 5%, Banco Internacional de Crédito com 65% e Banco Privado do Atlântico com 10%.
17
França
No período em estudo, a França foi o quinto maior investidor em Angola, com cerca de
8% do mercado. Os investidores concentravam-se no domínio da indústria petrolífera, onde
atingiram pelo menos 10 mil milhões USD. Em 2008 disponibilizou uma linha de crédito de
300 milhões USD para financiar o comércio entre ambos. Os investimentos franceses também
se dirigiam para outros sectores, como a indústria agro-alimentar e bens de consumo.
República Popular da China
A China reconheceu formalmente a independência de Angola em 1983. Após o conflito
angolano, a cooperação entre ambos reorientou-se do domínio da defesa e segurança para uma
base económica comum. A China, que viria a tornar-se o principal financiador do processo de
reconstrução nacional, em 2004 concedeu os primeiros 2 mil milhões USD de empréstimo.
Deu-se o começo de uma uma forma de assistência financeira que trazia anexada a si a
compra de bens, a participação de empreiteiros chineses e o acesso chinês aos recursos naturais
angolanos, especialmente o petróleo. A China tornou-se o destino mais importante das
exportações angolanas de petróleo e segundo maior fornecedor de Angola, depois de Portugal.
Em 2008 as linhas de crédito chinesas já ascendiam a mais de sete mil milhões USD.
É notável que no momento em que o governo procurava parcerias externas sem opções
excludentes para a reconstrução e desenvolvimento nacional, iniciava-se também o lançamento
da política de expansão da China. As suas empresas privadas e estatais começaram a investir e
a conceder empréstimos sem ter em conta os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio
(ODM), mas tendo em vista apenas os seus interesses económicos (Bernardo, 2019).
2.5.2 Impacto dos acordos na Balança Comercial (BC)
Segundo o INE (2015), entre 2002 e 2012 a Balança Comercial angolana foi fortemente
influenciada pela exportação de produtos primários, especialmente o petróleo, que sempre
esteve na base dos fortes superávites. Fruto dos acordos estabelecidos, o volume de exportações
angolanas registou uma tendência crescente. A título de exemplo, em 2010, a China e os EUA
foram responsáveis por 52,2% e 28,1%, respectivamente, do total exportado por Angola.
Em 2012, com o petróleo correspondendo a mais de 95% das exportações, os 6
principais destinos das exportações angolanas eram a China, EUA, Índia, Taywan, Canadá e
Portugal. Mais dados são apresentados no gráfico.
18
Gráfico nº 1: Exportações angolanas por parceiros selecionados (2003-2012)
Fonte: (Banco Nacional de Angola, 2012)
Quanto aos produtos mais exportados, de 2002 a 2012, o petróleo bruto foi o principal,
com uma percentagem que jamais ficou abaixo dos 95%, seguindo-se a este a quase
inexpressível percentagem da exportação de diamantes e outros, como vemos a título de
exemplo no gráfico a seguir.
Gráfico nº 2: Estrutura das Exportações em 2012
Fonte: (Banco Nacional de Angola, 2012)
19
De cerca de 900 mil barris por dia (bpd) em 2002, a produção do petróleo passou para
1,7 milhões de bpd em 2010. A maior parte das receitas do Estado provinham da actividade
petrolífera e o saldo da balança comercial do país durante o decênio foi superavitário,
determinado pelos níveis das cotações internacionais de petróleo. Em 2012, tendo o petróleo
bruto como principal factor impulsionador do aumento das receitas, o valor total das
exportações angolanas foi de USD 70.8 mil milhões.
Fruto das desigualdades nas suas relações comerciais e devido à pouca diversificação
da produção nacional, as importações, principalmente de bens, apresentavam uma taxa anual
de crescimento muito elevada. A estabilidade do kwanza, a disponibilidade de moeda
estrangeira proveniente das exportações (reservas líquidas internacionais) e o forte crescimento
do PIB, permitiram o seu incremento, como é apresentado no gráfico abaixo.
Gráfico nº 3 – Comportamento das Importações (USD mil milhões)
Fonte: Centro de Estudos e Investigação Científica (CEIC), apud Paulo (2015);
O agravamento da conta de serviços, que desde 2008 quase sempre esteve acima dos
USD 20 mil milhões, resultou da evolução dos seus componentes, isto é, os serviços de
transporte, viagem e seguros (devido fundamentalmente ao crescimento das importações); os
serviços de comunicação associados às despesas inerentes ao uso do satélite de comunicações
e outros serviços de negócios (essencialmente assistência técnica), causado pela considerável
20
escassez de mão-de-obra qualificada para operar equipamentos de alta tecnologia utilizados no
sector da construção e, sobretudo, no sector petrolífero.
Segundo Paulo (2015), as importações, em especial de bens, estavam presentes em toda
a cadeia de valor da produção nacional. Presume-se, inclusivamente, que boa parte dos produtos
rotulados de nacionais incorporavam matéria-prima importada. Dois factores causaram a
redução das importações em 2009 e 2010: a fixação de quotas de importação para bens passíveis
de serem produzidos internamente (apesar de não serem) e as dificuldades impostas pelo BNA.
O forte crescimento da procura doméstica estimulou o aumento das importações. Tendo
em vista a fraca capacidade produtiva nacional, em 2012, as importações de bens
correspondiam a USD 28.9 mil milhões. Os bens de consumo corrente mais importados foram
essencialmente os combustíveis e os bens alimentares (produtos da cesta básica), representando
58,3% do valor total das importações. Os bens de consumo intermédio representavam 12,1%
das importações e os bens de capital, que viabilizam a diversificação económica, correspondiam
a 29,6%, daí que grande quantidade dos alimentos consumidos no país eram importados (INE
- Instituto Nacional de Estatística, 2013).
Gráfico nº 4 – Estrutura das Importações (2012)
Fonte: (Banco Nacional de Angola, 2012)
Quanto aos principais parceiros comerciais e procedência da maior parte das
importações angolanas, segundo o BNA (2012), em 2012 destacaram-se Portugal, Singapura e
China, representando 16,4%, 11,2% e 9,2%, respectivamente, do valor total das importações,
21
seguidos por Holanda, Canadá, Coreia, Bélgica, EUA, entre outros. Em 2012 Angola foi
considerada como o sétimo maior importador entre os Estados africanos15
.
Gráfico nº 5 – Principais Países de Procedência das Importações
Fonte: (Banco Nacional de Angola, 2012)
O quadro político angolano do século XXI permitiu uma política externa pragmática
sustentada pela paz e estabilidade sócio-política, que visava ganhar a confiança dos investidores
e parceiros estratégicos16
. Por satisfazer as necessidades energéticas dos seus parceiros, o
petróleo angolano passou a ser o principal produto de exportação e meio de liquidação de
dívidas17
. Angola, por sua vez, passou a importar certos bens de equipamento (tractores e outras
maquinarias), e principalmente os bens de consumo corrente (derivados do petróleo, alimentos
e bebidas, vestuários, entre outros).
A política externa abriu portas aos investidores estrangeiros, incluindo as
multinacionais. Mas mais uma vez confirmou-se que “quando um sistema de produção
capitalista penetra em estruturas económicas mais atrasadas, ele desenvolve primeiro os
sectores e regiões mais rentáveis para os detentores de capital” (Guerra, 1975).
15
Disponível em http://www2.apexbrasil.com.br/media/estudo/PERFILANGOLADefinitivo_15012013100518
(consultado aos 23/11/2020)
16
http://www.embangola.at/dados.php?ref=rela%E7%F5 es-internacionais (acessado aos 01/09/2020);
17
Na sua relação com o Estado angolano, a China procurou dar o seu apoio na (re)construção de infra-estruturas
destruídas pela guerra ou inexistentes. O governo angolano pagaria tais financiamentos com recursos naturais.
Esta estratégia chinesa, denominada por “oil-for-infrastructure” (“petróleo pela infra-estrutura”, numa tradução
livre), consistia num acordo de cooperação económica sino-africana (no caso específico, sino-angolana), em que
a China financiava projectos de construção em troca de petróleo bruto (Bernardo, 2019, p. 28);
22
2.5.3 Impacto dos acordos no Investimento Directo Externo (IDE)
Segundo Fernandes (2015), com a celebração do acordo de paz, Angola passou a
necessitar de financiamento para a reconstrução nacional. No entanto, a comunidade
internacional mostrou-se indisponível devido à imagem negativa do governo angolano a nível
internacional e por este não se submeter às condições estabelecidas internacionalmente para a
concessão de financiamentos e empréstimos.
Nesta altura, o Estado estabeleceu um acordo de cooperação financeira com a China,
que, como estabelece num dos seus princípios para a ajuda externa, “respeita rigorosamente a
soberania dos países receptores, e nunca impõe quaisquer condições ou privilégios”18
. Tal
cooperação teve como base a política ¨oil-for-infrastructure¨ condicionalidade de ajuda externa
chinesa segundo a qual Angola forneceria petróleo como forma de pagamento.
Outras condicionalidades: para a realização dos acordos de financiamento, cabia ao
Governo chinês ou entidade financiadora indicar as empresas que realizariam os projectos
estabelecidos; para cada projecto aprovado, 70% da mão-de-obra devia ser chinesa e 30%
angolana; as empresas que realizariam os projectos no país deviam ser chinesas assim como os
materiais utilizados nos projectos adjudicados a elas. Consequentemente:
a) O financiamento chinês não promoveu a industrialização; restringiu o crescimento da
indústria de construção nacional, tornando-a dependente de materiais de construção
chineses devido à redução da importação destes ao resto do mundo.
b) A cooperação Angola-China não reduziu a taxa de desemprego, devido à importação
excessiva de mão-de-obra chinesa, impossibilitando, assim, a criação de mais postos de
emprego para os nacionais e a redução da pobreza;
c) Apesar de ter possibilitado a construção de infra-estruturas no país, o IDE chinês não
trouxe consigo a transferência de tecnologia e know-how ao mais alto nível.
d) A pouca qualidade das construções realizadas pelas empresas chinesas nota-se pelo
facto de que muitas, com poucos anos desde a sua inauguração, já requerem manutenção
antecipada;
e) A maior parte dos acordos de cooperação sino-angolana e suas cláusulas não eram do
conhecimento geral. Não se dava a conhecer as reais contrapartidas, o valor do
financiamento e nem a forma de reembolso ou concessões.
18
Cfr. ANEXOS (Anexo 1);
23
Segundo o Centro de Estudos e Investigação Científica (CEIC, 2016), apesar de receber
maior financiamento por parte da China, de 2002 a 2012, Angola recebeu uma média anual de
cerca de USD 11,8 mil milhões na forma de IDE, um volume que seria maior se o ambiente de
negócios fosse mais favorável, se os níveis de tráfico de influências e de corrupção fossem mais
baixos e se as infra-estruturas fossem mais funcionais e tivessem maior qualidade.
Gráfico nº 6 - Investimento Directo Estrangeiro (USD mil milhões)
Fonte: BNA (2012), apud CEIC (2016)
No gráfico que vemos acima confirmamos que empresários angolanos também
investiam no estrangeiro. Desde 2005 o fluxo de saída do IDE foi maior que o de entrada, o que
significa que houve mais investimentos de angolanos para o exterior do que de estrangeiros
para o país. Entre 2002 a 2012 saíram cerca de USD 131,5 mil milhões e entraram cerca USD
122,5 mil milhões, resultando num IDE líquido com um saldo negativo em volta de USD 9 mil
milhões.
O sector petrolífero angolano foi a principal fonte de atracção de IDE, cerca de 80%,
seguido pelos sectores da indústria, da construção civil, da agricultura, do comércio, dos
transportes e dos sectores imobiliário e financeiro.
24
2.6 Dinâmicas da economia angolana (2002-2012)
As actividades económicas de um Estado compreendem o sector primário (extracção de
recursos naturais, agropecuária, pesca, exploração de florestas e minerais), sector secundário
(indústria de reconstrução e de transformação, entre outros), e o sector terciário (inclui serviços
como o comércio, hotelaria e turismo, transportes, comunicações, sector financeiro, entre
outros).
Relativamente ao sector primário da economia angolana, no ano de 2012 correspondeu
a uma quota de 56,08% no PIB nacional.
Angola tornou-se um dos principais produtores de petróleo; responsável por 2,1% da
produção mundial, 4,8% da produção da OPEP, e 18,9% da produção do continente, chegou ao
pico de sua produção no primeiro semestre de 2008, com uma produção de 2 milhões de
barris/dia.
Tornou-se também o quarto produtor mundial de diamantes, segundo produto mais
exportado da economia. Em 2000 a sua exportação gerou USD 750 milhões, e em 2008 gerou
mais de USD 2,5 bilhões.
Quanto ao sector secundário, em 2012 equivalia a apenas 14,9% do PIB angolano: o
sector de construção contribuía com 8,39% e a indústria transformadora equivalia a 6,5%.
Segundo o Índice de Produção Industrial (IPI)19
, entre 2002 e 2012 houve fraca
diversificação dos sectores não-petrolíferos, apesar de que entre 2008 a 2011 registou-se certo
crescimento da indústria alimentar e de bebidas.
Quanto ao sector terciário (comércio, actividades bancárias, seguradoras, correios e
telecomunicações), em 2012 correspondia a 21,7% do PIB (Banco Nacional de Angola, 2012).
2.6.1 Produto Interno Bruto (PIB)
Podemos dividir o PIB angolano em sector petrolífero, que corresponde a minerais
líquidos como o petróleo, e sector não-petrolífero, onde se destaca a agropecuária, energia e
águas, extracção de minérios, construção, indústria transformadora, serviços mercantis
(comércio, transportes, telecomunicações, actividades bancárias, financeiras e seguradoras) e
não-mercantis, fundamentalmente, a administração pública.
19
Índice que avalia a produção industrial de quatro sectores: as indústrias extractiva, transformadora, de
distribuição de electricidade e de captação e distribuição de água.
25
De acordo ao CEIC (2017), o sector petrolífero contribuíu de tal maneira para o
crescimento económico do país que, desde 2003, o PIB começou a registar um crescimento
notável. Em 2012 a economia angolana seria considerada pelo FMI como a quinta maior de
África (após a África do Sul, Nigéria, Egipto e Argélia), e como comprovaremos no gráfico
abaixo, a taxa de crescimento do PIB sofreu certa influência do preço médio do barril de
petróleo.
Gráfico nº 7 – Correlação entre a taxa de crescimento do PIB (%) e o preço do barril do
petróleo (USD)
Fonte: (Centro de Estudos e Investigação Científica, 2017)
O crescimento do PIB durante o decênio (2002-2012) pode ser dividido em duas partes:
a) O período de 2002 a 2008, quando a procura mundial por petróleo, o seu preço médio e a
sua venda no mercado internacional cresceram bastante, resultando em maior investimento
público e crescimento médio de 10,2%;
b) O período de 2009 a 2012, marcado pelos efeitos da crise financeira internacional, a
diminuição do valor das exportações de petróleo (em 2008 correspondia a 65,3 mil milhões de
dólares e em 2009 começou a descer para 40,1 mil milhões de dólares), pela diminuição do
crescimento médio do PIB (3% em média anual) e a sua recuperação em 2012.
26
Gráfico nº 8 - Evolução do PIB (USD mil milhões)
Fonte: (Banco Nacional de Angola, 2012)
O gráfico acima confirma que nos anos em estudo, tendo o petróleo como principal
commoditie, o PIB angolano foi registando um crescimento quase sempre crescente. Passou de
USD 16,9 mil milhões em 2002 para USD 88,5 mil milhões em 2008. Em 2009 registou um
abrandamento resultante da crise financeira mundial e em 2012 registou-se outro crescimento
sem precedentes (USD 125,4 mil milhões), graças ao apoio do FMI e à subida do preço médio
do barril de petróleo.
A alta dependência do Estado angolano relativamente ao sector petrolífero foi
confirmada no decênio em estudo. O petróleo representava sensivelmente 98% das exportações,
era a principal fonte de atracção de IDE e assegurava cerca de 80% das receitas fiscais. O valor
do PIB sempre esteve directamente associado ao sector petrolífero, pois quanto mais alto fosse
o preço internacional do petróleo, maior era o seu valor, resultando numa economia dependente
das receitas resultantes da exportação do petróleo bruto e, portanto, da procura externa deste.
A forte dependência económica externa do Estado angolano também é evidente na
repartição sectorial do PIB, reportado no quadro a seguir.
27
Quadro nº 1 – Estrutura Sectorial do PIB angolano (2002-2012)
2002-2009 2010-2012
Agricultura, caça, silvicultura e pesca 7.9% 9.7%
Indústria 68.1% 62.7%
Indústria Extractiva 59.5% 48.6%
Indústria Transformadora 4.3% 6.2%
Construção 4.3% 7.9%
Serviços 23.9% 27.6%
Comércio por grosso e a retalho, restauração e alojamento 12.5% 15.4%
Transporte, armazenagem e comunicações 3.8% 4.7%
Outros serviços 7.7% 7.5%
Total 100% 100%
Fonte: (UNCTAD, 2013)
Como demonstra o quadro acima, apesar dos sectores que se revelaram dinâmicos e
contribuíram para o PIB (a construção, a indústria transformadora e os serviços mercantis de
comércio, transporte e comunicações), durante os anos em estudo, a actividade produtiva da
indústria extractiva e enérgetica sempre representou a maior percentagem do PIB angolano.
Devido à sua marcante dependência das exportações de recursos naturais, o país tornou-
se altamente vulnerável, pois os sectores extrativos – em particular petróleo e gás – promovem
uma integração muito limitada da economia nacional e sua contribuição para a geração de
empregos é mínima, além de que o uso inadequado das receitas provenientes destes recursos
impediu o desenvolvimento, como comprovaremos no próximo capítulo.
CAPÍTULO III: DEPENDÊNCIA EXTERNA. CAUSAS E
CONSEQUÊNCIAS DO SUBDESENVOLVIMENTO.
29
3. ANGOLA E A DEPENDÊNCIA EXTERNA
Conforme abordamos no primeiro capítulo, o termo dependência pressupõe a existência
e modo de funcionamento do sistema sócio-económico e político de um Estado periférico
dentro do SI. Cardoso e Faleto (1996), consideram como dependência económica a situação em
que uma estrutura produtiva nacional mantém vínculos comerciais, produtivos e financeiros
com o capitalismo internacional e conforma-se a este, procurando atender à procura do mercado
internacional, que geralmente resulta em subdesenvolvimento.
Segundo o PNUD (2013), em 2004, 68% da população angolana era pobre, dos quais
26% viviam abaixo da linha da pobreza. Em 2009, a incidência da pobreza baixou. No entanto,
36,6% da população continuava vivendo abaixo da linha da pobreza nacional (4.973 kwanzas
ao mês), sendo que a maior parte localizava-se nas zonas rurais, embora também houvesse um
número considerável nas zonas urbanas. A taxa de desemprego era superior a 30% e a taxa de
analfabetismo era de 34%.
Quanto ao acesso aos serviços básicos pela população urbana, em 2010, 66,3% tinha
acesso à electricidade, 59% tinha acesso à água potável e 84,6% tinha acesso ao saneamento.
Quanto à população rural, apenas 22,8% tinha acesso à água potável, 8,6% tinha acesso à
electricidade e 31,1% tinha acesso ao saneamento. A esperança média de vida era de 47 anos
de vida para mulheres e 44 anos para homens.
Quadro nº 2 – Índice de Desenvolvimento Humano (IDH)
Ano 2002-2003 2004-2008 2009 2010 2011 2012
IDH 0,383 0,490 0,497 0,504 0,521 0,524
Fonte: (PNUD, 2013)
No período em estudo, o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de Angola jamais
alcançou os 0,55 pontos necessários para que um Estado seja considerado como de índice médio
de desenvolvimento humano. No quadro acima confirmamos que apesar de ser um Estado com
um rendimento médio tendo em conta a riqueza gerada, Angola apresentava um baixo índice
de desenvolvimento humano.
O Estado angolano foi considerado pelo Africa Progress Report (2013), apud CEIC
(2017) como um exemplo que ilustra claramente a divergência entre as riquezas naturais e o
30
bem estar social, detendo um dos padrões mais desiguais de distribuição do rendimento a nível
de África. A actividade das instituições do Estado escondia-se atrás de um sistema financeiro
opaco que não cumpria as regras mínimas de transparência e boa governação, além de que
beneficiava figuras públicas ou políticas, confirmando que o sistema financeiro achava-se
configurado para servir uma pequena elite.
Os indicadores descritos no quadro anterior confirmam o facto típico nos países em vias
de desenvolvimento: o crescimento económico não se reflectiu sobre o desenvolvimento
económico nacional, visto por meio da justa divisão das receitas, melhoria do bem-estar da
população por meio do fornecimento de meios de subsistência como a alimentação, a habitação,
a protecção social, os cuidados de saúde e a qualidade e a oferta de serviços como a educação.
Desta forma, vê-se que o subdesenvolvimento é o principal rosto do fenómeno que
marcou e ainda marca a realidade do Estado angolano – a dependência económica externa – e
vários teóricos da dependência apresentam as causas desse quadro nos países periféricos.
3.1 Causas da Dependência Externa
Segundo Furtado (2009) apud Sigaúque (2017), o processo de desenvolvimento dos
Estados posssui quatro dimensões: a acumulação de capital, não só os meios financeiros, mas
as infra-estruturas, isto é, as vias de comunicação, centrais elétricas e indústrias; o progresso
tecnólogico, isto é, as técnicas sofisticadas de exploração, de transformação e de produção; o
capital humano, ou seja, a formação técnico-científica qualificada; e os recursos naturais, que
incluem as terras aráveis, minérios, recursos hídricos, florestas, petróleo e gás, entre outros.
A acumulação de capital acompanha todas as formas de desenvolvimento autónomo e o
progresso tecnológico aplicado na exploração, produção e transformação de recursos naturais
resulta no aumento da produtividade por intermédio do capital humano altamente qualificado.
No entanto, enquanto que no desenvolvimento autónomo o investimento no capital
humano e o progresso tecnológico apresentam-se como factores primários, seguido pela
acumulação de capital e resultando em satisfação da demanda externa, no desenvolvimento
dependente, caso do Estado angolano, inversamente, satisfaz-se a demanda externa
(exportações), resultando em acumulação de capital que, em vez de ser usado para o progresso
tecnológico, acaba sendo maioritariamente para benefício da elite nacional.
Apesar de possuir diversos recursos naturais com potencial para promover o
desenvolvimento socieconómico, devido à escassez de capital e ausência de tecnologia para
31
estimular o processo produtivo, o Estado angolano não dispunha de meios para proceder às
transformações necessárias para o desenvolvimento sustentável.
A estrutura do comércio mundial também causou a dependência externa angolana.
Devido à DIT, o Estado angolano apresentava-se no sistema económico internacional como
exportador de bens primários (matérias primas e produtos energéticos), e comprador de bens
industrializados com alto valor agregado. Este consumo exagerado de bens e serviços
importados constituiu um freio ao desenvolvimento.
Na ótica de Bambirra (2015), a dependência resulta também do modo de funcionamento
das empresas multinacionais que operam nos sectores-chave da economias perifiéricas:
direccionam a maior parte dos execedentes económicos gerados para fora do Estado onde
operam. Além disso, os empréstimos e o IDE de certa maneira limitam o crescimento
económico, uma vez que a receita gerada pelo país passa a ser utilizada para o serviço de
pagamento da dívida externa.
Além disso, na realidade angolana confirmamos que grande parte do IDE e do capital
resultante das exportações não foram usados para o progresso tecnológico, para a diversificação
da economia e nem para o desenvolvimento do capital humano. Apesar de não termos números
oficiais sobre em quanto a corrupção e a falta de transparência e rigor na gestão das receitas
afectaram o desenvolvimento do Estado e a melhoria do bem estar social, sempre houve uma
contradição entre o crescimento económico e a vertente social, devido à desigualdade na
distribuição da renda nacional e desvios contínuos das receitas dos cofres do Estado.
A insuficiência de infra-estruturas, o endividamento crônico, a subordinação
tecnológica, a realização de diversas actividades extractivas e produtivas por empresas
estrangeiras, o fraco investimento no sector não-petrolífero e a alta dependência das exporta-
ções de bens primários tornou-nos excessivamente vulneráveis às oscilações do mercado
externo, o que impediu o desenvolvimento económico e resultou no estado de dependência
económica, tanto a nível produtivo, comercial e financeiro em que o Estado está imerso.
32
3.2 Consequências da Dependência Externa
3.2.1 Dependência Produtiva
De 2002 a 2012, o sector industrial angolano possuía um papel quase inexpressivo na
produção interna (correspondia a menos de 7% do PIB, enquanto que no tempo colonial só a
indústria de transformação chegou a corresponder a mais de 20% do PIB). O IPI confirmava a
fraca diversificação industrial para os sectores não-petrolíferos.
Apesar dos recursos naturais que possui, devido à ausência de infra-estruturas,
tecnologia avançada e investimento necessário para impulsionar o processo produtivo, o Estado
angolano não efectuou as transformações necessárias na sua estrutura produtiva que
promovessem um desenvolvimento próprio e sustentado. Por essa razão, as empresas
multinacionais estrangeiras, ao investirem de forma intensiva em capital e tecnologia em
sectores da indústria extractiva, instalaram unidades produtivas tendo maioritariamente
estrangeiros como mão de obra especializada.
Além disso, devido à reduzida capacidade de produção nacional, estima-se que em 2012
68% das empresas angolanas dependiam de insumos importados. A política angolana de
investimentos concedia isenção tarifária para bens de investimento importados, tais como
insumos necessários à produção e a aquisição de equipamentos, o que provocou a elevação do
volume de importações, uma clara evidência de dependênia produtiva (UNCTAD, 2013).
Como acontece nos países dependentes, não criamos a nossa própria demanda,
atendemos a demanda externa dos países centrais e emergentes (o sector petrolífero foi o que
recebeu maior volume de capital externo). A dinâmica dos preços de matérias-primas no
mercado mundial e a evolução das exportações nacionais sempre estiveram intimamente
ligadas, influenciando o aumento ou redução do valor das exportações.
O estado frágil da economia nacional, resultante da fraca diversificação da economia, a
descida dos preços de matérias-primas no mercado mundial, a falta de infra-estruturas
adequadas e a produtividade interna assustadoramente ociosa propiciaram um quadro de clara
dependência produtiva que fez da nossa economia prisioneira dos principais centros, fazendo
de nós dependentes da produção de outros Estados e de agentes de extracção estrangeiros para
a produção interna de nossos bens, sendo a maior parte deles bens primários.
33
3.2.2 Dependência Comercial
A composição das exportações angolanas entre 2002 e 2012 mostra que a mesma foi
constituída por produtos primários não transformados. Tal premissa vai ao encontro do
argumento de Marini (2000, p. 117) apud Sigaúque (2017) quando afirma que “as economias
dependentes especializam-se em fornecer matérias primas para as economias desenvolvidas”
e expandem as suas exportações a preços sempre compensadores para os países desenvolvidos.
Por exemplo, no quadro abaixo oberva-se que a pauta de exportações do país em 2011
foi altamente concentrada, composta maioritariamente por combustíveis. Por sua vez, as
importações eram compostas por produtos agrícolas, máquinas, equipamentos, meios de
transporte, metais, entre outros como produtos da cesta básica, calçados, vestuário e químicos.
Quadro nº 3 - Síntese dos Principais Produtos Transacionados em 2011
Exportações/Sector % Importações/Sector %
Combustíveis e óleos minerais 98,9 Máquinas e aparelhos mecânicos 16,6
Pedras e metais preciosos 0,8 Máquinas e aparelhos elétricos 8,7
Máquinas e aparelhos mecânicos 0,1 Obras de ferro fundido (aço) 7.0
Sal, enxofre, terras e pedras 0,1 Veículos automóveis e partes 6.0
Combustíveis e óleos mineirais 5.1
Carnes e miudezas comestíveis 4.5
Outros 0,1 Outros 52.1
Fonte: (Instituto Nacional de Estatística, 2013)20
O aumento dos preços mundiais de commodities sempre impulsionou de forma positiva
as exportações totais do país. Entretanto, quando se verificou uma queda nos preços das
matérias-primas a balança comercial foi a mais afectada negativamente, o que confirmou a
volatilidade do preço do petróleo.
Segundo o CEIC (2013), o subdesenvolvimento rural manifestado pela existência de
uma agricultura de subsistência e ausência de uma agricultura comercial, a dependência das
20
Confirmar em Anexo II;
34
receitas provenientes do petróleo e gás natural, o fraco investimento na indústria (causador de
subdesenvolvimento industrial), e a importação maioritária de bens de consumo corrente em
detrimento dos bens intermédios e de capitais caracterizou o decênio 2002-2012.
Estes factores desempenharam um papel decisivo no quadro de dependência comercial,
visto que a maior parte dos bens eram e de certa maneira continuam sendo importados, causando
a degradação do poder de compra devido à variação da taxa de câmbio que afecta o nível geral
de preços, causando a inflação, fomentando o desemprego, desincentivando o investimento
externo e interno e acentuando as desigualdades na distribuição da renda nacional.
A fraca produção interna, a pauta de exportação altamente concentrada e o elevado nível
de importações tornaram os níveis de vida extremamente caros, dando-se um quadro de
dependência comercial.
3.2.3 Dependência Financeira
Segundo Sigaúque (2017), o processo de globalização económica e financeira que teve
início na década de 1980 causou a expansão do capital produtivo dos centros de produção
capitalista. Estes avanços do processo de globalização também afectaram negativamente as
economias periféricas, tornando-as prisioneiras do capital financeiro internacional.
As economias dependentes relativamente aos centros de acumulação capitalista mundial
concentram a sua pauta de exportações a preços compensadores para os países centrais
enquanto atraem recursos externos na forma de IDE, impactando negativamente a estrutura da
dívida externa, o que permite dar continuidade ao processo de acumulação capitalista.
Entre 2002 e 2012 os maiores empréstimos do Estado angolano foram créditos bilaterais
contraídos da China, os quais tinham como contrapartida o petróleo e foram efectuados por
meio do Banco de Exportações e Importações da China, do Banco Comercial e Industrial da
China e do Banco de Desenvolvimento da China.
Com foi dito anteriormente, entre 2002 a 2012 e em termos acumulados, o país recebeu
cerca de USD 122,5 mil milhões em forma de IDE, uma média anual de USD 11,8 mil milhões,
além dos empréstimos e apoios em menor escala levados a cabo pelo FMI e o Banco Mundial
(Centro de Estudos e Investigação Científica - CEIC, 2016).
A estrutura do IDE esteve maioritariamente concentrada no sector primário, da indústria
extractiva e da construção civil, não resultando em transformação estrutural a nível da rede
industrial nacional. O IDE tende a responder aos interesses de outras economias. O contributo
35
das multinacionais no PIB foi menor, facto que confirmou o carácter potencialmente
descapitalizador do capital produtivo internacional quando em contacto com economias mais
frágeis.
Angola manteve uma relação de dependência financeira para com o exterior, mas as
linhas de crédito ou financiamento não ajudaram como era de esperar. Além disso, boa parte
das receitas era e é destinada ao pagamento do serviço da dívida externa, que possuía valores
geralmente acima de um dígito, como está demonstrado no quadro a seguir.
Quadro nº 4 – Dívida Externa Angolana (USD mil milhões)
Ano 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012
USD mil
milhões
10,4 9,9 9,16 10,4 9,4 11,2 8,36 7,62 16,5 17,9 18,6
Fonte: Dívida Externa Angolana (USD mil milhões) – Index mundi (2011)
3.3 Medidas para Mitigar a Dependência Externa
Segundo o CEIC (2016), o crescimento a longo prazo, a criação de emprego e a redução
da pobreza dependem de uma estrutura de produção e exportação industrial competitiva e cada
vez mais diversificada e sofisticada.
Hoje, mais do que nunca, é imperativo que haja uma diversificação das exportações e
aumento da produção nacional. Isto ocorreria por meio do desenvolvimento industrial, o
investimento no sector agropecuário e pelo apoio aos empresários, facilitando-se o acesso
destes aos financiamentos, para que se balanceie a quota do mercado interno, dominada por
chineses, portugueses, brasileiros, libaneses e outros estrangeiros.
A agricultura de subsistência e fornecedora de produtos primários precisa de ser
substituída por uma agricultura mecanizada. Para tal, o Estado deve investir de forma contínua
e comprometida neste sector estratégico, pois a insuficiência de recursos alimentares resulta das
deficientes infra-estruturas e maquinaria de apoio à produção, escoamento, armazenamento de
produtos agropecuários.
Para que as medidas promovidas pelo Executivo no sentido de diversificar a economia
invertam a situação de dependência, é necessário que seja seguido um conjunto de condições
de competitividade que o país ainda não apresenta totalmente, isto é, elevada produtividade dos
36
factores de produção, infra-estruturas de qualidade, energia e água em grande quantidade,
qualificação do capital humano e empresarial, incentivo ao investimento privado, nacional e
estrangeiro, transparência e boa governação.
As condições gerais para a reindustrialização e diversificação económica exigem
organização, disciplina, planeamento estratégico, capital cultural, capital humano e recursos
tecnológicos, razão pela qual defendemos que a educação técnico-científica e a formação
profissional devem ser mais rigidamente promovidas.
A aposta num sector privado justo e competitivo poderia impulsionar a redução da
pobreza, a industrialização da economia e a criação de empregos, colocando o foco na
exploração, transformação e exportação de recursos não petrolíferos, muitos dos quais eram
produzidos no tempo colonial, mas cuja produtividade caiu de forma abrupta devido à falta de
investimento em sectores como o da agropecuária, dos minérios e da indústria.
A forte dependência das receitas resultantes dos recursos petrolíferos e minerais não
transformados fragiliza a economia pelo facto de serem recursos finitos e extremamente
voláteis, razão pela qual defendemos o investimento em infra-estruturas necessárias à sua
exploração e transformação, o que poderia permitir a produção de combustíveis e produtos
derivados, rochas ornamentais e não só, criando um número significativo de postos de trabalho.
Outro sector “adormecido” que poderia alavancar a economia é o turismo, tendo em
conta o facto de Angola possuir pontos turísticos que são verdadeiros cartões postais e próprios
para a prática de diversos tipos de turismo. Para tal, devia apostar-se na melhoria de infra-
estruturas como as vias de acesso, a rede hoteleira, a distribuição de água potável e eletricidade,
saneamento básico, controlo da inflação e mesmo a segurança interna.
Também é necessário que se melhore continuamente o ambiente de negócios a fim de
atrair mais investimento estrangeiro. Porém, mais do que isso, é necessário que a maior parte
dos investimentos sejam direccionados a sectores estratégicos como a agropecuária, a indústria
transformadora e demais serviços como o turismo, além da necessidade de se pautar pelos
princípios da transparência, da prestação de contas, em resumo, da boa governação.
É necessário que os investimentos sejam canalizados com maior eficácia, promovendo
a integração dos jovens, que são a população activa, formulando políticas que promovam o
emprego e combatam as desigualdades sociais excessivas no país.
37
Os factores externos tiveram um papel importante na dependência externa, mas também
havia uma estrutura política interna de certa maneira corrompida. O capital externo aproveita
estas fragilidades internas para se afirmar e explorar de forma agressiva os recursos nacionais.
Desta forma, há que se ter uma atitude forte, de sentido de Estado, que responda aos interesses
internos para contrapor a ofensiva do capital financeiro internacional (Sigaúque, 2017).
Quanto maior for a capacidade de produção nacional e, consequentemente, a
diversificação da pauta de exportações, maior será a nossa capacidade de resistência aos ciclos
irregulares da economia. Se assim não for, continuaremos a ser uma nação “vivendo o paradoxo
de tudo ter e de tudo precisar” (Grilo, 2009, p. 17).
38
CONCLUSÃO
O objectivo do presente trabalho visava a clarificação das razões que estão na base do
fenómeno da dependência económica externa angolana, sendo a Teoria da Dependência o
instrumento usado para melhor compreensão desta realidade. A dependência ainda é a
característica principal do subdesenvolvimento de Estados periféricos como Angola.
Concluímos que, com base na sua dinâmica histórica e estrutural, e nos indicadores
económicos, entre 2002 e 2012, a economia angolana apresentou-se como fortemente
dependente do petróleo, dependendo da procura externa deste e dos financiamentos de parceiros
(principalmente da China) para crescer economicamente. Devido à fraca diversificação dos
sectores não-petrolíferos e reduzido investimento em infra-estruturas, deu-se um quadro de
dependência externa no sentido produtivo, financeiro e comercial.
Várias foram as causas responsáveis pelo fenómeno da dependência externa de Angola.
Não foram levadas em conta as quatro dimensões que garantem o desenvolvimento autónomo
de um Estado (a acumulação de capital, o progresso tecnológico, a qualidade do capital humano
e os recursos naturais). Esta realidade, associada à má gestão das receitas principalmente
petrolíferas, esteve na base do quadro de dependência, pois, apesar do crescimento económico,
o Estado angolano não desenvolveu.
O Estado angolano teve a oportunidade de diversificar a sua economia a custos
reduzidos. Mas a confiança excessiva nas suas poucas commodities e o fraco investimento em
sectores estratégicos fez com que fosse surpreendida quando a economia começou a registar
uma recessão devido à queda do preço do barril de petróleo no mercado internacional.
Os erros cometidos no princípio de qualquer construção têm resultados fatais. Assim
ocorreu na formação do Estado angolano, embora ainda seja possível melhorar o que está bem
e corrigir o que estiver mal, não como uma forma de promover ideologias partidárias ou
movimentos políticos em detrimento de outros, mas visando a melhoria da qualidade de vida
de cada cidadão por meio da promoção do desenvolvimento sustentável, da redução da fome e
da pobreza, da criação de postos de emprego, da governação transparente, aberta e inclusiva,
do desenvolvimento do capital humano, da expansão da capacidade produtiva nacional e por
meio da diversificação da pauta de exportações.
39
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http://www.angonoticias.com/Artigos/item/20313/momentos-distintos-marcam-transicaoo-da-
economia-angolana. (s.d.). (Acessado aos 24 de Novembro de 2020).
ANEXOS
Anexo I – Oito Princípios para a Ajuda Externa Chinesa a Países Estrangeiros
1) O governo chinês baseia-se sempre no princípio da igualdade e do benefício mútuo ao
conceder ajuda a outros países. O governo chinês nunca considera a ajuda como um tipo de
donativo ou de esmola unilateral, mas como algo mútuo.
2) Ao conceder ajuda a outros países, o governo chinês respeita rigorosamente a soberania dos
países receptores, e nunca impõe quaisquer condições ou privilégios.
3) A China concede ajuda económica através de empréstimos sem juros ou de empréstimos
preferenciais (com juros baixos) e estende o prazo de pagamento quando necessário, de forma
a aligeirar as condições de pagamento para os países receptores.
4) Ao conceder ajuda, o objectivo do governo chinês não é tornar os países receptores
dependentes da China, mas apoiar estes países passo a passo no caminho da autonomia e do
desenvolvimento económico independente.
5) O governo chinês faz o seu melhor para apoiar os países receptores a construir projetos que
exijam pouco investimento e produzam resultados rápidos, para que estes países possam
aumentar o rendimento nacional e acumular capital.
6) O governo chinês fornece equipamento e materiais fabricados na China da melhor qualidade,
a preços de mercado. Se os materiais e equipamentos fornecidos não estiverem de acordo com
as especificações e a qualidade contratadas, o governo chinês responsabiliza-se pela sua
substituição.
7) Ao fornecer assistência técnica, o governo chinês procurará que os recursos humanos dos
países receptores dominem na perfeição as técnicas e os conhecimentos em questão.
8) Os peritos enviados pela China para apoiar a construção nos países receptores terão o mesmo
padrão de vida que os peritos do país receptor. Não é permitido que os técnicos chineses façam
exigências específicas ou que gozem de privilégios especiais.
Fonte: Brautigam (2009), apud Fernandes (2015);
Anexo II – Exportação e Importação por Grupo de Produtos (2011- 2012)
Fonte: (INE - Instituto Nacional de Estatística, 2013)

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Dependência Externa Angola 2002-2012

  • 1. INSTITUTO SUPERIOR POLITÉCNICO – TUNDAVALA DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS CURSO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS ANGOLA E A DEPENDÊNCIA EXTERNA (2002-2012) Autor: Ludizénio António Joaquim LUBANGO, 2021
  • 2.
  • 3. INSTITUTO SUPERIOR POLITÉCNICO – TUNDAVALA DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS CURSO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS ANGOLA E A DEPENDÊNCIA EXTERNA (2002-2012) Trabalho de final de curso, apresentado no Instituto Superior Politécnico Tundavala, para a obtenção do Grau de Licenciatura em Relações Internacionais. Autor: Ludizénio António Joaquim Orientador: Dr. Carlos Sousa LUBANGO, 2021
  • 4. III DEDICATÓRIA O presente trabalho é especialmente dedicado aos meus pais, Mateus e Rosalina Joaquim, pela educação, apoio constante e pelo investimento feito em mim. Sou quem sou por serem quem são.
  • 5. IV AGRADECIMENTOS Agradeço A Deus, pelas boas dádivas como a vida e a sabedoria; Ao Exmo. Dr. Carlos Sousa, por quem tive o privilégio de ser orientando, pela sua enorme paciência, disponibilidade e suas críticas construtivas, procurando a minha constante melhoria; À Direcção do Instituto Superior Politécnico - Tundavala (ISPT), por cuja visão tivemos a oportunidade de realizar o sonho de estudar Relações Internacionais (RI’s); Ao corpo docente do curso de Relações Internacionais, por meio de quem pudemos aprender e apreender variadíssimos conceitos, teorias e demais instrumentos úteis na compreensão das RI’s e na explicação dos seus fenómenos; Aos meus pais, irmãos e demais parentes, por cujos conselhos, apoio e provisão aqui chegamos; A todos os meus amigos, em geral, e colegas de curso, que com dedicação trilharam a dura senda do crescimento académico; Por não ser possível citar a cada um por nome, agradeço a todos os que de algum modo deram o seu contributo para a conclusão deste trabalho; O meu muito obrigado!
  • 6. V RESUMO O presente trabalho, elaborado no âmbito do curso de licenciatura em Relações Internacionais, visa colocar seu enfoque descritivo e analítico, à luz da Teoria da Dependência, sobre os factores que caracterizaram e determinaram a situação de dependência económica externa do Estado angolano dentro do período correspondente a 2002-2012. Por meio da Teoria da Dependência e baseando-se em vários indicadores sócio- económicos, podemos abordar de forma mais cabal o processo de crescimento da economia angolana no período de 2002-2012 e confirmar a razão do crescimento sem desenvolvimento, manifestado numa dependência produtiva, financeira e comercial, além dos altos índices de pobreza, desemprego e fome, fazendo o Estado angolano tornar-se tão dependente ao ponto de, apesar de tudo possuir, de tudo precisar. PALAVRAS-CHAVE: Dependência Externa, Teoria da Dependência, Estado angolano
  • 7. VI ABSTRACT The presente work, elaborated within the scope of the International Relations course, aims to place its descriptive and analytical approach, in the ligh of Dependency Theory, on the factors that characterized and determined the situation of external dependence of the angolan State within the period corresponding to 2002-2012. Trough Dependency Theory and based on various socio-economic indicators, we can more fully address the process of growth of the angolan economy in the period 2002-2012 and confirm the reason for growth without development, manifested in productive, financial and commercial dependence, beside the high levels of poverty, unemployment and famine, making the angolan State become so dependent that, despite having everything, it needs everything. KEY-WORDS: External Dependency, Dependency Theory, angolan State
  • 8. VII ÍNDICE DEDICATÓRIA........................................................................................................................iii AGRADECIMENTOS ..............................................................................................................iv ABSTRACT ..............................................................................................................................vi ÍNDICE.....................................................................................................................................vii LISTA DE GRÁFICOS.............................................................................................................ix LISTA DE QUADROS .............................................................................................................ix LISTA DE ABREVIATURAS...................................................................................................x INTRODUÇÃO..........................................................................................................................1 1. GÉNESE DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS ........................................................4 1.1 Paradigmas das Relações Internacionais e Debate Teórico.............................................4 1.1.1 Teorias Marxistas das Relações Internacionais........................................................5 1.2 Teoria da Dependência ....................................................................................................6 1.2.1 Precedentes Históricos .............................................................................................6 1.2.2 Surgimento, Tese e Principais Teóricos...................................................................8 1.3 Níveis de Análise da Teoria da Dependência ..............................................................9 2. CARACTERIZAÇÃO SÓCIO-ECONÓMICA DE ANGOLA....................................11 2.1 Potencialidades e Vulnerabilidades...............................................................................12 2.2 Colonização, nacionalismo e luta pela independência ..................................................12 2.3 Guerra Civil (1976-2002)..............................................................................................13 2.4 Desafios do novo século (XXI) .....................................................................................14 2.5 Política Externa (2002-2012).........................................................................................15 2.5.1 Acordos multilaterais e bilaterais...........................................................................15 2.5.2 Impacto dos acordos na Balança Comercial (BC) .................................................17 2.5.3 Impacto dos acordos no Investimento Directo Externo (IDE)...............................22
  • 9. VIII 2.6 Dinâmicas da economia angolana (2002-2012) ............................................................24 2.6.1 Produto Interno Bruto (PIB) ......................................................................................24 3. ANGOLA E A DEPENDÊNCIA EXTERNA ..............................................................29 3.1 Causas da Dependência Externa....................................................................................30 3.2 Consequências da Dependência Externa .......................................................................32 3.2.1 Dependência Produtiva ..........................................................................................32 3.2.2 Dependência Comercial .........................................................................................33 3.2.3 Dependência Financeira .........................................................................................34 3.3 Medidas para Mitigar a Dependência Externa ..............................................................35 CONCLUSÃO..........................................................................................................................38 BIBLIOGRAFIA......................................................................................................................39 ANEXOS
  • 10. IX LISTA DE GRÁFICOS Gráfico nº 1: Exportações angolanas por parceiros selecionados (2003-2012) .......................18 Gráfico nº 2: Estrutura das Exportações em 2012....................................................................18 Gráfico nº 3 – Comportamento das Importações (USD mil milhões)......................................19 Gráfico nº 4 – Estrutura das Importações (2012) .....................................................................20 Gráfico nº 5 – Principais Países de Procedência das Importações ...........................................21 Gráfico nº 6 - Investimento Directo Estrangeiro (USD mil milhões) ......................................23 Gráfico nº 7 – Correlação entre a taxa de crescimento do PIB (%) e o preço do barril do petróleo (USD)........................................................................................................................................25 Gráfico nº 8 - Evolução do PIB (USD mil milhões) ................................................................26 LISTA DE QUADROS Quadro nº 1 – Estrutura Sectorial do PIB angolano (2002-2012) ............................................27 Quadro nº 2 – Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) .....................................................29 Quadro nº 3 - Síntese dos Principais Produtos Transacionados em 2011 ................................33 Quadro nº 4 – Dívida Externa Angolana (USD mil milhões) ..................................................35
  • 11. X LISTA DE ABREVIATURAS ANIP Agência Nacional para o Investimento Privado BNA Banco Nacional de Angola Bpd Barris por dia CEIC Centro de Estudos e Investigação Científica CEPAL Comissão Económica dos Países da América Latina e o Caribe DIT Divisão Internacional do Trabalho EUA Estados Unidos da América FMI Fundo Monetário Internacional FNLA Frente Nacional de Libertação de Angola GATT Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio IDE Investimento Directo Estrangeiro INE Instituto Nacional de Estatística IPI Índice de Produção Industrial MPLA Movimento Popular de Libertação de Angola ODM Objectivos de Desenvolvimento do Milénio ONU Organização das Nações Unidas PIB Produto Interno Bruto PNUD Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento RI’s Relações Internacionais SADC Comunidade para o Desenvolvimento dos Países da África Austral SI Sistema Internacional SONANGOL Sociedade Nacional de Combustíveis de Angola UNCTAD Conferência das Nações Unidas sobre o Comércio e Desenvolvimento UNITA União Nacional para a Independência Total de Angola URSS União das Repúblicas Socialistas Soviéticas USD Dólar Americano
  • 12. 1 INTRODUÇÃO O presente trabalho tem como razão de ser a compreensão e análise dos factores responsáveis pela situação de dependência externa registada em Angola desde 2002 até 2012. Tal situação arrasta-se até aos dias actuais, mas o horizonte temporal para o estudo do tema foi reduzido a esse decênio para não incorrermos no risco de apresentar um trabalho enfadonho e de leitura cansativa, o que acabaria afectando a sua qualidade. Por essa razão, ao longo do trabalho notar-se-á que a maior parte dos verbos estarão no tempo verbal passado. A análise da temática da dependência externa de Angola de 2002 a 2012 e dos factores que a determinaram e caracterizavam será feita à luz da Teoria da Dependência devido ao facto de esta possuir um carácter descritivo e analítico que vai ao encontro dos objectivos que nos propomos a atingir. O fenómeno da dependência externa que se regista em Angola afecta directamente a vida social, económica e financeira do Estado e de cada cidadão angolano. A justificação para a escolha do tema está fundamentada neste facto e na necessidade de analisarmos profundamente o fenómeno, de modo a fazermos um levantamento das suas causas e consequências para os Estados periféricos, dos quais Angola faz parte. Objectivo Geral O objectivo geral do presente trabalho é analisar, à luz da Teoria da Dependência, a dependência económica externa do Estado angolano de 2002 a 2012. Objectivos Específicos Como objectivos específicos do presente trabalho, temos os seguintes: a) Analisar a dinâmica histórica e estrutural da economia do Estado angolano durante o decênio (2002-2012); b) Avaliar os indicadores económicos e sociais e o crescimento e desenvolvimento da economia angolana entre 2002 e 2012; c) Descrever as causas e as consequências da dependência económica externa do Estado angolano e apresentar sugestões de acordo à Teoria da Dependência.
  • 13. 2 Metodologia Quanto à sua natureza, o presente trabalho é uma pesquisa aplicada, por procurar gerar conhecimentos com finalidade prática sobre determinado fenómeno. Quanto aos objectivos, é uma pesquisa descritiva na medida em que procura descrever e interpretar factos. Quanto aos procedimentos técnicos, a pesquisa é bibliográfica, pois foi elaborada com base em material já publicado (livros, revistas, artigos científicos e teses). Estrutura e Organização do Trabalho A nossa pesquisa está estruturada em três capítulos. No primeiro capítulo é feita uma abordagem relativa à visão de certas escolas de pensamento sobre o Sistema Internacional (SI) e, posteriormente, apresentaremos o processo de construção do pensamento em volta da Teoria da Dependência, o contexto histórico em que surgiu, os seus principais autores e o seu impacto no estudo das Relações Internacionais (RI's). No segundo capítulo é feita a caracterização sócio-económica do Estado angolano, incluíndo suas potencialidades e vulnerabilidades, a sua política externa, a celebração dos acordos de cooperação bilateral e multilateral, o seu impacto na balança comercial angolana e no PIB, desde 2002 a 2012. No terceiro capítulo analisamos o fenómeno da dependência económica do Estado angolano fazendo a descrição das suas causas e das consequências sentidas e vividas a nível interno, assim como apresentaremos algumas sugestões sobre posssíveis formas de mitigar o fenômeno da dependência.
  • 14. CAPÍTULO I: HISTÓRIA E CONCEITOS DA TEORIA DA DEPENDÊNCIA
  • 15. 4 1. GÉNESE DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS Segundo Jubran & Valdez (2015), antes do surgimento das RI’s como campo de estudo, vários autores apresentaram obras que serviriam de base para o seu estudo e formulação de conceitos teóricos. Por exemplo, Nicolau Maquiavel (1469-1527), na sua obra «O Príncipe», defendia que os interesses políticos não se deveriam submeter aos valores morais. Estas ideias influenciaram o surgimento e consolidação das monarquias absolutistas europeias. Com a tentativa das monarquias e impérios europeus em alargar o seu poder disputando territórios, deu-se a Guerra dos Trinta Anos (1618-1648) que teve seu fim com a celebração dos Tratados de Vestefália (1648). A partir destes Tratados surgiram os primeiros Estados modernos e o Sistema Internacional, caracterizado na altura pelo equilíbrio de poder. Porém, a tentativa do expansionismo francês liderada por Napoleão Bonaparte impulsionou outra guerra (1792-1815). Após a sua derrota, ocorreu então o Congresso de Paz de Viena (1815) estabelecendo-se na Europa um período de paz que só foi interrompido pela Primeira Guerra Mundial (1914-18), que teve como factores latentes as tentativas de expansão territorial e controle dos recursos naturais de territórios situados além das fronteiras nacionais. Nesse contexto marcado por conflitos, começaram a ser feitas as primeiras observações teóricas sobre as relações e conflitos entre Estados, e surgiram as RI´s como ciência, em 1919, designada como “Cadeira Woodrow Wilson de Política Internacional” – em Aberystwyth, Universidade de Gales (EUA), como medida preventiva contra uma Segunda Guerra Mundial. 1.1 Paradigmas das Relações Internacionais e Debate Teórico Segundo Capenda (2018), a primeira teoria que se destacou no estudo das RI's foi o Idealismo. Em oposição a esta, surgiu a Teoria Realista (após a Segunda Guerra Mundial), com uma visão mais empírica das RI's. Ambas buscavam apresentar a sua visão funcionalista sobre o Sistema Internacional e sobre como se poderia evitar novos conflitos. Por apresentarem abordagens similares, as teorias das RI’s estão organizadas em três grupos específicos, denominados como paradigmas das RI's: a) Paradigma da Comunidade Interestadual, do qual fazem parte as teorias clássicas das RI´s (Teoria Realista e a Teoria Diplomático-Estratégica); b) Paradigma da Comunidade Universal (ou transnacional), no qual encontramos a Teoria Transnacionalista e a Teoria do Universalismo;
  • 16. 5 c) Paradigma da Comunidade Internacional Estratificada, ao qual associa-se a Teoria Marxista das RI’s e outras como a Teoria do Sistema Mundo e a Teoria da Dependência. Inicialmente, a discussão teórica nas RI’s teve como principais intervenientes os liberalistas e os realistas, pois foram os precursores no debate sobre fenómenos internacionais. A corrente idealista considerava que o SI1 é anárquico2 e que a criação de um código de Direito Universal, de uma instituição supranacional, de mecanismos de conciliação de interesses e a promoção do comércio mundial seriam as medidas apropriadas para se evitar novas guerras. A escola realista, com uma visão pessimista do Sistema Internacional, defendia que a anarquia potencializa a ocorrência de guerra, pois não há uma entidade supranacional que estabeleça limites à acção dos Estados, e atribuía ao uso da força e do poder a tarefa de encontrar equilíbrio a nível internacional e de evitar uma nova guerra (Jubran & Valdez, 2015) Além do Realismo e do Liberalismo, no campo das RI’s destacam-se visões alternativas que trazem luz ao estudo das relações entre Estados. É o caso das Teorias Marxistas das RI's, que possuem uma perspectiva estruturalista dos fenómenos internacionais (Capenda, 2018). 1.1.1 Teorias Marxistas das Relações Internacionais A Teoria Marxista das RI's defende que o SI é um sistema estratificado de dominação ideológica, política e económica, em que os Estados desenvolvidos exercem domínio sobre os Estados subdesenvolvidos. Os autores marxistas não partilham a visão dos liberalistas, pois, para eles, assim como para os realistas, uma cooperação mutuamente benéfica entre Estados é quase inalcançável, pois todos buscam seus próprios interesses económicos. Quanto à visão dos realistas sobre o SI anárquico, os marxistas defendem que, apesar de nele não haver uma entidade supranacional, o SI é estratificado, pois as relações internacionais são impulsionadas pelos interesses da classe dominante (Estados desenvolvidos) sobre a classe dominada (Estados subdesenvolvidos). Tais interesses traduzem-se na maximização dos seus lucros à custa da exploração da classe dominada. 1 Segundo Aron (1986), apud Hage (2013), por Sistema Internacional (SI) entende-se a maneira pela qual os Estados relacionam-se por meio da diplomacia e demais organizações internacionais, obedecendo a um centro aglutinador. Sob este prisma, quem coordena o SI são as grandes potências, por meio do poder político. 2 Em RI´s, entende-se por anarquia, não a existência de caos ou desorganização internacional, mas a ausência de uma entidade internacional superior aos Estados. Embora o SI seja anárquico, existe um conjunto de imposições, sanções e regras que norteiam o comportamento dos Estados dentro do mesmo (Jubran & Valdez, 2015);
  • 17. 6 O Marxismo trouxe o debate sobre o fenómeno da dependência em sua versão preliminar, no início do século XX, e várias escolas de pensamento, mais tarde, fundamentaram-se nas mesmas premissas marxistas. É o caso da Teoria da Dependência (Marini, 2013). 1.2Teoria da Dependência De acordo com Hage (2013), à primeira vista, a teoria da dependência não parece merecer partilhar um lugar de destaque no rol de teorias das RI’s. Os primeiros estudos sobre a dependência foram motivados por questões domésticas, tais como conflitos sociais, subdesenvolvimento e industrialização dos Estados da América Latina. Trata-se de uma teoria que apresenta razões históricas, sociais, políticas e económicas que concorrem para que Estados subdesenvolvidos, não obstante a constante acumulação de capital, estejam numa situação de permanente dependência dos Estados desenvolvidos e analisa as desigualdades políticas e económicas existentes entre ambos (dicotomia entre centro e periferia3 ). 1.2.1 Precedentes Históricos Segundo Dos Santos (1998), as duas guerras mundiais (1914-1918 e 1939-1945) e a crise de 1929 causaram grandes mudanças no SI. Na tentativa de se integrar a economia mundial, em Julho de 1944 ocorreu a Conferência de Bretton Woods, a partir da qual foram criadas instituições como o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT), entre outros. Neste período estava em curso a Guerra Fria entre Estados Unidos da América (EUA) e a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). Tentando conter o comunismo e a influência soviética no continente europeu, os EUA estabeleceram o Plano Marshall4 . Quanto aos problemas económicos da América Latina, os EUA afirmavam ser prioridade a reconstrução dos Estados europeus. Seguiram-se protestos dos Estados da América Latina. 3 Nas RI´s, periferia e centro, também denominados de Sul e Norte globais, são termos usados para designar os Estados subdesenvolvidos, emergentes ou em vias de desenvolvimento, situados na parte sul do Globo (países periféricos), e os Estados desenvolvidos ou industrializados (países centrais), situados na parte norte do Globo (Padilha e Oliveira, 2015). 4 Além de visar reconstruir a economia e infra-estruturas dos países europeus, o Plano Marshall visava impedir a difusão das doutrinas comunistas na Europa. Possuía, portanto, uma visão económica e outra geopolítica (Haffner, 1996, apud Pagliarini, 2014).
  • 18. 7 Sob este contexto de crises, críticas e protestos dos países latino-americanos, em 1948 surgiu a CEPAL (Comissão Económica para a América Latina e o Caribe) com o objectivo principal de estudar as possibilidades de industrialização da América Latina e com uma política de estímulo à industrialização nacional baseada no modelo de substituição de importações, aumento das tarifas e dos controles sobre a taxa de câmbio, a denominada Ideologia Cepalina. Segundo Prebisch (1976), que em 1949 redigiu uma obra que ficou conhecida como o «Manifesto Latino-Americano», o progresso técnico foi retido nos países do centro e os países periféricos passaram-lhes parte do seu próprio progresso técnico através do processo de deterioração dos termos de troca5 , causando a dependência. Os Estados subdesenvolvidos deviam assumir as rédeas da sua própria industrialização a fim de aumentar a produtividade e elevar progressivamente o nível de vida da população. Para isso, seria necessária a importação de bens necessários para produzir bens de consumo. A substituição das importações auxiliaria a indústria nacional e iria suprir os mercados constituídos por produtos até então importados, além de colocar sobre o Estado e sobre a burguesia nacional o dever de realizar políticas proteccionistas para restringir as importações (somente bens essenciais) e estimular a produção interna. No entanto, a ideologia cepalina, que visava a industrialização por substituição de importações, não foi suficiente para superar o subdesenvolvimento na América Latina, pois, segundo Bastos e Silva (1995) apud Plagliarini (2014, pp. 23-24), “(…) a industrialização ocorrida fez com que a importação de bens de consumo fosse substituída pela importação de bens de capital e de bens necessários para produzir bens de consumo, sem eliminar a dependência”. No momento de falha do modelo de desenvolvimento proposto pela CEPAL, alguns teóricos da década de 1960, inspirados pela visão Marxista, dariam uma contribuição intelectual que desafiaria o mainstream6 , e apresentariam sob novo enfoque o porquê da situação de pobreza crônica e dependência dos Estados periféricos. 5 Segundo Hage (2013), a deterioração dos termos de troca é um fenómeno da economia política que caracteriza as relações entre Estados subdesenvolvidos e desenvolvidos. Resultante da Divisão Internacional do Trabalho (DIT), sua lógica consiste em que enquanto os países do Norte exportam produtos industrializados, os do Sul vendem produtos primários. Como consequência, enquanto o Norte enriquece vendendo produtos com alto valor agregado, o Sul estagna vendendo bens primários. 6 Termo inglês que designa, entre outros, um movimento ou corrente dominante que goza de reconhecimento geral (http://www.significados.com.br./mainstream/[acessado aos 19/04/2021]).
  • 19. 8 1.2.2 Surgimento, Tese e Principais Teóricos De acordo com Dos Santos (1998, p. 1), “poucas vezes um produto gerado no mundo periférico teve uma repercussão tão ampla”. A Teoria da Dependência surgiu procurando demonstrar a cisão existente no SI (países ricos no Hemisfério Norte e países pobres no Hemisfério Sul), e explicar o porquê da preeminência político-económica do Centro sobre a Periferia, manifestada numa relação de dependência que resulta em subdesenvolvimento. O termo dependência remete-nos à existência e modo de funcionamento do sistema sócio-económico e político de um Estado periférico dentro do SI, bem como o efeito das relações entre este e os países centrais. Segundo Cardoso e Faleto (2010), por dependência económica externa compreende-se a conformação de uma estrutura produtiva nacional em função do mercado externo, que mantém os vínculos comerciais, produtivos e financeiros com a expansão internacional do capitalismo. A Teoria da Dependência tem como objecto de estudo os Estados que possuem uma estrutura económica definida em função de interesses que se encontram fora da nação e que por isso possuem padrões de desenvolvimento divergentes em relação ao padrão dos países centrais. Bresser Pereira (2010), divide em três correntes os teóricos da dependência: 1. A corrente do nacional-desenvolvimentismo ou estruturalista – tendo Luis Carlos Bresser-Pereira, Celso Furtado e Oswaldo Sunkel como principais teóricos; 2. A corrente marxista ou da super exploração capitalista - sendo Theotônio dos Santos, André Gunder Frank, Rui Mauro Marini e Vânia Bambirra os principais defensores; 3. E a corrente da dependência associada, representada por Enzo Faletto e Fernando Henrique Cardoso. A primeira vertente introduziu o aspecto cultural à análise do desenvolvimento. Para esta corrente, pode haver crescimento económico com produtos primários. Porém, o aumento de renda geralmente é apropriado por uma elite com padrões de consumo e formas de viver totalmente incompatíveis com a realidade do seu próprio país, aumentando o fosso de desigualdade interna do Estado que, apesar do crescimento económico, não desenvolve. O desenvolvimento seria possível se as elites estivessem guiadas pelos interesses nacionais e não por influência externa ou, em outras palavras, sempre que factores nacionais prevalecessem sobre os factores dependentes na definição de políticas e reformas.
  • 20. 9 Os autores da corrente marxista defendiam que as relações entre Centro e Periferia caracterizam-se pelo intercâmbio desigual. Os países em desenvolvimento não possuem os bens de equipamento para a produção de bens com alto valor agregado. A solução encontrada pela burguesia destes países foi a super exploração do trabalhador. Assim, em lugar de se aumentar a capacidade produtiva, aumentou-se a exploração da força de trabalho (Marini, 2013). A corrente da dependência associada defendia que a dependência não inviabilizaria o desenvolvimento. Pelo contrário, era viável do ponto de vista capitalista e traria crescimento económico. A participação do capital externo e das empresas multinacionais na industrialização aceleraria o desenvolvimento da indústria nacional, levaria ao crescimento económico, enquadraria a economia nacional no mercado mundial e traria a vantagem adicional de aumentar a renda interna (parte da mais-valia das multinacionais permaneceria no país). Bresser Pereira (2010) afirma que para todas as correntes a relação de dependência da periferia para com o centro é clara. Porém, enquanto que para a versão da super-exploração o desenvolvimento económico e social é quase impossível nesse cenário e para a versão associada só é possível mediante a subordinação ao centro, para a interpretação estruturalista o desenvolvimento seria possível se as elites buscassem promover os interesses nacionais. 1.3 Níveis de Análise da Teoria da Dependência A Teoria da Dependência interpreta o SI como uma pirâmide em que os países desenvolvidos e industriais exploram e dominam outros com menor capacidade económica por meio da divisão internacional do trabalho (DIT)7 . A estrutura económica internacional possui um papel essencial no desenvolvimento ou subdesenvolvimento dos Estados (Mattedi, 2002). Segundo Jubran & Valdez (2015), no estudo das RI's podem ser usados diferentes níveis de análise, de acordo ao foco da pesquisa, isto é, a primazia dos actores no estudo de determinado fenómeno. Para uma melhor compreensão, a dependência externa do Estado angolano (2002-2012) será abordada sob a óptica da escola da Teoria da Dependência a partir dos níveis estatal, supra estatal e do Sistema Internacional. 7 Segundo Cardoso e Faleto (2010), a DIT consiste numa estrutura mundial de relações de troca e produção em que os países periféricos inserem-se como exportadores de bens primários com baixo valor agregado, dependendo dos países centrais para o seu crescimento económico, enquanto os países centrais exportam para a periferia produtos de alto valor agregado, causando a denominada «deterioração dos termos de troca».
  • 21. CAPÍTULO II: DINÂMICAS ESTRUTURAIS DA ECONOMIA ANGOLANA (2002-2012)
  • 22. 11 2. CARACTERIZAÇÃO SÓCIO-ECONÓMICA DE ANGOLA Angola é um país da costa ocidental de África. Ocupa uma extensão territorial de 1.246.700 Km2 e está dividido em 18 províncias, sendo Luanda a sua capital. É limitado a Norte pela República do Congo e por uma parte da República Democrática do Congo; a leste, pela República da Zâmbia e por uma parte da República Democrática do Congo; a Sul, pela República da Namíbia e a Oeste, pelo Oceano Atlântico. Possui uma extensa costa litoral de 1.650 Km, banhada pelo Oceano Atlântico. Possui vários rios8 e vastas florestas, além de recursos minerais, sendo os mais explorados o petróleo e os diamantes, embora possua grandes jazidas de ferro, cobre, ouro, chumbo, zinco, manganês, volfrâmio, estanho e mesmo urânio. Segundo o PNUD (2013), em 2011, o Estado angolano possuía uma população estimada de 19,6 milhões de habitantes, com uma estrutura etária caracterizada pelo domínio de classes mais jovens, entre zero e trinta anos de idade, estando a sua maior parte na capital, Luanda, em Benguela, Huíla e Huambo. Angola sofreu quase três décadas de conflitos armados. Passado o período, finalmente celebrou o acordo de paz e iniciou o processo de reconstrução das infra-estruturas e da economia, embora com muitos altos e baixos. Recebendo apoios externos e arrecadando receitas mediante a exportação de commodities, de 2002 a 2012 a economia angolana cresceu de forma incomum. No entanto, tal crescimento, visto e reconhecido a nível externo, não se traduziu em desenvolvimento a nível interno. Pelo contrário, o Estado era marcado e afectado negativamente pela existência de poucas infra-estruturas industriais (e não só), altos índices de pobreza, desemprego, fome, altas taxas de inflação, além da dependência para com o exterior. Segundo Hage (2013), a Teoria da Dependência oferece uma nova compreensão do fenómeno da dependêndia dos países periféricos, por meio da análise do processo de construção e evolução do modelo de desenvolvimento seguidos por eles. O presente capítulo terá como foco especial a apresentação e análise das dinâmicas históricas, políticas e socieconómicas que tiveram lugar dentro do Estado angolano desde a independência até em 2012. 8 O rio Kwanza, que dá nome à moeda do país, é o maior de todos;
  • 23. 12 2.1Potencialidades e Vulnerabilidades Angola é um Estado com várias potencialidades. Segundo GRILO (2009), os recursos energéticos (petróleo, gás natural e energia hidroeléctrica) de Angola são estratégicos. Os recursos minerais constituem outra potencialidade, embora não totalmente conhecida. Estima- se que Angola alberga 35 dos 45 minérios mais importantes do comércio mundial9 . Outrossim, Angola possui uma extensa costa rica em recursos piscatórios. Possui também uma vasta rede florestal (em Cabinda encontramos a Floresta do Mayombe, que possui madeiras de alto valor económico), além de extensos hectares de terras aráveis. Os pontos turísticos extremamente belos são outra forte potencialidade que Angola possui. Quanto às vulnerabilidades, entre 2002 e 2012, uma das mais evidentes foi a sua forte dependência do petróleo. Além disso, as potencialidades garantidas pela mineração são reduzidas a vulnerabilidades devido à existência de poucas infra-estruturas necessárias ao seu transporte e de mão de obra interna especializada, tecnologias e capacidade de transformação. No âmbito da produção industrial e da agropecuária, possuía uma frota pesqueira envelhecida e rudimentar, além de insuficientes infra-estruturas de apoio à produção, escoamento, armazenamento e comercialização, e a ausência de maquinaria moderna, tornando a agricultura essencialmente de subsistência e causando insufieciência de recursos alimentares. 2.2Colonização, nacionalismo e luta pela independência Antes de se ter tornado independente, Angola era uma colónia portuguesa, sendo o negócio de escravos um dos pilares em que a economia assentava. Com a abolição do tráfico de escravos, a exportação de matérias primas e o sector agrícola passaram a ser os impulsores da economia da colónia, que quase não possuía infra-estruturas industriais. A partir de 1960, Portugal promoveu a industrialização das suas colónias, dando-se um crescimento económico exponencial de 1961 a 1973 (CEIC, 2016). No entanto, conforme conta Matrosse (2014), nas décadas de 1960-1970 a história da África Austral foi marcada pelo surgimento de vários movimentos de libertação. Em Angola destacaram-se a Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA), o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) e a União para Independência Total de Angola (UNITA). 9 Além do petróleo, gás e diamantes, inclui-se o ferro, ouro, rochas ornamentais, cobre, manganésio, entre outros.
  • 24. 13 Em 25 de Abril de 1974 deu-se a Revolução dos Cravos10 . O novo governo, encabeçado pelo General António Spínola, devido às pressões internas e internacionais, celebrou o “Acordo de Alvor”11 com os três movimentos. A proclamação do governo da República Popular de Angola no dia 11 de novembro de 1975 seria feita pelo único movimento que, após a batalha pelo controle da capital, encontrava-se instalado no interior de Luanda, o MPLA. A instabilidade social e a situação político-militar associada à Guerra Fria causaram a “fuga” de empresários, comerciantes, gestores e quadros técnicos, prejudicando sectores como a indústria e a agricultura. A nova nação não dispunha de recursos humanos qualificados. Deu- se uma quebra do ciclo de produção das culturas agrícolas e da indústria, exceptuando-se o petróleo, cujo preço nos mercados internacionais era consideravelmente alto. 2.3 Guerra Civil (1976-2002) À chegada do 11 de novembro, Angola encontrava-se numa situação sensível. A incompatibilidade entre os 3 movimentos responsáveis pela independência e os seus dirigentes causou um extenso conflito que seria agravado pelo contexto da Guerra Fria, pois os EUA e a URSS influenciariam directamente a guerra civil angolana prestando apoio aos partidos que seguiam suas inclinações ideológicas. Essa influência externa prolongou o conflito angolano, causando atrasos em todos os níveis. Em 1992 foram realizadas as primeiras eleições gerais multipartidárias12 . Após a rejeição dos resultados pela UNITA, viu-se outra vez adiada a possibilidade de uma paz efectiva, até que em fevereiro de 2002 Savimbi foi morto em combate no Moxico, o que permitiu um acordo formal de cessar-fogo, no dia 4 de abril de 2002 (Matrosse, 2014). Segundo Ganga (2019), a guerra civil angolana afectou sobremaneira o país em vários aspectos. No âmbito social, desestruturou famílias (muitos membros de famílias tiveram que cumprir o serviço militar obrigatório, alguns acabaram mortos na guerra, e ainda outros foram refugiar-se em outras partes do Globo), causando uma grande ruptura no tecido social. De acordo ao Centro de Estudos e Investigação Científica (CEIC, 2016), a economia angolana após a independência foi sofrendo uma retracção. Deu-se um processo de 10 Golpe de estado militar executado em Portugal pelo Movimento das Forças Armadas (MFA), que derrubou o regime salazarista, abrindo caminho para a independência das colónias. 11 Conferência realizada de 10 a 15 de janeiro de 1974, com o objectivo de definir as condições para a transferência do poder, as futuras eleições e o dia da independência. Participaram nela Portugal e os três movimentos; 12 Dezassete meses após a assinatura dos Acordos de Bicesse, nos dias 29 e 30 de Setembro de 1992;
  • 25. 14 desindustrialização que levou o país a uma dependência de importações em mais de 70%. As crescentes receitas petrolíferas não foram investidas em actividades geradoras de rendimentos, nem em sectores sociais como a saúde e a educação, mas sim nas despesas com a guerra, com subsídios a preços e às empresas estatais ineficientes. As finanças públicas passaram a depender das receitas petrolíferas e o investimento privado passou a ser dirigido exclusivamente para a extracção de petróleo. O sistema agrícola e das pescas, que poderiam servir de base para a prosperidade do Estado independente, também foi paralisado, pois mais de 10 milhões de minas terrestres espalhadas pelo território nacional impediam a livre circulação e o cultivo de quaisquer produtos, afectando comerciantes, agricultores e todos os demais sectores de produção. 2.4 Desafios do novo século (XXI) O início do século XXI foi marcado pela celebração do acordo de paz13 , dando-se o início da reconciliação nacional e da reconstrução das infra-estruturas do país. Nesta altura, a Guerra Fria havia terminado há mais de 10 anos. O MPLA, outrora apoiado pela URSS, após a “queda” do comunismo, em 1992 abdicou do socialismo monopartidário e optou pela democracia multipartidária. O sistema económico angolano também foi alterado. O modelo de economia planificada e dirigida pelo Estado foi substituído pelo sistema económico de mercado. A liberalização do comércio aprofundou o carácter extractivo da economia angolana e restringiu significativamente a diversificação das actividades económicas. Nessa altura o petróleo já era considerado como um sector estratégico para o país (UNCTAD, 2013). Augurava-se uma nova era, marcada pelo trabalho, ordem e progresso, a fim de colocar o país na corrida rumo ao desenvolvimento. Em termos de política externa, produção nacional, comércio externo, crescimento e desenvolvimento económicos, entre outros, o Estado conheceu várias mudanças. A análise destes aspectos confere-nos a possibilidade de ganharmos novas noções sobre as dinâmicas estruturais da economia angolana. 13 O acordo de paz em Angola foi celebrado aos 04 de Abril de 2002 (considerado como feriado nacional alusivo ao ¨Dia da Paz e da Reconciliação Nacional¨), após a morte de Jonas Malheiro Savimbi em Fevereiro do mesmo ano;
  • 26. 15 2.5 Política Externa (2002-2012) Segundo Santos (2012), a política externa é um conjunto de objectivos, processos, decisões e acções definidas por um Estado e desenvolvidas fora das suas fronteiras territoriais, desempenhadas por órgãos próprios através da utilização de instrumentos específicos. É considerada como uma continuação da política interna. Na actualidade ainda existem poucos trabalhos sobre a política externa de Angola. Porém, sabemos que do ponto de vista político e económico passou a estar orientada à divulgação da imagem do país a fim de promover um clima favorável ao investimento e ao aprofundamento das relações multilaterais e bilaterais, tendo em vista a cooperação mutuamente vantajosa, a reconstrução das suas infra-estruturas e o crescimento económico. 2.5.1 Acordos multilaterais e bilaterais Segundo o relatório da Conferência das Nações Unidas sobre o Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD, 2013), a nova política externa permitiu que entre 2002 a 2012 Angola estabelecesse diversos acordos económicos e políticos a nível multilateral e bilateral. Destacaremos apenas alguns: Fundo Monetário Internacional (FMI) As relações de Angola e o FMI datam de 1989, ano em que foi admitida como membro. Em 2000 comprometeu-se com o FMI por meio de programas e memorandos que visavam reforçar a sua credibilidade e receber assistência técnica e financeira. Apesar de certa discórdia entre ambos, a assistência do FMI contribuiu para o crescimento da economia angolana. Comunidade para o Desenvolvimento dos Países da África Austral (SADC) No plano regional, foi co-fundadora da SADC, tendo aderido, em 2003, ao Protocolo Comercial Regional que previa a criação de uma Área de Livre Comércio na África Austral. Apesar disso, a nível do comércio intra-regional, Angola continuou muito limitada e a maioria dos fluxos comerciais do país ocorreram nos mercados extra regionais. África do Sul Em 2007, Angola e África do Sul assinaram acordos de cooperação nos sectores do petróleo e turismo, bem como uma declaração de intenções no sentido de eliminar a obrigatoriedade de vistos. Realçam-se os interesses sul-africanos em Angola, em especial no
  • 27. 16 que concerne ao comércio diamantífero e à extracção petrolífera. A África do Sul permitia importações de serviços bancários, de consultoria, de saúde e educação, entre outros. Estados Unidos da América (EUA) Desde o fim da guerra civil angolana, a relação com os EUA intensificou-se. É inegável que Angola representa para os EUA uma alternativa no esforço de obtenção de recursos como petróleo e minérios. Segundo o Centro Brasileiro de Relações Internacionais - CEBRI (2002), apud Grilo (2009, p. 23),“(…) poucos países africanos são mais importantes para os EUA que Angola. O sucesso ou o fracasso de Angola, na passagem de quase trinta anos de guerra para a paz e democracia, sempre afectaram a estabilidade do abastecimento de petróleo dos EUA”. Os EUA absorvem uma considerável fatia do petróleo angolano. As duas empresas norte americanas – Chevron e Exxon Mobill- durante o tempo em estudo, lideravam as operações de extracção petrolífera em Angola, representando um conjunto de cerca de 50% dos impostos pagos no respectivo sector (Fernandes, 2015). Portugal Nas relações entre ambos destacou-se a participação portuguesa nos sectores petrolífero, de construção e na banca angolana. No sector dos petróleos destacaram-se as participações da Petrogal, a GALP e a Partex & Gás, detentoras de blocos petrolíferos, e no sector de construção destacavam-se empresas como a Mota Engil, Soares da Costa e Somague. Quanto ao sector bancário, sete dos dezanove bancos tinham participação de accionistas portugueses14 . Os investimentos empresariais angolanos em Portugal começaram após o ano 2000, embora de forma tímida, invertendo a tendência unilateral até então dominante. O exemplo mais mediático é o da Sonangol, investidora nos sectores da energia e da banca portuguesa. Espanha As relações estratégicas entre ambos não se limitava à cooperação e investimento económico. Apresentava-se em outros domínios, com incidência para os sectores do turismo, educação e construção civil, além de Espanha possuir interesses no sector das pescas e exercer actividades de cooperação na área da educação. Em 2006, por exemplo, o volume do comércio bilateral ascendeu a 571,8 milhões de euros. 14 Trata-se dos Banco de Fomento de Angola (BFA), onde os portugueses detinham 50,1%, o Banco Totta de Angola com 99,9%, Banco Millennium de Angola com 50,1%, Banco Espírito Santo Angola com 80%, Finibanco com 67, 5%, Banco Internacional de Crédito com 65% e Banco Privado do Atlântico com 10%.
  • 28. 17 França No período em estudo, a França foi o quinto maior investidor em Angola, com cerca de 8% do mercado. Os investidores concentravam-se no domínio da indústria petrolífera, onde atingiram pelo menos 10 mil milhões USD. Em 2008 disponibilizou uma linha de crédito de 300 milhões USD para financiar o comércio entre ambos. Os investimentos franceses também se dirigiam para outros sectores, como a indústria agro-alimentar e bens de consumo. República Popular da China A China reconheceu formalmente a independência de Angola em 1983. Após o conflito angolano, a cooperação entre ambos reorientou-se do domínio da defesa e segurança para uma base económica comum. A China, que viria a tornar-se o principal financiador do processo de reconstrução nacional, em 2004 concedeu os primeiros 2 mil milhões USD de empréstimo. Deu-se o começo de uma uma forma de assistência financeira que trazia anexada a si a compra de bens, a participação de empreiteiros chineses e o acesso chinês aos recursos naturais angolanos, especialmente o petróleo. A China tornou-se o destino mais importante das exportações angolanas de petróleo e segundo maior fornecedor de Angola, depois de Portugal. Em 2008 as linhas de crédito chinesas já ascendiam a mais de sete mil milhões USD. É notável que no momento em que o governo procurava parcerias externas sem opções excludentes para a reconstrução e desenvolvimento nacional, iniciava-se também o lançamento da política de expansão da China. As suas empresas privadas e estatais começaram a investir e a conceder empréstimos sem ter em conta os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio (ODM), mas tendo em vista apenas os seus interesses económicos (Bernardo, 2019). 2.5.2 Impacto dos acordos na Balança Comercial (BC) Segundo o INE (2015), entre 2002 e 2012 a Balança Comercial angolana foi fortemente influenciada pela exportação de produtos primários, especialmente o petróleo, que sempre esteve na base dos fortes superávites. Fruto dos acordos estabelecidos, o volume de exportações angolanas registou uma tendência crescente. A título de exemplo, em 2010, a China e os EUA foram responsáveis por 52,2% e 28,1%, respectivamente, do total exportado por Angola. Em 2012, com o petróleo correspondendo a mais de 95% das exportações, os 6 principais destinos das exportações angolanas eram a China, EUA, Índia, Taywan, Canadá e Portugal. Mais dados são apresentados no gráfico.
  • 29. 18 Gráfico nº 1: Exportações angolanas por parceiros selecionados (2003-2012) Fonte: (Banco Nacional de Angola, 2012) Quanto aos produtos mais exportados, de 2002 a 2012, o petróleo bruto foi o principal, com uma percentagem que jamais ficou abaixo dos 95%, seguindo-se a este a quase inexpressível percentagem da exportação de diamantes e outros, como vemos a título de exemplo no gráfico a seguir. Gráfico nº 2: Estrutura das Exportações em 2012 Fonte: (Banco Nacional de Angola, 2012)
  • 30. 19 De cerca de 900 mil barris por dia (bpd) em 2002, a produção do petróleo passou para 1,7 milhões de bpd em 2010. A maior parte das receitas do Estado provinham da actividade petrolífera e o saldo da balança comercial do país durante o decênio foi superavitário, determinado pelos níveis das cotações internacionais de petróleo. Em 2012, tendo o petróleo bruto como principal factor impulsionador do aumento das receitas, o valor total das exportações angolanas foi de USD 70.8 mil milhões. Fruto das desigualdades nas suas relações comerciais e devido à pouca diversificação da produção nacional, as importações, principalmente de bens, apresentavam uma taxa anual de crescimento muito elevada. A estabilidade do kwanza, a disponibilidade de moeda estrangeira proveniente das exportações (reservas líquidas internacionais) e o forte crescimento do PIB, permitiram o seu incremento, como é apresentado no gráfico abaixo. Gráfico nº 3 – Comportamento das Importações (USD mil milhões) Fonte: Centro de Estudos e Investigação Científica (CEIC), apud Paulo (2015); O agravamento da conta de serviços, que desde 2008 quase sempre esteve acima dos USD 20 mil milhões, resultou da evolução dos seus componentes, isto é, os serviços de transporte, viagem e seguros (devido fundamentalmente ao crescimento das importações); os serviços de comunicação associados às despesas inerentes ao uso do satélite de comunicações e outros serviços de negócios (essencialmente assistência técnica), causado pela considerável
  • 31. 20 escassez de mão-de-obra qualificada para operar equipamentos de alta tecnologia utilizados no sector da construção e, sobretudo, no sector petrolífero. Segundo Paulo (2015), as importações, em especial de bens, estavam presentes em toda a cadeia de valor da produção nacional. Presume-se, inclusivamente, que boa parte dos produtos rotulados de nacionais incorporavam matéria-prima importada. Dois factores causaram a redução das importações em 2009 e 2010: a fixação de quotas de importação para bens passíveis de serem produzidos internamente (apesar de não serem) e as dificuldades impostas pelo BNA. O forte crescimento da procura doméstica estimulou o aumento das importações. Tendo em vista a fraca capacidade produtiva nacional, em 2012, as importações de bens correspondiam a USD 28.9 mil milhões. Os bens de consumo corrente mais importados foram essencialmente os combustíveis e os bens alimentares (produtos da cesta básica), representando 58,3% do valor total das importações. Os bens de consumo intermédio representavam 12,1% das importações e os bens de capital, que viabilizam a diversificação económica, correspondiam a 29,6%, daí que grande quantidade dos alimentos consumidos no país eram importados (INE - Instituto Nacional de Estatística, 2013). Gráfico nº 4 – Estrutura das Importações (2012) Fonte: (Banco Nacional de Angola, 2012) Quanto aos principais parceiros comerciais e procedência da maior parte das importações angolanas, segundo o BNA (2012), em 2012 destacaram-se Portugal, Singapura e China, representando 16,4%, 11,2% e 9,2%, respectivamente, do valor total das importações,
  • 32. 21 seguidos por Holanda, Canadá, Coreia, Bélgica, EUA, entre outros. Em 2012 Angola foi considerada como o sétimo maior importador entre os Estados africanos15 . Gráfico nº 5 – Principais Países de Procedência das Importações Fonte: (Banco Nacional de Angola, 2012) O quadro político angolano do século XXI permitiu uma política externa pragmática sustentada pela paz e estabilidade sócio-política, que visava ganhar a confiança dos investidores e parceiros estratégicos16 . Por satisfazer as necessidades energéticas dos seus parceiros, o petróleo angolano passou a ser o principal produto de exportação e meio de liquidação de dívidas17 . Angola, por sua vez, passou a importar certos bens de equipamento (tractores e outras maquinarias), e principalmente os bens de consumo corrente (derivados do petróleo, alimentos e bebidas, vestuários, entre outros). A política externa abriu portas aos investidores estrangeiros, incluindo as multinacionais. Mas mais uma vez confirmou-se que “quando um sistema de produção capitalista penetra em estruturas económicas mais atrasadas, ele desenvolve primeiro os sectores e regiões mais rentáveis para os detentores de capital” (Guerra, 1975). 15 Disponível em http://www2.apexbrasil.com.br/media/estudo/PERFILANGOLADefinitivo_15012013100518 (consultado aos 23/11/2020) 16 http://www.embangola.at/dados.php?ref=rela%E7%F5 es-internacionais (acessado aos 01/09/2020); 17 Na sua relação com o Estado angolano, a China procurou dar o seu apoio na (re)construção de infra-estruturas destruídas pela guerra ou inexistentes. O governo angolano pagaria tais financiamentos com recursos naturais. Esta estratégia chinesa, denominada por “oil-for-infrastructure” (“petróleo pela infra-estrutura”, numa tradução livre), consistia num acordo de cooperação económica sino-africana (no caso específico, sino-angolana), em que a China financiava projectos de construção em troca de petróleo bruto (Bernardo, 2019, p. 28);
  • 33. 22 2.5.3 Impacto dos acordos no Investimento Directo Externo (IDE) Segundo Fernandes (2015), com a celebração do acordo de paz, Angola passou a necessitar de financiamento para a reconstrução nacional. No entanto, a comunidade internacional mostrou-se indisponível devido à imagem negativa do governo angolano a nível internacional e por este não se submeter às condições estabelecidas internacionalmente para a concessão de financiamentos e empréstimos. Nesta altura, o Estado estabeleceu um acordo de cooperação financeira com a China, que, como estabelece num dos seus princípios para a ajuda externa, “respeita rigorosamente a soberania dos países receptores, e nunca impõe quaisquer condições ou privilégios”18 . Tal cooperação teve como base a política ¨oil-for-infrastructure¨ condicionalidade de ajuda externa chinesa segundo a qual Angola forneceria petróleo como forma de pagamento. Outras condicionalidades: para a realização dos acordos de financiamento, cabia ao Governo chinês ou entidade financiadora indicar as empresas que realizariam os projectos estabelecidos; para cada projecto aprovado, 70% da mão-de-obra devia ser chinesa e 30% angolana; as empresas que realizariam os projectos no país deviam ser chinesas assim como os materiais utilizados nos projectos adjudicados a elas. Consequentemente: a) O financiamento chinês não promoveu a industrialização; restringiu o crescimento da indústria de construção nacional, tornando-a dependente de materiais de construção chineses devido à redução da importação destes ao resto do mundo. b) A cooperação Angola-China não reduziu a taxa de desemprego, devido à importação excessiva de mão-de-obra chinesa, impossibilitando, assim, a criação de mais postos de emprego para os nacionais e a redução da pobreza; c) Apesar de ter possibilitado a construção de infra-estruturas no país, o IDE chinês não trouxe consigo a transferência de tecnologia e know-how ao mais alto nível. d) A pouca qualidade das construções realizadas pelas empresas chinesas nota-se pelo facto de que muitas, com poucos anos desde a sua inauguração, já requerem manutenção antecipada; e) A maior parte dos acordos de cooperação sino-angolana e suas cláusulas não eram do conhecimento geral. Não se dava a conhecer as reais contrapartidas, o valor do financiamento e nem a forma de reembolso ou concessões. 18 Cfr. ANEXOS (Anexo 1);
  • 34. 23 Segundo o Centro de Estudos e Investigação Científica (CEIC, 2016), apesar de receber maior financiamento por parte da China, de 2002 a 2012, Angola recebeu uma média anual de cerca de USD 11,8 mil milhões na forma de IDE, um volume que seria maior se o ambiente de negócios fosse mais favorável, se os níveis de tráfico de influências e de corrupção fossem mais baixos e se as infra-estruturas fossem mais funcionais e tivessem maior qualidade. Gráfico nº 6 - Investimento Directo Estrangeiro (USD mil milhões) Fonte: BNA (2012), apud CEIC (2016) No gráfico que vemos acima confirmamos que empresários angolanos também investiam no estrangeiro. Desde 2005 o fluxo de saída do IDE foi maior que o de entrada, o que significa que houve mais investimentos de angolanos para o exterior do que de estrangeiros para o país. Entre 2002 a 2012 saíram cerca de USD 131,5 mil milhões e entraram cerca USD 122,5 mil milhões, resultando num IDE líquido com um saldo negativo em volta de USD 9 mil milhões. O sector petrolífero angolano foi a principal fonte de atracção de IDE, cerca de 80%, seguido pelos sectores da indústria, da construção civil, da agricultura, do comércio, dos transportes e dos sectores imobiliário e financeiro.
  • 35. 24 2.6 Dinâmicas da economia angolana (2002-2012) As actividades económicas de um Estado compreendem o sector primário (extracção de recursos naturais, agropecuária, pesca, exploração de florestas e minerais), sector secundário (indústria de reconstrução e de transformação, entre outros), e o sector terciário (inclui serviços como o comércio, hotelaria e turismo, transportes, comunicações, sector financeiro, entre outros). Relativamente ao sector primário da economia angolana, no ano de 2012 correspondeu a uma quota de 56,08% no PIB nacional. Angola tornou-se um dos principais produtores de petróleo; responsável por 2,1% da produção mundial, 4,8% da produção da OPEP, e 18,9% da produção do continente, chegou ao pico de sua produção no primeiro semestre de 2008, com uma produção de 2 milhões de barris/dia. Tornou-se também o quarto produtor mundial de diamantes, segundo produto mais exportado da economia. Em 2000 a sua exportação gerou USD 750 milhões, e em 2008 gerou mais de USD 2,5 bilhões. Quanto ao sector secundário, em 2012 equivalia a apenas 14,9% do PIB angolano: o sector de construção contribuía com 8,39% e a indústria transformadora equivalia a 6,5%. Segundo o Índice de Produção Industrial (IPI)19 , entre 2002 e 2012 houve fraca diversificação dos sectores não-petrolíferos, apesar de que entre 2008 a 2011 registou-se certo crescimento da indústria alimentar e de bebidas. Quanto ao sector terciário (comércio, actividades bancárias, seguradoras, correios e telecomunicações), em 2012 correspondia a 21,7% do PIB (Banco Nacional de Angola, 2012). 2.6.1 Produto Interno Bruto (PIB) Podemos dividir o PIB angolano em sector petrolífero, que corresponde a minerais líquidos como o petróleo, e sector não-petrolífero, onde se destaca a agropecuária, energia e águas, extracção de minérios, construção, indústria transformadora, serviços mercantis (comércio, transportes, telecomunicações, actividades bancárias, financeiras e seguradoras) e não-mercantis, fundamentalmente, a administração pública. 19 Índice que avalia a produção industrial de quatro sectores: as indústrias extractiva, transformadora, de distribuição de electricidade e de captação e distribuição de água.
  • 36. 25 De acordo ao CEIC (2017), o sector petrolífero contribuíu de tal maneira para o crescimento económico do país que, desde 2003, o PIB começou a registar um crescimento notável. Em 2012 a economia angolana seria considerada pelo FMI como a quinta maior de África (após a África do Sul, Nigéria, Egipto e Argélia), e como comprovaremos no gráfico abaixo, a taxa de crescimento do PIB sofreu certa influência do preço médio do barril de petróleo. Gráfico nº 7 – Correlação entre a taxa de crescimento do PIB (%) e o preço do barril do petróleo (USD) Fonte: (Centro de Estudos e Investigação Científica, 2017) O crescimento do PIB durante o decênio (2002-2012) pode ser dividido em duas partes: a) O período de 2002 a 2008, quando a procura mundial por petróleo, o seu preço médio e a sua venda no mercado internacional cresceram bastante, resultando em maior investimento público e crescimento médio de 10,2%; b) O período de 2009 a 2012, marcado pelos efeitos da crise financeira internacional, a diminuição do valor das exportações de petróleo (em 2008 correspondia a 65,3 mil milhões de dólares e em 2009 começou a descer para 40,1 mil milhões de dólares), pela diminuição do crescimento médio do PIB (3% em média anual) e a sua recuperação em 2012.
  • 37. 26 Gráfico nº 8 - Evolução do PIB (USD mil milhões) Fonte: (Banco Nacional de Angola, 2012) O gráfico acima confirma que nos anos em estudo, tendo o petróleo como principal commoditie, o PIB angolano foi registando um crescimento quase sempre crescente. Passou de USD 16,9 mil milhões em 2002 para USD 88,5 mil milhões em 2008. Em 2009 registou um abrandamento resultante da crise financeira mundial e em 2012 registou-se outro crescimento sem precedentes (USD 125,4 mil milhões), graças ao apoio do FMI e à subida do preço médio do barril de petróleo. A alta dependência do Estado angolano relativamente ao sector petrolífero foi confirmada no decênio em estudo. O petróleo representava sensivelmente 98% das exportações, era a principal fonte de atracção de IDE e assegurava cerca de 80% das receitas fiscais. O valor do PIB sempre esteve directamente associado ao sector petrolífero, pois quanto mais alto fosse o preço internacional do petróleo, maior era o seu valor, resultando numa economia dependente das receitas resultantes da exportação do petróleo bruto e, portanto, da procura externa deste. A forte dependência económica externa do Estado angolano também é evidente na repartição sectorial do PIB, reportado no quadro a seguir.
  • 38. 27 Quadro nº 1 – Estrutura Sectorial do PIB angolano (2002-2012) 2002-2009 2010-2012 Agricultura, caça, silvicultura e pesca 7.9% 9.7% Indústria 68.1% 62.7% Indústria Extractiva 59.5% 48.6% Indústria Transformadora 4.3% 6.2% Construção 4.3% 7.9% Serviços 23.9% 27.6% Comércio por grosso e a retalho, restauração e alojamento 12.5% 15.4% Transporte, armazenagem e comunicações 3.8% 4.7% Outros serviços 7.7% 7.5% Total 100% 100% Fonte: (UNCTAD, 2013) Como demonstra o quadro acima, apesar dos sectores que se revelaram dinâmicos e contribuíram para o PIB (a construção, a indústria transformadora e os serviços mercantis de comércio, transporte e comunicações), durante os anos em estudo, a actividade produtiva da indústria extractiva e enérgetica sempre representou a maior percentagem do PIB angolano. Devido à sua marcante dependência das exportações de recursos naturais, o país tornou- se altamente vulnerável, pois os sectores extrativos – em particular petróleo e gás – promovem uma integração muito limitada da economia nacional e sua contribuição para a geração de empregos é mínima, além de que o uso inadequado das receitas provenientes destes recursos impediu o desenvolvimento, como comprovaremos no próximo capítulo.
  • 39. CAPÍTULO III: DEPENDÊNCIA EXTERNA. CAUSAS E CONSEQUÊNCIAS DO SUBDESENVOLVIMENTO.
  • 40. 29 3. ANGOLA E A DEPENDÊNCIA EXTERNA Conforme abordamos no primeiro capítulo, o termo dependência pressupõe a existência e modo de funcionamento do sistema sócio-económico e político de um Estado periférico dentro do SI. Cardoso e Faleto (1996), consideram como dependência económica a situação em que uma estrutura produtiva nacional mantém vínculos comerciais, produtivos e financeiros com o capitalismo internacional e conforma-se a este, procurando atender à procura do mercado internacional, que geralmente resulta em subdesenvolvimento. Segundo o PNUD (2013), em 2004, 68% da população angolana era pobre, dos quais 26% viviam abaixo da linha da pobreza. Em 2009, a incidência da pobreza baixou. No entanto, 36,6% da população continuava vivendo abaixo da linha da pobreza nacional (4.973 kwanzas ao mês), sendo que a maior parte localizava-se nas zonas rurais, embora também houvesse um número considerável nas zonas urbanas. A taxa de desemprego era superior a 30% e a taxa de analfabetismo era de 34%. Quanto ao acesso aos serviços básicos pela população urbana, em 2010, 66,3% tinha acesso à electricidade, 59% tinha acesso à água potável e 84,6% tinha acesso ao saneamento. Quanto à população rural, apenas 22,8% tinha acesso à água potável, 8,6% tinha acesso à electricidade e 31,1% tinha acesso ao saneamento. A esperança média de vida era de 47 anos de vida para mulheres e 44 anos para homens. Quadro nº 2 – Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) Ano 2002-2003 2004-2008 2009 2010 2011 2012 IDH 0,383 0,490 0,497 0,504 0,521 0,524 Fonte: (PNUD, 2013) No período em estudo, o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de Angola jamais alcançou os 0,55 pontos necessários para que um Estado seja considerado como de índice médio de desenvolvimento humano. No quadro acima confirmamos que apesar de ser um Estado com um rendimento médio tendo em conta a riqueza gerada, Angola apresentava um baixo índice de desenvolvimento humano. O Estado angolano foi considerado pelo Africa Progress Report (2013), apud CEIC (2017) como um exemplo que ilustra claramente a divergência entre as riquezas naturais e o
  • 41. 30 bem estar social, detendo um dos padrões mais desiguais de distribuição do rendimento a nível de África. A actividade das instituições do Estado escondia-se atrás de um sistema financeiro opaco que não cumpria as regras mínimas de transparência e boa governação, além de que beneficiava figuras públicas ou políticas, confirmando que o sistema financeiro achava-se configurado para servir uma pequena elite. Os indicadores descritos no quadro anterior confirmam o facto típico nos países em vias de desenvolvimento: o crescimento económico não se reflectiu sobre o desenvolvimento económico nacional, visto por meio da justa divisão das receitas, melhoria do bem-estar da população por meio do fornecimento de meios de subsistência como a alimentação, a habitação, a protecção social, os cuidados de saúde e a qualidade e a oferta de serviços como a educação. Desta forma, vê-se que o subdesenvolvimento é o principal rosto do fenómeno que marcou e ainda marca a realidade do Estado angolano – a dependência económica externa – e vários teóricos da dependência apresentam as causas desse quadro nos países periféricos. 3.1 Causas da Dependência Externa Segundo Furtado (2009) apud Sigaúque (2017), o processo de desenvolvimento dos Estados posssui quatro dimensões: a acumulação de capital, não só os meios financeiros, mas as infra-estruturas, isto é, as vias de comunicação, centrais elétricas e indústrias; o progresso tecnólogico, isto é, as técnicas sofisticadas de exploração, de transformação e de produção; o capital humano, ou seja, a formação técnico-científica qualificada; e os recursos naturais, que incluem as terras aráveis, minérios, recursos hídricos, florestas, petróleo e gás, entre outros. A acumulação de capital acompanha todas as formas de desenvolvimento autónomo e o progresso tecnológico aplicado na exploração, produção e transformação de recursos naturais resulta no aumento da produtividade por intermédio do capital humano altamente qualificado. No entanto, enquanto que no desenvolvimento autónomo o investimento no capital humano e o progresso tecnológico apresentam-se como factores primários, seguido pela acumulação de capital e resultando em satisfação da demanda externa, no desenvolvimento dependente, caso do Estado angolano, inversamente, satisfaz-se a demanda externa (exportações), resultando em acumulação de capital que, em vez de ser usado para o progresso tecnológico, acaba sendo maioritariamente para benefício da elite nacional. Apesar de possuir diversos recursos naturais com potencial para promover o desenvolvimento socieconómico, devido à escassez de capital e ausência de tecnologia para
  • 42. 31 estimular o processo produtivo, o Estado angolano não dispunha de meios para proceder às transformações necessárias para o desenvolvimento sustentável. A estrutura do comércio mundial também causou a dependência externa angolana. Devido à DIT, o Estado angolano apresentava-se no sistema económico internacional como exportador de bens primários (matérias primas e produtos energéticos), e comprador de bens industrializados com alto valor agregado. Este consumo exagerado de bens e serviços importados constituiu um freio ao desenvolvimento. Na ótica de Bambirra (2015), a dependência resulta também do modo de funcionamento das empresas multinacionais que operam nos sectores-chave da economias perifiéricas: direccionam a maior parte dos execedentes económicos gerados para fora do Estado onde operam. Além disso, os empréstimos e o IDE de certa maneira limitam o crescimento económico, uma vez que a receita gerada pelo país passa a ser utilizada para o serviço de pagamento da dívida externa. Além disso, na realidade angolana confirmamos que grande parte do IDE e do capital resultante das exportações não foram usados para o progresso tecnológico, para a diversificação da economia e nem para o desenvolvimento do capital humano. Apesar de não termos números oficiais sobre em quanto a corrupção e a falta de transparência e rigor na gestão das receitas afectaram o desenvolvimento do Estado e a melhoria do bem estar social, sempre houve uma contradição entre o crescimento económico e a vertente social, devido à desigualdade na distribuição da renda nacional e desvios contínuos das receitas dos cofres do Estado. A insuficiência de infra-estruturas, o endividamento crônico, a subordinação tecnológica, a realização de diversas actividades extractivas e produtivas por empresas estrangeiras, o fraco investimento no sector não-petrolífero e a alta dependência das exporta- ções de bens primários tornou-nos excessivamente vulneráveis às oscilações do mercado externo, o que impediu o desenvolvimento económico e resultou no estado de dependência económica, tanto a nível produtivo, comercial e financeiro em que o Estado está imerso.
  • 43. 32 3.2 Consequências da Dependência Externa 3.2.1 Dependência Produtiva De 2002 a 2012, o sector industrial angolano possuía um papel quase inexpressivo na produção interna (correspondia a menos de 7% do PIB, enquanto que no tempo colonial só a indústria de transformação chegou a corresponder a mais de 20% do PIB). O IPI confirmava a fraca diversificação industrial para os sectores não-petrolíferos. Apesar dos recursos naturais que possui, devido à ausência de infra-estruturas, tecnologia avançada e investimento necessário para impulsionar o processo produtivo, o Estado angolano não efectuou as transformações necessárias na sua estrutura produtiva que promovessem um desenvolvimento próprio e sustentado. Por essa razão, as empresas multinacionais estrangeiras, ao investirem de forma intensiva em capital e tecnologia em sectores da indústria extractiva, instalaram unidades produtivas tendo maioritariamente estrangeiros como mão de obra especializada. Além disso, devido à reduzida capacidade de produção nacional, estima-se que em 2012 68% das empresas angolanas dependiam de insumos importados. A política angolana de investimentos concedia isenção tarifária para bens de investimento importados, tais como insumos necessários à produção e a aquisição de equipamentos, o que provocou a elevação do volume de importações, uma clara evidência de dependênia produtiva (UNCTAD, 2013). Como acontece nos países dependentes, não criamos a nossa própria demanda, atendemos a demanda externa dos países centrais e emergentes (o sector petrolífero foi o que recebeu maior volume de capital externo). A dinâmica dos preços de matérias-primas no mercado mundial e a evolução das exportações nacionais sempre estiveram intimamente ligadas, influenciando o aumento ou redução do valor das exportações. O estado frágil da economia nacional, resultante da fraca diversificação da economia, a descida dos preços de matérias-primas no mercado mundial, a falta de infra-estruturas adequadas e a produtividade interna assustadoramente ociosa propiciaram um quadro de clara dependência produtiva que fez da nossa economia prisioneira dos principais centros, fazendo de nós dependentes da produção de outros Estados e de agentes de extracção estrangeiros para a produção interna de nossos bens, sendo a maior parte deles bens primários.
  • 44. 33 3.2.2 Dependência Comercial A composição das exportações angolanas entre 2002 e 2012 mostra que a mesma foi constituída por produtos primários não transformados. Tal premissa vai ao encontro do argumento de Marini (2000, p. 117) apud Sigaúque (2017) quando afirma que “as economias dependentes especializam-se em fornecer matérias primas para as economias desenvolvidas” e expandem as suas exportações a preços sempre compensadores para os países desenvolvidos. Por exemplo, no quadro abaixo oberva-se que a pauta de exportações do país em 2011 foi altamente concentrada, composta maioritariamente por combustíveis. Por sua vez, as importações eram compostas por produtos agrícolas, máquinas, equipamentos, meios de transporte, metais, entre outros como produtos da cesta básica, calçados, vestuário e químicos. Quadro nº 3 - Síntese dos Principais Produtos Transacionados em 2011 Exportações/Sector % Importações/Sector % Combustíveis e óleos minerais 98,9 Máquinas e aparelhos mecânicos 16,6 Pedras e metais preciosos 0,8 Máquinas e aparelhos elétricos 8,7 Máquinas e aparelhos mecânicos 0,1 Obras de ferro fundido (aço) 7.0 Sal, enxofre, terras e pedras 0,1 Veículos automóveis e partes 6.0 Combustíveis e óleos mineirais 5.1 Carnes e miudezas comestíveis 4.5 Outros 0,1 Outros 52.1 Fonte: (Instituto Nacional de Estatística, 2013)20 O aumento dos preços mundiais de commodities sempre impulsionou de forma positiva as exportações totais do país. Entretanto, quando se verificou uma queda nos preços das matérias-primas a balança comercial foi a mais afectada negativamente, o que confirmou a volatilidade do preço do petróleo. Segundo o CEIC (2013), o subdesenvolvimento rural manifestado pela existência de uma agricultura de subsistência e ausência de uma agricultura comercial, a dependência das 20 Confirmar em Anexo II;
  • 45. 34 receitas provenientes do petróleo e gás natural, o fraco investimento na indústria (causador de subdesenvolvimento industrial), e a importação maioritária de bens de consumo corrente em detrimento dos bens intermédios e de capitais caracterizou o decênio 2002-2012. Estes factores desempenharam um papel decisivo no quadro de dependência comercial, visto que a maior parte dos bens eram e de certa maneira continuam sendo importados, causando a degradação do poder de compra devido à variação da taxa de câmbio que afecta o nível geral de preços, causando a inflação, fomentando o desemprego, desincentivando o investimento externo e interno e acentuando as desigualdades na distribuição da renda nacional. A fraca produção interna, a pauta de exportação altamente concentrada e o elevado nível de importações tornaram os níveis de vida extremamente caros, dando-se um quadro de dependência comercial. 3.2.3 Dependência Financeira Segundo Sigaúque (2017), o processo de globalização económica e financeira que teve início na década de 1980 causou a expansão do capital produtivo dos centros de produção capitalista. Estes avanços do processo de globalização também afectaram negativamente as economias periféricas, tornando-as prisioneiras do capital financeiro internacional. As economias dependentes relativamente aos centros de acumulação capitalista mundial concentram a sua pauta de exportações a preços compensadores para os países centrais enquanto atraem recursos externos na forma de IDE, impactando negativamente a estrutura da dívida externa, o que permite dar continuidade ao processo de acumulação capitalista. Entre 2002 e 2012 os maiores empréstimos do Estado angolano foram créditos bilaterais contraídos da China, os quais tinham como contrapartida o petróleo e foram efectuados por meio do Banco de Exportações e Importações da China, do Banco Comercial e Industrial da China e do Banco de Desenvolvimento da China. Com foi dito anteriormente, entre 2002 a 2012 e em termos acumulados, o país recebeu cerca de USD 122,5 mil milhões em forma de IDE, uma média anual de USD 11,8 mil milhões, além dos empréstimos e apoios em menor escala levados a cabo pelo FMI e o Banco Mundial (Centro de Estudos e Investigação Científica - CEIC, 2016). A estrutura do IDE esteve maioritariamente concentrada no sector primário, da indústria extractiva e da construção civil, não resultando em transformação estrutural a nível da rede industrial nacional. O IDE tende a responder aos interesses de outras economias. O contributo
  • 46. 35 das multinacionais no PIB foi menor, facto que confirmou o carácter potencialmente descapitalizador do capital produtivo internacional quando em contacto com economias mais frágeis. Angola manteve uma relação de dependência financeira para com o exterior, mas as linhas de crédito ou financiamento não ajudaram como era de esperar. Além disso, boa parte das receitas era e é destinada ao pagamento do serviço da dívida externa, que possuía valores geralmente acima de um dígito, como está demonstrado no quadro a seguir. Quadro nº 4 – Dívida Externa Angolana (USD mil milhões) Ano 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 USD mil milhões 10,4 9,9 9,16 10,4 9,4 11,2 8,36 7,62 16,5 17,9 18,6 Fonte: Dívida Externa Angolana (USD mil milhões) – Index mundi (2011) 3.3 Medidas para Mitigar a Dependência Externa Segundo o CEIC (2016), o crescimento a longo prazo, a criação de emprego e a redução da pobreza dependem de uma estrutura de produção e exportação industrial competitiva e cada vez mais diversificada e sofisticada. Hoje, mais do que nunca, é imperativo que haja uma diversificação das exportações e aumento da produção nacional. Isto ocorreria por meio do desenvolvimento industrial, o investimento no sector agropecuário e pelo apoio aos empresários, facilitando-se o acesso destes aos financiamentos, para que se balanceie a quota do mercado interno, dominada por chineses, portugueses, brasileiros, libaneses e outros estrangeiros. A agricultura de subsistência e fornecedora de produtos primários precisa de ser substituída por uma agricultura mecanizada. Para tal, o Estado deve investir de forma contínua e comprometida neste sector estratégico, pois a insuficiência de recursos alimentares resulta das deficientes infra-estruturas e maquinaria de apoio à produção, escoamento, armazenamento de produtos agropecuários. Para que as medidas promovidas pelo Executivo no sentido de diversificar a economia invertam a situação de dependência, é necessário que seja seguido um conjunto de condições de competitividade que o país ainda não apresenta totalmente, isto é, elevada produtividade dos
  • 47. 36 factores de produção, infra-estruturas de qualidade, energia e água em grande quantidade, qualificação do capital humano e empresarial, incentivo ao investimento privado, nacional e estrangeiro, transparência e boa governação. As condições gerais para a reindustrialização e diversificação económica exigem organização, disciplina, planeamento estratégico, capital cultural, capital humano e recursos tecnológicos, razão pela qual defendemos que a educação técnico-científica e a formação profissional devem ser mais rigidamente promovidas. A aposta num sector privado justo e competitivo poderia impulsionar a redução da pobreza, a industrialização da economia e a criação de empregos, colocando o foco na exploração, transformação e exportação de recursos não petrolíferos, muitos dos quais eram produzidos no tempo colonial, mas cuja produtividade caiu de forma abrupta devido à falta de investimento em sectores como o da agropecuária, dos minérios e da indústria. A forte dependência das receitas resultantes dos recursos petrolíferos e minerais não transformados fragiliza a economia pelo facto de serem recursos finitos e extremamente voláteis, razão pela qual defendemos o investimento em infra-estruturas necessárias à sua exploração e transformação, o que poderia permitir a produção de combustíveis e produtos derivados, rochas ornamentais e não só, criando um número significativo de postos de trabalho. Outro sector “adormecido” que poderia alavancar a economia é o turismo, tendo em conta o facto de Angola possuir pontos turísticos que são verdadeiros cartões postais e próprios para a prática de diversos tipos de turismo. Para tal, devia apostar-se na melhoria de infra- estruturas como as vias de acesso, a rede hoteleira, a distribuição de água potável e eletricidade, saneamento básico, controlo da inflação e mesmo a segurança interna. Também é necessário que se melhore continuamente o ambiente de negócios a fim de atrair mais investimento estrangeiro. Porém, mais do que isso, é necessário que a maior parte dos investimentos sejam direccionados a sectores estratégicos como a agropecuária, a indústria transformadora e demais serviços como o turismo, além da necessidade de se pautar pelos princípios da transparência, da prestação de contas, em resumo, da boa governação. É necessário que os investimentos sejam canalizados com maior eficácia, promovendo a integração dos jovens, que são a população activa, formulando políticas que promovam o emprego e combatam as desigualdades sociais excessivas no país.
  • 48. 37 Os factores externos tiveram um papel importante na dependência externa, mas também havia uma estrutura política interna de certa maneira corrompida. O capital externo aproveita estas fragilidades internas para se afirmar e explorar de forma agressiva os recursos nacionais. Desta forma, há que se ter uma atitude forte, de sentido de Estado, que responda aos interesses internos para contrapor a ofensiva do capital financeiro internacional (Sigaúque, 2017). Quanto maior for a capacidade de produção nacional e, consequentemente, a diversificação da pauta de exportações, maior será a nossa capacidade de resistência aos ciclos irregulares da economia. Se assim não for, continuaremos a ser uma nação “vivendo o paradoxo de tudo ter e de tudo precisar” (Grilo, 2009, p. 17).
  • 49. 38 CONCLUSÃO O objectivo do presente trabalho visava a clarificação das razões que estão na base do fenómeno da dependência económica externa angolana, sendo a Teoria da Dependência o instrumento usado para melhor compreensão desta realidade. A dependência ainda é a característica principal do subdesenvolvimento de Estados periféricos como Angola. Concluímos que, com base na sua dinâmica histórica e estrutural, e nos indicadores económicos, entre 2002 e 2012, a economia angolana apresentou-se como fortemente dependente do petróleo, dependendo da procura externa deste e dos financiamentos de parceiros (principalmente da China) para crescer economicamente. Devido à fraca diversificação dos sectores não-petrolíferos e reduzido investimento em infra-estruturas, deu-se um quadro de dependência externa no sentido produtivo, financeiro e comercial. Várias foram as causas responsáveis pelo fenómeno da dependência externa de Angola. Não foram levadas em conta as quatro dimensões que garantem o desenvolvimento autónomo de um Estado (a acumulação de capital, o progresso tecnológico, a qualidade do capital humano e os recursos naturais). Esta realidade, associada à má gestão das receitas principalmente petrolíferas, esteve na base do quadro de dependência, pois, apesar do crescimento económico, o Estado angolano não desenvolveu. O Estado angolano teve a oportunidade de diversificar a sua economia a custos reduzidos. Mas a confiança excessiva nas suas poucas commodities e o fraco investimento em sectores estratégicos fez com que fosse surpreendida quando a economia começou a registar uma recessão devido à queda do preço do barril de petróleo no mercado internacional. Os erros cometidos no princípio de qualquer construção têm resultados fatais. Assim ocorreu na formação do Estado angolano, embora ainda seja possível melhorar o que está bem e corrigir o que estiver mal, não como uma forma de promover ideologias partidárias ou movimentos políticos em detrimento de outros, mas visando a melhoria da qualidade de vida de cada cidadão por meio da promoção do desenvolvimento sustentável, da redução da fome e da pobreza, da criação de postos de emprego, da governação transparente, aberta e inclusiva, do desenvolvimento do capital humano, da expansão da capacidade produtiva nacional e por meio da diversificação da pauta de exportações.
  • 50. 39 BIBLIOGRAFIA Agostinho, F. P. (2011). Guerra em Angola - as heranças da luta da libertação e a Guerra Civil. Lisboa. Banco Nacional de Angola. (2012). Relatório da Balança de Pagamentos e da Posição de Investimento Internacional de 2012. Luanda. Banco Nacional de Angola. (2012). Relatório e Contas. Luanda. Obtido de http://www.bna.ao (acessado aos 22 de Agosto de 2021). Bernardo, A. W. (2019). Cooperação Bilateral Angola e China: Mitos e Verdades. Lisboa: Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias. Bielschowsky, O. R. (2000). Cinquenta anos de pensamento na CEPAL (Vol. 2). São Paulo: Editora Record. Bresser Pereira, L. C. (Julho/Dezembro de 2010). As três interpretações da Dependência. Perspectivas, v. 38, pp. 17-48. Capenda, D. M. (2018). Texto de Apoio de Teoria da Relações Internacionais. Curso de Licenciatura em Relações Internacionais. Lubango, Angola: Instituto Superior Politécnico - Tundavala (ISPT). Cardoso & Faletto, F. H. (2010). Dependência e Desenvolvimento na América Latina - Ensaio de interpretação sociológica (9ª edição revista ed.). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. Centro Estudos e Investigação Científica da Universidade Católica de Angola (CEIC/UAN). (2013). Relatório Económico de Angola. Luanda: Textos Editores. Centro de Estudos e Investigação Científica - CEIC. (2016). Estudos sobre a Diversificação da Economia Agolana (1ª ed.). Universidade Católica de Angola, Luanda. Centro de Estudos e Investigação Científica. (2017). Relatório Económico de Angola - 2016. Universidade Católica de Angola, Luanda. Cepik, M. (2018). Relações Internacionais: conceitos, actores, processos, instituições e teorias (2ª Edição ed.). Brasil: Agência Brasileira de Inteligência. Dos Santos, T. (1998). A Teoria da Dependência: Balanços e Perspectivas. Niterói.
  • 51. 40 Fernandes, S. d. (2015). Os acordos de financiamento entre a China e Angola: uma reconstrução pós-conflito sem reformas políticas. Lisboa: Instituto Universitário de Lisboa. Ganga, A. M. (2019). A Geopolítica do Petróleo Angolano e a sua Inserção na Relação Sino- Angolana. Lisboa: Universidade Autónoma de Lisboa. Grilo, A. M. (2009). A Geopolítica de Angola - dinâmicas de afirmação num quadro regional. Instituto de Estudos Superiores Militares. Lisboa. Grupo do Banco Africano de Desenvolvimento. (2012). Ambiente do Investimento Privado em Angola. Guerra, H. L. (1975). Angola Estrutura Económica e Classes Sociais: Os Últimos Anos do Colonialismo Português em Angola. Lisboa: Edições 70. Hage, José Alexandre A. (2013). A Teoria da Dependência: Uma Contribuição aos Estudos das Relações Internacionais. Revista Política Hoje, Vol. 22(n. 1). INE - Instituto Nacional de Estatística. (2013). Anuário de Estatísticas de Comércio Externo 2012. Luanda: INE. Instituto Nacional de Estatística. (Julho de 2015). Anuário Estatístico de Angola - 2012. (I. N. Estatística, Ed.) Luanda, Angola. Obtido de http://www.ine.gov.ao (acessado aos 15 de Julho de 2021). Jubran, B. M., & Valdez, R. F. (Junho de 2015). Relações Internacionais: Conceitos Básicos e Aspectos Teóricos. Porto Alegre. Kunietama, H. N. (2014). O Impacto do Investimento Direto Estrangeiro no Crescimento Económico de Angola. Porto: Instituto Superior de Contabilidade e Adminstração do Porto (ISCAP). Marini, c. R. (2013). Desenvolvimento e Dependência. Brasília: Instituto de Pesquisa Económica Aplicada (ipea). Matrosse, D. (2014). Memórias (2ª Edição Revista ed., Vols. Volume 1 (1961-1971)). Luanda: Texto Editores. Mattedi, C. R. (Setembro de 2002). Uma análise crítica da teoria da dependência: a noção de progresso e o papel das instituições formais e informais. Política & Sociedade(Nº 01).
  • 52. 41 Padilha e Oliveira, B. M. (02 de Julho-Dezembro de 2015). Centro e Periferia sob a óptica pós- moderna. Revista REALIS, pp. 111-122. Paulo, F. (2015). Em quanto as importações dificultam o crescimento da economia em Angola? Centro de Estudos e Investigação Científica (CEIC). Luanda. Plagliarini, C. M. (2014). Análise da Teoria Dependência de Fernando Henrique em relação às Teorias da Globalização surgidas nas décadas do Século XX. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina. PNUD. (2013). Avaliação da Contribuição do PNUD para Angola - Os resultados do subdesenvolvimento. Shrivanek Translation Services N.A. Prebisch & Gurrieri, D. R. (1976). Revista de la CEPAL. Santiago, Chile: Naciones Unidas, Comission Economica para America Latina. Prodanov & Freitas, C. E. (2013). Metodologia do Trabalho Científico ( 2ª ed.). Rio Grande do Sul: Universidade FEEVALE. Santos, V. M. (2012). Elementos da Análise da Polítca Externa. Lisboa: ISCSP - Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, Universidade Técnica de Lisboa. Sigaúque, E. S. (2017). Capitalismo africano dependente: estudo histórico-estrutural da economia moçambicana entre o período de 1985-2015. Florianópolis. UNCTAD, C. d. (2013). Quem se beneficia com a liberalização do comércio em Angola? Nações Unidas. WEB GRAFIA Index Mundi. (2011). Angola Dívida Externa (bilhões US$). Index Mundi: http://www.indexmundi.com/g/g.aspx?v=94&c=ao&l=pt. (Acessado aos 24 de Agosto de 2021). http://www.embangola.at/dados.php?ref=rela%E7%F5es-internacionais. (Acessado aos 01 de Setembro de 2020). http://www2.apexbrasil.com.br/media/estudo/PERFILANGOLADefinitivo_15012013100518. (s.d.). (Acessado aos 23 de Novembro de 2020). http://www.angonoticias.com/Artigos/item/20313/momentos-distintos-marcam-transicaoo-da- economia-angolana. (s.d.). (Acessado aos 24 de Novembro de 2020).
  • 54. Anexo I – Oito Princípios para a Ajuda Externa Chinesa a Países Estrangeiros 1) O governo chinês baseia-se sempre no princípio da igualdade e do benefício mútuo ao conceder ajuda a outros países. O governo chinês nunca considera a ajuda como um tipo de donativo ou de esmola unilateral, mas como algo mútuo. 2) Ao conceder ajuda a outros países, o governo chinês respeita rigorosamente a soberania dos países receptores, e nunca impõe quaisquer condições ou privilégios. 3) A China concede ajuda económica através de empréstimos sem juros ou de empréstimos preferenciais (com juros baixos) e estende o prazo de pagamento quando necessário, de forma a aligeirar as condições de pagamento para os países receptores. 4) Ao conceder ajuda, o objectivo do governo chinês não é tornar os países receptores dependentes da China, mas apoiar estes países passo a passo no caminho da autonomia e do desenvolvimento económico independente. 5) O governo chinês faz o seu melhor para apoiar os países receptores a construir projetos que exijam pouco investimento e produzam resultados rápidos, para que estes países possam aumentar o rendimento nacional e acumular capital. 6) O governo chinês fornece equipamento e materiais fabricados na China da melhor qualidade, a preços de mercado. Se os materiais e equipamentos fornecidos não estiverem de acordo com as especificações e a qualidade contratadas, o governo chinês responsabiliza-se pela sua substituição. 7) Ao fornecer assistência técnica, o governo chinês procurará que os recursos humanos dos países receptores dominem na perfeição as técnicas e os conhecimentos em questão. 8) Os peritos enviados pela China para apoiar a construção nos países receptores terão o mesmo padrão de vida que os peritos do país receptor. Não é permitido que os técnicos chineses façam exigências específicas ou que gozem de privilégios especiais. Fonte: Brautigam (2009), apud Fernandes (2015);
  • 55. Anexo II – Exportação e Importação por Grupo de Produtos (2011- 2012) Fonte: (INE - Instituto Nacional de Estatística, 2013)