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O nutricionista e a relação homem/alimento
CERES; 2006; 8(1); 43-46 4 3
RESENHA
O nutricionista e a relação homem/alimento:
contribuições da antropologia para o saber, o
pensar e o fazer
Antropologia e Nutrição: um
diálogo possível. Canesqui AM,
Garcia RWD, organizadoras.
Rio de Janeiro: Editora Fiocruz;
2005. 306 p. (Coleção
Antropologia e Saúde). ISBN:
85-7541-055-5.
Maria Fátima Garcia Menezes
Professora Assistente no Departamento de
Nutrição Social da UERJ - Rio de Janeiro -
fatimamenezes@superig.com.br
Com a finalidade de estreitar o debate entre as ciên-
cias sociais/antropologia e as ciências da saúde/saúde co-
letiva, a Editora Fiocruz lançou, em 2002, a Coleção
Antropologia e Saúde. Sua última edição (2005) traz o
tema Antropologia e Nutrição: um diálogo possível. A
nutrição, com uma pauta importante para compreender
o funcionamento orgânico, determinar necessidades bi-
ológicas, recomendações, prescrições e interações, tem
muito a ganhar com essa publicação.
Foi um trabalho cuidadoso das organizadoras Ana
Maria Canesqui (antropóloga) e Rosa Wanda Diez Garcia
(nutricionista), que trazem nas suas trajetórias acadêmi-
cas uma produção científica importante para a reflexão
sobre como as questões de natureza sociocultural são
fundamentais para compreender a relação homem/ali-
mentação, ou, mais especificamente, as escolhas alimen-
tares do homem em seu cotidiano de vida.
Na apresentação do livro as organizadoras valorizam
a alimentação como imprescindível à vida e à sobrevi-
vência, destacando que ela é modelada pela cultura e
organização da sociedade. O comer envolve não apenas
nutrientes e calorias, mas significados, sensações, gos-
tos. Esse comer não é só biológico, inato, mas determina-
do por múltiplos fatores, impregnados de aspectos simbó-
CERES: NUTRIÇÃO & SAÚDE
CERES; 2006; 8(1); 43-464 4
licos, carregados de contradições e ambigüi-
dades, como novidade e tradição, saúde e
indulgência, economia e extravagância, con-
veniência e cuidado.
Com a experiência acumulada, foram
capazes de reunir diversos autores do cam-
po da chamada antropologia da alimenta-
ção e desafiar os leitores a incorporar no-
vos saberes e reflexões acerca desse objeto.
A coleção está dividida em quatro partes.
A Parte I – Olhares antropológicos so-
bre a alimentação começa com uma revi-
são sobre os estudos antropológicos reali-
zados por Ana Maria Canesqui, identifi-
cando que os estudos ainda escassos com-
portaram diferentes abordagens. Maria
Eunice Maciel aprofunda a questão da ali-
mentação como elemento constitutivo da
identidade social, no qual os grupos se
reconhecem e se diferenciam. Analisa a
realidade brasileira, partindo do arroz com
feijão como elemento unificador, de sínte-
se, marca relacional do modo de comer e
de viver, e explorando as diversidades re-
gionais, os múltiplos sentidos encontrados.
Jungla Maria Pimentel e Veraluz
Zicarelli Cravo, na mesma linha, discutem
o valor social e cultural da alimentação,
confirmando o caráter simbólico da comi-
da e propondo ao nutricionista rever sua
postura dominadora, científica, que nega
o saber do outro atribuindo ausência de
racionalidade ou lógica para uma postura
dialógica e de construção a partir do co-
nhecimento do outro. Carmem Rial tam-
bém aborda a temática da identidade, ana-
lisando textos que tratam dos primeiros
séculos de presença européia no Brasil.
O debate instigante sobre religião é tra-
zido por Norton Corrêa, em seu artigo
sobre a culinária ritual no batuque do Rio
Grande do Sul, que afirma a cozinha é a
base da religião. As diferentes religiões,
com maior ou menor expressão, funda-
mentam e influenciam seus praticantes nas
escolhas alimentares. A comida de santo
no candomblé, a comida kosher judaica ou
o vegetarianismo nos adventistas do séti-
mo dia são exemplos de práticas fundadas
na religião.
Para finalizar a primeira parte do li-
vro, Sílvia Carrasco i Pons apresenta em
“Pontos de partida teórico-metodológicos
para o estudo sociocultural da alimenta-
ção em um contexto de transformação” um
elenco de sugestões que devem ser levadas
em consideração na elaboração de qual-
quer projeto de investigação sobre o siste-
ma alimentar e que a seleção vai depen-
der, em última análise, dos objetivos teó-
ricos de cada investigação.
Na Parte II – Mudanças Econômicas e
Socioculturais e o Sistema Alimentar, os
artigos de Jesús Contreras Hernández e
Mabel Gracia Arnaiz encaminham a dis-
cussão sobre a industrialização, globali-
zação e homogeneização que pressionam
as escolhas alimentares frente a desconfi-
anças, insegurança, medos dessas própri-
as escolhas. De um lado a necessidade, a
comodidade; de outro o temor e a sensa-
ção de insegurança e risco, que geram uma
ansiedade alimentar importante (que é his-
tórica e etnograficamente permanente,
O nutricionista e a relação homem/alimento
CERES; 2006; 8(1); 43-46 4 5
com formas de expressão diferentes con-
forme o contexto).
O que mudou? O que se mantém? De
que forma se relacionam com a
modernidade? Como a antropologia pode
contribuir? São questões que os artigos ten-
tarão responder.
A Parte III – A Alimentação nos Espa-
ços Públicos e Privados apresenta um ar-
tigo de Ana Maria Canesqui que analisa a
organização e realização da prática alimen-
tar cotidiana de famílias trabalhadoras
urbanas, comparando os resultados de
duas pesquisas. A primeira, realizada na
década de 70, e a segunda realizada cerca
de 30 anos depois. Foram identificadas
mudanças, como por exemplo uma maior
diversificação nas refeições, alimentos pro-
cessados no consumo infantil e de adoles-
centes, o consumo de bebidas alcoólicas no
espaço doméstico e permanências, princi-
palmente no que tange à questão da ali-
mentação como uma arena feminina, com
controle e responsabilidade da mulher.
O segundo artigo, de Rosa Wanda Diez
Garcia, também na linha de análise da ali-
mentação da população urbana, vai bus-
car confrontar a preocupação com a saú-
de e as práticas construídas socialmente.
Seu estudo foi realizado com trabalhado-
res administrativos da Secretaria de Habi-
tação da Prefeitura Municipal de São Pau-
lo e conclui que há uma mobilidade nos
relatos; as escolhas pautam-se não exclusi-
vamente pelas informações e oscilam en-
tre o gosto, a tradição e a preocupação com
a saúde. A autora defende que para qual-
quer mudança é necessário oferecer alter-
nativas para substituir qualquer restrição
e que é fundamental a manutenção das
características da vida, evitando prejuízos
nas instâncias sociais e simbólicas.
A seguir, dois artigos focam a temática
do comer no espaço hospitalar. Jean-Pierre
Corbeau analisa a seqüência do comer no
hospital, os rituais e as formas de sociabi-
lidade relacionadas. São tratadas questões
como o respeito às crenças dos pacientes,
muitas vezes ignorada pela instituição, a
amplificação do uso de texturas líquidas,
com diferentes conotações simbólicas, e os
presentes alimentares na visita ao hospita-
lizado. O autor defende que a alimenta-
ção coletiva não pode desconhecer a
pluralidade de questões que envolve o co-
mer no hospital, lembrando que a alimen-
tação não se restringe aos nutrientes mas é
fonte de prazer até o fim da vida e faz par-
te integrante da manutenção ou reconstru-
ção da identidade do indivíduo hospitali-
zado. E Gérard Maes convida os profissio-
nais a buscar, incansavelmente, conciliar
a gastronomia e a alimentação hospitalar.
A Parte IV – Diálogos das Ciências
Humanas com a Nutrição, última parte do
livro, vai discutir a questão das ciências
sociais e humanas nos currículos dos cur-
sos de graduação em nutrição no Brasil,
comparando com alguns programas nos
Estados Unidos e Inglaterra, e a antropo-
logia aplicada às diferentes áreas da nutri-
ção. Finaliza com propostas de aplicação
da antropologia à alimentação, enfatizando
que precisamos continuar trabalhando no
CERES: NUTRIÇÃO & SAÚDE
CERES; 2006; 8(1); 43-464 6
conhecimento dos comportamentos alimen-
tares sociais e individuais, e também nas
conseqüências dos diferentes tipos de polí-
ticas, identificando as que geram desigual-
dades ou apresentam maiores riscos para a
saúde das populações e meio ambiente.
Por fim, acrescenta-se que é um mate-
rial rico, denso, organizado e detalhado,
que deve ser saboreado aos poucos, degus-
tando, refletindo e incorporando novos
sabores à prática do nutricionista.

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Nutricionista relação alimentos

  • 1. O nutricionista e a relação homem/alimento CERES; 2006; 8(1); 43-46 4 3 RESENHA O nutricionista e a relação homem/alimento: contribuições da antropologia para o saber, o pensar e o fazer Antropologia e Nutrição: um diálogo possível. Canesqui AM, Garcia RWD, organizadoras. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2005. 306 p. (Coleção Antropologia e Saúde). ISBN: 85-7541-055-5. Maria Fátima Garcia Menezes Professora Assistente no Departamento de Nutrição Social da UERJ - Rio de Janeiro - fatimamenezes@superig.com.br Com a finalidade de estreitar o debate entre as ciên- cias sociais/antropologia e as ciências da saúde/saúde co- letiva, a Editora Fiocruz lançou, em 2002, a Coleção Antropologia e Saúde. Sua última edição (2005) traz o tema Antropologia e Nutrição: um diálogo possível. A nutrição, com uma pauta importante para compreender o funcionamento orgânico, determinar necessidades bi- ológicas, recomendações, prescrições e interações, tem muito a ganhar com essa publicação. Foi um trabalho cuidadoso das organizadoras Ana Maria Canesqui (antropóloga) e Rosa Wanda Diez Garcia (nutricionista), que trazem nas suas trajetórias acadêmi- cas uma produção científica importante para a reflexão sobre como as questões de natureza sociocultural são fundamentais para compreender a relação homem/ali- mentação, ou, mais especificamente, as escolhas alimen- tares do homem em seu cotidiano de vida. Na apresentação do livro as organizadoras valorizam a alimentação como imprescindível à vida e à sobrevi- vência, destacando que ela é modelada pela cultura e organização da sociedade. O comer envolve não apenas nutrientes e calorias, mas significados, sensações, gos- tos. Esse comer não é só biológico, inato, mas determina- do por múltiplos fatores, impregnados de aspectos simbó-
  • 2. CERES: NUTRIÇÃO & SAÚDE CERES; 2006; 8(1); 43-464 4 licos, carregados de contradições e ambigüi- dades, como novidade e tradição, saúde e indulgência, economia e extravagância, con- veniência e cuidado. Com a experiência acumulada, foram capazes de reunir diversos autores do cam- po da chamada antropologia da alimenta- ção e desafiar os leitores a incorporar no- vos saberes e reflexões acerca desse objeto. A coleção está dividida em quatro partes. A Parte I – Olhares antropológicos so- bre a alimentação começa com uma revi- são sobre os estudos antropológicos reali- zados por Ana Maria Canesqui, identifi- cando que os estudos ainda escassos com- portaram diferentes abordagens. Maria Eunice Maciel aprofunda a questão da ali- mentação como elemento constitutivo da identidade social, no qual os grupos se reconhecem e se diferenciam. Analisa a realidade brasileira, partindo do arroz com feijão como elemento unificador, de sínte- se, marca relacional do modo de comer e de viver, e explorando as diversidades re- gionais, os múltiplos sentidos encontrados. Jungla Maria Pimentel e Veraluz Zicarelli Cravo, na mesma linha, discutem o valor social e cultural da alimentação, confirmando o caráter simbólico da comi- da e propondo ao nutricionista rever sua postura dominadora, científica, que nega o saber do outro atribuindo ausência de racionalidade ou lógica para uma postura dialógica e de construção a partir do co- nhecimento do outro. Carmem Rial tam- bém aborda a temática da identidade, ana- lisando textos que tratam dos primeiros séculos de presença européia no Brasil. O debate instigante sobre religião é tra- zido por Norton Corrêa, em seu artigo sobre a culinária ritual no batuque do Rio Grande do Sul, que afirma a cozinha é a base da religião. As diferentes religiões, com maior ou menor expressão, funda- mentam e influenciam seus praticantes nas escolhas alimentares. A comida de santo no candomblé, a comida kosher judaica ou o vegetarianismo nos adventistas do séti- mo dia são exemplos de práticas fundadas na religião. Para finalizar a primeira parte do li- vro, Sílvia Carrasco i Pons apresenta em “Pontos de partida teórico-metodológicos para o estudo sociocultural da alimenta- ção em um contexto de transformação” um elenco de sugestões que devem ser levadas em consideração na elaboração de qual- quer projeto de investigação sobre o siste- ma alimentar e que a seleção vai depen- der, em última análise, dos objetivos teó- ricos de cada investigação. Na Parte II – Mudanças Econômicas e Socioculturais e o Sistema Alimentar, os artigos de Jesús Contreras Hernández e Mabel Gracia Arnaiz encaminham a dis- cussão sobre a industrialização, globali- zação e homogeneização que pressionam as escolhas alimentares frente a desconfi- anças, insegurança, medos dessas própri- as escolhas. De um lado a necessidade, a comodidade; de outro o temor e a sensa- ção de insegurança e risco, que geram uma ansiedade alimentar importante (que é his- tórica e etnograficamente permanente,
  • 3. O nutricionista e a relação homem/alimento CERES; 2006; 8(1); 43-46 4 5 com formas de expressão diferentes con- forme o contexto). O que mudou? O que se mantém? De que forma se relacionam com a modernidade? Como a antropologia pode contribuir? São questões que os artigos ten- tarão responder. A Parte III – A Alimentação nos Espa- ços Públicos e Privados apresenta um ar- tigo de Ana Maria Canesqui que analisa a organização e realização da prática alimen- tar cotidiana de famílias trabalhadoras urbanas, comparando os resultados de duas pesquisas. A primeira, realizada na década de 70, e a segunda realizada cerca de 30 anos depois. Foram identificadas mudanças, como por exemplo uma maior diversificação nas refeições, alimentos pro- cessados no consumo infantil e de adoles- centes, o consumo de bebidas alcoólicas no espaço doméstico e permanências, princi- palmente no que tange à questão da ali- mentação como uma arena feminina, com controle e responsabilidade da mulher. O segundo artigo, de Rosa Wanda Diez Garcia, também na linha de análise da ali- mentação da população urbana, vai bus- car confrontar a preocupação com a saú- de e as práticas construídas socialmente. Seu estudo foi realizado com trabalhado- res administrativos da Secretaria de Habi- tação da Prefeitura Municipal de São Pau- lo e conclui que há uma mobilidade nos relatos; as escolhas pautam-se não exclusi- vamente pelas informações e oscilam en- tre o gosto, a tradição e a preocupação com a saúde. A autora defende que para qual- quer mudança é necessário oferecer alter- nativas para substituir qualquer restrição e que é fundamental a manutenção das características da vida, evitando prejuízos nas instâncias sociais e simbólicas. A seguir, dois artigos focam a temática do comer no espaço hospitalar. Jean-Pierre Corbeau analisa a seqüência do comer no hospital, os rituais e as formas de sociabi- lidade relacionadas. São tratadas questões como o respeito às crenças dos pacientes, muitas vezes ignorada pela instituição, a amplificação do uso de texturas líquidas, com diferentes conotações simbólicas, e os presentes alimentares na visita ao hospita- lizado. O autor defende que a alimenta- ção coletiva não pode desconhecer a pluralidade de questões que envolve o co- mer no hospital, lembrando que a alimen- tação não se restringe aos nutrientes mas é fonte de prazer até o fim da vida e faz par- te integrante da manutenção ou reconstru- ção da identidade do indivíduo hospitali- zado. E Gérard Maes convida os profissio- nais a buscar, incansavelmente, conciliar a gastronomia e a alimentação hospitalar. A Parte IV – Diálogos das Ciências Humanas com a Nutrição, última parte do livro, vai discutir a questão das ciências sociais e humanas nos currículos dos cur- sos de graduação em nutrição no Brasil, comparando com alguns programas nos Estados Unidos e Inglaterra, e a antropo- logia aplicada às diferentes áreas da nutri- ção. Finaliza com propostas de aplicação da antropologia à alimentação, enfatizando que precisamos continuar trabalhando no
  • 4. CERES: NUTRIÇÃO & SAÚDE CERES; 2006; 8(1); 43-464 6 conhecimento dos comportamentos alimen- tares sociais e individuais, e também nas conseqüências dos diferentes tipos de polí- ticas, identificando as que geram desigual- dades ou apresentam maiores riscos para a saúde das populações e meio ambiente. Por fim, acrescenta-se que é um mate- rial rico, denso, organizado e detalhado, que deve ser saboreado aos poucos, degus- tando, refletindo e incorporando novos sabores à prática do nutricionista.