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UFRRJ
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO DE CIÊNCIAS
SOCIAIS DESENVOLVIMENTO, AGRICULTURA E
SOCIEDADE (CPDA)
DOS LABORATÓRIOS AOS PONTOS DE VENDA:
UMA ANÁLISE DA TRAJETÓRIA DOS ALIMENTOS
FUNCIONAIS E NUTRACÊUTICOS E SUA
REPERCUSSÃO SOBRE A QUESTÃO
AGROALIMENTAR
MARCO ANTÔNIO FERREIRA DE SOUZA
2008
ii
UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO DE CIÊNCIAS SOCIAIS EM
DESENVOLVIMENTO, AGRICULTURA E SOCIEDADE
MARCO ANTÔNIO FERREIRA DE SOUZA
Tese submetida como requisito parcial para obtenção do grau de Doutor em Ciências, no
Curso de de Pós-Graduação em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade, área de
Concentração em Instituições, Mercado e Regulação .
TESE APROVADA EM -----/-----/------
______________________________________
John Wilkinson. (Dr.) UFRRJ/CPDA
(Orientador)
____________________________________
George Flexor (Dr.) UFRRJ/IM
____________________________________
Marcelo Álvaro da Silva Macedo (Dr.) UFRRJ/DCAC
____________________________________
Lavínia Davis Rangel Pessanha (Dra.) IBGE
____________________________________
Maria Fernanda de A. C. Fonseca (Dra) PESAGRO
iii
DEDICATÓRIA
Minha mãe e a luta pela vida. Meu pai e o futebol. Eu e a tese.
Dedico esta tese a minha mãe e meu pai. Infelizmente eles não estarão presentes nesse
momento tão importante para um dos seus filhos. Filhos de uma viagem que a vida fez
abreviar mais cedo do que normalmente esperam os que amam. Mais cedo até do que o
mundo merecia, pois eles foram pessoas de dignidade marcante e ainda tinham muitos
exemplos a dar.
Dona Tininha nos deixou faz 27 anos, mas me deixou um legado de luta e um forte
sopro de vida que me acompanha desde que tomei consciência da sua luta e força. Mesmo
doente, ela continuou indo às aulas no colégio onde procurava estudar para recuperar o tempo
que a infância pobre a roubou. Seu lema era: "sempre em frente". A uma professora ela
confessou: "só paro quando a morte chegar". Durante o doutorado procurei exercer essa
herança que não me deixa ficar parado ou optar pelo caminho da banalidade e da
mediocridade. Mãe, tentei superar os limites! Acredite, não fugi à luta.
Seu Antônio Goulart partiu faz 3 anos. Ele pegou o início da luta que foi fazer esse
doutorado sem bolsa e afastamento. Eu quis muito lhe dar este presente. Ele tinha esperança
que eu fosse jogador de futebol, que o filho "comesse a bola", como se diz no linguajar
boleiro. Eu o frustrei: gostei de estudar, não servi para o futebol. Mas como estudante
procurei deixá-lo orgulhoso, tentei compensar no estudo o pereba no futebol, já que ele foi
craque, "comeu a bola" e não gostava de perder. Pai, posso dizer que me envolvi tanto com
esse esforço que eu "comi a tese". Isso mesmo, para saber mais sobre os alimentos funcionais
e nutracêuticos eu mudei consideravelmente meus hábitos alimentares e passei a comê-los.
Você viu como fiquei chato. Eu quis ver na prática o que isso significava. Hoje sou professor
e digo que no jogo que pratico, o de ajudar a desenvolver pessoas, eu também não aceito
perder: mesmo enfrentando o desleixo desse país com a educação, estou sempre lutando pela
dignidade do time e dos torcedores.
iv
AGRADECIMENTOS
Até agora esta foi a maior viagem que me propus fazer. Até para entender um pouco mais a
vida. Reconheço que aprendi com o doutorado o que Clarice Lispector já nos tinha dito: "não
se preocupe em entender a vida: viver supera qualquer entendimento". Navegar é necessário,
mas sozinho não se chega a lugar algum.
Angélica e Maria Luiza, eis que chego ao porto que lhes falei 4 anos atrás! Virou realidade
aquela imagem que as fiz acreditar existir para justificar a escassez de brincadeiras, teatrinhos
e passeios. Obrigado por terem partido comigo nesta viagem, por terem comido os alimentos
que comi e suportado minha insegurança e inexperiência ao navegar. Amor e coragem.
Uma frase me marcou bastante nesta vida: "a simplicidade é o último degrau da sabedoria".
Com o comandante John Wilkinson eu vi o que isso significa na prática. Durante toda
navegação percebi a importância dela para tornar o mundo um lugar mais interessante e as
viagens mais agradáveis e efetivas. Sábio.
Marcelo Álvaro foi colega de sala de aula. Tive o prazer de conviver com rara inteligência.
Somos colega de trabalho e ganho com sua capacidade de transformar idéias em resultados.
Agora tive o prazer de ter seus conselhos e críticas na condução desse trabalho. Passei por
águas calmas. Esteio.
Conheci George Flexor na condição de aluno. Depois demos aulas juntos. Durante todo o
tempo que estivemos juntos ele se preocupou em chamar atenção para a tese e seus temas.
Muitos foram os e-mails e os recortes de revistas e artigos. A carta náutica ficou rica.
Generosidade.
Queridos irmãos, a vida continua. Cris, segui seu rumo. Mônica e Giovane, venham conosco,
esse mar é próspero e a viagem é inesquecível! Um porto lhes espera. Exemplos.
Meus alunos foram muito amigos. Deram estabilidade à Nau. Sentiram muito, mas relevaram
os problemas e o tempo do professor que foi roubado pelo aluno do doutorado. Paciência.
Aos colegas da Rural que acompanharam a luta diária para manter a nau no rumo e ser doutor
sem afastamento. Suportaram com bom humor a falta de tato deste candidato. Em especial a
esses nobres leitores e críticos da carta náutica: Kátia Tabbai, Bianca e Allan Cardech.
Cooperação.
Aos amigos e parentes que só me tiveram de corpo, mas poucas vez de alma. Como fui
ausente! Como foram presentes! Cada sorriso e abraço um verdadeiro farol. Reciprocidade.
Aos professores e demais funcionários do CPDA. Obrigado por toda ajuda e paciência nesses
quatros anos de curso e várias cirúrgias que me fizeram atrasar tudo. Vocês garantiram a
viagem. Profissionalismo.
v
RESUMO
SOUZA, Marco A.F. de. Dos laboratórios aos pontos de venda: uma análise da trajetória
dos alimentos funcionais e nutrcêuticos e da sua repercussão sobre a questão
agroalimentar. UFRRJ/CPDA: Rio de Janeiro, 2008. 289p (Tese de Doutorado no Curso de
Pós Graduação de Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade, área de
Desenvolvimento e Agricultura).
Alimentos funcionais e nutracêuticos são apresentados como alimentos que, além de suas
funções básicas nutricionais, demonstram benefícios fisiológicos e/ou reduzem o risco de
doenças crônicas. Eles se afastam dos alimentos ditos convencionais e ficam posicionados
como produtos diferenciados e uma alternativa para o processo de cuidado com a saúde. Tais
alimentos acabam dividindo com alguns produtos da medicina tradicional e alternativa o
importante espaço simbólico de produção de saúde. A primeira experiência prática ocorreu no
Japão nos anos 80, quando o governo estimulou a pesquisa e uso de alimentos como aliados
na melhoria dos índices de saúde publica do país. O esforço originou o conceito de alimentos
funcionais e estimulou a criação de uma categoria de alimentos classificada como alimentos
funcionais, mais tarde modificada para FOSHU ou food for special health purpose. Nos EUA
essa experiência foi amplificada e esses alimentos são mais conhecidos como nutracêuticos,
porém sem reconhecimento formal. Esta nova perspectiva para abordar a relação dieta e saúde
representa uma mudança significativa no ambiente institucional relativo a produção e
promoção de saúde pública, pois concede aos atores do sistema agroalimentar uma primazia
até então permitida apenas às empresas de medicamentos. Esta tese teve como objetivo a
construção de um amplo painel de visibilidade da ascensão desses novos alimentos, baseado
na descrição da trajetória desses termos e na análise das repercussões dessa transformação
institucional sobre a questão agroalimentar. A questão agroalimentar foi caracterizada a partir
da análise das modalidades correntes de fornecimento de alimento, objetivo alcançado através
do uso dos conceitos da Economia das Convenções. Para fins de conceituação e descrição da
trajetória procurou-se caracterizar o processo de institucionalização dos novos alimentos,
explorando os aspectos científicos, regulamentares e mercadológicos. Além do Brasil foram
analisadas as experiências japonesa, americana e européia. Embora represente um novo
momento para a questão agroalimentar, verificou-se que a institucionalização favorece
principalmente aos atores associados à modalidade industrial de fornecimento de alimentos:
indústria processadora e fabricantes de alimentos finais. Em detrimentos aos interesses de
projetos alternativos de fornecimento de alimentos com qualidade diferenciada, como os
orgânicos e a produção local. Os países que aderiram a esta reclassificação dos alimentos têm
privilegiado a criação de complexas estruturas regulamentares para avaliar e liberar o uso de
alegações de saúde para alimentos e o foco sobre substâncias e não sobre os alimentos,
mesmo aqueles in natura. Para se tornarem realidade, tais alimentos demandam a criação de
verdadeiros sistemas de valor que implicam a coordenação de atividades científicas e
produtivas bastante onerosas para pequenas e médias empresas.
Palavras-Chave: alimento funcional; nutracêuticos; regulamentação de alimentos; Sistema
Agroalimentar; alegação de saúde
vi
ABSTRACT
SOUZA, Marco A.F. From Labs to the sales outlets: the raising of functional foods and
nutraceuticals and its repercussion on the agrofood question. UFRRJ/CPDA: Rio de
Janeiro, 2008. (Tese de Doutorado no Curso de Pós-Graduação de Ciências Sociais em
Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade, área de Desenvolvimento e Agricultura).
Functional foods and nutraceuticals represent a kind of food that provides physiological and
health benefits beside basic nutrition. Far from being conventional food, they are positioned
as an alternative for some traditional and complimentary medicinal products. The first
appearance of this novel type of food occurred in Japan in the 80´s, when some food were
researched and used to tackle the progressive increase of health related diseases that promoted
drastic drop in public health indices. This experience lead to the creation of a new product
category initially called functional food, renamed later as food for special health use or
FOSHU. The USA amplified this experience giving to it a remarkable visibility. Although
they had not formalized a new product category this food begin to be called as nutraceutical.
This new perspective of tackling the diet and health relation meant a significative change in
the institutional environment of producing and promoting public health since it offers to agro
food system players a primacy up to now permitted only to Pharmaceuticals Company. This
thesis searched to provide a wide visibility panel of the raising of this novel type of food and
an analysis of its repercussion on the agro food system. It began with the characterization of
food provisioning modes considering the centrality exerted by quality over the agro food
system competition dynamics. Convention economy concepts were applied to uncover
different food quality justifications. An institutionalization approach was assumed in order to
provide a deep compreenhension of the meaning of these novel types of food and of its
raising. It resulted in a framework that accounted for three different arenas in that the process
itself develops: scientific, regulatory and market. The analysis involved the experiences of
Brasil, Japan, USA and European Union. Even though this process represent a new
momentum for the agro food question, it favors most those player concerned with the
industrial mode of food provisioning, mainly the ingredient and final food industry giants.
Those players concerned with alternative food initiatives face obstacles related to complex
regulatory framework and scientific requirements. These reflect the trend of regulatory
framework in focusing on functional substances rather than products, even those in natura. To
come into reality functional foods and nutraceuticals demands truly value systems based on
the complex coordination of expensive and time-consuming scientific and productive
activities. All of them completely adverse for small and medium size companies to cope with.
Key words: functional food; nutraceutical, food regulation; agrofood system; health claim
vii
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 1
Primeiros passos: os novos alimentos no Brasil 2
As origens dos alimentos funcionais e nutracêuticos 5
A reclassificação dos alimentos: breve mudança de rota no foco da pesquisa 7
A institucionalização e a questão agroalimentar 8
Diferentes arenas e questões da institucionalização do uso do potencial terapêutico dos
alimentos 11
Premissas para o desenvolvimento do trabalho 13
Objetivos e considerações metodológicas 14
Descrição do Trabalho 16
CAPÍTULO 1 – TENDÊNCIAS NO FORNECIMENTO DE ALIMENTOS 18
1.1 Sistemas, cadeias e redes: uma breve explicação para a linguagem adotada neste
trabalho. 19
1.2 Convencional versus alternativo: tendências no fornecimento de alimentos 24
1.2.1 Redes Convencionais de Suprimento de Alimento (RCSA) 25
1.2.2 Redes Alternativas de Suprimento Alimentar 41
1.3 As diferentes lógicas de inovação que informam as trajetórias competitivas 49
1.3.1 A lógica de inovação baseada na decomposição ou recomposição dos recursos 50
1.3.2. A lógica de inovação baseada na Geração e Transmissão de Identidade 51
1.4 Worlds of food: a competição pela qualidade como fator de construção de uma nova
geografia alimentar e de inovação. 54
1.4.1 O mundo industrial (the industrial world of production) 58
1.4.2 Mundo das relações interpessoais (The interpersonal world of production) 59
1.4.3 O mundo do mercado (the market world of production) 60
1.4.4 O mundo dos recursos intelectuais (The intellectual resource world of
production) 60
1.5 A constituição de diferentes trajetórias competitivas no SAA 61
Conclusão 66
CAPÍTULO 2 – ALIMENTOS FUNCIONAIS E NUTRACÊUTICOS: ASPECTOS
CONCEITUAIS. 72
2.1 Alimentos funcionais 73
2.1.1 Japão: a gênese do termo alimento funcional 77
2.2 Nutracêuticos 79
2.2.1 Nutracêuticos: a gênese de um empreendimento baseado em ciência 80
2.3 Alimentos Funcionais versus Nutracêuticos 83
2.4 Aspectos centrais da ascensão de alimentos funcionais e nutracêuticos 84
2.4.1 mudanças na visão social sobre os alimentos 84
2.4.2 A importância dos novos paradigmas científicos 88
2.4.3 Da healthy-eating revolution à functional food revolution 95
2.5 Substâncias funcionais 100
2.5.1 Suplementos e os ingredientes 106
2.5.2 Ações institucionais com relação às substâncias funcionais 108
2.5.3 O Exemplo Canadense 109
2.5.4 A bem sucedida experiência Finlandesa 111
2.5.5 A realidade brasileira 113
Conclusão 115
viii
CAPÍTULO 3 – ESTRUTURA DE REGULAMENTAÇÃO DE ALIMENTOS E O USO DE
ALEGAÇÕES DE SAÚDE
119
3.1 Os diferentes cenários da regulamentação de alimentos 121
3.2 Os Sistemas Nacionais de Vigilância Sanitária 123
3.2.1 O risco sanitário e a sua regulamentação 124
3.3 O Codex Alimentarius Comission 129
3.3.1 Rotulagem Nutricional 130
3.3.2 O uso de alegações para alimentos 132
3.3.3 Alegações de saúde 135
3.3.4 Alegações de saúde genéricas e específicas para produto 137
3.4 Homogeneização dos sistemas regulamentares de alimentos 138
3.5 Categorias de produtos reconhecidas pelos sistemas regulamentares de alimentos.....139
Conclusão 143
CAPÍTULO 4 – CARACTERIZACÃO DAS ESTRUTURAS REGULAMENTARES DE
ALEGAÇÃO DE SAÚDE NO JAPÃO, ESTADOS UNIDOS E UNIÃO EUROPÉIA E
BRASIL. 145
4.1 Regulamentação das Alegações de Saúde no Japão 146
4.1.1 Sistema Regulamentar 146
4.1.2 O Sistema FOSHU 148
4.1.3 Alegações de Saúde 152
4.2 Regulamentação de Alegações de Saúde nos Estados Unidos 156
4.2.1 Sistema regulamentar 157
4.2.2 Alegações de saúde 159
4.2.3 Alegações de conteúdo de nutriente 164
4.2.4 Alegações de função e ou estrutura 166
4.3 Regulamentação de Alegações de Saúde no Brasil 168
4.3.1 Sistema Regulamentar 168
4.3.2 Principais definições do Regulamento 171
4.3.3 Sobre o uso de alegações 173
4.4 Regulamentação de Alegações de Saúde na União Européia 179
4.4.1 Sistema Regulamentar 185
4.4.2 Principais definições do Regulamento (CE) Nº. 178/2002. 186
4.4.3 Regulamento (CE) Nº. 1924/2006: estruturando o uso de alegações de nutrição e
saúde na União Européia 188
4.4.4 Alegação nutricional 190
4.4.5 Alegações de saúde 191
4.4.5 Alegações de Redução de um Risco de Doença 193
4.4.6 Processo de avaliação das alegações nutricionais e de saúde 194
Conclusões 197
CAPÍTULO 5 – AS ETAPAS DO DESENVOLVIMENTO DE MERCADO PARA
ALIMENTOS FUNCIONAIS E NUTRACÊUTICOS
5.1 O controverso mercado de alimentos funcionais e nutracêuticos 202
5.1.1 Alimentos funcionais 203
5.1.2 O caso das barras de nutrição 209
5.1.3 Alimentos nutracêuticos 210
5.2 Abordagens sobre a coordenação das atividades de produção dos novos alimentos ...213
5.2.1 O exemplo da Nova Zelândia. 213
5.2.2 – Abordagem pela perspectiva das empresas 215
5.2.3 A articulação de cadeias de suprimento para os novos alimentos 217
ix
5.2.4 Funções-chave e movimentação estratégica na cadeia de suprimento de novos
alimentos 220
5.3 O caso Benecol 224
5.4 Tendências no desenvolvimento de produtos 228
5.4.1 O desenvolvimento de novos produtos 229
5.4.2 A consolidação de um padrão de produto 232
5.5 Os desafios para montar uma genuína healthful company 235
5.5.1: Novartis: a força das farmacêuticas no novo mercado 236
5.5.2 Danone: uma empresa focada em nutrição.
238
5.6 A receptividade do mercado aos alimentos funcionais e nutracêuticos 241
5.6.1 Fatores respondendo pelo interesse nos alimentos funcionais e nutracêuticos 244
Conclusão 249
CONCLUSÕES 252
REFERÊNCIA IBLIOGRÁFICA 258
ANEXOS 273
x
ÍNDICE DE QUADROS
Quadro 1: Exemplos de lançamentos de novos alimentos 1
Quadro 1.1 Campos Heurísticos para Análise das RASA 46
Quadro 2.1 Tendências de comportamento das pessoas com relação à alimentação 86
Quadro 2.2 Relação entre a healthy-eating revolution e a functional foods revolution 98
Quadro 2.3 Relação entre doenças e substâncias funcionais 104
Quadro 2.4 Descrição das aplicações funcionais de algumas ervas consumidas
internacionalmente
106
Quadro 4.1: Produtos FOSHU aprovados até 2001 153
Quadro 4.2: Vitaminas e minerais reguladas sob o food With Nutrient Function
Claims – FNFC
145
Quadro 4.3 Sistema regulamentar de alegações de saúde no Japão após 2005 155
Quadro 4.4 Outros minerais regulados sob o Food With Nutrient Function Claims –
FNFC
155
Quadro 4.5 Alegações de saúde aprovadas sob a NLEA com critério de significativa
Concordância Científica
161
Quadro 4.6: Alegações de saúde aprovadas sob a FDAMA, baseadas em
Authoritative Statement
162
Quadro 4.7 Linguagem qualificadora padronizada para alegações de saúde
qualificadas
163
Quadro 4.8 Alegações de saúde qualificadas 164
Quadro 4.9 termos usados para descrever uma alegação de conteúdo de nutriente 165
Quadro 4.10 Limites máximos para nutrientes desqualificados em produtos, pratos e
refeições
165
Quadro 4.11 alegações de estrutura e função comuns no mercado americano 166
Quadro 4.12 Algumas leis importantes na constituição da União Européia 168
Quadro 4.13 Decretos e resoluções que regulam os alimentos no Brasil 177
Quadro 4.14 Lista de alegações permitidas no Brasil 181
Quadro 4.15 Alegações utilizadas no CODEX, JAPÃO, EUA, EU e BRASIL. 199
xi
ÍNDICE DE TABELAS
Tabela 1.1: Diferentes momentos históricos da trajetória da canola. 30
Tabela 1.2: distribuição das publicações sobre a colza 31
Tabela 1.3: Maiores redes de varejo do mundo em 2006 37
Tabela 1.4: Exemplos de mudanças de mundo da produção na Noruega 65
Tabela 2.1: Principais compostos funcionais. 103
Tabela 2.2: Número de alegações feitas na Finlândia 113
Tabela 3.1: Relação das categorias de produtos reconhecidas por sistemas
regulamentares de alimentos.
139
Tabela 5.1: Tamanho do mercado de alimentos funcionais em regiões
específicas (US$ bilhões)
202
Tabela 5.2: Volume de vendas mundiais de alimentos funcionais nos últimos
anos
202
Tabela 5.3: Estimativas para alimentos funcionais e nutracêuticos para os EUA
(US$ milhões)
204
Tabela 5.4: Segmentos de consumo de barras de nutrição 209
Tabela 5.5: Venda dos principais nutracêuticos a base de erva nos EUA em
2005
210
Tabela 5.6 Total estimado de vendas de suplementos à base de erva em todos
os canais de vendas nos EUA entre 1994 e 2005
211
Tabela 5.7 Total estimado de venda de suplemento à base de ervas no grande
varejo americano de 1998-2005
211
Tabela 5.8: Suplementos à base de ervas mais vendidos no grande varejo
americano
212
Tabela 5.9: Objetivos na coordenação da cadeia produtiva na Nova Zelândia 214
xii
ÍNDICE DE FIGURAS
Figura 1: Atores diretamente envolvidos com a reclassificação dos alimentos 9
Figura 2: arenas de consolidação da exploração do potencial terapêutico dos
alimentos
11
Figura 1.1: Representação dos diferentes elos de uma cadeia agroindustrial 22
Figura 1.2: Perspectiva sistema agroalimentar e seus subsistemas 26
Figura 1.3: Cadeia agroalimentar comandada pela Cargill e Monsanto 34
Figura 1.4: Cadeia agroalimentar comandada pela Conagra. Fonte 35
Figura 1.5: Cadeia agroalimentar comandada pela ADM e Novartis 36
Figura 1.6: Uso da informação nas diferentes lógicas de inovação 50
Figura 1.7: Esquema analítico dos mundos de produção 56
Figura 1.8: Mundos da produção em função da tecnologia aplicada 58
Figura 1.9: Migração de mundos da produção da Ovopel 62
Figura 1.10: Migração de mundos da produção da Natura Si 63
Figura 1.11: Migração de mundos da produção em Viterso et al (2005). 64
Figura 1.12: Migrações de mundo da produção em cooperativas da Noruega 66
Figura 1.13: Atores, relações de fornecimento e forças macro-ambientais no
SAA.
70
Figura 2.1: Evolução das atitudes dos consumidores em relação aos alimentos 87
Figura 2.2: Plano de utilização da linhaça do Flax Canada 2015. 110
Figura 3.1: Atores com interesse na institucionalização de alimentos funcionais
e nutracêuticos.
122
Figura 3.2: Exemplo de revelação dos conteúdos de um alimento. 130
Figura 4.1: Posicionamento e classificação de medicamentos e não
medicamentos no Japão. 146
Figura 4.2: Símbolo dos produtos FOSHU – jumping for life 152
Figura 4.3: Estrutura de alegações permitidas nos Estados Unidos 159
Figura 4.4: Alegações de saúde permitidas na União Européia 191
Figura 4.5: Descrição do processo de autorização de alegação que não seja de
redução de risco de doença e alegações referentes à saúde e
desenvolvimento de crianças (artigo 13 do regulamento (CE) 1924/2006)
195
Figura 4.6: Descrição do processo de autorização de alegação de redução de
risco de doença e alegações referentes à saúde e desenvolvimento de
crianças.
196
Figura 5.1: Projeções de mercado para alimentos funcionais. Fonte: Just-food
(2006)
203
Figura 5.2: Regularidade na compra de novos alimentos segundo ACNielsen 207
Figura 5.3: Fatores influenciando negativamente a compra destes produtos 208
Figura 5.4: Desempenho de produtos com algumas alegações nos EUA 208
Figura 5.6: Descrição de uma típica cadeia de suprimento de alimentos
funcionais e nutracêuticos
218
Figura 5.7: Estágios da cadeia de suprimento da indústria farmacêutica. 219
Figura 5.8: Funções-chave no mercado de funcionais 220
Figura 5.9: Direções seguidas pela internalização da produção na cadeia de
suprimento.
221
Figura 5.10: Diferentes capacitações de empresas farmacêuticas e de alimentos 222
Figura 5.11: Apresentação comercial do benecol 224
Figura 5.12: Rótulo do benecol e da Take Control, margarina da Limpton 226
Figura 5.13: Embalagens de dois sucessos de venda no novo mercado 235
xiii
Figura 5.14: Leitura da migração da Danone de mundo de produção 239
Figura 5.15: Relação entre o comportamento da oferta e da demanda em
termos de alimento com o passar do tempo.
242
xiv
GLOSSÁRIO DE SIGLAS E ABREVIATURAS
AESA Autoridade Européia de Segurança Alimentar
AESA Autoridade Européia de Segurança Alimentar
ANVISA Agência Nacional de Vigilância Sanitária
AOC Appellation d’Origine Controlée’
CAC Codex Alimentarius Comission
CCS Consenso Científico Significante
CHIBNI Consumer Health Information for Better Nutrition Initiative
CNMAC Centro Nacional para Medicina Alternativa e Complementar
CSPI Center for Social Public Interest
CTCAF Comissão Técnico-Científica de Assessoramento em Alimentos Funcionais e
Novos Alimentos
DSA Dietary Supplement Act
DSHEA Dietary Supplement Health and Education Act
EC Economia das Convenções
EU União Européia
EUA Estados Unidos da América
FAO Food and Agriculture Organization
FDA Food and Drug Administration
FDAMA Food and Drug Administration Modernization Act
FFDCA Federal Food Drug Cosmetic Act.
FHC Food with Health Claim
FIM Foundation for Innovation in Medicine
FNFC Food with Nutrition Function Claim
FOSHU Food for Specific Health Use
GCR Global Corporate Regime
GFO Global Food Order
GPN Global Production Network
GRAS Generally Recognized as Safe
IDR Ingestão Diária Recomendada
ILSI Internacional Life Science Institute
MSTB Ministério da Saúde, Trabalho e Bem-Estar do Japão
NBJ Nutrition Business Journal
NCE New chemical entities
NCE New Chemical Entities
NLEA Nutrition Labeling and Education Act
NREA Neutraceutical Research and Development Act
OMC Organização Mundial do Comércio
OMS Organização Mundial de Saúde
PASSCLAIM Process for the Assessment of Scientific Support for Claims on Foods
PDI Protected Geographical Indication
PGO Protected Designation of Origin
RASA Redes alternativas de suprimento de alimento
RCSA Redes convencionais de suprimento de alimento
SAA Sistema Agroalimentar
SBAF Sociedade Brasileira de Alimentos Funcionais
SNVS Sistema Nacional de Vigilância Sanitária
SNVS Sistema Nacional de Vigilância Sanitária
FLV Frutas, Legumes e Verduras
xv
1
INTRODUÇÃO
Este trabalho consiste da descrição e análise de um fenômeno que vem ganhando
bastante evidência nos últimos anos — a emergência de novos tipos de alimentos — e da
análise da sua repercussão sobre a questão agroalimentar. Especificamente, será dada atenção
à trajetória dos chamados alimentos funcionais ou nutracêuticos, que viraram símbolos desse
momento em que fabricantes de alimentos podem alegar que seus produtos fazem bem à
saúde.
Às vezes, eles são chamados de novos alimentos, um termo que alude a uma categoria
de produto já existente, os novel foods, reconhecidos por alguns sistemas regulamentares
como alimentos sem histórico de consumo, considerados exóticos ou oriundos da aplicação de
biotecnologia. Como mostra o Quadro 1, não há menções explícitas aos novel foods,
sugerindo que se tratam de categorias distintas, mas parecia necessário analisar a relação entre
esses conceitos.
A manifestação mais visível desse fenômeno é o surgimento de produtos com apelos
cada vez mais diferenciados (Quadro 1) e que além de nutrir, trazem um benefício a mais:
produzem saúde. É comum ver reportagens informando os expressivos resultados das vendas
nesse emergente e desconhecido mercado, além de promissoras perspectivas futuras dos
alimentos funcionais e nutracêuticos.
Quadro 1: Exemplos de lançamentos de novos alimentosi
.
Iogurte cosmético: o Essensis é um iogurte-cosmético da Danone. Esse iogurte
funcional, que age na pele, é composto por ingredientes que atuam diretamente na
região cutânea e ajudam a evitar a perda excessiva de água, retarda o processo de
envelhecimento, e melhora o aspecto e a saúde da epiderme.
Refrigerante que queima caloria: o Enviga, vendido em latas de 350 mililitros, tem
poderes de queimar calorias. Coca-Cola e a Nestlé garantem que o consumo de três
latas diárias pode queimar até 100 calorias. O segredo da bebida está em uma
substância chamada epigalocatequina galato (EGCG), presente no chá verde, que vem
sendo estudada nos laboratórios da Nestlé desde 2002. A EGCG seria capaz de acelerar
o metabolismo e provocar maior eficiência na queima de calorias. Para potencializar
esse efeito, as duas empresas acrescentaram também cafeína e cálcio.
Iogurte para o coração: o iogurte Cardivia, também da Danone, ajuda a prevenir
doenças cardíacas. Rico em ômega 3, de fontes marinhas e vegetais, o produto foi
lançado em 2006 no Canadá. A empresa garante que, apesar de ter óleo de peixe na
fórmula, o gosto e o cheiro são imperceptíveis.
Salgadinho para o cérebro: A Unilever pesquisa um tipo de salgadinho conhecido
como brain food, que estimularia a atividade cerebral e aumentaria a concentração.
Antiacne comestível: O laboratório holandês DMV criou um princípio ativo que
aumenta as defesas do organismo e combate a acne. O produto está sendo analisado por
várias indústrias alimentícias.
Chocolate anticolesterol: A empresa americana Mars criou um chocolate chamado
CocoaVia, que une substâncias presentes no cacau e na soja para reduzir o chamado
colesterol ruim (LDL).
Além do desejo de conhecer as origens e características desse novo mercado, a escolha
pelo tema, que se deu em 2005, também é motivada pelo alarde feito em relação aos
benefícios associados ao consumo dos novos alimentos: melhoria dos índices públicos de
saúde; incentivo à inovação nas indústrias; incentivos para pesquisas nas universidades;
2
incentivo às exportações dos países em desenvolvimento. Benefícios chamativos o suficiente
para um esforço de pesquisa que ampliasse o entendimento desse fenômeno, demonstrando
porque e como eles seriam alcançados.
Também contribuiu bastante para essa escolha o fato do tema estar, àquela época,
completamente ausente da literatura dedicada à questão agroalimentar. Chamava-me atenção
ver boa parte dos trabalhos estarem voltados ao entendimento da qualidade e do segmento de
consumidores como fatores influenciando a dinâmica do Sistema Agroalimentar (SAA), e não
haver menção expressiva a esse fenômeno. Por se tratar de alimentos diferenciados, parecia
relevante posicioná-los em relação às questões competitivas na oferta de alimentos no SAA.
Sistema que há bastante tempo é influenciado pelos movimentos competitivos em torno da
oferta de alimentos e das pressões por maior segurança e transparência nas práticas das
empresas.
Alimentos funcionais e nutracêuticos têm sido apresentados como alimentos que, além
de suas funções básicas nutricionais, demonstram benefícios fisiológicos e/ou reduzem o risco
de doenças crônicas. Desta maneira, eles se afastam dos alimentos ditos convencionais e
ficam posicionados como produtos diferenciados e uma alternativa para o processo de
cuidado com a saúde. Assim, acabam dividindo com alguns produtos da medicina tradicional
e alternativa o importante espaço simbólico de produção de saúde.
Enfim, surgem como uma nova perspectiva para abordar a relação dieta e saúde. A
importância dessa relação começou a ser devidamente estudada a partir da crescente
ocorrência de doenças cardiovasculares, diabetes, câncer, hipertensão e obesidade, todas
relacionadas com a ingestão excessiva de álcool, carboidratos, gorduras, açúcar, sal e aditivos
e conservantes. Por matarem mais que as doenças infecciosas, essas doenças ficaram
conhecidas como doenças da afluência, em contraposição à imagem de que doenças
infecciosas são associadas à pobreza.
Como recomendação para o bem estar do indivíduo, predominava, inicialmente, o foco
sobre os benefícios de uma alimentação rica em frutas, legumes, verduras e cereais e pobres
em ingredientes nocivos. Os alimentos processados eram vilões e a indústria ficou
completamente exposta, gerando iniciativas de exigência da revelação dos ingredientes dos
alimentos. Formou-se um consenso sobre o papel estratégico dos rótulos para promoção da
educação da população, acreditando-se que informações nutricionais presentes nos rótulos
ajudam os consumidores a fazer escolha por alimentos mais saudáveis (SILVEIRA. 2006;
HAWKES, 2004). Os rótulos viraram ferramentas de política pública.
Entretanto, depois de mudanças nos alimentos processados, como a diminuição do
nível de gordura e açúcar, tornou-se comum na cobertura sobre a relação dieta e saúde atribuir
os nomes alimentos funcionais e nutracêuticos a algumas classes de alimentos que não apenas
nutrem, mas produzem saúde, como os mostrados no Quadro 1. E são alimentos processados
com apelos tão ousados que podem deixar no consumidor a impressão de que ele está levando
um alimento que, além de ser muito gostoso, age como um verdadeiro remédio.
Primeiros passos: os novos alimentos no Brasil
Os primeiros esforços procuraram revelar a atenção dada aos novos alimentos aqui no
país, com o intuito de reunir elementos para determinar o foco que seria dado à pesquisa, uma
vez que ele tangenciava diversos aspectos, como saúde pública, desenvolvimento econômico,
inovação industrial, etc.
A reunião das primeiras referências demonstrou que havia pouco espaço dedicado ao
tema na área acadêmica. A presença mais forte era nas áreas biomédicas. Prevaleciam
abordagens com clivagem técnica, baseadas em evidências científicas do potencial terapêutico
de algumas substâncias, os termos alimentos funcionais e nutracêuticos, com algumas
3
menções à farmacoalimentos e superalimento.
A maior atenção era dedicada pela mídia, fato evidente na crescente presença desses
termos na cobertura dada para o papel diferenciador da alimentação para a manutenção da
saúde. Também era forte a presença deles nas abordagens sobre recentes tendências de
alimentação e consumo; estas feitas pelos periódicos da área de negócios. Os termos
alimentos funcionais e nutracêuticos apareciam designando produtos alimentícios que
oferecem benefícios superiores aos dos alimentos presentes no mercado, como mostra o
trecho a seguir, extraído de uma reportagem de um conhecido periódico nacional, com o título
“Revolução na Mesaii
”:
Primeiro cortaram o açúcar. E inventaram o diet. Depois reduziram a gordura.
Surgiu o light. Agora é a vez da terceira onda da mesa saudável: os alimentos
funcionais, aqueles que não apenas nutrem mas são capazes de combater
doenças ou corrigir pequenas disfunções no organismo. Não é mero marketing.
São produtos aprovados por publicações científicas e com a chancela do
Ministério da Saúde dos países onde são vendidos.
Nessa reportagem, como em muitas outras, os alimentos diferenciados são
industrializados, capazes de combater doenças e respaldados pela ciência. Essa abordagem
contrastava com outras, que os posicionavam como também sendo in natura ou um
ingrediente essencial disponibilizado para consumo, como mostra esta outra reportagem,
intitulada “Alimentos Funcionais: Nutrientes do Futuro”iii
:
“Enquanto os polêmicos transgênicos pretendem revolucionar a cadeia
produtiva, outros alimentos chegam mais discretamente às prateleiras dos
mercados e vêm ganhando espaço. São os chamados funcionais ou nutracêuticos
que são alimentos que, além de cumprirem sua função nutricional básica,
contem compostos que trazem benefícios à saúde, assim como podem auxiliar na
redução de doenças crônico-degenerativas.
Na verdade, todo alimento natural (não processado industrialmente) pode ser
classificado como "funcional", já que contém, em doses variáveis, componentes
essenciais à nossa saúde, como vitaminas, minerais, enzimas, fibras - porém,
certos alimentos contém, além destes, outros componentes com grande
capacidade protetora da saúde. É o caso do extrato de alho, da semente da
linhaça, dos cereais, da soja, dos vegetais da família dos crucíferos, dos
produtos lácteos - que tem recebido o "status" de medicamento e tem sido
classificados como alimentos funcionais”.
As primeiras constatações sobre o fenômeno, a partir de material disponível no Brasil,
demonstravam que:
• a sociedade estava mudando a visão sobre a importância da dieta, saindo de uma
perspectiva de manutenção à uma de produção de saúde.
• apesar de todos os problemas de imagem dos produtos industrializados, “saudável”
tornou-se uma imagem positiva junto ao consumidor desfrutada indistintamente por
eles e pelos alimentos in natura.
• às vezes alimentos funcionais eram vistos como a mesma coisa que nutracêuticos;
outras vezes, porém, eram alimentos distintos.
• maior atenção era dedicada ao termo alimento funcional, originário do Japão, e estava
relacionado a um programa de melhoria dos índices públicos de saúde da década de
80. As origens do nome nutracêuticos não eram esclarecidas, apenas que era fruto da
junção entre nutrientes e farmacêuticos.
4
• não havia harmonização sobre o que seriam esses novos alimentos, que podiam ser
tanto os in natura quanto os processados, em apresentação formal e em formas não
convencionais; ou mesmo ingredientes ou substâncias como vitaminas.
• havia uma grande confusão com relação aos aspectos regulamentares, pois, além de
representarem uma verdadeira interseção entre alimentos, cosméticos e medicamentos,
algo difícil de ser entendido para um indivíduo comum, não havia o reconhecimento
formal desses termos na vigilância sanitária brasileira, que diferencia alimentos de
medicamentos e de cosméticos.
À parte a questão da mudança do comportamento de consumo de alimentos, algo
notado empiricamente, os outros itens informavam que algumas questões precisavam ser
equacionadas, entre elas, a qualidade da informação disponível sobre o tema no Brasil e a
organização dos diferentes conceitos e abordagens feitas. Por exemplo, a reportagem de um
dos maiores periódicos nacionais dizia que alimentos funcionais eram produtos aprovados por
publicações científicas e com a chancela do Ministério da Saúde dos países onde são
vendidos. Um equívoco, já que, à época, não havia menção desses nomes na legislação
sanitária brasileira e a reportagem tratava justamente do lançamento desses alimentos no país!
Outro aspecto importante dizia respeito à existência de diferentes interpretações sobre
o tema. Algumas separavam alimentos funcionais de nutracêuticos. De acordo com a
Sociedade Brasileira de Alimentos Funcionais (SBAF), um alimento funcional deve continuar
sendo um alimento e deve demonstrar os seus efeitos em quantidades que possam
normalmente ser ingeridas na dieta: não é uma pílula ou uma cápsula, mas parte do padrão
alimentar normal. Por sua vez, a SBAF diz que os nutracêuticos são suplementos dietéticos
que apresentam uma forma concentrada de um possível agente bioativo de um alimento,
presente em uma matriz não alimentícia, e usado para melhorar a saúde, em dosagens que
excedem àquelas que poderiam ser obtidas do alimento normal (exemplo: licopeno em
cápsulas ou tabletes)iv
.
Para fins de montagem de um quadro inicial mais preciso sobre a ascensão dos novos
alimentos, mostrava-se alarmante o uso de maneira indiscriminada pelos periódicos não
científicos brasileiros dos termos alimentos funcionais e nutracêuticos para abordar a relação
dieta e saúde. No geral, algumas questões importantes deixavam de ser abordadas no material
(inclusive no de recorte acadêmico) disponível no Brasil sobre o tema. Foi ficando claro que
as matérias anteriores a 2005 já incorporavam uma característica comum às reportagens mais
recentes dedicadas ao tema: a combinação de exaltação do poder terapêutico de alguns
alimentos, com imagem de pioneirismo e competência da ciência e com os excelentes
resultados de algumas empresas e suas marcas. Tais interpretações deixavam a impressão de
que o surgimento desse novo mercado refletia o proveitoso encontro entre desenvolvimentos
científicos, os desejos de uma sociedade por melhor controle sobre a saúde e uma indústria
responsiva, ágil e perfeitamente capacitada para transformar conhecimento cientifico e
desejos em soluções de consumo alimentar eficazes e seguras.
Embora seja um tema que envolva inovações e aplicação e desenvolvimento de
conhecimentos científicos, não eram abordadas (i) as capacitações organizacionais necessárias
à sua produção e as condições em que esta ocorre, e (ii) os aspectos sanitários que
responderiam por questões como segurança e eficácia dos novos alimentos, dado que são
feitos apelos ousados para os produtos.
O confuso quadro conceitual e a limitação das abordagens chamavam atenção para o
desenvolvimento de uma abordagem de pesquisa que oferecesse uma perspectiva mais ampla,
com o máximo de nitidez possível, que oferecesse uma interpretação da trajetória desses
novos alimentos. Isto começou a se materializar a partir da leitura da reportagem abaixo,
intitulada “Saúde Reclassifica Alimentos”v
. A reportagem, de 1998, trazia para o centro da
5
discussão a questão da transformação internacional da regulamentação de alimentos:
A Secretaria de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde convocou
nutricionistas, farmacêuticos, médicos e outros profissionais ligados a área de
alimentação e saúde para reclassificar os produtos alimentícios brasileiros
segundo padrões internacionais. A discussão passa, necessariamente, por uma
questão de nomenclatura: alimentos funcionais, nutracêuticos, farmalimentos,
várias são as formas propostas. Mas o fundo da questão consiste em saber se
tais produtos são remédios ou alimentos.
A população, alheia a esse debate, corre riscos como o uso excessivo e
errado de substâncias utilizadas como complemento alimentar, fato que
preocupa especialistas[ . ].
Os alimentos funcionais ou nutracêuticos (nomenclaturas mais usadas no
Brasil) são produtos que apresentam grandes concentrações de determinados
nutrientes, como aminoácidos, sais minerais ou vitaminas. Segundo Márcia
Madeira, professora do Instituto de Nutrição da Universidade do Estado do Rio
de Janeiro, a denominação "alimento funcional" se dá porque ele exerce uma
determinada função no corpo humano [...].
A reportagem reforçava a ligação dos termos alimentos funcionais e nutracêuticos com
a prevalência de uma abordagem mais ousada para o cuidado com a saúde. Além disso, ela
ofereceu outros ângulos para o esclarecimento da ascensão desses alimentos, que ganharam
notoriedade em meio ao desenrolar de um processo internacional de reclassificação dos
alimentos. E de onde se evidenciava, a priori, apenas um problema de nomenclatura: qual
termo escolher entre vários propostos para nomear os novos alimentos? Fato que estava
associado a uma importante inovação regulamentar e que foi superficialmente abordada: a
atribuição de propriedades terapêuticas aos alimentos.
O Brasil, portanto, representava mais um local onde se desenrolava o processo de
transformação da legislação sanitária para formalizar o uso do potencial terapêutico dos
alimentos. Como pano de fundo desse contexto, a crescente mediação da linguagem científica,
que ocorria por meio da divulgação de resultados de pesquisa e da participação de
profissionais acadêmicos nas coberturas da mídia.
As origens dos alimentos funcionais e nutracêuticos
O aprofundamento da revisão conceitual mostrou que a emergência dos novos
alimentos está diretamente relacionada com uma experiência japonesa dos anos 80 para uso
dos alimentos como aliados na melhoria dos índices de saúde publica do país, assolado por
crescentes gastos com o tratamento de doenças crônicas, como diabetes, acidentes vasculares
e do coração, todas relacionadas aos hábitos alimentares e estilo de vida.
O governo liderou um grande esforço de pesquisa para identificação das substâncias
que respondiam pelos benefícios em alimentos usados para fins terapêuticos pela população.
O esforço originou o conceito de alimentos funcionais e estimulou a criação de uma categoria
de alimentos com propriedades de saúde, classificada como alimentos funcionais, mais tarde
modificada para FOSHU (food for special health purpose), em função de pressões da
indústria de medicamentos. Tais produtos foram definidos como aqueles desenhados e
processados a fim de expressar de forma suficiente as funções relacionadas ao mecanismo de
defesa do corpo, controle do ritmo corpóreo, a prevenção e recuperação de doença (KWAK e
JUKES, 2001a). E deveriam satisfazer as seguintes condições:
• Consistir de ingredientes ou composições convencionais e ser consumido nas formas e
métodos convencionais.
6
• Ser consumido como parte de uma dieta padrão.
• Ser rotulado como tendo controle sobre funções do corpo.
Os fabricantes dos FOSHU, depois de devida comprovação científica e escrutínio
técnico por parte do governo, poderiam alegar nos rótulos, e demais esforços de marketing, o
bem que o produto fazia à saúde. Era permitido usar substâncias naturais, sintéticas ou de
origem transgênica.
Essa iniciativa do governo japonês criou um importante precedente no paradigma de
regulamentação dos alimentos: reconhecer formalmente o potencial terapêutico dos alimentos
e permitir o uso de alegações de saúde nos rótulos e peças de marketing. E o fez pela
introdução de uma nova categoria de produtos, que poderia ter a alegação específica para ela.
As justificativas para essa inovação regulamentar foram a melhoria dos índices de saúde
pública e o incentivo à inovação na indústria. No que diz respeito aos novos alimentos, o
mercado de alimento japonês é visto como altamente competitivo já que os concorrentes
respondem rapidamente aos lançamentos feitos por uma empresa. A recepção a esses produtos
é tida como boa, dado que a grande maioria dos consumidores é bem informada, consciente
das questões de saúde, inovadora e gosta de variar sua alimentação diária (HEASMAN e
MELLENTIN, 2001). Esta experiência de reclassificação dos alimentos disseminou-se pelo
mundo dando visibilidade ao conceito de alimentos funcionais, comumente definidos fora do
Japão como um alimento que:
• possui efeitos fisiológicos comprovados que melhorem a saúde ou diminuem o risco
de uma determinada doença ou condição de saúde, além de seus valores nutricionais
básicos.
• é similar ao alimento convencional.
• é consumido como parte de uma dieta normal.
• é seguro para o consumo sem a necessidade de supervisão médica.
Os Estados Unidos dividem com o Japão os méritos pela disseminação do uso
terapêutico dos alimentos. Entretanto, essa experiência repercutiu de outra maneira por lá, e
sob a liderança do mercado (FARR, 1997). O país não criou uma nova categoria de produtos,
como fez o Japão nem reconheceu formalmente o termo alimentos funcionais. A partir de
1990 eles promoveram várias mudanças na legislação sanitária permitindo o uso de alegações
de saúde apenas para substâncias, desde que cientificamente comprovada a eficiência das
mesmas. As alegações são franqueadas, com algumas restrições, para alimentos
convencionais e suplementos alimentares.
No país, os produtos com potencial terapêutico são popularmente reconhecidos como
nutracêuticos, resultante da junção das palavras nutrientes e farmacêuticos, mas também sem
qualquer cobertura formal. O país não tem qualquer restrição ao uso de substâncias
transgênicas, mas proíbe substâncias sintéticas.
Um nutracêutico é geralmente definido como um produto isolado ou purificado de um
alimento, vendido na forma medicinal não usualmente associada com alimentos, como pós,
tabletes ou cápsulas. São produtos com benefício fisiológico demonstrado ou que ofereça
proteção contra doenças crônicas (AAFC, 2007).
O Brasil começou se organizar para abordar a questão em 1998, convocando
nutricionistas, farmacêuticos, médicos e outros profissionais ligados à área de alimentação e
saúde para reclassificar os produtos alimentícios brasileiros segundo padrões internacionais. A
razão foi o grande número de pedidos de análise para fins de registro de diversos produtos até
então não reconhecidos como alimentos, dentro do conceito tradicional de alimento. Com o
passar dos anos, além do aumento do número de pedidos, aumentou também a sua variedade e
os apelos e divulgação nos meios de comunicação desses produtos. Desde 1999 saíram várias
7
resoluções referentes à reclassificação dos alimentos, sem que fosse criada uma nova
categoria de produto ou reconhecidos os termos alimentos funcionais ou nutracêuticos. Com
relação à União Européia, apenas em 2007 começou a funcionar uma legislação que
harmonizava as práticas de uso terapêutico dos alimentos dos Estados-Membros.
Como reflexo da disseminação das primeiras experiências de reclassificação dos
alimentos, e mesmo sem cobertura formal, os termos alimentos funcionais e nutracêuticos
ficaram associados com três tendências sociais facilmente observadas e que caracterizam a
ousadia no cuidado com a saúde: mudança de um comportamento voltado ao tratamento de
doenças para outro orientado à prevenção; busca por maior longevidade e beleza e o desejo
por produtos e serviços com abordagem customizada.
Os novos alimentos simbolizam uma importante mudança no paradigma de
enfrentamento dos problemas de saúde pública relacionados à dieta. Isto porque o
comportamento voltado ao tratamento de doenças é uma notória conseqüência da chamada
healthy-eating revolution, nome dado à disseminação pelos países desenvolvidos de ações
governamentais para promoção de recomendações e novas metas dietéticas orientadas à
população adulta visando a redução de doenças, particularmente, as doenças de coração.
Faziam parte dessas metas o consumo de alimentos naturais e a redução do uso de produto
industrializado e altamente calórico.
Por sua vez, a busca por maior longevidade e beleza e o desejo por produtos e serviços
com abordagem customizada representam um novo momento social, batizado de functional
foods revolution por Heasman e Mellentin (2001). Essa revolução é entendida como a
disseminação de um comportamento individual orientado à prevenção de doenças a partir do
uso de produtos e ingredientes funcionais específicos.
A reclassificação dos alimentos: breve mudança de rota no foco da pesquisa
Uma vez que a criação de novas categorias de alimentos limitou-se à experiência
japonesa, e que não houve reconhecimento dos termos alimentos funcionais e nutracêuticos,
as alegações de saúde podiam ser endereçadas a alimentos convencionais e suplementos
alimentares, de acordo com o interesse de cada país. Era isso que consistia a reclassificação
dos alimentos, fato que conduziu a uma mudança de rota na pesquisa. A questão de pesquisa
que se evidenciava era a de investigação do processo de formalização do uso do potencial
terapêutico dos alimentos.
A reclassificação dos alimentos é bastante influenciada pelo posicionamento das
estruturas de vigilância sanitárias dos países em relação às inovações. O elemento central do
processo ora estudado é a concessão do direito de alegar que um determinado alimento além
de nutrir, pode trazer benefícios específicos à saúde, como prevenir ou tratar algumas
enfermidades e disfunções no organismo. A maior parte dos trabalhos dedicados ao tema
aborda a formalização das health claims, alegações de saúde, que significam qualquer
representação, presentes nos rótulos ou peças de comunicação, que afirme, sugira ou implique
a existência de uma relação entre um alimento ou um dos seus constituintes e o estado de
saúde (HAWKES, 2004).
As maiores atenções estão voltadas, porém, para os desdobramentos, pois diretamente
relacionadas a este direito, encontram-se questões importantíssimas, como:
• definição do alcance das health claims, dos limites para a divulgação dos benefícios
oferecidos pelos alimentos.
• determinação de que tipos de alimentos e substâncias serão beneficiados e as
condições de avaliação das alegações reclamadas.
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O uso terapêutico de alimentos é uma prática social histórica que foi perdendo sua
importância com a consolidação da indústria farmacêutica, dos medicamentos sintéticos e das
práticas de pesquisa e clínica médica, a partir da estruturação da vigilância sanitária. A
reclassificação dos alimentos é um processo extremamente complexo e envolve diversos
interesses, chamando atenção para o que está por trás dele: uma proposta diferenciada de
como as pessoas devem entender e promover os cuidados com a própria saúde. E que se
materializa, evidentemente, numa postura preventiva associada ao uso de alimentos
específicos.
A consolidação das estruturas de vigilância sanitária pelo mundo, amplamente
influenciada por uma pressão para harmonização, tornou o uso de alegações terapêuticas ou
médicas exclusividade de medicamentos. Enquanto que para os alimentos ficou altamente
restrito o uso de alegações, contribuindo para que esses ficassem reconhecidos como
tradicional fonte de energia e nutrientes indispensáveis à sobrevivência ou mesmo uma
deliciosa fonte de prazer.
O consenso é que as estruturas de Vigilância Sanitária sempre utilizaram o princípio
da precauçãovi,
posicionando-se de forma contrária à aprovação de alegações para alimentos
existentes e novos projetos de alimentos até serem totalmente descartados os risco de
contaminações e outros danos. Em síntese, diz Lucchese (2001), esse princípio consiste em
fazer uso restrito e controlado das substâncias ou processos suspeitos de causar danos até que
se obtenham evidências mais definitivas a respeito da caracterização de seu risco.
Desta maneira, em muitos países do mundo, se um fabricante de alimento quiser
alegar que o produto dele traz benefício específico à saúde, ele tem que submeter as provas ao
mesmo processo de avaliação de um medicamento. Se for bem sucedido, ele terá que vender o
produto como medicamento e arcar com um extenso e oneroso processo.
Esta realidade fez com que o foco dessa pesquisa fosse orientado para a maneira como
os países estão formalizando e materializando o uso do potencial terapêutico dos alimentos.
Ficou evidente que até que um novo alimento chegue ao mercado, questões regulamentares e
científicas são consideradas já que não são apenas interesses de atores econômicos que estão
em jogo. Também estão envolvidas questões éticas e profissionais, segurança dos alimentos,
segurança alimentar, mudança dos índices de saúde pública, propriedade e comercialização de
conhecimento e a inserção dos países onde esse processo irá se desenrolar no Sistema
Agroalimentar mundial.
Portanto, para efeito de condução deste trabalho, essa formalização é chamada de
institucionalização do uso do potencial terapêutico dos alimentos. O termo institucionalização
é usado para denotar a complexidade deste processo e a lógica que o mesmo está seguindo
enquanto se torna realidade pelos diversos países. Entende-se que um processo envolvendo
vários atores e uma complexa rede de temas associados suscita diversos questionamentos
sobre os possíveis caminhos a serem seguidos e suas conseqüentes vantagens e desvantagens,
ganhadores e perdedores.
Outro fato importante é que mesmo no plano internacional, a reclassificação dos
alimentos não é de todo conhecida, permanecendo sob os holofotes a posição destacada dos
termos alimentos funcionais e nutracêuticos. Realidade visível em qualquer busca pela
internet e nos bancos de dados de trabalhos científicos. Ainda que esses conceitos sejam
completamente distintos e sem reconhecimento formal, segundo a literatura técnica.
A institucionalização e a questão agroalimentar
Por se tratar de alimentos e de substâncias presentes em alimentos, é natural esperar
que a institucionalização do uso terapêutico dos alimentos repercuta sobre a questão
agroalimentar. Como o uso de alegações de saúde é, acima de tudo, um fator de qualificação
9
de um produto, os alimentos que a recebem oferecem oportunidade de diferenciação
competitiva única. A alegação de saúde e a imagem da substância funcional têm o poder de
elevar significativamente a imagem de um produto, contribuindo para que ele se afaste do
plano das comparações entre produtos, posicionando-o confortavelmente longe de pressões
competitivas baseadas em preço.
Em função da promessa de mudanças não muito simples na maneira como as pessoas
conduzem aspectos centrais das suas vidas, como as práticas de cuidados pessoais e hábitos
alimentares, é natural que a institucionalização do uso terapêutico dos alimentos tenha
repercussões extremamente significativas. A mais visível é, sem duvida alguma, a destruição
daquela fronteira semântica socialmente construída para separar medicamentos de alimentos;
aquela fronteira aprendida no processo de educação que delimita o que são, para que servem e
quando devem ser utilizados medicamentos, cosméticos e alimentos.
São vários os ângulos para observar essa institucionalização, pois vários são os atores
envolvidos (Ver Figura 1), mas o que tem chamado maior atenção é o da repercussão
econômica, isto é, das possibilidades de ganhos que emergem.
Figura 1: Atores diretamente envolvidos com a reclassificação dos alimentos.
Para a indústria de alimentos ela representa uma mudança radical, pois significa a
oportunidade de novos negócios com a venda de produtos de maior valor agregado. Para as
indústrias de cosméticos e medicamentos, ela sinaliza potenciais perdas.
Para analisar os reflexos dessa institucionalização sobre a questão agroalimentar,
mostrou-se necessário acompanhar como países e empresas estão se articulando. E alguns
exemplos já estão disponíveis, chamando muita atenção.
A empresa francesa Danonevii
, dona da linha de produtos Activia, já é considerada um
modelo positivo desse novo momento da indústria global de alimentos. Os analistas do
mercado de novos alimentos dizem que a empresa se reinventou. Provavelmente, essa
reinvenção diz respeito ao aumento do foco em pesquisa e desenvolvimento, fundamental
para o desenvolvimento dos novos alimentos e que, como os medicamentos, consome muito
tempo e dinheiro. Com as aquisições da Yakult e Numico, a empresa soma esforços de
pesquisa ao centro internacional de pesquisa do grupo (Danone Research Centre Daniel
Carasso) na França, que gasta anualmente cerca de 1,3 bilhões de dólares. A empresa tem
mais de 30 centros de pesquisa e 1000 cientistas espalhados pelo mundo voltados à
identificação de novas substâncias que possam ser incorporadas aos produtos. Estima-se que a
empresa leve até dez anos entre a pesquisa da substância bioativa e os testes clínicos com
seres humanos para chegar a um novo alimento funcional.
Alguns países já estão se movimentando para aproveitar os benefícios desse processo
Poder Público
Atores
acadêmicos
Sociedade Associações
profissionais
Interesses
individuais
Novos
Alimentos
Atores econômicos
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de reclassificação dos alimentos, como o Canadá, que está desenvolvendo o projeto FLAX
CANADA 2015viii
, que objetiva o reconhecimento do país como líder global no
desenvolvimento e comercialização de produtos de linhaça para melhoria da saúde humana no
ano 2015. As estimativas são de que o projeto gere benefícios à sociedade canadense na
ordem de $15 bilhões através de saúde, bem-estar e sustentabilidade ambiental. O projeto
consiste de um grande esforço de pesquisa para descobrir e comprovar o potencial terapêutico
dos subprodutos da linhaça (flax), e transferir os conhecimentos para empresas privadas
desenvolverem alimentos de maior valor agregado. A linhaça é reconhecida como uma das
poucas fontes vegetais de ômega 3, substância geralmente presente em animais e vegetais de
fontes marinhas.
Considerando que outros dois processos de institucionalização significativos para a
questão agroalimentar estão envolvidos — a dos organismos geneticamente modificados
(OGM) e dos alimentos orgânicos — evidencia-se um grande choque de interesses entre todos
os atores que formam o SAA, dos fornecedores de insumos aos pontos de vendas de produtos
finais. Entram no cenário as empresas de biotecnologia e os supermercados. Algumas
questões podem ser destacadas para nortear essa análise, e se relacionam com
questionamentos sobre (i) o tipo de alimento que poderá receber alegação de saúde
(Industrializado ou In natura); (ii) os tipos de substâncias que receberão alegações de saúde
(naturais, sintéticas ou geneticamente modificadas); (iii) as condições para comercialização
desses produtos (direta ou com recomendação médica); (iv) a harmonização das legislações, o
que influencia as importações e exportações. Os itens a seguir oferecem uma breve
perspectiva de como interesses do SAA são influenciados por esta institucionalização:
• Segurança do consumidor: a mudança na legislação sanitária, ao permitir o uso de
alegações mais ousadas para alimentos, vai flexibilizar os mecanismos de avaliação de
segurança e eficácia dos alimentos ou das substâncias? Ou vai torná-los tão severos
quanto os cobrados para medicamentos?
• Competição no sistema agroalimentar: esta institucionalização tangencia a
consolidação dos organismos geneticamente modificados e a definição das legislações
mundiais sobre os novel foods. É importante ressaltar que este processo pode definir os
organismos geneticamente modificados como design dominante de produtos
alimentícios no SAA.
• Foco em substâncias e não em produtos: esta questão mexe diretamente com os
interesses dos atores econômicos. Se o foco é em produto industrializado, ele favorece
aos atores que lidam com produtos finais. Se o foco é sobre substância, ele favorece
bastante empresas processadoras e produtoras de ingredientes e aos produtores de
alimentos com qualidade diferenciada.
• Patentes: a utilização de alegações específicas para produto abre o caminho para o uso
de patentes, o que por sua vez estimularia maiores investimentos em P&D e abertura
de novos negócios. Esta situação favorece mais as grandes empresas do que as
pequenas empresas, que seriam desestimuladas em função dos altos custos para
identificar e comprovar a eficácia e segurança dos seus produtos.
• Comercio internacional: Importações e exportações são afetadas pela complexidade
regulamentar, prejudicando países em desenvolvimento em função das legislações de
novel foods.
• Políticas públicas: as políticas públicas serão remodeladas para acomodar
transformações regulamentares? Este fato implica a redefinição de políticas públicas
para saúde, agricultura, educação e pesquisa.
Devido à sua direta relação com capacitações em P&D, é provável que esse processo
vá estimular significativas transformações nas estratégias de negócio das empresas, o que se
11
refletirá em mudanças nos modelos de negócios, no padrão de relacionamento entre empresas
e na maneira de atender ao mercado. De acordo com Wilkinson (2002), a realidade subjacente
à consolidação dos alimentos funcionais e nutracêuticos é um desafio mesmo para as grandes
empresas de alimentos, dado que nem elas têm todas as tecnologias e habilidades requeridas
para a disponibilização destes produtos para consumo.
Diferentes arenas e questões da institucionalização do uso do potencial terapêutico dos
alimentos
Como visto, o fenômeno em questão é bem mais complexo do que sugerem a maioria
dos trabalhos o abordando. Posto de maneira bem simples, os novos alimentos representam
excelentes oportunidades para casar o descobrimento científico com o crescente interesse do
consumidor em alimentos que melhoram a saúde. Contudo, experiências como a da Danone
sugerem que para os benefícios desse processo se materializar, que o casamento vingue, são
necessárias transformações na maneira como países e empresas interessadas se organizam não
apenas em termos regulamentares, mas também acadêmica e empresarialmente.
No centro de tudo está a complexidade de geração e coordenação da base de
conhecimento demandada, uma vez que este processo exige intensa atividade científica e de
P&D, mecanismos de transferência de tecnologia, tecnologia de produção e estrutura de
desenvolvimento, testagem, posicionamento e comercialização de produtos.
No que diz respeito às empresas, a experiência internacional tem alertado para a
necessidade de formação de cadeias de suprimento para viabilizar o aproveitamento dessa
oportunidade, dado que dificilmente as competências e capacitações demandadas serão
encontradas em um único ator. Com relação aos países, a tendência é o desenvolvimento de
ações governamentais em colaboração com empresas e centros de pesquisas.
Esta realidade estimulou o desenvolvimento de uma abordagem diferenciada para que
este trabalho contribuísse para a ampliação do entendimento desse fenômeno, permitindo sua
localização no tempo e no espaço e a análise das suas implicações. Então, optou-se por
desenvolvê-lo pela perspectiva da descrição e análise de arenas em que o processo de
institucionalização se desdobra (ver Figura 2). A idéia era oferecer uma contribuição mais
consistente sobre os eventos e questões presentes no caminho percorrido pelos novos
alimentos dos laboratórios aos pontos de vendas. O que, por sua vez, facilitaria a visualização
da sua influencia sobre questão agroalimentar. Como será visto adiante, os capítulos deste
trabalho representam as arenas.
Figura 2: Arenas de consolidação da exploração do potencial terapêutico dos alimentos.
A investigação bibliográfica demonstrou que, independente do país onde ocorra, esta
institucionalização percorre três arenas intimamente relacionadas — científica (laboratorial),
regulamentar e de mercado — e onde a dimensão regulamentar define a sua dinâmica.
Chegou-se a essa divisão observando a distribuição das abordagens feitas nos trabalhos
revisados, quando foi ficando patente a convergência dos diversos assuntos abordados para as
três arenas selecionadas. Procura-se contemplar estas arenas na estruturação deste trabalho.
Devido à sua centralidade, a arena 2 envolve fatos relativos à transformação dos
sistemas de vigilância sanitária dos países. Trata-se da transformação das estruturas jurídicas
(relativa à legislação sanitária) e organizacionais (dos órgãos e procedimentos de atuação
destes) pensadas para tratar das ameaças à saúde pública resultantes do modo de vida
Dimensão
regulamentar
Dimensão
científica
Arena 1 Arena 2
Dimensão
mercado
Arena 3
Saúde Pública?
Desenvolvimento?
Lucros?
Novos
alimentos
12
contemporâneo, completamente baseado no consumo. Neste caso, do uso e consumo de novos
materiais, novos produtos, novas tecnologias e novas necessidadesix
. Tradicionalmente, as
estruturas de vigilância sanitária dividem os medicamentos de alimentos e cosméticos,
impondo sérias restrições às alegações que os fabricantes de alimentos podem fazer sobre seus
produtos, proibindo, inclusive, alegações medicinais, as que sugerem que um alimento pode
ser usado para cura e tratamento de doenças. Aqui também são exploradas as modificações
que os paises fizeram em termos de uso de alegações de saúde. As principais definições sobre
alegações de saúde são abordadas aqui.
Os trabalhos que se encaixam na arena 1 são mais técnicos, envolvendo,
predominantemente, áreas das ciências naturais e biomédicas, onde o papel da pesquisa é
altamente evidenciado na descoberta de novas interações entre alimentação e saúde.
Basicamente, são investigadas quais substâncias respondem pela mudança do estado de saúde
de uma pessoa e em que condições elas operam. Do ponto de vista da pesquisa, analisam-se as
tendências em termos de consolidação das trajetórias de inovação. Do ponto de vista prático,
o conhecimento gerado nesta arena leva ao desenvolvimento de novos produtos e conceitos e
à comprovação da segurança e eficácia dos mesmos. A questão central que emerge é se os
alimentos serão considerados benéficos à saúde à maneira como ocorre com os
medicamentos, ou seja, submetidos a análises epidemiológicas, de mecanismos biológicos e
ensaios ou intervenção clínicas? A maioria dos trabalhos disponíveis sobre os assuntos
“functional foods” e “nutraceuticals” pertence a esta arena. Nela também são feitas as
principais revisões conceituais sobre alimentos funcionais, nutracêuticos e substâncias
bioativas.
A dimensão mercado (Arena 3) envolve aspectos de organização das atividades
econômicas e da aceitação desses produtos no mercado. O argumento é que uma vez
comprovados os benefícios alegados para uma substância bioativa e contemplada a questão
regulamentar, vem o processo de adequação desta às condições de produção e consumo de
alimentos, ou seja, sua transformação em produtos. Analisa-se como se conformará e
comportará a cadeia de suprimento destes produtos, e como os atores interessados se
articulam. Algumas questões são bem evidentes em termos de produto: lançamento e
consolidação de novos projetos de produtos e marcas; reposicionamento de produtos e marcas
existentes. Em termos estratégicos, analisam-se as movimentações dos atores para
viabilização dos produtos, isto é, dos investimentos, parcerias, fusões, aquisições
empreendidas da área de plantio aos pontos de venda. Esta arena também envolve as
conseqüências deste processo, suas repercussões em termos de consumo individual e de saúde
pública. Conforme mostram alguns estudos pertencentes a esta arena, trata-se de algo que
passa pela conquista da confiança da sociedade, pois esta precisa acreditar nos benefícios
alegados nos rótulos ou propagandas dos produtos.
Além dos problemas de confusão conceitual e limitação de abordagem, é raro
encontrar trabalhos dedicados ao tema que o abordem de maneira sistêmica, prevalecendo o
foco sobre questões específicas: evidências científicas; aspectos legislativos; comportamento
do consumidor. Desta maneira, deixa-se de fornecer um quadro mais amplo do que seja esse
processo, como ela acontece e quais as conseqüências para a sociedade. Devido à magnitude
dos interesses envolvidos, trata-se de algo extremamente relevante e que justifica esforços de
pesquisa que contribuam para o entendimento de como a sociedade brasileira será afetada
pelo mesmo. Portanto, o presente estudo procurou preencher estas lacunas, usando a
perspectiva de arenas da institucionalização para fornecer um amplo painel de visibilidade da
disseminação mundial da uso do potencial terapêutico dos
O uso de alegação de saúde para alimentos tem sido pouco estudado no Brasil,
prevalecendo os estudos de áreas com recorte mais técnico, como os das áreas de biomédica e
de tecnologia de alimentos. Os trabalhos de Franco (2006) e Silveira (2006), ambos da área
13
biomédica, fazem uma revisão sobre o tema objetivando a análise e comparação da legislação
brasileira, nos aspectos de desenvolvimento, avaliação e comercialização dos alimentos
funcionais, com a legislação de outros países.
Premissas para o desenvolvimento do trabalho
Das arenas surgiram questões relevantes para a condução dessa pesquisa. Neste
sentido, um aspecto central é analisar como a institucionalização no Brasil se alinha com os
processos ocorridos no Japão e Estados Unidos, devido à centralidade destes países nesse
processo. E também com a experiência da União Européia, muito em função do seu mercado
consumidor, importância para o comercio internacional e também pela reação demonstrada lá
contra os organismos geneticamente modificados. Será investigada a possibilidade de
harmonização regulamentar e as possíveis conseqüências sobre a dinâmica do SAA brasileiro,
à maneira como ocorreu com os medicamentos.
A institucionalização representa oportunidade única para que empresas e países façam
seu posicionamento estratégico no SAA mundial. Historicamente países e empresas têm se
posicionado estrategicamente refletindo uma tendência de divisão internacional do trabalho na
produção e fornecimento de alimentos. Observam-se, de um lado, os países e empresas que
produzem tecnologia e produtos de maior valor agregado e, do outro lado, países e empresas
que produzem produtos sem valor agregado e que são importadores de tecnologia. O foco da
institucionalização sobre as substâncias bioativas, que efetivamente respondem pelo benefício
à saúde, abre espaço para uma revisão dessas estratégias, a partir do estímulo econômico que
será dado a cultivares até então fora do mainstream dos produtos alimentícios. Neste caso, há
que se analisar como será conduzido o processo de institucionalização em cada país. Isto é, se
eles irão refletir a existência de uma abordagem sistêmica, envolvendo políticas e ações
governamentais consistentes e bem desenhadas ou investimentos em pesquisa e
desenvolvimento feitos isoladamente por firmas individuais?
Com relação às substâncias, é importante definir para quais tipos podem ser
reclamadas propriedades terapêuticas. Além de afetar aspectos como exportação e
importação, esta definição influenciará significativamente as movimentações competitivas dos
atores econômicos do SAA (dimensão oferta) no país. No caso das substâncias, deve-se
definir se serão aceitas alegações apenas para substâncias naturais ou se também serão
permitidas alegações para substâncias obtidas por meio de manipulação genética ou processos
sintéticos. No caso dos alimentos, deve-se definir entre os seguintes tipos de alimentosx
:
• que naturalmente contenha quantidade suficiente de uma substância funcional. P.ex.:
aveia com betaglucana.
• que tenha um componente naturalmente aumentado através de técnicas produtivas ou
manipulação genética. P. ex.: Ovos com teor de ômega 3 aumentado através de
mudança na alimentação do frango ou o Golden Rice, arroz que recebe mudança
genética para ter teor de vitamina A.
• que tenha formulação alterada para incorporar um ingrediente funcional. P.ex.:
Margarina fortificada com esteróis vegetais.
• que a natureza de um ou mais componentes ou sua biodisponibilidade em humanos
tenha sido modificada por meio de tecnologias especiais de processamento. P.ex.:
Fermentação com bactérias específicas para alcançar peptídeos bioativos.
• que teve um componente deletério removido, reduzido ou substituído por outra
substância com benefícios especiais. P. ex. Goma de mascar adoçada com xilitol ao
invés de açúcar.
14
Dado que não há duvidas sobre a ocorrência de repercussões econômicas em função
desta institucionalização, resta saber quem serão os favorecidos e os prejudicados. As
empresas farmacêuticas têm muito interesse nessa definição, principalmente se a nova
legislação previr a possibilidade de reposicionamento de substâncias que já foram
medicamentos, como ingrediente de alimento. Todavia, essa perspectiva não interessa às
empresas de biotecnologia, mesmo que muitas delas tenham operações farmacêuticas, que
ainda apostam no potencial da biotecnologia para produção de substâncias diferenciadas.
Muito menos às empresas processadoras de alimentos e alguns fabricantes de alimentos finais,
altamente especializados em grãos e que já desenvolvem substâncias extraídas desses grãos,
como é o caso da Quaker com aveia e da Bunge com a Soja. Também devem ser considerados
os interesses dos grandes fabricantes de alimentos, especialistas no desenvolvimento de
marcas, como a Unilever e Nestlé.
Se o foco regulamentar prevalecer sobre as substâncias, sugerindo que todo alimento é
funcional em certa medida, essa posição vai de encontro aos interesses das indústrias de
alimentos, pois não gera a possibilidade de exclusividade para alimentos industrializados, isto
é, sobre produtos específicos. De fato, isso beneficiaria os atores envolvidos com a produção
de orgânicos. No que diz respeito ao tipo de substância, entende-se que o foco deva recair
sobre aquelas de ocorrência natural, favorecendo a rica biodiversidade brasileira. Com relação
ao tipo de produto, é possível que aja permeabilidade da legislação para todos os tipos de
produto, principalmente, pelo fato do país ter sido permeável aos organismos geneticamente
modificados, sugerindo que os produtos oriundos do uso desta tecnologia devam prevalecer.
Num sentindo mais amplo, esta definição influenciará as ações mercadológicas das empresas
com relação ao lançamento de produtos novos para o mundo, novas linhas de produto, novos
produtos numa linha já existente ou reposicionamento de produtos existentes.
Objetivos e considerações metodológicas
A adoção da perspectiva de arenas visou a construção de um amplo painel de
visibilidade da ascensão dos alimentos funcionais e nutracêuticos, com o intuito de esclarecer
o que são “novos alimentos”, as condições em que eles estão sendo apresentados pelo mundo,
e as conseqüências para a questão agroalimentar.
Especificamente procurou-se com este trabalho:
• posicionar os novos alimentos nas tendências de oferta de alimentos no SAA.
• identificar possíveis conseqüências deste processo sobre a estrutura de oferta do SAA,
procurando abranger aspectos de estratégia de negócio e de produto.
• esclarecer os impactos econômicos da produção e consumo dos novos alimentos.
• demonstrar como Japão, Estados Unidos e União Européia promoveram as
transformações da estrutura de vigilância sanitária e as tendências de uso de alegações
de saúde, assim como os caminhos seguidos pela Brasil neste sentido.
Do ponto de vista metodológicoxi
, o trabalho se caracteriza por sua natureza
qualitativa. Procurou-se interpretar o fenômeno em questão descrevendo-o e explorando suas
principais características e implicações. Opta-se por essa abordagem pelo fato dela oferecer
um nível de análise adequado para a visualização das possíveis conseqüências sobre o
funcionamento do SAA. Devido à baixa incidência de estudos da área de ciências sociais
dedicados ao tema, abriu-se mão de abordagens metodologicamente mais complexas que, por
um lado, permitiriam controlar características ou correlacioná-las para chegar a um nível
extremamente detalhado de explicação do mesmo, e, por outro, uma interpretação mais
aprofundada a partir da aplicação de um arcabouço teórico mais sistematizado.
15
Como esclarece a área de métodos e técnicas de pesquisa, um acontecimento não deve
ser considerado um simples objeto de observação, mas uma oportunidade para se empreender
uma análise empírica de um fenômeno da realidade (referência). Este foi justamente o intuito
que dirigiu este trabalho: abordar os alimentos funcionais e nutracêuticos como um fenômeno
da realidade recente e desenvolver uma estrutura que proporcionasse maior conhecimento
sobre eles.
Isto mostrou-se um grande desafio, pois, como mencionado anteriormente, optou-se
por uma abordagem diferenciada para que este trabalho contribuísse para a ampliação do
entendimento desse fenômeno, o que levou à perspectiva da descrição e análise de arenas
(dimensões) em que o processo de institucionalização se desdobra (Figura 2). O uso de uma
metodologia muito específica levaria à abstração típica do positivismo científico e à seleção
de aspectos específicos do objeto, ou seja, ao isolamento de uma parte do objeto e da
concentração dos esforços para conhecê-lo. Em outras palavras, dissecá-lo até descobrir mais
particularidades dentro de uma realidade já bem segmentada. Outro fator importante foi a
falta de conteúdo relevante sobre o tema na área de ciências sociais e humanas.
Desta maneira, fudamentam esta abordagem os métodos qualitativo e descritivo de
pesquisa. O primeiro método enseja que se estude o objeto no sentido de interpretá-lo em
termos do seu significado maior, não carecendo de técnicas quantitativas. Como é típico deste
método de pesquisa, procurou-se considerar a totalidade, e não dados ou aspectos específicos
da emergência de novos alimentos no SAA. O método comparativo se realiza pela análise de
sujeitos, fenômenos ou fatos, com o propósito de destacar as diferenças e semelhanças entre
eles. Ele fundamentou o desenvolvimento dos capítulos sobre a dimensão regulamentar e
conduziu ao esforço comparativo das realidades regulamentares do Japão, União Européia,
EUA e Brasil.
Esta pesquisa também se caracteriza pelos seus processos exploratórios e descritivos.
O primeiro processo dá à pesquisa exploratória a opção de ser empreendida quando se tem
poucos dados disponíveis, situação vivida neste trabalho. Assim, procura-se aprofundar e
apurar idéias e a construção de hipóteses. O segundo processo dá à pesquisa descritiva a
característica de buscar enumeração e ordenação de dados, sem o objetivo de comprovar ou
refutar hipóteses exploratórias, abrindo espaço para pesquisas explicativas, aquelas
normalmente fundamentadas em experimentação. Espera-se, portanto, que este trabalho
contribua para isso.
Como informa o método desta pesquisa, não foi utilizado nenhum processo
quantitativo no trabalho. Na pesquisa quantitativa a realidade (o fenômeno ou suas partes) é
expressa em números. O uso de ferramental quantitativo paramétrico ou não paramétrico faz
com que os dados sejam analisados de maneira bem objetiva, tornando a abordagem mais
empírico-analítica. Ao contrário dessa, na pesquisa qualitativa a realidade é verbalizada. Isto
é, os dados recebem tratamento interpretativo, com interferência maior da subjetividade do
pesquisador, tornando a abordagem mais reflexiva.
Ainda com relação ao tipo de pesquisa, cabe ressaltar o uso de pesquisa bibliográfica e
de estudo de caso. Uma característica central deste trabalho é a intensa pesquisa bibliográfica.
Segundo Alyrio (2007), o exercício básico na pesquisa bibliográfica é a investigação em
material teórico sobre o assunto a ser trabalhado. E deve compreender o máximo da
bibliografia de domínio público em relação ao assunto estudado, considerando livros,
publicações avulsas, boletins, jornais, revistas, monografias, dissertações, teses etc. Utilizou-
se neste trabalho pequenos estudos de caso. Neste tipo de pesquisa, o pesquisador dedica-se
ao estudo intenso de situações do passado, que possam ser associadas a situações presentes,
em relação a uma ou algumas unidades sociais: indivíduo(s), grupo(s), instituição(ões),
comunidade(s), como também salienta MARTINS (1994).
16
Descrição do Trabalho
Conforme mencionado anteriormente, a estruturação do trabalho priorizou a produção
de uma descrição mais abrangente do fenômeno, dividindo este em arenas. No capítulo 1
apresenta-se uma breve descrição de como anda a questão agroalimentar, para analisar como a
institucionalização do uso do potencial terapêutico dos alimentos repercute sobre a dinâmica
desta questão. O capítulo traz uma breve descrição das tendências no fornecimento de
alimentos e na organização das respectivas atividades produtivas. Esta abordagem é
influenciada pela ênfase dada pela literatura ao que aqui será chamado de “contínua
transformação da questão agroalimentar”. Diferentes conceitos foram utilizados para fornecer
um amplo painel de visibilidade sobre a oferta de alimentos e os interesses dos atores com ela
envolvidos; e de onde se destaca o papel diferenciador que a qualidade tem desempenhado. O
capítulo também oferece uma descrição do ambiente de negócio a partir da identificação dos
comportamentos estratégicos dos atores econômicos e da análise de como estes se
consolidaram com o tempo, inspirados num contexto em que a qualidade e sua relação com as
movimentações (reações) dos consumidores assumem significativa importância.
No capítulo 2 analisa-se a emergência dos termos alimentos funcionais e nutracêuticos
e sua relação com o processo de reclassificação dos alimentos. Esta primeira dimensão do
processo de institucionalização desses alimentos é denominada científica devido à
centralidade exercida por este tipo de conhecimento nas análises disponíveis sobre a relação
entre dieta e saúde. Ele começa com a revisão da literatura que define o que são alimentos
funcionais e nutracêuticos, explica os contextos em que os mesmos emergem e ganham
visibilidade, e apresenta as principais definições subjacentes aos interesses de formalização
dos mesmos como novas categorias de produto alimentício. Também são abordados exemplos
de como os países estão se mobilizando para dar conta dessa oportunidade, uma vez que os
ativos de produção de conhecimento são caros e os resultados da pesquisa demandam tempo
para aparecer.
O capítulo 3 é dedicado à primeira parte da segunda arena do processo de
institucionalização. Explica-se o que é a estrutura de regulamentação dos alimentos, o
significado do processo de reclassificação dos alimentos em curso e como está repercutindo as
experiências japonesas e americanas. Recupera-se os principais conceitos de alegações de
saúde e como está constituído o ambiente internacional de regulamentação dos alimentos.
O capítulo 4 complementa a investigação sobre a terceira arena do processo de
institucionalização do uso do potencial terapêutico dos alimentos. O capítulo anterior
demonstrou como funciona a estrutura de regulamentação de alimentos, os tipos de alimentos
existentes e como repercutiu a experiência japonesa e americana pelo mundo.
Especificamente, foram demonstradas e explicadas os conceitos que respaldam as alegações
que podem ser feitas e no que elas implicam em termos de políticas públicas e incentivos à
atividade econômica. Este capítulo explora como que os SNVS japonês, americano, brasileiro
e europeu incorporaram tais conceitos. Em suma, descreve-se como se encontra nestes países
o ambiente regulamentar do emergente mercado de novos alimentos. A escolha desses países
é justificada pelo fato da reclassificação dos alimentos ter começado no Japão e ter ganhado
significativo impulso nos EUA; pela conhecida centralidade econômica, política, tecnológica,
científica deles e a importância dos seus mercados de produção de alimentos e de consumo.
No capítulo 5 descreve-se o que está ocorrendo na terceira arena do processo de
institucionalização do uso do potencial terapêutico dos alimentos: a dimensão mercadológica.
Procura-se oferecer um panorama do mercado de novos alimentos, apresentando-se números
das vendas. Faz-se, especificamente, uma descrição ampla de como são desenvolvidas as
atividades produtivas dos chamados alimentos funcionais e nutracêuticos considerando a
perspectiva de paises e empresas. Em geral, a literatura dedicada aos temas dessa arena
17
salienta que a materialização de todo potencial e promessas do novo mercado — que produtos
e serviços novos, promissores, seguros e com credibilidade estejam disponíveis para consumo
— depende da competência de governos e empresas para lidar com desafios impostos pelo
desenvolvimento e aplicação de novos e confiáveis conhecimentos e com a construção de
credibilidade para os novos produtos.
18
CAPÍTULO 1 – TENDÊNCIAS NO FORNECIMENTO DE ALIMENTOS
Para analisar como a institucionalização do uso do potencial terapêutico dos alimentos
repercute sobre a questão agroalimentar, este capítulo traz uma breve descrição das tendências
no fornecimento de alimentos e na organização das atividades produtivas. Esta abordagem é
influenciada pela ênfase dada pela literatura ao que aqui será chamado de “contínua
transformação da questão agroalimentar”. Os trabalhos dedicados a este tema demonstram os
rumos que a atividade de fornecimento de alimentos está seguindo, contemplando
transformações ocorridas desde os tempos em que produção e consumo de alimentos eram
atividades domésticas correlatas, de expressão local.
O paradigma predominante na literatura é o da análise do funcionamento de um
complexo sistema de provisão de alimentos, onde diversos atores econômicos formam
subsistemas que desempenham distintas tarefas desde a propriedade rural até os pontos de
venda de alimentos. Sistema usualmente chamado de Sistema Agroalimentar (SAA). Esta
interpretação da questão agroalimentar, principalmente a relacionada à visão da economia
política, produz um conjunto de imagens muito rígido do SAA. Uma possível representação
dessas transições da questão agroalimentar aponta para a existência de um SAA global
constituído de complexas cadeias de fornecimento de alimentos e com alcance cada vez mais
longo. Este sistema é predominantemente marcado pela hegemonia da padronização na
produção e consumo de alimentos, onde grandes corporações de insumos agropecuários,
produção agropecuária e processamento de alimentos articulam complexos contratos de
produção de produtos agropecuários fornecidos para grandes corporações de alimentos finais
especializadas no desenvolvimento de produtos de consumo e de marcas. Por sua vez, estas
empresas interagem com grandes corporações especializadas na distribuição de alimentos
contribuindo para que estes sejam consumidos cada vez mais distantes de onde foram
produzidos.
Por outro lado, outras interpretações acadêmicas chamam atenção para uma
representação da questão agroalimentar com imagens menos rígidas: a da fragmentação da
provisão de alimentos. Dá-se destaque a um padrão de organização das atividades produtivas
que se aproxima bastante das características basilares da questão agroalimentar: expressão
local, no máximo regional; incorporação seletiva de tecnologias de gestão e produção; maior
proximidade entre produtores e consumidores e a ênfase no consumo de produtos naturais e
frescos.
Apesar do caráter puramente representativo dos trechos expostos acima, eles
possibilitam inferências sobre as trajetórias seguidas pelos atores envolvidos com a produção
e consumo dos alimentos até chegar neste contexto em que os produtores de alimentos podem
alegar abertamente que seus produtos modificam o estado de saúde humano. Neste sentido, o
esforço teórico aqui envidado objetivou dar mais substância e realismo a estas representações,
analisando quem são os atores envolvidos com a provisão de alimentos, como se organizam e
as apostas que fazem, para identificar como a reclassificação dos alimentos os influencia.
Diferentes conceitos foram utilizados para fornecer um amplo painel de visibilidade sobre a
oferta de alimentos e os interesses dos atores com ela envolvidos; e de onde se destaca o papel
diferenciador que a qualidade tem desempenhado.
Este capítulo também oferece uma descrição do ambiente de negócio a partir da
identificação dos comportamentos estratégicos dos atores econômicos e da análise de como
estes se consolidaram com o tempo, inspirados num contexto em que a qualidade e sua
relação com as movimentações (reações) dos consumidores assumem significativa
importância. Contextos em que limites à globalização do SAA têm sido crescentemente
demarcados por questões locais, nacionais e regionais, como mostram Nygard e Storstad
19
(1998), ou simplesmente pelas lacunas deixadas pelo incompleto processo de substituição ou
apropriação dos ciclos orgânicos da natureza como apontaram Goodman et al (1987).
Contextos e lacunas de onde emergem diferentes visões se como pensar, gerenciar e propor
políticas para a questão agroalimentar. Para alcance dos objetivos propostos será dada maior
ênfase aos atores envolvidos na produção e disponibilização dos alimentos, ou seja, à
dimensão oferta, mais especificamente às suas modalidades.
1.1 Sistemas, cadeias e redes: uma breve explicação para a linguagem adotada neste
trabalho.
O desenvolvimento deste capítulo foi baseado numa abordagem teórica que endossa o
argumento de Wilkinson (1997) de que abordagens que ampliem o entendimento sobre a
crescente valorização da qualidade no alimento oferecem maiores recursos para análise da
dinâmica da reestruturação do SAA.
A leitura dos trabalhos que procuram explicar o comportamento de produção e
consumo de alimento corrente aponta para certa “leveza” do conceito de qualidade, dado que
o mesmo está sujeito a interpretações e apropriações bem distintas. Por um lado tem-se a
abordagem da qualidade industrial, uma resultante do aprimoramento dos métodos de
produção e controle dos processos produtivos. Por outro, tem-se a abordagem da qualidade
artesanal, uma resultante da preservação de práticas históricas de manipulação dos alimentos e
da produção de alimentos menos complexos. Assume-se neste trabalho que a dinâmica de
fornecimento de alimentos será influenciada pelo constante jogo entre atores advogando pelas
diferentes abordagens de qualidade para mostrar quem tem mais autoridade ou legitimidade
para propor elementos práticos e conceituais que definem qualidade nos alimentos. Assim,
dado que o uso de alegações qualifica os alimentos, fica mais fácil entender como que o
processo de reclassificação dos alimentos influenciará a questão agroalimentar.
Neste sentido, espera-se oferecer uma análise mais completa dos princípios e questões
que:
• informam a diferenciação de produtos pela qualidade como a dinâmica central
do fornecimento de alimentos.
• posicionam a inovação nos formatos organizacionais (modelos de negócios) e
nas formas de coordenação da atividade produtiva como saída estratégica para
lidar com o acirramento da competição num contexto de crescente globalização
e concentração de capital.
Do trabalho de Storper (1997) foi extraído o conceito de “Worlds of production” para
explorar quais são os mundos da produção de alimentos. Para dar conta da relevância da
qualidade como fator competitivo diferenciador, Storper e muitos autores recorrem à
contribuição da Teoria ou Economia das Convenções (EC) pelo fato desta perspectiva teórica
oferecer conceitos diferenciados para um melhor entendimento da maneira como a realidade
econômica é produzida (WILKINSON, 1997; MURDOCH e MIELE, 1999, MURDOCH et
al, 2000; STRÆTE, 2004; VITTERSØ et al, 2005; PARROT et al, 2002). Além do padrão de
articulação de interesses de diversos atores, também é possível analisar os eventos pelas
perspectivas temporal e espacial.
Ao contrário do mainstream da economia política, a EC não fica centrada apenas nas
robustas cadeias de commodities para explicar a questão agroalimentar: ela abre espaço para a
legitimação de outras perspectivas de fornecimento de alimentos, dando visibilidade às
iniciativas diferenciadas de fornecimento de alimento. E isso ocorre pela ampliação das
20
categorias analíticas utilizadas, chamadas comumente de convenções, melhor explicadas
adiante.
A EC surge na França como resultado de trabalhos sediados no French National
Institute for Agricultural Research (INRA) a partir da década de 80. Entre os autores estão
Thévenot, Boltanski, Eymard-Duvernay, Allaire e Boyer, que procuravam demonstrar como
se produzem os acordos econômicos, isto é, como se dá o processo de coordenação das
atividades inerentes aos acordos (WILKINSON, 1997; FONSECA, 2005). Em função da
natural divergência de interesses entre atores, essa abordagem propicia o entendimento das
modalidades de cooperação entre eles, preocupando-se com a análise dos processos e das
condições em que ocorre a coordenação. Para Morgan et al (2006), as análises da EC
baseiam-se no entendimento de que qualquer forma de coordenação de atividades (na
realidade econômica, política ou social) exige algum tipo de concordância entre os
participantes, diferente da perspectiva do pragmatismo da imposição do poder por uma parte
dominante. Desta maneira, afirma Fonseca (2005), para que aconteçam as trocas e,
conseqüentemente, a coordenação, é necessário o estabelecimento de convenções (formais ou
informais) que especificam o curso das ações econômicas.
Portanto, a EC se concentra sobre as diferentes práticas de montagem e justificação de
discursos e padrões de comportamento por parte dos atores que interagem em sistemas
produtivos. A dinâmica de construção e legitimação dos apelos dos atores é o objeto das
análises que realçam como diferentes recursos (materiais e imateriais) são combinados no
constante esforço de produção de consensos e superação de dissensos, algo comum no interior
de qualquer atividade econômica dada à diferença de interesses. Sob esta abordagem toda
atividade produtiva assume a forma de ação coletiva, e que esta depende da coordenação de
vários atores e entidades existentes dentro de diferentes estruturas de ação (STORPER, 1997).
Os resultados são socialmente construídos, ou seja, convencionados.
De acordo com Fonseca (2005), o aporte conceitual da EC focaliza, sobretudo, o
aspecto da coordenação. O trecho a seguir oferece uma visão mais clara da dinâmica do
processo de produção de consenso e superação de dissenso:
“O ponto de partida é a solução do problema de coordenação. A convenção
supõe uma escolha. Ela existe porque os agentes escolhem ao mesmo tempo, e
devem calcular sua escolha com base na escolha dos outros. A incerteza limita
suas capacidades de antecipar outras ações dos agentes, portanto, eles preferem
adotar o procedimento ou a regra. Indivíduos concordam com a convenção como
uma ferramenta para a ação, e é um bom caminho para manter a coerência da
convenção. Também, a convenção é evolutiva de acordo com as escolhas dos
atores”.
No que diz respeito à construção social da qualidade, Wilkinson (1997) pontua que os
mercados só funcionam com base na definição a priori da qualidade dos produtos a serem
trocados. Quando os atributos geradores da qualidade são difíceis de serem capturados ao
nível sensorial pelo usuário e consumidor, a identificação requer a intermediação de normas e
métodos de avaliação que por sua vez são incorporados em instrumentos ou coisas que
representem esses valores. Desta maneira, a qualidade do produto é interpretada à luz de uma
avaliação dos produtores e organizações subscrevendo os produtos e o controle de qualidade é
garantido, preferencialmente, através da consolidação de redes e o desenvolvimento de
relacionamentos baseados na confiança.
Fonseca (2005:42) reforça esta questão:
“Na Economia das Convenções a questão da coordenação entre os agentes
funda-se sobre convenções de qualidade na perspectiva de uma construção
endógena da qualidade, obtida por meio da participação efetiva dos agentes e da
2008.tese_marco_souza (1).pdf
2008.tese_marco_souza (1).pdf
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  • 1. UFRRJ INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO DE CIÊNCIAS SOCIAIS DESENVOLVIMENTO, AGRICULTURA E SOCIEDADE (CPDA) DOS LABORATÓRIOS AOS PONTOS DE VENDA: UMA ANÁLISE DA TRAJETÓRIA DOS ALIMENTOS FUNCIONAIS E NUTRACÊUTICOS E SUA REPERCUSSÃO SOBRE A QUESTÃO AGROALIMENTAR MARCO ANTÔNIO FERREIRA DE SOUZA 2008
  • 2. ii UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO DE CIÊNCIAS SOCIAIS EM DESENVOLVIMENTO, AGRICULTURA E SOCIEDADE MARCO ANTÔNIO FERREIRA DE SOUZA Tese submetida como requisito parcial para obtenção do grau de Doutor em Ciências, no Curso de de Pós-Graduação em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade, área de Concentração em Instituições, Mercado e Regulação . TESE APROVADA EM -----/-----/------ ______________________________________ John Wilkinson. (Dr.) UFRRJ/CPDA (Orientador) ____________________________________ George Flexor (Dr.) UFRRJ/IM ____________________________________ Marcelo Álvaro da Silva Macedo (Dr.) UFRRJ/DCAC ____________________________________ Lavínia Davis Rangel Pessanha (Dra.) IBGE ____________________________________ Maria Fernanda de A. C. Fonseca (Dra) PESAGRO
  • 3. iii DEDICATÓRIA Minha mãe e a luta pela vida. Meu pai e o futebol. Eu e a tese. Dedico esta tese a minha mãe e meu pai. Infelizmente eles não estarão presentes nesse momento tão importante para um dos seus filhos. Filhos de uma viagem que a vida fez abreviar mais cedo do que normalmente esperam os que amam. Mais cedo até do que o mundo merecia, pois eles foram pessoas de dignidade marcante e ainda tinham muitos exemplos a dar. Dona Tininha nos deixou faz 27 anos, mas me deixou um legado de luta e um forte sopro de vida que me acompanha desde que tomei consciência da sua luta e força. Mesmo doente, ela continuou indo às aulas no colégio onde procurava estudar para recuperar o tempo que a infância pobre a roubou. Seu lema era: "sempre em frente". A uma professora ela confessou: "só paro quando a morte chegar". Durante o doutorado procurei exercer essa herança que não me deixa ficar parado ou optar pelo caminho da banalidade e da mediocridade. Mãe, tentei superar os limites! Acredite, não fugi à luta. Seu Antônio Goulart partiu faz 3 anos. Ele pegou o início da luta que foi fazer esse doutorado sem bolsa e afastamento. Eu quis muito lhe dar este presente. Ele tinha esperança que eu fosse jogador de futebol, que o filho "comesse a bola", como se diz no linguajar boleiro. Eu o frustrei: gostei de estudar, não servi para o futebol. Mas como estudante procurei deixá-lo orgulhoso, tentei compensar no estudo o pereba no futebol, já que ele foi craque, "comeu a bola" e não gostava de perder. Pai, posso dizer que me envolvi tanto com esse esforço que eu "comi a tese". Isso mesmo, para saber mais sobre os alimentos funcionais e nutracêuticos eu mudei consideravelmente meus hábitos alimentares e passei a comê-los. Você viu como fiquei chato. Eu quis ver na prática o que isso significava. Hoje sou professor e digo que no jogo que pratico, o de ajudar a desenvolver pessoas, eu também não aceito perder: mesmo enfrentando o desleixo desse país com a educação, estou sempre lutando pela dignidade do time e dos torcedores.
  • 4. iv AGRADECIMENTOS Até agora esta foi a maior viagem que me propus fazer. Até para entender um pouco mais a vida. Reconheço que aprendi com o doutorado o que Clarice Lispector já nos tinha dito: "não se preocupe em entender a vida: viver supera qualquer entendimento". Navegar é necessário, mas sozinho não se chega a lugar algum. Angélica e Maria Luiza, eis que chego ao porto que lhes falei 4 anos atrás! Virou realidade aquela imagem que as fiz acreditar existir para justificar a escassez de brincadeiras, teatrinhos e passeios. Obrigado por terem partido comigo nesta viagem, por terem comido os alimentos que comi e suportado minha insegurança e inexperiência ao navegar. Amor e coragem. Uma frase me marcou bastante nesta vida: "a simplicidade é o último degrau da sabedoria". Com o comandante John Wilkinson eu vi o que isso significa na prática. Durante toda navegação percebi a importância dela para tornar o mundo um lugar mais interessante e as viagens mais agradáveis e efetivas. Sábio. Marcelo Álvaro foi colega de sala de aula. Tive o prazer de conviver com rara inteligência. Somos colega de trabalho e ganho com sua capacidade de transformar idéias em resultados. Agora tive o prazer de ter seus conselhos e críticas na condução desse trabalho. Passei por águas calmas. Esteio. Conheci George Flexor na condição de aluno. Depois demos aulas juntos. Durante todo o tempo que estivemos juntos ele se preocupou em chamar atenção para a tese e seus temas. Muitos foram os e-mails e os recortes de revistas e artigos. A carta náutica ficou rica. Generosidade. Queridos irmãos, a vida continua. Cris, segui seu rumo. Mônica e Giovane, venham conosco, esse mar é próspero e a viagem é inesquecível! Um porto lhes espera. Exemplos. Meus alunos foram muito amigos. Deram estabilidade à Nau. Sentiram muito, mas relevaram os problemas e o tempo do professor que foi roubado pelo aluno do doutorado. Paciência. Aos colegas da Rural que acompanharam a luta diária para manter a nau no rumo e ser doutor sem afastamento. Suportaram com bom humor a falta de tato deste candidato. Em especial a esses nobres leitores e críticos da carta náutica: Kátia Tabbai, Bianca e Allan Cardech. Cooperação. Aos amigos e parentes que só me tiveram de corpo, mas poucas vez de alma. Como fui ausente! Como foram presentes! Cada sorriso e abraço um verdadeiro farol. Reciprocidade. Aos professores e demais funcionários do CPDA. Obrigado por toda ajuda e paciência nesses quatros anos de curso e várias cirúrgias que me fizeram atrasar tudo. Vocês garantiram a viagem. Profissionalismo.
  • 5. v RESUMO SOUZA, Marco A.F. de. Dos laboratórios aos pontos de venda: uma análise da trajetória dos alimentos funcionais e nutrcêuticos e da sua repercussão sobre a questão agroalimentar. UFRRJ/CPDA: Rio de Janeiro, 2008. 289p (Tese de Doutorado no Curso de Pós Graduação de Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade, área de Desenvolvimento e Agricultura). Alimentos funcionais e nutracêuticos são apresentados como alimentos que, além de suas funções básicas nutricionais, demonstram benefícios fisiológicos e/ou reduzem o risco de doenças crônicas. Eles se afastam dos alimentos ditos convencionais e ficam posicionados como produtos diferenciados e uma alternativa para o processo de cuidado com a saúde. Tais alimentos acabam dividindo com alguns produtos da medicina tradicional e alternativa o importante espaço simbólico de produção de saúde. A primeira experiência prática ocorreu no Japão nos anos 80, quando o governo estimulou a pesquisa e uso de alimentos como aliados na melhoria dos índices de saúde publica do país. O esforço originou o conceito de alimentos funcionais e estimulou a criação de uma categoria de alimentos classificada como alimentos funcionais, mais tarde modificada para FOSHU ou food for special health purpose. Nos EUA essa experiência foi amplificada e esses alimentos são mais conhecidos como nutracêuticos, porém sem reconhecimento formal. Esta nova perspectiva para abordar a relação dieta e saúde representa uma mudança significativa no ambiente institucional relativo a produção e promoção de saúde pública, pois concede aos atores do sistema agroalimentar uma primazia até então permitida apenas às empresas de medicamentos. Esta tese teve como objetivo a construção de um amplo painel de visibilidade da ascensão desses novos alimentos, baseado na descrição da trajetória desses termos e na análise das repercussões dessa transformação institucional sobre a questão agroalimentar. A questão agroalimentar foi caracterizada a partir da análise das modalidades correntes de fornecimento de alimento, objetivo alcançado através do uso dos conceitos da Economia das Convenções. Para fins de conceituação e descrição da trajetória procurou-se caracterizar o processo de institucionalização dos novos alimentos, explorando os aspectos científicos, regulamentares e mercadológicos. Além do Brasil foram analisadas as experiências japonesa, americana e européia. Embora represente um novo momento para a questão agroalimentar, verificou-se que a institucionalização favorece principalmente aos atores associados à modalidade industrial de fornecimento de alimentos: indústria processadora e fabricantes de alimentos finais. Em detrimentos aos interesses de projetos alternativos de fornecimento de alimentos com qualidade diferenciada, como os orgânicos e a produção local. Os países que aderiram a esta reclassificação dos alimentos têm privilegiado a criação de complexas estruturas regulamentares para avaliar e liberar o uso de alegações de saúde para alimentos e o foco sobre substâncias e não sobre os alimentos, mesmo aqueles in natura. Para se tornarem realidade, tais alimentos demandam a criação de verdadeiros sistemas de valor que implicam a coordenação de atividades científicas e produtivas bastante onerosas para pequenas e médias empresas. Palavras-Chave: alimento funcional; nutracêuticos; regulamentação de alimentos; Sistema Agroalimentar; alegação de saúde
  • 6. vi ABSTRACT SOUZA, Marco A.F. From Labs to the sales outlets: the raising of functional foods and nutraceuticals and its repercussion on the agrofood question. UFRRJ/CPDA: Rio de Janeiro, 2008. (Tese de Doutorado no Curso de Pós-Graduação de Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade, área de Desenvolvimento e Agricultura). Functional foods and nutraceuticals represent a kind of food that provides physiological and health benefits beside basic nutrition. Far from being conventional food, they are positioned as an alternative for some traditional and complimentary medicinal products. The first appearance of this novel type of food occurred in Japan in the 80´s, when some food were researched and used to tackle the progressive increase of health related diseases that promoted drastic drop in public health indices. This experience lead to the creation of a new product category initially called functional food, renamed later as food for special health use or FOSHU. The USA amplified this experience giving to it a remarkable visibility. Although they had not formalized a new product category this food begin to be called as nutraceutical. This new perspective of tackling the diet and health relation meant a significative change in the institutional environment of producing and promoting public health since it offers to agro food system players a primacy up to now permitted only to Pharmaceuticals Company. This thesis searched to provide a wide visibility panel of the raising of this novel type of food and an analysis of its repercussion on the agro food system. It began with the characterization of food provisioning modes considering the centrality exerted by quality over the agro food system competition dynamics. Convention economy concepts were applied to uncover different food quality justifications. An institutionalization approach was assumed in order to provide a deep compreenhension of the meaning of these novel types of food and of its raising. It resulted in a framework that accounted for three different arenas in that the process itself develops: scientific, regulatory and market. The analysis involved the experiences of Brasil, Japan, USA and European Union. Even though this process represent a new momentum for the agro food question, it favors most those player concerned with the industrial mode of food provisioning, mainly the ingredient and final food industry giants. Those players concerned with alternative food initiatives face obstacles related to complex regulatory framework and scientific requirements. These reflect the trend of regulatory framework in focusing on functional substances rather than products, even those in natura. To come into reality functional foods and nutraceuticals demands truly value systems based on the complex coordination of expensive and time-consuming scientific and productive activities. All of them completely adverse for small and medium size companies to cope with. Key words: functional food; nutraceutical, food regulation; agrofood system; health claim
  • 7. vii SUMÁRIO INTRODUÇÃO 1 Primeiros passos: os novos alimentos no Brasil 2 As origens dos alimentos funcionais e nutracêuticos 5 A reclassificação dos alimentos: breve mudança de rota no foco da pesquisa 7 A institucionalização e a questão agroalimentar 8 Diferentes arenas e questões da institucionalização do uso do potencial terapêutico dos alimentos 11 Premissas para o desenvolvimento do trabalho 13 Objetivos e considerações metodológicas 14 Descrição do Trabalho 16 CAPÍTULO 1 – TENDÊNCIAS NO FORNECIMENTO DE ALIMENTOS 18 1.1 Sistemas, cadeias e redes: uma breve explicação para a linguagem adotada neste trabalho. 19 1.2 Convencional versus alternativo: tendências no fornecimento de alimentos 24 1.2.1 Redes Convencionais de Suprimento de Alimento (RCSA) 25 1.2.2 Redes Alternativas de Suprimento Alimentar 41 1.3 As diferentes lógicas de inovação que informam as trajetórias competitivas 49 1.3.1 A lógica de inovação baseada na decomposição ou recomposição dos recursos 50 1.3.2. A lógica de inovação baseada na Geração e Transmissão de Identidade 51 1.4 Worlds of food: a competição pela qualidade como fator de construção de uma nova geografia alimentar e de inovação. 54 1.4.1 O mundo industrial (the industrial world of production) 58 1.4.2 Mundo das relações interpessoais (The interpersonal world of production) 59 1.4.3 O mundo do mercado (the market world of production) 60 1.4.4 O mundo dos recursos intelectuais (The intellectual resource world of production) 60 1.5 A constituição de diferentes trajetórias competitivas no SAA 61 Conclusão 66 CAPÍTULO 2 – ALIMENTOS FUNCIONAIS E NUTRACÊUTICOS: ASPECTOS CONCEITUAIS. 72 2.1 Alimentos funcionais 73 2.1.1 Japão: a gênese do termo alimento funcional 77 2.2 Nutracêuticos 79 2.2.1 Nutracêuticos: a gênese de um empreendimento baseado em ciência 80 2.3 Alimentos Funcionais versus Nutracêuticos 83 2.4 Aspectos centrais da ascensão de alimentos funcionais e nutracêuticos 84 2.4.1 mudanças na visão social sobre os alimentos 84 2.4.2 A importância dos novos paradigmas científicos 88 2.4.3 Da healthy-eating revolution à functional food revolution 95 2.5 Substâncias funcionais 100 2.5.1 Suplementos e os ingredientes 106 2.5.2 Ações institucionais com relação às substâncias funcionais 108 2.5.3 O Exemplo Canadense 109 2.5.4 A bem sucedida experiência Finlandesa 111 2.5.5 A realidade brasileira 113 Conclusão 115
  • 8. viii CAPÍTULO 3 – ESTRUTURA DE REGULAMENTAÇÃO DE ALIMENTOS E O USO DE ALEGAÇÕES DE SAÚDE 119 3.1 Os diferentes cenários da regulamentação de alimentos 121 3.2 Os Sistemas Nacionais de Vigilância Sanitária 123 3.2.1 O risco sanitário e a sua regulamentação 124 3.3 O Codex Alimentarius Comission 129 3.3.1 Rotulagem Nutricional 130 3.3.2 O uso de alegações para alimentos 132 3.3.3 Alegações de saúde 135 3.3.4 Alegações de saúde genéricas e específicas para produto 137 3.4 Homogeneização dos sistemas regulamentares de alimentos 138 3.5 Categorias de produtos reconhecidas pelos sistemas regulamentares de alimentos.....139 Conclusão 143 CAPÍTULO 4 – CARACTERIZACÃO DAS ESTRUTURAS REGULAMENTARES DE ALEGAÇÃO DE SAÚDE NO JAPÃO, ESTADOS UNIDOS E UNIÃO EUROPÉIA E BRASIL. 145 4.1 Regulamentação das Alegações de Saúde no Japão 146 4.1.1 Sistema Regulamentar 146 4.1.2 O Sistema FOSHU 148 4.1.3 Alegações de Saúde 152 4.2 Regulamentação de Alegações de Saúde nos Estados Unidos 156 4.2.1 Sistema regulamentar 157 4.2.2 Alegações de saúde 159 4.2.3 Alegações de conteúdo de nutriente 164 4.2.4 Alegações de função e ou estrutura 166 4.3 Regulamentação de Alegações de Saúde no Brasil 168 4.3.1 Sistema Regulamentar 168 4.3.2 Principais definições do Regulamento 171 4.3.3 Sobre o uso de alegações 173 4.4 Regulamentação de Alegações de Saúde na União Européia 179 4.4.1 Sistema Regulamentar 185 4.4.2 Principais definições do Regulamento (CE) Nº. 178/2002. 186 4.4.3 Regulamento (CE) Nº. 1924/2006: estruturando o uso de alegações de nutrição e saúde na União Européia 188 4.4.4 Alegação nutricional 190 4.4.5 Alegações de saúde 191 4.4.5 Alegações de Redução de um Risco de Doença 193 4.4.6 Processo de avaliação das alegações nutricionais e de saúde 194 Conclusões 197 CAPÍTULO 5 – AS ETAPAS DO DESENVOLVIMENTO DE MERCADO PARA ALIMENTOS FUNCIONAIS E NUTRACÊUTICOS 5.1 O controverso mercado de alimentos funcionais e nutracêuticos 202 5.1.1 Alimentos funcionais 203 5.1.2 O caso das barras de nutrição 209 5.1.3 Alimentos nutracêuticos 210 5.2 Abordagens sobre a coordenação das atividades de produção dos novos alimentos ...213 5.2.1 O exemplo da Nova Zelândia. 213 5.2.2 – Abordagem pela perspectiva das empresas 215 5.2.3 A articulação de cadeias de suprimento para os novos alimentos 217
  • 9. ix 5.2.4 Funções-chave e movimentação estratégica na cadeia de suprimento de novos alimentos 220 5.3 O caso Benecol 224 5.4 Tendências no desenvolvimento de produtos 228 5.4.1 O desenvolvimento de novos produtos 229 5.4.2 A consolidação de um padrão de produto 232 5.5 Os desafios para montar uma genuína healthful company 235 5.5.1: Novartis: a força das farmacêuticas no novo mercado 236 5.5.2 Danone: uma empresa focada em nutrição. 238 5.6 A receptividade do mercado aos alimentos funcionais e nutracêuticos 241 5.6.1 Fatores respondendo pelo interesse nos alimentos funcionais e nutracêuticos 244 Conclusão 249 CONCLUSÕES 252 REFERÊNCIA IBLIOGRÁFICA 258 ANEXOS 273
  • 10. x ÍNDICE DE QUADROS Quadro 1: Exemplos de lançamentos de novos alimentos 1 Quadro 1.1 Campos Heurísticos para Análise das RASA 46 Quadro 2.1 Tendências de comportamento das pessoas com relação à alimentação 86 Quadro 2.2 Relação entre a healthy-eating revolution e a functional foods revolution 98 Quadro 2.3 Relação entre doenças e substâncias funcionais 104 Quadro 2.4 Descrição das aplicações funcionais de algumas ervas consumidas internacionalmente 106 Quadro 4.1: Produtos FOSHU aprovados até 2001 153 Quadro 4.2: Vitaminas e minerais reguladas sob o food With Nutrient Function Claims – FNFC 145 Quadro 4.3 Sistema regulamentar de alegações de saúde no Japão após 2005 155 Quadro 4.4 Outros minerais regulados sob o Food With Nutrient Function Claims – FNFC 155 Quadro 4.5 Alegações de saúde aprovadas sob a NLEA com critério de significativa Concordância Científica 161 Quadro 4.6: Alegações de saúde aprovadas sob a FDAMA, baseadas em Authoritative Statement 162 Quadro 4.7 Linguagem qualificadora padronizada para alegações de saúde qualificadas 163 Quadro 4.8 Alegações de saúde qualificadas 164 Quadro 4.9 termos usados para descrever uma alegação de conteúdo de nutriente 165 Quadro 4.10 Limites máximos para nutrientes desqualificados em produtos, pratos e refeições 165 Quadro 4.11 alegações de estrutura e função comuns no mercado americano 166 Quadro 4.12 Algumas leis importantes na constituição da União Européia 168 Quadro 4.13 Decretos e resoluções que regulam os alimentos no Brasil 177 Quadro 4.14 Lista de alegações permitidas no Brasil 181 Quadro 4.15 Alegações utilizadas no CODEX, JAPÃO, EUA, EU e BRASIL. 199
  • 11. xi ÍNDICE DE TABELAS Tabela 1.1: Diferentes momentos históricos da trajetória da canola. 30 Tabela 1.2: distribuição das publicações sobre a colza 31 Tabela 1.3: Maiores redes de varejo do mundo em 2006 37 Tabela 1.4: Exemplos de mudanças de mundo da produção na Noruega 65 Tabela 2.1: Principais compostos funcionais. 103 Tabela 2.2: Número de alegações feitas na Finlândia 113 Tabela 3.1: Relação das categorias de produtos reconhecidas por sistemas regulamentares de alimentos. 139 Tabela 5.1: Tamanho do mercado de alimentos funcionais em regiões específicas (US$ bilhões) 202 Tabela 5.2: Volume de vendas mundiais de alimentos funcionais nos últimos anos 202 Tabela 5.3: Estimativas para alimentos funcionais e nutracêuticos para os EUA (US$ milhões) 204 Tabela 5.4: Segmentos de consumo de barras de nutrição 209 Tabela 5.5: Venda dos principais nutracêuticos a base de erva nos EUA em 2005 210 Tabela 5.6 Total estimado de vendas de suplementos à base de erva em todos os canais de vendas nos EUA entre 1994 e 2005 211 Tabela 5.7 Total estimado de venda de suplemento à base de ervas no grande varejo americano de 1998-2005 211 Tabela 5.8: Suplementos à base de ervas mais vendidos no grande varejo americano 212 Tabela 5.9: Objetivos na coordenação da cadeia produtiva na Nova Zelândia 214
  • 12. xii ÍNDICE DE FIGURAS Figura 1: Atores diretamente envolvidos com a reclassificação dos alimentos 9 Figura 2: arenas de consolidação da exploração do potencial terapêutico dos alimentos 11 Figura 1.1: Representação dos diferentes elos de uma cadeia agroindustrial 22 Figura 1.2: Perspectiva sistema agroalimentar e seus subsistemas 26 Figura 1.3: Cadeia agroalimentar comandada pela Cargill e Monsanto 34 Figura 1.4: Cadeia agroalimentar comandada pela Conagra. Fonte 35 Figura 1.5: Cadeia agroalimentar comandada pela ADM e Novartis 36 Figura 1.6: Uso da informação nas diferentes lógicas de inovação 50 Figura 1.7: Esquema analítico dos mundos de produção 56 Figura 1.8: Mundos da produção em função da tecnologia aplicada 58 Figura 1.9: Migração de mundos da produção da Ovopel 62 Figura 1.10: Migração de mundos da produção da Natura Si 63 Figura 1.11: Migração de mundos da produção em Viterso et al (2005). 64 Figura 1.12: Migrações de mundo da produção em cooperativas da Noruega 66 Figura 1.13: Atores, relações de fornecimento e forças macro-ambientais no SAA. 70 Figura 2.1: Evolução das atitudes dos consumidores em relação aos alimentos 87 Figura 2.2: Plano de utilização da linhaça do Flax Canada 2015. 110 Figura 3.1: Atores com interesse na institucionalização de alimentos funcionais e nutracêuticos. 122 Figura 3.2: Exemplo de revelação dos conteúdos de um alimento. 130 Figura 4.1: Posicionamento e classificação de medicamentos e não medicamentos no Japão. 146 Figura 4.2: Símbolo dos produtos FOSHU – jumping for life 152 Figura 4.3: Estrutura de alegações permitidas nos Estados Unidos 159 Figura 4.4: Alegações de saúde permitidas na União Européia 191 Figura 4.5: Descrição do processo de autorização de alegação que não seja de redução de risco de doença e alegações referentes à saúde e desenvolvimento de crianças (artigo 13 do regulamento (CE) 1924/2006) 195 Figura 4.6: Descrição do processo de autorização de alegação de redução de risco de doença e alegações referentes à saúde e desenvolvimento de crianças. 196 Figura 5.1: Projeções de mercado para alimentos funcionais. Fonte: Just-food (2006) 203 Figura 5.2: Regularidade na compra de novos alimentos segundo ACNielsen 207 Figura 5.3: Fatores influenciando negativamente a compra destes produtos 208 Figura 5.4: Desempenho de produtos com algumas alegações nos EUA 208 Figura 5.6: Descrição de uma típica cadeia de suprimento de alimentos funcionais e nutracêuticos 218 Figura 5.7: Estágios da cadeia de suprimento da indústria farmacêutica. 219 Figura 5.8: Funções-chave no mercado de funcionais 220 Figura 5.9: Direções seguidas pela internalização da produção na cadeia de suprimento. 221 Figura 5.10: Diferentes capacitações de empresas farmacêuticas e de alimentos 222 Figura 5.11: Apresentação comercial do benecol 224 Figura 5.12: Rótulo do benecol e da Take Control, margarina da Limpton 226 Figura 5.13: Embalagens de dois sucessos de venda no novo mercado 235
  • 13. xiii Figura 5.14: Leitura da migração da Danone de mundo de produção 239 Figura 5.15: Relação entre o comportamento da oferta e da demanda em termos de alimento com o passar do tempo. 242
  • 14. xiv GLOSSÁRIO DE SIGLAS E ABREVIATURAS AESA Autoridade Européia de Segurança Alimentar AESA Autoridade Européia de Segurança Alimentar ANVISA Agência Nacional de Vigilância Sanitária AOC Appellation d’Origine Controlée’ CAC Codex Alimentarius Comission CCS Consenso Científico Significante CHIBNI Consumer Health Information for Better Nutrition Initiative CNMAC Centro Nacional para Medicina Alternativa e Complementar CSPI Center for Social Public Interest CTCAF Comissão Técnico-Científica de Assessoramento em Alimentos Funcionais e Novos Alimentos DSA Dietary Supplement Act DSHEA Dietary Supplement Health and Education Act EC Economia das Convenções EU União Européia EUA Estados Unidos da América FAO Food and Agriculture Organization FDA Food and Drug Administration FDAMA Food and Drug Administration Modernization Act FFDCA Federal Food Drug Cosmetic Act. FHC Food with Health Claim FIM Foundation for Innovation in Medicine FNFC Food with Nutrition Function Claim FOSHU Food for Specific Health Use GCR Global Corporate Regime GFO Global Food Order GPN Global Production Network GRAS Generally Recognized as Safe IDR Ingestão Diária Recomendada ILSI Internacional Life Science Institute MSTB Ministério da Saúde, Trabalho e Bem-Estar do Japão NBJ Nutrition Business Journal NCE New chemical entities NCE New Chemical Entities NLEA Nutrition Labeling and Education Act NREA Neutraceutical Research and Development Act OMC Organização Mundial do Comércio OMS Organização Mundial de Saúde PASSCLAIM Process for the Assessment of Scientific Support for Claims on Foods PDI Protected Geographical Indication PGO Protected Designation of Origin RASA Redes alternativas de suprimento de alimento RCSA Redes convencionais de suprimento de alimento SAA Sistema Agroalimentar SBAF Sociedade Brasileira de Alimentos Funcionais SNVS Sistema Nacional de Vigilância Sanitária SNVS Sistema Nacional de Vigilância Sanitária FLV Frutas, Legumes e Verduras
  • 15. xv
  • 16. 1 INTRODUÇÃO Este trabalho consiste da descrição e análise de um fenômeno que vem ganhando bastante evidência nos últimos anos — a emergência de novos tipos de alimentos — e da análise da sua repercussão sobre a questão agroalimentar. Especificamente, será dada atenção à trajetória dos chamados alimentos funcionais ou nutracêuticos, que viraram símbolos desse momento em que fabricantes de alimentos podem alegar que seus produtos fazem bem à saúde. Às vezes, eles são chamados de novos alimentos, um termo que alude a uma categoria de produto já existente, os novel foods, reconhecidos por alguns sistemas regulamentares como alimentos sem histórico de consumo, considerados exóticos ou oriundos da aplicação de biotecnologia. Como mostra o Quadro 1, não há menções explícitas aos novel foods, sugerindo que se tratam de categorias distintas, mas parecia necessário analisar a relação entre esses conceitos. A manifestação mais visível desse fenômeno é o surgimento de produtos com apelos cada vez mais diferenciados (Quadro 1) e que além de nutrir, trazem um benefício a mais: produzem saúde. É comum ver reportagens informando os expressivos resultados das vendas nesse emergente e desconhecido mercado, além de promissoras perspectivas futuras dos alimentos funcionais e nutracêuticos. Quadro 1: Exemplos de lançamentos de novos alimentosi . Iogurte cosmético: o Essensis é um iogurte-cosmético da Danone. Esse iogurte funcional, que age na pele, é composto por ingredientes que atuam diretamente na região cutânea e ajudam a evitar a perda excessiva de água, retarda o processo de envelhecimento, e melhora o aspecto e a saúde da epiderme. Refrigerante que queima caloria: o Enviga, vendido em latas de 350 mililitros, tem poderes de queimar calorias. Coca-Cola e a Nestlé garantem que o consumo de três latas diárias pode queimar até 100 calorias. O segredo da bebida está em uma substância chamada epigalocatequina galato (EGCG), presente no chá verde, que vem sendo estudada nos laboratórios da Nestlé desde 2002. A EGCG seria capaz de acelerar o metabolismo e provocar maior eficiência na queima de calorias. Para potencializar esse efeito, as duas empresas acrescentaram também cafeína e cálcio. Iogurte para o coração: o iogurte Cardivia, também da Danone, ajuda a prevenir doenças cardíacas. Rico em ômega 3, de fontes marinhas e vegetais, o produto foi lançado em 2006 no Canadá. A empresa garante que, apesar de ter óleo de peixe na fórmula, o gosto e o cheiro são imperceptíveis. Salgadinho para o cérebro: A Unilever pesquisa um tipo de salgadinho conhecido como brain food, que estimularia a atividade cerebral e aumentaria a concentração. Antiacne comestível: O laboratório holandês DMV criou um princípio ativo que aumenta as defesas do organismo e combate a acne. O produto está sendo analisado por várias indústrias alimentícias. Chocolate anticolesterol: A empresa americana Mars criou um chocolate chamado CocoaVia, que une substâncias presentes no cacau e na soja para reduzir o chamado colesterol ruim (LDL). Além do desejo de conhecer as origens e características desse novo mercado, a escolha pelo tema, que se deu em 2005, também é motivada pelo alarde feito em relação aos benefícios associados ao consumo dos novos alimentos: melhoria dos índices públicos de saúde; incentivo à inovação nas indústrias; incentivos para pesquisas nas universidades;
  • 17. 2 incentivo às exportações dos países em desenvolvimento. Benefícios chamativos o suficiente para um esforço de pesquisa que ampliasse o entendimento desse fenômeno, demonstrando porque e como eles seriam alcançados. Também contribuiu bastante para essa escolha o fato do tema estar, àquela época, completamente ausente da literatura dedicada à questão agroalimentar. Chamava-me atenção ver boa parte dos trabalhos estarem voltados ao entendimento da qualidade e do segmento de consumidores como fatores influenciando a dinâmica do Sistema Agroalimentar (SAA), e não haver menção expressiva a esse fenômeno. Por se tratar de alimentos diferenciados, parecia relevante posicioná-los em relação às questões competitivas na oferta de alimentos no SAA. Sistema que há bastante tempo é influenciado pelos movimentos competitivos em torno da oferta de alimentos e das pressões por maior segurança e transparência nas práticas das empresas. Alimentos funcionais e nutracêuticos têm sido apresentados como alimentos que, além de suas funções básicas nutricionais, demonstram benefícios fisiológicos e/ou reduzem o risco de doenças crônicas. Desta maneira, eles se afastam dos alimentos ditos convencionais e ficam posicionados como produtos diferenciados e uma alternativa para o processo de cuidado com a saúde. Assim, acabam dividindo com alguns produtos da medicina tradicional e alternativa o importante espaço simbólico de produção de saúde. Enfim, surgem como uma nova perspectiva para abordar a relação dieta e saúde. A importância dessa relação começou a ser devidamente estudada a partir da crescente ocorrência de doenças cardiovasculares, diabetes, câncer, hipertensão e obesidade, todas relacionadas com a ingestão excessiva de álcool, carboidratos, gorduras, açúcar, sal e aditivos e conservantes. Por matarem mais que as doenças infecciosas, essas doenças ficaram conhecidas como doenças da afluência, em contraposição à imagem de que doenças infecciosas são associadas à pobreza. Como recomendação para o bem estar do indivíduo, predominava, inicialmente, o foco sobre os benefícios de uma alimentação rica em frutas, legumes, verduras e cereais e pobres em ingredientes nocivos. Os alimentos processados eram vilões e a indústria ficou completamente exposta, gerando iniciativas de exigência da revelação dos ingredientes dos alimentos. Formou-se um consenso sobre o papel estratégico dos rótulos para promoção da educação da população, acreditando-se que informações nutricionais presentes nos rótulos ajudam os consumidores a fazer escolha por alimentos mais saudáveis (SILVEIRA. 2006; HAWKES, 2004). Os rótulos viraram ferramentas de política pública. Entretanto, depois de mudanças nos alimentos processados, como a diminuição do nível de gordura e açúcar, tornou-se comum na cobertura sobre a relação dieta e saúde atribuir os nomes alimentos funcionais e nutracêuticos a algumas classes de alimentos que não apenas nutrem, mas produzem saúde, como os mostrados no Quadro 1. E são alimentos processados com apelos tão ousados que podem deixar no consumidor a impressão de que ele está levando um alimento que, além de ser muito gostoso, age como um verdadeiro remédio. Primeiros passos: os novos alimentos no Brasil Os primeiros esforços procuraram revelar a atenção dada aos novos alimentos aqui no país, com o intuito de reunir elementos para determinar o foco que seria dado à pesquisa, uma vez que ele tangenciava diversos aspectos, como saúde pública, desenvolvimento econômico, inovação industrial, etc. A reunião das primeiras referências demonstrou que havia pouco espaço dedicado ao tema na área acadêmica. A presença mais forte era nas áreas biomédicas. Prevaleciam abordagens com clivagem técnica, baseadas em evidências científicas do potencial terapêutico de algumas substâncias, os termos alimentos funcionais e nutracêuticos, com algumas
  • 18. 3 menções à farmacoalimentos e superalimento. A maior atenção era dedicada pela mídia, fato evidente na crescente presença desses termos na cobertura dada para o papel diferenciador da alimentação para a manutenção da saúde. Também era forte a presença deles nas abordagens sobre recentes tendências de alimentação e consumo; estas feitas pelos periódicos da área de negócios. Os termos alimentos funcionais e nutracêuticos apareciam designando produtos alimentícios que oferecem benefícios superiores aos dos alimentos presentes no mercado, como mostra o trecho a seguir, extraído de uma reportagem de um conhecido periódico nacional, com o título “Revolução na Mesaii ”: Primeiro cortaram o açúcar. E inventaram o diet. Depois reduziram a gordura. Surgiu o light. Agora é a vez da terceira onda da mesa saudável: os alimentos funcionais, aqueles que não apenas nutrem mas são capazes de combater doenças ou corrigir pequenas disfunções no organismo. Não é mero marketing. São produtos aprovados por publicações científicas e com a chancela do Ministério da Saúde dos países onde são vendidos. Nessa reportagem, como em muitas outras, os alimentos diferenciados são industrializados, capazes de combater doenças e respaldados pela ciência. Essa abordagem contrastava com outras, que os posicionavam como também sendo in natura ou um ingrediente essencial disponibilizado para consumo, como mostra esta outra reportagem, intitulada “Alimentos Funcionais: Nutrientes do Futuro”iii : “Enquanto os polêmicos transgênicos pretendem revolucionar a cadeia produtiva, outros alimentos chegam mais discretamente às prateleiras dos mercados e vêm ganhando espaço. São os chamados funcionais ou nutracêuticos que são alimentos que, além de cumprirem sua função nutricional básica, contem compostos que trazem benefícios à saúde, assim como podem auxiliar na redução de doenças crônico-degenerativas. Na verdade, todo alimento natural (não processado industrialmente) pode ser classificado como "funcional", já que contém, em doses variáveis, componentes essenciais à nossa saúde, como vitaminas, minerais, enzimas, fibras - porém, certos alimentos contém, além destes, outros componentes com grande capacidade protetora da saúde. É o caso do extrato de alho, da semente da linhaça, dos cereais, da soja, dos vegetais da família dos crucíferos, dos produtos lácteos - que tem recebido o "status" de medicamento e tem sido classificados como alimentos funcionais”. As primeiras constatações sobre o fenômeno, a partir de material disponível no Brasil, demonstravam que: • a sociedade estava mudando a visão sobre a importância da dieta, saindo de uma perspectiva de manutenção à uma de produção de saúde. • apesar de todos os problemas de imagem dos produtos industrializados, “saudável” tornou-se uma imagem positiva junto ao consumidor desfrutada indistintamente por eles e pelos alimentos in natura. • às vezes alimentos funcionais eram vistos como a mesma coisa que nutracêuticos; outras vezes, porém, eram alimentos distintos. • maior atenção era dedicada ao termo alimento funcional, originário do Japão, e estava relacionado a um programa de melhoria dos índices públicos de saúde da década de 80. As origens do nome nutracêuticos não eram esclarecidas, apenas que era fruto da junção entre nutrientes e farmacêuticos.
  • 19. 4 • não havia harmonização sobre o que seriam esses novos alimentos, que podiam ser tanto os in natura quanto os processados, em apresentação formal e em formas não convencionais; ou mesmo ingredientes ou substâncias como vitaminas. • havia uma grande confusão com relação aos aspectos regulamentares, pois, além de representarem uma verdadeira interseção entre alimentos, cosméticos e medicamentos, algo difícil de ser entendido para um indivíduo comum, não havia o reconhecimento formal desses termos na vigilância sanitária brasileira, que diferencia alimentos de medicamentos e de cosméticos. À parte a questão da mudança do comportamento de consumo de alimentos, algo notado empiricamente, os outros itens informavam que algumas questões precisavam ser equacionadas, entre elas, a qualidade da informação disponível sobre o tema no Brasil e a organização dos diferentes conceitos e abordagens feitas. Por exemplo, a reportagem de um dos maiores periódicos nacionais dizia que alimentos funcionais eram produtos aprovados por publicações científicas e com a chancela do Ministério da Saúde dos países onde são vendidos. Um equívoco, já que, à época, não havia menção desses nomes na legislação sanitária brasileira e a reportagem tratava justamente do lançamento desses alimentos no país! Outro aspecto importante dizia respeito à existência de diferentes interpretações sobre o tema. Algumas separavam alimentos funcionais de nutracêuticos. De acordo com a Sociedade Brasileira de Alimentos Funcionais (SBAF), um alimento funcional deve continuar sendo um alimento e deve demonstrar os seus efeitos em quantidades que possam normalmente ser ingeridas na dieta: não é uma pílula ou uma cápsula, mas parte do padrão alimentar normal. Por sua vez, a SBAF diz que os nutracêuticos são suplementos dietéticos que apresentam uma forma concentrada de um possível agente bioativo de um alimento, presente em uma matriz não alimentícia, e usado para melhorar a saúde, em dosagens que excedem àquelas que poderiam ser obtidas do alimento normal (exemplo: licopeno em cápsulas ou tabletes)iv . Para fins de montagem de um quadro inicial mais preciso sobre a ascensão dos novos alimentos, mostrava-se alarmante o uso de maneira indiscriminada pelos periódicos não científicos brasileiros dos termos alimentos funcionais e nutracêuticos para abordar a relação dieta e saúde. No geral, algumas questões importantes deixavam de ser abordadas no material (inclusive no de recorte acadêmico) disponível no Brasil sobre o tema. Foi ficando claro que as matérias anteriores a 2005 já incorporavam uma característica comum às reportagens mais recentes dedicadas ao tema: a combinação de exaltação do poder terapêutico de alguns alimentos, com imagem de pioneirismo e competência da ciência e com os excelentes resultados de algumas empresas e suas marcas. Tais interpretações deixavam a impressão de que o surgimento desse novo mercado refletia o proveitoso encontro entre desenvolvimentos científicos, os desejos de uma sociedade por melhor controle sobre a saúde e uma indústria responsiva, ágil e perfeitamente capacitada para transformar conhecimento cientifico e desejos em soluções de consumo alimentar eficazes e seguras. Embora seja um tema que envolva inovações e aplicação e desenvolvimento de conhecimentos científicos, não eram abordadas (i) as capacitações organizacionais necessárias à sua produção e as condições em que esta ocorre, e (ii) os aspectos sanitários que responderiam por questões como segurança e eficácia dos novos alimentos, dado que são feitos apelos ousados para os produtos. O confuso quadro conceitual e a limitação das abordagens chamavam atenção para o desenvolvimento de uma abordagem de pesquisa que oferecesse uma perspectiva mais ampla, com o máximo de nitidez possível, que oferecesse uma interpretação da trajetória desses novos alimentos. Isto começou a se materializar a partir da leitura da reportagem abaixo, intitulada “Saúde Reclassifica Alimentos”v . A reportagem, de 1998, trazia para o centro da
  • 20. 5 discussão a questão da transformação internacional da regulamentação de alimentos: A Secretaria de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde convocou nutricionistas, farmacêuticos, médicos e outros profissionais ligados a área de alimentação e saúde para reclassificar os produtos alimentícios brasileiros segundo padrões internacionais. A discussão passa, necessariamente, por uma questão de nomenclatura: alimentos funcionais, nutracêuticos, farmalimentos, várias são as formas propostas. Mas o fundo da questão consiste em saber se tais produtos são remédios ou alimentos. A população, alheia a esse debate, corre riscos como o uso excessivo e errado de substâncias utilizadas como complemento alimentar, fato que preocupa especialistas[ . ]. Os alimentos funcionais ou nutracêuticos (nomenclaturas mais usadas no Brasil) são produtos que apresentam grandes concentrações de determinados nutrientes, como aminoácidos, sais minerais ou vitaminas. Segundo Márcia Madeira, professora do Instituto de Nutrição da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, a denominação "alimento funcional" se dá porque ele exerce uma determinada função no corpo humano [...]. A reportagem reforçava a ligação dos termos alimentos funcionais e nutracêuticos com a prevalência de uma abordagem mais ousada para o cuidado com a saúde. Além disso, ela ofereceu outros ângulos para o esclarecimento da ascensão desses alimentos, que ganharam notoriedade em meio ao desenrolar de um processo internacional de reclassificação dos alimentos. E de onde se evidenciava, a priori, apenas um problema de nomenclatura: qual termo escolher entre vários propostos para nomear os novos alimentos? Fato que estava associado a uma importante inovação regulamentar e que foi superficialmente abordada: a atribuição de propriedades terapêuticas aos alimentos. O Brasil, portanto, representava mais um local onde se desenrolava o processo de transformação da legislação sanitária para formalizar o uso do potencial terapêutico dos alimentos. Como pano de fundo desse contexto, a crescente mediação da linguagem científica, que ocorria por meio da divulgação de resultados de pesquisa e da participação de profissionais acadêmicos nas coberturas da mídia. As origens dos alimentos funcionais e nutracêuticos O aprofundamento da revisão conceitual mostrou que a emergência dos novos alimentos está diretamente relacionada com uma experiência japonesa dos anos 80 para uso dos alimentos como aliados na melhoria dos índices de saúde publica do país, assolado por crescentes gastos com o tratamento de doenças crônicas, como diabetes, acidentes vasculares e do coração, todas relacionadas aos hábitos alimentares e estilo de vida. O governo liderou um grande esforço de pesquisa para identificação das substâncias que respondiam pelos benefícios em alimentos usados para fins terapêuticos pela população. O esforço originou o conceito de alimentos funcionais e estimulou a criação de uma categoria de alimentos com propriedades de saúde, classificada como alimentos funcionais, mais tarde modificada para FOSHU (food for special health purpose), em função de pressões da indústria de medicamentos. Tais produtos foram definidos como aqueles desenhados e processados a fim de expressar de forma suficiente as funções relacionadas ao mecanismo de defesa do corpo, controle do ritmo corpóreo, a prevenção e recuperação de doença (KWAK e JUKES, 2001a). E deveriam satisfazer as seguintes condições: • Consistir de ingredientes ou composições convencionais e ser consumido nas formas e métodos convencionais.
  • 21. 6 • Ser consumido como parte de uma dieta padrão. • Ser rotulado como tendo controle sobre funções do corpo. Os fabricantes dos FOSHU, depois de devida comprovação científica e escrutínio técnico por parte do governo, poderiam alegar nos rótulos, e demais esforços de marketing, o bem que o produto fazia à saúde. Era permitido usar substâncias naturais, sintéticas ou de origem transgênica. Essa iniciativa do governo japonês criou um importante precedente no paradigma de regulamentação dos alimentos: reconhecer formalmente o potencial terapêutico dos alimentos e permitir o uso de alegações de saúde nos rótulos e peças de marketing. E o fez pela introdução de uma nova categoria de produtos, que poderia ter a alegação específica para ela. As justificativas para essa inovação regulamentar foram a melhoria dos índices de saúde pública e o incentivo à inovação na indústria. No que diz respeito aos novos alimentos, o mercado de alimento japonês é visto como altamente competitivo já que os concorrentes respondem rapidamente aos lançamentos feitos por uma empresa. A recepção a esses produtos é tida como boa, dado que a grande maioria dos consumidores é bem informada, consciente das questões de saúde, inovadora e gosta de variar sua alimentação diária (HEASMAN e MELLENTIN, 2001). Esta experiência de reclassificação dos alimentos disseminou-se pelo mundo dando visibilidade ao conceito de alimentos funcionais, comumente definidos fora do Japão como um alimento que: • possui efeitos fisiológicos comprovados que melhorem a saúde ou diminuem o risco de uma determinada doença ou condição de saúde, além de seus valores nutricionais básicos. • é similar ao alimento convencional. • é consumido como parte de uma dieta normal. • é seguro para o consumo sem a necessidade de supervisão médica. Os Estados Unidos dividem com o Japão os méritos pela disseminação do uso terapêutico dos alimentos. Entretanto, essa experiência repercutiu de outra maneira por lá, e sob a liderança do mercado (FARR, 1997). O país não criou uma nova categoria de produtos, como fez o Japão nem reconheceu formalmente o termo alimentos funcionais. A partir de 1990 eles promoveram várias mudanças na legislação sanitária permitindo o uso de alegações de saúde apenas para substâncias, desde que cientificamente comprovada a eficiência das mesmas. As alegações são franqueadas, com algumas restrições, para alimentos convencionais e suplementos alimentares. No país, os produtos com potencial terapêutico são popularmente reconhecidos como nutracêuticos, resultante da junção das palavras nutrientes e farmacêuticos, mas também sem qualquer cobertura formal. O país não tem qualquer restrição ao uso de substâncias transgênicas, mas proíbe substâncias sintéticas. Um nutracêutico é geralmente definido como um produto isolado ou purificado de um alimento, vendido na forma medicinal não usualmente associada com alimentos, como pós, tabletes ou cápsulas. São produtos com benefício fisiológico demonstrado ou que ofereça proteção contra doenças crônicas (AAFC, 2007). O Brasil começou se organizar para abordar a questão em 1998, convocando nutricionistas, farmacêuticos, médicos e outros profissionais ligados à área de alimentação e saúde para reclassificar os produtos alimentícios brasileiros segundo padrões internacionais. A razão foi o grande número de pedidos de análise para fins de registro de diversos produtos até então não reconhecidos como alimentos, dentro do conceito tradicional de alimento. Com o passar dos anos, além do aumento do número de pedidos, aumentou também a sua variedade e os apelos e divulgação nos meios de comunicação desses produtos. Desde 1999 saíram várias
  • 22. 7 resoluções referentes à reclassificação dos alimentos, sem que fosse criada uma nova categoria de produto ou reconhecidos os termos alimentos funcionais ou nutracêuticos. Com relação à União Européia, apenas em 2007 começou a funcionar uma legislação que harmonizava as práticas de uso terapêutico dos alimentos dos Estados-Membros. Como reflexo da disseminação das primeiras experiências de reclassificação dos alimentos, e mesmo sem cobertura formal, os termos alimentos funcionais e nutracêuticos ficaram associados com três tendências sociais facilmente observadas e que caracterizam a ousadia no cuidado com a saúde: mudança de um comportamento voltado ao tratamento de doenças para outro orientado à prevenção; busca por maior longevidade e beleza e o desejo por produtos e serviços com abordagem customizada. Os novos alimentos simbolizam uma importante mudança no paradigma de enfrentamento dos problemas de saúde pública relacionados à dieta. Isto porque o comportamento voltado ao tratamento de doenças é uma notória conseqüência da chamada healthy-eating revolution, nome dado à disseminação pelos países desenvolvidos de ações governamentais para promoção de recomendações e novas metas dietéticas orientadas à população adulta visando a redução de doenças, particularmente, as doenças de coração. Faziam parte dessas metas o consumo de alimentos naturais e a redução do uso de produto industrializado e altamente calórico. Por sua vez, a busca por maior longevidade e beleza e o desejo por produtos e serviços com abordagem customizada representam um novo momento social, batizado de functional foods revolution por Heasman e Mellentin (2001). Essa revolução é entendida como a disseminação de um comportamento individual orientado à prevenção de doenças a partir do uso de produtos e ingredientes funcionais específicos. A reclassificação dos alimentos: breve mudança de rota no foco da pesquisa Uma vez que a criação de novas categorias de alimentos limitou-se à experiência japonesa, e que não houve reconhecimento dos termos alimentos funcionais e nutracêuticos, as alegações de saúde podiam ser endereçadas a alimentos convencionais e suplementos alimentares, de acordo com o interesse de cada país. Era isso que consistia a reclassificação dos alimentos, fato que conduziu a uma mudança de rota na pesquisa. A questão de pesquisa que se evidenciava era a de investigação do processo de formalização do uso do potencial terapêutico dos alimentos. A reclassificação dos alimentos é bastante influenciada pelo posicionamento das estruturas de vigilância sanitárias dos países em relação às inovações. O elemento central do processo ora estudado é a concessão do direito de alegar que um determinado alimento além de nutrir, pode trazer benefícios específicos à saúde, como prevenir ou tratar algumas enfermidades e disfunções no organismo. A maior parte dos trabalhos dedicados ao tema aborda a formalização das health claims, alegações de saúde, que significam qualquer representação, presentes nos rótulos ou peças de comunicação, que afirme, sugira ou implique a existência de uma relação entre um alimento ou um dos seus constituintes e o estado de saúde (HAWKES, 2004). As maiores atenções estão voltadas, porém, para os desdobramentos, pois diretamente relacionadas a este direito, encontram-se questões importantíssimas, como: • definição do alcance das health claims, dos limites para a divulgação dos benefícios oferecidos pelos alimentos. • determinação de que tipos de alimentos e substâncias serão beneficiados e as condições de avaliação das alegações reclamadas.
  • 23. 8 O uso terapêutico de alimentos é uma prática social histórica que foi perdendo sua importância com a consolidação da indústria farmacêutica, dos medicamentos sintéticos e das práticas de pesquisa e clínica médica, a partir da estruturação da vigilância sanitária. A reclassificação dos alimentos é um processo extremamente complexo e envolve diversos interesses, chamando atenção para o que está por trás dele: uma proposta diferenciada de como as pessoas devem entender e promover os cuidados com a própria saúde. E que se materializa, evidentemente, numa postura preventiva associada ao uso de alimentos específicos. A consolidação das estruturas de vigilância sanitária pelo mundo, amplamente influenciada por uma pressão para harmonização, tornou o uso de alegações terapêuticas ou médicas exclusividade de medicamentos. Enquanto que para os alimentos ficou altamente restrito o uso de alegações, contribuindo para que esses ficassem reconhecidos como tradicional fonte de energia e nutrientes indispensáveis à sobrevivência ou mesmo uma deliciosa fonte de prazer. O consenso é que as estruturas de Vigilância Sanitária sempre utilizaram o princípio da precauçãovi, posicionando-se de forma contrária à aprovação de alegações para alimentos existentes e novos projetos de alimentos até serem totalmente descartados os risco de contaminações e outros danos. Em síntese, diz Lucchese (2001), esse princípio consiste em fazer uso restrito e controlado das substâncias ou processos suspeitos de causar danos até que se obtenham evidências mais definitivas a respeito da caracterização de seu risco. Desta maneira, em muitos países do mundo, se um fabricante de alimento quiser alegar que o produto dele traz benefício específico à saúde, ele tem que submeter as provas ao mesmo processo de avaliação de um medicamento. Se for bem sucedido, ele terá que vender o produto como medicamento e arcar com um extenso e oneroso processo. Esta realidade fez com que o foco dessa pesquisa fosse orientado para a maneira como os países estão formalizando e materializando o uso do potencial terapêutico dos alimentos. Ficou evidente que até que um novo alimento chegue ao mercado, questões regulamentares e científicas são consideradas já que não são apenas interesses de atores econômicos que estão em jogo. Também estão envolvidas questões éticas e profissionais, segurança dos alimentos, segurança alimentar, mudança dos índices de saúde pública, propriedade e comercialização de conhecimento e a inserção dos países onde esse processo irá se desenrolar no Sistema Agroalimentar mundial. Portanto, para efeito de condução deste trabalho, essa formalização é chamada de institucionalização do uso do potencial terapêutico dos alimentos. O termo institucionalização é usado para denotar a complexidade deste processo e a lógica que o mesmo está seguindo enquanto se torna realidade pelos diversos países. Entende-se que um processo envolvendo vários atores e uma complexa rede de temas associados suscita diversos questionamentos sobre os possíveis caminhos a serem seguidos e suas conseqüentes vantagens e desvantagens, ganhadores e perdedores. Outro fato importante é que mesmo no plano internacional, a reclassificação dos alimentos não é de todo conhecida, permanecendo sob os holofotes a posição destacada dos termos alimentos funcionais e nutracêuticos. Realidade visível em qualquer busca pela internet e nos bancos de dados de trabalhos científicos. Ainda que esses conceitos sejam completamente distintos e sem reconhecimento formal, segundo a literatura técnica. A institucionalização e a questão agroalimentar Por se tratar de alimentos e de substâncias presentes em alimentos, é natural esperar que a institucionalização do uso terapêutico dos alimentos repercuta sobre a questão agroalimentar. Como o uso de alegações de saúde é, acima de tudo, um fator de qualificação
  • 24. 9 de um produto, os alimentos que a recebem oferecem oportunidade de diferenciação competitiva única. A alegação de saúde e a imagem da substância funcional têm o poder de elevar significativamente a imagem de um produto, contribuindo para que ele se afaste do plano das comparações entre produtos, posicionando-o confortavelmente longe de pressões competitivas baseadas em preço. Em função da promessa de mudanças não muito simples na maneira como as pessoas conduzem aspectos centrais das suas vidas, como as práticas de cuidados pessoais e hábitos alimentares, é natural que a institucionalização do uso terapêutico dos alimentos tenha repercussões extremamente significativas. A mais visível é, sem duvida alguma, a destruição daquela fronteira semântica socialmente construída para separar medicamentos de alimentos; aquela fronteira aprendida no processo de educação que delimita o que são, para que servem e quando devem ser utilizados medicamentos, cosméticos e alimentos. São vários os ângulos para observar essa institucionalização, pois vários são os atores envolvidos (Ver Figura 1), mas o que tem chamado maior atenção é o da repercussão econômica, isto é, das possibilidades de ganhos que emergem. Figura 1: Atores diretamente envolvidos com a reclassificação dos alimentos. Para a indústria de alimentos ela representa uma mudança radical, pois significa a oportunidade de novos negócios com a venda de produtos de maior valor agregado. Para as indústrias de cosméticos e medicamentos, ela sinaliza potenciais perdas. Para analisar os reflexos dessa institucionalização sobre a questão agroalimentar, mostrou-se necessário acompanhar como países e empresas estão se articulando. E alguns exemplos já estão disponíveis, chamando muita atenção. A empresa francesa Danonevii , dona da linha de produtos Activia, já é considerada um modelo positivo desse novo momento da indústria global de alimentos. Os analistas do mercado de novos alimentos dizem que a empresa se reinventou. Provavelmente, essa reinvenção diz respeito ao aumento do foco em pesquisa e desenvolvimento, fundamental para o desenvolvimento dos novos alimentos e que, como os medicamentos, consome muito tempo e dinheiro. Com as aquisições da Yakult e Numico, a empresa soma esforços de pesquisa ao centro internacional de pesquisa do grupo (Danone Research Centre Daniel Carasso) na França, que gasta anualmente cerca de 1,3 bilhões de dólares. A empresa tem mais de 30 centros de pesquisa e 1000 cientistas espalhados pelo mundo voltados à identificação de novas substâncias que possam ser incorporadas aos produtos. Estima-se que a empresa leve até dez anos entre a pesquisa da substância bioativa e os testes clínicos com seres humanos para chegar a um novo alimento funcional. Alguns países já estão se movimentando para aproveitar os benefícios desse processo Poder Público Atores acadêmicos Sociedade Associações profissionais Interesses individuais Novos Alimentos Atores econômicos
  • 25. 10 de reclassificação dos alimentos, como o Canadá, que está desenvolvendo o projeto FLAX CANADA 2015viii , que objetiva o reconhecimento do país como líder global no desenvolvimento e comercialização de produtos de linhaça para melhoria da saúde humana no ano 2015. As estimativas são de que o projeto gere benefícios à sociedade canadense na ordem de $15 bilhões através de saúde, bem-estar e sustentabilidade ambiental. O projeto consiste de um grande esforço de pesquisa para descobrir e comprovar o potencial terapêutico dos subprodutos da linhaça (flax), e transferir os conhecimentos para empresas privadas desenvolverem alimentos de maior valor agregado. A linhaça é reconhecida como uma das poucas fontes vegetais de ômega 3, substância geralmente presente em animais e vegetais de fontes marinhas. Considerando que outros dois processos de institucionalização significativos para a questão agroalimentar estão envolvidos — a dos organismos geneticamente modificados (OGM) e dos alimentos orgânicos — evidencia-se um grande choque de interesses entre todos os atores que formam o SAA, dos fornecedores de insumos aos pontos de vendas de produtos finais. Entram no cenário as empresas de biotecnologia e os supermercados. Algumas questões podem ser destacadas para nortear essa análise, e se relacionam com questionamentos sobre (i) o tipo de alimento que poderá receber alegação de saúde (Industrializado ou In natura); (ii) os tipos de substâncias que receberão alegações de saúde (naturais, sintéticas ou geneticamente modificadas); (iii) as condições para comercialização desses produtos (direta ou com recomendação médica); (iv) a harmonização das legislações, o que influencia as importações e exportações. Os itens a seguir oferecem uma breve perspectiva de como interesses do SAA são influenciados por esta institucionalização: • Segurança do consumidor: a mudança na legislação sanitária, ao permitir o uso de alegações mais ousadas para alimentos, vai flexibilizar os mecanismos de avaliação de segurança e eficácia dos alimentos ou das substâncias? Ou vai torná-los tão severos quanto os cobrados para medicamentos? • Competição no sistema agroalimentar: esta institucionalização tangencia a consolidação dos organismos geneticamente modificados e a definição das legislações mundiais sobre os novel foods. É importante ressaltar que este processo pode definir os organismos geneticamente modificados como design dominante de produtos alimentícios no SAA. • Foco em substâncias e não em produtos: esta questão mexe diretamente com os interesses dos atores econômicos. Se o foco é em produto industrializado, ele favorece aos atores que lidam com produtos finais. Se o foco é sobre substância, ele favorece bastante empresas processadoras e produtoras de ingredientes e aos produtores de alimentos com qualidade diferenciada. • Patentes: a utilização de alegações específicas para produto abre o caminho para o uso de patentes, o que por sua vez estimularia maiores investimentos em P&D e abertura de novos negócios. Esta situação favorece mais as grandes empresas do que as pequenas empresas, que seriam desestimuladas em função dos altos custos para identificar e comprovar a eficácia e segurança dos seus produtos. • Comercio internacional: Importações e exportações são afetadas pela complexidade regulamentar, prejudicando países em desenvolvimento em função das legislações de novel foods. • Políticas públicas: as políticas públicas serão remodeladas para acomodar transformações regulamentares? Este fato implica a redefinição de políticas públicas para saúde, agricultura, educação e pesquisa. Devido à sua direta relação com capacitações em P&D, é provável que esse processo vá estimular significativas transformações nas estratégias de negócio das empresas, o que se
  • 26. 11 refletirá em mudanças nos modelos de negócios, no padrão de relacionamento entre empresas e na maneira de atender ao mercado. De acordo com Wilkinson (2002), a realidade subjacente à consolidação dos alimentos funcionais e nutracêuticos é um desafio mesmo para as grandes empresas de alimentos, dado que nem elas têm todas as tecnologias e habilidades requeridas para a disponibilização destes produtos para consumo. Diferentes arenas e questões da institucionalização do uso do potencial terapêutico dos alimentos Como visto, o fenômeno em questão é bem mais complexo do que sugerem a maioria dos trabalhos o abordando. Posto de maneira bem simples, os novos alimentos representam excelentes oportunidades para casar o descobrimento científico com o crescente interesse do consumidor em alimentos que melhoram a saúde. Contudo, experiências como a da Danone sugerem que para os benefícios desse processo se materializar, que o casamento vingue, são necessárias transformações na maneira como países e empresas interessadas se organizam não apenas em termos regulamentares, mas também acadêmica e empresarialmente. No centro de tudo está a complexidade de geração e coordenação da base de conhecimento demandada, uma vez que este processo exige intensa atividade científica e de P&D, mecanismos de transferência de tecnologia, tecnologia de produção e estrutura de desenvolvimento, testagem, posicionamento e comercialização de produtos. No que diz respeito às empresas, a experiência internacional tem alertado para a necessidade de formação de cadeias de suprimento para viabilizar o aproveitamento dessa oportunidade, dado que dificilmente as competências e capacitações demandadas serão encontradas em um único ator. Com relação aos países, a tendência é o desenvolvimento de ações governamentais em colaboração com empresas e centros de pesquisas. Esta realidade estimulou o desenvolvimento de uma abordagem diferenciada para que este trabalho contribuísse para a ampliação do entendimento desse fenômeno, permitindo sua localização no tempo e no espaço e a análise das suas implicações. Então, optou-se por desenvolvê-lo pela perspectiva da descrição e análise de arenas em que o processo de institucionalização se desdobra (ver Figura 2). A idéia era oferecer uma contribuição mais consistente sobre os eventos e questões presentes no caminho percorrido pelos novos alimentos dos laboratórios aos pontos de vendas. O que, por sua vez, facilitaria a visualização da sua influencia sobre questão agroalimentar. Como será visto adiante, os capítulos deste trabalho representam as arenas. Figura 2: Arenas de consolidação da exploração do potencial terapêutico dos alimentos. A investigação bibliográfica demonstrou que, independente do país onde ocorra, esta institucionalização percorre três arenas intimamente relacionadas — científica (laboratorial), regulamentar e de mercado — e onde a dimensão regulamentar define a sua dinâmica. Chegou-se a essa divisão observando a distribuição das abordagens feitas nos trabalhos revisados, quando foi ficando patente a convergência dos diversos assuntos abordados para as três arenas selecionadas. Procura-se contemplar estas arenas na estruturação deste trabalho. Devido à sua centralidade, a arena 2 envolve fatos relativos à transformação dos sistemas de vigilância sanitária dos países. Trata-se da transformação das estruturas jurídicas (relativa à legislação sanitária) e organizacionais (dos órgãos e procedimentos de atuação destes) pensadas para tratar das ameaças à saúde pública resultantes do modo de vida Dimensão regulamentar Dimensão científica Arena 1 Arena 2 Dimensão mercado Arena 3 Saúde Pública? Desenvolvimento? Lucros? Novos alimentos
  • 27. 12 contemporâneo, completamente baseado no consumo. Neste caso, do uso e consumo de novos materiais, novos produtos, novas tecnologias e novas necessidadesix . Tradicionalmente, as estruturas de vigilância sanitária dividem os medicamentos de alimentos e cosméticos, impondo sérias restrições às alegações que os fabricantes de alimentos podem fazer sobre seus produtos, proibindo, inclusive, alegações medicinais, as que sugerem que um alimento pode ser usado para cura e tratamento de doenças. Aqui também são exploradas as modificações que os paises fizeram em termos de uso de alegações de saúde. As principais definições sobre alegações de saúde são abordadas aqui. Os trabalhos que se encaixam na arena 1 são mais técnicos, envolvendo, predominantemente, áreas das ciências naturais e biomédicas, onde o papel da pesquisa é altamente evidenciado na descoberta de novas interações entre alimentação e saúde. Basicamente, são investigadas quais substâncias respondem pela mudança do estado de saúde de uma pessoa e em que condições elas operam. Do ponto de vista da pesquisa, analisam-se as tendências em termos de consolidação das trajetórias de inovação. Do ponto de vista prático, o conhecimento gerado nesta arena leva ao desenvolvimento de novos produtos e conceitos e à comprovação da segurança e eficácia dos mesmos. A questão central que emerge é se os alimentos serão considerados benéficos à saúde à maneira como ocorre com os medicamentos, ou seja, submetidos a análises epidemiológicas, de mecanismos biológicos e ensaios ou intervenção clínicas? A maioria dos trabalhos disponíveis sobre os assuntos “functional foods” e “nutraceuticals” pertence a esta arena. Nela também são feitas as principais revisões conceituais sobre alimentos funcionais, nutracêuticos e substâncias bioativas. A dimensão mercado (Arena 3) envolve aspectos de organização das atividades econômicas e da aceitação desses produtos no mercado. O argumento é que uma vez comprovados os benefícios alegados para uma substância bioativa e contemplada a questão regulamentar, vem o processo de adequação desta às condições de produção e consumo de alimentos, ou seja, sua transformação em produtos. Analisa-se como se conformará e comportará a cadeia de suprimento destes produtos, e como os atores interessados se articulam. Algumas questões são bem evidentes em termos de produto: lançamento e consolidação de novos projetos de produtos e marcas; reposicionamento de produtos e marcas existentes. Em termos estratégicos, analisam-se as movimentações dos atores para viabilização dos produtos, isto é, dos investimentos, parcerias, fusões, aquisições empreendidas da área de plantio aos pontos de venda. Esta arena também envolve as conseqüências deste processo, suas repercussões em termos de consumo individual e de saúde pública. Conforme mostram alguns estudos pertencentes a esta arena, trata-se de algo que passa pela conquista da confiança da sociedade, pois esta precisa acreditar nos benefícios alegados nos rótulos ou propagandas dos produtos. Além dos problemas de confusão conceitual e limitação de abordagem, é raro encontrar trabalhos dedicados ao tema que o abordem de maneira sistêmica, prevalecendo o foco sobre questões específicas: evidências científicas; aspectos legislativos; comportamento do consumidor. Desta maneira, deixa-se de fornecer um quadro mais amplo do que seja esse processo, como ela acontece e quais as conseqüências para a sociedade. Devido à magnitude dos interesses envolvidos, trata-se de algo extremamente relevante e que justifica esforços de pesquisa que contribuam para o entendimento de como a sociedade brasileira será afetada pelo mesmo. Portanto, o presente estudo procurou preencher estas lacunas, usando a perspectiva de arenas da institucionalização para fornecer um amplo painel de visibilidade da disseminação mundial da uso do potencial terapêutico dos O uso de alegação de saúde para alimentos tem sido pouco estudado no Brasil, prevalecendo os estudos de áreas com recorte mais técnico, como os das áreas de biomédica e de tecnologia de alimentos. Os trabalhos de Franco (2006) e Silveira (2006), ambos da área
  • 28. 13 biomédica, fazem uma revisão sobre o tema objetivando a análise e comparação da legislação brasileira, nos aspectos de desenvolvimento, avaliação e comercialização dos alimentos funcionais, com a legislação de outros países. Premissas para o desenvolvimento do trabalho Das arenas surgiram questões relevantes para a condução dessa pesquisa. Neste sentido, um aspecto central é analisar como a institucionalização no Brasil se alinha com os processos ocorridos no Japão e Estados Unidos, devido à centralidade destes países nesse processo. E também com a experiência da União Européia, muito em função do seu mercado consumidor, importância para o comercio internacional e também pela reação demonstrada lá contra os organismos geneticamente modificados. Será investigada a possibilidade de harmonização regulamentar e as possíveis conseqüências sobre a dinâmica do SAA brasileiro, à maneira como ocorreu com os medicamentos. A institucionalização representa oportunidade única para que empresas e países façam seu posicionamento estratégico no SAA mundial. Historicamente países e empresas têm se posicionado estrategicamente refletindo uma tendência de divisão internacional do trabalho na produção e fornecimento de alimentos. Observam-se, de um lado, os países e empresas que produzem tecnologia e produtos de maior valor agregado e, do outro lado, países e empresas que produzem produtos sem valor agregado e que são importadores de tecnologia. O foco da institucionalização sobre as substâncias bioativas, que efetivamente respondem pelo benefício à saúde, abre espaço para uma revisão dessas estratégias, a partir do estímulo econômico que será dado a cultivares até então fora do mainstream dos produtos alimentícios. Neste caso, há que se analisar como será conduzido o processo de institucionalização em cada país. Isto é, se eles irão refletir a existência de uma abordagem sistêmica, envolvendo políticas e ações governamentais consistentes e bem desenhadas ou investimentos em pesquisa e desenvolvimento feitos isoladamente por firmas individuais? Com relação às substâncias, é importante definir para quais tipos podem ser reclamadas propriedades terapêuticas. Além de afetar aspectos como exportação e importação, esta definição influenciará significativamente as movimentações competitivas dos atores econômicos do SAA (dimensão oferta) no país. No caso das substâncias, deve-se definir se serão aceitas alegações apenas para substâncias naturais ou se também serão permitidas alegações para substâncias obtidas por meio de manipulação genética ou processos sintéticos. No caso dos alimentos, deve-se definir entre os seguintes tipos de alimentosx : • que naturalmente contenha quantidade suficiente de uma substância funcional. P.ex.: aveia com betaglucana. • que tenha um componente naturalmente aumentado através de técnicas produtivas ou manipulação genética. P. ex.: Ovos com teor de ômega 3 aumentado através de mudança na alimentação do frango ou o Golden Rice, arroz que recebe mudança genética para ter teor de vitamina A. • que tenha formulação alterada para incorporar um ingrediente funcional. P.ex.: Margarina fortificada com esteróis vegetais. • que a natureza de um ou mais componentes ou sua biodisponibilidade em humanos tenha sido modificada por meio de tecnologias especiais de processamento. P.ex.: Fermentação com bactérias específicas para alcançar peptídeos bioativos. • que teve um componente deletério removido, reduzido ou substituído por outra substância com benefícios especiais. P. ex. Goma de mascar adoçada com xilitol ao invés de açúcar.
  • 29. 14 Dado que não há duvidas sobre a ocorrência de repercussões econômicas em função desta institucionalização, resta saber quem serão os favorecidos e os prejudicados. As empresas farmacêuticas têm muito interesse nessa definição, principalmente se a nova legislação previr a possibilidade de reposicionamento de substâncias que já foram medicamentos, como ingrediente de alimento. Todavia, essa perspectiva não interessa às empresas de biotecnologia, mesmo que muitas delas tenham operações farmacêuticas, que ainda apostam no potencial da biotecnologia para produção de substâncias diferenciadas. Muito menos às empresas processadoras de alimentos e alguns fabricantes de alimentos finais, altamente especializados em grãos e que já desenvolvem substâncias extraídas desses grãos, como é o caso da Quaker com aveia e da Bunge com a Soja. Também devem ser considerados os interesses dos grandes fabricantes de alimentos, especialistas no desenvolvimento de marcas, como a Unilever e Nestlé. Se o foco regulamentar prevalecer sobre as substâncias, sugerindo que todo alimento é funcional em certa medida, essa posição vai de encontro aos interesses das indústrias de alimentos, pois não gera a possibilidade de exclusividade para alimentos industrializados, isto é, sobre produtos específicos. De fato, isso beneficiaria os atores envolvidos com a produção de orgânicos. No que diz respeito ao tipo de substância, entende-se que o foco deva recair sobre aquelas de ocorrência natural, favorecendo a rica biodiversidade brasileira. Com relação ao tipo de produto, é possível que aja permeabilidade da legislação para todos os tipos de produto, principalmente, pelo fato do país ter sido permeável aos organismos geneticamente modificados, sugerindo que os produtos oriundos do uso desta tecnologia devam prevalecer. Num sentindo mais amplo, esta definição influenciará as ações mercadológicas das empresas com relação ao lançamento de produtos novos para o mundo, novas linhas de produto, novos produtos numa linha já existente ou reposicionamento de produtos existentes. Objetivos e considerações metodológicas A adoção da perspectiva de arenas visou a construção de um amplo painel de visibilidade da ascensão dos alimentos funcionais e nutracêuticos, com o intuito de esclarecer o que são “novos alimentos”, as condições em que eles estão sendo apresentados pelo mundo, e as conseqüências para a questão agroalimentar. Especificamente procurou-se com este trabalho: • posicionar os novos alimentos nas tendências de oferta de alimentos no SAA. • identificar possíveis conseqüências deste processo sobre a estrutura de oferta do SAA, procurando abranger aspectos de estratégia de negócio e de produto. • esclarecer os impactos econômicos da produção e consumo dos novos alimentos. • demonstrar como Japão, Estados Unidos e União Européia promoveram as transformações da estrutura de vigilância sanitária e as tendências de uso de alegações de saúde, assim como os caminhos seguidos pela Brasil neste sentido. Do ponto de vista metodológicoxi , o trabalho se caracteriza por sua natureza qualitativa. Procurou-se interpretar o fenômeno em questão descrevendo-o e explorando suas principais características e implicações. Opta-se por essa abordagem pelo fato dela oferecer um nível de análise adequado para a visualização das possíveis conseqüências sobre o funcionamento do SAA. Devido à baixa incidência de estudos da área de ciências sociais dedicados ao tema, abriu-se mão de abordagens metodologicamente mais complexas que, por um lado, permitiriam controlar características ou correlacioná-las para chegar a um nível extremamente detalhado de explicação do mesmo, e, por outro, uma interpretação mais aprofundada a partir da aplicação de um arcabouço teórico mais sistematizado.
  • 30. 15 Como esclarece a área de métodos e técnicas de pesquisa, um acontecimento não deve ser considerado um simples objeto de observação, mas uma oportunidade para se empreender uma análise empírica de um fenômeno da realidade (referência). Este foi justamente o intuito que dirigiu este trabalho: abordar os alimentos funcionais e nutracêuticos como um fenômeno da realidade recente e desenvolver uma estrutura que proporcionasse maior conhecimento sobre eles. Isto mostrou-se um grande desafio, pois, como mencionado anteriormente, optou-se por uma abordagem diferenciada para que este trabalho contribuísse para a ampliação do entendimento desse fenômeno, o que levou à perspectiva da descrição e análise de arenas (dimensões) em que o processo de institucionalização se desdobra (Figura 2). O uso de uma metodologia muito específica levaria à abstração típica do positivismo científico e à seleção de aspectos específicos do objeto, ou seja, ao isolamento de uma parte do objeto e da concentração dos esforços para conhecê-lo. Em outras palavras, dissecá-lo até descobrir mais particularidades dentro de uma realidade já bem segmentada. Outro fator importante foi a falta de conteúdo relevante sobre o tema na área de ciências sociais e humanas. Desta maneira, fudamentam esta abordagem os métodos qualitativo e descritivo de pesquisa. O primeiro método enseja que se estude o objeto no sentido de interpretá-lo em termos do seu significado maior, não carecendo de técnicas quantitativas. Como é típico deste método de pesquisa, procurou-se considerar a totalidade, e não dados ou aspectos específicos da emergência de novos alimentos no SAA. O método comparativo se realiza pela análise de sujeitos, fenômenos ou fatos, com o propósito de destacar as diferenças e semelhanças entre eles. Ele fundamentou o desenvolvimento dos capítulos sobre a dimensão regulamentar e conduziu ao esforço comparativo das realidades regulamentares do Japão, União Européia, EUA e Brasil. Esta pesquisa também se caracteriza pelos seus processos exploratórios e descritivos. O primeiro processo dá à pesquisa exploratória a opção de ser empreendida quando se tem poucos dados disponíveis, situação vivida neste trabalho. Assim, procura-se aprofundar e apurar idéias e a construção de hipóteses. O segundo processo dá à pesquisa descritiva a característica de buscar enumeração e ordenação de dados, sem o objetivo de comprovar ou refutar hipóteses exploratórias, abrindo espaço para pesquisas explicativas, aquelas normalmente fundamentadas em experimentação. Espera-se, portanto, que este trabalho contribua para isso. Como informa o método desta pesquisa, não foi utilizado nenhum processo quantitativo no trabalho. Na pesquisa quantitativa a realidade (o fenômeno ou suas partes) é expressa em números. O uso de ferramental quantitativo paramétrico ou não paramétrico faz com que os dados sejam analisados de maneira bem objetiva, tornando a abordagem mais empírico-analítica. Ao contrário dessa, na pesquisa qualitativa a realidade é verbalizada. Isto é, os dados recebem tratamento interpretativo, com interferência maior da subjetividade do pesquisador, tornando a abordagem mais reflexiva. Ainda com relação ao tipo de pesquisa, cabe ressaltar o uso de pesquisa bibliográfica e de estudo de caso. Uma característica central deste trabalho é a intensa pesquisa bibliográfica. Segundo Alyrio (2007), o exercício básico na pesquisa bibliográfica é a investigação em material teórico sobre o assunto a ser trabalhado. E deve compreender o máximo da bibliografia de domínio público em relação ao assunto estudado, considerando livros, publicações avulsas, boletins, jornais, revistas, monografias, dissertações, teses etc. Utilizou- se neste trabalho pequenos estudos de caso. Neste tipo de pesquisa, o pesquisador dedica-se ao estudo intenso de situações do passado, que possam ser associadas a situações presentes, em relação a uma ou algumas unidades sociais: indivíduo(s), grupo(s), instituição(ões), comunidade(s), como também salienta MARTINS (1994).
  • 31. 16 Descrição do Trabalho Conforme mencionado anteriormente, a estruturação do trabalho priorizou a produção de uma descrição mais abrangente do fenômeno, dividindo este em arenas. No capítulo 1 apresenta-se uma breve descrição de como anda a questão agroalimentar, para analisar como a institucionalização do uso do potencial terapêutico dos alimentos repercute sobre a dinâmica desta questão. O capítulo traz uma breve descrição das tendências no fornecimento de alimentos e na organização das respectivas atividades produtivas. Esta abordagem é influenciada pela ênfase dada pela literatura ao que aqui será chamado de “contínua transformação da questão agroalimentar”. Diferentes conceitos foram utilizados para fornecer um amplo painel de visibilidade sobre a oferta de alimentos e os interesses dos atores com ela envolvidos; e de onde se destaca o papel diferenciador que a qualidade tem desempenhado. O capítulo também oferece uma descrição do ambiente de negócio a partir da identificação dos comportamentos estratégicos dos atores econômicos e da análise de como estes se consolidaram com o tempo, inspirados num contexto em que a qualidade e sua relação com as movimentações (reações) dos consumidores assumem significativa importância. No capítulo 2 analisa-se a emergência dos termos alimentos funcionais e nutracêuticos e sua relação com o processo de reclassificação dos alimentos. Esta primeira dimensão do processo de institucionalização desses alimentos é denominada científica devido à centralidade exercida por este tipo de conhecimento nas análises disponíveis sobre a relação entre dieta e saúde. Ele começa com a revisão da literatura que define o que são alimentos funcionais e nutracêuticos, explica os contextos em que os mesmos emergem e ganham visibilidade, e apresenta as principais definições subjacentes aos interesses de formalização dos mesmos como novas categorias de produto alimentício. Também são abordados exemplos de como os países estão se mobilizando para dar conta dessa oportunidade, uma vez que os ativos de produção de conhecimento são caros e os resultados da pesquisa demandam tempo para aparecer. O capítulo 3 é dedicado à primeira parte da segunda arena do processo de institucionalização. Explica-se o que é a estrutura de regulamentação dos alimentos, o significado do processo de reclassificação dos alimentos em curso e como está repercutindo as experiências japonesas e americanas. Recupera-se os principais conceitos de alegações de saúde e como está constituído o ambiente internacional de regulamentação dos alimentos. O capítulo 4 complementa a investigação sobre a terceira arena do processo de institucionalização do uso do potencial terapêutico dos alimentos. O capítulo anterior demonstrou como funciona a estrutura de regulamentação de alimentos, os tipos de alimentos existentes e como repercutiu a experiência japonesa e americana pelo mundo. Especificamente, foram demonstradas e explicadas os conceitos que respaldam as alegações que podem ser feitas e no que elas implicam em termos de políticas públicas e incentivos à atividade econômica. Este capítulo explora como que os SNVS japonês, americano, brasileiro e europeu incorporaram tais conceitos. Em suma, descreve-se como se encontra nestes países o ambiente regulamentar do emergente mercado de novos alimentos. A escolha desses países é justificada pelo fato da reclassificação dos alimentos ter começado no Japão e ter ganhado significativo impulso nos EUA; pela conhecida centralidade econômica, política, tecnológica, científica deles e a importância dos seus mercados de produção de alimentos e de consumo. No capítulo 5 descreve-se o que está ocorrendo na terceira arena do processo de institucionalização do uso do potencial terapêutico dos alimentos: a dimensão mercadológica. Procura-se oferecer um panorama do mercado de novos alimentos, apresentando-se números das vendas. Faz-se, especificamente, uma descrição ampla de como são desenvolvidas as atividades produtivas dos chamados alimentos funcionais e nutracêuticos considerando a perspectiva de paises e empresas. Em geral, a literatura dedicada aos temas dessa arena
  • 32. 17 salienta que a materialização de todo potencial e promessas do novo mercado — que produtos e serviços novos, promissores, seguros e com credibilidade estejam disponíveis para consumo — depende da competência de governos e empresas para lidar com desafios impostos pelo desenvolvimento e aplicação de novos e confiáveis conhecimentos e com a construção de credibilidade para os novos produtos.
  • 33. 18 CAPÍTULO 1 – TENDÊNCIAS NO FORNECIMENTO DE ALIMENTOS Para analisar como a institucionalização do uso do potencial terapêutico dos alimentos repercute sobre a questão agroalimentar, este capítulo traz uma breve descrição das tendências no fornecimento de alimentos e na organização das atividades produtivas. Esta abordagem é influenciada pela ênfase dada pela literatura ao que aqui será chamado de “contínua transformação da questão agroalimentar”. Os trabalhos dedicados a este tema demonstram os rumos que a atividade de fornecimento de alimentos está seguindo, contemplando transformações ocorridas desde os tempos em que produção e consumo de alimentos eram atividades domésticas correlatas, de expressão local. O paradigma predominante na literatura é o da análise do funcionamento de um complexo sistema de provisão de alimentos, onde diversos atores econômicos formam subsistemas que desempenham distintas tarefas desde a propriedade rural até os pontos de venda de alimentos. Sistema usualmente chamado de Sistema Agroalimentar (SAA). Esta interpretação da questão agroalimentar, principalmente a relacionada à visão da economia política, produz um conjunto de imagens muito rígido do SAA. Uma possível representação dessas transições da questão agroalimentar aponta para a existência de um SAA global constituído de complexas cadeias de fornecimento de alimentos e com alcance cada vez mais longo. Este sistema é predominantemente marcado pela hegemonia da padronização na produção e consumo de alimentos, onde grandes corporações de insumos agropecuários, produção agropecuária e processamento de alimentos articulam complexos contratos de produção de produtos agropecuários fornecidos para grandes corporações de alimentos finais especializadas no desenvolvimento de produtos de consumo e de marcas. Por sua vez, estas empresas interagem com grandes corporações especializadas na distribuição de alimentos contribuindo para que estes sejam consumidos cada vez mais distantes de onde foram produzidos. Por outro lado, outras interpretações acadêmicas chamam atenção para uma representação da questão agroalimentar com imagens menos rígidas: a da fragmentação da provisão de alimentos. Dá-se destaque a um padrão de organização das atividades produtivas que se aproxima bastante das características basilares da questão agroalimentar: expressão local, no máximo regional; incorporação seletiva de tecnologias de gestão e produção; maior proximidade entre produtores e consumidores e a ênfase no consumo de produtos naturais e frescos. Apesar do caráter puramente representativo dos trechos expostos acima, eles possibilitam inferências sobre as trajetórias seguidas pelos atores envolvidos com a produção e consumo dos alimentos até chegar neste contexto em que os produtores de alimentos podem alegar abertamente que seus produtos modificam o estado de saúde humano. Neste sentido, o esforço teórico aqui envidado objetivou dar mais substância e realismo a estas representações, analisando quem são os atores envolvidos com a provisão de alimentos, como se organizam e as apostas que fazem, para identificar como a reclassificação dos alimentos os influencia. Diferentes conceitos foram utilizados para fornecer um amplo painel de visibilidade sobre a oferta de alimentos e os interesses dos atores com ela envolvidos; e de onde se destaca o papel diferenciador que a qualidade tem desempenhado. Este capítulo também oferece uma descrição do ambiente de negócio a partir da identificação dos comportamentos estratégicos dos atores econômicos e da análise de como estes se consolidaram com o tempo, inspirados num contexto em que a qualidade e sua relação com as movimentações (reações) dos consumidores assumem significativa importância. Contextos em que limites à globalização do SAA têm sido crescentemente demarcados por questões locais, nacionais e regionais, como mostram Nygard e Storstad
  • 34. 19 (1998), ou simplesmente pelas lacunas deixadas pelo incompleto processo de substituição ou apropriação dos ciclos orgânicos da natureza como apontaram Goodman et al (1987). Contextos e lacunas de onde emergem diferentes visões se como pensar, gerenciar e propor políticas para a questão agroalimentar. Para alcance dos objetivos propostos será dada maior ênfase aos atores envolvidos na produção e disponibilização dos alimentos, ou seja, à dimensão oferta, mais especificamente às suas modalidades. 1.1 Sistemas, cadeias e redes: uma breve explicação para a linguagem adotada neste trabalho. O desenvolvimento deste capítulo foi baseado numa abordagem teórica que endossa o argumento de Wilkinson (1997) de que abordagens que ampliem o entendimento sobre a crescente valorização da qualidade no alimento oferecem maiores recursos para análise da dinâmica da reestruturação do SAA. A leitura dos trabalhos que procuram explicar o comportamento de produção e consumo de alimento corrente aponta para certa “leveza” do conceito de qualidade, dado que o mesmo está sujeito a interpretações e apropriações bem distintas. Por um lado tem-se a abordagem da qualidade industrial, uma resultante do aprimoramento dos métodos de produção e controle dos processos produtivos. Por outro, tem-se a abordagem da qualidade artesanal, uma resultante da preservação de práticas históricas de manipulação dos alimentos e da produção de alimentos menos complexos. Assume-se neste trabalho que a dinâmica de fornecimento de alimentos será influenciada pelo constante jogo entre atores advogando pelas diferentes abordagens de qualidade para mostrar quem tem mais autoridade ou legitimidade para propor elementos práticos e conceituais que definem qualidade nos alimentos. Assim, dado que o uso de alegações qualifica os alimentos, fica mais fácil entender como que o processo de reclassificação dos alimentos influenciará a questão agroalimentar. Neste sentido, espera-se oferecer uma análise mais completa dos princípios e questões que: • informam a diferenciação de produtos pela qualidade como a dinâmica central do fornecimento de alimentos. • posicionam a inovação nos formatos organizacionais (modelos de negócios) e nas formas de coordenação da atividade produtiva como saída estratégica para lidar com o acirramento da competição num contexto de crescente globalização e concentração de capital. Do trabalho de Storper (1997) foi extraído o conceito de “Worlds of production” para explorar quais são os mundos da produção de alimentos. Para dar conta da relevância da qualidade como fator competitivo diferenciador, Storper e muitos autores recorrem à contribuição da Teoria ou Economia das Convenções (EC) pelo fato desta perspectiva teórica oferecer conceitos diferenciados para um melhor entendimento da maneira como a realidade econômica é produzida (WILKINSON, 1997; MURDOCH e MIELE, 1999, MURDOCH et al, 2000; STRÆTE, 2004; VITTERSØ et al, 2005; PARROT et al, 2002). Além do padrão de articulação de interesses de diversos atores, também é possível analisar os eventos pelas perspectivas temporal e espacial. Ao contrário do mainstream da economia política, a EC não fica centrada apenas nas robustas cadeias de commodities para explicar a questão agroalimentar: ela abre espaço para a legitimação de outras perspectivas de fornecimento de alimentos, dando visibilidade às iniciativas diferenciadas de fornecimento de alimento. E isso ocorre pela ampliação das
  • 35. 20 categorias analíticas utilizadas, chamadas comumente de convenções, melhor explicadas adiante. A EC surge na França como resultado de trabalhos sediados no French National Institute for Agricultural Research (INRA) a partir da década de 80. Entre os autores estão Thévenot, Boltanski, Eymard-Duvernay, Allaire e Boyer, que procuravam demonstrar como se produzem os acordos econômicos, isto é, como se dá o processo de coordenação das atividades inerentes aos acordos (WILKINSON, 1997; FONSECA, 2005). Em função da natural divergência de interesses entre atores, essa abordagem propicia o entendimento das modalidades de cooperação entre eles, preocupando-se com a análise dos processos e das condições em que ocorre a coordenação. Para Morgan et al (2006), as análises da EC baseiam-se no entendimento de que qualquer forma de coordenação de atividades (na realidade econômica, política ou social) exige algum tipo de concordância entre os participantes, diferente da perspectiva do pragmatismo da imposição do poder por uma parte dominante. Desta maneira, afirma Fonseca (2005), para que aconteçam as trocas e, conseqüentemente, a coordenação, é necessário o estabelecimento de convenções (formais ou informais) que especificam o curso das ações econômicas. Portanto, a EC se concentra sobre as diferentes práticas de montagem e justificação de discursos e padrões de comportamento por parte dos atores que interagem em sistemas produtivos. A dinâmica de construção e legitimação dos apelos dos atores é o objeto das análises que realçam como diferentes recursos (materiais e imateriais) são combinados no constante esforço de produção de consensos e superação de dissensos, algo comum no interior de qualquer atividade econômica dada à diferença de interesses. Sob esta abordagem toda atividade produtiva assume a forma de ação coletiva, e que esta depende da coordenação de vários atores e entidades existentes dentro de diferentes estruturas de ação (STORPER, 1997). Os resultados são socialmente construídos, ou seja, convencionados. De acordo com Fonseca (2005), o aporte conceitual da EC focaliza, sobretudo, o aspecto da coordenação. O trecho a seguir oferece uma visão mais clara da dinâmica do processo de produção de consenso e superação de dissenso: “O ponto de partida é a solução do problema de coordenação. A convenção supõe uma escolha. Ela existe porque os agentes escolhem ao mesmo tempo, e devem calcular sua escolha com base na escolha dos outros. A incerteza limita suas capacidades de antecipar outras ações dos agentes, portanto, eles preferem adotar o procedimento ou a regra. Indivíduos concordam com a convenção como uma ferramenta para a ação, e é um bom caminho para manter a coerência da convenção. Também, a convenção é evolutiva de acordo com as escolhas dos atores”. No que diz respeito à construção social da qualidade, Wilkinson (1997) pontua que os mercados só funcionam com base na definição a priori da qualidade dos produtos a serem trocados. Quando os atributos geradores da qualidade são difíceis de serem capturados ao nível sensorial pelo usuário e consumidor, a identificação requer a intermediação de normas e métodos de avaliação que por sua vez são incorporados em instrumentos ou coisas que representem esses valores. Desta maneira, a qualidade do produto é interpretada à luz de uma avaliação dos produtores e organizações subscrevendo os produtos e o controle de qualidade é garantido, preferencialmente, através da consolidação de redes e o desenvolvimento de relacionamentos baseados na confiança. Fonseca (2005:42) reforça esta questão: “Na Economia das Convenções a questão da coordenação entre os agentes funda-se sobre convenções de qualidade na perspectiva de uma construção endógena da qualidade, obtida por meio da participação efetiva dos agentes e da