SlideShare uma empresa Scribd logo
1 de 7
Baixar para ler offline
RESENHA




História das
teorias da
comunicação                                                NOS ÚLTIMOS ANOS, Armand Mattelart vem rea-
                                                           lizando um audacioso projeto: escrever a his-
                                                           tória das mídias, das teorias que as envolvem
                                                           e dos processos de comunicação sob os mais
                                                           diferentes aspectos. Do ponto de vista do lei-
                                                           tor brasileiro, primeiro foi a vez de Comunica-
                                                           ção-Mundo (Petrópolis, Vozes. 1994). Agora, a
                                                           Loyola lança este História das teorias da comuni-
                                                           cação. Está ainda faltando La mondialization de
                                                           la communication, de 1996, que já recebeu tra-
                                                           dução espanhola mas encontra-se inédito en-
                                                           tre nós.
                                                                 Se Comunicação-Mundo organizava-se
                                                           em três grandes blocos, a guerra, o progresso
                                                           tecnológico e a cultura, este novo trabalho é
                                                           mais fragmentário mas, ao mesmo tempo,
                                                           mais definido. Ele se desdobra em sete gran-
                                                           des capítulos que vai abrangendo as diferen-
                                                           tes fontes teóricas, espalhadas pelas diferen-
                                                           tes disciplinas que, ao longo dos dois últi-
                                                           mos séculos, e às vezes até bem antes, termi-
                                                           naram por influenciar a maneira de conceber,
                                                           discutir e pensar os processos de informação
                                                           (consequentemente, de comunicação) exis-
                                                           tentes hoje em dia no mundo. Por isso mes-
                                                           mo, a mesma característica do livro anterior,
                                                           ainda que em percentuais menores, a reitera-
                                                           ção de alguns enfoques, ainda que sob novas
                                                           perspectivas, ocorre também neste trabalho.
                                                                 Partindo do reconhecimento de que “a
                                                           noção de comunicação recobre uma multipli-
                                                           cidade de sentidos” (p. 9), Mattelart eviden-
                                                           cia que a ciência da informação, por ser disci-
                                                           plina nova, dependeu de outras muitas disci-
                                                           plinas para formar seu corpus conceitual. As-
                                                           sim, a partir das sociologia, da antropologia e
                                                           dessas áreas afins, Mattelart recupera, dentre
                                                           outros, o contemporâneo conceito de rede de
                                                           comunicação (p. 15 e ss.), que reencontrará no
                                                           último capítulo (p. 157 e ss.), quando sinteti-
                                                           za: “a sociedade é definida em termos de co-
                                                           municação, que é definida em termos de re-
Antonio Hohlfeldt                                          des”. Assim, retoma a perspectiva da ciber-
Prof. Coordenador do PPGC–FAMECOS/PUCRS                    nética, sublinhando que a mesma “ substitui


138 Revista FAMECOS • Porto Alegre • nº 11 • dezembro 1999 • semestral
a teoria matemática da informação” na con-           mento ainda novo mas porque, justamente,
temporaneidade.                                      lida com um fenômeno que, por si só, é uma
       Reunindo os princípios da Escola de           mescla de diferentes fenômenos porque, na
Chicago, e depois destacando a importância           verdade, se encontra, se cruza, enriquece e é
da Escola de Palo Alto, recuperando a con-           enriquecido por todos eles. Esta lição de
tribuição vanguardista de Harold Lasswell e          grandeza e, ao mesmo tempo, de humildade,
os princípios da mass communication research         deve ser o grande saldo da leitura deste novo
(p. 36 e ss.), Mattelart chega ao modelo mate-       livro de Mattelart que, como sempre, é fasci-
mático de Shannon, que cruza com o conceito          nante, e tão mais fascinante tem se tornado à
cibernético de Wiener, para depois enveredar         medida em que o autor, como já frisei a res-
pela indústria cultural e as perspectivas des-       peito do trabalho anterior publicado em lín-
dobradas, a partir das matrizes marxistas,           gua portuguesa, distancia-se da camisa-de-for-
pela Escola de Frankfurt e, complementar-            ça da análise marxista ortodoxa.
mente, pelo estruturalismo francês e norte-                MATTELART, Armand – História das te-
americano, bem como pelos cultural studies de        orias da comunicação, S. Paulo, Loyola, 1999,
Birmingham, até o conceito de sociedade global       220 páginas.
que, afirma ele, tem sua origem no conhecido
mas nem sempre justamente valorizado en-
saio de Marshall McLuhan War and peace in            Tópicos de Teoria da Comunicação
the global village de 1969.
       O volume incursiona ainda pela valori-        HÁ UMA ABSOLUTA escassez de manuais que
zação das práticas cotidianas, revalorizando         abordem a Teoria da Comunicação ou mes-
a contribuição da etnometodologia, do agir           mo a Teoria da Informação. De modo geral,
comunicativo de Jürgen Habermas – que dava           contamos apenas com alguns livros traduzi-
um passo além da teoria crítica frankfurtiana –      dos, a partir de autores norte-americanos.
para chegar aos estudos dos usos e gratificações     Em, conseqüência, boa parte dos currículos
dos funcionalistas norte-americanos, conclu-         desenvolvidos em nossos Cursos de Comu-
indo pela potencialidade híbrida dos proces-         nicação obrigam os professores a constituir
sos de comunicação como parte de sua natu-           eles mesmos os seus conteúdos, catando, da-
reza.                                                qui e dali, o material que transmitirão aos
       A lição mais genérica e universalizado-       alunos. não se precisa dizer que, concomitan-
ra que se pode tirar desta nova obra de Mat-         temente, o aluno, recém-saído dos bancos do
telart é que, na verdade, tanto uma história         II Grau, enfrenta dificuldades porque não
dos meios de comunicação quanto dos pro-             tem a tradição da pesquisa acadêmica.
cessos, suas tecnologias ou teorias a respeito             Por tudo isso, sempre serão bem-vin-
da comunicação, podem variar infinitamente           dos os livros de Teoria da Comunicação,
segundo os diferentes pontos de partida que          mesmo quando parciais, como este Tópicos de
se tomem. Ou seja, se é verdade que não              Teoria da Comunicação, que não se pretende
existe uma única teoria da comunicação, como         um livro abrangente, e isto, desde o título.
quer Sandra Reimão (“Teoria ou Teorias da                  Escrito por Pedro Gilberto Gomes, ain-
Comunicação” in INTERCOM-Revista Brasilei-           da recentemente homenageado com o Prê-
ra de Comunicação, S. Paulo, INTERCOM, Vol.          mio Luís Beltrão, Tópicos de Teoria da Comuni-
XVII, n. 2, julho-dezembro de 1994, pp. 146-         cação é um livro de militante, aliás, de dupla
170), não menos verdade é que inexiste uma           militância, aquela do professor universitário
única história, quer dos meios, quer dos pro-        e a outra, da perspectiva religiosa da comu-
cessos ou das tecnologias da informação. O           nicação.
desafio mais provocante, pois, é justamente                A obra começa por desenvolver a ques-
esta abertura imensa que a área nos concede,         tão dos modelos teóricos, abordando em se-
não apenas porque é um campo de conheci-             guida o conceito do que seja uma teoria e as


                                       Revista FAMECOS • Porto Alegre • nº 11 • dezembro 1999 • semestral   139
relações entre informação e comunicação. Poste-            em alguns casos faz-se a citação completa, e
riormente, vai-se para um panorama mundi-                  em outros não. Tal fato é uma lástima, por-
al, e especialmente latino-americano da teoria             que o livro é extremamente útil, graças inclu-
da comunicação, o que é sobretudo impor-                   sive, por certo, à experiência de cátedra do
tante, se seguirmos a lição de José Marques                professor, de maneira que ele é recomendá-
de Melo, para quem a chamada escola latino-                vel a alunos e professores. Mas é, quanto à
americana, com seu hibridismo, tem contribuí-              forma, um discutível exemplo de como não
do com perspectivas inovadoras para este                   se deve escrever um livro acadêmico.
campo de conhecimento.                                           GOMES, Pedro Gilberto – Tópicos de teo-
       Depois de discutir questões mais gerais             ria da comunicação, São Leopoldo, Editora da
como a comunicação de massa e a sociedade,                 Unisinos, 1997, 126 páginas.
sob uma perspectiva anticapitalista que o
aproxima necessariamente da Escola de Fran-
cfurt e seus pressupostos teóricos marxistas,              Trem e cinema - Buster Keaton on the
Pedro Gilberto Gomes, que é professor da                       railroad
UNISINOS, aborda os mais conhecidos mo-
delos da Teoria da Comunicação, desde Ha-                  NO II FESTIVAL UNIVERSITÁRIO DE LITERATURA –
rold Lasswell, os engenheiros da matemática                Categoria Ensaio, que a Xerox patrocinou no
de informação Shannon e Weaver, até o funci-               ano passado, sagrou-se vencedor o professor
onalismo integrativo de Wilbur Schramm,                    Mestre em Comunicação Fernando Fábio Fio-
dando especial ênfase a alguns conceitos                   rese Furtado, que leciona na Universidade
como a redundância e a retroalimentação (ou                Federal de Juiz de Fora. Seu trabalho é um
feed- back), o código e a mensagem.                        livro intitulado Trem e cinema - Buster Keaton
       O livro dedica dois extensos capítulos              on the railroad , que está agora recebendo pu-
às questões da semiótica, para depois abor-                blicação em livro.
dar algumas perspectivas recentes como o                         O trabalho divide-se em dois blocos.
funcionalismo norte-americano, a teoria críti-             No primeiro deles, intitulado “Trem e cine-
ca da Escola de Frankfurt, os estudos cultu-               ma”, o autor desenvolve a perspectiva teóri-
rais de Marshall McLuhan e, enfim, alguns                  ca que aproxima o desenvolvimento tecnoló-
teóricos latino-americanos de maior influên-               gico do trem do desenvolvimento do cinema,
cia hoje, como Josés Martin-Barbero e Luís                 visualizados ambos enquanto tecnologia de
Beltrán.                                                   semelhanças, em especial pela nova maneira
       A parte final da obra está dedicada à               de ver que possibilitam e a que obrigam seus
discuissão das relações entre ética e comuni-              passageiros (no trem, colocados no vagão; no
cação e termina por fazer uma mistura com-                 cinema, colocados na sala fechada). No se-
plicada entre a doutrina católica e a tradição             gundo bloco, o autor faz a aplicação prática
marxista, na perspectiva da teologia da libertação.        dessa perspectiva para uma leitura das obras
       Escrito em linguagem acessível, com                 de Buster Keaton, especialmente para o as-
boa quantidade de informações e referencia-                pecto de valorização e humanização da tec-
ção bibliográfica, o livro peca apenas pela au-            nologia então nascente, numa leitura que,
sência constante de citações bibliográficas                sem perder o lado até certo ponto ufanista da
confiáveis. Parece que faltou uma revisão                  conquista, alerta para os riscos que a mesma
cuidadosa e crítica, capaz de fazer com que a              pode produzir na humanidade.
toda a citação ou conceito emitido se incluís-                   Mobilizando um corpus teórico tão am-
se necessariamente a fonte, capaz de possibi-              plo quanto inusitado, por sua combinação, o
litar ao eventual leitor a consulta à matriz da            que vale sobretudo pela revalorização das hi-
qual aquela idéia foi retirada. Então, o que               póteses de Marshal McLuhan, combinadas
temos é que, em alguns casos, faz-se a citação             com as leituras de Walter Benjamin e Paul
bibliográfica, e em outros não. Mais que isso,             Virilio, Furtado propõe uma leitura extrema-


140 Revista FAMECOS • Porto Alegre • nº 11 • dezembro 1999 • semestral
mente instigante, que se inicia praticamente       “modo natural” de ser e estar no mundo:
em 3500 a. C., com a invenção da roda, “ferra-     “Sob os efeitos da velocidade tecnológica, a
menta que prologa o movimento rotatório ou         Weltanschauung do homem moderno conhece
seqüencial dos pés”(p.15) que “fundamenta a        os fenômenos da instabilidade cronológica e
ess6encia da mecanização (p. 16). Utilizando       da relativização da realidade espacial” (p.
a periodização de Lewis Mumford, Furtado           37), sintetiza ele.
mostra que esse mesmo princípio serviu                    Na segunda parte do ensaio, o autor
para inventar a locomotiva a vapor e depois        aborda a produção cinematográfica de Buster
os primitivos aparelhos cinematográficos.          Keaton que foi, simultaneamente, produtor,
Para evidenciar esta proposta, repassa as di-      diretor, ator e cinegrafista de suas obras, dan-
ferentes invenções que, desde a camara oscura      do especial relevo a Bancando o águia, Nossa
de Giovanni Battista della Porta, em 1588 (p.      hospitalidade e A General, que lhe permitem
19 e ss), marcaram a história da humanidade:       aplicar os princípios teóricos levantados na
                                                   prática da criação artística.
     “A analogia entre as mecânicas do trem               Neste caso, Furtado mostra que desde
     e do aparelho cinematográfico explicita-      logo o elemento cômico foi pressentido pelos
     se aqui, pois que o sistema de roda den-      movimentos de vanguarda como o movi-
     tada solucionou também o problema de          mento dadaísta e surrealista, que o incluíram
     tração das primeiras locomotivas cons-        em seu discurso, destacando, dentre outros,
     truídas pelo engenheiro inglês Richard        os primeiros filmes de René Clair, Fernand
     Trevithcik: Uncle Dick’s Puffer (1804) e      Leger e, muito especialmente, Louis Buñuel.
     Catch me who can (1808)” (p. 23).                    Depois, ele dirige sua atenção para a
                                                   “máquina de rir” em que se constitui o cine-
      Furtado mostra haver “semelhanças for-       ma de Buster Keaton, afirmando que
mais e funcionais da janela do trem e da tela
de cinema, o alinhamento do tandem dos va-                “sem desconsiderar as heranças do es-
gões e dos fotogramas e a analogia visual en-             petáculo circense, da commedia dell’arte,
tre a película e a estrada de ferro” (p. 27),             do vaudeville e do music-hall, um princí-
afirmando ainda que, a partir dessas inven-               pio mecânico inspira a reconstrução
ções, houve a necessidade e a obrigação de                paródica do mundo pela comédia
uma reeducação dos sentidos:                              burlesca. A aparência de espontaneida-
                                                          de e mproviso das gags resulta de um
     “Os novos ambientes criados pela ace-                minucioso planejamento técnico que in-
     leração mecânica submetem os habitan-                clui a análise e racionalização dos meca-
     tes dos centros urbanos a um complexo                nismos do efeito cômico e da estrutura
     treinamento sensorial, alteranto tanto os            da narrativa cinematográfica” (p. 77).
     comportamentos individuais e sociais
     quanto as estruturas do pensamento e                Tudo isso é possível pelo pleno domí-
     da sensibi-lidade” (p. 31).                   nio técnico e os amplos conhecimentos cientí-
                                                   ficos que o realizador possui, permitindo-
      Para Furtado, “uniformidade, continui-       lhe, ao mesmo tempo, demonstrar “uma
dade, fragmentação e repetição, colonização        crença inarredável na relação harmoniosa en-
mecanicista da vida humana individual e so-        tre homem e tecnologia” (p.92) mas, igual-
cial, [e] mitologização da máquina e da            mente, denunciar os excessos e extremos em
velocidade”(p. 34), são as novas característi-     que facilmente se pode cair. Assim, dois pro-
cas do ambiente mecânico atingido na passa-        cedimentos técnicos são utilizados pelo cine-
gem do século XIX para o XX. Houve um              asta, um deles, a “complexa assimilação de
alargamento de percepção que, por sua vez,         elementos tecnomórficos pelo aparelho mo-
resultou em alterações profundas quanto ao         tor humano”(p. 88) e depois a “metamorfose


                                     Revista FAMECOS • Porto Alegre • nº 11 • dezembro 1999 • semestral   141
do corpo em máquina [que se refere] aos en-                pequenino mas objetivo volume se quer
gates do personagem nas próteses de deslo-                 como um texto didático e como tal se organi-
camento” (p. 96).                                          za. Ele é claro, tem uma estrutura claramente
     Assim, a conseqüência é que,                          identificável e, além de fazer uma revisão
                                                           dos principais conceitos e da bibliografia bá-
      “apropriando-se do espaço urbano da                  sica sobre o tema, aponta para os múltiplos
      civilização tecnológica, a comédia                   desdobramentos que o assunto – análise de
      burlesca desempenhou papel relevante                 discurso – não apenas no campo da comuni-
      na produção das grandes configurações                cação social, quanto em outros campos do
      do imaginário coletivo do século XX,                 conhecimento, permite.
      notadamente no que se refere aos ar-                        Milton José Pinto integra o corpo do-
      quétipos da condição tragicômica do                  cente da Universidade Federal do Rio de Ja-
      homem moderno”(p. 99).                               neiro. Gaúcho de nascimento, carioca por
                                                           adoção, vem desenvolvendo atividades em
      Mais do que simples divertimentos, os                classe há muitos anos. Tem experiência com
filmes de Buster Keaton, assim, transforma-                a área que escolheu como tema deste livro, e
ram-se em obras privilegiadamente pioneiras                isso fica evidente desde as primeiras páginas.
na análise crítica do novo contexto. Por isso,                    Dividindo o pequeno e útil volume em
seus personagens, “errantes, transitivos e de-             três grandes blocos, no primeiro deles, inti-
senraizados [...] trabalham sobre o enigma da              tulado “Uma síntese difícil”, busca historiar o
tecnologia”(p. 108).                                       nascimento desta área de estudos no campo
      A leitura do texto de Fernando Fábio                 da comunicação, mostrando as diferentes
Fiorese Furtado é tão fascinante quanto o ci-              análises possíveis, ligando-as as vários cam-
nema de Keaton e o horizonte analítico que                 pos de conhecimento e, enfim, delimitando,
ele propõe. Não se conhecendo os demais                    com clareza, o campo por ele escolhido:
textos concorrentes nem a comissão que esco-
lheu este, que o vencedor, não podemos, de                        “O modelo de análise de discursos que
qualquer modo, deixar de nos parabenizar                          privilegio neste trabalho é (1) depen-
pela sua edição. É um excelente pretexto                          dente do contexto, (2) crítico nos dois
para que se possa refletir, com maior profun-                     sentidos definidos, (3) não confia na le-
didade, a respeito da grande aventura do ci-                      tra do texto relacionado-o às forças soci-
nema, do significado das conquistas tecnoló-                      ais que o moldaram, (4) não procura in-
gicas do século passado, dentre os quais um                       terpretar conteúdos, (5) usa um conceito
dos mais importantes foi a locomotiva a va-                       de ideologia ao lado do de discurso, (6)
por, e todos os seus desdobramentos, ao lon-                      trabalha comparativamente, (7) não usa
go do século XX.                                                  técnicas estatísticas no sentido acima, e
      FURTADO, Fernando Fábio Fiorese –                           (8) trabalha com as marcas formais da
Trem e cinema - Buster Keaton on the railroad, São                superfície textual”(p. 10).
Paulo, Cone Sul, 1998, 139 páginas.
                                                                 Lançando mão das análises tradicionais
                                                           da retórica, com a hermenêutica, a filologia, a
Comunicação & Discurso                                     retórica em sentido estrito, e a perspectiva
                                                           polifônica de Bakhtin, Milton José Pinto refe-
     Lançado durante o 8o Congresso da                     re especialmente o francês Michel Pêcheux,
COMPÓS, em junho último, em Belo Hori-                     na análise francesa do discurso, mas valoriza
zonte, Comunicação & Discurso, do experiente               a leitura ideológica do discurso, assim como
professor Milton José Pinto é, desde a pri-                seus aspectos semióticos.
meira impressão de leitura, um livro de ex-                      Uma preocupação básica do autor é “li-
trema utilidade. Em primeiro lugar porque o                mitar a proliferação de termos técnicos espe-


142 Revista FAMECOS • Porto Alegre • nº 11 • dezembro 1999 • semestral
cializados, tão comuns em disciplinas de de-          nização, torna-se leitura obrigatória para to-
senvolvimento recente” (p. 21), permitindo-           dos aqueles que pretendem avançar por este
se, contudo, aprofundar análises em torno do          campo de estudo.
que denominará de modos de dizer, modos de                  PINTO, Milton José – Comunicação & dis-
mostrar, modos de interagir e modos de seduzir (p.    curso, São Paulo, Hacker Editores, 1999,105
23).                                                  páginas.
      Partindo da evidência da heterogenei-
dade dos discursos, Milton José Pinto procu-
ra mostrar a riqueza das relações estabeleci-         Os novos cães de guarda
das entre o emissor, o receptor e a mensa-
gem, a tradicional tríade do processo comu-           SERGE HALIMI PRETENDE denunciar, em Os novos
nicacional, mostrando as diferentes maneira           cães de guarda, o que chama de jornalismo de
pelas quais cada um destes elementos consti-          reverência, que seria uma característica do atu-
tutivos do discurso tem sido estudado ao              al jornalismo francês. Para ele, existe uma es-
longo das décadas. Seja a capa de revistas,           treita relação entre o jornalismo e o poder,
seja a obra pictórica clássica ou a embalagem         que se traduz na formação de uma espécie
de produtos cotidianos como um pó para                de máfia, integrada por alguns destacados
suco, todo o objeto presente na realidade             profissionais que, não apenas ganham fantás-
concreta é passível de uma leitura, na medi-          ticas fortunas em sua profissão, quanto se re-
da que porta, em si, um ou mais discursos.            partem restritivamente os espaços, os elogios
Na perspectiva sociológica, Milton José Pinto         e, evidentemente, os interesses dos diferentes
reconhece a relação entre o ideológico e o po-        espaços da mídia francesa.
der (p. 40 e ss.), mas não reduz a análise a                 Retomando uma expressão de Paul Ni-
esta perspectiva. Sabe que a contextualização é,      zan, a respeito de filósofos que, segundo ele,
no fundo, o elemento de certo modo funda-             não realizavam bem a sua missão interrogati-
dor da interpretação e compreensão corretas           va, Serge Halimi arvora-se numa espécie de
de qualquer discurso e por isso admite a im-          corregedor da mídia de seu país, atacando
portância das mediações (p. 47 e ss.).                especialmente as práticas de alguns dos no-
      Para deixar bem clara a sua proposta de         mes de maior referencialidade na mídia fran-
análise, o autor desenvolve algumas análises          cesa, como Alain Peyrefite, Alain Touraine,
comparativas, mencionando estudos já clássi-          Christine Okrent, André Rousselet, J. Clé-
cos, como os pioneiros de Eliseo Verón, pes-          ment, Alain Duhamel, Michel Field, Alain
quisas que ele próprio orientou junto a alu-          Minc, Anne Sinclair, Jean-Marie Cavada e ou-
nos seus, no Rio de Janeiro, e, enfim, algu-          tros tantos.
mas sugestões mínimas de exercícios que po-                  Para ele, existe uma relação direta entre
dem ser facilmente retomados pelos leitores -         o poder econômico e os jornalistas de grande
alunos em relação ao tema.                            notoriedade. Como, por outro lado, também
      No encerramento do volume, Milton               existe uma relação entre o poder econômico e
José Pinto sugere um roteiro de leituras intro-       a política, termina Halimi por pretender de-
dutórias. E se apresenta alguns textos apa-           nunciar a relação entre o poder econômico, o
rentemente referenciais inexistentes em livro,        poder político e a mídia, o que, segundo ele,
na verdade está provocando o leitor a valer-          é antiético.
se das novas tecnologias, como a rede                        Ora, há muito tempo – os teóricos di-
WWW, para a busca desses originais, que               zem que pelo menos desde o início do sécu-
podem ser solicitados diretamente às univer-          lo XIX – que esta situação existe. Ou seja, a
sidades em que foram produzidos.                      partir do momento em que a informação se
      Por tudo isso, Comunicação & Discurso,          tornou uma mercadoria, estreitaram-se os la-
graças a um texto tão cientificamente constru-        ços entre o poder econômico e o poder políti-
ído quanto de leitura facilitada, por sua orga-       co. Basta ler, dentre outros estudiosos brasi-


                                        Revista FAMECOS • Porto Alegre • nº 11 • dezembro 1999 • semestral   143
leiros, Ciro Marcondes Filho (Imprensa e capi-             gem: mostra o ridículo de certas práticas en-
talismo, S. Paulo, Kairós, 1984), para se ter evi-         tre os principais jornalistas franceses, de
denciada esta realidade. Ela pode não ser                  auto-louvação e entre-citações que, evidente-
a ideal, e por certo não o é. Mas daí a preten-            mente, devem ser repudiadas pelos especta-
der o autor deste livro estar a denunciar uma              dores e leitores destes profissionais em geral.
determinada realidade, como se ela fosse no-               Mas ele próprio acaba por diminuir a força
vidade, chega quase ao ridículo. Das duas                  de sua denúncia quando reconhece que al-
uma: ou Halimi não se dá conta do mundo                    guns dos pretensamente denunciados nem
em que vive ou então continua sonhando                     sempre permanecem com as vantagens con-
com determinadas utopias inexistentes no                   denadas, bastando citar-se a situação de
mundo capitalista.                                         Christine Okrent, demitida justamente por
       Para robustecer sua denúncia, Halimi                quebrar algumas das regras vigentes na mí-
pretende fazer comparações entre as práticas               dia francesa.
francesas e norte-americanas, concluindo que                     Bem embasado teoricamente, mas sob
existiria maior autonomia na mídia dos Esta-               uma ótica não sei se ingênua ou apenas es-
dos Unidos do que na francesa. É provável                  candalosa, o livro de Serge Halimi esgota-se
que os administradores da mídia norte-ame-                 em si mesmo. Sob a capa do discurso acadê-
ricana tenham maior cuidado com as emis-                   mico, tingido de ética indignada, nada mais
sões e as informações que divulgam. Mas                    encontramos que um punhado de fofocas en-
não se pode acreditar, de boa fé, que as rela-             contráveis até mesmo em publicações como a
ções entre poder econômico e poder político,               Caras brasileira. Se se quiser, de fato, discutir
refletindo-se sobre a relação destes com os                e aprofundar as questões éticas desta convi-
jornalistas, seja diversa da realidade que                 vência ou, mesmo, desta conivência, talvez
ocorre na França. Observe-se que a adminis-                seja melhor ler o norte-americano John Hul-
tração redacional toma muito cuidado com o                 teng (Os desafios da comunicação: problemas éti-
que permite ser publicado e a primeira                     cos, Florianópolis, UFSC, 1990), Claude-Jean
emenda à Constituição norte-americana, se                  Bertrand (A deontologia das mídias, Bauru,
garante a absoluta liberdade de imprensa,                  EDUSC, 1999) ou ainda Daniel Cornu (Ética
obriga igualmente a uma responsabilidade                   da informação, Bauru, EDUSC, 1998), menos
radical dos proprietários de uma empresa de                panfletários e mais objetivos em suas análi-
comunicação em relação ao que divulgam.                    ses.
Observe-se o famoso relato de Bob Woo-                           HALIMI, Serge – Os novos cães de guarda,
dward e Carl Bernstein a respeito do Caso                  Petrópolis, Vozes, 1998, 150 páginas s
Watergate. No entanto, todos conhecemos a
profunda centralização, os oligopólios forma-
dos pela chamada indústria cultural, na antiga
acepção de Adorno-Horkheimer, atualizada
enquanto indústria de consciências, por Enzens-
berger, focalizada em obra muito bem pes-
quisada de Armand Mattelart na década de
70 (As multinacionais da cultura, Rio de Janeiro,
Civilização Brasileira, 1976).
       A impressão que se tem é que Serge
Halimi não conseguiu espaço em nenhum
segmento, nem mesmo no socialista, que de-
nuncia veementemente, reduzindo às mes-
mas práticas tanto o direitista Chirac quanto
o socialista Mitterand. Na verdade, o discur-
so trotskista de Halimi só tem uma vanta-


144 Revista FAMECOS • Porto Alegre • nº 11 • dezembro 1999 • semestral

Mais conteúdo relacionado

Mais procurados

Aula 09 - Disciplinarização da comunicação
Aula 09 - Disciplinarização da comunicaçãoAula 09 - Disciplinarização da comunicação
Aula 09 - Disciplinarização da comunicaçãoMarco Bonito
 
Objecto de estudo de ciencia da informacao
Objecto de estudo de ciencia da informacaoObjecto de estudo de ciencia da informacao
Objecto de estudo de ciencia da informacaosteliomacuacua
 
Aula 08 - Paradigmas da comunicação - Alsina, Wolf, Eco
Aula 08 - Paradigmas da comunicação - Alsina, Wolf, EcoAula 08 - Paradigmas da comunicação - Alsina, Wolf, Eco
Aula 08 - Paradigmas da comunicação - Alsina, Wolf, EcoMarco Bonito
 
Machado Romanini Semio Da Comu
Machado  Romanini  Semio Da ComuMachado  Romanini  Semio Da Comu
Machado Romanini Semio Da ComuAndrielle Marques
 
Janine salvaro: Tribalização
Janine salvaro: TribalizaçãoJanine salvaro: Tribalização
Janine salvaro: TribalizaçãoManinho Walker
 
Teoria Da Comunicação Revisão
Teoria Da Comunicação RevisãoTeoria Da Comunicação Revisão
Teoria Da Comunicação RevisãoLuci Bonini
 
Pragmatismo no campo da comunicação
Pragmatismo no campo da comunicaçãoPragmatismo no campo da comunicação
Pragmatismo no campo da comunicaçãocompol
 
A Sociologia Funcionalista da Mídia Segundo Lasswell e o Processo de Comunica...
A Sociologia Funcionalista da Mídia Segundo Lasswell e o Processo de Comunica...A Sociologia Funcionalista da Mídia Segundo Lasswell e o Processo de Comunica...
A Sociologia Funcionalista da Mídia Segundo Lasswell e o Processo de Comunica...HUMBERTO COSTA
 
A CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO E O PENSAMENTO DE BRUNO LATOUR: implicações para a ...
A CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO E O  PENSAMENTO DE BRUNO LATOUR:  implicações para a ...A CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO E O  PENSAMENTO DE BRUNO LATOUR:  implicações para a ...
A CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO E O PENSAMENTO DE BRUNO LATOUR: implicações para a ...heuew
 
Livingstone cibercultura
Livingstone ciberculturaLivingstone cibercultura
Livingstone ciberculturaGabi Senzafine
 

Mais procurados (13)

Aula 09 - Disciplinarização da comunicação
Aula 09 - Disciplinarização da comunicaçãoAula 09 - Disciplinarização da comunicação
Aula 09 - Disciplinarização da comunicação
 
Objecto de estudo de ciencia da informacao
Objecto de estudo de ciencia da informacaoObjecto de estudo de ciencia da informacao
Objecto de estudo de ciencia da informacao
 
Aula 08 - Paradigmas da comunicação - Alsina, Wolf, Eco
Aula 08 - Paradigmas da comunicação - Alsina, Wolf, EcoAula 08 - Paradigmas da comunicação - Alsina, Wolf, Eco
Aula 08 - Paradigmas da comunicação - Alsina, Wolf, Eco
 
Tecnologiaaa
TecnologiaaaTecnologiaaa
Tecnologiaaa
 
Machado Romanini Semio Da Comu
Machado  Romanini  Semio Da ComuMachado  Romanini  Semio Da Comu
Machado Romanini Semio Da Comu
 
Janine salvaro: Tribalização
Janine salvaro: TribalizaçãoJanine salvaro: Tribalização
Janine salvaro: Tribalização
 
Teoria Da Comunicação Revisão
Teoria Da Comunicação RevisãoTeoria Da Comunicação Revisão
Teoria Da Comunicação Revisão
 
Pragmatismo no campo da comunicação
Pragmatismo no campo da comunicaçãoPragmatismo no campo da comunicação
Pragmatismo no campo da comunicação
 
A Sociologia Funcionalista da Mídia Segundo Lasswell e o Processo de Comunica...
A Sociologia Funcionalista da Mídia Segundo Lasswell e o Processo de Comunica...A Sociologia Funcionalista da Mídia Segundo Lasswell e o Processo de Comunica...
A Sociologia Funcionalista da Mídia Segundo Lasswell e o Processo de Comunica...
 
A CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO E O PENSAMENTO DE BRUNO LATOUR: implicações para a ...
A CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO E O  PENSAMENTO DE BRUNO LATOUR:  implicações para a ...A CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO E O  PENSAMENTO DE BRUNO LATOUR:  implicações para a ...
A CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO E O PENSAMENTO DE BRUNO LATOUR: implicações para a ...
 
Livingstone cibercultura
Livingstone ciberculturaLivingstone cibercultura
Livingstone cibercultura
 
Introdução matriz craig encontro 25022015
Introdução matriz craig encontro 25022015Introdução matriz craig encontro 25022015
Introdução matriz craig encontro 25022015
 
Pragmatismo no campo da comunicação (1)
Pragmatismo no campo da comunicação (1)Pragmatismo no campo da comunicação (1)
Pragmatismo no campo da comunicação (1)
 

Semelhante a 2339

Teoria e metodologia da comunicação.pdf
Teoria e metodologia da comunicação.pdfTeoria e metodologia da comunicação.pdf
Teoria e metodologia da comunicação.pdfJobsonPorto
 
A informação como utopia j. paulo serra
A informação como utopia   j. paulo serraA informação como utopia   j. paulo serra
A informação como utopia j. paulo serraLuara Schamó
 
Seminário "Da Teoria da comunicação às teorias de mídia, ou, temperando a epi...
Seminário "Da Teoria da comunicação às teorias de mídia, ou, temperando a epi...Seminário "Da Teoria da comunicação às teorias de mídia, ou, temperando a epi...
Seminário "Da Teoria da comunicação às teorias de mídia, ou, temperando a epi...Tatiana Couto
 
A internet na_educacao_e_o_dilema_de_uma_nova_linguagem_na
A internet na_educacao_e_o_dilema_de_uma_nova_linguagem_naA internet na_educacao_e_o_dilema_de_uma_nova_linguagem_na
A internet na_educacao_e_o_dilema_de_uma_nova_linguagem_naLorhaine Naiara
 
Teoria da comunicação livro texto
Teoria da comunicação livro textoTeoria da comunicação livro texto
Teoria da comunicação livro textoPaula Rodrigues
 
Manual de teoria da comunicação j paulo serra
Manual de teoria da comunicação   j paulo serraManual de teoria da comunicação   j paulo serra
Manual de teoria da comunicação j paulo serraLuara Schamó
 
Lallement, Michel - Historia das Ideias Sociologicas v1.pdf
Lallement, Michel - Historia das Ideias Sociologicas v1.pdfLallement, Michel - Historia das Ideias Sociologicas v1.pdf
Lallement, Michel - Historia das Ideias Sociologicas v1.pdfCarinaSilva626903
 
Educação, comunicação e fotografia - Ana Maria Schultze
Educação, comunicação e fotografia - Ana Maria SchultzeEducação, comunicação e fotografia - Ana Maria Schultze
Educação, comunicação e fotografia - Ana Maria SchultzeAndréia De Bernardi
 
Textos teoria da comunicação i
Textos   teoria da comunicação iTextos   teoria da comunicação i
Textos teoria da comunicação iediqueli
 
Do ensino à práxis: midiativismo como prática contra-hegemônica do jornalismo...
Do ensino à práxis: midiativismo como prática contra-hegemônica do jornalismo...Do ensino à práxis: midiativismo como prática contra-hegemônica do jornalismo...
Do ensino à práxis: midiativismo como prática contra-hegemônica do jornalismo...Emerson Campos
 
A inserção da comunicação organizacional na nova lógica midiática
A inserção da comunicação organizacional na nova lógica midiáticaA inserção da comunicação organizacional na nova lógica midiática
A inserção da comunicação organizacional na nova lógica midiáticaBlog Mídia8!
 
Machado romanini-semio da comu
Machado romanini-semio da comuMachado romanini-semio da comu
Machado romanini-semio da comuAndrielle Marques
 
Pensar a comunicação dominique wolton
Pensar a comunicação   dominique woltonPensar a comunicação   dominique wolton
Pensar a comunicação dominique woltonLuara Schamó
 
Enciclopedia intercom de comunicação
Enciclopedia intercom de comunicaçãoEnciclopedia intercom de comunicação
Enciclopedia intercom de comunicaçãoDouglas Gonçalves
 
O estudo cientifico da aprendizagem
O estudo cientifico da aprendizagemO estudo cientifico da aprendizagem
O estudo cientifico da aprendizagemQuitriaSilva2
 
Pressupostos para a construção de uma sociologia das redes sociais
Pressupostos para a construção de uma sociologia das redes sociaisPressupostos para a construção de uma sociologia das redes sociais
Pressupostos para a construção de uma sociologia das redes sociaisLeonor Alves
 
Pdf sobre tecnologias educativas
Pdf sobre tecnologias educativasPdf sobre tecnologias educativas
Pdf sobre tecnologias educativastresa45757
 
Tecnologia e educação
Tecnologia e educaçãoTecnologia e educação
Tecnologia e educaçãoa46287
 
A dinâmica dos meios de comunicação de massa
A dinâmica dos meios de comunicação de massaA dinâmica dos meios de comunicação de massa
A dinâmica dos meios de comunicação de massamarluiz31
 

Semelhante a 2339 (20)

Teoria e metodologia da comunicação.pdf
Teoria e metodologia da comunicação.pdfTeoria e metodologia da comunicação.pdf
Teoria e metodologia da comunicação.pdf
 
A informação como utopia j. paulo serra
A informação como utopia   j. paulo serraA informação como utopia   j. paulo serra
A informação como utopia j. paulo serra
 
Seminário "Da Teoria da comunicação às teorias de mídia, ou, temperando a epi...
Seminário "Da Teoria da comunicação às teorias de mídia, ou, temperando a epi...Seminário "Da Teoria da comunicação às teorias de mídia, ou, temperando a epi...
Seminário "Da Teoria da comunicação às teorias de mídia, ou, temperando a epi...
 
A internet na_educacao_e_o_dilema_de_uma_nova_linguagem_na
A internet na_educacao_e_o_dilema_de_uma_nova_linguagem_naA internet na_educacao_e_o_dilema_de_uma_nova_linguagem_na
A internet na_educacao_e_o_dilema_de_uma_nova_linguagem_na
 
Teoria da comunicação livro texto
Teoria da comunicação livro textoTeoria da comunicação livro texto
Teoria da comunicação livro texto
 
Manual de teoria da comunicação j paulo serra
Manual de teoria da comunicação   j paulo serraManual de teoria da comunicação   j paulo serra
Manual de teoria da comunicação j paulo serra
 
Lallement, Michel - Historia das Ideias Sociologicas v1.pdf
Lallement, Michel - Historia das Ideias Sociologicas v1.pdfLallement, Michel - Historia das Ideias Sociologicas v1.pdf
Lallement, Michel - Historia das Ideias Sociologicas v1.pdf
 
Educação, comunicação e fotografia - Ana Maria Schultze
Educação, comunicação e fotografia - Ana Maria SchultzeEducação, comunicação e fotografia - Ana Maria Schultze
Educação, comunicação e fotografia - Ana Maria Schultze
 
Textos teoria da comunicação i
Textos   teoria da comunicação iTextos   teoria da comunicação i
Textos teoria da comunicação i
 
Do ensino à práxis: midiativismo como prática contra-hegemônica do jornalismo...
Do ensino à práxis: midiativismo como prática contra-hegemônica do jornalismo...Do ensino à práxis: midiativismo como prática contra-hegemônica do jornalismo...
Do ensino à práxis: midiativismo como prática contra-hegemônica do jornalismo...
 
A inserção da comunicação organizacional na nova lógica midiática
A inserção da comunicação organizacional na nova lógica midiáticaA inserção da comunicação organizacional na nova lógica midiática
A inserção da comunicação organizacional na nova lógica midiática
 
Machado romanini-semio da comu
Machado romanini-semio da comuMachado romanini-semio da comu
Machado romanini-semio da comu
 
Pensar a comunicação dominique wolton
Pensar a comunicação   dominique woltonPensar a comunicação   dominique wolton
Pensar a comunicação dominique wolton
 
Enciclopedia intercom de comunicação
Enciclopedia intercom de comunicaçãoEnciclopedia intercom de comunicação
Enciclopedia intercom de comunicação
 
O estudo cientifico da aprendizagem
O estudo cientifico da aprendizagemO estudo cientifico da aprendizagem
O estudo cientifico da aprendizagem
 
Pressupostos para a construção de uma sociologia das redes sociais
Pressupostos para a construção de uma sociologia das redes sociaisPressupostos para a construção de uma sociologia das redes sociais
Pressupostos para a construção de uma sociologia das redes sociais
 
Pdf sobre tecnologias educativas
Pdf sobre tecnologias educativasPdf sobre tecnologias educativas
Pdf sobre tecnologias educativas
 
Tecnologia e educação
Tecnologia e educaçãoTecnologia e educação
Tecnologia e educação
 
A dinâmica dos meios de comunicação de massa
A dinâmica dos meios de comunicação de massaA dinâmica dos meios de comunicação de massa
A dinâmica dos meios de comunicação de massa
 
Tecnologia e educação
Tecnologia e educaçãoTecnologia e educação
Tecnologia e educação
 

2339

  • 1. RESENHA História das teorias da comunicação NOS ÚLTIMOS ANOS, Armand Mattelart vem rea- lizando um audacioso projeto: escrever a his- tória das mídias, das teorias que as envolvem e dos processos de comunicação sob os mais diferentes aspectos. Do ponto de vista do lei- tor brasileiro, primeiro foi a vez de Comunica- ção-Mundo (Petrópolis, Vozes. 1994). Agora, a Loyola lança este História das teorias da comuni- cação. Está ainda faltando La mondialization de la communication, de 1996, que já recebeu tra- dução espanhola mas encontra-se inédito en- tre nós. Se Comunicação-Mundo organizava-se em três grandes blocos, a guerra, o progresso tecnológico e a cultura, este novo trabalho é mais fragmentário mas, ao mesmo tempo, mais definido. Ele se desdobra em sete gran- des capítulos que vai abrangendo as diferen- tes fontes teóricas, espalhadas pelas diferen- tes disciplinas que, ao longo dos dois últi- mos séculos, e às vezes até bem antes, termi- naram por influenciar a maneira de conceber, discutir e pensar os processos de informação (consequentemente, de comunicação) exis- tentes hoje em dia no mundo. Por isso mes- mo, a mesma característica do livro anterior, ainda que em percentuais menores, a reitera- ção de alguns enfoques, ainda que sob novas perspectivas, ocorre também neste trabalho. Partindo do reconhecimento de que “a noção de comunicação recobre uma multipli- cidade de sentidos” (p. 9), Mattelart eviden- cia que a ciência da informação, por ser disci- plina nova, dependeu de outras muitas disci- plinas para formar seu corpus conceitual. As- sim, a partir das sociologia, da antropologia e dessas áreas afins, Mattelart recupera, dentre outros, o contemporâneo conceito de rede de comunicação (p. 15 e ss.), que reencontrará no último capítulo (p. 157 e ss.), quando sinteti- za: “a sociedade é definida em termos de co- municação, que é definida em termos de re- Antonio Hohlfeldt des”. Assim, retoma a perspectiva da ciber- Prof. Coordenador do PPGC–FAMECOS/PUCRS nética, sublinhando que a mesma “ substitui 138 Revista FAMECOS • Porto Alegre • nº 11 • dezembro 1999 • semestral
  • 2. a teoria matemática da informação” na con- mento ainda novo mas porque, justamente, temporaneidade. lida com um fenômeno que, por si só, é uma Reunindo os princípios da Escola de mescla de diferentes fenômenos porque, na Chicago, e depois destacando a importância verdade, se encontra, se cruza, enriquece e é da Escola de Palo Alto, recuperando a con- enriquecido por todos eles. Esta lição de tribuição vanguardista de Harold Lasswell e grandeza e, ao mesmo tempo, de humildade, os princípios da mass communication research deve ser o grande saldo da leitura deste novo (p. 36 e ss.), Mattelart chega ao modelo mate- livro de Mattelart que, como sempre, é fasci- mático de Shannon, que cruza com o conceito nante, e tão mais fascinante tem se tornado à cibernético de Wiener, para depois enveredar medida em que o autor, como já frisei a res- pela indústria cultural e as perspectivas des- peito do trabalho anterior publicado em lín- dobradas, a partir das matrizes marxistas, gua portuguesa, distancia-se da camisa-de-for- pela Escola de Frankfurt e, complementar- ça da análise marxista ortodoxa. mente, pelo estruturalismo francês e norte- MATTELART, Armand – História das te- americano, bem como pelos cultural studies de orias da comunicação, S. Paulo, Loyola, 1999, Birmingham, até o conceito de sociedade global 220 páginas. que, afirma ele, tem sua origem no conhecido mas nem sempre justamente valorizado en- saio de Marshall McLuhan War and peace in Tópicos de Teoria da Comunicação the global village de 1969. O volume incursiona ainda pela valori- HÁ UMA ABSOLUTA escassez de manuais que zação das práticas cotidianas, revalorizando abordem a Teoria da Comunicação ou mes- a contribuição da etnometodologia, do agir mo a Teoria da Informação. De modo geral, comunicativo de Jürgen Habermas – que dava contamos apenas com alguns livros traduzi- um passo além da teoria crítica frankfurtiana – dos, a partir de autores norte-americanos. para chegar aos estudos dos usos e gratificações Em, conseqüência, boa parte dos currículos dos funcionalistas norte-americanos, conclu- desenvolvidos em nossos Cursos de Comu- indo pela potencialidade híbrida dos proces- nicação obrigam os professores a constituir sos de comunicação como parte de sua natu- eles mesmos os seus conteúdos, catando, da- reza. qui e dali, o material que transmitirão aos A lição mais genérica e universalizado- alunos. não se precisa dizer que, concomitan- ra que se pode tirar desta nova obra de Mat- temente, o aluno, recém-saído dos bancos do telart é que, na verdade, tanto uma história II Grau, enfrenta dificuldades porque não dos meios de comunicação quanto dos pro- tem a tradição da pesquisa acadêmica. cessos, suas tecnologias ou teorias a respeito Por tudo isso, sempre serão bem-vin- da comunicação, podem variar infinitamente dos os livros de Teoria da Comunicação, segundo os diferentes pontos de partida que mesmo quando parciais, como este Tópicos de se tomem. Ou seja, se é verdade que não Teoria da Comunicação, que não se pretende existe uma única teoria da comunicação, como um livro abrangente, e isto, desde o título. quer Sandra Reimão (“Teoria ou Teorias da Escrito por Pedro Gilberto Gomes, ain- Comunicação” in INTERCOM-Revista Brasilei- da recentemente homenageado com o Prê- ra de Comunicação, S. Paulo, INTERCOM, Vol. mio Luís Beltrão, Tópicos de Teoria da Comuni- XVII, n. 2, julho-dezembro de 1994, pp. 146- cação é um livro de militante, aliás, de dupla 170), não menos verdade é que inexiste uma militância, aquela do professor universitário única história, quer dos meios, quer dos pro- e a outra, da perspectiva religiosa da comu- cessos ou das tecnologias da informação. O nicação. desafio mais provocante, pois, é justamente A obra começa por desenvolver a ques- esta abertura imensa que a área nos concede, tão dos modelos teóricos, abordando em se- não apenas porque é um campo de conheci- guida o conceito do que seja uma teoria e as Revista FAMECOS • Porto Alegre • nº 11 • dezembro 1999 • semestral 139
  • 3. relações entre informação e comunicação. Poste- em alguns casos faz-se a citação completa, e riormente, vai-se para um panorama mundi- em outros não. Tal fato é uma lástima, por- al, e especialmente latino-americano da teoria que o livro é extremamente útil, graças inclu- da comunicação, o que é sobretudo impor- sive, por certo, à experiência de cátedra do tante, se seguirmos a lição de José Marques professor, de maneira que ele é recomendá- de Melo, para quem a chamada escola latino- vel a alunos e professores. Mas é, quanto à americana, com seu hibridismo, tem contribuí- forma, um discutível exemplo de como não do com perspectivas inovadoras para este se deve escrever um livro acadêmico. campo de conhecimento. GOMES, Pedro Gilberto – Tópicos de teo- Depois de discutir questões mais gerais ria da comunicação, São Leopoldo, Editora da como a comunicação de massa e a sociedade, Unisinos, 1997, 126 páginas. sob uma perspectiva anticapitalista que o aproxima necessariamente da Escola de Fran- cfurt e seus pressupostos teóricos marxistas, Trem e cinema - Buster Keaton on the Pedro Gilberto Gomes, que é professor da railroad UNISINOS, aborda os mais conhecidos mo- delos da Teoria da Comunicação, desde Ha- NO II FESTIVAL UNIVERSITÁRIO DE LITERATURA – rold Lasswell, os engenheiros da matemática Categoria Ensaio, que a Xerox patrocinou no de informação Shannon e Weaver, até o funci- ano passado, sagrou-se vencedor o professor onalismo integrativo de Wilbur Schramm, Mestre em Comunicação Fernando Fábio Fio- dando especial ênfase a alguns conceitos rese Furtado, que leciona na Universidade como a redundância e a retroalimentação (ou Federal de Juiz de Fora. Seu trabalho é um feed- back), o código e a mensagem. livro intitulado Trem e cinema - Buster Keaton O livro dedica dois extensos capítulos on the railroad , que está agora recebendo pu- às questões da semiótica, para depois abor- blicação em livro. dar algumas perspectivas recentes como o O trabalho divide-se em dois blocos. funcionalismo norte-americano, a teoria críti- No primeiro deles, intitulado “Trem e cine- ca da Escola de Frankfurt, os estudos cultu- ma”, o autor desenvolve a perspectiva teóri- rais de Marshall McLuhan e, enfim, alguns ca que aproxima o desenvolvimento tecnoló- teóricos latino-americanos de maior influên- gico do trem do desenvolvimento do cinema, cia hoje, como Josés Martin-Barbero e Luís visualizados ambos enquanto tecnologia de Beltrán. semelhanças, em especial pela nova maneira A parte final da obra está dedicada à de ver que possibilitam e a que obrigam seus discuissão das relações entre ética e comuni- passageiros (no trem, colocados no vagão; no cação e termina por fazer uma mistura com- cinema, colocados na sala fechada). No se- plicada entre a doutrina católica e a tradição gundo bloco, o autor faz a aplicação prática marxista, na perspectiva da teologia da libertação. dessa perspectiva para uma leitura das obras Escrito em linguagem acessível, com de Buster Keaton, especialmente para o as- boa quantidade de informações e referencia- pecto de valorização e humanização da tec- ção bibliográfica, o livro peca apenas pela au- nologia então nascente, numa leitura que, sência constante de citações bibliográficas sem perder o lado até certo ponto ufanista da confiáveis. Parece que faltou uma revisão conquista, alerta para os riscos que a mesma cuidadosa e crítica, capaz de fazer com que a pode produzir na humanidade. toda a citação ou conceito emitido se incluís- Mobilizando um corpus teórico tão am- se necessariamente a fonte, capaz de possibi- plo quanto inusitado, por sua combinação, o litar ao eventual leitor a consulta à matriz da que vale sobretudo pela revalorização das hi- qual aquela idéia foi retirada. Então, o que póteses de Marshal McLuhan, combinadas temos é que, em alguns casos, faz-se a citação com as leituras de Walter Benjamin e Paul bibliográfica, e em outros não. Mais que isso, Virilio, Furtado propõe uma leitura extrema- 140 Revista FAMECOS • Porto Alegre • nº 11 • dezembro 1999 • semestral
  • 4. mente instigante, que se inicia praticamente “modo natural” de ser e estar no mundo: em 3500 a. C., com a invenção da roda, “ferra- “Sob os efeitos da velocidade tecnológica, a menta que prologa o movimento rotatório ou Weltanschauung do homem moderno conhece seqüencial dos pés”(p.15) que “fundamenta a os fenômenos da instabilidade cronológica e ess6encia da mecanização (p. 16). Utilizando da relativização da realidade espacial” (p. a periodização de Lewis Mumford, Furtado 37), sintetiza ele. mostra que esse mesmo princípio serviu Na segunda parte do ensaio, o autor para inventar a locomotiva a vapor e depois aborda a produção cinematográfica de Buster os primitivos aparelhos cinematográficos. Keaton que foi, simultaneamente, produtor, Para evidenciar esta proposta, repassa as di- diretor, ator e cinegrafista de suas obras, dan- ferentes invenções que, desde a camara oscura do especial relevo a Bancando o águia, Nossa de Giovanni Battista della Porta, em 1588 (p. hospitalidade e A General, que lhe permitem 19 e ss), marcaram a história da humanidade: aplicar os princípios teóricos levantados na prática da criação artística. “A analogia entre as mecânicas do trem Neste caso, Furtado mostra que desde e do aparelho cinematográfico explicita- logo o elemento cômico foi pressentido pelos se aqui, pois que o sistema de roda den- movimentos de vanguarda como o movi- tada solucionou também o problema de mento dadaísta e surrealista, que o incluíram tração das primeiras locomotivas cons- em seu discurso, destacando, dentre outros, truídas pelo engenheiro inglês Richard os primeiros filmes de René Clair, Fernand Trevithcik: Uncle Dick’s Puffer (1804) e Leger e, muito especialmente, Louis Buñuel. Catch me who can (1808)” (p. 23). Depois, ele dirige sua atenção para a “máquina de rir” em que se constitui o cine- Furtado mostra haver “semelhanças for- ma de Buster Keaton, afirmando que mais e funcionais da janela do trem e da tela de cinema, o alinhamento do tandem dos va- “sem desconsiderar as heranças do es- gões e dos fotogramas e a analogia visual en- petáculo circense, da commedia dell’arte, tre a película e a estrada de ferro” (p. 27), do vaudeville e do music-hall, um princí- afirmando ainda que, a partir dessas inven- pio mecânico inspira a reconstrução ções, houve a necessidade e a obrigação de paródica do mundo pela comédia uma reeducação dos sentidos: burlesca. A aparência de espontaneida- de e mproviso das gags resulta de um “Os novos ambientes criados pela ace- minucioso planejamento técnico que in- leração mecânica submetem os habitan- clui a análise e racionalização dos meca- tes dos centros urbanos a um complexo nismos do efeito cômico e da estrutura treinamento sensorial, alteranto tanto os da narrativa cinematográfica” (p. 77). comportamentos individuais e sociais quanto as estruturas do pensamento e Tudo isso é possível pelo pleno domí- da sensibi-lidade” (p. 31). nio técnico e os amplos conhecimentos cientí- ficos que o realizador possui, permitindo- Para Furtado, “uniformidade, continui- lhe, ao mesmo tempo, demonstrar “uma dade, fragmentação e repetição, colonização crença inarredável na relação harmoniosa en- mecanicista da vida humana individual e so- tre homem e tecnologia” (p.92) mas, igual- cial, [e] mitologização da máquina e da mente, denunciar os excessos e extremos em velocidade”(p. 34), são as novas característi- que facilmente se pode cair. Assim, dois pro- cas do ambiente mecânico atingido na passa- cedimentos técnicos são utilizados pelo cine- gem do século XIX para o XX. Houve um asta, um deles, a “complexa assimilação de alargamento de percepção que, por sua vez, elementos tecnomórficos pelo aparelho mo- resultou em alterações profundas quanto ao tor humano”(p. 88) e depois a “metamorfose Revista FAMECOS • Porto Alegre • nº 11 • dezembro 1999 • semestral 141
  • 5. do corpo em máquina [que se refere] aos en- pequenino mas objetivo volume se quer gates do personagem nas próteses de deslo- como um texto didático e como tal se organi- camento” (p. 96). za. Ele é claro, tem uma estrutura claramente Assim, a conseqüência é que, identificável e, além de fazer uma revisão dos principais conceitos e da bibliografia bá- “apropriando-se do espaço urbano da sica sobre o tema, aponta para os múltiplos civilização tecnológica, a comédia desdobramentos que o assunto – análise de burlesca desempenhou papel relevante discurso – não apenas no campo da comuni- na produção das grandes configurações cação social, quanto em outros campos do do imaginário coletivo do século XX, conhecimento, permite. notadamente no que se refere aos ar- Milton José Pinto integra o corpo do- quétipos da condição tragicômica do cente da Universidade Federal do Rio de Ja- homem moderno”(p. 99). neiro. Gaúcho de nascimento, carioca por adoção, vem desenvolvendo atividades em Mais do que simples divertimentos, os classe há muitos anos. Tem experiência com filmes de Buster Keaton, assim, transforma- a área que escolheu como tema deste livro, e ram-se em obras privilegiadamente pioneiras isso fica evidente desde as primeiras páginas. na análise crítica do novo contexto. Por isso, Dividindo o pequeno e útil volume em seus personagens, “errantes, transitivos e de- três grandes blocos, no primeiro deles, inti- senraizados [...] trabalham sobre o enigma da tulado “Uma síntese difícil”, busca historiar o tecnologia”(p. 108). nascimento desta área de estudos no campo A leitura do texto de Fernando Fábio da comunicação, mostrando as diferentes Fiorese Furtado é tão fascinante quanto o ci- análises possíveis, ligando-as as vários cam- nema de Keaton e o horizonte analítico que pos de conhecimento e, enfim, delimitando, ele propõe. Não se conhecendo os demais com clareza, o campo por ele escolhido: textos concorrentes nem a comissão que esco- lheu este, que o vencedor, não podemos, de “O modelo de análise de discursos que qualquer modo, deixar de nos parabenizar privilegio neste trabalho é (1) depen- pela sua edição. É um excelente pretexto dente do contexto, (2) crítico nos dois para que se possa refletir, com maior profun- sentidos definidos, (3) não confia na le- didade, a respeito da grande aventura do ci- tra do texto relacionado-o às forças soci- nema, do significado das conquistas tecnoló- ais que o moldaram, (4) não procura in- gicas do século passado, dentre os quais um terpretar conteúdos, (5) usa um conceito dos mais importantes foi a locomotiva a va- de ideologia ao lado do de discurso, (6) por, e todos os seus desdobramentos, ao lon- trabalha comparativamente, (7) não usa go do século XX. técnicas estatísticas no sentido acima, e FURTADO, Fernando Fábio Fiorese – (8) trabalha com as marcas formais da Trem e cinema - Buster Keaton on the railroad, São superfície textual”(p. 10). Paulo, Cone Sul, 1998, 139 páginas. Lançando mão das análises tradicionais da retórica, com a hermenêutica, a filologia, a Comunicação & Discurso retórica em sentido estrito, e a perspectiva polifônica de Bakhtin, Milton José Pinto refe- Lançado durante o 8o Congresso da re especialmente o francês Michel Pêcheux, COMPÓS, em junho último, em Belo Hori- na análise francesa do discurso, mas valoriza zonte, Comunicação & Discurso, do experiente a leitura ideológica do discurso, assim como professor Milton José Pinto é, desde a pri- seus aspectos semióticos. meira impressão de leitura, um livro de ex- Uma preocupação básica do autor é “li- trema utilidade. Em primeiro lugar porque o mitar a proliferação de termos técnicos espe- 142 Revista FAMECOS • Porto Alegre • nº 11 • dezembro 1999 • semestral
  • 6. cializados, tão comuns em disciplinas de de- nização, torna-se leitura obrigatória para to- senvolvimento recente” (p. 21), permitindo- dos aqueles que pretendem avançar por este se, contudo, aprofundar análises em torno do campo de estudo. que denominará de modos de dizer, modos de PINTO, Milton José – Comunicação & dis- mostrar, modos de interagir e modos de seduzir (p. curso, São Paulo, Hacker Editores, 1999,105 23). páginas. Partindo da evidência da heterogenei- dade dos discursos, Milton José Pinto procu- ra mostrar a riqueza das relações estabeleci- Os novos cães de guarda das entre o emissor, o receptor e a mensa- gem, a tradicional tríade do processo comu- SERGE HALIMI PRETENDE denunciar, em Os novos nicacional, mostrando as diferentes maneira cães de guarda, o que chama de jornalismo de pelas quais cada um destes elementos consti- reverência, que seria uma característica do atu- tutivos do discurso tem sido estudado ao al jornalismo francês. Para ele, existe uma es- longo das décadas. Seja a capa de revistas, treita relação entre o jornalismo e o poder, seja a obra pictórica clássica ou a embalagem que se traduz na formação de uma espécie de produtos cotidianos como um pó para de máfia, integrada por alguns destacados suco, todo o objeto presente na realidade profissionais que, não apenas ganham fantás- concreta é passível de uma leitura, na medi- ticas fortunas em sua profissão, quanto se re- da que porta, em si, um ou mais discursos. partem restritivamente os espaços, os elogios Na perspectiva sociológica, Milton José Pinto e, evidentemente, os interesses dos diferentes reconhece a relação entre o ideológico e o po- espaços da mídia francesa. der (p. 40 e ss.), mas não reduz a análise a Retomando uma expressão de Paul Ni- esta perspectiva. Sabe que a contextualização é, zan, a respeito de filósofos que, segundo ele, no fundo, o elemento de certo modo funda- não realizavam bem a sua missão interrogati- dor da interpretação e compreensão corretas va, Serge Halimi arvora-se numa espécie de de qualquer discurso e por isso admite a im- corregedor da mídia de seu país, atacando portância das mediações (p. 47 e ss.). especialmente as práticas de alguns dos no- Para deixar bem clara a sua proposta de mes de maior referencialidade na mídia fran- análise, o autor desenvolve algumas análises cesa, como Alain Peyrefite, Alain Touraine, comparativas, mencionando estudos já clássi- Christine Okrent, André Rousselet, J. Clé- cos, como os pioneiros de Eliseo Verón, pes- ment, Alain Duhamel, Michel Field, Alain quisas que ele próprio orientou junto a alu- Minc, Anne Sinclair, Jean-Marie Cavada e ou- nos seus, no Rio de Janeiro, e, enfim, algu- tros tantos. mas sugestões mínimas de exercícios que po- Para ele, existe uma relação direta entre dem ser facilmente retomados pelos leitores - o poder econômico e os jornalistas de grande alunos em relação ao tema. notoriedade. Como, por outro lado, também No encerramento do volume, Milton existe uma relação entre o poder econômico e José Pinto sugere um roteiro de leituras intro- a política, termina Halimi por pretender de- dutórias. E se apresenta alguns textos apa- nunciar a relação entre o poder econômico, o rentemente referenciais inexistentes em livro, poder político e a mídia, o que, segundo ele, na verdade está provocando o leitor a valer- é antiético. se das novas tecnologias, como a rede Ora, há muito tempo – os teóricos di- WWW, para a busca desses originais, que zem que pelo menos desde o início do sécu- podem ser solicitados diretamente às univer- lo XIX – que esta situação existe. Ou seja, a sidades em que foram produzidos. partir do momento em que a informação se Por tudo isso, Comunicação & Discurso, tornou uma mercadoria, estreitaram-se os la- graças a um texto tão cientificamente constru- ços entre o poder econômico e o poder políti- ído quanto de leitura facilitada, por sua orga- co. Basta ler, dentre outros estudiosos brasi- Revista FAMECOS • Porto Alegre • nº 11 • dezembro 1999 • semestral 143
  • 7. leiros, Ciro Marcondes Filho (Imprensa e capi- gem: mostra o ridículo de certas práticas en- talismo, S. Paulo, Kairós, 1984), para se ter evi- tre os principais jornalistas franceses, de denciada esta realidade. Ela pode não ser auto-louvação e entre-citações que, evidente- a ideal, e por certo não o é. Mas daí a preten- mente, devem ser repudiadas pelos especta- der o autor deste livro estar a denunciar uma dores e leitores destes profissionais em geral. determinada realidade, como se ela fosse no- Mas ele próprio acaba por diminuir a força vidade, chega quase ao ridículo. Das duas de sua denúncia quando reconhece que al- uma: ou Halimi não se dá conta do mundo guns dos pretensamente denunciados nem em que vive ou então continua sonhando sempre permanecem com as vantagens con- com determinadas utopias inexistentes no denadas, bastando citar-se a situação de mundo capitalista. Christine Okrent, demitida justamente por Para robustecer sua denúncia, Halimi quebrar algumas das regras vigentes na mí- pretende fazer comparações entre as práticas dia francesa. francesas e norte-americanas, concluindo que Bem embasado teoricamente, mas sob existiria maior autonomia na mídia dos Esta- uma ótica não sei se ingênua ou apenas es- dos Unidos do que na francesa. É provável candalosa, o livro de Serge Halimi esgota-se que os administradores da mídia norte-ame- em si mesmo. Sob a capa do discurso acadê- ricana tenham maior cuidado com as emis- mico, tingido de ética indignada, nada mais sões e as informações que divulgam. Mas encontramos que um punhado de fofocas en- não se pode acreditar, de boa fé, que as rela- contráveis até mesmo em publicações como a ções entre poder econômico e poder político, Caras brasileira. Se se quiser, de fato, discutir refletindo-se sobre a relação destes com os e aprofundar as questões éticas desta convi- jornalistas, seja diversa da realidade que vência ou, mesmo, desta conivência, talvez ocorre na França. Observe-se que a adminis- seja melhor ler o norte-americano John Hul- tração redacional toma muito cuidado com o teng (Os desafios da comunicação: problemas éti- que permite ser publicado e a primeira cos, Florianópolis, UFSC, 1990), Claude-Jean emenda à Constituição norte-americana, se Bertrand (A deontologia das mídias, Bauru, garante a absoluta liberdade de imprensa, EDUSC, 1999) ou ainda Daniel Cornu (Ética obriga igualmente a uma responsabilidade da informação, Bauru, EDUSC, 1998), menos radical dos proprietários de uma empresa de panfletários e mais objetivos em suas análi- comunicação em relação ao que divulgam. ses. Observe-se o famoso relato de Bob Woo- HALIMI, Serge – Os novos cães de guarda, dward e Carl Bernstein a respeito do Caso Petrópolis, Vozes, 1998, 150 páginas s Watergate. No entanto, todos conhecemos a profunda centralização, os oligopólios forma- dos pela chamada indústria cultural, na antiga acepção de Adorno-Horkheimer, atualizada enquanto indústria de consciências, por Enzens- berger, focalizada em obra muito bem pes- quisada de Armand Mattelart na década de 70 (As multinacionais da cultura, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1976). A impressão que se tem é que Serge Halimi não conseguiu espaço em nenhum segmento, nem mesmo no socialista, que de- nuncia veementemente, reduzindo às mes- mas práticas tanto o direitista Chirac quanto o socialista Mitterand. Na verdade, o discur- so trotskista de Halimi só tem uma vanta- 144 Revista FAMECOS • Porto Alegre • nº 11 • dezembro 1999 • semestral