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ESCOLA SUPERIOR DE PROPAGANDA E MARKETING
TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO
PLANO MONOGRÁFICO
GREGÓRIO KUHN
FOTOGRAFIA CINEMATOGRÁFICA:
análise em “Brilho eterno de uma mente sem lembranças”.
Porto Alegre
2010
GREGÓRIO KUHN
FOTOGRAFIA CINEMATOGRÁFICA:
análise em “Brilho eterno de uma mente sem lembranças”.
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado
como requisito para a aprovação na disciplina
de TCC II do Curso de Comunicação Social da
Escola Superior de Propaganda e Marketing.
Orientadora: Prof. Anny Liege Baggiotto
Porto Alegre
2010
Ficha Catalográfica – Biblioteca ESPM – RS
Kuhn, Gregório
Fotografia cinematográfica: análise em “Brilho eterno de uma mente
sem lembranças”. / Gregório Kuhn, com orientação de Anny Liege
Baggiotto, prof. Porto Alegre, 2010.
85 f. : il.
Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharel em Comunicação Social
– Habilitação em Publicidade e Propaganda) − Escola Superior de
Propaganda e Marketing, Porto Alegre, 2010.
1. Fotografia cinematográfica. 2. Cinema. 3. Diretor de fotografia. 4.
Michel Gondry. 5. Brilho eterno de um mente sem lembranças I. Título.
II. Silva, Fabiane. III. Escola Superior de Propaganda e Marketing.
ATA DE AVALIAÇÃO DO TCC PELA BANCA EXAMINADORA
NOTA FINAL: ________________________
NOME DO ESTUDANTE:
_____________________________________________________
TÍTULO DO TCC:
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
NOTA ATRIBUÍDA AO TCC: _________ (______________________________)
Parecer da Banca Examinadora:
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
Data de Realização da Banca Examinadora: ________/_______ de 20______.
Professor(a) Orientador(a): __________________________ Ass.: ____________________
Professor(a) Convidado(a): __________________________ Ass.: ____________________
Professor(a) Convidado(a): __________________________ Ass.: ____________________
Aos meus pais, que sempre confiaram
em meu potencial e investiram na minha busca
por conhecimento e formação profissional e
principalmente pessoal. Serei para sempre
agradecido.
AGRADECIMENTOS
Agradeço em primeiro lugar à minha orientadora, Anny Baggiotto, que não me guiou
somente nesse trabalho de conclusão, mas também como nos mais de três anos em que
trabalhei sob sua supervisão.
Agradeço também ao Douglas, meu mestre, que insiste em me ensinar sobre direção
de fotografia e sobre postura de trabalho, mesmo quando canso de ouvi-lo.
Grato fico também pela compreensão que meus amigos tiveram ao continuar comigo
durante este processo de formação, mesmo depois do tempo que fiquei isolado para a
execução deste trabalho.
Devo também agradecer à família Marchesan Cabral, que me adotou
coincidentemente nessa última etapa, me tratando praticamente como um filho. Serei sempre
grato ao seu carinho.
Sobre essa família, agradeço em especial à Tanise, que compartilha comigo o mesmo
amor que sinto por ela. Além disso, compartilha a mesma paixão sobre direção de fotografia,
trocando bibliografias e conceitos e me incentivando a continuar sempre.
Por último, agradeço eternamente à minha família, que sempre me ensinou a ser uma
pessoa ética e batalhar pelo que é certo. Minha família também acreditou em mim e investiu
não só na minha educação pessoal como profissional, permitindo que eu alcance novos
horizontes.
A finalidade da técnica é libertar o inconsciente.
David Mamet
RESUMO
O Presente trabalho tem como objetivo analisar as ferramentas da fotografia
cinematográfica no filme “Brilho eterno de uma mente sem lembranças”, com o objetivo de
compreender a forma como ela foi utilizada com a proposta de utilizar poucas ferramentas de
pós-produção. Para isso, foram adquiridos estudos sobre a história da fotografia
cinematográfica, técnica, função do fotógrafo cinematográfico e o seu trabalho junto ao
diretor de cena e arte. Observou-se a partir das cenas estudadas como com o uso de elementos
da ótica e da composição é possível realizar efeitos de transição, transmitir as emoções de
personagens e falsear elementos para que pareçam de acordo com o necessário para a história.
O fotógrafo cinematográfico mostra-se como uma peça fundamental para a produção de uma
obra cinematográfica, uma vez que sua técnica é a base para a grafia criativa e de qualidade
na película.
Palavras-chave: Fotografia cinematográfica. Cinema. Diretor de fotografia. Brilho
eterno de uma mente sem lembranças.
ABSTRACT
The Present study aims to examine the tools of film photography in the movie
"Eternal sunshine of the spotless mind" with the finality of understanding how it was used
with the proposal to use few tools of post production. For this, studies were acquired on the
history of film photography, technique, function of cinematographer and his work with the
stage director and production designer. It was observed from the studied scenes how the use
of optical elements and composition can be use to perform transition effects, to convey
emotions of characters and to distort elements to appear according to the need for history. The
cinematographer shows up as a one of the main professionals for the film production, since
their technique is the basis for creative spelling and quality in the film.
Keywords: Cinematography, Cinema. Director de photography. Eternal sunshine of
spotless mind.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ................................................................................................................................... 11	
  
2 FOTOGRAFIA CINEMATOGRÁFICA....................................................................................... 16	
  
2.1 ORIGEM HISTÓRICA DA FOTOGRAFIA CINEMATOGRÁFICA .......................................... 16	
  
2.2 ILUMINAÇÃO CINEMATOGRÁFICA: NATUREZA E INTENSIDADE DA LUZ E USO DAS
SOMBRAS E DAS CORES.................................................................................................................. 25	
  
2.3 A CONTRIBUIÇÃO DAS TÉCNICAS DA FOTOGRAFIA CINEMATOGRÁFICA PARA A
COMPOSIÇÃO..................................................................................................................................... 33	
  
3 DIRETORES ENVOLVIDOS NA CONCEPÇÃO ARTÍSTICA DA OBRA
CINEMATOGRÁFICA ...................................................................................................................... 42	
  
4 METODOLOGIA E ANÁLISE ..................................................................................................... 52	
  
4.1 ESTRATÉGIA METODOLÓGICA ............................................................................................... 52	
  
4.2 FICHA TÉCNICA DE “BRILHO ETERNO DE UMA MENTE SEM LEMBRANÇAS” ........... 54	
  
4.3 ANÁLISE DO FILME .................................................................................................................... 56	
  
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................................................... 77	
  
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .............................................................................................. 80	
  
11
INTRODUÇÃO
No início da história do cinema a iluminação não contribuía dramaticamente com os
filmes, pois estes serviam apenas como registros de cenas cotidianas. Com propósito
experimental, o recém criado cinema, em 1895, apresentava imagens em movimento apenas
com caráter documental e o iluminador tinha somente a função de difundir uma luz por todo
o set, fornecendo “[...] uma certa padronização da quantidade de luz para garantir a
exposição adequada, mas não havia a preocupação com sua utilização dramática”
(MARTINS, 2004, p.14). Isso não era uma falha, ao contrário, “Quando os efeitos de
iluminação sobressaíam na fotografia, isso era considerado um erro técnico” (MARTINS,
2004, p.14).
A partir do momento em que o cinema começou a ter mais visibilidade e
reconhecimento popular, nasceu a indústria cinematográfica, que passou a investir nesse
meio, o que provocou inovações na forma de contar histórias, sendo a iluminação uma das
contribuintes para esse acontecimento. Os iluminadores passaram a ter maior liberdade
criativa nascendo assim um novo profissional: o diretor de fotografia. Devido a necessidade
de retorno financeiro, a recém surgida indústria cinematográfica impulsionou o avanço dos
equipamentos de iluminação, que, por serem menos limitados, “influenciaram os estilos e as
tendências na cinematografia” (MARTINS, 2004, p.22).
Segundo Moura, três são os diretores envolvidos na concepção criativa de um filme,
o diretor de fotografia, o diretor de arte e o diretor de cena. O autor explica que atualmente o
diretor de fotografia é o responsável por iluminar uma cena de forma que evidencie os
devidos objetos e/ou atores que o diretor de cena opta para contar sua história. Além disso,
ele é o responsável pela realização do enquadramento e composição do quadro, dos ângulos,
movimentos de câmera e perspectiva. Em suma, é o grande realizador da composição estética
de um filme, pois é com seu trabalho que se permite o registro de todas as definições
artísticas do filme que são construídas em conjunto com os diretores de cena e de arte.
Já o diretor de arte (production designer em inglês) é um profissional que também
responde por toda a parte estética do filme, como cores do cenário, formas dos objetos e suas
posições em cena, texturas e locações quando externa, conforme Rodrigues (2004). Mesmo
trabalhando junto com o diretor de cena e de fotografia, fica a cargo do diretor de arte a
concepção do storyboard. Ainda segundo o autor (2004), o diretor de arte “é o responsável
junto ao diretor de cena pelo visual e ambientação do filme” (RODRIGUES, 2004, p. 80).
12
O diretor de cena é o responsável final pela obra cinematográfica. É ele que, em
geral, é considerado o autor da obra, mesmo que não seja ele que escreva o roteiro.
Acompanhando a carreira audiovisual de Michel Gondry, diretor de cena do filme tratado no
presente trabalho, “Brilho eterno de uma mente sem lembranças” (“Eternal sunshine of a
spotless mind”, EUA, 2004), pode-se observar as constantes experimentações de efeitos
visuais nos seus trabalhos, optando pelo menor uso possível de pós-produção, como
confirma Elen Kuras, diretora de fotografia do filme recém citado ao afirmar que “ao invés
de deixar para que a pós-produção faça os efeitos, Michel [Gondry] prefere ele mesmo
pensar em como solucionar o problema e ele mesmo fazer (KURAS, 2004). Isso faz com que
os trabalhos de Gondry sejam repletos de efeitos óticos, trabalhando com a perspectiva dos
objetos e cenários, ângulos de câmeras incomuns, imagens refletidas.
Este primeiro filme em que Gondry trabalhou em conjunto com a diretora de
fotografia Ellen Kuras e o diretor de arte David Stein conta uma história de amor onde Joel
Barish, interpretado por Jim Carrey descobre que sua namorada, Clementine Kruczynski
(Kate Winslet) havia apagado todas as lembranças relacionadas a ele. Decepcionado, Joel
procura o mesmo tratamento, mas acaba se arrependendo durante o processo de limpeza da
memória. Começa aí a luta do personagem para manter seu amor em algum canto secreto de
sua memória. Ao mesmo tempo em que essa trama se desenrola no filme (de trás para frente,
pois é assim que as memórias são apagadas no filme), um dos funcionários da clínica que
está a apagar a memória do personagem principal se envolve com sua (ex) namorada.
Não é um romance comum. Em entrevista, o próprio diretor define “É uma história
de amor, mas não é como uma comédia romântica. Há elementos de mistério e suspense, e
muito sobre os relacionamentos. É sobre as nossas lembranças também” (apud WALSH,
2004). Falando sobre a fotografia do filme, Mestriner (2009) disse:
Desfoque, mudanças de luz e perspectivas forçadas são alguns dos truques
utilizados por Gondry em Brilho Eterno para melhor expor a idéia principal do
roteiro – o esvanecimento de memórias – e criar um clima nostálgico e
reconfortante. O filme conta com vários planos-sequência que mostram a
interpolação de memórias sobre o fim da relação de Joel com Clementine, criando
cenas de fluxo de consciência dentro do plano. (MESTRINGER, 2009)
Embora “Brilho eterno de uma mente sem lembranças” tenha sido reconhecido pelo
seu roteiro (de Charlie Kaufman) repleto de intensas experiências interpessoais, algo que
chama a atenção do espectador ao assistir ao filme é a forma com que foram apresentadas as
cenas que ocorrem dentro na memória do personagem principal através do uso criativo da
direção de fotografia e de arte. Os efeitos visuais dessa obra são realizados, em sua maioria,
13
no instante da produção, através de efeitos óticos que instigam o espectador. O diretor de
cena Spike Jonze (2003) cita que Gondry compara a prestidigitação dos mágicos com os
efeitos visuais de uma obra audiovisual, pois enquanto a audiência é induzida a olhar para
um lugar é possível fazer truques ilusórios em outro canto da tela, parecendo que nenhum
efeito foi usado. Gondry (2004a, tradução nossa) ainda reitera, explicando sobre seu modo de
trabalhar: “Algumas pessoas acreditam que quando algo incomum irá acontecer é porque
será feito em pós-produção, o que eu acho errado, pois quando algo estranho acontece você
deve sentir que, no fundo da sua cabeça, algo errado está acontecendo”. As técnicas desse
filme mostram uma retomada aos antigos valores de produção cinematográfica, de forma que
são absorvidas ferramentas óticas e fotográficas de resultado imediato. Por tanto, a presente
proposta de pesquisa está sustentada na seguinte questão: como os recursos da fotografia
cinematográfica1
foram utilizados na produção de “Brilho eterno de uma mente sem
lembranças”?
O presente trabalho tem como objetivo geral analisar os recursos da fotografia em
“Brilho eterno de uma mente sem lembranças”, e, para isso, tem como objetivos específicos,
estudar a origem histórica da fotografia cinematográfica, pesquisar como funciona a
iluminação cinematográfica, analisar como as técnicas da fotografia cinematográfica
contribuem para a composição, estudar as funções dos principais diretores envolvidos na
concepção criativa de uma obra cinematográfica e como eles trabalham em conjunto para
criar uma estética correspondente à história do filme.
É necessário um maior nível de conhecimento teórico e prático de direção de
fotografia para que seja possível elaborar/criar/inventar outras formas de produzir efeitos
visuais em outros projetos. O estudo destas técnicas possibilita produções audiovisuais mais
criativas e mais cativantes para a equipe de produção e para os atores e mais instigantes para
o público. Estudante aspirante de direção de fotografia, o autor deste trabalho sente-se
estimulado a estudar tal conteúdo, pois passa assim a entender melhor, e cada vez com maior
admiração, o funcionamento da profissão que pretende seguir.
O presente trabalho possibilitará que profissionais do mercado publicitário e
cinematográfico entendam melhor a direção de fotografia e quais são as possibilidades que
essa função permite para seus trabalhos. A partir disso é possível trabalhar de forma mais
1
Buscaremos usar o termo fotografia cinematográfica, pois o termo cinematografia, cinematography nos EUA, é
usado aqui no Brasil se referindo ao ato de fazer um filme, independente da área do cinema. Também
procuramos não usar somente o termo fotografia justamente para diferenciar o tipo de fotografia clássica,
estática, sem movimento, usando para esse tipo o termo fotografia still.
14
criativa tornando o mercado audiovisual mais funcional por ser fomentado por novas idéias e,
consequentemente, por investimentos, além de causar o aumento do interesse de estudantes de
comunicação.
Para compreender como os recursos da fotografia cinematográfica foram aplicados
no filme em questão, é necessário ter o conhecimento completo do que será analisado. O
seguinte capítulo, “Fotografia cinematográfica”, será distribuído com as seguintes
subdivisões: sub-capítulo 2.1, onde estudaremos o princípio da direção de fotografia,
permitindo compreendermos o que gerou essa profissão e todos os caminhos percorridos até a
criação deste ofício (a partir dos autores MARTINS, 2004; OLCOZ, 2005), além do
entendimento do que exatamente é o diretor de fotografia e o que consiste seu trabalho nos
dias de hoje (a partir dos autores MOURA, 2005; ALMENDROS, 1993). Nos dois sub-
capítulos seguintes estudaremos o que os teóricos estudados dizem ser a base da fotografia
cinematográfica, permitindo que tenhamos conhecimento teórico/técnico adequado para a
próxima etapa. Estudaremos, portanto no sub-capítulo 2.2 a origem da luz em uma fotografia
cinematográfica, suas intensidades, uso das sombras e cores e, no sub-capítulo 2.3, como a
fotografia cinematográfica contribui para compor o quadro (a partir dos autores MOURA,
2005; LANGFORD, 2009; MINNAERT, 1954; PEDROSA, 2002; SAMUELSON, 1984;
HEDGECOE, 1982; RAY 1977; RYAN, 1993; ARNHEIM, 1957, 1980; MALKIEWICZ,
1973, 1986; MASCELLI, 2010; PEDROSA, 2002, HEDGECOE, 1966)
Uma das pernas do tripé criativo de uma produção audiovisual, o diretor de
fotografia não elabora nenhuma obra sem o trabalho conjunto do diretor de arte e do diretor
de cena. Portanto, no capítulo 3, “Diretores envolvidos na concepção artística da obra
cinematográfica”, estudaremos como funciona o trabalho desses três profissionais e
passaremos a entender como eles e suas equipes trabalham em conjunto para a criação de uma
mesma concepção na obra (a partir dos autores MARTINS, 2004; MOURA, 2005;
ARONOVICH, 2004; MALKIEWICZ, 1973, 1986; BAPSTISTA, 2010; MAMET, 2002).
Com conhecimento teórico mais aprofundado, no capítulo 4 será feita a análise de
“Brilho Eterno de uma mente sem lembranças”. No sub-capítulo 4.1 será desenvolvida a
estratégia metodológica que mostra que, para a elaboração do tema proposto , será utilizada a
vertente de pesquisa qualitativa. Por se tratar de um conteúdo teórico aplicado, de aplicação
em um caso particular, no caso o filme, buscaremos conteúdo para análise através da
pesquisa exploratória. Para isso utilizaremos de pesquisas do tipo bibliográfica e documental,
possibilitando fundamentar a análise de conteúdo. Após apresentar a estratégia
metodológica, no sub-capítulo 4.2 entenderemos o que o filme conta em relação ao seu
15
roteiro. Já no sub-capítulo 4.3 juntaremos todo o conhecimento nesse trabalho adquirido e
cruzaremos com as cenas do filme em questão, permitindo analisar como os instrumentos da
direção de fotografia foram usados para contar a história do filme. (a partir dos autores
ROESCH, 1999; BAUER, GASKELL, 2005; BARDIN, 2004; MALKIEWICZ, 1973, 1986;
ELIN, LAPIDES, 2006; ARNHEIM, 1957, 1980; LANGFORD, 2009; BROWN, 2002;
MARTINS, 2004; ARONOVICH 2004, BAPTISTA, 2008; HEDGECOE, 1966;
SAMUELSON, 1984; PAVLUS, 2004; além de conteúdo adquirido através de depoimentos
da equipe de produção do filme aqui analisado).
Por último serão feitas as considerações finais que demonstrarão como foram
cumpridos cada um dos objetivos propostos e de que forma o projeto de pesquisa foi
respondido.
16
2 FOTOGRAFIA CINEMATOGRÁFICA
Buscando embasamento teórico para posterior análise do filme em questão, no
presente capítulo estudaremos a fotografia cinematográfica por três aspectos. Primeiramente
sua origem histórica, possibilitando compreender como essa área do cinema se formou e quais
foram suas influencias no cinema. Num segundo momento analisaremos do que é constituída
a fotografia cinematográfica e numa terceira etapa como esses recursos podem ser utilizados
para colaborar para a história a ser contada.
2.1 ORIGEM HISTÓRICA DA FOTOGRAFIA CINEMATOGRÁFICA
No presente sub-capítulo buscaremos compreender como surgiu a fotografia
cinematográfica e quais foram os fatores que conduziram sua evolução, desde as primeiras
necessidades de controle da luz natural até a influência nos principais movimentos artísticos
do cinema.
Com o surgimento do cinema, em 1888, a baixa velocidade das emulsões2
somente
permitia quem fossem filmadas cenas externas, que aproveitassem a forte luz solar (OLCOZ,
2005). Quatorze anos depois Thomas Edison constrói o que foi considerado o primeiro
estúdio cinematográfico, o Black Maria, que possuía em sua base uma plataforma giratória
que possibilitava buscar a entrada de luz natural mais adequada para cada ambiente dos
cenários. Martins (2004) complementa, dizendo que os primeiros estúdios usavam luz natural,
pois não haviam refletores fortes o suficiente para imprimir as informações na película. Estes
estúdios possuíam clarabóias no teto que se abriam conforme a intensidade de luz desejada
dentro do set. Nessa época, para administrar a iluminação, havia uma pessoa responsável por
iluminar o cenário que, segundo Martins (2004) era um profissional que deveria apenas
fornecer iluminação suficiente para que fosse possível a película gravar as imagens desejadas,
sem nenhum objetivo estético, ou seja, a luz deveria ser uniforme, pois era considerado um
erro técnico quando a fotografia se sobressaía.
Segundo Salomon (2000), na França, a partir de 1906 o cinema começa a se
2
O material usado para produzir a película possuía baixa sensibilidade à luz, fazendo necessário um maior
tempo de exposição e/ou maior quantidade de luz para captar a imagem.
17
organizar como indústria. Foi nessa época que, segundo Olcoz (2004), a pessoa que antes era
responsável pela entrada de luz no cenário passou a se chamar operador de câmera, também
chamado de camera-man ou cinegrafista. Além da entrada de luz no cenário, e
consequentemente na câmera, este profissional tinha a maioria das responsabilidades referente
a captura do material. Ele era o responsável pela escolha do enquadramento e a marcação no
cenário desse enquadramento que a câmera capturava, a escolha dos negativos a serem
revelados por seu assistente, segundo Bordwell, Staiger e Thompson (1985 apud OLCOZ
2004). Depois de ser revelado pelo operador de câmera e pelo laboratório, complementa
Olcoz (2004) o material filmado era entregue para o diretor, que iria editar o material3
.
Bordwell, Staiger e Thompson (1985 apud OLCOZ 2004, p. 349) dizem que foi a
partir de 1907 que o operador de câmera e sua equipe passaram a usar efeitos especiais de
fotografia. Martins (2004) mostra que Cecil B. DeMille foi um dos primeiros diretores a usar
dramaticidade através da fotografia. Em 1915 no filme Pela Nossa Honra (The Warrens of
Virginia, EUA) fotografou um espião iluminando apenas metade de seu rosto, intencionando
deixar esse personagem escondido na penumbra (MITCHELL, 2006). Segundo Martins
(2004) foi a partir dessa inspiração vinda do teatro que a dramaticidade na luz passou a ser
usada no cinema. Já Olcoz (2004) alega que na segunda metade do século XX o padrão de
iluminação ainda era a luz difusa e regular evitando os pontos de luz excessivos e sombras,
mas com um cuidado com os contrastes como veremos adiante nesse sub-capítulo. Rabiger
(2003) complementa:
3
Nessa época, segundo Olcoz (2004), os diretores de cena trabalhavam geralmente também como produtores e
editores de seus filmes.
Figura 1 – Estúdio Black Maria.
Fonte: Martins (2004)
18
Todas as línguas seguem convenções, e as que determinam a linguagem
cinematográfica começaram a ser desenvolvidas na década de 1908, quando os
operadores de câmera e os atores competiam para apresentar histórias elementares
ao público pagante. (RABIGER, 2003, p. 34)
De acordo com Martins (2004), devido aos longos dias sem sol que impossibilitavam
as filmagens, os estúdios americanos que, em sua maioria se situavam em Nova Iorque, no
início do século XX passaram a se mudar para Hollywood, em busca de um clima mais
ensolarado, além de aos poucos passarem a usar luz artificial. Esse êxodo de Nova Iorque se
intensificou com a guerra das patentes que, em 1908, fez com que as produtoras passassem a
contrabandear os produtos cinematográficos no México4
. Como mostra o autor, dois anos
depois a França se mostrou a frente do resto da Europa ao ser o primeiro país daquele
continente a adotar o uso de luzes artificiais, pois, assim como ocorreu no leste norte-
americano, as produtoras não podiam esperar pelos longos dias sem sol das estações frias.
Foi nessa mesma época que, segundo Martins (2004) começaram a surgir as lâmpadas
de vapor de mercúrio, logo substituídas pelos arcos de carbono de baixa intensidade5
. Olcoz
(2004) vai além dizendo as lâmpadas de arcos de carbono de baixa intensidade já eram
utilizadas no teatro desde 1849, tendo sido usada pela primeira vez no cinema por Georges
Méliès em 1897. Olcoz (2004) ainda confirma a informação de Martins (2004) ao explicar
que o uso dessas lâmpadas no cinema só se tornou comum realmente por volta de 1905.
Martins (2004) conta que essas lâmpadas de arcos de carbono de baixa intensidade foram as
primeiras fontes de luz do cinema a possuírem vidros na frente, impedindo que a força delas
machucassem os olhos dos atores.
4
A saída de Nova Iorque das produtoras foi intensificada também pelos altos impostos cobrados na cidade.
5
As lâmpadas de vapor de mercúrio emitiam uma luz fria, azulada, enquanto as lâmpadas de arcos de carbono
de baixa intensidade emitiam uma luz azul-esverdeada, também difusa. Esta última era usada em geral para
simular a luz solar.
Figura 2 – Luz de arco de carbono aberto,
possibilitando vermos o filamento.
Fonte: Olcoz (2004)
Figura 3 – Luz de arco de carbono já com
vidros na frente.
Fonte: Brown (2002)
19
Foi então a partir de 1914 que começaram a serem feitas lâmpadas especialmente para
o cinema, mais fortes. Eram as chamadas lâmpadas de carbono de alta intensidade,
fornecendo estas uma luz um pouco menos difusa que sua antecessora, encerando a era dos
estúdios transparentes de luz natural6
.
Com nova tecnologia em mãos, os iluminadores começaram a experimentar luzes
refletidas e contra-luzes, conta Olcoz (2004). A hoje chamada sétima arte passava a ser aceita
pelo grande público como uma forma de entretenimento, forçando as produtoras a melhorar
sua qualidade técnica, complementa Martins (2004). Como em outras áreas do cinema, a
fotografia se desenvolveu muito, sendo então criados vários efeitos e estéticas de luz, inclui-
se aí também o uso de diferentes planos para ajudar na dramaticidade da história, Martins
(2004). Com todo esse refinamento os antes chamados iluminadores passaram a se chamar
diretores de fotografia.
Este novo profissional, que agora passava apenas a controlar a luz, gerenciava as ações
de sua equipe, formada pelos eletricistas e pelos cinegrafistas. Foi então que, segundo Olcoz
(2004), passou-se a ter maior preocupação com o contraste e volume da luz, junto com o
cuidado que se começou a ter em justificar a origem das fontes de luz. Esses cuidados, ainda
segundo o autor, já eram usados na fotografia still7
desde 1900. Mas tais técnicas, como a luz
principal, o contra-luz, e a luz de preenchimento chegaram à fotografia cinematográfica
somente por volta de 1920. Essas novas formas de iluminar vieram para colaborar com a
transição entre sempre usar luz difusa para o uso de luzes mais marcadas, com contrastes mais
fortes. Segundo Olcoz (2004), essa transição ocorreu principalmente entre 1914 e 1925.
Até 1920 travellings8
e outros movimentos de câmera eram somente utilizados para
corrigir o enquadramento quando o objeto filmado estava sair de quadro, como uma paisagem
que se procuraria mostrar por inteiro, confirma Olcoz (2004). Foi então durante a segunda
década do século 20 que os movimentos de câmera passaram a serem usados para conduzir o
olhar para determinada parte da cena. O autor reforça dizendo que essas ferramentas, como
travellings e gruas, muito usadas na Alemanha nessa época, facilmente se difundiram no
6
Olcoz (2004) diz que nessa época os estúdios, que antes eram, em sua maioria, constituídas de tetos e/ou
paredes de cristal, passaram aos poucos a serem pintados de preto, impedindo a entrada de luz natural. Eram os
chamados dark studios.
7
Segundo Moura (2005), fotografia still é a fotografia convencional, de imagens fixas, tiradas a partir de uma
câmera fotográfica. Diferente da fotografia cinematográfica da imagem em movimento, onde existem seguidos
fotogramas que causam a sensação de sequência animada, a fotografia still possui o que Cartier Bresson chamou
de instante mágico, onde através da máquina se congela um momento específico. Diegues (2004) ressalta que a
produção de um filme pode contar com a presença de um fotógrafo still para obter-se imagens paradas a serem
posteriormente usadas na divulgação.
8
No Brasil se chama travelling o movimento retilíneo ou circular que um carrinho sobre trilhos percorre com a
câmera sendo guiado por uma maquinista (ALMENDROS, 1982).
20
mercado hollywoodiano.
Embora Thomas Edison, segundo Olcoz (2004), já tenha experimentado o cinema
sonoro em seu estúdio Black Maria9
, Martins (2004) conta que por volta de 1927 surgiu o
cinema sonoro e que, naquela época, os equipamentos de luz e câmera passaram a disputar
espaço no set com os técnicos de som. A maquinaria de luz emitia muitos ruídos e os
movimentos das gruas e travellings atrapalhavam a captação de som. Esse fator impulsionou
as discussões do cinema mudo versus cinema sonoro. Conforme Gilbert Seldes (1928 apud
STAN 2003, p. 76) os defensores do cinema mudo alegavam que ele acabava com toda a
técnica e estética adquirida até então, era uma regressão aos modos teatrais. Artaud (1933
apud STAN 2003, p. 76) reforça dizendo que “alertava que o som poderia levar o cinema à
adoção de convenções ultrapassadas”. Em um pensamento contrário, Epstein (1975 apud
STAN 2003, p. 76) acreditava que o cinema falado tinha “capacidade potencial para
complementar a imagem”. De qualquer forma, como a novidade era o que garantia a
bilheteria nos cinemas, como mostra Martins (2004), os movimentos de câmera foram
banidos e, por isso, foi necessário desenvolver novas formas e tecnologias para a fotografia
cinematográfica. Nesse mesmo ano passou-se a usar lâmpadas incandescentes, agora
padronizadas pelo mercado. Por volta de 1940 introduziram as lentes de Fresnel nos
refletores. Para Martins (2004), com o decorrer do tempo, a fotografia cinematográfica
evoluiu com o aprimoramento de suas ferramentas. Todos esses aprimoramentos
possibilitaram ao “fotógrafo um controle preciso de luz” (MARTINS, 2004 p. 22).
Baseado em películas preto e branco e precedido pelo dadaísmo, o surrealismo é um
movimento artístico surgido na década de 1920 na França, com fortes influências das teorias
psicanalíticas de Sigmund Freud, buscando a representação do inconsciente e dos sonhos,
afirma Bradley (1999). Com inspirações provindas do teatro, o movimento consolidou-se no
cinema com o filme Um Cão Andaluz (Un Chien Andalou, França, 1929), de Luís Buñuel e
Salvador Dalí, considerado um “manifesto para o cinema surrealista” (BRADLEY, 1999, p.
70), com sua edição desconexa e narrativa que lembrava um sonho, que divergia de outros
filmes desse movimento que davam ênfase ao jogo de luz e sombras e outras técnicas
cinematográficas. Recentemente David Lynch e Michel Gondry tiveram suas obras tachadas
como neo-surrealistas, devido à mistura de sonho e realidade que seus filmes expõem,
deturpando a lógica das coisas. Em contraponto, Mamet (2002) cita “A maioria dos filmes
9
Thomas Alva Edison trabalhava com dois diretores, Laurie Dickson e Edmund Kuhn. Junto deles, fez
experimentos de captação e projeção em seus filmes de poucos segundos que algumas vezes nem possuíam
história, como conta Olcoz, 2004.
21
americanos, por piores e mais claudicantes que sejam, são incrivelmente impressionistas”
(MAMET, 2002, p. 26), referindo à forma do cinema americano de justapor uma seqüência de
imagens com o intuito de responder a uma pergunta no fim da obra.
Ao término da Primeira Guerra Mundial surge, na Alemanha, o expressionismo,
escola artística de vida curta, mas com forte intenção de revolucionar os meios de expressão,
se caracterizava por distorcer a realidade e assim mostrar como seus criadores viam o mundo
(OLCOZ, 2004). Martins (2004) mostra que o que caracterizava esse movimento no cinema
era os cenários pintados que geravam profundidade através da perspectiva da pintura em
relação à câmera, junto com expressões faciais muitas vezes distorcidas e maquiagem pesada.
O autor ainda cita que as luzes marcadas do expressionismo10
, que valorizaram silhuetas
distorcidas e rostos escuros em uma metade e claro na outra influenciaram o cinema
hollywoodiano “nos anos 1930 e 1940, principalmente os filmes noir e de terror, além do
cinema soviético e alguns autores do cinema francês” (MARTINS, 2004, p. 85). Kracauer
(1988) confirma ao citar a fotografia cinematográfica do expressionismo:
Foi sua natureza expressionista que impeliu muitos diretores de fotografia alemães a
criar em sombras tão exuberantes quanto a erva daninha e a associar fantasmas
etéreos a arabescos ou a rostos estranhamente iluminados. (KRACAUER 1988 apud
MARTINS 2004, p. 85)
No início da década de 1940, surge, nos Estados Unidos o chamado cinema noir, um
movimento contrário à aspiração americana pela felicidade e perfeição que, segundo Martins
(2004) teve:
[...] como característica uma narrativa pessimista, onde despontam personagens de
caráter questionável, como anti-heróis e mulheres fatais em atmosferas dramáticas.
É a vida suja das metrópoles, vivida por pessoas inescrupulosas sob autoridades
corruptas: assassinos movidos por neuroses, paranóias, psicoses e, por fim,
esquizofrenia, o que justifica seus crimes de maneira, muitas vezes, incerta.
(MARTINS, 2004, p. 116)
A fotografia cinematográfica dos filmes noir, ao contrário dos filmes americanos da
década de 1930 e de acordo com os filmes expressionistas alemães, possuíam alto contraste
de luz e cenários quase que completamente tomados pela escuridão11
ou pela fumaça,
conforme Martins (2004). Ainda segundo o autor, o cinema noir encontra-se saturado por
volta do ano de 1950, onde o público começa a demonstrar interesse por imagens mais
realistas, o que impulsionou o estilo neo-realista italiano de iluminar. Tal fato também acabou
10
Além de “sombras pintadas em desarmonia aos efeitos de iluminação” (Martins,2004, p.88).
11
Essa falta de luz na fotografia do cinema noir inclusive ajudava os estúdios a esconder os limites do cenário.
22
por influenciar a fotografia noir, que agora passava a ter contrastes menores. Dessa forma a
busca por imagens mais naturais foi também intensificada pelo surgimento do filme colorido.
Mesmo sendo estudada e testada durante anos, a cinematografia colorida só começou a
despertar o interesse das grandes produtoras com a criação do sistema Technicolor subtrativo
de três cores12
, lançado em 1934 através do filme americano Becky Sharp, de Rouben
Mamoulian. Segundo Martins (2004), a transição para os filmes coloridos foi lenta, pois para
fotografar essas películas era necessária uma intensidade de luz muito maior em comparação
com a preto e branco. Isso além de cores levemente distorcidas da realidade e latitude13
reduzida. Em 1938 John Arnold, da Metro-Goldwyn-Mayer, ou MGM, foi enviado à
Technicolor para desenvolver melhorias para esse sistema. Trabalhando em conjunto, eles
desenvolveram severas melhorias na emulsão14
, no sistema ótico das câmeras e na película
Technicolor15
. Esses avanços permitiram aos fotógrafos que refletores de mesma intensidade
usadas no preto e branco fossem usados para fotografar os filmes coloridos, pois as agora a
capacidade das películas ficara similar (HALLER, 1969). Martins (2004) confirma esse
pensamento dizendo:
A duplicação da velocidade da Technicolor e a redução simultânea dos níveis de luz
exigidos aproximadamente pela metade fizeram com que o diretor de fotografia, se
libertasse um pouco da necessidade de adquirir bastante luz relacionada à fotografia
colorida. (MARTINS, 2004, p. 26)
A produção de filmes coloridos utilizou-se do sistema Technicolor até 1950, quando
começaram a surgir as películas coloridas quem combinavam as três camadas de cor em uma
só através dos sistemas Agfacolor e Eastmancolor. Este último passou a dominar o mercado
pelo fato de utilizar câmeras convencionais, segundo Martins (2004) durante os 60 anos que
se passaram, sendo que este mercado chegou a ser disputado com a Fuji Film, mas a Eastman
Kodak sempre esteve um passo a frente com tecnologias quem permitem aos fotógrafos uma
maior liberdade criativa, embora alguns profissionais prefiram as características das películas
Fuji.
Até o começo da fotografia colorida, como conta Almendros (1982), a fotografia
12
Esse sistema consistia em juntar três películas, de cores vermelha, verde e azul e registrar as imagens
correspondentes à cor filmada em uma película final, a qual era usada para projeção em cinema, já com essas
cores.
13
Latitude é a zona na qual a película é capaz de registrar diferenças de contrastes.
14
Emulsão é um produto químico líquido que reage com o material fotossensível, revelando o conteúdo gravado
no material sensibilizado (TOMMASELLI, HASEGAWA, GALO, 2002)
15
E o Vento Levou (Gone With The Wind, EUA, 1939), de Victor Fleming, foi o primeiro dos grandes filmes a
receber os benefícios dessas melhorias e, por isso, é dito por muitos como o primeiro filme colorido, embora que
outros já haviam sido filmados em películas coloridas, inclusive Technicolor (MARTINS, 2004).
23
cinematográfica buscava sempre expressar com fidelidade a realidade dos cenários filmados e
os diretores de fotografia se utilizavam apenas de seu conhecimento adquirido através da
experiência. Com este mesmo conhecimento, passou-se a experimentar uma estética com
luzes e sombras marcadas que, segundo o que autor chamou de neorrealismo, não tinham
nenhuma razão de estarem ali. Para Hovald (1962) o neorrealismo é uma interpretação
estética de uma realidade regionalista vivida na época em cada parte da Europa.
Almendros (1982) cita que foi em 1959 surgiu um grupo de diretores de fotografia
que haviam estudado para este ofício surgindo então na França, a nouvelle vague, voltando a
usar luzes um pouco mais difusas, essas agora refletidas e sem sombras marcadas. Mourão
(2001, p. 52) complementa dizendo que “a nouvelle vague francesa propõe uma nova maneira
de produzir e um novo estilo de narrativa que rompe com a estrutura clássica.” Foi nessa
época que, segundo Almendros (1982), o uso de fotografia colorida se generalizou a ponto de
quase extinguir as películas em preto e branco. Esse novo tipo de fotografia permitiu um
trabalho mais fácil para os técnicos de som, que agora não tinham refletores que impediam
seu acesso aos atores, até por que os equipamentos fonográficos também haviam evoluído,
diminuindo de tamanho, como reforça Martins (2004), quando afirma que o fato de as lentes
dos refletores terem sido “padronizadas para controles mais difusos e mais baixos níveis de
contrastes” (MARTINS, 2004, p. 21) permitiu aos diretores de fotografia um maior controle
das luzes e das sombras. Almendros (1982) conta que esse tipo de fotografia permitia
produções mais rápidas e, consequentemente, mais baratas, aumentando muito a quantidade
de filmes produzidos nessa época. Esse movimento rapidamente se espalhou pela Europa
tendo demorado um pouco a ser usado nos Estados Unidos, influenciando inclusive o
neorrealismo. Esse fato ocorreu até o ponto em que as pessoas se mostraram saturadas desse
estilo de fotografia, conforme Almendros (1982):
O que começou como uma clara reação contra um certo maneirismo fotográfico,
como uma atitude contra um cinema tradicional, de imediato havia se tornado um
outro conformismo mais uniforme e monótono.(ALMENDROS, 1982, p. 15,
tradução nossa)
Assim, procuramos descrever até aqui a origem da fotografia cinematográfica, o que
causou sua evolução e seus principais movimentos. Essas foram as primeiras escolas da
fotografia cinematográfica. Várias outras formas de fotografar foram surgindo, sempre
acompanhando a história do cinema e suas evoluções. Cada estética de acordo com os
momentos históricos emergentes de seu país de origem, junto com as tecnologias que foram
surgindo, sendo elas partidas da fotografia ou por ela absorvidas. Stan (2003) confirma esse
24
pensamento dizendo:
[...] a evolução do cinema não pode ser narrada como uma progressão linear de fases
e movimentos. O perfil da teoria varia conforme o país e a época, e movimentos e
idéias podem ser convergentes em lugar de sucessivos ou mutuamente excludentes.
(STAN 2003, p. 16)
Assim como nas décadas passadas, no futuro surgirão novas formas de se fotografar e
outras tecnologias que complementarão à estética ou se mostrarão como um desafio à
fotografia cinematográfica, como no caso da tecnologia HD16
, que torna mais barata uma
produção pelo ponto de vista da fotografia, mas aumenta o custo devido à quantidade de
finalização (pós-produção) que deve ser feito em cima do material registrado, confirma
Aronovich (2004). Mesmo assim a base da fotografia cinematográfica permanecerá a mesma
e, conhecê-la permite que entendamos ou façamos parte dessas tendências. Após tratar sobre a
história da fotografia cinematográfica, buscaremos no sub-capítulo seguinte abordar sobre os
princípios básicos da iluminação dentro de um set de filmagem, que permitem que a luz seja
usada da forma correta para se contar a história pretendida.
16
Sigla em inglês para High Definition, ou Alta Definição em português.
25
2.2 ILUMINAÇÃO CINEMATOGRÁFICA: NATUREZA E INTENSIDADE DA LUZ E
USO DAS SOMBRAS E DAS CORES
No presente sub-capítulo estudaremos a iluminação cinematográfica através três
pontos básicos, pois, segundo Moura (2005), de forma simplificada podemos observar a luz
através da sua natureza, intensidade e direção. Segundo o autor, a partir desses três fatores
essenciais e suas variáveis podemos analisar toda a forma como foi iluminada uma cena:
“Todos os problemas de fotografia se resumem a estas questões: onde se coloca o refletor, em
que direção, com que força, e de que tipo ele é” (Moura, 2005, p. 19).
Conforme Moura (2005), a luz é matéria que se transforma em energia, se dissipando
em diferentes formas, como o calor e os fótons, que variam de acordo com a intensidade da
fonte dessa energia. Langford (2009) vai além, dando ênfase para quatro características
importantes: que ela se move em ondas, que se “propaga em linha reta (dentro de uma
substância ou meio uniforme)” (LANGFORD, 2009, p. 42), que se move em grande
velocidade e que possui fótons.
Esses fótons provocam alterações químicas nos filmes fotográficos e resposta
eletrônica nos sensores de câmeras digitais, etc. Quanto mais intensa a luz, mais
fótons ela contém. (LARGFORD, 2009, p. 42)
Pedrosa (2002) reforça dizendo que todo corpo com moléculas em movimento gera
luz e que cabe a capacidade do olho humano captar essa luz ou não. Pedrosa (2002, p. 23)
explica que “o elemento determinante para o aparecimento da cor é a luz” e que, diferente da
luz, a cor não é constituída de material, sendo “apenas sensação produzida por certas
organizações nervosas [do olho] sob a ação da luz” (PEDROSA, 2002, p. 17). Langford
(2009) complementa ao citar que as variações de comprimento das ondas de luz são o que
formam as diversas cores. Minnaert (1954) afirma ainda que o olho humano interpreta essa
cores de acordo com as diferentes difusões com que enxerga cada ponto de luz, semelhante à
forma como os artistas que se utilizam da técnica pontilista17
.
Bonasio (2002) descreve que cor é a percepção que nossos olhos têm das ondas de
luz, que são interpretadas pelo nosso cérebro como sensação de cores, pois cada tom possui
um comprimento diferente de onda. Pedrosa (2002) vai além ao afirmar que as cores que o
olho humano enxerga são classificadas de duas formas diferentes: cor pigmento e cor luz. Cor
17
Provinda do impressionismo, o pontilhismo é uma técnica de pintura onde pequenos pontos ou manchas de
tinta que, por justa posição, permitem aos nossos olhos formar uma imagem só.
26
pigmento18
, segundo Goethe (apud PEDROSA, 2002, p. 17) “[...] são as que podemos criar,
fixar em maior ou menor grau e exaltar em determinados objetos e aquelas que atribuímos
uma propriedade imanente”, são cores que onde aplicadas fixam-se, chamadas por Pedrosa
(2003) de subtrativas, pois a soma de todas elas gera o preto. Já a cor luz, explica o autor,
“provém de uma fonte luminosa direta” (PEDROSA, 2003, p. 28). São segundo Villegas
(2009) as denominadas cores aditivas pelo fato de a soma das cores luz gerar o branco, seriam
suas três cores/luzes em força integral: o vermelho, o verde, e o azul. Ao contrário da cor
pigmento, completa o autor, a ausência total das cores nesse espectro é o que gera o preto:
quanto mais escuro, mais sombras, menos luz e menos cores.
Conforme Ryan (1993), no meio cinematográfico se utiliza o termo temperatura de
cor para determinar qual é a cor que uma fonte de luz emite, ou a “Distribuição de Energia
Espectral” (RYAN 1993, p. 316). Moura (2005) mostra que na pintura, considerando o efeito
psicológico, uma cor fria é branco-azulada e uma luz quente é alaranjada ou amarelada, logo,
na fotografia, onde é usada uma medida denominada Kelvin, as luzes azuladas, de sensação
fria, são de alta temperatura e as alaranjadas, de sensação quente, são de baixa temperatura.
Ryan (1993) explica que a medida Kelvin, usada para mensurar a temperatura de cor de luz, é
“na verdade a escala Centígrada (Celsius) absoluta, medida por graus Centígrados (Celsius)
mais 273 graus” (RYAN, 1993, p. 316, tradução nossa). Moura (2005) mostra que o nome da
escala veio em homenagem ao criador dela, Lorde Kelvin, que percebeu que uma barra de
ferro preta mudava de cor de acordo com temperatura que nela era aplicada, mudando da cor
laranja, seguida de amarelo até branco, conforme a temperatura aumentava, como
18
Segundo Pedrosa (2003), ao tratar das cores pigmento primárias, essas são sub-divididas em opacas e
transparentes. As opacas são constituídas por vermelho, amarelo e azul, “são as cores de superfície de
determinadas matérias químicas, produzidas pela propriedade dessas matérias de absorver, refletir ou refratar os
raios luminosos incidentes” (PEDROSA, 2003, p. 30). Já as cores transparentes são formadas por magenta,
amarelo e ciano, “são as cores de superfície produzidas pela propriedade de alguns corpos químicos de filtrar os
raios luminosos incidentes, por efeitos de absorção, reflexão e transparência” (PEDROSA, 2003, p. 30).
Figura 4 – Modelo de cor luz
(ou aditivo)
Fonte: Brown (2002)
Figura 5 – Modelo de cor
pigmento (ou subtrativo)
Fonte: Brown (2002)
27
complementa Ryan (1993). De forma simplificada, segundo Moura (2005, p. 155) “para ficar
azul, foi aquecido a 5500ºK. Amarelo, a 3200ºK”, sendo as lâmpadas de cinema balanceadas
em 3200ºK usadas para cenas internas (casa, escritório etc) e as de 5500ºK para simular a luz
do sol, como os refletores HMI. Conforme Kellison (2007), “Uma cena externa pode ser
filmada à noite, mas iluminada de forma que o espectador ache que é dia, e vice-versa.”
(KELLISON, 2007, p. 199).
Para o correto uso das temperaturas de cor, a câmera deve ser regulada de acordo com
a temperatura de cor luz em uso, através do ajuste do balanço de branco. Isso é explicado por
Villegas (2009) na seguinte afirmação:
O balanço de branco indica a cor da luz sob a qual estamos capturando a imagem. O
olho humano se adapta rapidamente às diferentes temperaturas de cor, interpretando
o elemento mais brilhante da cena como branco e definindo as outras cores de
acordo. (VILLEGAS, 2009, p. 37)
Figura 6 – Refletor HMI em um tripé, com suas
lentes, cabos e balast.
Fonte: Box (1997)
Figura 7 – Temperaturas de cor em Kelvins e o filtro necessário para correção de cor
de acordo com a película usada, onde T (tungstênio) é o correto para baixas
temperaturas e D (daylight) é o correto para altas temperaturas de cor.
Fonte: Langford (2009)
28
Para facilitar isso, Moura (2005) explica que as temperaturas de cor das fontes de luz
podem ser modificadas através do uso de folhas de gelatinas especiais, que corrigem essa cor
luz emitida para a desejada, da mesma forma que é possível usar gelatinas de efeito19
. Da
mesma forma é possível ser usado na frente das lentes da câmera filtros que uniformizam as
cores de toda a imagem. Mas como explica Malkiewicz (1973), as temperaturas de cor podem
também ser usadas para criar luzes incomuns não necessariamente visando a fidelidade com o
real:
Muitas vezes, o uso criativo das cores não visa o realismo, ou a situação justifica
uma fonte de luz com cores diferentes da temperatura de cor adequada. Nesses
casos, os filtros de gelatina podem ser usados sobre as fontes de luz
(MALKIEWICZ, 1973, p. 87, tradução nossa).
Como podemos ver através de Trigo (1998), a qualidade da luz altera a reprodução
das cores no dia a dia e a forma como as cores atuam sobre a película de um filme, variando
de acordo com o local, a hora e os fatores metereológicos. Hedgecoe (1996, p. 60) vai além ao
afirmar que a difusão da cor é influenciada pela qualidade da luz: “Basicamente, a cor difusa
carece da saturação integral associada a matizes fortes e vibrantes. Esse efeito redutor da
saturação pode ser o resultado da chuva, da neblina ou da névoa, quando as partículas no ar
dispersam a luz e as cores tendem a se misturar ou a se fundir.” O autor ainda completa ao
dizer que luzes difusas, típicas de dias nublados, tendem a chapar as cores, atenuando as
diferenças entre tons.
Brown (1996) destaca que a forma como a iluminação é feita em uma produção
cinematográfica deve levar em consideração como as pessoas percebem determinadas
informações: “Os valores culturais (escuridão associada com o mal, clareza com o bem), os
efeitos psicológicos (o vermelho é quente, o azul é frio) e memória (magenta brilhante para
por do sol, âmbar oscilante para lareira)” (BROWN, 1996, p. 12, tradução nossa), pois isso
19
Gelatinas de efeito são idênticas as de correção de cor, porém servem para mudar a cor de uma fonte de luz
para uma cor luz não comum na natureza, como as luzes verdes, roxas ou avermelhadas, como Moura (2005).
Figura 8 - Ao ser colocado na frente da
câmera, o filtro iguala as cores luz.
Fonte: Brown (2002)
Figura 9 – Filtro de balanceamento de
cor da luz padroniza para as altas luzes.
Fonte: Brown (2002)
29
guiará o espectador no decorrer da história. Tal assunto é reforçado por Elin e Lapides (2006)
ao explicar que a iluminação de uma cena ajuda a definir seu tom dramático: “Talvez mais do
que qualquer outro elemento visual, a iluminação cria o clima da cena” (ELIN; LAPIDES,
2006, p. 302), o que é reafirmado por Kellison (2007), explicando que a iluminação permite
criar uma atmosfera dramática ou de comédia, delimitando inclusive o que é imaginário e real
numa história e também por Brown (1996) ao citar que “A luz é o fator chave para estabelecer
humor, tempo e atmosfera”.
No cinema, uma iluminação clara e uniforme geralmente é usada para cenas mais
tranqüilas, muitas vezes procurando passar alguma sensação de felicidade ao espectador
(ELIN; LAPIDES, 2006, p. 302). Conforme os autores esse tipo de iluminação reduz a
sensação de tri-dimensionalidade, além de dar “pouco destaque a qualquer elemento da cena.”
Já uma iluminação mais escura, com partes da cena cobertas pela penumbra causa certa
ansiedade ou tensão no espectador, que não vê todas as informações por completo, como
afirmam Elin e Lapides (2006, p.302): “Nossa tendência é associar esse tipo de cena a um
clima mais sério, dramático ou romântico.” Segundo Alonzo (apud MALKIEWICZ, 1986, p.
8) para que a dramaticidade da fotografia cinematográfica escolhida para cada cena funcione
no filme como um todo, o diretor de fotografia deve tomar o cuidado de manter uma unidade
de estilo, uma vez que um filme leva, em geral, meses para ser filmado, além de quase sempre
ser produzido fora da ordem cronológica da história. Afinal, completa o autor, se cada cena ou
plano do filme for fotografado de forma diferente das outras, o espectador perderá a noção de
continuidade da história.
Outro aspecto importante é explicado por Malkiewicz (1986) ao afirmar que uma
obra cinematográfica é uma projeção plana de uma visão tri-dimensional, onde o contraste
entre as áreas claras e escuras é o que determina a sensação de profundidade. Arnheim (1957)
confirma ao citar:
Uma das propriedades da fotografia é representar sólidos como figuras planas. Esta
dedução das três dimensões para duas dimensões é uma necessidade que os artistas
transformam em qualidades. (ARNHEIM, 1957, p. 43).
Para que um objeto se destaque do fundo, conforme Arnheim (1957), as tonalidades
das cores devem ser suficientemente divergentes umas das outras, seja através de uma luz no
fundo de um objeto escuro ou a sombra desse objeto em um fundo claro, por exemplo.
Quanto maior for a distância entre uma fonte de luz e o objeto a ser iluminado, menor
força essa luz terá sobre esse objeto e, por isso, o tamanho e intensidade dessa fonte também
deve ser levado em consideração, como Moura (2005). Conforme o autor, supondo que um
30
refletor de luz dura estivesse iluminando uma pessoa ao longe: poderíamos perceber que sua
sombra, embora fraca, seria grande em relação a essa pessoa. Ao aproximarmos esse refletor
da pessoa, sua sombra ficaria mais forte, isso por que o refletor iria aumentar de tamanho em
relação à pessoa, aumentando também a sombra dessa pessoa. Da mesma forma, se
colocarmos uma luz difusa perto dessa pessoa, ela não causará sombras. Agora, se colocarmos
essa mesma fonte de luz a uma distância maior, ela passará a funcionar como uma fonte de
luz dura e, por isso, causaria sombras. Segundo Moura (2005) isso acontece por que ela passa
ser, em relação ao objeto iluminado, apenas uma fonte de luz pontual, menor e mais fraca. O
autor (2005, p. 52) observa que “a natureza da luz também é influenciada pela distância”,
assim como a sua intensidade no objeto iluminado.
Como a luz se propaga em linha reta até que um obstáculo barre sua trajetória, ao
iluminarmos uma cena devemos levar em consideração se queremos sua sombra e com que
intensidade, pois ao mesmo tempo em que ela pode ser muito importante em um filme
surrealista, ela poderia estragar uma cena onde se pretende, por exemplo, deixar uma atriz
mais jovem, como mostra Moura (2005), que ilustra:
Como fazer aparecer as crateras e montanhas da luz? Certamente não é iluminando
de frente, como na lua cheia. No tentando, na meia-lua, vêem-se as montanhas e as
crateras. A luz do sol, ao iluminar apenas a metade da luz, faz, ao mesmo tempo,
aparecerem todos os outros volumes. As montanhas projetam agora longas sombras
e têm um nítido relevo. (MOURA, 2005, p. 53)
Aronovich (2004) complementa dizendo que ao buscar uma luz dura, não deve ser
colocado nenhum difusor entre o refletor e o objeto a ser iluminado e não equilibrar as partes
escuras, além de usar a sensibilidade de película de forma a aumentar a profundidade do
preto. Sobre a luz difusa, o autor explica que quanto mais a luz é difundida, mais ela se
Figura 10 – Nesta laranja, sendo iluminada
de lado, vemos a textura da casca.
Fonte: Alton (1995)
Figura 11 – Já nesta outra laranja,
iluminada de frente, as texturas ficam menos
perceptíveis.
Fonte: Alton (1995)
31
espalha e menor é o controle que há sobre ela, recomendando colocar filtros na frente da lente
da câmera buscando diminuir o contraste. Moura (2005) reforça o que Aronovich (2004) diz
sobre o controle da luz difusa, explicando que uma luz dura é facilmente difusível (basta
rebate-la), mas que uma luz originalmente difusa é dificilmente transformada em luz dura,
pois ela perde força quando rebatida.
Arhneim (1980) complementa quando explica que as sombras dos próprios objetos
criam contrastes nele, permitindo-nos percebermos sua tri-dimensionalidade em uma projeção
de duas dimensões, assim como as sombras projetadas nos levam sempre ao objeto que a
origina. Por isso, deve haver muita cautela com o uso das sombras, pois além do tom
dramático de uma cena, elas auxiliam a conceber a forma das coisas e revelar sua disposição
no quadro, como Arhnein (1980).
Outro ponto importante da iluminação cinematográfica são os três tipos de origem da
luz destacados por Moura (2005): as luzes diretas (de refletores abertos ou com vidros na
frente), as rebatidas e as filtradas. Como mostra o autor em linhas práticas, os abertos não
possuem vidros na frente e, por isso, geram uma luz mais dura, com sombras mais marcadas.
Ainda segundo o autor, os refletores que possuem um vidro na frente se dividem em lâmpadas
Fresnel, que mantém a luz em feixe, PAR, onde a luz se concentra por meio de um espelho
parabólico, ou elipsoidal, com lentes e espelhos elipsoidais, também conhecidos por canhões
de luz no teatro.
Moura (2005) mostra que as luzes de origem rebatida possuem duas divisões: os soft
lights, que são refletores com rebatedores internos, e as todas as luzes diretas que podem ser
apontadas para qualquer superfície que rebata luz, como placas de isopor, rebatedores de cor
prata ou dourado, butterflys com panos brancos etc. Seguindo a ordem do autor, ainda temos
Figura 12 – Refletor Fresnel.
Fonte: Brown (2002)
Figura 13 – Refletor PAR (nome
devido ao seu refletor parabólico).
Fonte: Brown (2002)
32
as luzes filtradas, que passam por materiais difusores ou por gelatinas20
.
Brown (1996) explica a importância da luz para a compreensão das formas ao citar
que “A luz revela forma para nós. Em conjunto com a perspectiva e os efeitos de consistência,
entendemos a forma do mundo físico a partir de como luz e sombra incidem sobre ele”
(BROWN, 1996, p. 11, tradução nossa) É, portanto, importante entendermos como a fonte da
luz, a intensidade de luz e sombras são interligadas e para isso vale destacar o pensamento de
Malkiewicz (1973):
Uma fonte de luz pode ser descrita como dura ou suave, dependendo do tipo de
sombra que ela cria. A luz que viaja direto do filamento do bulbo [da lâmpada] para
o objeto em questão apenas com uma lente os separando irá, em geral, causar
sombras profundas e definidas. Se a luz é rebatida em alguma superfície reflexiva,
ou difundida por algum material translúcido suspenso entre a luz e o objeto, a
sombra irá parecer mais fraca e menos profunda (MALKIEWICZ, 1973, p. 86,
tradução nossa).
Percebemos dessa forma como o controle da natureza e direção da luz e suas sombras
são o princípio básico da fotografia cinematográfica, sendo possível, a partir do uso prático
desses três fatores, iluminarmos cenas que transmitam as idéias previstas pela proposta do
roteiro a ser filmado. Mas não só de iluminação é feita a fotografia cinematográfica. No
próximo sub-capítulo veremos como o uso correto da câmera pode ser usado junto com a
iluminação a favor da história a ser contada, seja através do uso das sombras ou da
perspectiva do enquadramento que a câmera captura.
20
Conforme Moura (2005) as gelatinas usadas no cinema são folhas de densidade neutra ou coloridas para
correção de temperatura de cor.
Figura 14 – Em cima, uma fonte de luz direta sobre um
sujeito. Abaixo vemos tanto no rosto como na “parede”
como a sombra fica menos drástica após passar por um
difusor.
Fonte: Langford (2009)
Figura 15 – As sombra geradas por uma luz
rebatida são semelhantes às de uma luz
filtrada.
Fonte: Langford (2009)
33
2.3 A CONTRIBUIÇÃO DAS TÉCNICAS DA FOTOGRAFIA CINEMATOGRÁFICA
PARA A COMPOSIÇÃO.
Composição e enquadramento são elementos inerentes, tanto que Hedgecoe (1982, p.
175) afirma que “A composição refere-se à disposição dos elementos da imagem, de modo a
obter um efeito unificado”. Arnheim (1957) reforça dizendo que o enquadramento é uma
técnica que deve ser usada para se obter o resultado favorável à história a ser contada,
revelando somente o que for adequado no momento certo. O ator cita que “o elemento
surpresa só pode obter-se quando a cena é vista de uma determinada posição” (ARNHEIM,
1957, p. 38), ressaltando ainda que o enquadramento é um elemento auxiliar que deve ser
usado ao compor uma imagem: como os objetos em questão são apresentados dentro de um
quadro limitado, a composição é a forma como apresentaremos esses objetos dentro de um
enquadramento, seja com a relação espacial entre eles ou com o uso das sombras.
Arnheim (1957) explica que por volta de 1930 é que inicia a preocupação com o
enquadramento no cinema, pois até então a câmera deveria permanecer estática como a
representante da platéia de uma peça de teatro. De acordo com Moura (2005) em um set de
filmagem a primeira coisa que um diretor de fotografia deve fazer em um set é posicionar a
câmera, pois sem ter o enquadramento pré-definido corre-se o risco de iluminar algo que não
entrará em quadro ou deixar de iluminar algo. Isto é reafirmado por Arnheim (1957) quando
diz que “um ângulo de câmera habilmente escolhido pode produzir uma impressão viva não
só de um objeto isolado, mas também de toda a encenação” (ARNHEIM, 1957, p. 49).
Já Moura (2005) ressalta que, para a escolha da melhor posição de câmera para uma
cena, devem se levar em consideração os outros elementos que ajudam a contar a história, que
ele explica no trecho: “Se não sentirmos alguma intenção, alguma curiosidade escondida atrás
de alguma coisa, faltou uma segundo ponto de interesse” (MOURA, 2005, p. 389). Arnheim
(1957) destaca que muitas vezes no cinema as posições de câmera são usadas apenas com
objetivo estético, não contribuindo para a história a ser contada, o que não pode acontecer em
um bom filme que preza pela arte. Moura (2005) reforça esse pensamento dizendo que
“metade da boa fotografia está no quadro. Um quadro malfeito compromete a fotografia. O
fotógrafo que for capaz de influenciar o enquadramento sem prejudicar a cena melhora a
fotografia” (MOURA, 2005, p. 406).
Falando sobre o dia a dia das pessoas, Arnheim (1957) explica que “dos objetos que
nos rodeiam só vemos os estritamente necessários ao nosso objetivo” (ARNHEIM, 1957, p.
34
42) e que, portanto, para que o conteúdo da obra artística seja compreendido é preciso induzir
a atenção às partes do quadro adequadas para a história, revelando, muitas vezes, uma forma
de olhar pela qual o espectador não está acostumado. Complementa Watts (1999, p. 91)
quando diz que “a cena em torno de cada ponto de interesse está fora do foco e em visão
periférica”, tanto que, como esclarece Arnheim (1957), muitas vezes, a composição, feita
através do enquadramento e iluminação, faz com que uma coisa comum para os olhos possa
ser vista como algo novo. Brown (1996) reforça isso ao afirmar que “A luz pode ser
visualmente unificante ou divisora, delineando as relações de composição e grupos”
(BROWN, 1996, p. 12).
Sobre o mesmo tema Watts (1999) comenta que, como os olhos não têm mais de um
ponto de interesse ao mesmo tempo, a visão segue os pontos de luz mais fortes e os objetos
em movimentos, e é por este mesmo motivo que deve-se ter o cuidado de não deixar a atenção
voltar-se para algo indesejado à história em uma obra cinematográfica. Já Langford (2009)
cita que um enquadramento pode ter dois pontos de atenção ao mesmo tempo “posicionando-
os em extremos opostos do quadro, de modo que o espectador faça uma leitura de um para
outro fazendo comparações, ciente da distância e do espaço” (LANGFORD, 2009, p. 180).
De qualquer forma, como mostra Brown (1996), a luz direciona o foco de atenção do
espectador, elevando a importância ou desvalorizando certas partes do enquadramento. Isso é
reforçado por Mackendrick (apud MALKIEWICZ, 1986) ao afirmar que a luz pode ser
utilizada para ajudar o olho dos espectadores a seguir um caminho necessário para ajudar na
dramaticidade da história, pois a emoção muitas vezes é contada pela sequência de
enquadramentos mostrados. Também conforme Golovnya (1960 apud ARONOVICH 2004,
p. 98) “A composição cinematográfica é uma composição de montagem; cada primeiro plano
está sempre relacionado com os que o precedem ou os que o seguem”. A composição de um
Figura 16 – Nesta cena de “The Lost Boys” (EUA, 1987) temos o foco de luz
conduzinho a atenção para o centro do quadro. O fato de os outros elementos
estarem levemente iluminados gera curiosidade em relação ao resto da composição.
Fonte: Brown (2002)
35
quadro é o que permite, como mostra Rabiger (2007), criar o envolvimento para expressar o
conteúdo de um filme e envolver o espectador, pois é com o uso correto dos enquadramentos
filmados que se cria a relação entre os personagem e/ou objetos de um filme.
Como mostra Malkiewicz (1986, p. 15, tradução nossa), “Sendo estática ou em
movimento, a tela representa profundidade espacial, ou três dimensões, em uma tela
bidimensional” e, já que, como explica Arnheim (1957), um enquadramento monta uma
composição plana, de duas dimensões, podemos usar as posições “relativas dos corpos”
(ARNHEIM, 1957, p. 44), e o foco para expressar a realidade o mais próximo que o olho-
humano a veria ou falseá-la de acordo com a necessidade de uma cena. Com isso é possível
realizar muitos dos efeitos óticos do cinema, como quando uma coisa em primeiro plano
parece estar junto de um objeto a metros de distância, se enquadrado do ângulo correto,
afirma o autor. Como as imagens de um filme são apresentadas em uma tela plana, Box
(1997) explica que a sensação de distância entre objetos em diferentes profundidades pode se
fazer notar ao espectador de acordo com a relação de contraste que há entre esses dois planos
ou com movimentos de câmera para revelar uma distância, pois a perspectiva e a escala será
modificada.
Como já dito anteriormente, o foco pode ser usado no cinema para atrair ou distrair a
atenção do espectador para um determinado ponto de cena, também colaborando com o drama
da cena quando se busca, por exemplo, “produzir um efeito etéreo, fantasmagórico”, como
afirmam Elin e Lapides (2006, p. 299). O uso seletivo do foco pode ser feito através de lentes
especiais de profundidade de campo reduzida, como as tilt focus ou teleobjetivas deixando,
mesmo que gradativamente, com que “[...] os objetos que estão à frente e atrás do produto ou
do ator pareçam estar embaçados (fora de foco), ao passo que mostra o sujeito com a mais
Figura 17 – Na tradução: “O tamanho relativo aparente de um
objeto no quadro é inversamente proporcional à sua distância
da câmera”.
Fonte: Ward (2003, p. 49, tradução nossa)
36
completa nitidez e fidelidade” (ELIN; LAPIDES, 2006, p. 299). Já as lentes com maior
angulação, explicam os autores, conseguem manter o foco em uma área mais abrangente, mas
que não colaboram com a seleção do ponto de atenção. Langford (2009) denomina essa área
mais abrangente ou restrita de profundidade de campo. Conforme o autor, “Profundidade de
campo é a distância entre as partes mais próximas e mais distantes de um objeto cuja imagem
pode ser reproduzida em detalhes nítidos aceitáveis em uma única configuração de foco da
lente” (LANGFORD, 2009, p. 63).
Segundo Brown (2002) algumas vezes deseja-se desfocar o fundo drasticamente e
manter o enquadramento aberto ao mesmo tempo, o que poderia ser feito distanciando a
câmera dos atores e usando as lentes para aproximar o quadro ou ainda, segundo Langford
(2009), iluminar mais a cena e diminuir a entrada de luz na câmera. Isso desfocaria o fundo,
porém de forma gradual e não uniforme, pois como mostra o autor, quando mais distante do
ponto focal um objeto estiver, mais fora de foco ele estará. Acontece que nem isso é possível,
segundo Brown (2002), quando o espaço físico da locação é fisicamente limitado, quando se
filma com a câmera na mão (deixando a cena muito tremida) ou quando o ambiente a ser
iluminado é grande demais. Langford (2009, p. 63) reafirma que “A profundidade de campo
torna-se menor ao se fazer close-ups e maior quando todo o tema está distante”.
Sobre a posição a câmera, Mascelli (2010, p. 31) destaca que “Toda a vez que se muda
a posição da câmera, o público é reposicionado e passa a observar o fato de um novo ponto de
vista.” Segundo o autor, o tamanho do objeto filmado em relação à câmera determina o
enquadramento, que embora tenham nomes definidos, servem apenas como guia para
padronizar a nomenclatura, pois podem haver variações nos planos. Vamos apresentar agora
Figura 18 – A profundidade de campo
aumenta de acordo com a abertura do
diafragma (entrada de luz permitida nas
lentes).
Fonte: Langford (2009)
Figura 19 – Aqui é possível ver que a zona de foco
aumenta de acordo com o aumento da distância em
relação à câmera, mais para trás do objeto do que para
frente.
Fonte: Ward (2003)
37
os planos dos mais abertos aos mais fechados seguindo as afirmações de Mascelli (2010). O
grande plano geral, como define o autor, deve ser filmado de longe e apresenta uma vasta área
que geralmente precede um plano mais fechado, situando o espectador sobre onde a cena
ocorre. Já o plano geral corresponde a um enquadramento que apresenta a área onde toda a
área de ação ocorrerá, situando o espectador sobre a posição de cada ator e/ou objetos na
cena. Tais planos costumam ser intercalados com enquadramentos mais fechados, geralmente
retornando quando os atores se movimentam, permitindo ao espectador entender o
reposicionamento no recinto.
O plano conjunto, também chamado de plano aberto, apresenta menos detalhes do
cenário, mas ainda tendo o ator por completo em cena. Já o plano médio, também chamado de
plano americano enquadra os atores mostrando dos joelhos para cima ou da cintura para cima.
Este é o mais usado dos planos pelo fato de ser capaz de ao mesmo tempo em que mostra
detalhes dos objetos e atores mantém o espectador situado no cenário, tanto que com ele ainda
é possível utilizar-se de movimentos de câmera com facilidade.
Figura 22 – Exemplo de plano conjunto.
Fonte: Fielding (1985)
Figura 20 – Exemplo de grande plano geral.
Fonte: Mascelli (2010)
Figura 21 – Exemplo de plano geral.
Fonte: Brown (2002)
Figura 23 – Exemplo de plano médio.
Fonte: Mascelli (2010)
38
O plano próximo pode ser visto quando temos em quadro um ator filmado do busto
para cima, enquanto que um close apresenta apenas o rosto dele. Por último, o plano detalhe é
aquele que apresenta objetos muito pequenos ou filma algo muito de perto, mostrando apenas,
como o próprio nome diz, pequenos detalhes do que está sendo filmado.
Mascelli (2010) destaca ainda que o enquadramento pode mudar durante uma cena,
pois os atores e a câmera podem se movimentar, dando outra perspectiva para a cena. Elin e
Lapides (2006) reforçam esse pensamento ao explicar que, além das trocas de
enquadramentos apresentados na edição do filme, os movimentos de câmera também levam o
espectador a compreender a história como um todo quando bem utilizados. É exatamente por
isso que assim ela se torna parte subjetiva da cena, principalmente quando o movimento é
feito com a câmera na mão, como na descrição dos autores:
[...] a câmera se movimenta junto de seu operador, que caminha, corre, ou se
movimenta durante a cena, como se fosse parte integrante dela. Quando o operador
não utiliza equipamentos especiais, normalmente isso causa um efeito tremulante
[...]. Quando o operador utiliza uma steadicam, - um equipamento que estabiliza a
câmera, mesmo quando empurrada de um lado ao outro – essa movimentação com a
câmera na mão fica suave como uma seda. (ELIN; LAPIDES, 2006, p. 300)
Além da distância entre o ator ou objeto filmado e a câmera, é importante, em alguns
casos, aumentar ou diminuir o tamanho do assunto através da altura da câmera, pois esse
cuidado permite “[...] agregar à narrativa nuanças artísticas, dramáticas e psicológicas”
(MASCELLI, 2010, p. 44). Conforme o autor, as câmeras altas, chamadas plongê, são muito
úteis quando se busca modificar a altura ou importância do assunto. Quando temos um ator de
menor estatura e queremos equiparar sua altura com a de outros atores, podemos filmar de
cima e posicionarmos esse menor em um segundo plano, por exemplo, (ELIN; LAPIDES,
2006), assim como ajuda também na compreensão das dimensões de um cenário, pois evita
que um assunto fique na frente do outro diante da câmera, como explica Mascelli (2010) ao
citar o exemplo de uma filmagem de jogo de futebol. O autor ainda ressalta que, quando
Figura 24 – As três imagens acima demonstram, respectivamente: plano próximo, close e plano detalhe.
Fonte: Mascelli (2010)
39
filmados de cima, temos a impressão de ver os personagens como se tivesse menor estatura
ou importância, enquanto Elin e Lapides (2006) explicam que esta altura de câmera “[...] faz
com que o sujeito pareça vulnerável, insignificante” (ELIN; LAPIDES, 2006, p. 297).
Ao contrário do plongê, a câmera posicionada em contraplongê21
costuma aumentar o
tamanho ou a importância do assunto filmado, sendo muito usado para impor certa hierarquia
de um personagem sobre o outro, cita Mascelli (2010). Exatamente da forma contrária do
plongê, o contraplongê também pode ser usado com objetivo de equiparar a altura de dois
personagensm: colocamos o ator de menor estatura em primeiro plano deixando os mais altos
logo atrás, como Elin e Lapides (2006). O uso dessas duas alturas de câmeras pode ser muito
útil para a narrativa da história, mas deve ser usado com cuidado, pois não são ângulos que o
ser humano está acostumado a ver no dia a dia, podendo extrair a atenção do espectador para
fora da história, como mostra Mascelli (2010).
Watts (1999) explica que, para escolha do enquadramento ideal, pode-se valer do uso
do zoom22
da câmera, seja fechando para cortar o que não interessa da cena, seja abrindo para
deixar aparecer alguma informação importante, mas nunca se deve usar o zoom como
movimento de câmera, como um substituto do travelling, pois além de ser desagradável ao
espectador, se seu uso for excessivo pode causar a indesejável sensação que o cenário está
tremendo. Porém, ressalta o autor que, se usado com cautela, ele pode causar um efeito
favorável ao filme, desde que com uma razão que justifique seu uso, geralmente em filmes de
21
No ângulo plongê a câmera é posicionada acima da altura dos olhos do sujeito e no ângulo contraplongê a
câmera é posicionada abaixo da altura dos olhos do ator ou objeto a ser capturado, como Elin e Lapides (2006).
22
Malkiewicz define zoom como “A ampliação de uma determinada área do quadro, trazendo esse trecho da
imagem opticamente para tela e excluindo o resto da estrutura no processo” (MALKIEWICZ, 1973, p. 207,
tradução nossa).
Figura 26 – Exemplo de contraplongê.
Fonte: Brown (2002)
Figura 25 – Exemplo de plongê.
Fonte: Brown (2002)
40
grande movimentação ou em conjunto com outro movimento de câmera, como uma pan23
, por
exemplo. O autor ressalta que não só o zoom deve ter um bom motivo ser usado, mas também
todos os movimentos de câmera, pois quando mal utilizados fazem com que o espectador note
o movimento e perca seu interesse no filme, deixando de ver a “imagem como um todo”
(WATTS, 1999, p. 45). Arnheim (1957) cita a forma como os diálogos foram filmados no
filme “O martírio de Joana d’Arc (“La passion de Jeanne d’Arc”, França 1928), de Carl
Dreyer, como exemplo de mau uso de enquadramentos e movimentos de câmera:
Tentou animar esses episódios, que não possuíam inspiração cinematográfica, pela
variedade de ângulos e enquadramentos. A câmera esteve muito ativa. Focou a
cabeça de Pucelle de cima, obliquamente; depois foi apontada diagonalmente para o
queixo, a seguir enfiou pelas narinas do padre, passou rapidamente pela sua testa
enquadrou-o de frente quando fez uma pergunta, e de lado ao fazer outra pergunta –
em resumo, uma série de magníficos retratos, mas sem o maior ligeiro significado
artístico. Esta representação deficiente em nada contribui para que o espectador
compreenda o julgamento da Donzela; o realizador só o sugestiona superficialmente
para evitar que se aborreça com o que devia ser emocionante. (ARNHEIM, 1957, p.
40)
Anatoli Golovnya (1960 apud ARONOVICH 2004, p. 99) confirma o que Arnheim
disse ao citar que “Um ângulo de câmera escolhido unicamente por considerações estéticas
fará se esvair a obra do ator”, o que é reforçado por Elin e Lapides ao explicar que o ângulo
da câmera pode ser usado para comunicar ao espectador uma “[...] mensagem sutil, mas,
certas vezes, poderosa sobre a importância de algo” (ELIN; LAPIDES, 2005, p. 297).
Mascelli (2010, p. 80) explica que “Os filmes criam e sustentam ilusões. A ilusão é
destruída sempre que o espectador perde a atenção ou o interesse”, ao mesmo tempo em que
Brown (2002) explica que em alguns momentos se deseja mostrar a imagem de forma mais
chapada e apresentar uma imagem com outra profundidade diferente da real. O autor explica
que:
O tamanho relativo é o componente chave para várias ilusões de ótica e o elemento
chave em uma composição para manipular a percepção inconsciente do espectador
diante de um sujeito. [... Ao olharmos um objeto em perspectiva] As partes que
estão mais perto do olho irão aparecer maiores do que aquelas partes mais
distantes, quando uma parte de um objeto está muito mais perto que o resto dele, a
distorção visual nos dá pistas da sua profundidade e tamanho. (BROWN, 2002, p.
35, tradução nossa).
O autor ainda explica que é possível usar a perspectiva de várias formas para criar
uma hierarquia de percepção, fazendo com que o olho seja guiado através do campo visual
apresentado para que o cérebro entenda a composição da maneira desejada. Isso pode ser
23
Movimento horizontal de câmera girando em um mesmo eixo, conforme Malkiewicz (1973).
41
usado quando, como explica Mascelli (2010), se deseja deturpar a impressão que se tem de
algo, pois assim “o público é emocionalmente suscitado por imagens incoerentes”
(MASCELLI, 2010, p. 79).
Percebemos neste sub-capítulo que diversos são os fatores que compõem uma cena
dentro de um enquadramento e somente trabalhando esses elementos de forma integrada e
lógica é que podemos obter um resultado que favoreça a história a ser contada. Langford
(2009, p. 27) disse que “A boa composição ajudará o público a ‘ler’ a fotografia da maneira
que você deseja, comunicando suas idéias com êxito”, mostrando que quando dirigida de
forma inadequada, as ferramentas usadas destacam-se da obra, desvinculando a atenção do
espectador à obra. Até o presente capítulo estudamos a origem da fotografia cinematográfica e
formas de utilização da luz e câmera no cinema como embasamento teórico para compreensão
desta área do cinema. Buscando completar o entendimento desse conteúdo, no próximo
capítulo entenderemos como funciona a concepção criativa de filme através da análise das
funções e trabalho conjunto dos diretores de arte, de cena e de fotografia.
Figura 27 – Deformação através da perspectiva em filmes e
ilustrações é facilmente notada na figura humana.
Fonte: Brown (2002)
42
3 DIRETORES ENVOLVIDOS NA CONCEPÇÃO ARTÍSTICA DA OBRA
CINEMATOGRÁFICA
O diretor de fotografia, em conjunto com o diretor de cena e o diretor de arte, forma
o tripé criativo de uma produção cinematográfica, como explica Moura (2005), ao afirmar que
um filme só pode ser considerado bom quando esses três profissionais trabalharam bem. Filho
(2003) reforça essa teoria ao dizer que o diretor de fotografia:
[...] zela pela qualidade da imagem e auxilia o diretor nos enquadramentos [...], dele
também depende muito da conversa com o diretor, e também do trabalho do diretor
de arte e do cenógrafo. (FILHO, 2003, p. 262)
O autor vai além afirmando que os três devem estar bem afinados, com o mesmo
objetivo em mente: “[...] a história a ser contada e como o diretor pretende fazer isso.”
(FILHO, 2003 p. 241), e é exatamente por isso que o diretor de cena deve sempre deixar claro
para toda a sua equipe como o espectador deve receber essa história. Filho (2003) reforça que
para formar o grupo de profissionais com que irá trabalhar, o diretor de cena deve entender
das outras áreas, podendo assim chamar pessoas que fechem com a proposta do roteiro a ser
filmado. Portanto, no presente capítulo vamos entender melhor qual é o papel de cada um
desses três diretores e como eles trabalham na construção da obra cinematográfica. Desta
forma perceberemos qual é a área de influência de cada um desses profissionais, esclarecendo
até onde vai a autoria de cada um em uma obra cinematográfica, destacando que não
pretendemos nesse trabalho detalhar o que cada um fez no filme analisado. Começaremos,
portanto, a analisar o diretor de fotografia.
Desmembrando a palavra fotografia em busca de sua raiz vemos que fotografar é
escrever (grafar) com a luz (foto), como Storaro24
gostava de ressaltar, segundo Moura
(2005), que procura descrever o diretor de fotografia como “[...] o pintor do quadro dos
outros”, ao citar Mendes (apud MOURA, 2005, p. 209). Segundo o autor, o que diferencia os
diretores de fotografia dos antigos técnicos de iluminação25
é justamente a bagagem cultural
que este deve possuir, necessitando um bom profissional da área estudar, acima de qualquer
parte das artes, a pintura, pois assim como os pintores, o diretor de fotografia é o responsável
24
Vittorio Storaro, diretor de fotografia italiano consagrado em todo o mundo, trabalhou em diversos filmes
como “Último tango em Paris”, de 1972 e “Apocalypse now”, de 1977.
25
Técnicos de iluminação ou simplesmente iluminadores era como se chamavam os predecessores dos diretores
de fotografia, segundo Moura (2005). Já Almendros (1982) destaca que esses técnicos começaram a serem
chamados de diretores de fotografia antes mesmo de estudarem para esta função, tendo alcançado este estágio
somente devido à longa experiência profissional.
43
pela imagem final do quadro. Observando a forma como os pintores cuidam da perspectiva,
dos contrastes e das cores é possível fazer um trabalho mais afinado com a realidade, pois
estes artistas pintavam ser tem uma máquina auxiliando, apesar de alguns usarem os
benefícios da câmara obscura26
, como Vermeer, reforça Almendros (1982). Moura (2005)
ainda explica que não só observando arte é que se formam bons diretores de fotografia, mas
também estudando as escolas de cinema e de fotografia still, como confirma Deschamel
(apud MALKIEWICZ, 1986, p. 5) ao dizer que no processo de concepção visual de um filme
é importante decidir junto do diretor de cena e de arte uma unidade de estilo, facilitando a
comunicação ter o conhecimento de um largo número de pintores e fotógrafos still. Mas
Almendros (1982) vai além afirmando que devem ser estudadas também as teorias científicas
de como a luz se comporta na natureza, como a luz reage quimicamente dentro da câmera e
na hora da revelação, como a geometria matemática pode ajudar a compor um quadro etc,
possibilitando a esse profissional não só o controle artístico como também técnico da obra
cinematográfica.
Embora Moura (2005) alegue que antigamente o diretor de cena era quem operava a
câmera, Martins (2004) alega que essa função sempre foi do diretor de fotografia, que nos
primórdios do cinema tinha como responsabilidade somente a de armazenar através da câmera
a imagem apresentadas, sem mudar enquadramentos e ângulos, sequer algumas vezes
cuidando da iluminação do cenário. Com a evolução do cinema, conforme Moura (2005), o
diretor de cena passou a se preocupar mais com a atuação, deixando a responsabilidade
técnica e estética a cargo do diretor de fotografia, até por que um erro de exposição, por
exemplo, pode fazer com que uma película se encontre totalmente sub ou super-exposta,
invalidando o filme e, consequentemente, todo o trabalho. Dessa maneira, como o cinema
como um todo evoluiu, explica Martins (2004), o fotógrafo de cinema teve que evoluir
também, ganhando não só mais responsabilidades, mas também maior autoria sobre a obra
final. Segundo Moura (2005, p. 250), “É isso que o fotógrafo [cinematográfico] faz com as
imagens do diretor: torna-as concretas, viabiliza-as”, como um grande colaborador na hora de
contar o que é proposto.
Para Moura (2005), sendo o diretor de fotografia o responsável por toda a imagem
que a câmera registra, ele não necessariamente precisa escolher roteiros que dão bons filmes,
mas sim trabalhar em uma estética que funcione para esta história, como complementa Filho
26
Câmara obscura era uma caixa preta fechada com apenas uma entrada de luz, pela qual a imagem enquadrada
por uma pequena lente era projetava em um vidro. Alguns pintores utilizaram esse equipamento para fazer os
esboços antes de iniciar a pintura.
44
(2003) ao dizer que isso deve ser feito de preferência de forma rápida, por isso a importância
do controle técnico e cultural desse profissional. De qualquer forma, “O diretor de fotografia
não acende apenas as luzes do cenário, mas também indica onde pode ter contraluz e quais
são os melhores locais para os atores ficarem ou se movimentarem” (FILHO, 2003, p. 262).
Martins (2004) vai além quando diz que o fotógrafo cinematográfico não é apenas um
especialista em iluminação, devendo usar seu conhecimento e experiência para contar a
mesma história do roteiro:
A contribuição do diretor de fotografia para o resultado de um filme é mais que
puramente técnica. [...] A iluminação tem um papel importantíssimo, estabelecendo
um clímax, enfatizando as emoções, elevando o realismo ou o surrealismo quando
necessário. (MARTINS, 2004, p. 54)
Malkiewicz (1986) explica que a forma como a iluminação é feita pode ajudar ou
atrapalhar o trabalho do diretor de arte, pois alguma parte do cenário, móvel ou figurino que
deveria ter destaque pode acabar por ser desvalorizado dependendo da forma como é
enquadrado ou iluminado. É por isso que, segundo Alendros (1982) o diretor de fotografia
deve também estudar profundamente o roteiro, entendendo as intenções intrínsecas nele, pois
sem isso a fotografia estará contando outra história que não a planejada pelo diretor de cena,
como também mostra Moura (2005, p. 249) ao afirmar que “[...] o fotógrafo melhora o que foi
escolhido pelo diretor.” Lax reforça isso ao citar que “O fotógrafo [cinematográfico], com seu
senso de iluminação e trabalho de câmara, tem que traduzir a visão do diretor no que o
público vê.” (1991 apud MARTINS, 2004 p. 332). Isso por que como a câmera não possui a
mesma capacidade gráfica que o olho humano, o diretor de fotografia deve falsear a cena para
parecer-se com a realidade ou com a fantasia desejada, como Martins (2004) explicando que:
Para o espectador comum, o impacto de uma grande fotografia é frequentemente
subliminar, mas os espectadores mais atentos podem deleitar-se com os planos mais
audaciosos e os pequenos detalhes [...] (MARTINS, 2004, p. 63).
Segundo Malkiewicz (1986) são esses detalhes que normalmente passam
despercebidos também no dia a dia das pessoas e que fazem um determinado diretor de
fotografia ser ruim ou bom: a capacidade de reproduzir os ambientes comuns da vida. De
acordo com Moura (2005), quando o espectador nota o trabalho de fotografia, significa que
ele falhou por estampar a produção por trás da história, e é exatamente por isso que esse
profissional não pode falhar. Conforme Deschanel (apud MALKIEWICZ, 1986, p. 6) um
diretor de fotografia pode extrapolar no uso de luzes desde que a história precise. Se a
narrativa leva a alguma alucinação, por exemplo, uma luz realista não irá levar o espectador a
se fixar no filme, pois em um momento como esses a realidade é uma ficção admitida. O
45
autor completa afirmando que interessa ao diretor de fotografia é não revelar ao espectador a
produção por trás do filme, fazendo o necessário para que a atenção fique na história.
Para Martins (2004) o roteiro é uma história contada conjuntamente pelo diretor de
cena e de fotografia e, por isso, Moura (2005) explica que o diretor de cena, ao escolher quem
irá fotografar uma obra, procura quem acredita que melhor contará a história do filme,
colaborando criativamente e não apenas enquadrando e iluminando às suas ordens. Ao mesmo
tempo, ressalta Malkiewicz (1986), o diretor de cena buscará sempre um diretor de fotografia
que se encaixa no perfil do filme, pois cada profissional deixa suas características impressas
em uma obra, por mais versáteis que sejam. O autor vai além ao explicar que é a partir da
conversa desses dois diretores em cima do roteiro é que o filme começa a tomar forma
conforme eles afinam as idéias para o desenvolvimento do filme, muitas vezes também com o
diretor de arte:
[... Eles] irão discutir a premissa filosófica do filme; como ele deve parecer, que
estrutura ele deve ter, a concepção do estilo, iluminação e cores (MALKIEWICZ,
1986, p. 4, tradução nossa).
O autor ressalta ainda que da mesma forma é muito importante que o diretor de
fotografia trabalhe em conjunto com o diretor de arte, principalmente na pré-produção,
possibilitando que não hajam surpresas durante o set. Alonzo (apud MALKIEWICZ, 1986, p.
11) considera imprescindível tanto para o diretor de cena quanto para o de arte a realização de
testes antes das filmagens, seja de cenário, cabelo, maquiagem, figurino, movimentação nas
diversas luzes e diante das diferentes lentes e enquadramentos que podem vir a serem usados
durante o set, pois cada perspectiva revela diferentes leituras.
Como já comentado anteriormente no presente trabalho o diretor de fotografia é um
profissional com ampla percepção visual sobre a forma como a luz trabalha nos ambientes,
além sensibilidade para composições e mecanismos de filmagem. Portanto, segundo
Aronovich (2004), uma vez que o roteiro é um texto escrito na intenção de produzir uma obra
visual, a interpretação que o diretor de fotografia faz dessa história deve ser seriamente
considerada pelo diretor de cena, sendo ou não o diretor também o roteirista da obra. Isso
também é importante pelo fato que embora alguns diretores de cena gostem de conversar
sobre o estilo visual do filme, outros preferem não se envolver com essa parte da produção,
deixando a cargo do diretor de fotografia toda a estética cinematográfica (ARONOVICH,
2004). Porém, quando se busca uma estética específica, ambos devem trabalhar em conjunto
buscando essa identidade visual, seja através de pinturas, filmes, fotografias ou qualquer outra
forma de “definir esta matéria e esta textura que fazem a particularidade da imagem”, conclui
46
Aronovich (2004, p. 72).
Já sobre o diretor de arte, Baptista (2008) explica que este profissional provindo do
teatro tinha no início do cinema apenas a função de montar os cenários e fornecer os objetos e
móveis que o compunham, assim como nas peças teatrais onde eram chamados de
cenografistas. Hoje os americanos chamam esse profissional de production designer27
, pois
ele exerce uma importante função estética provinda dos estudos de design, indo muito além
do que simplesmente escolher os objetos de cena. Bapstista (2008) explica quando se passou a
ter um departamento de arte nas produções cinematográficas ao citar Barnwell (2004):
A autora britânica Jane Barnwell destaca que um dos momentos mais importantes é
o desenvolvimento do studio-system de Hollywood, que criou um departamento de
arte extremamente organizado, e foi responsável por algumas das iconografias mais
memoráveis na história do cinema. Também enormes contribuições para a direção
de arte vêm da Europa, a partir de 1903, com movimentos diversos, como o
expressionismo alemão, o neo-realismo italiano e a nouvelle-vague francesa,
movimentos que desafiaram a hegemonia de Hollywood. (BAPTISTA, 2008, p. 4)
O diretor de arte não apenas administra seus cenários e objetos em uma obra
cinematográfica, esclarece Baptista (2008), mas também concebe todo conceito visual,
delegando aos seus assistentes28
funções específicas para a construção dessa estética. Kellison
(2007) complementa que o diretor de arte tem responsabilidade com “A textura estética, o
planejamento e o ‘visual’ de uma produção [...]” (KELLISON, 2007, p. 167). Segundo
Rabiger (2007), o diretor de arte deve sempre investigar a fundo os personagens de uma obra,
criando toda a atmosfera necessária para simular a realidade. O autor exemplifica com um
filme29
de época, para o qual foi necessário que os diretores de arte estudassem a fundo como
era a arquitetura, vestimenta e acessórios daquele período, assim como em outro filme30
que
retrata a classe média americana, para o qual foi estudado os hábitos de consumo, costumes e
hobbies.
Moura (2005) destaca a importância das cores na direção de arte, pois são elas que
serão impressas na película, transmitindo sensações muitas vezes inconscientes ao espectador.
Isso é reforçado por Filho (2003) que usa dois exemplos de filmes seus onde em um a diretora
27
Baptista (2008) afirma que o termo production designer somente surgiu na década de 70. Até então esse
profissional era chamado de art director, como hoje no Brasil. A troca do termo nos EUA surgiu devido ao
reconhecimento dado aos designers que trabalhavam nessa área. Hoje, nos EUA, o art director tem como função
compor o cenário de acordo com a concepção do production designer (BAPTISTA, 2008). Segundo Filho
(2003) no cinema brasileiro já há algumas equipes que já usam o termo desenhista de produção para denominar
este profissional responsável pela estética.
28
Baptista (2008) afirma que um diretor de arte pode ter um assistente para as questões burocráticas, outro para
as questões de cor e um para os assuntos referentes à luz, além de um figurinista, uma maquiador, um cenógrafo
e um produtor de objetos.
29
Barry Lyndon, no título original dos EUA, 1975, dirigido por Stanley Kubrick.
30
American Beauty, no título original dos EUA, 1999, dirigido por Sam Mendes.
47
de arte escolheu cores frias e escuras para criar uma atmosfera mais dramática enquanto em
outro optou por cores mais claras que dessem “um ar mais plácido, mais sonhador às cenas”
(FILHO, 2003, p. 244), pois nesse segundo caso o desejo era criar um clima mais tranquilo às
histórias tristes que estavam sendo contadas.
O diretor de arte, conforme Filho (2003), é quem em conjunto com o diretor de cena
compõe a estética visual da obra, definindo o estilo do figurino, como serão os cenários e
sugerindo locações31
. Baptista (2008) vai além ao afirmar que em conjunto com o diretor de
cena e de fotografia deve ser definindo
[...] uma atmosfera única, um approach gráfico, que em cor, em textura, no conjunto
da imagem, produza um estilo característico, com a intenção de situar o filme num
lugar aparte dos trabalhos feitos por qualquer outra equipe de cineastas.
(BAPTISTA, 2008, p. 6)
É função do diretor de arte criar os esboços conceituais de tudo o que lhe diz
respeito, permitindo aos outros membros da equipe do filme visualizar os cenários, os
figurinos e os planos a serem filmados, afirma Baptista (2008), o que é reforçado por Filho
(2003) ao citar que “[...] o diretor de arte deve juntar as informações que lhe foram passadas
[pelo diretor de cena] e objetivar com formas, signos, cores” (FILHO, 2003, p. 245).
De acordo com Moura (2005) os cenários devem ser planejados pensando na
fotografia cinematográfica, pois as luzes do cenário podem também serem usadas para
iluminar a cena, ou então um cenário mal planejado pode acabar por não deixar espaço
nenhum para a iluminação. O que é confirmado por Maliewickz (1986) ao dizer que as fontes
de luz da direção de arte devem servir para justificar a posição dos refletores. Rabiger (2007)
mostra o quanto são importantes os projeto em equipe de direção de arte:
Quando os cenários são construídos, os desenhos se tornam tão específicos quanto
plantas de arquitetura, por que os cenários tem de ser grandes e precisos o bastante
para abrigar a ação, e flexíveis na construção para que determinadas paredes possam
ser retiradas de modo a permitir que a câmera entre no cenário. (RABIGER, 2007, p.
221)
Filho (2003) reforça sobre o assunto dizendo que a direção de arte deve ser
executada de forma a permitir que o diretor de fotografia consiga fazer seu trabalho, assim
como a paleta de cores deve estar afinada para contar a mesma história que os outros diretores
estão contando. Da mesma forma, confirma Wexler (apud MALKIEWICZ, 1996, p. 10), as
texturas dos objetos, materiais do figurino e o formato das paredes dos cenários devem estar
alinhados não só com a história, mas também com o que foi acertado com o diretor de cena e
31
Local de filmagem que não seja em estúdio.
Gregório Kuhn TCC Final
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Gregório Kuhn TCC Final

  • 1. ESCOLA SUPERIOR DE PROPAGANDA E MARKETING TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO PLANO MONOGRÁFICO GREGÓRIO KUHN FOTOGRAFIA CINEMATOGRÁFICA: análise em “Brilho eterno de uma mente sem lembranças”. Porto Alegre 2010
  • 2. GREGÓRIO KUHN FOTOGRAFIA CINEMATOGRÁFICA: análise em “Brilho eterno de uma mente sem lembranças”. Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito para a aprovação na disciplina de TCC II do Curso de Comunicação Social da Escola Superior de Propaganda e Marketing. Orientadora: Prof. Anny Liege Baggiotto Porto Alegre 2010
  • 3. Ficha Catalográfica – Biblioteca ESPM – RS Kuhn, Gregório Fotografia cinematográfica: análise em “Brilho eterno de uma mente sem lembranças”. / Gregório Kuhn, com orientação de Anny Liege Baggiotto, prof. Porto Alegre, 2010. 85 f. : il. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharel em Comunicação Social – Habilitação em Publicidade e Propaganda) − Escola Superior de Propaganda e Marketing, Porto Alegre, 2010. 1. Fotografia cinematográfica. 2. Cinema. 3. Diretor de fotografia. 4. Michel Gondry. 5. Brilho eterno de um mente sem lembranças I. Título. II. Silva, Fabiane. III. Escola Superior de Propaganda e Marketing.
  • 4. ATA DE AVALIAÇÃO DO TCC PELA BANCA EXAMINADORA NOTA FINAL: ________________________ NOME DO ESTUDANTE: _____________________________________________________ TÍTULO DO TCC: __________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________ NOTA ATRIBUÍDA AO TCC: _________ (______________________________) Parecer da Banca Examinadora: __________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________ Data de Realização da Banca Examinadora: ________/_______ de 20______. Professor(a) Orientador(a): __________________________ Ass.: ____________________ Professor(a) Convidado(a): __________________________ Ass.: ____________________ Professor(a) Convidado(a): __________________________ Ass.: ____________________
  • 5. Aos meus pais, que sempre confiaram em meu potencial e investiram na minha busca por conhecimento e formação profissional e principalmente pessoal. Serei para sempre agradecido.
  • 6. AGRADECIMENTOS Agradeço em primeiro lugar à minha orientadora, Anny Baggiotto, que não me guiou somente nesse trabalho de conclusão, mas também como nos mais de três anos em que trabalhei sob sua supervisão. Agradeço também ao Douglas, meu mestre, que insiste em me ensinar sobre direção de fotografia e sobre postura de trabalho, mesmo quando canso de ouvi-lo. Grato fico também pela compreensão que meus amigos tiveram ao continuar comigo durante este processo de formação, mesmo depois do tempo que fiquei isolado para a execução deste trabalho. Devo também agradecer à família Marchesan Cabral, que me adotou coincidentemente nessa última etapa, me tratando praticamente como um filho. Serei sempre grato ao seu carinho. Sobre essa família, agradeço em especial à Tanise, que compartilha comigo o mesmo amor que sinto por ela. Além disso, compartilha a mesma paixão sobre direção de fotografia, trocando bibliografias e conceitos e me incentivando a continuar sempre. Por último, agradeço eternamente à minha família, que sempre me ensinou a ser uma pessoa ética e batalhar pelo que é certo. Minha família também acreditou em mim e investiu não só na minha educação pessoal como profissional, permitindo que eu alcance novos horizontes.
  • 7. A finalidade da técnica é libertar o inconsciente. David Mamet
  • 8. RESUMO O Presente trabalho tem como objetivo analisar as ferramentas da fotografia cinematográfica no filme “Brilho eterno de uma mente sem lembranças”, com o objetivo de compreender a forma como ela foi utilizada com a proposta de utilizar poucas ferramentas de pós-produção. Para isso, foram adquiridos estudos sobre a história da fotografia cinematográfica, técnica, função do fotógrafo cinematográfico e o seu trabalho junto ao diretor de cena e arte. Observou-se a partir das cenas estudadas como com o uso de elementos da ótica e da composição é possível realizar efeitos de transição, transmitir as emoções de personagens e falsear elementos para que pareçam de acordo com o necessário para a história. O fotógrafo cinematográfico mostra-se como uma peça fundamental para a produção de uma obra cinematográfica, uma vez que sua técnica é a base para a grafia criativa e de qualidade na película. Palavras-chave: Fotografia cinematográfica. Cinema. Diretor de fotografia. Brilho eterno de uma mente sem lembranças.
  • 9. ABSTRACT The Present study aims to examine the tools of film photography in the movie "Eternal sunshine of the spotless mind" with the finality of understanding how it was used with the proposal to use few tools of post production. For this, studies were acquired on the history of film photography, technique, function of cinematographer and his work with the stage director and production designer. It was observed from the studied scenes how the use of optical elements and composition can be use to perform transition effects, to convey emotions of characters and to distort elements to appear according to the need for history. The cinematographer shows up as a one of the main professionals for the film production, since their technique is the basis for creative spelling and quality in the film. Keywords: Cinematography, Cinema. Director de photography. Eternal sunshine of spotless mind.
  • 10. SUMÁRIO INTRODUÇÃO ................................................................................................................................... 11   2 FOTOGRAFIA CINEMATOGRÁFICA....................................................................................... 16   2.1 ORIGEM HISTÓRICA DA FOTOGRAFIA CINEMATOGRÁFICA .......................................... 16   2.2 ILUMINAÇÃO CINEMATOGRÁFICA: NATUREZA E INTENSIDADE DA LUZ E USO DAS SOMBRAS E DAS CORES.................................................................................................................. 25   2.3 A CONTRIBUIÇÃO DAS TÉCNICAS DA FOTOGRAFIA CINEMATOGRÁFICA PARA A COMPOSIÇÃO..................................................................................................................................... 33   3 DIRETORES ENVOLVIDOS NA CONCEPÇÃO ARTÍSTICA DA OBRA CINEMATOGRÁFICA ...................................................................................................................... 42   4 METODOLOGIA E ANÁLISE ..................................................................................................... 52   4.1 ESTRATÉGIA METODOLÓGICA ............................................................................................... 52   4.2 FICHA TÉCNICA DE “BRILHO ETERNO DE UMA MENTE SEM LEMBRANÇAS” ........... 54   4.3 ANÁLISE DO FILME .................................................................................................................... 56   5 CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................................................... 77   REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .............................................................................................. 80  
  • 11. 11 INTRODUÇÃO No início da história do cinema a iluminação não contribuía dramaticamente com os filmes, pois estes serviam apenas como registros de cenas cotidianas. Com propósito experimental, o recém criado cinema, em 1895, apresentava imagens em movimento apenas com caráter documental e o iluminador tinha somente a função de difundir uma luz por todo o set, fornecendo “[...] uma certa padronização da quantidade de luz para garantir a exposição adequada, mas não havia a preocupação com sua utilização dramática” (MARTINS, 2004, p.14). Isso não era uma falha, ao contrário, “Quando os efeitos de iluminação sobressaíam na fotografia, isso era considerado um erro técnico” (MARTINS, 2004, p.14). A partir do momento em que o cinema começou a ter mais visibilidade e reconhecimento popular, nasceu a indústria cinematográfica, que passou a investir nesse meio, o que provocou inovações na forma de contar histórias, sendo a iluminação uma das contribuintes para esse acontecimento. Os iluminadores passaram a ter maior liberdade criativa nascendo assim um novo profissional: o diretor de fotografia. Devido a necessidade de retorno financeiro, a recém surgida indústria cinematográfica impulsionou o avanço dos equipamentos de iluminação, que, por serem menos limitados, “influenciaram os estilos e as tendências na cinematografia” (MARTINS, 2004, p.22). Segundo Moura, três são os diretores envolvidos na concepção criativa de um filme, o diretor de fotografia, o diretor de arte e o diretor de cena. O autor explica que atualmente o diretor de fotografia é o responsável por iluminar uma cena de forma que evidencie os devidos objetos e/ou atores que o diretor de cena opta para contar sua história. Além disso, ele é o responsável pela realização do enquadramento e composição do quadro, dos ângulos, movimentos de câmera e perspectiva. Em suma, é o grande realizador da composição estética de um filme, pois é com seu trabalho que se permite o registro de todas as definições artísticas do filme que são construídas em conjunto com os diretores de cena e de arte. Já o diretor de arte (production designer em inglês) é um profissional que também responde por toda a parte estética do filme, como cores do cenário, formas dos objetos e suas posições em cena, texturas e locações quando externa, conforme Rodrigues (2004). Mesmo trabalhando junto com o diretor de cena e de fotografia, fica a cargo do diretor de arte a concepção do storyboard. Ainda segundo o autor (2004), o diretor de arte “é o responsável junto ao diretor de cena pelo visual e ambientação do filme” (RODRIGUES, 2004, p. 80).
  • 12. 12 O diretor de cena é o responsável final pela obra cinematográfica. É ele que, em geral, é considerado o autor da obra, mesmo que não seja ele que escreva o roteiro. Acompanhando a carreira audiovisual de Michel Gondry, diretor de cena do filme tratado no presente trabalho, “Brilho eterno de uma mente sem lembranças” (“Eternal sunshine of a spotless mind”, EUA, 2004), pode-se observar as constantes experimentações de efeitos visuais nos seus trabalhos, optando pelo menor uso possível de pós-produção, como confirma Elen Kuras, diretora de fotografia do filme recém citado ao afirmar que “ao invés de deixar para que a pós-produção faça os efeitos, Michel [Gondry] prefere ele mesmo pensar em como solucionar o problema e ele mesmo fazer (KURAS, 2004). Isso faz com que os trabalhos de Gondry sejam repletos de efeitos óticos, trabalhando com a perspectiva dos objetos e cenários, ângulos de câmeras incomuns, imagens refletidas. Este primeiro filme em que Gondry trabalhou em conjunto com a diretora de fotografia Ellen Kuras e o diretor de arte David Stein conta uma história de amor onde Joel Barish, interpretado por Jim Carrey descobre que sua namorada, Clementine Kruczynski (Kate Winslet) havia apagado todas as lembranças relacionadas a ele. Decepcionado, Joel procura o mesmo tratamento, mas acaba se arrependendo durante o processo de limpeza da memória. Começa aí a luta do personagem para manter seu amor em algum canto secreto de sua memória. Ao mesmo tempo em que essa trama se desenrola no filme (de trás para frente, pois é assim que as memórias são apagadas no filme), um dos funcionários da clínica que está a apagar a memória do personagem principal se envolve com sua (ex) namorada. Não é um romance comum. Em entrevista, o próprio diretor define “É uma história de amor, mas não é como uma comédia romântica. Há elementos de mistério e suspense, e muito sobre os relacionamentos. É sobre as nossas lembranças também” (apud WALSH, 2004). Falando sobre a fotografia do filme, Mestriner (2009) disse: Desfoque, mudanças de luz e perspectivas forçadas são alguns dos truques utilizados por Gondry em Brilho Eterno para melhor expor a idéia principal do roteiro – o esvanecimento de memórias – e criar um clima nostálgico e reconfortante. O filme conta com vários planos-sequência que mostram a interpolação de memórias sobre o fim da relação de Joel com Clementine, criando cenas de fluxo de consciência dentro do plano. (MESTRINGER, 2009) Embora “Brilho eterno de uma mente sem lembranças” tenha sido reconhecido pelo seu roteiro (de Charlie Kaufman) repleto de intensas experiências interpessoais, algo que chama a atenção do espectador ao assistir ao filme é a forma com que foram apresentadas as cenas que ocorrem dentro na memória do personagem principal através do uso criativo da direção de fotografia e de arte. Os efeitos visuais dessa obra são realizados, em sua maioria,
  • 13. 13 no instante da produção, através de efeitos óticos que instigam o espectador. O diretor de cena Spike Jonze (2003) cita que Gondry compara a prestidigitação dos mágicos com os efeitos visuais de uma obra audiovisual, pois enquanto a audiência é induzida a olhar para um lugar é possível fazer truques ilusórios em outro canto da tela, parecendo que nenhum efeito foi usado. Gondry (2004a, tradução nossa) ainda reitera, explicando sobre seu modo de trabalhar: “Algumas pessoas acreditam que quando algo incomum irá acontecer é porque será feito em pós-produção, o que eu acho errado, pois quando algo estranho acontece você deve sentir que, no fundo da sua cabeça, algo errado está acontecendo”. As técnicas desse filme mostram uma retomada aos antigos valores de produção cinematográfica, de forma que são absorvidas ferramentas óticas e fotográficas de resultado imediato. Por tanto, a presente proposta de pesquisa está sustentada na seguinte questão: como os recursos da fotografia cinematográfica1 foram utilizados na produção de “Brilho eterno de uma mente sem lembranças”? O presente trabalho tem como objetivo geral analisar os recursos da fotografia em “Brilho eterno de uma mente sem lembranças”, e, para isso, tem como objetivos específicos, estudar a origem histórica da fotografia cinematográfica, pesquisar como funciona a iluminação cinematográfica, analisar como as técnicas da fotografia cinematográfica contribuem para a composição, estudar as funções dos principais diretores envolvidos na concepção criativa de uma obra cinematográfica e como eles trabalham em conjunto para criar uma estética correspondente à história do filme. É necessário um maior nível de conhecimento teórico e prático de direção de fotografia para que seja possível elaborar/criar/inventar outras formas de produzir efeitos visuais em outros projetos. O estudo destas técnicas possibilita produções audiovisuais mais criativas e mais cativantes para a equipe de produção e para os atores e mais instigantes para o público. Estudante aspirante de direção de fotografia, o autor deste trabalho sente-se estimulado a estudar tal conteúdo, pois passa assim a entender melhor, e cada vez com maior admiração, o funcionamento da profissão que pretende seguir. O presente trabalho possibilitará que profissionais do mercado publicitário e cinematográfico entendam melhor a direção de fotografia e quais são as possibilidades que essa função permite para seus trabalhos. A partir disso é possível trabalhar de forma mais 1 Buscaremos usar o termo fotografia cinematográfica, pois o termo cinematografia, cinematography nos EUA, é usado aqui no Brasil se referindo ao ato de fazer um filme, independente da área do cinema. Também procuramos não usar somente o termo fotografia justamente para diferenciar o tipo de fotografia clássica, estática, sem movimento, usando para esse tipo o termo fotografia still.
  • 14. 14 criativa tornando o mercado audiovisual mais funcional por ser fomentado por novas idéias e, consequentemente, por investimentos, além de causar o aumento do interesse de estudantes de comunicação. Para compreender como os recursos da fotografia cinematográfica foram aplicados no filme em questão, é necessário ter o conhecimento completo do que será analisado. O seguinte capítulo, “Fotografia cinematográfica”, será distribuído com as seguintes subdivisões: sub-capítulo 2.1, onde estudaremos o princípio da direção de fotografia, permitindo compreendermos o que gerou essa profissão e todos os caminhos percorridos até a criação deste ofício (a partir dos autores MARTINS, 2004; OLCOZ, 2005), além do entendimento do que exatamente é o diretor de fotografia e o que consiste seu trabalho nos dias de hoje (a partir dos autores MOURA, 2005; ALMENDROS, 1993). Nos dois sub- capítulos seguintes estudaremos o que os teóricos estudados dizem ser a base da fotografia cinematográfica, permitindo que tenhamos conhecimento teórico/técnico adequado para a próxima etapa. Estudaremos, portanto no sub-capítulo 2.2 a origem da luz em uma fotografia cinematográfica, suas intensidades, uso das sombras e cores e, no sub-capítulo 2.3, como a fotografia cinematográfica contribui para compor o quadro (a partir dos autores MOURA, 2005; LANGFORD, 2009; MINNAERT, 1954; PEDROSA, 2002; SAMUELSON, 1984; HEDGECOE, 1982; RAY 1977; RYAN, 1993; ARNHEIM, 1957, 1980; MALKIEWICZ, 1973, 1986; MASCELLI, 2010; PEDROSA, 2002, HEDGECOE, 1966) Uma das pernas do tripé criativo de uma produção audiovisual, o diretor de fotografia não elabora nenhuma obra sem o trabalho conjunto do diretor de arte e do diretor de cena. Portanto, no capítulo 3, “Diretores envolvidos na concepção artística da obra cinematográfica”, estudaremos como funciona o trabalho desses três profissionais e passaremos a entender como eles e suas equipes trabalham em conjunto para a criação de uma mesma concepção na obra (a partir dos autores MARTINS, 2004; MOURA, 2005; ARONOVICH, 2004; MALKIEWICZ, 1973, 1986; BAPSTISTA, 2010; MAMET, 2002). Com conhecimento teórico mais aprofundado, no capítulo 4 será feita a análise de “Brilho Eterno de uma mente sem lembranças”. No sub-capítulo 4.1 será desenvolvida a estratégia metodológica que mostra que, para a elaboração do tema proposto , será utilizada a vertente de pesquisa qualitativa. Por se tratar de um conteúdo teórico aplicado, de aplicação em um caso particular, no caso o filme, buscaremos conteúdo para análise através da pesquisa exploratória. Para isso utilizaremos de pesquisas do tipo bibliográfica e documental, possibilitando fundamentar a análise de conteúdo. Após apresentar a estratégia metodológica, no sub-capítulo 4.2 entenderemos o que o filme conta em relação ao seu
  • 15. 15 roteiro. Já no sub-capítulo 4.3 juntaremos todo o conhecimento nesse trabalho adquirido e cruzaremos com as cenas do filme em questão, permitindo analisar como os instrumentos da direção de fotografia foram usados para contar a história do filme. (a partir dos autores ROESCH, 1999; BAUER, GASKELL, 2005; BARDIN, 2004; MALKIEWICZ, 1973, 1986; ELIN, LAPIDES, 2006; ARNHEIM, 1957, 1980; LANGFORD, 2009; BROWN, 2002; MARTINS, 2004; ARONOVICH 2004, BAPTISTA, 2008; HEDGECOE, 1966; SAMUELSON, 1984; PAVLUS, 2004; além de conteúdo adquirido através de depoimentos da equipe de produção do filme aqui analisado). Por último serão feitas as considerações finais que demonstrarão como foram cumpridos cada um dos objetivos propostos e de que forma o projeto de pesquisa foi respondido.
  • 16. 16 2 FOTOGRAFIA CINEMATOGRÁFICA Buscando embasamento teórico para posterior análise do filme em questão, no presente capítulo estudaremos a fotografia cinematográfica por três aspectos. Primeiramente sua origem histórica, possibilitando compreender como essa área do cinema se formou e quais foram suas influencias no cinema. Num segundo momento analisaremos do que é constituída a fotografia cinematográfica e numa terceira etapa como esses recursos podem ser utilizados para colaborar para a história a ser contada. 2.1 ORIGEM HISTÓRICA DA FOTOGRAFIA CINEMATOGRÁFICA No presente sub-capítulo buscaremos compreender como surgiu a fotografia cinematográfica e quais foram os fatores que conduziram sua evolução, desde as primeiras necessidades de controle da luz natural até a influência nos principais movimentos artísticos do cinema. Com o surgimento do cinema, em 1888, a baixa velocidade das emulsões2 somente permitia quem fossem filmadas cenas externas, que aproveitassem a forte luz solar (OLCOZ, 2005). Quatorze anos depois Thomas Edison constrói o que foi considerado o primeiro estúdio cinematográfico, o Black Maria, que possuía em sua base uma plataforma giratória que possibilitava buscar a entrada de luz natural mais adequada para cada ambiente dos cenários. Martins (2004) complementa, dizendo que os primeiros estúdios usavam luz natural, pois não haviam refletores fortes o suficiente para imprimir as informações na película. Estes estúdios possuíam clarabóias no teto que se abriam conforme a intensidade de luz desejada dentro do set. Nessa época, para administrar a iluminação, havia uma pessoa responsável por iluminar o cenário que, segundo Martins (2004) era um profissional que deveria apenas fornecer iluminação suficiente para que fosse possível a película gravar as imagens desejadas, sem nenhum objetivo estético, ou seja, a luz deveria ser uniforme, pois era considerado um erro técnico quando a fotografia se sobressaía. Segundo Salomon (2000), na França, a partir de 1906 o cinema começa a se 2 O material usado para produzir a película possuía baixa sensibilidade à luz, fazendo necessário um maior tempo de exposição e/ou maior quantidade de luz para captar a imagem.
  • 17. 17 organizar como indústria. Foi nessa época que, segundo Olcoz (2004), a pessoa que antes era responsável pela entrada de luz no cenário passou a se chamar operador de câmera, também chamado de camera-man ou cinegrafista. Além da entrada de luz no cenário, e consequentemente na câmera, este profissional tinha a maioria das responsabilidades referente a captura do material. Ele era o responsável pela escolha do enquadramento e a marcação no cenário desse enquadramento que a câmera capturava, a escolha dos negativos a serem revelados por seu assistente, segundo Bordwell, Staiger e Thompson (1985 apud OLCOZ 2004). Depois de ser revelado pelo operador de câmera e pelo laboratório, complementa Olcoz (2004) o material filmado era entregue para o diretor, que iria editar o material3 . Bordwell, Staiger e Thompson (1985 apud OLCOZ 2004, p. 349) dizem que foi a partir de 1907 que o operador de câmera e sua equipe passaram a usar efeitos especiais de fotografia. Martins (2004) mostra que Cecil B. DeMille foi um dos primeiros diretores a usar dramaticidade através da fotografia. Em 1915 no filme Pela Nossa Honra (The Warrens of Virginia, EUA) fotografou um espião iluminando apenas metade de seu rosto, intencionando deixar esse personagem escondido na penumbra (MITCHELL, 2006). Segundo Martins (2004) foi a partir dessa inspiração vinda do teatro que a dramaticidade na luz passou a ser usada no cinema. Já Olcoz (2004) alega que na segunda metade do século XX o padrão de iluminação ainda era a luz difusa e regular evitando os pontos de luz excessivos e sombras, mas com um cuidado com os contrastes como veremos adiante nesse sub-capítulo. Rabiger (2003) complementa: 3 Nessa época, segundo Olcoz (2004), os diretores de cena trabalhavam geralmente também como produtores e editores de seus filmes. Figura 1 – Estúdio Black Maria. Fonte: Martins (2004)
  • 18. 18 Todas as línguas seguem convenções, e as que determinam a linguagem cinematográfica começaram a ser desenvolvidas na década de 1908, quando os operadores de câmera e os atores competiam para apresentar histórias elementares ao público pagante. (RABIGER, 2003, p. 34) De acordo com Martins (2004), devido aos longos dias sem sol que impossibilitavam as filmagens, os estúdios americanos que, em sua maioria se situavam em Nova Iorque, no início do século XX passaram a se mudar para Hollywood, em busca de um clima mais ensolarado, além de aos poucos passarem a usar luz artificial. Esse êxodo de Nova Iorque se intensificou com a guerra das patentes que, em 1908, fez com que as produtoras passassem a contrabandear os produtos cinematográficos no México4 . Como mostra o autor, dois anos depois a França se mostrou a frente do resto da Europa ao ser o primeiro país daquele continente a adotar o uso de luzes artificiais, pois, assim como ocorreu no leste norte- americano, as produtoras não podiam esperar pelos longos dias sem sol das estações frias. Foi nessa mesma época que, segundo Martins (2004) começaram a surgir as lâmpadas de vapor de mercúrio, logo substituídas pelos arcos de carbono de baixa intensidade5 . Olcoz (2004) vai além dizendo as lâmpadas de arcos de carbono de baixa intensidade já eram utilizadas no teatro desde 1849, tendo sido usada pela primeira vez no cinema por Georges Méliès em 1897. Olcoz (2004) ainda confirma a informação de Martins (2004) ao explicar que o uso dessas lâmpadas no cinema só se tornou comum realmente por volta de 1905. Martins (2004) conta que essas lâmpadas de arcos de carbono de baixa intensidade foram as primeiras fontes de luz do cinema a possuírem vidros na frente, impedindo que a força delas machucassem os olhos dos atores. 4 A saída de Nova Iorque das produtoras foi intensificada também pelos altos impostos cobrados na cidade. 5 As lâmpadas de vapor de mercúrio emitiam uma luz fria, azulada, enquanto as lâmpadas de arcos de carbono de baixa intensidade emitiam uma luz azul-esverdeada, também difusa. Esta última era usada em geral para simular a luz solar. Figura 2 – Luz de arco de carbono aberto, possibilitando vermos o filamento. Fonte: Olcoz (2004) Figura 3 – Luz de arco de carbono já com vidros na frente. Fonte: Brown (2002)
  • 19. 19 Foi então a partir de 1914 que começaram a serem feitas lâmpadas especialmente para o cinema, mais fortes. Eram as chamadas lâmpadas de carbono de alta intensidade, fornecendo estas uma luz um pouco menos difusa que sua antecessora, encerando a era dos estúdios transparentes de luz natural6 . Com nova tecnologia em mãos, os iluminadores começaram a experimentar luzes refletidas e contra-luzes, conta Olcoz (2004). A hoje chamada sétima arte passava a ser aceita pelo grande público como uma forma de entretenimento, forçando as produtoras a melhorar sua qualidade técnica, complementa Martins (2004). Como em outras áreas do cinema, a fotografia se desenvolveu muito, sendo então criados vários efeitos e estéticas de luz, inclui- se aí também o uso de diferentes planos para ajudar na dramaticidade da história, Martins (2004). Com todo esse refinamento os antes chamados iluminadores passaram a se chamar diretores de fotografia. Este novo profissional, que agora passava apenas a controlar a luz, gerenciava as ações de sua equipe, formada pelos eletricistas e pelos cinegrafistas. Foi então que, segundo Olcoz (2004), passou-se a ter maior preocupação com o contraste e volume da luz, junto com o cuidado que se começou a ter em justificar a origem das fontes de luz. Esses cuidados, ainda segundo o autor, já eram usados na fotografia still7 desde 1900. Mas tais técnicas, como a luz principal, o contra-luz, e a luz de preenchimento chegaram à fotografia cinematográfica somente por volta de 1920. Essas novas formas de iluminar vieram para colaborar com a transição entre sempre usar luz difusa para o uso de luzes mais marcadas, com contrastes mais fortes. Segundo Olcoz (2004), essa transição ocorreu principalmente entre 1914 e 1925. Até 1920 travellings8 e outros movimentos de câmera eram somente utilizados para corrigir o enquadramento quando o objeto filmado estava sair de quadro, como uma paisagem que se procuraria mostrar por inteiro, confirma Olcoz (2004). Foi então durante a segunda década do século 20 que os movimentos de câmera passaram a serem usados para conduzir o olhar para determinada parte da cena. O autor reforça dizendo que essas ferramentas, como travellings e gruas, muito usadas na Alemanha nessa época, facilmente se difundiram no 6 Olcoz (2004) diz que nessa época os estúdios, que antes eram, em sua maioria, constituídas de tetos e/ou paredes de cristal, passaram aos poucos a serem pintados de preto, impedindo a entrada de luz natural. Eram os chamados dark studios. 7 Segundo Moura (2005), fotografia still é a fotografia convencional, de imagens fixas, tiradas a partir de uma câmera fotográfica. Diferente da fotografia cinematográfica da imagem em movimento, onde existem seguidos fotogramas que causam a sensação de sequência animada, a fotografia still possui o que Cartier Bresson chamou de instante mágico, onde através da máquina se congela um momento específico. Diegues (2004) ressalta que a produção de um filme pode contar com a presença de um fotógrafo still para obter-se imagens paradas a serem posteriormente usadas na divulgação. 8 No Brasil se chama travelling o movimento retilíneo ou circular que um carrinho sobre trilhos percorre com a câmera sendo guiado por uma maquinista (ALMENDROS, 1982).
  • 20. 20 mercado hollywoodiano. Embora Thomas Edison, segundo Olcoz (2004), já tenha experimentado o cinema sonoro em seu estúdio Black Maria9 , Martins (2004) conta que por volta de 1927 surgiu o cinema sonoro e que, naquela época, os equipamentos de luz e câmera passaram a disputar espaço no set com os técnicos de som. A maquinaria de luz emitia muitos ruídos e os movimentos das gruas e travellings atrapalhavam a captação de som. Esse fator impulsionou as discussões do cinema mudo versus cinema sonoro. Conforme Gilbert Seldes (1928 apud STAN 2003, p. 76) os defensores do cinema mudo alegavam que ele acabava com toda a técnica e estética adquirida até então, era uma regressão aos modos teatrais. Artaud (1933 apud STAN 2003, p. 76) reforça dizendo que “alertava que o som poderia levar o cinema à adoção de convenções ultrapassadas”. Em um pensamento contrário, Epstein (1975 apud STAN 2003, p. 76) acreditava que o cinema falado tinha “capacidade potencial para complementar a imagem”. De qualquer forma, como a novidade era o que garantia a bilheteria nos cinemas, como mostra Martins (2004), os movimentos de câmera foram banidos e, por isso, foi necessário desenvolver novas formas e tecnologias para a fotografia cinematográfica. Nesse mesmo ano passou-se a usar lâmpadas incandescentes, agora padronizadas pelo mercado. Por volta de 1940 introduziram as lentes de Fresnel nos refletores. Para Martins (2004), com o decorrer do tempo, a fotografia cinematográfica evoluiu com o aprimoramento de suas ferramentas. Todos esses aprimoramentos possibilitaram ao “fotógrafo um controle preciso de luz” (MARTINS, 2004 p. 22). Baseado em películas preto e branco e precedido pelo dadaísmo, o surrealismo é um movimento artístico surgido na década de 1920 na França, com fortes influências das teorias psicanalíticas de Sigmund Freud, buscando a representação do inconsciente e dos sonhos, afirma Bradley (1999). Com inspirações provindas do teatro, o movimento consolidou-se no cinema com o filme Um Cão Andaluz (Un Chien Andalou, França, 1929), de Luís Buñuel e Salvador Dalí, considerado um “manifesto para o cinema surrealista” (BRADLEY, 1999, p. 70), com sua edição desconexa e narrativa que lembrava um sonho, que divergia de outros filmes desse movimento que davam ênfase ao jogo de luz e sombras e outras técnicas cinematográficas. Recentemente David Lynch e Michel Gondry tiveram suas obras tachadas como neo-surrealistas, devido à mistura de sonho e realidade que seus filmes expõem, deturpando a lógica das coisas. Em contraponto, Mamet (2002) cita “A maioria dos filmes 9 Thomas Alva Edison trabalhava com dois diretores, Laurie Dickson e Edmund Kuhn. Junto deles, fez experimentos de captação e projeção em seus filmes de poucos segundos que algumas vezes nem possuíam história, como conta Olcoz, 2004.
  • 21. 21 americanos, por piores e mais claudicantes que sejam, são incrivelmente impressionistas” (MAMET, 2002, p. 26), referindo à forma do cinema americano de justapor uma seqüência de imagens com o intuito de responder a uma pergunta no fim da obra. Ao término da Primeira Guerra Mundial surge, na Alemanha, o expressionismo, escola artística de vida curta, mas com forte intenção de revolucionar os meios de expressão, se caracterizava por distorcer a realidade e assim mostrar como seus criadores viam o mundo (OLCOZ, 2004). Martins (2004) mostra que o que caracterizava esse movimento no cinema era os cenários pintados que geravam profundidade através da perspectiva da pintura em relação à câmera, junto com expressões faciais muitas vezes distorcidas e maquiagem pesada. O autor ainda cita que as luzes marcadas do expressionismo10 , que valorizaram silhuetas distorcidas e rostos escuros em uma metade e claro na outra influenciaram o cinema hollywoodiano “nos anos 1930 e 1940, principalmente os filmes noir e de terror, além do cinema soviético e alguns autores do cinema francês” (MARTINS, 2004, p. 85). Kracauer (1988) confirma ao citar a fotografia cinematográfica do expressionismo: Foi sua natureza expressionista que impeliu muitos diretores de fotografia alemães a criar em sombras tão exuberantes quanto a erva daninha e a associar fantasmas etéreos a arabescos ou a rostos estranhamente iluminados. (KRACAUER 1988 apud MARTINS 2004, p. 85) No início da década de 1940, surge, nos Estados Unidos o chamado cinema noir, um movimento contrário à aspiração americana pela felicidade e perfeição que, segundo Martins (2004) teve: [...] como característica uma narrativa pessimista, onde despontam personagens de caráter questionável, como anti-heróis e mulheres fatais em atmosferas dramáticas. É a vida suja das metrópoles, vivida por pessoas inescrupulosas sob autoridades corruptas: assassinos movidos por neuroses, paranóias, psicoses e, por fim, esquizofrenia, o que justifica seus crimes de maneira, muitas vezes, incerta. (MARTINS, 2004, p. 116) A fotografia cinematográfica dos filmes noir, ao contrário dos filmes americanos da década de 1930 e de acordo com os filmes expressionistas alemães, possuíam alto contraste de luz e cenários quase que completamente tomados pela escuridão11 ou pela fumaça, conforme Martins (2004). Ainda segundo o autor, o cinema noir encontra-se saturado por volta do ano de 1950, onde o público começa a demonstrar interesse por imagens mais realistas, o que impulsionou o estilo neo-realista italiano de iluminar. Tal fato também acabou 10 Além de “sombras pintadas em desarmonia aos efeitos de iluminação” (Martins,2004, p.88). 11 Essa falta de luz na fotografia do cinema noir inclusive ajudava os estúdios a esconder os limites do cenário.
  • 22. 22 por influenciar a fotografia noir, que agora passava a ter contrastes menores. Dessa forma a busca por imagens mais naturais foi também intensificada pelo surgimento do filme colorido. Mesmo sendo estudada e testada durante anos, a cinematografia colorida só começou a despertar o interesse das grandes produtoras com a criação do sistema Technicolor subtrativo de três cores12 , lançado em 1934 através do filme americano Becky Sharp, de Rouben Mamoulian. Segundo Martins (2004), a transição para os filmes coloridos foi lenta, pois para fotografar essas películas era necessária uma intensidade de luz muito maior em comparação com a preto e branco. Isso além de cores levemente distorcidas da realidade e latitude13 reduzida. Em 1938 John Arnold, da Metro-Goldwyn-Mayer, ou MGM, foi enviado à Technicolor para desenvolver melhorias para esse sistema. Trabalhando em conjunto, eles desenvolveram severas melhorias na emulsão14 , no sistema ótico das câmeras e na película Technicolor15 . Esses avanços permitiram aos fotógrafos que refletores de mesma intensidade usadas no preto e branco fossem usados para fotografar os filmes coloridos, pois as agora a capacidade das películas ficara similar (HALLER, 1969). Martins (2004) confirma esse pensamento dizendo: A duplicação da velocidade da Technicolor e a redução simultânea dos níveis de luz exigidos aproximadamente pela metade fizeram com que o diretor de fotografia, se libertasse um pouco da necessidade de adquirir bastante luz relacionada à fotografia colorida. (MARTINS, 2004, p. 26) A produção de filmes coloridos utilizou-se do sistema Technicolor até 1950, quando começaram a surgir as películas coloridas quem combinavam as três camadas de cor em uma só através dos sistemas Agfacolor e Eastmancolor. Este último passou a dominar o mercado pelo fato de utilizar câmeras convencionais, segundo Martins (2004) durante os 60 anos que se passaram, sendo que este mercado chegou a ser disputado com a Fuji Film, mas a Eastman Kodak sempre esteve um passo a frente com tecnologias quem permitem aos fotógrafos uma maior liberdade criativa, embora alguns profissionais prefiram as características das películas Fuji. Até o começo da fotografia colorida, como conta Almendros (1982), a fotografia 12 Esse sistema consistia em juntar três películas, de cores vermelha, verde e azul e registrar as imagens correspondentes à cor filmada em uma película final, a qual era usada para projeção em cinema, já com essas cores. 13 Latitude é a zona na qual a película é capaz de registrar diferenças de contrastes. 14 Emulsão é um produto químico líquido que reage com o material fotossensível, revelando o conteúdo gravado no material sensibilizado (TOMMASELLI, HASEGAWA, GALO, 2002) 15 E o Vento Levou (Gone With The Wind, EUA, 1939), de Victor Fleming, foi o primeiro dos grandes filmes a receber os benefícios dessas melhorias e, por isso, é dito por muitos como o primeiro filme colorido, embora que outros já haviam sido filmados em películas coloridas, inclusive Technicolor (MARTINS, 2004).
  • 23. 23 cinematográfica buscava sempre expressar com fidelidade a realidade dos cenários filmados e os diretores de fotografia se utilizavam apenas de seu conhecimento adquirido através da experiência. Com este mesmo conhecimento, passou-se a experimentar uma estética com luzes e sombras marcadas que, segundo o que autor chamou de neorrealismo, não tinham nenhuma razão de estarem ali. Para Hovald (1962) o neorrealismo é uma interpretação estética de uma realidade regionalista vivida na época em cada parte da Europa. Almendros (1982) cita que foi em 1959 surgiu um grupo de diretores de fotografia que haviam estudado para este ofício surgindo então na França, a nouvelle vague, voltando a usar luzes um pouco mais difusas, essas agora refletidas e sem sombras marcadas. Mourão (2001, p. 52) complementa dizendo que “a nouvelle vague francesa propõe uma nova maneira de produzir e um novo estilo de narrativa que rompe com a estrutura clássica.” Foi nessa época que, segundo Almendros (1982), o uso de fotografia colorida se generalizou a ponto de quase extinguir as películas em preto e branco. Esse novo tipo de fotografia permitiu um trabalho mais fácil para os técnicos de som, que agora não tinham refletores que impediam seu acesso aos atores, até por que os equipamentos fonográficos também haviam evoluído, diminuindo de tamanho, como reforça Martins (2004), quando afirma que o fato de as lentes dos refletores terem sido “padronizadas para controles mais difusos e mais baixos níveis de contrastes” (MARTINS, 2004, p. 21) permitiu aos diretores de fotografia um maior controle das luzes e das sombras. Almendros (1982) conta que esse tipo de fotografia permitia produções mais rápidas e, consequentemente, mais baratas, aumentando muito a quantidade de filmes produzidos nessa época. Esse movimento rapidamente se espalhou pela Europa tendo demorado um pouco a ser usado nos Estados Unidos, influenciando inclusive o neorrealismo. Esse fato ocorreu até o ponto em que as pessoas se mostraram saturadas desse estilo de fotografia, conforme Almendros (1982): O que começou como uma clara reação contra um certo maneirismo fotográfico, como uma atitude contra um cinema tradicional, de imediato havia se tornado um outro conformismo mais uniforme e monótono.(ALMENDROS, 1982, p. 15, tradução nossa) Assim, procuramos descrever até aqui a origem da fotografia cinematográfica, o que causou sua evolução e seus principais movimentos. Essas foram as primeiras escolas da fotografia cinematográfica. Várias outras formas de fotografar foram surgindo, sempre acompanhando a história do cinema e suas evoluções. Cada estética de acordo com os momentos históricos emergentes de seu país de origem, junto com as tecnologias que foram surgindo, sendo elas partidas da fotografia ou por ela absorvidas. Stan (2003) confirma esse
  • 24. 24 pensamento dizendo: [...] a evolução do cinema não pode ser narrada como uma progressão linear de fases e movimentos. O perfil da teoria varia conforme o país e a época, e movimentos e idéias podem ser convergentes em lugar de sucessivos ou mutuamente excludentes. (STAN 2003, p. 16) Assim como nas décadas passadas, no futuro surgirão novas formas de se fotografar e outras tecnologias que complementarão à estética ou se mostrarão como um desafio à fotografia cinematográfica, como no caso da tecnologia HD16 , que torna mais barata uma produção pelo ponto de vista da fotografia, mas aumenta o custo devido à quantidade de finalização (pós-produção) que deve ser feito em cima do material registrado, confirma Aronovich (2004). Mesmo assim a base da fotografia cinematográfica permanecerá a mesma e, conhecê-la permite que entendamos ou façamos parte dessas tendências. Após tratar sobre a história da fotografia cinematográfica, buscaremos no sub-capítulo seguinte abordar sobre os princípios básicos da iluminação dentro de um set de filmagem, que permitem que a luz seja usada da forma correta para se contar a história pretendida. 16 Sigla em inglês para High Definition, ou Alta Definição em português.
  • 25. 25 2.2 ILUMINAÇÃO CINEMATOGRÁFICA: NATUREZA E INTENSIDADE DA LUZ E USO DAS SOMBRAS E DAS CORES No presente sub-capítulo estudaremos a iluminação cinematográfica através três pontos básicos, pois, segundo Moura (2005), de forma simplificada podemos observar a luz através da sua natureza, intensidade e direção. Segundo o autor, a partir desses três fatores essenciais e suas variáveis podemos analisar toda a forma como foi iluminada uma cena: “Todos os problemas de fotografia se resumem a estas questões: onde se coloca o refletor, em que direção, com que força, e de que tipo ele é” (Moura, 2005, p. 19). Conforme Moura (2005), a luz é matéria que se transforma em energia, se dissipando em diferentes formas, como o calor e os fótons, que variam de acordo com a intensidade da fonte dessa energia. Langford (2009) vai além, dando ênfase para quatro características importantes: que ela se move em ondas, que se “propaga em linha reta (dentro de uma substância ou meio uniforme)” (LANGFORD, 2009, p. 42), que se move em grande velocidade e que possui fótons. Esses fótons provocam alterações químicas nos filmes fotográficos e resposta eletrônica nos sensores de câmeras digitais, etc. Quanto mais intensa a luz, mais fótons ela contém. (LARGFORD, 2009, p. 42) Pedrosa (2002) reforça dizendo que todo corpo com moléculas em movimento gera luz e que cabe a capacidade do olho humano captar essa luz ou não. Pedrosa (2002, p. 23) explica que “o elemento determinante para o aparecimento da cor é a luz” e que, diferente da luz, a cor não é constituída de material, sendo “apenas sensação produzida por certas organizações nervosas [do olho] sob a ação da luz” (PEDROSA, 2002, p. 17). Langford (2009) complementa ao citar que as variações de comprimento das ondas de luz são o que formam as diversas cores. Minnaert (1954) afirma ainda que o olho humano interpreta essa cores de acordo com as diferentes difusões com que enxerga cada ponto de luz, semelhante à forma como os artistas que se utilizam da técnica pontilista17 . Bonasio (2002) descreve que cor é a percepção que nossos olhos têm das ondas de luz, que são interpretadas pelo nosso cérebro como sensação de cores, pois cada tom possui um comprimento diferente de onda. Pedrosa (2002) vai além ao afirmar que as cores que o olho humano enxerga são classificadas de duas formas diferentes: cor pigmento e cor luz. Cor 17 Provinda do impressionismo, o pontilhismo é uma técnica de pintura onde pequenos pontos ou manchas de tinta que, por justa posição, permitem aos nossos olhos formar uma imagem só.
  • 26. 26 pigmento18 , segundo Goethe (apud PEDROSA, 2002, p. 17) “[...] são as que podemos criar, fixar em maior ou menor grau e exaltar em determinados objetos e aquelas que atribuímos uma propriedade imanente”, são cores que onde aplicadas fixam-se, chamadas por Pedrosa (2003) de subtrativas, pois a soma de todas elas gera o preto. Já a cor luz, explica o autor, “provém de uma fonte luminosa direta” (PEDROSA, 2003, p. 28). São segundo Villegas (2009) as denominadas cores aditivas pelo fato de a soma das cores luz gerar o branco, seriam suas três cores/luzes em força integral: o vermelho, o verde, e o azul. Ao contrário da cor pigmento, completa o autor, a ausência total das cores nesse espectro é o que gera o preto: quanto mais escuro, mais sombras, menos luz e menos cores. Conforme Ryan (1993), no meio cinematográfico se utiliza o termo temperatura de cor para determinar qual é a cor que uma fonte de luz emite, ou a “Distribuição de Energia Espectral” (RYAN 1993, p. 316). Moura (2005) mostra que na pintura, considerando o efeito psicológico, uma cor fria é branco-azulada e uma luz quente é alaranjada ou amarelada, logo, na fotografia, onde é usada uma medida denominada Kelvin, as luzes azuladas, de sensação fria, são de alta temperatura e as alaranjadas, de sensação quente, são de baixa temperatura. Ryan (1993) explica que a medida Kelvin, usada para mensurar a temperatura de cor de luz, é “na verdade a escala Centígrada (Celsius) absoluta, medida por graus Centígrados (Celsius) mais 273 graus” (RYAN, 1993, p. 316, tradução nossa). Moura (2005) mostra que o nome da escala veio em homenagem ao criador dela, Lorde Kelvin, que percebeu que uma barra de ferro preta mudava de cor de acordo com temperatura que nela era aplicada, mudando da cor laranja, seguida de amarelo até branco, conforme a temperatura aumentava, como 18 Segundo Pedrosa (2003), ao tratar das cores pigmento primárias, essas são sub-divididas em opacas e transparentes. As opacas são constituídas por vermelho, amarelo e azul, “são as cores de superfície de determinadas matérias químicas, produzidas pela propriedade dessas matérias de absorver, refletir ou refratar os raios luminosos incidentes” (PEDROSA, 2003, p. 30). Já as cores transparentes são formadas por magenta, amarelo e ciano, “são as cores de superfície produzidas pela propriedade de alguns corpos químicos de filtrar os raios luminosos incidentes, por efeitos de absorção, reflexão e transparência” (PEDROSA, 2003, p. 30). Figura 4 – Modelo de cor luz (ou aditivo) Fonte: Brown (2002) Figura 5 – Modelo de cor pigmento (ou subtrativo) Fonte: Brown (2002)
  • 27. 27 complementa Ryan (1993). De forma simplificada, segundo Moura (2005, p. 155) “para ficar azul, foi aquecido a 5500ºK. Amarelo, a 3200ºK”, sendo as lâmpadas de cinema balanceadas em 3200ºK usadas para cenas internas (casa, escritório etc) e as de 5500ºK para simular a luz do sol, como os refletores HMI. Conforme Kellison (2007), “Uma cena externa pode ser filmada à noite, mas iluminada de forma que o espectador ache que é dia, e vice-versa.” (KELLISON, 2007, p. 199). Para o correto uso das temperaturas de cor, a câmera deve ser regulada de acordo com a temperatura de cor luz em uso, através do ajuste do balanço de branco. Isso é explicado por Villegas (2009) na seguinte afirmação: O balanço de branco indica a cor da luz sob a qual estamos capturando a imagem. O olho humano se adapta rapidamente às diferentes temperaturas de cor, interpretando o elemento mais brilhante da cena como branco e definindo as outras cores de acordo. (VILLEGAS, 2009, p. 37) Figura 6 – Refletor HMI em um tripé, com suas lentes, cabos e balast. Fonte: Box (1997) Figura 7 – Temperaturas de cor em Kelvins e o filtro necessário para correção de cor de acordo com a película usada, onde T (tungstênio) é o correto para baixas temperaturas e D (daylight) é o correto para altas temperaturas de cor. Fonte: Langford (2009)
  • 28. 28 Para facilitar isso, Moura (2005) explica que as temperaturas de cor das fontes de luz podem ser modificadas através do uso de folhas de gelatinas especiais, que corrigem essa cor luz emitida para a desejada, da mesma forma que é possível usar gelatinas de efeito19 . Da mesma forma é possível ser usado na frente das lentes da câmera filtros que uniformizam as cores de toda a imagem. Mas como explica Malkiewicz (1973), as temperaturas de cor podem também ser usadas para criar luzes incomuns não necessariamente visando a fidelidade com o real: Muitas vezes, o uso criativo das cores não visa o realismo, ou a situação justifica uma fonte de luz com cores diferentes da temperatura de cor adequada. Nesses casos, os filtros de gelatina podem ser usados sobre as fontes de luz (MALKIEWICZ, 1973, p. 87, tradução nossa). Como podemos ver através de Trigo (1998), a qualidade da luz altera a reprodução das cores no dia a dia e a forma como as cores atuam sobre a película de um filme, variando de acordo com o local, a hora e os fatores metereológicos. Hedgecoe (1996, p. 60) vai além ao afirmar que a difusão da cor é influenciada pela qualidade da luz: “Basicamente, a cor difusa carece da saturação integral associada a matizes fortes e vibrantes. Esse efeito redutor da saturação pode ser o resultado da chuva, da neblina ou da névoa, quando as partículas no ar dispersam a luz e as cores tendem a se misturar ou a se fundir.” O autor ainda completa ao dizer que luzes difusas, típicas de dias nublados, tendem a chapar as cores, atenuando as diferenças entre tons. Brown (1996) destaca que a forma como a iluminação é feita em uma produção cinematográfica deve levar em consideração como as pessoas percebem determinadas informações: “Os valores culturais (escuridão associada com o mal, clareza com o bem), os efeitos psicológicos (o vermelho é quente, o azul é frio) e memória (magenta brilhante para por do sol, âmbar oscilante para lareira)” (BROWN, 1996, p. 12, tradução nossa), pois isso 19 Gelatinas de efeito são idênticas as de correção de cor, porém servem para mudar a cor de uma fonte de luz para uma cor luz não comum na natureza, como as luzes verdes, roxas ou avermelhadas, como Moura (2005). Figura 8 - Ao ser colocado na frente da câmera, o filtro iguala as cores luz. Fonte: Brown (2002) Figura 9 – Filtro de balanceamento de cor da luz padroniza para as altas luzes. Fonte: Brown (2002)
  • 29. 29 guiará o espectador no decorrer da história. Tal assunto é reforçado por Elin e Lapides (2006) ao explicar que a iluminação de uma cena ajuda a definir seu tom dramático: “Talvez mais do que qualquer outro elemento visual, a iluminação cria o clima da cena” (ELIN; LAPIDES, 2006, p. 302), o que é reafirmado por Kellison (2007), explicando que a iluminação permite criar uma atmosfera dramática ou de comédia, delimitando inclusive o que é imaginário e real numa história e também por Brown (1996) ao citar que “A luz é o fator chave para estabelecer humor, tempo e atmosfera”. No cinema, uma iluminação clara e uniforme geralmente é usada para cenas mais tranqüilas, muitas vezes procurando passar alguma sensação de felicidade ao espectador (ELIN; LAPIDES, 2006, p. 302). Conforme os autores esse tipo de iluminação reduz a sensação de tri-dimensionalidade, além de dar “pouco destaque a qualquer elemento da cena.” Já uma iluminação mais escura, com partes da cena cobertas pela penumbra causa certa ansiedade ou tensão no espectador, que não vê todas as informações por completo, como afirmam Elin e Lapides (2006, p.302): “Nossa tendência é associar esse tipo de cena a um clima mais sério, dramático ou romântico.” Segundo Alonzo (apud MALKIEWICZ, 1986, p. 8) para que a dramaticidade da fotografia cinematográfica escolhida para cada cena funcione no filme como um todo, o diretor de fotografia deve tomar o cuidado de manter uma unidade de estilo, uma vez que um filme leva, em geral, meses para ser filmado, além de quase sempre ser produzido fora da ordem cronológica da história. Afinal, completa o autor, se cada cena ou plano do filme for fotografado de forma diferente das outras, o espectador perderá a noção de continuidade da história. Outro aspecto importante é explicado por Malkiewicz (1986) ao afirmar que uma obra cinematográfica é uma projeção plana de uma visão tri-dimensional, onde o contraste entre as áreas claras e escuras é o que determina a sensação de profundidade. Arnheim (1957) confirma ao citar: Uma das propriedades da fotografia é representar sólidos como figuras planas. Esta dedução das três dimensões para duas dimensões é uma necessidade que os artistas transformam em qualidades. (ARNHEIM, 1957, p. 43). Para que um objeto se destaque do fundo, conforme Arnheim (1957), as tonalidades das cores devem ser suficientemente divergentes umas das outras, seja através de uma luz no fundo de um objeto escuro ou a sombra desse objeto em um fundo claro, por exemplo. Quanto maior for a distância entre uma fonte de luz e o objeto a ser iluminado, menor força essa luz terá sobre esse objeto e, por isso, o tamanho e intensidade dessa fonte também deve ser levado em consideração, como Moura (2005). Conforme o autor, supondo que um
  • 30. 30 refletor de luz dura estivesse iluminando uma pessoa ao longe: poderíamos perceber que sua sombra, embora fraca, seria grande em relação a essa pessoa. Ao aproximarmos esse refletor da pessoa, sua sombra ficaria mais forte, isso por que o refletor iria aumentar de tamanho em relação à pessoa, aumentando também a sombra dessa pessoa. Da mesma forma, se colocarmos uma luz difusa perto dessa pessoa, ela não causará sombras. Agora, se colocarmos essa mesma fonte de luz a uma distância maior, ela passará a funcionar como uma fonte de luz dura e, por isso, causaria sombras. Segundo Moura (2005) isso acontece por que ela passa ser, em relação ao objeto iluminado, apenas uma fonte de luz pontual, menor e mais fraca. O autor (2005, p. 52) observa que “a natureza da luz também é influenciada pela distância”, assim como a sua intensidade no objeto iluminado. Como a luz se propaga em linha reta até que um obstáculo barre sua trajetória, ao iluminarmos uma cena devemos levar em consideração se queremos sua sombra e com que intensidade, pois ao mesmo tempo em que ela pode ser muito importante em um filme surrealista, ela poderia estragar uma cena onde se pretende, por exemplo, deixar uma atriz mais jovem, como mostra Moura (2005), que ilustra: Como fazer aparecer as crateras e montanhas da luz? Certamente não é iluminando de frente, como na lua cheia. No tentando, na meia-lua, vêem-se as montanhas e as crateras. A luz do sol, ao iluminar apenas a metade da luz, faz, ao mesmo tempo, aparecerem todos os outros volumes. As montanhas projetam agora longas sombras e têm um nítido relevo. (MOURA, 2005, p. 53) Aronovich (2004) complementa dizendo que ao buscar uma luz dura, não deve ser colocado nenhum difusor entre o refletor e o objeto a ser iluminado e não equilibrar as partes escuras, além de usar a sensibilidade de película de forma a aumentar a profundidade do preto. Sobre a luz difusa, o autor explica que quanto mais a luz é difundida, mais ela se Figura 10 – Nesta laranja, sendo iluminada de lado, vemos a textura da casca. Fonte: Alton (1995) Figura 11 – Já nesta outra laranja, iluminada de frente, as texturas ficam menos perceptíveis. Fonte: Alton (1995)
  • 31. 31 espalha e menor é o controle que há sobre ela, recomendando colocar filtros na frente da lente da câmera buscando diminuir o contraste. Moura (2005) reforça o que Aronovich (2004) diz sobre o controle da luz difusa, explicando que uma luz dura é facilmente difusível (basta rebate-la), mas que uma luz originalmente difusa é dificilmente transformada em luz dura, pois ela perde força quando rebatida. Arhneim (1980) complementa quando explica que as sombras dos próprios objetos criam contrastes nele, permitindo-nos percebermos sua tri-dimensionalidade em uma projeção de duas dimensões, assim como as sombras projetadas nos levam sempre ao objeto que a origina. Por isso, deve haver muita cautela com o uso das sombras, pois além do tom dramático de uma cena, elas auxiliam a conceber a forma das coisas e revelar sua disposição no quadro, como Arhnein (1980). Outro ponto importante da iluminação cinematográfica são os três tipos de origem da luz destacados por Moura (2005): as luzes diretas (de refletores abertos ou com vidros na frente), as rebatidas e as filtradas. Como mostra o autor em linhas práticas, os abertos não possuem vidros na frente e, por isso, geram uma luz mais dura, com sombras mais marcadas. Ainda segundo o autor, os refletores que possuem um vidro na frente se dividem em lâmpadas Fresnel, que mantém a luz em feixe, PAR, onde a luz se concentra por meio de um espelho parabólico, ou elipsoidal, com lentes e espelhos elipsoidais, também conhecidos por canhões de luz no teatro. Moura (2005) mostra que as luzes de origem rebatida possuem duas divisões: os soft lights, que são refletores com rebatedores internos, e as todas as luzes diretas que podem ser apontadas para qualquer superfície que rebata luz, como placas de isopor, rebatedores de cor prata ou dourado, butterflys com panos brancos etc. Seguindo a ordem do autor, ainda temos Figura 12 – Refletor Fresnel. Fonte: Brown (2002) Figura 13 – Refletor PAR (nome devido ao seu refletor parabólico). Fonte: Brown (2002)
  • 32. 32 as luzes filtradas, que passam por materiais difusores ou por gelatinas20 . Brown (1996) explica a importância da luz para a compreensão das formas ao citar que “A luz revela forma para nós. Em conjunto com a perspectiva e os efeitos de consistência, entendemos a forma do mundo físico a partir de como luz e sombra incidem sobre ele” (BROWN, 1996, p. 11, tradução nossa) É, portanto, importante entendermos como a fonte da luz, a intensidade de luz e sombras são interligadas e para isso vale destacar o pensamento de Malkiewicz (1973): Uma fonte de luz pode ser descrita como dura ou suave, dependendo do tipo de sombra que ela cria. A luz que viaja direto do filamento do bulbo [da lâmpada] para o objeto em questão apenas com uma lente os separando irá, em geral, causar sombras profundas e definidas. Se a luz é rebatida em alguma superfície reflexiva, ou difundida por algum material translúcido suspenso entre a luz e o objeto, a sombra irá parecer mais fraca e menos profunda (MALKIEWICZ, 1973, p. 86, tradução nossa). Percebemos dessa forma como o controle da natureza e direção da luz e suas sombras são o princípio básico da fotografia cinematográfica, sendo possível, a partir do uso prático desses três fatores, iluminarmos cenas que transmitam as idéias previstas pela proposta do roteiro a ser filmado. Mas não só de iluminação é feita a fotografia cinematográfica. No próximo sub-capítulo veremos como o uso correto da câmera pode ser usado junto com a iluminação a favor da história a ser contada, seja através do uso das sombras ou da perspectiva do enquadramento que a câmera captura. 20 Conforme Moura (2005) as gelatinas usadas no cinema são folhas de densidade neutra ou coloridas para correção de temperatura de cor. Figura 14 – Em cima, uma fonte de luz direta sobre um sujeito. Abaixo vemos tanto no rosto como na “parede” como a sombra fica menos drástica após passar por um difusor. Fonte: Langford (2009) Figura 15 – As sombra geradas por uma luz rebatida são semelhantes às de uma luz filtrada. Fonte: Langford (2009)
  • 33. 33 2.3 A CONTRIBUIÇÃO DAS TÉCNICAS DA FOTOGRAFIA CINEMATOGRÁFICA PARA A COMPOSIÇÃO. Composição e enquadramento são elementos inerentes, tanto que Hedgecoe (1982, p. 175) afirma que “A composição refere-se à disposição dos elementos da imagem, de modo a obter um efeito unificado”. Arnheim (1957) reforça dizendo que o enquadramento é uma técnica que deve ser usada para se obter o resultado favorável à história a ser contada, revelando somente o que for adequado no momento certo. O ator cita que “o elemento surpresa só pode obter-se quando a cena é vista de uma determinada posição” (ARNHEIM, 1957, p. 38), ressaltando ainda que o enquadramento é um elemento auxiliar que deve ser usado ao compor uma imagem: como os objetos em questão são apresentados dentro de um quadro limitado, a composição é a forma como apresentaremos esses objetos dentro de um enquadramento, seja com a relação espacial entre eles ou com o uso das sombras. Arnheim (1957) explica que por volta de 1930 é que inicia a preocupação com o enquadramento no cinema, pois até então a câmera deveria permanecer estática como a representante da platéia de uma peça de teatro. De acordo com Moura (2005) em um set de filmagem a primeira coisa que um diretor de fotografia deve fazer em um set é posicionar a câmera, pois sem ter o enquadramento pré-definido corre-se o risco de iluminar algo que não entrará em quadro ou deixar de iluminar algo. Isto é reafirmado por Arnheim (1957) quando diz que “um ângulo de câmera habilmente escolhido pode produzir uma impressão viva não só de um objeto isolado, mas também de toda a encenação” (ARNHEIM, 1957, p. 49). Já Moura (2005) ressalta que, para a escolha da melhor posição de câmera para uma cena, devem se levar em consideração os outros elementos que ajudam a contar a história, que ele explica no trecho: “Se não sentirmos alguma intenção, alguma curiosidade escondida atrás de alguma coisa, faltou uma segundo ponto de interesse” (MOURA, 2005, p. 389). Arnheim (1957) destaca que muitas vezes no cinema as posições de câmera são usadas apenas com objetivo estético, não contribuindo para a história a ser contada, o que não pode acontecer em um bom filme que preza pela arte. Moura (2005) reforça esse pensamento dizendo que “metade da boa fotografia está no quadro. Um quadro malfeito compromete a fotografia. O fotógrafo que for capaz de influenciar o enquadramento sem prejudicar a cena melhora a fotografia” (MOURA, 2005, p. 406). Falando sobre o dia a dia das pessoas, Arnheim (1957) explica que “dos objetos que nos rodeiam só vemos os estritamente necessários ao nosso objetivo” (ARNHEIM, 1957, p.
  • 34. 34 42) e que, portanto, para que o conteúdo da obra artística seja compreendido é preciso induzir a atenção às partes do quadro adequadas para a história, revelando, muitas vezes, uma forma de olhar pela qual o espectador não está acostumado. Complementa Watts (1999, p. 91) quando diz que “a cena em torno de cada ponto de interesse está fora do foco e em visão periférica”, tanto que, como esclarece Arnheim (1957), muitas vezes, a composição, feita através do enquadramento e iluminação, faz com que uma coisa comum para os olhos possa ser vista como algo novo. Brown (1996) reforça isso ao afirmar que “A luz pode ser visualmente unificante ou divisora, delineando as relações de composição e grupos” (BROWN, 1996, p. 12). Sobre o mesmo tema Watts (1999) comenta que, como os olhos não têm mais de um ponto de interesse ao mesmo tempo, a visão segue os pontos de luz mais fortes e os objetos em movimentos, e é por este mesmo motivo que deve-se ter o cuidado de não deixar a atenção voltar-se para algo indesejado à história em uma obra cinematográfica. Já Langford (2009) cita que um enquadramento pode ter dois pontos de atenção ao mesmo tempo “posicionando- os em extremos opostos do quadro, de modo que o espectador faça uma leitura de um para outro fazendo comparações, ciente da distância e do espaço” (LANGFORD, 2009, p. 180). De qualquer forma, como mostra Brown (1996), a luz direciona o foco de atenção do espectador, elevando a importância ou desvalorizando certas partes do enquadramento. Isso é reforçado por Mackendrick (apud MALKIEWICZ, 1986) ao afirmar que a luz pode ser utilizada para ajudar o olho dos espectadores a seguir um caminho necessário para ajudar na dramaticidade da história, pois a emoção muitas vezes é contada pela sequência de enquadramentos mostrados. Também conforme Golovnya (1960 apud ARONOVICH 2004, p. 98) “A composição cinematográfica é uma composição de montagem; cada primeiro plano está sempre relacionado com os que o precedem ou os que o seguem”. A composição de um Figura 16 – Nesta cena de “The Lost Boys” (EUA, 1987) temos o foco de luz conduzinho a atenção para o centro do quadro. O fato de os outros elementos estarem levemente iluminados gera curiosidade em relação ao resto da composição. Fonte: Brown (2002)
  • 35. 35 quadro é o que permite, como mostra Rabiger (2007), criar o envolvimento para expressar o conteúdo de um filme e envolver o espectador, pois é com o uso correto dos enquadramentos filmados que se cria a relação entre os personagem e/ou objetos de um filme. Como mostra Malkiewicz (1986, p. 15, tradução nossa), “Sendo estática ou em movimento, a tela representa profundidade espacial, ou três dimensões, em uma tela bidimensional” e, já que, como explica Arnheim (1957), um enquadramento monta uma composição plana, de duas dimensões, podemos usar as posições “relativas dos corpos” (ARNHEIM, 1957, p. 44), e o foco para expressar a realidade o mais próximo que o olho- humano a veria ou falseá-la de acordo com a necessidade de uma cena. Com isso é possível realizar muitos dos efeitos óticos do cinema, como quando uma coisa em primeiro plano parece estar junto de um objeto a metros de distância, se enquadrado do ângulo correto, afirma o autor. Como as imagens de um filme são apresentadas em uma tela plana, Box (1997) explica que a sensação de distância entre objetos em diferentes profundidades pode se fazer notar ao espectador de acordo com a relação de contraste que há entre esses dois planos ou com movimentos de câmera para revelar uma distância, pois a perspectiva e a escala será modificada. Como já dito anteriormente, o foco pode ser usado no cinema para atrair ou distrair a atenção do espectador para um determinado ponto de cena, também colaborando com o drama da cena quando se busca, por exemplo, “produzir um efeito etéreo, fantasmagórico”, como afirmam Elin e Lapides (2006, p. 299). O uso seletivo do foco pode ser feito através de lentes especiais de profundidade de campo reduzida, como as tilt focus ou teleobjetivas deixando, mesmo que gradativamente, com que “[...] os objetos que estão à frente e atrás do produto ou do ator pareçam estar embaçados (fora de foco), ao passo que mostra o sujeito com a mais Figura 17 – Na tradução: “O tamanho relativo aparente de um objeto no quadro é inversamente proporcional à sua distância da câmera”. Fonte: Ward (2003, p. 49, tradução nossa)
  • 36. 36 completa nitidez e fidelidade” (ELIN; LAPIDES, 2006, p. 299). Já as lentes com maior angulação, explicam os autores, conseguem manter o foco em uma área mais abrangente, mas que não colaboram com a seleção do ponto de atenção. Langford (2009) denomina essa área mais abrangente ou restrita de profundidade de campo. Conforme o autor, “Profundidade de campo é a distância entre as partes mais próximas e mais distantes de um objeto cuja imagem pode ser reproduzida em detalhes nítidos aceitáveis em uma única configuração de foco da lente” (LANGFORD, 2009, p. 63). Segundo Brown (2002) algumas vezes deseja-se desfocar o fundo drasticamente e manter o enquadramento aberto ao mesmo tempo, o que poderia ser feito distanciando a câmera dos atores e usando as lentes para aproximar o quadro ou ainda, segundo Langford (2009), iluminar mais a cena e diminuir a entrada de luz na câmera. Isso desfocaria o fundo, porém de forma gradual e não uniforme, pois como mostra o autor, quando mais distante do ponto focal um objeto estiver, mais fora de foco ele estará. Acontece que nem isso é possível, segundo Brown (2002), quando o espaço físico da locação é fisicamente limitado, quando se filma com a câmera na mão (deixando a cena muito tremida) ou quando o ambiente a ser iluminado é grande demais. Langford (2009, p. 63) reafirma que “A profundidade de campo torna-se menor ao se fazer close-ups e maior quando todo o tema está distante”. Sobre a posição a câmera, Mascelli (2010, p. 31) destaca que “Toda a vez que se muda a posição da câmera, o público é reposicionado e passa a observar o fato de um novo ponto de vista.” Segundo o autor, o tamanho do objeto filmado em relação à câmera determina o enquadramento, que embora tenham nomes definidos, servem apenas como guia para padronizar a nomenclatura, pois podem haver variações nos planos. Vamos apresentar agora Figura 18 – A profundidade de campo aumenta de acordo com a abertura do diafragma (entrada de luz permitida nas lentes). Fonte: Langford (2009) Figura 19 – Aqui é possível ver que a zona de foco aumenta de acordo com o aumento da distância em relação à câmera, mais para trás do objeto do que para frente. Fonte: Ward (2003)
  • 37. 37 os planos dos mais abertos aos mais fechados seguindo as afirmações de Mascelli (2010). O grande plano geral, como define o autor, deve ser filmado de longe e apresenta uma vasta área que geralmente precede um plano mais fechado, situando o espectador sobre onde a cena ocorre. Já o plano geral corresponde a um enquadramento que apresenta a área onde toda a área de ação ocorrerá, situando o espectador sobre a posição de cada ator e/ou objetos na cena. Tais planos costumam ser intercalados com enquadramentos mais fechados, geralmente retornando quando os atores se movimentam, permitindo ao espectador entender o reposicionamento no recinto. O plano conjunto, também chamado de plano aberto, apresenta menos detalhes do cenário, mas ainda tendo o ator por completo em cena. Já o plano médio, também chamado de plano americano enquadra os atores mostrando dos joelhos para cima ou da cintura para cima. Este é o mais usado dos planos pelo fato de ser capaz de ao mesmo tempo em que mostra detalhes dos objetos e atores mantém o espectador situado no cenário, tanto que com ele ainda é possível utilizar-se de movimentos de câmera com facilidade. Figura 22 – Exemplo de plano conjunto. Fonte: Fielding (1985) Figura 20 – Exemplo de grande plano geral. Fonte: Mascelli (2010) Figura 21 – Exemplo de plano geral. Fonte: Brown (2002) Figura 23 – Exemplo de plano médio. Fonte: Mascelli (2010)
  • 38. 38 O plano próximo pode ser visto quando temos em quadro um ator filmado do busto para cima, enquanto que um close apresenta apenas o rosto dele. Por último, o plano detalhe é aquele que apresenta objetos muito pequenos ou filma algo muito de perto, mostrando apenas, como o próprio nome diz, pequenos detalhes do que está sendo filmado. Mascelli (2010) destaca ainda que o enquadramento pode mudar durante uma cena, pois os atores e a câmera podem se movimentar, dando outra perspectiva para a cena. Elin e Lapides (2006) reforçam esse pensamento ao explicar que, além das trocas de enquadramentos apresentados na edição do filme, os movimentos de câmera também levam o espectador a compreender a história como um todo quando bem utilizados. É exatamente por isso que assim ela se torna parte subjetiva da cena, principalmente quando o movimento é feito com a câmera na mão, como na descrição dos autores: [...] a câmera se movimenta junto de seu operador, que caminha, corre, ou se movimenta durante a cena, como se fosse parte integrante dela. Quando o operador não utiliza equipamentos especiais, normalmente isso causa um efeito tremulante [...]. Quando o operador utiliza uma steadicam, - um equipamento que estabiliza a câmera, mesmo quando empurrada de um lado ao outro – essa movimentação com a câmera na mão fica suave como uma seda. (ELIN; LAPIDES, 2006, p. 300) Além da distância entre o ator ou objeto filmado e a câmera, é importante, em alguns casos, aumentar ou diminuir o tamanho do assunto através da altura da câmera, pois esse cuidado permite “[...] agregar à narrativa nuanças artísticas, dramáticas e psicológicas” (MASCELLI, 2010, p. 44). Conforme o autor, as câmeras altas, chamadas plongê, são muito úteis quando se busca modificar a altura ou importância do assunto. Quando temos um ator de menor estatura e queremos equiparar sua altura com a de outros atores, podemos filmar de cima e posicionarmos esse menor em um segundo plano, por exemplo, (ELIN; LAPIDES, 2006), assim como ajuda também na compreensão das dimensões de um cenário, pois evita que um assunto fique na frente do outro diante da câmera, como explica Mascelli (2010) ao citar o exemplo de uma filmagem de jogo de futebol. O autor ainda ressalta que, quando Figura 24 – As três imagens acima demonstram, respectivamente: plano próximo, close e plano detalhe. Fonte: Mascelli (2010)
  • 39. 39 filmados de cima, temos a impressão de ver os personagens como se tivesse menor estatura ou importância, enquanto Elin e Lapides (2006) explicam que esta altura de câmera “[...] faz com que o sujeito pareça vulnerável, insignificante” (ELIN; LAPIDES, 2006, p. 297). Ao contrário do plongê, a câmera posicionada em contraplongê21 costuma aumentar o tamanho ou a importância do assunto filmado, sendo muito usado para impor certa hierarquia de um personagem sobre o outro, cita Mascelli (2010). Exatamente da forma contrária do plongê, o contraplongê também pode ser usado com objetivo de equiparar a altura de dois personagensm: colocamos o ator de menor estatura em primeiro plano deixando os mais altos logo atrás, como Elin e Lapides (2006). O uso dessas duas alturas de câmeras pode ser muito útil para a narrativa da história, mas deve ser usado com cuidado, pois não são ângulos que o ser humano está acostumado a ver no dia a dia, podendo extrair a atenção do espectador para fora da história, como mostra Mascelli (2010). Watts (1999) explica que, para escolha do enquadramento ideal, pode-se valer do uso do zoom22 da câmera, seja fechando para cortar o que não interessa da cena, seja abrindo para deixar aparecer alguma informação importante, mas nunca se deve usar o zoom como movimento de câmera, como um substituto do travelling, pois além de ser desagradável ao espectador, se seu uso for excessivo pode causar a indesejável sensação que o cenário está tremendo. Porém, ressalta o autor que, se usado com cautela, ele pode causar um efeito favorável ao filme, desde que com uma razão que justifique seu uso, geralmente em filmes de 21 No ângulo plongê a câmera é posicionada acima da altura dos olhos do sujeito e no ângulo contraplongê a câmera é posicionada abaixo da altura dos olhos do ator ou objeto a ser capturado, como Elin e Lapides (2006). 22 Malkiewicz define zoom como “A ampliação de uma determinada área do quadro, trazendo esse trecho da imagem opticamente para tela e excluindo o resto da estrutura no processo” (MALKIEWICZ, 1973, p. 207, tradução nossa). Figura 26 – Exemplo de contraplongê. Fonte: Brown (2002) Figura 25 – Exemplo de plongê. Fonte: Brown (2002)
  • 40. 40 grande movimentação ou em conjunto com outro movimento de câmera, como uma pan23 , por exemplo. O autor ressalta que não só o zoom deve ter um bom motivo ser usado, mas também todos os movimentos de câmera, pois quando mal utilizados fazem com que o espectador note o movimento e perca seu interesse no filme, deixando de ver a “imagem como um todo” (WATTS, 1999, p. 45). Arnheim (1957) cita a forma como os diálogos foram filmados no filme “O martírio de Joana d’Arc (“La passion de Jeanne d’Arc”, França 1928), de Carl Dreyer, como exemplo de mau uso de enquadramentos e movimentos de câmera: Tentou animar esses episódios, que não possuíam inspiração cinematográfica, pela variedade de ângulos e enquadramentos. A câmera esteve muito ativa. Focou a cabeça de Pucelle de cima, obliquamente; depois foi apontada diagonalmente para o queixo, a seguir enfiou pelas narinas do padre, passou rapidamente pela sua testa enquadrou-o de frente quando fez uma pergunta, e de lado ao fazer outra pergunta – em resumo, uma série de magníficos retratos, mas sem o maior ligeiro significado artístico. Esta representação deficiente em nada contribui para que o espectador compreenda o julgamento da Donzela; o realizador só o sugestiona superficialmente para evitar que se aborreça com o que devia ser emocionante. (ARNHEIM, 1957, p. 40) Anatoli Golovnya (1960 apud ARONOVICH 2004, p. 99) confirma o que Arnheim disse ao citar que “Um ângulo de câmera escolhido unicamente por considerações estéticas fará se esvair a obra do ator”, o que é reforçado por Elin e Lapides ao explicar que o ângulo da câmera pode ser usado para comunicar ao espectador uma “[...] mensagem sutil, mas, certas vezes, poderosa sobre a importância de algo” (ELIN; LAPIDES, 2005, p. 297). Mascelli (2010, p. 80) explica que “Os filmes criam e sustentam ilusões. A ilusão é destruída sempre que o espectador perde a atenção ou o interesse”, ao mesmo tempo em que Brown (2002) explica que em alguns momentos se deseja mostrar a imagem de forma mais chapada e apresentar uma imagem com outra profundidade diferente da real. O autor explica que: O tamanho relativo é o componente chave para várias ilusões de ótica e o elemento chave em uma composição para manipular a percepção inconsciente do espectador diante de um sujeito. [... Ao olharmos um objeto em perspectiva] As partes que estão mais perto do olho irão aparecer maiores do que aquelas partes mais distantes, quando uma parte de um objeto está muito mais perto que o resto dele, a distorção visual nos dá pistas da sua profundidade e tamanho. (BROWN, 2002, p. 35, tradução nossa). O autor ainda explica que é possível usar a perspectiva de várias formas para criar uma hierarquia de percepção, fazendo com que o olho seja guiado através do campo visual apresentado para que o cérebro entenda a composição da maneira desejada. Isso pode ser 23 Movimento horizontal de câmera girando em um mesmo eixo, conforme Malkiewicz (1973).
  • 41. 41 usado quando, como explica Mascelli (2010), se deseja deturpar a impressão que se tem de algo, pois assim “o público é emocionalmente suscitado por imagens incoerentes” (MASCELLI, 2010, p. 79). Percebemos neste sub-capítulo que diversos são os fatores que compõem uma cena dentro de um enquadramento e somente trabalhando esses elementos de forma integrada e lógica é que podemos obter um resultado que favoreça a história a ser contada. Langford (2009, p. 27) disse que “A boa composição ajudará o público a ‘ler’ a fotografia da maneira que você deseja, comunicando suas idéias com êxito”, mostrando que quando dirigida de forma inadequada, as ferramentas usadas destacam-se da obra, desvinculando a atenção do espectador à obra. Até o presente capítulo estudamos a origem da fotografia cinematográfica e formas de utilização da luz e câmera no cinema como embasamento teórico para compreensão desta área do cinema. Buscando completar o entendimento desse conteúdo, no próximo capítulo entenderemos como funciona a concepção criativa de filme através da análise das funções e trabalho conjunto dos diretores de arte, de cena e de fotografia. Figura 27 – Deformação através da perspectiva em filmes e ilustrações é facilmente notada na figura humana. Fonte: Brown (2002)
  • 42. 42 3 DIRETORES ENVOLVIDOS NA CONCEPÇÃO ARTÍSTICA DA OBRA CINEMATOGRÁFICA O diretor de fotografia, em conjunto com o diretor de cena e o diretor de arte, forma o tripé criativo de uma produção cinematográfica, como explica Moura (2005), ao afirmar que um filme só pode ser considerado bom quando esses três profissionais trabalharam bem. Filho (2003) reforça essa teoria ao dizer que o diretor de fotografia: [...] zela pela qualidade da imagem e auxilia o diretor nos enquadramentos [...], dele também depende muito da conversa com o diretor, e também do trabalho do diretor de arte e do cenógrafo. (FILHO, 2003, p. 262) O autor vai além afirmando que os três devem estar bem afinados, com o mesmo objetivo em mente: “[...] a história a ser contada e como o diretor pretende fazer isso.” (FILHO, 2003 p. 241), e é exatamente por isso que o diretor de cena deve sempre deixar claro para toda a sua equipe como o espectador deve receber essa história. Filho (2003) reforça que para formar o grupo de profissionais com que irá trabalhar, o diretor de cena deve entender das outras áreas, podendo assim chamar pessoas que fechem com a proposta do roteiro a ser filmado. Portanto, no presente capítulo vamos entender melhor qual é o papel de cada um desses três diretores e como eles trabalham na construção da obra cinematográfica. Desta forma perceberemos qual é a área de influência de cada um desses profissionais, esclarecendo até onde vai a autoria de cada um em uma obra cinematográfica, destacando que não pretendemos nesse trabalho detalhar o que cada um fez no filme analisado. Começaremos, portanto, a analisar o diretor de fotografia. Desmembrando a palavra fotografia em busca de sua raiz vemos que fotografar é escrever (grafar) com a luz (foto), como Storaro24 gostava de ressaltar, segundo Moura (2005), que procura descrever o diretor de fotografia como “[...] o pintor do quadro dos outros”, ao citar Mendes (apud MOURA, 2005, p. 209). Segundo o autor, o que diferencia os diretores de fotografia dos antigos técnicos de iluminação25 é justamente a bagagem cultural que este deve possuir, necessitando um bom profissional da área estudar, acima de qualquer parte das artes, a pintura, pois assim como os pintores, o diretor de fotografia é o responsável 24 Vittorio Storaro, diretor de fotografia italiano consagrado em todo o mundo, trabalhou em diversos filmes como “Último tango em Paris”, de 1972 e “Apocalypse now”, de 1977. 25 Técnicos de iluminação ou simplesmente iluminadores era como se chamavam os predecessores dos diretores de fotografia, segundo Moura (2005). Já Almendros (1982) destaca que esses técnicos começaram a serem chamados de diretores de fotografia antes mesmo de estudarem para esta função, tendo alcançado este estágio somente devido à longa experiência profissional.
  • 43. 43 pela imagem final do quadro. Observando a forma como os pintores cuidam da perspectiva, dos contrastes e das cores é possível fazer um trabalho mais afinado com a realidade, pois estes artistas pintavam ser tem uma máquina auxiliando, apesar de alguns usarem os benefícios da câmara obscura26 , como Vermeer, reforça Almendros (1982). Moura (2005) ainda explica que não só observando arte é que se formam bons diretores de fotografia, mas também estudando as escolas de cinema e de fotografia still, como confirma Deschamel (apud MALKIEWICZ, 1986, p. 5) ao dizer que no processo de concepção visual de um filme é importante decidir junto do diretor de cena e de arte uma unidade de estilo, facilitando a comunicação ter o conhecimento de um largo número de pintores e fotógrafos still. Mas Almendros (1982) vai além afirmando que devem ser estudadas também as teorias científicas de como a luz se comporta na natureza, como a luz reage quimicamente dentro da câmera e na hora da revelação, como a geometria matemática pode ajudar a compor um quadro etc, possibilitando a esse profissional não só o controle artístico como também técnico da obra cinematográfica. Embora Moura (2005) alegue que antigamente o diretor de cena era quem operava a câmera, Martins (2004) alega que essa função sempre foi do diretor de fotografia, que nos primórdios do cinema tinha como responsabilidade somente a de armazenar através da câmera a imagem apresentadas, sem mudar enquadramentos e ângulos, sequer algumas vezes cuidando da iluminação do cenário. Com a evolução do cinema, conforme Moura (2005), o diretor de cena passou a se preocupar mais com a atuação, deixando a responsabilidade técnica e estética a cargo do diretor de fotografia, até por que um erro de exposição, por exemplo, pode fazer com que uma película se encontre totalmente sub ou super-exposta, invalidando o filme e, consequentemente, todo o trabalho. Dessa maneira, como o cinema como um todo evoluiu, explica Martins (2004), o fotógrafo de cinema teve que evoluir também, ganhando não só mais responsabilidades, mas também maior autoria sobre a obra final. Segundo Moura (2005, p. 250), “É isso que o fotógrafo [cinematográfico] faz com as imagens do diretor: torna-as concretas, viabiliza-as”, como um grande colaborador na hora de contar o que é proposto. Para Moura (2005), sendo o diretor de fotografia o responsável por toda a imagem que a câmera registra, ele não necessariamente precisa escolher roteiros que dão bons filmes, mas sim trabalhar em uma estética que funcione para esta história, como complementa Filho 26 Câmara obscura era uma caixa preta fechada com apenas uma entrada de luz, pela qual a imagem enquadrada por uma pequena lente era projetava em um vidro. Alguns pintores utilizaram esse equipamento para fazer os esboços antes de iniciar a pintura.
  • 44. 44 (2003) ao dizer que isso deve ser feito de preferência de forma rápida, por isso a importância do controle técnico e cultural desse profissional. De qualquer forma, “O diretor de fotografia não acende apenas as luzes do cenário, mas também indica onde pode ter contraluz e quais são os melhores locais para os atores ficarem ou se movimentarem” (FILHO, 2003, p. 262). Martins (2004) vai além quando diz que o fotógrafo cinematográfico não é apenas um especialista em iluminação, devendo usar seu conhecimento e experiência para contar a mesma história do roteiro: A contribuição do diretor de fotografia para o resultado de um filme é mais que puramente técnica. [...] A iluminação tem um papel importantíssimo, estabelecendo um clímax, enfatizando as emoções, elevando o realismo ou o surrealismo quando necessário. (MARTINS, 2004, p. 54) Malkiewicz (1986) explica que a forma como a iluminação é feita pode ajudar ou atrapalhar o trabalho do diretor de arte, pois alguma parte do cenário, móvel ou figurino que deveria ter destaque pode acabar por ser desvalorizado dependendo da forma como é enquadrado ou iluminado. É por isso que, segundo Alendros (1982) o diretor de fotografia deve também estudar profundamente o roteiro, entendendo as intenções intrínsecas nele, pois sem isso a fotografia estará contando outra história que não a planejada pelo diretor de cena, como também mostra Moura (2005, p. 249) ao afirmar que “[...] o fotógrafo melhora o que foi escolhido pelo diretor.” Lax reforça isso ao citar que “O fotógrafo [cinematográfico], com seu senso de iluminação e trabalho de câmara, tem que traduzir a visão do diretor no que o público vê.” (1991 apud MARTINS, 2004 p. 332). Isso por que como a câmera não possui a mesma capacidade gráfica que o olho humano, o diretor de fotografia deve falsear a cena para parecer-se com a realidade ou com a fantasia desejada, como Martins (2004) explicando que: Para o espectador comum, o impacto de uma grande fotografia é frequentemente subliminar, mas os espectadores mais atentos podem deleitar-se com os planos mais audaciosos e os pequenos detalhes [...] (MARTINS, 2004, p. 63). Segundo Malkiewicz (1986) são esses detalhes que normalmente passam despercebidos também no dia a dia das pessoas e que fazem um determinado diretor de fotografia ser ruim ou bom: a capacidade de reproduzir os ambientes comuns da vida. De acordo com Moura (2005), quando o espectador nota o trabalho de fotografia, significa que ele falhou por estampar a produção por trás da história, e é exatamente por isso que esse profissional não pode falhar. Conforme Deschanel (apud MALKIEWICZ, 1986, p. 6) um diretor de fotografia pode extrapolar no uso de luzes desde que a história precise. Se a narrativa leva a alguma alucinação, por exemplo, uma luz realista não irá levar o espectador a se fixar no filme, pois em um momento como esses a realidade é uma ficção admitida. O
  • 45. 45 autor completa afirmando que interessa ao diretor de fotografia é não revelar ao espectador a produção por trás do filme, fazendo o necessário para que a atenção fique na história. Para Martins (2004) o roteiro é uma história contada conjuntamente pelo diretor de cena e de fotografia e, por isso, Moura (2005) explica que o diretor de cena, ao escolher quem irá fotografar uma obra, procura quem acredita que melhor contará a história do filme, colaborando criativamente e não apenas enquadrando e iluminando às suas ordens. Ao mesmo tempo, ressalta Malkiewicz (1986), o diretor de cena buscará sempre um diretor de fotografia que se encaixa no perfil do filme, pois cada profissional deixa suas características impressas em uma obra, por mais versáteis que sejam. O autor vai além ao explicar que é a partir da conversa desses dois diretores em cima do roteiro é que o filme começa a tomar forma conforme eles afinam as idéias para o desenvolvimento do filme, muitas vezes também com o diretor de arte: [... Eles] irão discutir a premissa filosófica do filme; como ele deve parecer, que estrutura ele deve ter, a concepção do estilo, iluminação e cores (MALKIEWICZ, 1986, p. 4, tradução nossa). O autor ressalta ainda que da mesma forma é muito importante que o diretor de fotografia trabalhe em conjunto com o diretor de arte, principalmente na pré-produção, possibilitando que não hajam surpresas durante o set. Alonzo (apud MALKIEWICZ, 1986, p. 11) considera imprescindível tanto para o diretor de cena quanto para o de arte a realização de testes antes das filmagens, seja de cenário, cabelo, maquiagem, figurino, movimentação nas diversas luzes e diante das diferentes lentes e enquadramentos que podem vir a serem usados durante o set, pois cada perspectiva revela diferentes leituras. Como já comentado anteriormente no presente trabalho o diretor de fotografia é um profissional com ampla percepção visual sobre a forma como a luz trabalha nos ambientes, além sensibilidade para composições e mecanismos de filmagem. Portanto, segundo Aronovich (2004), uma vez que o roteiro é um texto escrito na intenção de produzir uma obra visual, a interpretação que o diretor de fotografia faz dessa história deve ser seriamente considerada pelo diretor de cena, sendo ou não o diretor também o roteirista da obra. Isso também é importante pelo fato que embora alguns diretores de cena gostem de conversar sobre o estilo visual do filme, outros preferem não se envolver com essa parte da produção, deixando a cargo do diretor de fotografia toda a estética cinematográfica (ARONOVICH, 2004). Porém, quando se busca uma estética específica, ambos devem trabalhar em conjunto buscando essa identidade visual, seja através de pinturas, filmes, fotografias ou qualquer outra forma de “definir esta matéria e esta textura que fazem a particularidade da imagem”, conclui
  • 46. 46 Aronovich (2004, p. 72). Já sobre o diretor de arte, Baptista (2008) explica que este profissional provindo do teatro tinha no início do cinema apenas a função de montar os cenários e fornecer os objetos e móveis que o compunham, assim como nas peças teatrais onde eram chamados de cenografistas. Hoje os americanos chamam esse profissional de production designer27 , pois ele exerce uma importante função estética provinda dos estudos de design, indo muito além do que simplesmente escolher os objetos de cena. Bapstista (2008) explica quando se passou a ter um departamento de arte nas produções cinematográficas ao citar Barnwell (2004): A autora britânica Jane Barnwell destaca que um dos momentos mais importantes é o desenvolvimento do studio-system de Hollywood, que criou um departamento de arte extremamente organizado, e foi responsável por algumas das iconografias mais memoráveis na história do cinema. Também enormes contribuições para a direção de arte vêm da Europa, a partir de 1903, com movimentos diversos, como o expressionismo alemão, o neo-realismo italiano e a nouvelle-vague francesa, movimentos que desafiaram a hegemonia de Hollywood. (BAPTISTA, 2008, p. 4) O diretor de arte não apenas administra seus cenários e objetos em uma obra cinematográfica, esclarece Baptista (2008), mas também concebe todo conceito visual, delegando aos seus assistentes28 funções específicas para a construção dessa estética. Kellison (2007) complementa que o diretor de arte tem responsabilidade com “A textura estética, o planejamento e o ‘visual’ de uma produção [...]” (KELLISON, 2007, p. 167). Segundo Rabiger (2007), o diretor de arte deve sempre investigar a fundo os personagens de uma obra, criando toda a atmosfera necessária para simular a realidade. O autor exemplifica com um filme29 de época, para o qual foi necessário que os diretores de arte estudassem a fundo como era a arquitetura, vestimenta e acessórios daquele período, assim como em outro filme30 que retrata a classe média americana, para o qual foi estudado os hábitos de consumo, costumes e hobbies. Moura (2005) destaca a importância das cores na direção de arte, pois são elas que serão impressas na película, transmitindo sensações muitas vezes inconscientes ao espectador. Isso é reforçado por Filho (2003) que usa dois exemplos de filmes seus onde em um a diretora 27 Baptista (2008) afirma que o termo production designer somente surgiu na década de 70. Até então esse profissional era chamado de art director, como hoje no Brasil. A troca do termo nos EUA surgiu devido ao reconhecimento dado aos designers que trabalhavam nessa área. Hoje, nos EUA, o art director tem como função compor o cenário de acordo com a concepção do production designer (BAPTISTA, 2008). Segundo Filho (2003) no cinema brasileiro já há algumas equipes que já usam o termo desenhista de produção para denominar este profissional responsável pela estética. 28 Baptista (2008) afirma que um diretor de arte pode ter um assistente para as questões burocráticas, outro para as questões de cor e um para os assuntos referentes à luz, além de um figurinista, uma maquiador, um cenógrafo e um produtor de objetos. 29 Barry Lyndon, no título original dos EUA, 1975, dirigido por Stanley Kubrick. 30 American Beauty, no título original dos EUA, 1999, dirigido por Sam Mendes.
  • 47. 47 de arte escolheu cores frias e escuras para criar uma atmosfera mais dramática enquanto em outro optou por cores mais claras que dessem “um ar mais plácido, mais sonhador às cenas” (FILHO, 2003, p. 244), pois nesse segundo caso o desejo era criar um clima mais tranquilo às histórias tristes que estavam sendo contadas. O diretor de arte, conforme Filho (2003), é quem em conjunto com o diretor de cena compõe a estética visual da obra, definindo o estilo do figurino, como serão os cenários e sugerindo locações31 . Baptista (2008) vai além ao afirmar que em conjunto com o diretor de cena e de fotografia deve ser definindo [...] uma atmosfera única, um approach gráfico, que em cor, em textura, no conjunto da imagem, produza um estilo característico, com a intenção de situar o filme num lugar aparte dos trabalhos feitos por qualquer outra equipe de cineastas. (BAPTISTA, 2008, p. 6) É função do diretor de arte criar os esboços conceituais de tudo o que lhe diz respeito, permitindo aos outros membros da equipe do filme visualizar os cenários, os figurinos e os planos a serem filmados, afirma Baptista (2008), o que é reforçado por Filho (2003) ao citar que “[...] o diretor de arte deve juntar as informações que lhe foram passadas [pelo diretor de cena] e objetivar com formas, signos, cores” (FILHO, 2003, p. 245). De acordo com Moura (2005) os cenários devem ser planejados pensando na fotografia cinematográfica, pois as luzes do cenário podem também serem usadas para iluminar a cena, ou então um cenário mal planejado pode acabar por não deixar espaço nenhum para a iluminação. O que é confirmado por Maliewickz (1986) ao dizer que as fontes de luz da direção de arte devem servir para justificar a posição dos refletores. Rabiger (2007) mostra o quanto são importantes os projeto em equipe de direção de arte: Quando os cenários são construídos, os desenhos se tornam tão específicos quanto plantas de arquitetura, por que os cenários tem de ser grandes e precisos o bastante para abrigar a ação, e flexíveis na construção para que determinadas paredes possam ser retiradas de modo a permitir que a câmera entre no cenário. (RABIGER, 2007, p. 221) Filho (2003) reforça sobre o assunto dizendo que a direção de arte deve ser executada de forma a permitir que o diretor de fotografia consiga fazer seu trabalho, assim como a paleta de cores deve estar afinada para contar a mesma história que os outros diretores estão contando. Da mesma forma, confirma Wexler (apud MALKIEWICZ, 1996, p. 10), as texturas dos objetos, materiais do figurino e o formato das paredes dos cenários devem estar alinhados não só com a história, mas também com o que foi acertado com o diretor de cena e 31 Local de filmagem que não seja em estúdio.