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Apoio
As histórias e os personagens do mundo das instalações elétricas
Volume 3
Apoio
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índice
grandes questões
Choques elétricos ainda são realidade no Brasil e no mundo.
Como o corpo reage à eletricidade e métodos para evitar a
fuga de corrente são objetos desta reportagem.
história
A origem e a difusão dos fusíveis e dos disjuntores,
dispositivos de proteção fundamentais às instalações elétricas
em todos os níveis de tensão.
biografia
As aventuras e as contribuições do engenheiro português
Armando Reis Miranda para as instalações elétricas brasileiras.
dentro da lei
Presente em praticamente todos os países e em todos os
segmentos econômicos, a pirataria e a contrafação de produtos
têm uma longa história, diferentemente das Leis que as
coíbem, que são relativamente recentes.
evolução
Dos árduos e cansativos projetos elétricos desenhados a mão
em papéis de seda aos rápidos e também eficazes softwares
de projetos. Como o avanço tecnológico conferiu enérgicas e
profundas transformações à profissão do projetista.
identidade
As raízes culturais do Brasil são uma das justificativas para a
despreocupação do brasileiro com normas, leis e regulamentos
técnicos. Veja como o comportamento baseado no “jeitinho
brasileiro” acaba comprometendo, muitas vezes, a qualidade
de projetos e das instalações elétricas, afetando, de modo
geral, o desenvolvimento do País.
descontração
Jogo desafia o leitor a identificar os sete erros na instalação
elétrica ilustrada
Diretores
Adolfo Vaiser
José Guilherme Leibel Aranha
Gerência de planejamento
Sergio Bogomoltz
sergio@atitudeeditorial.com.br
Circulação
Emerson Cardoso
emerson@atitudeeditorial.com.br
Marina Marques
marina@atitudeeditorial.com.br
Administração
Paulo Martins Oliveira Sobrinho
adm@atitudeeditorial.com.br
Jornalista responsável
Flávia Lima
MTB 40.703
flavia@atitudeeditorial.com.br
Coordenador técnico
Hilton Moreno
Direção de arte e produção
Leonardo Piva
leo.piva@terra.com.br
Colaboradores
Bruno Moreira, Leonardo Faria,
Mauro Júnior, Sergio Bogomoltz
Revisão
Gisele Folha Mós
Publicidade
Diretor comercial
Adolfo vaiser
adolfo@atitudeeditorial.com.br
Contatos Publicitários
Ana Maria Rancoleta
anamaria@atitudeeditorial.com.br
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Capa
Kanji Design
Impressão
Gráfica Ipsis
Distribuição
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Rua Piracuama, 280 cj. 72 / Pompéia
CEP 05017-040 / São Paulo - SP
Fone/Fax - (11) 3872-4404
www.atitudeeditorial.com.br
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expediente
8
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30
22
18
12
06-07
cartaaoleitor
Hilton Moreno, engenheiro eletricista, consultor
e presidente da Associação Nacional de
Fabricantes de Produtos Elétricos - Nema Brasil
Caro amigo(a) do setor de instalações elétricas,
	 Começo esta carta agradecendo mais uma vez a todos que continuam
apoiando o projeto da Coleção Elétrica, seja por meio de mensagens
eletrônicas, cartas, telefonemas ou durante conversas pessoais. Fico
também muito feliz por saber que novos colegas passaram a receber e
apreciar o conteúdo desta publicação.
	 Permanentemente estimulados pelos leitores e motivados a trazer
novos e úteis conhecimentos aos profissionais, preparamos para esta
terceira edição da Coleção Elétrica algumas matérias que atendem aos
objetivos do projeto. Você encontrará interessantes textos sobre a história
dos fusíveis e dos disjuntores, componentes indispensáveis à proteção
das instalações elétricas; sobre a evolução do projetista, profissional que
sofreu diversas transformações com os avanços tecnológicos; sobre os
efeitos da eletricidade no corpo humano; entre outras temáticas.
	 Como nas vezes anteriores, destaco a seção “Biografia”, em que o
homenageado é uma figura ímpar do setor: o engenheiro eletricista,
nascido em Portugal e com brilhante carreira no Brasil, Armando
Reis Miranda, ou, como carinhosamente o tratamos no dia-a-dia,
simplesmente, Engenheiro Miranda. Como poderá ser apreciado ao
longo do texto, sua história de vida é um aprimorado exemplo de luta,
dedicação, persistência, coragem e desafios. E tudo isso recheado de muita
competência, conhecimento teórico e complementados por vivência
prática inigualável. Pessoalmente, tem sido um grande aprendizado
conviver profissionalmente com o Engenheiro Miranda, particularmente
nas reuniões da ABNT, nas quais ele se destaca com suas posições técnicas
firmes e conceitos sólidos, que muito têm contribuído para o avanço da
normalização técnica nacional.
	 Faço votos para que você, amigo(a) leitor(a), aprecie este terceiro
fascículo da Coleção Elétrica e aguardamos com todo interesse seus
comentários, críticas e sugestões.
Boa leitura e abraços!
Hilton Moreno
Apoio
	 Visitas esporádicas a jornais impressos e televisivos facilmente reforçam a afirmação de que
acidentes domésticos causados por choques elétricos são há anos fatos corriqueiros no Brasil e no
mundo. A fatalidade ocorre, na maioria das vezes, quando a pessoa encontra-se com o corpo molhado,
como foi o caso do menino argentino Farid Affad. A criança de sete anos nadava na piscina de um
hotel luxuoso da Bahia quando, ao avistar um refletor que se encontrava próximo à borda da piscina,
esforçou-se para alcançá-lo. O equipamento estava com um fio desencapado e a passagem de corrente
elétrica para o garoto foi inevitável.
grandesquestõesPorBrunoMoreira
08-09
Pára-choque elétrico
Ilustração:MauroJr.
	 Outro caso, este com grande destaque na mídia, curiosamente,
aconteceu também na Bahia. O músico da banda Olodum, José
Nilton Teixeira de Souza, 22 anos, conhecido como Zóião, havia
acabado de sair do banho, quando, ainda molhado, encostou-
se no refrigerador, recebendo a descarga elétrica. Em ambos os
casos, o desfecho da história foi fatal. Tanto o músico quanto o
menino argentino chegaram a ser levados ao hospital com vida,
mas não resistiram.
Como o corpo reage
	 Grande parte das pessoas sabe, ou deveria saber, que
choques elétricos podem ser fatais. Mas o que exatamente
acontece com nosso corpo e em quais condições ele nos leva
à morte? Para que a resposta possa ser dada com propriedade,
primeiro, deve-se ressaltar, conforme nos informa o engenheiro
eletricista e professor Hilton Moreno, que todas as sensações
do corpo humano, de uma forma ou de outra, são produzidas
por sinais elétricos que são enviados pelas células nervosas ao
cérebro.
	 Assim funciona nosso coração. A grosso modo, ele recebe
estímulos elétricos causados por reações químicas internas e se
contrai; o sangue circula e todos os outros órgãos começam a
trabalhar. A peculiaridade da situação é que a passagem de uma
corrente elétrica externa, causada por um choque, é sentida pelo
coração da mesma forma, interferindo no batimento cardíaco
regular. A contração se desorganiza e, em alguns casos, pode
ser impossível restabelecer o batimento coordenado necessário
para promover a circulação do sangue; conseqüentemente o
corpo entra em colapso e a pessoa não resiste.
	 A intensidade que uma corrente elétrica deve ter para que
seja percebida conscientemente por uma pessoa é chamada de
“limiar de percepção”. De acordo com Hilton Moreno, esse
limite depende de muitos fatores, como a área do corpo que
está em contato com o condutor de eletricidade, a temperatura,
as condições psicológicas do indivíduo, se ele está calmo ou
estressado e se a pele está seca ou molhada. De qualquer modo,
em freqüências de 50 Hz e 60 Hz, que são as mais usuais nas
instalações elétricas em todo o mundo, o “limiar de percepção”
ficará em torno de 0,5 mA.
	 Há também, de acordo com Moreno, o “limite de largar”,
ponto além do qual a corrente elétrica que flui pelo corpo
provoca um estímulo nervoso, paralisando os músculos,
fazendo uma pessoa em contato com um condutor vivo não ser
mais capaz de soltá-lo, fenômeno chamado de “tetanização”.
A corrente supera os impulsos elétricos que são enviados pela
mente e os anula, podendo bloquear um membro ou o corpo
inteiro, ignorando totalmente a consciência do indivíduo e a
sua vontade de interromper o contato. Este limiar também
depende de diversos fatores, mas, em geral, fica entre 6 mA
e 14 mA (média 10 mA) em mulheres e entre 9 mA e 23 mA
(média de 16 mA) em homens.
	 Em relação aos efeitos cardíacos, há também um limite
para que o batimento comece a se descompassar. O chamado
limiar da fibrilação ventricular depende igualmente de vários
fatores próprios de cada indivíduo, mas, da mesma forma, de
parâmetros elétricos como duração, caminho e tipos de corrente
(alternada ou contínua). No caso da corrente alternada, diz
o engenheiro Hilton Moreno, há uma considerável redução
neste limiar quando ela circula por mais de um ciclo cardíaco.
Experiências práticas têm mostrado que correntes de 5 mA já
provocam choques desconfortáveis.
Sem as devidas precauções técnicas e sem a merecida atenção, especialmente,
em ambientes molhados, o corpo humano, desprotegido, funciona como um
verdadeiro imã de corrente elétrica. São nestas situações que a eletricidade passa
de benéfica para malévola em um piscar de olhos.
Com a passagem de corrente elétrica pelo
corpo, a contração do coração se desorganiza.
Em alguns casos, é impossível restabelecer
o batimento coordenado necessário para
promover a circulação sangüínea.
Apoio
10-11
Para garantir
	 Em determinados circuitos da instalação, a norma ABNT NBR
5410 indica que a proteção contra choques elétricos deve ser realizada
obrigatoriamente por DRs de alta sensibilidade, ou seja, com corrente
diferencial-residual nominal igual ou inferior a 30 mA. É o caso dos
seguintes circuitos:
• que servem a pontos de utilização situados em locais contendo
banheira ou chuveiro;
• que alimentam tomadas de corrente situadas em áreas externas à
edificação;
• de tomadas de corrente situadas em áreas internas que possam
alimentar equipamentos no exterior;
• que, em locais de habitação, servem a pontos de utilização situados
em cozinhas, copas-cozinhas, lavanderias, áreas de serviço, garagens e
demais dependências internas molhadas em uso normal ou sujeitas a
lavagens;
• que, em edificações não-residenciais, servem a pontos de tomada
situados em cozinhas, copas-cozinhas, lavanderias, áreas de serviço,
garagens e, no geral, em áreas internas molhadas em uso normal ou
sujeitas a lavagens.
Como se proteger
	 Para evitar riscos à vida do ser humano, faz-se mais do que
necessária a adoção de medidas de proteção contra possíveis
passagens de corrente elétrica proveniente de equipamentos para
o corpo humano. A ABNT NBR 5410 – norma de instalações
elétricas de baixa tensão – indica que o princípio fundamental
relativo à proteção contra choques elétricos compreende que as
partes vivas perigosas não devem ser acessíveis (para evitar o
contato direto) e que as massas ou partes condutoras acessíveis
não devem oferecer perigo, seja em condições normais, seja em
caso de alguma falha que as tornem acidentalmente vivas (para
evitar o contato indireto).
	 Para evitar contatos diretos, a norma prescreve a proteção
básica, que consiste na isolação das partes vivas; no uso de barreiras
ou invólucros de proteção; em obstáculos; na colocação fora do
alcance das pessoas; no uso de dispositivos de proteção à corrente
diferencial-residual de alta sensibilidade; e na limitação de tensão.
Para evitar contatos indiretos, deve haver a proteção supletiva,
que inclui medidas, como eqüipotencialização e seccionamento
automático da alimentação, o uso de isolação suplementar e o de
separação elétrica.
	 De modo geral, informa o engenheiro eletricista Sérgio
Bogomoltz que a proteção básica de uma instalação elétrica
incorpora todos os anteparos contra a eletricidade, como a parte
plástica da tomada, a cobertura dos condutores e o soquete. “O
intuito é que a pessoa encontre barreiras”, diz. Já a proteção
suplementar leva em conta a possibilidade de a parte metálica
do condutor encostar, por exemplo, em uma tubulação metálica.
Invariavelmente, uma corrente passará por esse condutor que, ao
estar em contato com outro material condutivo, irá energizá-lo.
Em uma reação em cadeia, a corrente passará do equipamento
para uma pessoa que tocá-lo.
	 A proteção supletiva, de acordo com Bogomoltz, é um
conjunto de ações que tem início com o aterramento das partes
metálicas de uma instalação. Com isso, a corrente que passaria
diretamente para a pessoa em números menores devido à alta
resistência ôhmica do corpo humano é transformada em uma
“grande” corrente que é escoada pela terra. O engenheiro
informa que esse valor mais elevado da corrente será responsável
por acionar o seccionamento automático da alimentação que é
a medida suplementar na proteção das instalações elétricas. O
objetivo do seccionamento é evitar que uma tensão de contato
(UB) superior à tensão de contato limite (UL) se mantenha por
um tempo suficiente para resultar em risco de efeito fisiológico
adverso às pessoas.
	 Os fusíveis e os disjuntores podem funcionar como dispositivos de
proteção contra choques elétricos, contudo, como suas sensibilidades
para detectar alguma falta na corrente que perpassa os condutores
são baixas, normalmente, o dispositivo utilizado – apontado pela
NBR 5410 – é o Diferencial Residual, mais conhecido como DR. O
funcionamentodestedispositivo,explicaresumidamente,Bogomoltz,
consiste na verificação da soma vetorial de todas as correntes que
percorrem os condutores de uma instalação elétrica. Em condições
normais, o somatório será igual a zero. Caso haja alguma falta de
corrente, o DR acusará e desligará os aparelhos.
	 De acordo com Hilton Moreno, a NBR 5410 aponta que
esses equipamentos podem ser de dois tipos: de alta sensibilidade
(até 30 mA inclusive) e de baixa sensibilidade (acima de 30 mA).
Segundo o engenheiro, em esquemas de aterramento TN, que são
os mais utilizados nas instalações brasileiras, a proteção supletiva
sempre é garantida, conforme determina a NBR 5410, pelo DR,
seja de alta ou de baixa sensibilidade.
Tipos de DR
	 Nos Estados Unidos e no Japão, é muito difundido o uso dos DRs eletrônicos,
os quais possuem nível da proteção maior, com valores de correntes de sensibilidade
de 5 mA, especialmente nas proteções incorporadas diretamente nas tomadas. Já
na Europa, assim como nos países que seguem a norma IEC, o uso do dispositivo
eletrônico é limitado a uma proteção adicional, conforme prescreve a ABNT NBR
5410, que não proíbe o uso do DR eletrônico, todavia impõe que ele poderá ser
utilizado desde que haja também uma proteção diferencial eletromecânica.
Definições:
- DR eletromecânico
É um dispositivo diferencial que possui um sensor eletromagnético de correntes residuais e um sistema
disparador mecânico que faz atuar o desligamento dos contatos do dispositivo. A atividade deste produto não
depende da tensão de alimentação.
- DR eletrônico
É um dispositivo que possui, no seu sistema sensor, um circuito eletrônico que faz a soma vetorial das
correntes diferenciais e que pode aumentar a sensibilidade do sensor, impondo a necessidade de uma tensão de
alimentação para que o dispositivo funcione.
	 O DR eletromecânico, por não depender da tensão de alimentação, estará sempre supervisionando a
situação da instalação, independentemente da condição de tensão de entrada ou sua alimentação. Já o eletrônico,
em caso de perda da alimentação, além de não prover a proteção, também impõe a necessidade de religamento
(reset) ao retorno na tensão de alimentação.
	 O DR é tido pelos engenheiros eletricistas como um dispositivo
que traz segurança ao projeto e tranqüilidade ao projetista e ao
usuário. Como não há garantias de que, após um longo uso das
instalações, a corrente passe adequadamente pelos condutores sem
que haja uma descarga de energia para qualquer aparelho, e como
não é possível saber se somente o sistema de aterramento dará
conta de uma falta na passagem da corrente, emprega-se o DR
como uma medida imprescindível para a prevenção de acidentes.
	 Funcionando como um verdadeiro inspetor de qualidade da
instalação elétrica, o DR pode, justamente por isso, trazer alguns
inconvenientes àqueles que o tiverem instalado em sua residência.
Isso porque, caso uma determinada instalação não esteja nas
melhores condições de funcionamento, apresentando elevadas
correntes de fuga, o dispositivo será sempre acionado, seccionando
a alimentação de energia elétrica, ou seja: o jantar à luz de velas
virará rotina. Dessa forma, faz-se necessário, obviamente, uma
análise minuciosa das condições da instalação antes que seja
colocado o DR.
	 Para evitar que acidentes relacionados a choques elétricos
ocorram, o engenheiro eletricista Hilton Moreno recomenda que o
morador chame um profissional para verificar se seu edifício possui
um DR instalado e, caso exista, se está funcionando corretamente,
se há um sistema de aterramento adequado e ativo, se todas as
caixas, tanto nas áreas comuns quanto nos apartamentos, têm um
fio terra em seu interior. Por último, mas não menos importante,
que a atenção redobre, principalmente, ao manejar equipamentos
elétricos em ambientes molhados ou sujeitos a lavagens, áreas de
maior risco.
Apoio
história
	 Relativamente simples, embora com mecanismo complexo, os disjuntores e os fusíveis são,
provavelmente, os dispositivos mais conhecidos de uma instalação elétrica e indispensáveis à sua
proteção. Nasceram de uma necessidade gerada a partir do desenvolvimento da energia elétrica.
Primeiro, para proteger o filamento da lâmpada recém descoberta, inventou-se o fusível. Mais tarde, o
avanço industrial motivou a criação dos disjuntores.
	 Os dispositivos ganharam escala e tornaram-se indispensáveis em praticamente todas as instalações
elétricas. Ambos têm a missão primária de proteger os componentes dos sistemas elétricos contra
sobrecargas e curtos-circuitos.
	 Não se sabe quando exatamente surgiu o primeiro fusível. É fato que, nos anos 1860, fios de
platina desempenhavam seu papel, sendo empregados para proteger cabos submarinos. Oficialmente,
o primeiro fusível teria aparecido com a patente de Thomas Edison, em 1880, mas há indícios de que
a primeira alusão ao equipamento data de, pelo menos, cem anos antes.
PorFláviaLima
Frutos da
necessidade
12-13
O fusível
	 As primeiras referências ao fusível que se tem notícia são
de 1774, em textos de Edward Nairne, quando este menciona
proteção elétrica em experiências com energia eletrostática.
Conforme relata o livro Electric fuses, editado pela IEE Power
& Energy Series, a próxima citação do dispositivo ocorreria
apenas em 1887, durante a apresentação de um trabalho de A.
C. Cockburn à Sociedade de Engenheiros Telegráficos. Nesse
momento, veio a público a informação de que fios de platina
eram utilizados com o objetivo de proteger cabos submarinos
em 1864.
	 Aproximadamente uma década depois, em 1879, um
considerável número de “fusíveis” começou a ser utilizado, mas
descobriu-se que essa simples construção de fios não era adequada
para algumas aplicações. Foi então que, naquele ano, o professor
S. P. Thompson introduziu um novo e melhorado modelo de
fusível. Consistia em dois fios de aço conectados juntos a uma
esfera metálica. Acreditava-se que a esfera poderia ser uma liga de
chumbo ou estanho ou algum material condutor com baixo ponto
de fusão. Quando uma corrente elevada atravessasse o fusível por
um longo período, derretendo o chumbo, as gotas caiam dos fios,
interrompendo o circuito.
	 Em um modelo mais sofisticado, Cockburn usou um peso
para tracionar um fio de platina que se fundia a partir de um
determinado nível de corrente. Com isso, explica o engenheiro
eletricista Paulo de Almeida Junior, gerente de marketing da
Para suprir a necessidade de proteger a lâmpada, nasceu o fusível. Anos mais
tarde, para atender a uma demanda industrial, o disjuntor foi criado. Com a
função de oferecer segurança às instalações elétricas, ambos os dispositivos
logo passaram a ser empregados em larga escala e em todo o mundo.
Bussmann, atuações com correntes eram possíveis entre 1,5 e 2,0
vezes a corrente nominal atribuída a cada conjunto.
	 Uma variação desse sistema foi patenteada em 1883 por C.
V. Boys e H. H. Curryngham. No seu arranjo, a corrente fluía
por meio de dois filamentos que eram soldados juntos em suas
extremidades.
	 Alguns mecanismos que desempenhavam a função de
proteção foram desenvolvidos, mas nada muito parecido ao
conhecido fusível. Foi então que demonstrações de lâmpadas
de filamentos incandescentes ocorridas na Grã Bretanha, pelo
físico Joseph Swan, em 1878, e quase simultaneamente por
Thomas Edison, nos Estados Unidos, estimularam o surgimento
dos primeiros fusíveis efetivamente.
	 De acordo com o livro Electric fuses, os fusíveis de Swan
não eram muito empregados para proteger instalações elétricas
contra sobrecargas ou curtos-circuitos, mas para salvaguardar as
lâmpadas contra falhas no filamento. O dispositivo compreendia
um filamento de cobre-latão envolvido em um material arco
extinguível.
	 Já, em 1880, Thomas Alva Edison teria criado o primeiro
fusível mais parecido com o que vemos no mercado, com o
encapsulamento de um fio delgado em um cartucho de vidro,
protegendo as partes adjacentes, ou mesmo algum operador
próximo, de eventuais faíscas resultantes da atuação do fusível.
O invento de Edison, segundo o gerente de marketing do Grupo
Legrand, Antonio Eduardo de Souza, teria sido incitado por um
problema. Thomas Edison construiu sua primeira central elétrica,
Fusível desenvolvido por
Thompson, em 1879.
Modelo de fusível criado por
Cockburn, no fim do século XIX.
Apoio
14-15
A primeira patente do fusível foi adquirida por Thomas Edison em abril de 1881.
Fonte: Bulbcollector.com
	 A história define o fusível como um invento de Thomas Edison, mas o físico
Joseph Swan participou significativamente dessa criação. A dúvida sobre quem
seria o inventor do fusível foi, inclusive, tema de algumas cartas trocadas entre
físicos no início do século XX. Parte de uma dessas correspondências, assinada
por J. H. Holmes, e escrita em 1932, é reproduzida a seguir e evidencia a dúvida
sobre quem efetivamente teria introduzido o fusível.
	 “Relembrando a origem dos fusíveis, eu sempre encontro incertezas sobre quem
realmente deveria levar o crédito de ser o seu primeiro inventor. Trata-se de um
caso muito claro de que ‘a necessidade foi a mãe da invenção’.
	 Estive procurando registros sobre o que se sabe acerca de fusíveis no início dos
anos de 1880 e o primeiro volume do livro Electric Illumination – compilado por
J. Dredge e publicado em agosto de 1882, em Ofícios da Engenharia – revela, na
página 630, que a patente de Edison, adquirida em 1881, parece ser a primeira
notificação de fios de proteção. Diz também que o invento de Edison era
chamado de ‘safety guard’.
	 Creio, entretanto, que Swan tenha usado um artifício para o mesmo
propósito antes de abril de 1881. Isso porque ‘Cragside’ (primeira casa a ser
iluminada com energia elétrica, localizada na Inglaterra) perto daqui, foi
iluminada com as lâmpadas de Swan em meados de dezembro de 1880. (...)
	 Na descrição de iluminação elétrica do sistema de Swan, encontrada no
projeto do Teatro Savoy, de 3 de março de 1882, os fusíveis de segurança
(shunts) estão referidos ‘não demasiado intencionado a proteger contra os
perigos, os quais estão próximos à impossibilidade de ocorrer no trabalho
prático, mas de proteger as lâmpadas contra a destruição por sobrecarga’. Isso
confirma o que Campbell Swinton disse sobre o Drawing Office at Elswick,
em 1882, de que já havia ‘um vasto número de chaves, fusíveis, interruptores e
outros aparatos’ ”.
Origem: Estados Unidos
Data: 1890
Acabamento: vidro transparente
Base: média, ideal para lâmpadas de T. Edison
Curiosidade: Até o ano de 1900, todos os fusíveis de Edison
eram feitos de vidros transparentes.
Fabricante: General Electric
Origem: Estados Unidos
Data: 1897
Acabamento: porcelana
Cor: latão
Base: média, ideal para lâmpadas de T. Edison
Curiosidade: os fusíveis da GE, de até 25 A, possuíam coberturas
removíveis de latão. A patente deste fusível permaneceu de 1882
a 1897.
Fabricante: General Electric
Origem: Estados Unidos
Data: 1919
Tensão: 125 V
Acabamento: porcelana
Cor: latão
Base: média, ideal para lâmpadas de T. Edison
Curiosidade: Os fusíveis de 15 A / 125 V possuíam uma
cobertura removível de latão e janela de inspeção com formato
hexagonal. Sua patente teve duração de 1911 a 1919.
Fabricante: General Electric
Origem: Estados Unidos
Data: 1919
Tensão: 125 V
Acabamento: porcelana
Cor: lartão
Base: média, ideal para lâmpadas de T. Edison
Curiosidade: Os fusíveis de 30 A / 125 V possuíam cobertura
removível de vidro e janela de inspeção redonda. Sua patente
teve duração de 1911 a 1919.
Primeiros fusíveis
Apoio
16-17
Convivência harmônica: fusíveis e disjuntores são empregados
em instalações elétricas de diferentes níveis de tensão.
em escala industrial, o que corresponde ao final do século 19 e
começo do século 20. Melhorias foram observadas na primeira
metade do século 20 relativas à corrente nominal do dispositivo e
ao tempo de interrupção das sobrecorrentes. Antes de 1926, esses
tempos eram de cerca de 45 ciclos, sendo que, em 1960, já havia
disjuntores com tempos de interrupção de dois ciclos.
	 Uma das primeiras patentes que se sabe do disjuntor refere-se
ao voltado para alta tensão, conhecido como SF6, que teria sido
desenvolvido na Alemanha em 1938 por Vitaly Grosse e, mais tarde,
em 1951, nos Estados Unidos. No Brasil, os disjuntores começaram
a ser utilizadas com maior freqüência a partir da década de 1970.
	 AretomadadaurbanizaçãonaEuropaenosEstadosUnidospermitiu
a expansão do setor elétrico e a consolidação de grandes multinacionais
do segmento, permitindo o desenvolvimento dos disjuntores.
Fusível versus disjuntor
	 Os fusíveis apresentam, em geral, menor custo e são mais
simples do que os disjuntores. O fusível, tendo atuado uma vez,
deve ser substituído, ao passo que o disjuntor, após o seu desarme,
pode ser utilizado novamente. No entanto, esta ação pode
conduzir o usuário comum a simplesmente rearmar o disjuntor
e ignorar a falha elétrica, assim como substituir o fusível sem
solucioná-la pode ser perigoso, particularmente, se o problema
que ocasionou a queima foi um curto-circuito.
	 Na opinião de Almeida Junior, onde há correntes de curto-
circuito mais altas, o fusível ainda tem uma excelente relação
O disjuntor
	 Os disjuntores se distinguem dos fusíveis, pois são dispositivos
que podem ser rearmados após sua atuação. “São muito mais práticos
e adequados para aplicações residenciais e mesmo para algumas
aplicações industriais, onde se tem correntes de curto-circuito
presumíveis relativamente baixas”, afirma Paulo de Almeida Junior.
	 Com função semelhante à dos fusíveis, os disjuntores possuem
uma corrente nominal definida. Ultrapassado este limite, após
algum tempo, há o desligamento automático do dispositivo,
protegendo, dessa maneira, os componentes da instalação.
	 Não se sabe ao certo quando o disjuntor, como o conhecemos,
teria efetivamente sido inventado. Almeida Junior conta que o
engenheiro e professor Ademaro Cotrim – biografado da primeira
edição desta Coleção – costumava dizer que os disjuntores teriam
sido inventados após a crise de 1929. Segundo ele, nesse período,
houve um aumento significativo do número de incêndios, pois os
fusíveis queimados eram substituídos por moedas e outros objetos
metálicos. Nesse instante, a Westinghouse teria começado a fabricar
os disjuntores a sopro.
	 Uma forma aproximada de disjuntor foi patenteada nos
Estados Unidos por Thomas Edison, em 1879, muito embora seus
sistemas usassem fusíveis. O objetivo do dispositivo patenteado era
proteger a fiação dos circuitos de iluminação contra sobrecargas e
curtos-circuitos acidentais.
	 Há indicações de que os disjuntores começaram a aparecer nos
Estados Unidos assim que a distribuição de energia se desenvolveu
em Nova York, movida a carvão, conseguindo acender 7.200
lâmpadas por vez, mas esses produtos possuíam um filamento
muito sensível às variações elétricas. Com a missão de resolver a
questão, nasceu o fusível.
	 O conceito utilizado foi o mesmo empregado nas lâmpadas:
fusíveis de vidro, com filamentos com base de algodão e ligas
metálicas, que se rompem após o aquecimento provocado por uma
sobrecarga ou curto-circuito.
	 O consultor técnico da Schneider Electric, Miguel Rosa
Junior, conta que, no final do século XIX, houve um grande
avanço quanto ao design dos fusíveis, quando um engenheiro
da Brush Electrical Engineering Company, W. M. Mordy,
patenteou o primeiro fusível elétrico tipo cartucho. Este
dispositivo era preenchido com um material que extinguia o
arco elétrico gerado na atuação do dispositivo, seccionando e
protegendo o circuito em caso de falta.
	 Com o tempo, os fusíveis ganharam alto desempenho, designs
modernos e tamanhos reduzidos, mantendo o mesmo conceito, mas
agora composto por um envoltório cerâmico e por um elemento
que se funde, no caso de uma sobrecarga ou curto-circuito. Este
elemento está imerso em um material arco extinguível arenoso,
que elimina o arco elétrico gerado durante sua fundição.
	 Os fusíveis ganharam emprego em todo o mundo, protegendo
instalações domésticas, automotivas e industriais em larga escala
e em todos os níveis de tensão. A evolução das normas técnicas
e o desenvolvimento tecnológico industrial foram os principais
contribuintes para o aperfeiçoamento do dispositivo.
Disjuntor – alguns dados históricos
1902	 Fábricas começam a investir na produção de linhas de fusíveis
1904	 Cutter Manufacturing Co., localizada na Philadelphia (EUA), começa a produzir
		 interruptores de circuitos. A companhia introduziu um produto que se tornou um 	
		 sucesso industrial. Este novo dispositivo protetor, primeiro utilizado como elemento
		 interruptor de tempo inverso, passou a ser conhecido como I-T-E interruptor
		 (I-T-E breaker)
1921	 Merlin Gerin fabrica o primeiro disjuntor a óleo para alta tensão
1925	 O Código Norte-Americano de Eletricidade (NEC) exige que os disjuntores
		 sejam encapsulados e de fácil operabilidade
1932	 Westinghouse inicia comercialização de seu disjuntor a sopro modular
1935	 Square D fabrica o primeiro disjuntor para uso residencial
1951	 Square D introduz os disjuntores do tipo plug-in no mercado
benefício-custo, pois são muito mais baratos e compactos que
os disjuntores correspondentes. “Hoje podemos ter um fusível
atuando dentro de uma seccionadora para uso em redes de até
200 kA de curto-circuito presumido e com tamanho idêntico a
um minidisjuntor modular de 18 mm”.
	 Ele acrescenta que, com o crescente uso de automação,
com o uso de inversores de freqüência e outros dispositivos
de partida e parada suave à base de componentes eletrônicos
de potência (tiristores, transistores, diodos e IGBTs), o
fusível ainda se mantém como um dispositivo atual, pois é o
único que consegue atuar em menos de meio ciclo de onda,
limitando adequadamente o I2t, que é a energia que fluiria para
os componentes eletrônicos sensíveis. São os fusíveis “ultra-
rápidos”, indicados para uso em correntes de curto-circuito de
até 300 kA. Tais fusíveis são confeccionados com elementos
de prata, enclausurados em um corpo de um tipo de cerâmica
especial, chamada esteatita, preenchido com areia impregnada
com resina curada em autoclaves.
	 A maior evolução nos disjuntores nos últimos anos foi, de
acordo com Miguel Rosa Junior, os limitadores, que possuem a
capacidade de atuar de forma muito rápida em curtos-circuitos
de alta intensidade. Quanto maior o nível de curto-circuito, mais
rápida é a atuação de disparos do disjuntor. Com isso, foi possível
utilizar os disjuntores em aplicações heavy-duty (mineração,
siderurgia) ou sensíveis (hospitais, data centers), em razão do
alto grau de eficiência na resposta às ocorrências anormais que
possam surgir nas instalações elétricas.
Apoio
	 Quando chegou em terras brasileiras para começar uma nova etapa de sua vida, o engenheiro
eletricista português Armando Reis Miranda já não era mais nenhuma criança. Tinha 52 anos,
uma família formada e uma carreira estruturada em Lisboa, cidade na qual nascera e vivera até
aquele momento. Com tudo isso, por que mudar então? Trocar a solidez conquistada com duro
esforço na Europa por um caminho movediço em um país estrangeiro parecia insensatez mesmo
para o mais aventureiro e destemido dos homens.
	 Entretanto, o engenheiro não tinha muitas alternativas: ou procurava outro país para viver ou
ficava em Lisboa e enfrentava os dias tumultuados da Revolução dos Cravos, movimento liderado
por comunistas, que começou em 1974, e exigia severas reformulações na estrutura sociopolítica
de Portugal. Por já ter uma vida estabilizada e algumas posses, Miranda tornou-se um dos alvos
dos revolucionários que tinham o intuito de balançar as estruturas. “Mais de uma vez recebi
biografiaPorBrunoMoreira
18-19
Repetindo seus antepassados, o engenheiro português Armando Reis Miranda
cruzou o oceano atlântico para desbravar novas terras. Conseguiu o seu espaço e
atualmente é um profissional respeitado no país que escolheu para viver.
telefonemas em casa com ameaças de morte”, conta. “Não pude
aguentar àquela loucura toda e por isso resolvi ir embora”.
	 Em março de 1975, Miranda despediu-se de sua esposa e
dos seis filhos e viajou para a Bélgica, ficando pouco tempo por
lá. “Naquela época, a Europa inteira passava por um momento
conturbado”, diz. Em julho do mesmo ano, ele já estava no
Brasil, país que havia sido destino de seu irmão mais novo
algum tempo antes. Ao contrário de seu irmão, que ficou pouco
tempo por aqui, Miranda ficou e acreditava que podia contribuir
muito com sua vasta experiência para um país relativamente
jovem como o Brasil. Acertou.
Em Portugal
	 A experiência de Armando Reis Miranda, em sua grande
parte, foi conseguida em Portugal, mais especificamente, em
Lisboa, cidade na qual nasceu em 1923. Com 24 anos, Miranda
formou-se engenheiro eletricista pelo Instituto Superior Técnico
e começou a trabalhar na área, como assistente, no laboratório
da universidade em que havia estudado. A primeira atitude
que tomou logo depois de se formar, porém, não foi arrumar
um emprego e sim casar-se com Maria Fernanda. Estão juntos
desde então. “Já são 61 anos de união”, conta o engenheiro.
	 Logo depois, Miranda foi servir o exército português,
obrigatoriedade como aqui, com a diferença de que, no Brasil,
o jovem deve alistar-se ao completar 18 anos e, em Portugal,
é possível esperar o término dos estudos universitários. O
engenheiro conta que os militares lusitanos prezam pela
qualificação de seus novos integrantes, utilizando-a em
benefício das forças armadas. No entanto, Miranda não quis
seguir carreira e, findado o tempo obrigatório de serviço militar,
ele foi empregado como técnico em acústica do Laboratório de
Engenharia Civil de Lisboa, função que exerceu até o ano de
1954.
	 Antes de finalizar seu período como técnico no laboratório, o
engenheiro abriu, em 1953, com alguns colegas, uma sociedade
para a realização de projetos na área elétrica. A empresa de
Miranda não se limitava apenas a isso e fabricava também
quadros elétricos de média e baixa tensão . “Projetávamos e
comercializávamos também instalações elétricas para carros”,
acrescenta o engenheiro. “Chegamos a ter mais de 300
funcionários”.
Navegar é preciso
Miranda introduziu no País a técnica de utilizar as ferragens das fundações dos edifícios para realizar a proteção contra descargas atmosféricas.
Apoio
20-21
	 O crescimento e o sucesso da empresa de Miranda também
refletiram na internacionalização de seus negócios. A fábrica
chegou a ter até uma sucursal em Angola e, por conta disso, o
engenheiro português chegou a morar seis meses no país africano.
Outros países para os quais Miranda vendia seus equipamentos
e prestava serviços eram Bélgica, Inglaterra e Alemanha. Para
este último, por conta dos negócios, o engenheiro eletricista
chegou a ir muitas vezes. “Cheguei até a aprender o idioma
alemão”, diz.
	 A aventura empresarial de Miranda terminou com a venda
de sua empresa de painéis elétricos a uma gigante alemã, a
Siemens. O engenheiro relata que, mesmo após a passagem do
comando da fábrica aos alemães, ele continuou trabalhando na
área, como prestador de serviços à Siemens. Posteriormente,
veio a Revolução dos Cravos, o descontentamento com a
situação de Portugal e o exílio. Como um navegador da época
do descobrimento, Miranda aportou em terras tupiniquins.
No Brasil
	 O começo foi difícil. Praticamente sozinho na cidade de São
Paulo, Miranda teve de se virar. Além de seu irmão, o engenheiro
eletricista conhecia poucas pessoas em solo brasileiro, somente
alguns engenheiros, professores da Universidade de São Paulo
(USP), para os quais, em Portugal, já havia escrito cartas
com o intuito de se inteirar a respeito do mercado brasileiro.
Deu certo, conseguiu um emprego no Consórcio Nacional
de Engenheiros Consultores (Cenel), mas ficou pouco tempo
por lá, sendo contratado, em 1976, pela Themag Engenharia
e Gerenciamento, na qual participou da construção da usina
hidrelétrica de Itaipu.
	 A experiência conquistada na Themag ficou, mas o emprego
não. Menos de um ano depois de ter iniciado suas atividades
na empresa, Miranda conseguiu um novo: em uma companhia
finlandesa que realiza projetos elétricos na área de papel e
celulose chamada Jäakko Poyry. Dessa vez, o engenheiro veio
para ficar e só deixou a empresa onze anos depois, em 1988.
Neste intervalo, houve mais histórias para contar que reiteram
sua competência.
	 Miranda relembra que, certa vez, na Jääkko Poyry, ao
desenvolver programas de computação na área elétrica para
estabilidade, fluxo de carga e aterramento, que seriam utilizados
Fotos:SérgioKanazawa
“Schelkunoff entendeu que a teoria da
energia irradiada para a luz solar poderia
ser utilizada na eletrodinâmica. Eu aprendi
desse jeito na faculdade, mas não está certo”
Armando Reis Miranda
Apoio
22-23
Querela com Schelkunoff
	 Propiciar que Armando Reis Miranda participasse
do projeto de um dos maiores empreendimentos
geradores de energia elétrica do mundo não foi a única
coisa que a Themag fez pelo engenheiro, pois, segundo
ele, foi trabalhando pela empresa que ele se deu conta
de que aquilo que haviam lhe ensinado na faculdade de
engenharia estava errado. Miranda refere-se à utilização,
por parte do matemático russo, Sergei Alexander
Schelkunoff, dos estudos sobre eletromagnetismo feitos
pelo físico e matemático escocês James Clerk Maxwell
sobre a Lei da Indução Magnética e do físico e químico
inglês Michael Faraday.
	 De acordo com o engenheiro eletricista português,
Schelkunoff acreditou que se podia empregar as teorias
de Maxwell sobre energia irradiada e energia conduzida.
“Ele generalizou; tirou que a luz natural era eletricidade.
Ele entendeu que a teoria de energia irradiada para luz
solar poderia ser utilizada na eletrodinâmica. Eu aprendi
desse jeito na faculdade, mas não está certo”, desabafa
Miranda, que, desde então, tenta convencer as pessoas
da área sobre isso. “Mas convencer os professores das
universidades é muito difícil. Eles acham que é mais
cômodo deixar como está”.
	 Segundo o engenheiro eletricista, o que lhe falta de
apoio entre os acadêmicos sobra entre os profissionais
das indústrias. E este suporte foi um dos fatores que
levou Miranda a publicar, em 1994, o livro Instalações
Elétricas Industriais, publicação que, conforme o
engenheiro, versa, entre outros assuntos, a respeito das
teorias do cientista russo e de suas impossibilidades.
	 Em relação aos leitores, Miranda não tem dúvidas
de que muitos deles seguem o que está escrito em sua
publicação. “Isso está claro porque não podem acreditar
nas fantasias que os professores universitários ensinam”,
afirma. O livro do engenheiro teve, até o momento,
somente uma edição, mas, caso haja mudanças referente
aos ensinamentos de Schelkunoff, Miranda promete
uma revisão e a segunda edição de seu livro.
	 Com o intuito de difundir ainda mais sua crítica
em relação ao cientista russo, Miranda não se limitou
apenas ao livro e escreveu uma série de artigos para uma
revista especializada. Em um deles analisou a eficácia
de procedimentos de proteção contra os efeitos da
corrente do raio, apresentou um caso real e resultados
de ensaios, apontando o motivo de muitos erros e
tropeços nessa abordagem. Nada mais que o estudo
de Sergei Schelkunoff, considerado uma referência na
matéria, e que ignora, segundo Miranda, de forma
generalizada, a Lei da Indução Magnética, de Faraday,
que é indispensável.
por ele na filial brasileira, o sucesso foi tanto que ele foi
chamado para implantar o mesmo sistema na sede situada na
Finlândia. Lá, mais uma outra oportunidade: realizar programas
de computação para serem utilizados em linhas de alta tensão.
Concomitantemente ao trabalho na companhia finlandesa, o
engenheiro eletricista atuava como consultor privado na J. Alves
Veríssimo, proprietária do Grupo Eldorado. Miranda entrou na
empresa por volta de 1978 e prestou serviços até 1990, ano em
que se aposentou definitivamente.
	 Foi na J. Alves Veríssimo que ele conheceu o engenheiro
civil e eletricista Eurico Freitas Marques. Os dois fizeram
parte da equipe de engenheiros responsável pela construção do
tradicionalshoppingpaulistanoEldoradoedeseusupermercado,
que agora pertence ao Carrefour. “Eu projetei a parte hidráulica
e ele a elétrica”, conta Marques, que chegou ao Grupo em 1983,
cinco anos depois da entrada de Miranda.
	 De acordo com Eurico Marques, o engenheiro português foi
de extrema importância para o projeto do Shopping Eldorado.
Expert na parte de aterramento, Miranda foi o responsável por
todo o sistema de proteção contra descargas atmosféricas do
shopping. Aliás, foi ele quem introduziu no País a técnica de
utilizar as ferragens das fundações dos edifícios para realizar tal
função. “Isso já era feito na Inglaterra e em alguns outros países,
mas fui eu quem trouxe essa técnica para o Brasil”, afirma o
engenheiro eletricista português. Antes, conforme Miranda, as
construções brasileiras costumavam ter descidas externas para
realizar a proteção.
	 Marques destaca também a importante participação de
Miranda na redução do fator de potência da energia consumida
pelas instalações do Shopping Eldorado. Segundo o engenheiro
eletricista e civil, essa era uma grande preocupação do Grupo, já
que acarretava em um aumento da conta de energia elétrica paga
pela empresa. Por meio de um processo de racionalização em que
programava o início de funcionamento dos equipamentos do
shopping, principalmente dos condicionadores de ar, Miranda
conseguiu solucionar o problema.
	 Paralelamente ao trabalho como engenheiro eletricista na
Jääkko Poyry e na J. Alves Veríssimo, Armando Reis Miranda
também arrumou tempo para ajudar seus companheiros
de profissão com questões relacionadas à normalização de
equipamentos e instalações elétricas. “Eu participei durante
muito tempo do Comitê Brasileiro de Eletricidade, Eletrônica,
“Miranda era um participante ativo
das reuniões do Cobei. É um profissional
obstinado por essa área normativa”
Paulo Barreto
Apoio
24-25
Iluminação e Telecomunicações (Cobei) na área de descargas
atmosféricas, instalações elétricas prediais e subestações”, conta
o engenheiro, que pelo Cobei ajudou também na elaboração da
norma de caldeiras elétricas.
	 No Cobei, Miranda participou também da elaboração
da famosa NBR 5410. Durante as reuniões, ele conheceu o
engenheiro eletricista Paulo Barreto, que pôde acompanhar
de perto o trabalho do engenheiro português. “Ele era um
participante ativo”, avalia Barreto. Ainda é, pois, de acordo com
Barreto, o engenheiro continua participando das reuniões. “Ele
é um profissional obstinado por essa área normativa”, diz.
Uma grande família
	 Aos 85 anos, Miranda continua trabalhando. Aposentando
há mais de 15 anos, ele, como haveria de ser, diminuiu o
ritmo, mas sempre que pode, coloca sua vasta experiência em
prática, prestando serviços com consultor. Menos trabalho,
mais tempo para família. E que família! São seis filhos que se
multiplicaram em 16 netos e dois bisnetos.
	 Miranda informa que, no entanto, nem todos moram
aqui. Como já tinha mais de cinqüenta anos quando migrou
para o Brasil, alguns de seus filhos, com raízes mais fincadas
em Portugal, decidiram não seguir os passos do pai. “Quatro
deles vieram para cá, mas um logo voltou”. E dos filhos que
resolveram ficar no Brasil, um deles atualmente mora nos
Estados Unidos.
	 No apartamento de um prédio na Alameda Casa Branca
moram Armando Reis Miranda e sua esposa Maria Fernanda,
que simpaticamente interrompe a entrevista para nos oferecer
um cafezinho. Não obstante a idade avançada, o casal mostra
vitalidade e bom humor. “Eu não quero café”, diz Miranda.
“Para você é facultativo”, redargüi Maria Fernanda.
	 Sobram histórias na trajetória de Miranda, histórias de
uma vida que ele mesmo define como agitada. A agitação
passou, parece, pelo menos diminuiu, como acontece com
todo mundo, mas a energia de continuar tocando projetos
ainda permanece, o mais arrojado deles é a revolução que o
engenheiro pretende estabelecer na aplicação atualmente feita
pelos engenheiros da Lei da Indução Magnética. Esperemos
os próximos capítulos da vida do engenheiro português, ou
melhor dizendo, brasileiro.
Apoio
dentrodalei
Golpe baixo
Produtos falsificados de todos os segmentos econômicos são encontrados, sem
grandes esforços, em toda parte. Além de oferecem riscos aos consumidores,
sua existência é criminosa, incita a concorrência desleal e desmotiva empresas a
investirem em pesquisa e desenvolvimento
	 O primeiro a usar o termo “pirata” foi Homero, na Grécia antiga, para descrever aqueles que depredavam e
roubavam navios e cidades costeiras. Piratas navegavam pelos mares, especialmente, seguindo rotas comerciais
com o objetivo de saquear outros navios e apoderar-se de riquezas. O termo tornou-se popular, sofreu algumas
transformações ou atualizações ao longo do tempo, mas não perdeu seu caráter ilícito. Assim, piratarias e outras
formas de contravenção ganharam espaço, atingindo diversas esferas da economia. O segmento de materiais
elétricos não ficou de fora.
	 Grandesempresasdomercadodeinstalaçõeselétricasenfrentam,háanos,problemascomcópiasdeproduto
e de marca e, ainda, com propriedade industrial. O mais visível é o caso dos artigos eletrônicos, como softwares,
CDs e DVDs, cujas cópias são encontradas fácil e abundantemente no Brasil e em praticamente todos os
lugares do mundo. Vindos principalmente de países da Ásia, os produtos copiados são também frutos do
desenvolvimento tecnológico. Nunca foi tão fácil copiar alguns produtos, especialmente os eletrônicos. Criam-
se mecanismos com o objetivo de coibir e tornar mais difícil a cópia, mas, sem grande demora e dificuldade,
o método criado é burlado ou também é copiado. É o caso, por exemplo, de selos holográficos e de marcas de
certificação de produtos.
	 Leis que dão direitos de uso de uma criação exclusivamente ao seu criador são relativamente recentes,
principalmente no Brasil. Primeiro, teria nascido uma preocupação com a propriedade intelectual. Na
Antiguidade e na maior parte da Idade Média, as dificuldades inerentes aos processo de reprodução dos originais,
por si só, já exerciam um poderoso controle da divulgação de idéias, pois o número de cópias de cada obra era
naturalmente limitado pelo trabalho manual dos copiadores.
	 Com a invenção da imprensa, os soberanos sentiram-se ameaçados ao ser democratizada a informação.
PorFláviaLima 
26-27
Então, em 1557, depois que Wiliam Caxton introduziu a máquina
de escrever na Inglaterra, Filipe e Maria Tudor concederam
à associação de donos de papelaria e livreiros o monopólio real
para garantir-lhes a comercialização de escritos, a fim de evitar a
cópia desenfreada dos livros. Esse privilégio recebeu o nome de
copyright, que garantia o direito aos comerciantes e não aos autores
dos textos.
	 Foi a primeira lei inglesa, de 1710, que dava ao criador o direito
exclusivo sobre um livro por 14 anos, renovável por mais 14. A
legislação americana baseou-se na inglesa e, nos atos de patentes
e de direitos autorais de 1790, retomou os períodos de 14 anos,
também renováveis por outros 14.
	 A propriedade intelectual pode ser dividida em duas categorias:
direito autoral e propriedade industrial. O inventor, entretanto,
só passa a ter direito à propriedade industrial depois de adquirir a
patente do invento.
No Brasil
	 As primeiras cópias em massa teriam surgido nos anos 1960,
no segmento da confecção. O advogado e sócio-proprietário do
escritório especializado Nobel Marcas e Patentes, Geraldo Evandro
Papa, conta que camisetas e peças de roupas em geral são muito
simples de serem copiadas. A partir de então, outros produtos
passaram a ser pirateados.
	 Ele diz que o causador dessa ação criminosa foi o fechamento
do mercado brasileiro em 1976. “Até essa data era possível a
importação, mas com o fechamento do mercado começou a
aparecer os produtos falsificados”. Segundo ele, até os anos 1980,
por exemplo, não havia cópia de músicas. “O vinil não era algo
fácil de se copiar, mas quando chegamos à tecnologia do CD a
pirataria ganhou dimensões elevadas”, diz.
	 Outro ponto para a proliferação do mercado pirata no Brasil
deve-se ao baixo poder aquisitivo da população. “As pessoas acabam
escolhendo produtos mais baratos, mesmo que não sejam os
originais”, diz Papa. Além disso, o custo da pirataria hoje é muito
baixo e os copiadores aproveitam-se da lentidão do sistema judiciário.
“A impunidade gera certa segurança para quem comete o ato ilícito”,
afirma. Ele conta que, de maneira diferente do que ocorre aqui, em
outros países, o poder judiciário é rápido e rigoroso, o que acaba
coibindo, em parte, a infração.
	 No Brasil, o tema é regido pelas Leis 9.279/96 (marcas e patentes),
9.609/98 (software) e 9.610/98 (direitos autorais), além de tratados
internacionais, como as Convenções de Berna, sobre direitos autorais,
e de Paris, sobre propriedade industrial. O Instituto Nacional da
Propriedade Industrial (Inpi) é o órgao brasileiro responsável pelas
marcas, patentes e desenhos industriais.
Implicações jurídicas
	 Basicamente, existem duas formas de pirataria: a pirataria pura, ou
seja, a cópia exata de um produto; e a contrafação da marca, isto é, a
violação da marca por imitação ou reprodução.
	 No caso da cópia idêntica, a intenção é ludibriar inteiramente
o consumidor. A idéia é que se compre um produto falso como
se ele fosse original, é o conhecido “tomar gato por lebre”. Até as
marcas de certificação viraram alvo dos copiadores. Selos, como
do Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade
Industrial (Inmetro), da ISO 9001 e de laboratórios que atestam
determinado grau de qualidade ou a conformidade com uma
norma ou regulamento são copiados e anexados a produtos não
qualificados por esses organismos com o claro objetivo de enganar
o consumidor.
	 Alguns materiais elétricos, por exemplo, só podem ser
comercializados se forem certificados, atestando sua conformidade
a uma norma técnica. Para livremente circular no mercado,
produtos de origem duvidosa levam o selo falso do órgão avaliador
ou certificador. Ou seja, nem sempre um produto “certificado”
A concorrência desleal e a
conseqüente perda de mercado para
as empresas - frutos da pirataria -
desmotivam o desenvolvimento de
produtos nacionais.
Apoio
28-29
está de acordo com o que os regulamentos exigem. Evandro Papa
acrescenta: “a empresa diz que está em conformidade, mas não
está. Isso pode gerar um processo criminal contra esse fabricante”.
	 O chefe substituto da Divisão de Programas de Avaliação da
Conformidade da Diretoria de Qualidade do Inmetro, Leonardo
Machado Rocha, conta que uma maneira encontrada para evitar
a contravenção da marca Inmetro foi extinguir a certificação
voluntária no âmbito do Instituto. Com a Portaria 73/2006,
os produtos com conformidade avaliada voluntariamente por
organismos acreditados pelo Inmetro, e não decorrente de
Programas de Avaliação da Conformidade do Instituto, devem
conter unicamente a marca do organismo avaliador.
	 Há ainda a violação de uma marca pela imitação. Empresas
que usam nomes parecidos, que retiram, por exemplo, uma
letra da marca, usam cores e fontes parecidas com o intuito de
confundir o consumidor. Papa explica que a contrafação da marca
ocorre somente dentro do mesmo segmento econômico, ou seja,
a Lei proíbe que marcas parecidas ou iguais coexistam dentro de
um mesmo setor, mas permite a existência da segunda marca se
elas atuarem em áreas distintas. Há, entretanto, uma exceção. A
Justiça não consente o registro de uma marca semelhante ou igual a
outra marca considerada especial, chamada de “auto-renome” pela
legislação, mesmo se forem em segmentos diferentes. Trata-se das
marcas conhecidas nacionalmente. Por exemplo, não se pode dar a
um carro o nome de Coca-cola, marca de auto-renome.
	 Não é crime, entretanto, copiar produtos que já caíram no
domínio público. O crime acontece apenas quando há cópia
parcial ou integral de produtos e marcas que estão protegidos pela
propriedade intelectual. Mas como funciona na prática?
	 Nãoexistefiscalizaçãoparaapirataria.Oqueexisteéadenúncia.
O advogado Evandro Papa conta que há ações das prefeituras e
da polícia que coletam produtos nas prateleiras para análise e que
reprimem a atividade do comércio ambulante, mas para vistoriar
uma fábrica especializada em uma linha de produção de peças
falsificadas só é mesmo possível a partir de uma denúncia.
	 Existe uma delegacia especializada em propriedade intelectual. O
fabricante, dono do direito e que teve seu produto copiado, deve fazer
uma denúncia e, com uma autorização judicial, o oficial de justiça faz
uma busca e apreensão do material falsificado. É preciso provar que
o seu produto é original, por meio da patente ou de outros recursos.
Para isso, há ainda uma perícia técnica que deve comprovar ou não
a violação da patente. Com o laudo pericial, o titular pode, então,
apresentar uma queixa e entrar com uma ação cível ou criminal. “O
problema é que a pena para esse tipo de crime é muito pequena, por
isso, os titulares das causas, normalmente, apresentam queixas cíveis”,
afirma Papa. Para o crime de violação de marcas, a pena é de três a 12
meses de reclusão ou uma multa.
	 No caso de uma ação cível, os resultados podem ser mais
satisfatórios, considerando que, caso não se consiga quantificar o
montante de produtos falsos vendidos, a legislação determina que a
indenização seja o valor original de duas mil cópias da peça. “Esse
aspecto,deindenização,acabasendoumaformamaisatrativa,atécomo
meio de forçar o concorrente a deixar de praticar este ato”, enfatiza.
Comprovando-se o crime, a linha de produção do determinado
material é suspensa ou a fábrica é fechada. A Justiça define, ainda, uma
multa diária para o infrator enquanto ele não suspender a produção.
	 Oadvogadoressaltaaimportânciadeseobterapatente.Deacordo
com o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi), “patente é
um título de propriedade temporária sobre uma invenção ou modelo
de utilidade, outorgados pelo Estado aos inventores ou autores ou
outras pessoas físicas ou jurídicas detentoras de direitos sobre a criação.
Em contrapartida, o inventor se obriga a revelar detalhadamente todo
o conteúdo técnico da matéria protegida pela patente”.
	 Existem duas formas de patentes: de invenção e de modelo de
utilidade (aperfeiçoamento de produtos existentes). A primeira tem
duração de 20 anos, já a patente de modelo de utilidade vigora pelo
prazo de 15 anos. Há, ainda, um terceiro tipo de proteção que é o
registro do desenho industrial, que se refere apenas ao formato externo,
estético do produto. A esse direito dá-se dez anos de exclusividade,
prorrogável por mais três períodos de cinco anos cada.
Outras conseqüências
	 As conseqüências da pirataria e da contrafação de produtos têm
sido catastróficas para o País, gerando perda de empregos formais,
sonegação de impostos e redução dos lucros legítimos. Além disso,
outro efeito considerável dessa ação criminosa é o desestímulo à
criação industrial, o que, por sua vez, traz danos à economia, à cultura
e ao desenvolvimento nacional de modo geral.
	 A indústria nacional fica desmotivada perante a concorrência
desleal e a conseqüente perda de mercado. Diante disso, as empresas
deixam de investir tempo e dinheiro no desenvolvimento de produtos
que, logo, serão copiados.
	 A não aquisição de patentes pode ser, inclusive, prejudicial à
empresa. Papa conta que era comum, nos anos 1970, a empresa lançar
um produto que sofre uma cópia e a fabricante original sofrer uma
ação por cópia. “A patente é sempre uma garantia”, ratifica. É preciso
ter um cuidado com os prazos. Lançado o produto, a empresa deve
imediatamente adquirir a sua patente, pois, passado o prazo de um
ano, o produto não pode mais ser objeto de patente por deixar de ser
uma novidade.
Herança cultural
	 Além dos preços elevados dos produtos originais, contrapondo-se
ao baixo poder aquisitivo brasileiro, da alta carga tributária e de outros
fatores, uma das explicações para a difusão do mercado da falsificação
no Brasil vai ao encontro da teoria de que o brasileiro recorre à sua
cultura de sempre buscar o caminho mais fácil. Estará no sangue do
brasileiro a preferência pela maneira alternativa, ilegal, mais fácil e
conveniente do que seguir a lei e fazer a coisa certa? Os traços culturais
certamente oferecem um campo saudável para a germinação da
pirataria, mas o Brasil é uma soma de características, de raças, culturas,
povos, em que tudo e todos encontram um “jeitinho” de dar certo.
	 No mundo, em 2006, a pirataria movimentou US$ 516 bilhões,
60% a mais que a indústria de drogas. Inúmeras organizações são
formadas a fim de impedir a expansão desse movimento. É o caso
do Comitê Interministerial de Combate à Pirataria, criado em
2001, a CPI da Pirataria em 2003, mais tarde o Conselho Nacional
de Combate à Pirataria e Delitos Contra a Propriedade Intelectual
(CNCP), entre outras entidades. Na contramão, estão as ramificações
do Partido Pirata, que já existe em vários países da Europa, como
Espanha, França, Alemanha e Suécia, além de Austrália, Estados
Unidos e também da América Latina, como a Argentina, Chile, Peru
e Brasil. O seu objetivo é politizar a discussão e, de alguma forma,
estimular e legalizar algumas ações da pirataria.
	 Como vimos, a pirataria e a contrafação de produtos e marcas
não são exclusividades brasileiras. Pelo contrário, é fato que a maioria
dos produtos contrafeitos comercializados aqui é produzida em outros
países, como China, Taiwan, Bolívia, entre outros. No caso dos
materiais elétricos, os chineses batem de frente com grandes indústrias
do setor. Mas como será que eles enxergam essa atividade?
	 Na opinião de Evandro Papa, assim como os japoneses não
eram vistos com bons olhos, há alguns anos, quando começaram a
desenvolver seu parque tecnológico, os chineses também enfrentam
hostilidades. “Mas a tecnologia deles progrediu e, hoje, quem não tem
um televisor japonês em casa?”, conclui. O consultor técnico senior da
Schneider Electric, Luiz RosendoTost Gomez, concorda: “Há anos os
produtos chineses eram realmente ruins, mas já temos produtos bons
também”. Segundo ele, assim como os japoneses, os chineses vão se
aperfeiçoar e desenvolver a sua tecnologia própria, sem precisar copiar.
É o que veremos.
Rua Santa Ifigênia, em São Paulo (SP), tornou-se referência em produtos
eletrônicos importados e falsificados.
"A impunidade brasileira confere
certa segurança para quem comete a
pirataria e a contrafação de produtos"
Advogado Geraldo Papa
Apoio
	 É fato histórico que, nos primórdios de sua existência, o homem levava uma vida nômade, não possuía
ainda a técnica da agricultura e vagava a esmo pelo território em busca de alimento, que poderia vir por meio
da caça ou pela coleta. Sem laços que o prendessem a um determinado lugar, o homem errava. Dessa forma, a
construção de moradias se fazia desnecessário e quando elas existiam eram instalações precárias, improvisadas,
com o objetivo não de fixar residência, mas como uma espécie de solução emergencial.
	 Aos poucos, no entanto, a situação mudou e o homem aderiu às práticas sedentárias. Sua vida deixou de
ser uma eterna peregrinação e fincou raízes. Pequenos agrupamentos humanos acabaram por se encorpar e
sociedades cada vez mais complexas se estabeleceram. Com elas surgiram habitações rudimentares, que deram
lugar a construções mais rebuscadas, além de cabanas, que cederam espaço para habitações de pedra e tijolos,
o que refletia o desejo por uma rotina estável e duradoura.
	 Certamente, as primeiras construções não primavam pelo refinamento estilístico e deveriam ser realizadas
muitomaisnabasedaintuiçãodoquenoempregosistemáticodeumatécnica.Entretanto,comohomemtem
a peculiaridade de aprender com seus erros, muitas edificações tiveram de cair para que o homem descobrisse a
fórmula correta. A prática levou à teoria, que consolidou a técnica, o que permitiu, com o decorrer do tempo,
evolução
Profissional em
transformação
30-31
PorBrunoMoreira
Da rudimentaridade dos instrumentos analógicos à eficiência obtida pelas novas
tecnologias computacionais:a transformação das atividades realizadas pelo engenheiro
projetista de instalações elétricas através dos tempos.
a utilização de desenhos, esboços, projetos com o intuito de facilitar a
construção de edificações.
	 O engenheiro e arquiteto romano, Marcus Vitruvius Pollio,
conhecido popularmente apenas como Vitrúvio, aparece como o
primeiro a transmitir, por meio de um documento, certas regras para a
construção. No século I a.C., ele elaborou o tratado “De Architectura”,
em que abordava os requisitos mecânicos e estruturais de habitabilidade
dasedificações.OtextodeVitrúvioapontavatambémquaisdeveriamser
ascaracterísticasconstrutivas,ageometriaeaspropriedadesdosmateriais
utilizados nas edificações. A partir dele, a atividade de construção, que
até o momento era realizada de forma prática, com conhecimentos
passados oralmente, passa a ter um tratamento teórico e formal.
Um novo profissional
	 Como tudo se transforma, também as novas invenções aparecem
modificando o modo de vida de cada indivíduo. Conseqüentemente,
as moradias são adaptadas para comportarem o surgimento de novas
engenhocaseosprojetosaseremdesenvolvidosapósestastransformações
devem apresentar espaços antes não pensados. Obviamente, no que
se refere às instalações elétricas, os projetos de construção passam a
contemplá-las quando a eletricidade torna-se aplicável, ou seja, quando
o homem inventa um uso para ela.
	 Com a sedimentação desta prática, a sociedade passa, em pouco
tempo, a desenvolver-se fortemente baseada na eletricidade e, quando
se percebe, praticamente, nada em casa, ou no trabalho, pode funcionar
sem ela. Como não poderia deixar de ser, a atividade de quem é
responsável pelo desenvolvimento da parte elétrica de um projeto
de construção ganha em importância. Sua trajetória desenvolve-se,
basicamente, como a de todos os outros projetistas e irá passar por uma
radical transformação com o advento da informática.
	 No que tange à atividade do projetista de instalações elétricas,
ela pode ser dividida, a grosso modo, em duas áreas: a teórica,
na qual o engenheiro realiza os cálculos, e a prática, em que ele
elabora os desenhos. Na parte de cálculos, não há muitos mistérios,
o profissional aprende na faculdade as teorias e as aplica quando
exigido. Contudo, na vida profissional, aprende-se que é preciso
otimizar o tempo e instrumentos foram criados com a finalidade
de facilitar o trabalho do engenheiro, que pôde se dedicar a um
número maior de projetos.
Da régua à supercalculadora
	 Um dos equipamentos mais antigos para ajudar os projetistas de
instalações elétricas nas contas é a régua de cálculo. Criada em 1638
pelo padre inglês William Oughtred e tendo como base a tábua de
logaritmos, a régua foi utilizada com regularidade até a década de 1970,
quando cedeu lugar às calculadoras eletrônicas. As réguas de cálculo
sempre foram de muita ajuda, principalmente quando era necessário
o cálculo com números muito grandes, mas apresentam uma certa
limitação, já que não fornecem valores aproximados.
	 Formado em 1955, o engenheiro eletricista e proprietário da
consultoria Engenharia SC Ltda., Carlos Vieira, trabalhou bastante
com réguas de cálculo. Ele conta que havia uma matéria na faculdade
apenas para aprender a lidar com a ferramenta. “No primeiro ano de
engenharia, havia o curso de desenho técnico onde aprendíamos a fazer
todos os cálculos na régua”, conta. Segundo Vieira, em sua época de
faculdade, ainda havia alguns poucos privilegiados de sua classe que já
tinham uma calculadora da marca Curta. “Era um modelo analógico,
que funcionava por meio de uma manivela”, diz.
	 Contudo, conforme o engenheiro, a maioria dos alunos se virava
mesmo com a régua de cálculo. E assim foi até a calculadora a manivela
tornar-semaisacessível.Logo,porém,estafoisubstituídapelacalculadora
eletrônica e, posteriormente, pelas chamadas supercalculadoras, que
faziam também o papel de computadores no desenvolvimento de
programas para otimizar as atividades na área elétrica.
	 Oprópriobiografadodestaedição,oengenheiroeletricistaportuguês,
Mário Reis Miranda, utilizava calculadoras para implantar programas
de computação na área elétrica. Quando trabalhava para uma empresa
finlandesa de projetos, o engenheiro desenvolveu programas para fornecer
dados sobre fluxo de carga e aterramento em uma máquina de calcular
HP11.“Deutãocertoqueeufuiconvidadoaimplantaromesmosistema
na matriz finlandesa”, conta. Quando estava lá, uma outra oportunidade
surgiu: realizar programas de computação para serem utilizados em linhas
de alta tensão e, mais uma vez, a calculadora foi seu suporte. “Dessa vez
utilizei uma HP 3000, que era mais potente”, lembra.
“A quantidade de horas para efetuar
um cálculo, devido ao advento dos
softwares, caiu a 1% do que era”
Cláudio Teixeira
Apoio
32-33
Da prancheta ao CAD
	 Após o término de todos os cálculos necessários, é preciso
desenhar o projeto. Antes da era da informática e dos avançados
programas de desenho, os projetistas, munidos de lápis ou canetas,
debruçavam-se em suas pranchetas inclinadas e, artesanalmente,
colocavam no papel os pontos referentes à elétrica de uma instalação.
Apesar de, na faculdade, o engenheiro eletricista Ítalo Batista já ter
tido acesso aos computadores e a softwares, como o Computer-
Aided Design (CAD), ou desenho auxiliado por computador, esses
mecanismos ainda não existiam em sua rotina, que continuava a
contar com a prancheta, o esquadro e a régua T.
	 O engenheiro lembra que era um sistema trabalhoso. Segundo
Batista, recebida a cópia heliográfica do projeto arquitetônico, o
engenheiro fazia outra cópia em papel vetal e desenhava a parte das
instalações elétricas. Como curiosidade, vale dizer que a cópia era feita
com detalhes no papel vegetal, que ficava sobre a cópia heliográfica.
Para isso, era necessário o uso de gabaritos, réguas com símbolos da
área elétrica, que facilitavam o trabalho do projetista no momento de
desenhar os pontos de luz, conta. Finalizada essa etapa, entrava em cena
o desenhista que, com papel vegetal e caneta nanquim, dava o último
tratamento ao desenho.
	 De acordo com Batista, o advento do CAD mudou para melhor a
atividade profissional do engenheiro projetista. Se antes, por exemplo, o
profissionalpercebesse um erro decálculo emumdesenhojá pronto, era
necessáriorasparcomumagileteodetalheerefazê-lo.Atualmente,nãoé
nem preciso explicar, acostumado que estamos com a informática. Caso
haja uma modificação a ser feita, basta apenas procurar no computador
o arquivo do projeto e efetuar a correção.
	 O gerente geral da S&C Electric do Brasil, o engenheiro eletricista
Cláudio Teixeira, também compartilha do mesmo entusiasmo que
Batista pelos softwares de projetos. “Os cálculos que no passado
demoravam horas, hoje são feitos em segundos”, diz. Não só o tempo,
mas o custo também encolheu.Teixeira lembra que, na década de 1970,
um engenheiro civil contratado para realizar o cálculo estrutural de um
edifício cobrava o mesmo que o preço de um carro de luxo. “Isto por
causa da quantidade de horas que ele dispendia para fazer tal tarefa”,
conta. Atualmente, segundo o engenheiro, o profissional cobra muito
menos pela mesma tarefa. “A quantidade de horas para efetuar um
cálculo, devido ao advento dos softwares, caiu a 1% do que era”.
	 Segundo Teixeira, mais uma tarefa do projetista que teve seu
custo reduzido com o surgimento dos softwares foram os estudos de
coordenação de proteção de sistemas elétricos. Anteriormente, segundo
ele, os cálculos eram feitos artesanalmente, em papéis de seda. Hoje em
dia, os softwares, carregando dentro de si uma série de normalizações, já
fornecemaoprojetistacurvasnormalizadasdosmaisdiferentesprodutos,
o que te permite simular as mais variadas situações e realizar o estudo
em questão de minutos. “Pelo software, você escolhe uma liga metálica
já normalizada e consegue realizar diversos testes com ela, vendo se ela
entortará ou quebrará”, diz.
	 Os softwares que permitem simulação de situações tiverem o maior
impacto, segundo Teixeira, nos projetos referentes a peças mecânicas.
Os desenhos de estruturas que antes eram feitos no papel seda e em
formas bidimensionais, com o suporte computacional, tornaram-se
tridimensionais e possibilitaram a simulação de movimentos e esforços,
fazendo com que a construção do equipamento seja mais precisa. A
possibildade de simular situações e posicionamento de equipamentos
já ajudouTeixeira, que, certa vez, ao projetar o arranjo de seccionadores
em uma rede de alta tensão pôde realizar todas as vistas de projetos que
ele achou que deveriam ser feitas.
		 Outro ponto de importante evolução refere-se ao
armazenamento: a situação é ainda mais positiva para os engenheiros. O
surgimento de mídias cada vez menores e com mais capacidade fizeram
os diversos canudos, contendo plantas de projetos de engenharia,
serem aposentados. Isso fez não só sobrar mais espaço nos escritórios
dos engenheiros, mas, principalmente, tornou mais rápida a busca por
projetos antigos.
	 Outratransformaçãoocorridacomoadventodenovostecnologias
encontra-se na troca de informações entre cliente e prestador de
serviço. O engenheiro eletrônico e gerente de planejamento e controle
de estoques da Rockwell Automation, Cláudio Baldoni, conta que
hoje é possível enviar um arquivo por e-mail contendo o projeto, o
que permite ao cliente flexibilizar as transformações que ele deseje
fazer em sua empresa. Se antes, por causa da rudimentariadade dos
meios de comunicação, o cliente precisava pensar uma mudança na
estrutura com três anos de antecedência, hoje ele pode planejar em um
horizonre mais curto, porque sabe que a realização do projeto será feita
de forma mais rápida.
Tudo se transforma
	 A passagem dos desenhos em prancheta para os projetos feitos
em programas de computador significou também, como salienta o
engenheiro eletricista Carlos Vieira, uma mudança drástica na maneira
de atuação de um outro profissional da área: o desenhista. Ele conta
que as inovações tecnológicas trazidas pela era da computação fizeram
o desenhista se tornar um cadista, especialista no software destinado a
elaborar projetos de construção.
	 Vieira conta que a função do profissional do desenho continua a
mesma; ele atua a partir do projeto idealizado pelo engenheiro, usando
seus conhencimentos técnicos para deixar o esboço mais apresentável.
A questão, de acordo com o Viera, é que, de um artista acostumado a
trabalhar com determinados tipos de materiais, o desenhista tornou-se
um especialista na utilização de sistemas computacionais.
	 Isso fez a função do desenhista mudar totalmente de paradigma.
“Existem muitos cadistas, atualmente, que não sabem nem desenhar
da forma tradicional, pois não é preciso”, comenta. Para ele, muitos
profissionais se perderam durante a transição. “Eu mesmo, no meu
escritório, paguei para que desenhistas fizessem cursos de habilitação
em CAD, mas muitos não quiseram”, conta Vieira.
	 Uma certa resistência é normal quando se percebe que sua profissão
estásumindodomapa,masépreciso,casohajaointeressedepermanecer
na área, uma adaptação rápida. Segundo Vieira, quem não fez isso
tornou-se obsoleto e não conseguiu mais emprego como desenhista de
projetos de construção.
O raciocínio permanece
	 Se o advento de novas tecnologias, como a supercalculadora e
os softwares de engenharia, vieram facilitar a vida do projetista de
instalações elétricas, também praticaram um desserviço a este mesmo
profissional. Para Carlos Vieira, foi tirada desse profissional parte da
capacidade de raciocinar, mas ele insiste que a capacidade de promover
soluções inteligentes ainda deve prevalecer.
	 De nada irá adiantar o auxílio das mais avançadas fer­
ramentas se o profissional não tiver a capacidade de empregar
os ensinamentos recebidos durante a faculdade da maneira mais
adequada possível. Segundo o engenheiro, não se pode esquecer
que calculadoras e softwares ajudam na elaboração prática do
projeto, mas quem resolve os problemas, encontrando as melhores
soluções ainda é o ser humano e sua atividade intelectual. “A
máquina é burra”, define.
	 Somente a prática que levará o profissional da área ao uso
inteligente das teorias adquiridas nos cursos preparatórios. De
acordo com o engenheiro, somente trabalhando com questões
reais que o projetista vai descobrir qual a melhor decisão a ser
tomada. E esses conhecimentos somente são adquiridos com a
experiência e com o dia-a-dia da profissão.
Divulgação/CentroPaulaSouza
Aula de desenho, no início do século XX, em uma escola técnica paulista
Apoio
	 Quando o assunto é a situação das instalações elétricas brasileiras, a opinião dos especialistas
da área é triste e unânime: a maioria delas apresenta qualidade duvidosa e, quase sempre, oferece
riscos aos seus usuários. Até aqui, nenhuma novidade. A questão que fica é: se temos uma norma de
instalações elétricas considerada moderna e coerente e bons produtos disponíveis no mercado, por
que o brasileiro tem dificuldade em seguir as diretrizes normativas? E, por que, comparado a outros
países, ainda engatinhamos no quesito qualidade e segurança nas instalações? A resposta não é nada
simples e pode ter suas raízes entranhadas em uma cultura de atraso, principiada há mais de 500
anos, na época do descobrimento do Brasil.
	 Não podemos, entretanto, colocar a culpa sobre os portugueses. Muitos outros fatores, como
veremos adiante, vêm contribuindo, ao longo dos anos, para a formação cultural, social e econômica
do brasileiro, que, certamente, influencia as tomadas de decisões e o comportamento do povo como
um todo.
identidade34-35
PorFláviaLima
Paradoxo
	 Há no Brasil um grande paradoxo: instalações bem evoluídas
e instalações primárias executadas por profissionais despreparados e
despreocupadoscomosmandamentosnormativos.Ogerentedeproduto
daSiemens,LuizEustáquioPerucci,supõeque70%dasinstalaçõessejam
de qualidade duvidosa. Embora admita ter havido uma evolução nos
últimos anos, Eustáquio reconhece que ainda estamos longe do ideal.
	 Para o engenheiro eletricista Hilton Moreno, há, entretanto,
um considerável número de instalações elétricas adequadas e bem
feitas. “O atraso está fechado na autoconstrução e nas construções
mais simples”, diz. O atraso, nas instalações industriais, por
exemplo, é, para ele, pequeno ou inexistente.
	 O engenheiro eletricista e diretor da Fischmann Engenharia,
Victor Fischmann, concorda: “as instalações de responsabilidade
das boas construtoras, em geral, estão em conformidade com as
normas técnicas”. Ele conta que, há algum tempo, era comum o
projeto, depois de ter sido aprovado na prefeitura, sofrer diversas
alterações. “Não havia tanta preocupação com o projeto as built,
diferentemente de hoje, quando o projeto elétrico, por exemplo,
é iniciado antes mesmo de seguir para a prefeitura, justamente
para que a construção esteja de acordo com o que foi aprovado”.
	 O que ainda acontece, na opinião de Fischmann, é que,
mesmo com projetos bem elaborados, algumas construtoras e
instaladoras acabam seguindo o mínimo que a norma de instalação
recomenda, até em empreendimentos que exigem um pouco
mais do que isso. “Por exemplo, a norma prescreve um mínimo
de pontos de tomada por ambiente (em função do perímetro) em
uma residência, mas o padrão de conforto do empreendimento
eventualmente pode exigir mais”, analisa. Este, segundo ele, é um
exemplo de projeto não adequado, pois apesar de ter se cumprido
a norma – que é o mínimo de segurança e qualidade – o projeto
poderia ter sido melhor, considerando o nível da construção.
	 Nos últimos anos, tem sido comum as construtoras realizarem
intervenções nos apartamentos novos de acordo com o cliente,
isto é, o comprador pode personalizar seu imóvel, fato que pode
acarretar mudanças no projeto elétrico. Se o morador optar por
ter fogão elétrico ou ar condicionado, que são equipamentos com
elevado consumo de energia, o projeto deve sofrer alterações, pois
a demanda de eletricidade será maior. “É como um carro com e
sem ar condicionado, são projetos e preços diferentes”, compara
Fischmann. Ele diz que, ultimamente, as grandes construtoras,
especialmente, estão mais preocupadas com a elétrica dos
empreendimentos e costumam sempre consultar os projetistas
quando as personalizações envolvem energia elétrica.
	 Essa preocupação é recente. O mais comum era – e ainda
é, principalmente com relação a imóveis antigos – o próprio
morador fazer os seus ajustes. E o que mais acontece é a sobrecarga
de energia devido aos inúmeros equipamentos conectados em
instalações com mais de dez anos.
	 Mesmo alinhada à norma internacional IEC 60364 e
sem ficar devendo, na opinião de muitos, para outras normas
estrangeiras, a ABNT NBR 5410 – norma de instalações elétricas
de baixa tensão –, embora muito conhecida no meio técnico, não
é empregada com solidez no segmento e mal alcança a maioria
das instalações residenciais, incluindo as prediais. O mesmo
acontece com outras normas técnicas do setor elétrico, seja para
instalações, seja para produtos.
	 O Brasil é um país grande e muito carente de formação e de
informação. O consultor técnico sênior da Schneider Electric,
Luiz Rosendo Tost Gomez, acrescenta que a situação se agrava
com os governantes, que não possuem formação nem informação
técnica e desconhecem a realidade das instalações brasileiras,
apesar de falhas em instalações elétricas provocarem muitos
acidentes, por vezes fatais, e ainda serem uma das principais
causas de incêndios no País.
Legado cultural
Profissionais empíricos e despreocupados com regulamentos técnicos normativos são maioria
em um País, que ainda carrega a herança do “jeitinho brasileiro”, máxima em que a lei do
menor esforço é dominante. No caso da eletricidade, embora existam instalações modernas e
adequadas, grande parte das edificações oferece riscos e está em desacordo com as normas
Apoio
36-37
“desse comportamento social, em que o sistema de relações se edifica
essencialmente sobre laços diretos, de pessoa a pessoa, procedam
os principais obstáculos que, na Espanha, e em todos os países
hispânicos – Portugal e Brasil inclusive –, se erigem contra a rígida
aplicação das normas de justiça e de quaisquer prescrições legais”
Sérgio Buarque de Holanda
	 O problema, no entanto, não é a falta de normas, mas a
incapacidade de fazer com que elas sejam cumpridas. Apenas
na área de eletricidade, contamos com aproximadamente 1.400
normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas, incluindo
especificações para produtos e para instalações. A obrigatoriedade
– por meio de leis, portarias e decretos – são mecanismos que
contribuem para a melhoria das instalações, mas, no segmento
de materiais elétricos, poucos são os produtos que possuem
certificação compulsória. E, no caso das instalações elétricas, o
quadro é ainda pior. O Brasil é um dos poucos países, entre os
desenvolvidos e os considerados em desenvolvimento, que não
possui qualquer forma de inspeção das instalações elétricas como
parte de um plano nacional. E, nesse cenário, o amadorismo
impera.
	 O tempo todo curiosos aventuram-se na profissão de
eletricista e executam o trabalho de medição, especificação
técnica, instalação e implantação do “projeto elétrico”. Esta não
é uma cena estranha aos olhos do brasileiro. Mas o que a maioria
das pessoas ainda não conhece são os perigos envolvidos em uma
instalação mal projetada e executada por pessoas desqualificadas
e que não conhecem as normas de segurança e de qualidade.
	 O gerente de engenharia e qualidade da SIL Fios e Cabos,
Nelson Volyk, ratifica a importância da norma, a qual, segundo
ele, traz informações fundamentais para um bom projeto,
dentre as quais cita: capacidade de transmissão de energia dos
condutores; seção mínima dos condutores para o circuito de
iluminação e de tomadas; padronização de cores; utilização do
disjuntor, do dispositivo DR que reduz o risco dos choques; e
quantidade máxima de condutores nos eletrodutos. Ao seguir as
orientações da norma, é possível evitar problemas, como choque
elétrico, curto-circuito, aquecimentos indesejáveis e desperdício
ou falta de energia elétrica causados por falhas de projeto.
	 A questão da obrigatoriedade da norma, entretanto, já foi
abordada nesta Coleção e não é este o objeto deste trabalho.
Tampouco precisamos enfatizar a importância de uma norma
técnica para a qualidade de um projeto, fato que é – ou deveria
ser – de conhecimento comum. O que agora analisamos é o
comportamento de uma sociedade que ainda insiste em ignorar
os regulamentos técnicos.
Raízes culturais
	 Os trabalhos coletivos, que reúnem pessoas com boa vontade,
mas sem habilidades e qualificações específicas, têm suas raízes
na nossa colonização. Segundo o autor de “Raízes do Brasil”,
Sérgio Buarque de Holanda, o impedimento para o êxito do
labor produtivo no País foi a falta de elementos empreendedores
desde a nossa origem – a partir dos portugueses. Ele explica que
os portugueses trouxeram para o País trabalhos de índole coletiva
aceitos de forma a satisfazer sentimentos e emoções coletivas,
acompanhando, de certo modo, o caráter religioso do catolicismo.
“Costumes como o mutirão, em que os roceiros se socorrem uns
aos outros nas derrubadas de mato, nos plantios, nas colheitas, na
construção de casas, na fiação do algodão (...)” foram, conforme
cita Holanda, sintomas da colonização brasileira. A organização
de grupos para construir e reformar casas – especialmente as mais
populares –, em que cada um ajuda um pouco, contribuindo com
o que “sabe” fazer, teria derivado dessa característica colonial.
	 Há, incontestavelmente, técnicos qualificados e habilitados,
mas muitos pedreiros, eletricistas, mecânicos exercem seus
respectivos trabalhos sem qualquer formação técnica, porque
aprenderam o ofício com o pai ou participando dessas obras
coletivas desde pequeno.
	 Fora do País, as pessoas não costumam deixar aventureiros
entrarem em suas casas, há que se ter uma formação oficial. No
Brasil, é comum eletricistas aprenderem a trabalhar trabalhando.
Eustáquio arrisca dizer que, por questões econômicas,
principalmente, as pessoas experimentam a profissão de eletricista,
de mecânico, de pintor, entre outras, diante da necessidade e da
oportunidade.
	 Sobre isso, Sérgio Buarque de Holanda traz mais explicações:
“o peculiar da vida brasileira parece ter sido, por essa época, uma
acentuação singularmente enérgica do afetivo, do irracional, do
passional, e uma estagnação, ou antes, uma atrofia correspondente
das qualidades ordenadoras, disciplinadoras, racionalizadoras.
Quer dizer, exatamente o contrário do que parece convir a uma
população em vias de organizar-se politicamente”. Em outras
palavras, é o fazer repetitivamente sem questionar técnicas de
melhoria e sem considerar a evolução das normas.
	 Segundo ele, não há dúvida que “desse comportamento social,
em que o sistema de relações se edifica essencialmente sobre laços
diretos, de pessoa a pessoa, procedam os principais obstáculos
que, na Espanha, e em todos os países hispânicos – Portugal e
Brasil inclusive –, se erigem contra a rígida aplicação das normas
de justiça e de quaisquer prescrições legais”.
	 Com essas afirmações, conseguimos entender como começou
essa dificuldade que o brasileiro tem para se informar e seguir
as diretrizes normativas. Em tempo, Holanda vai mais além e
diz que “tudo quanto dispense qualquer trabalho mental aturado
e fatigante, as idéias claras, lúcidas, definitivas, que favorecem
uma espécie de atonia da inteligência, parecem-nos constituir a
verdadeira essência da sabedoria”. É a velha história do “jeitinho
brasileiro” e a eternizada fala de Macunaíma, de Mário de
Andrade, “Ai, que preguiça”. O modo mais fácil é sempre o modo
preferido.
	 No Brasil, há a ideologia de que não se consegue resolver
nada pela Lei. “O ‘jeitinho’ é o lado inovador do brasileiro, que
dá um jeito porque o sistema, muitas vezes, o conduz para isso”,
explica o antropólogo e mestre em antropologia social, Marko
Monteiro.
	 A dificuldade em seguir as normas técnicas e a legislação,
de modo geral, é amparada na “cordialidade” do brasileiro.
Vale lembrar que a palavra “cordial”, vem da palavra latina cor,
cordis, que significa coração. Portanto, como Sergio Buarque de
Holanda discute em seu livro, o homem cordial é aquele que
age pela emoção, inspirado nos laços afetivos, na amizade, na
camaradagem. “É uma característica cultural e sistêmica, que já
está consolidada. A solução é criar um ambiente de forma que
seguir a lei ou a norma compense”, diz. A questão é como fazer
isso.
Cultura de atraso
	 O fato é que, no Brasil, a organização dos ofícios deu-se em
função dos moldes trazidos do Reino português em condição de
dominante: trabalho escravo; escassez de artífices livres na maior
parte das vilas e cidades; indústria caseira para garantir relativa
independência aos ricos, entravando o comércio. Holanda
conclui que, de certa forma, a repulsa a todas as modalidades
de racionalização se configura, até hoje, em um dos traços
mais constantes dos povos de estirpe ibérica, isto é, de origem
portuguesa ou espanhola.
	 A colonização inglesa, por exemplo, deu-se de maneira
diferente. As colônias inglesas, até pelo motivo de não terem terras
propícias para as culturas tropicais, prosperaram especialmente
devido ao comércio. O trabalho livre e a religião protestante –
da mesma maneira que, na Europa, o calvinismo, com sua ética
baseada no trabalho e na legitimação do lucro – contribuíram
para o desenvolvimento dessas regiões.
	 O antropólogo conta que, até o século XIX, no Brasil, era
proibida a existência de tecelagens e de indústrias, para não
concorrer com os portugueses. O quadro só muda quando a
Corte se muda definitivamente para o Brasil, em 1808, trazendo
artistas, escolas e a liberação para o desenvolvimento da cultura e
economia brasileiras.
	 Diferentemente dos portugueses, os holandeses promoveram
Apoio
38-39
algumas transformações no período em que ocuparam a região
de Recife (PE), de 1637 a 1644. Além da tolerância religiosa, os
holandeses trouxeram pintores, comerciantes e pesquisadores, que
estudaram a fauna e a flora locais, trazendo prosperidade à vila.
	 De qualquer modo, a forma subordinada com a qual nos
habituamos é uma das razões de sermos, ainda, supridores de matérias-
primas e commoditties para o exterior para que sejam industrializados
e, por nós, importados a custos muito mais dispendiosos.
	 Embora em um nível muito mais ameno, a propensão à
subordinação e a aversão à novidade são características que
acompanham os setores da economia, da política, da educação, e
todos os outros segmentos de atuação do Brasil. No tocante à energia
elétrica e, mais especificamente, às instalações elétricas, a situação não
seria diferente.
	 “O brasileiro está acostumado sim a viver atrasado, acha que o que é
importado é melhor por definição”, afirma Marko Monteiro. E, de certa
forma,adotamosessapremissanonossodia-a-dia,quandonoscomparamos
com outras culturas e nos posicionamos em condição inferior.
	 Ele cita o caso do ciclo da borracha. Por que não deu certo? Porque
as mudas da árvore foram levadas para a Ásia, em um momento em
que o País tinha capital e matéria-prima, levando-nos a, mais uma
vez, perder a oportunidade de desenvolver a nossa indústria para
apenas suprir matéria-prima para que outros o fizessem. E a prova
de que as coisas mudam é a nova chance que temos com o etanol.
“Temos a oportunidade de termos outra atitude, de sermos grandes
exportadores e de desenvolvermos novas tecnologias que empreguem
o etanol como combustível”, opina.
	 A cultura do desperdício é outro ponto com o qual nos
acostumamos. É difícil para o brasileiro economizar água, energia e
outras fontes, pois estamos habituados a tê-las em abundância. “A
questão é como as pessoas se relacionam com essa abundância”, explica
Monteiro. Hoje, o tema eficiência energética é algo que começa a fazer
parte da vida das indústrias e da população, de modo geral, mas ainda
é uma questão de mentalidade. Aos poucos, vamos adquirindo uma
consciência de desperdício, assim como muitos países já
têm.
	 Para o antropólogo, a sofisticação do mercado de
consumo brasileiro é baixa por causa da concentração de
rendas e do nível educacional. Ele enfatiza, entretanto,
que o conservadorismo brasileiro e esse atraso cultural não
têm uma única justificativa, mas deve-se considerar uma
série de fatores que, juntos, contribuíram para a formação
dessa natureza. Com o Código de Defesa do Consumidor,
por exemplo, percebemos um progresso à medida que o
consumidor encontrou na legislação uma proteção, mas
ele mal conhece esse recurso, porque não está habituado a
buscar seus direitos, a recorrer à Justiça e também porque
não confia nela.
	 Na opinião de Monteiro, o processo de desenvolvimento
é lento, mas vem acontecendo. Temos uma base tecnológica
criada, mas há ainda muita resistência. Nossa cultura e
economia ainda são muito subordinadas.
Aversão a novidades
	 É comum ouvir de empresários que novidades são
apresentadas o tempo todo ao mercado, mas elas, muitas
vezes, não encontram interesse do outro lado. Mesmo
tratando-se de equipamentos considerados indispensáveis
à segurança de uma instalação elétrica, por exemplo, o
desinteresse é evidente.
	 A NBR 5410 passou a exigir o uso do DR e do DPS, nas
revisões de 1997 e de 2004, respectivamente. Os profissionais
mais atentos passaram, gradativamente, a empregar esses
equipamentos, mas a informação encontra dificuldade para
chegar ao público comum. “As pessoas reclamam do custo
do DPS, mas se esquecem que ele é responsável por proteger
equipamentos elétricos e eletrônicos contra sobrecargas
e que, sem o DPS, o barato pode sair caro”, compara Luiz
Eustáquio, da Siemens.
	 Segundo ele, há apartamentos novos de alto padrão que
ainda não empregam o DPS. “Certamente, seus moradores têm
sofisticados equipamentos de som, vídeo e outros, que estão
completamente desprotegidos”, diz. Trata-se de uma mentalidade
tacanha que não reconhece a importância da proteção, mesmo,
nesse caso, tendo projetos provavelmente elaborados por
profissionais renomados.
	 O também gerente de produto da Siemens, Julio Carpanez,
acrescenta que muitos empreendedores não utilizam os benefícios
de dispositivos como o DR e o DPS como argumentos de vendas.
“Fala-se do mármore, do piso, mas não se menciona a proteção
contra choque elétrico e contra sobretensão”, admira-se.
	 Outro ponto importante refere-se às instalações antigas.
Apesar de inúmeros empreendimentos serem erguidos a todo
instante no País, a maioria das edificações possui mais de 20
anos e, muito raramente, as suas instalações elétricas passam
por alguma revisão técnica. É comum a troca de equipamentos
por outros mais modernos, as pessoas fazem diversas reformas
na arquitetura de interiores, mas a instalação elétrica sequer
é lembrada. É esquecido que os materiais envelhecem e que a
demanda de energia cresce, até pelo aumento de equipamentos
elétricos e eletrônicos, adquiridos ao longo do tempo. Isso porque
os problemas nas instalações elétricas, na maioria das vezes, não
são aparentes e são percebidos apenas quando algum acidente
acontece em virtude de um curto-circuito, da fuga de corrente
elétrica ou de outro fenômeno.
	 Falta, na opinião dos especialistas, fiscalização e
conscientização. Mesmo com a exigência do DR, o dispositivo é
pouco empregado e o usuário final desconhece a sua existência.
Incêndios e outros acidentes envolvendo eletricidade são vistos
como fatalidades. Não se fala em imprudência. Para Carpanez,
não obstante os órgãos de defesa do consumidor, as associações de
classe e as ações de empresas no sentido de divulgar informações
de segurança, falta o papel do governo. “Todos – do engenheiro
ao consumidor final – devem ter acesso a essas informações, para
que um cobre o outro”, afirma.
	 Casos isolados evidenciam que, aos poucos, algumas atitudes têm
sido tomadas a fim de mitigar os problemas com a eletricidade. Em
Pernambuco, por exemplo, é obrigatório o emprego de dispositivos
diferenciais residuais (DRs) em canteiros de obras, fato que só se
tornou realidade em razão do falecimento de dois engenheiros.
Em São Paulo, uma Instrução Técnica do Corpo de Bombeiros do
Estado, com o apoio com a Associação Nacional de Fabricantes de
Produtos Elétricos NEMA Brasil e com o Instituto Brasileiro do
Cobre (Procobre), a ser publicada em 2009, definiu procedimentos
para que os bombeiros vistoriem as instalações elétricas de todas as
novas obras no Estado de São Paulo (e também as que renovarem seus
autos de vistoria), garantindo condições mínimas de segurança das
pessoas, do meio ambiente e do patrimônio, além do funcionamento
adequado dos equipamentos.
	 Na opinião deTost Gomez, o Brasil precisa de uma instituição
dedicada exclusivamente às certificações das instalações elétricas,
começando pelas residenciais e partindo, progressivamente, para
outras instalações. Em alguns países da Europa, as distribuidoras
de energia não levam eletricidade à instalação enquanto ela não
for fiscalizada. Nos Estados Unidos, segundo Hilton Moreno,
presidente da NEMA Brasil, as autoridades (prefeituras ou
bombeiros) também não liberam as obras para ocupação sem que
elas tenham passado por inspeções das instalações elétricas.
	 O Estado tem, nesse sentido, um papel regulador e fiscalizador
importante para impedir que produtos e instalações elétricas
em desacordo com os requisitos mínimos de desempenho e de
segurança sejam disponibilizados ao público, pelo menos, até
adquirirmos o hábito de viver uma boa técnica e obtermos –
profissionais e consumidores – um nível razoável de conhecimento
e de bom senso para fazermos, nós mesmos, as escolhas.
“O ‘jeitinho’ é o lado inovador do
brasileiro, que dá um jeito porque o
sistema, muitas vezes, o conduz para isso”
Antropólogo Marko Monteiro
Apoio
40-41
descontração
Ilustrações:MauroJr.
Jogo dos 7 erros
A figura a seguir ilustra
dois ambientes residenciais com
sete erros de instalação elétrica.
Identifique-os.
Apoio
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  • 1. Apoio As histórias e os personagens do mundo das instalações elétricas Volume 3
  • 4. Apoio índice grandes questões Choques elétricos ainda são realidade no Brasil e no mundo. Como o corpo reage à eletricidade e métodos para evitar a fuga de corrente são objetos desta reportagem. história A origem e a difusão dos fusíveis e dos disjuntores, dispositivos de proteção fundamentais às instalações elétricas em todos os níveis de tensão. biografia As aventuras e as contribuições do engenheiro português Armando Reis Miranda para as instalações elétricas brasileiras. dentro da lei Presente em praticamente todos os países e em todos os segmentos econômicos, a pirataria e a contrafação de produtos têm uma longa história, diferentemente das Leis que as coíbem, que são relativamente recentes. evolução Dos árduos e cansativos projetos elétricos desenhados a mão em papéis de seda aos rápidos e também eficazes softwares de projetos. Como o avanço tecnológico conferiu enérgicas e profundas transformações à profissão do projetista. identidade As raízes culturais do Brasil são uma das justificativas para a despreocupação do brasileiro com normas, leis e regulamentos técnicos. Veja como o comportamento baseado no “jeitinho brasileiro” acaba comprometendo, muitas vezes, a qualidade de projetos e das instalações elétricas, afetando, de modo geral, o desenvolvimento do País. descontração Jogo desafia o leitor a identificar os sete erros na instalação elétrica ilustrada Diretores Adolfo Vaiser José Guilherme Leibel Aranha Gerência de planejamento Sergio Bogomoltz sergio@atitudeeditorial.com.br Circulação Emerson Cardoso emerson@atitudeeditorial.com.br Marina Marques marina@atitudeeditorial.com.br Administração Paulo Martins Oliveira Sobrinho adm@atitudeeditorial.com.br Jornalista responsável Flávia Lima MTB 40.703 flavia@atitudeeditorial.com.br Coordenador técnico Hilton Moreno Direção de arte e produção Leonardo Piva leo.piva@terra.com.br Colaboradores Bruno Moreira, Leonardo Faria, Mauro Júnior, Sergio Bogomoltz Revisão Gisele Folha Mós Publicidade Diretor comercial Adolfo vaiser adolfo@atitudeeditorial.com.br Contatos Publicitários Ana Maria Rancoleta anamaria@atitudeeditorial.com.br Vanessa Marquiori vanessa@atitudeeditorial.com.br Cesar Dallava cesar@atitudeeditorial.com.br Capa Kanji Design Impressão Gráfica Ipsis Distribuição Correios Atitude Editorial Ltda. Rua Piracuama, 280 cj. 72 / Pompéia CEP 05017-040 / São Paulo - SP Fone/Fax - (11) 3872-4404 www.atitudeeditorial.com.br atitude@atitudeeditorial.com.br expediente 8 40 34 30 22 18 12 06-07 cartaaoleitor Hilton Moreno, engenheiro eletricista, consultor e presidente da Associação Nacional de Fabricantes de Produtos Elétricos - Nema Brasil Caro amigo(a) do setor de instalações elétricas, Começo esta carta agradecendo mais uma vez a todos que continuam apoiando o projeto da Coleção Elétrica, seja por meio de mensagens eletrônicas, cartas, telefonemas ou durante conversas pessoais. Fico também muito feliz por saber que novos colegas passaram a receber e apreciar o conteúdo desta publicação. Permanentemente estimulados pelos leitores e motivados a trazer novos e úteis conhecimentos aos profissionais, preparamos para esta terceira edição da Coleção Elétrica algumas matérias que atendem aos objetivos do projeto. Você encontrará interessantes textos sobre a história dos fusíveis e dos disjuntores, componentes indispensáveis à proteção das instalações elétricas; sobre a evolução do projetista, profissional que sofreu diversas transformações com os avanços tecnológicos; sobre os efeitos da eletricidade no corpo humano; entre outras temáticas. Como nas vezes anteriores, destaco a seção “Biografia”, em que o homenageado é uma figura ímpar do setor: o engenheiro eletricista, nascido em Portugal e com brilhante carreira no Brasil, Armando Reis Miranda, ou, como carinhosamente o tratamos no dia-a-dia, simplesmente, Engenheiro Miranda. Como poderá ser apreciado ao longo do texto, sua história de vida é um aprimorado exemplo de luta, dedicação, persistência, coragem e desafios. E tudo isso recheado de muita competência, conhecimento teórico e complementados por vivência prática inigualável. Pessoalmente, tem sido um grande aprendizado conviver profissionalmente com o Engenheiro Miranda, particularmente nas reuniões da ABNT, nas quais ele se destaca com suas posições técnicas firmes e conceitos sólidos, que muito têm contribuído para o avanço da normalização técnica nacional. Faço votos para que você, amigo(a) leitor(a), aprecie este terceiro fascículo da Coleção Elétrica e aguardamos com todo interesse seus comentários, críticas e sugestões. Boa leitura e abraços! Hilton Moreno
  • 5. Apoio Visitas esporádicas a jornais impressos e televisivos facilmente reforçam a afirmação de que acidentes domésticos causados por choques elétricos são há anos fatos corriqueiros no Brasil e no mundo. A fatalidade ocorre, na maioria das vezes, quando a pessoa encontra-se com o corpo molhado, como foi o caso do menino argentino Farid Affad. A criança de sete anos nadava na piscina de um hotel luxuoso da Bahia quando, ao avistar um refletor que se encontrava próximo à borda da piscina, esforçou-se para alcançá-lo. O equipamento estava com um fio desencapado e a passagem de corrente elétrica para o garoto foi inevitável. grandesquestõesPorBrunoMoreira 08-09 Pára-choque elétrico Ilustração:MauroJr. Outro caso, este com grande destaque na mídia, curiosamente, aconteceu também na Bahia. O músico da banda Olodum, José Nilton Teixeira de Souza, 22 anos, conhecido como Zóião, havia acabado de sair do banho, quando, ainda molhado, encostou- se no refrigerador, recebendo a descarga elétrica. Em ambos os casos, o desfecho da história foi fatal. Tanto o músico quanto o menino argentino chegaram a ser levados ao hospital com vida, mas não resistiram. Como o corpo reage Grande parte das pessoas sabe, ou deveria saber, que choques elétricos podem ser fatais. Mas o que exatamente acontece com nosso corpo e em quais condições ele nos leva à morte? Para que a resposta possa ser dada com propriedade, primeiro, deve-se ressaltar, conforme nos informa o engenheiro eletricista e professor Hilton Moreno, que todas as sensações do corpo humano, de uma forma ou de outra, são produzidas por sinais elétricos que são enviados pelas células nervosas ao cérebro. Assim funciona nosso coração. A grosso modo, ele recebe estímulos elétricos causados por reações químicas internas e se contrai; o sangue circula e todos os outros órgãos começam a trabalhar. A peculiaridade da situação é que a passagem de uma corrente elétrica externa, causada por um choque, é sentida pelo coração da mesma forma, interferindo no batimento cardíaco regular. A contração se desorganiza e, em alguns casos, pode ser impossível restabelecer o batimento coordenado necessário para promover a circulação do sangue; conseqüentemente o corpo entra em colapso e a pessoa não resiste. A intensidade que uma corrente elétrica deve ter para que seja percebida conscientemente por uma pessoa é chamada de “limiar de percepção”. De acordo com Hilton Moreno, esse limite depende de muitos fatores, como a área do corpo que está em contato com o condutor de eletricidade, a temperatura, as condições psicológicas do indivíduo, se ele está calmo ou estressado e se a pele está seca ou molhada. De qualquer modo, em freqüências de 50 Hz e 60 Hz, que são as mais usuais nas instalações elétricas em todo o mundo, o “limiar de percepção” ficará em torno de 0,5 mA. Há também, de acordo com Moreno, o “limite de largar”, ponto além do qual a corrente elétrica que flui pelo corpo provoca um estímulo nervoso, paralisando os músculos, fazendo uma pessoa em contato com um condutor vivo não ser mais capaz de soltá-lo, fenômeno chamado de “tetanização”. A corrente supera os impulsos elétricos que são enviados pela mente e os anula, podendo bloquear um membro ou o corpo inteiro, ignorando totalmente a consciência do indivíduo e a sua vontade de interromper o contato. Este limiar também depende de diversos fatores, mas, em geral, fica entre 6 mA e 14 mA (média 10 mA) em mulheres e entre 9 mA e 23 mA (média de 16 mA) em homens. Em relação aos efeitos cardíacos, há também um limite para que o batimento comece a se descompassar. O chamado limiar da fibrilação ventricular depende igualmente de vários fatores próprios de cada indivíduo, mas, da mesma forma, de parâmetros elétricos como duração, caminho e tipos de corrente (alternada ou contínua). No caso da corrente alternada, diz o engenheiro Hilton Moreno, há uma considerável redução neste limiar quando ela circula por mais de um ciclo cardíaco. Experiências práticas têm mostrado que correntes de 5 mA já provocam choques desconfortáveis. Sem as devidas precauções técnicas e sem a merecida atenção, especialmente, em ambientes molhados, o corpo humano, desprotegido, funciona como um verdadeiro imã de corrente elétrica. São nestas situações que a eletricidade passa de benéfica para malévola em um piscar de olhos. Com a passagem de corrente elétrica pelo corpo, a contração do coração se desorganiza. Em alguns casos, é impossível restabelecer o batimento coordenado necessário para promover a circulação sangüínea.
  • 6. Apoio 10-11 Para garantir Em determinados circuitos da instalação, a norma ABNT NBR 5410 indica que a proteção contra choques elétricos deve ser realizada obrigatoriamente por DRs de alta sensibilidade, ou seja, com corrente diferencial-residual nominal igual ou inferior a 30 mA. É o caso dos seguintes circuitos: • que servem a pontos de utilização situados em locais contendo banheira ou chuveiro; • que alimentam tomadas de corrente situadas em áreas externas à edificação; • de tomadas de corrente situadas em áreas internas que possam alimentar equipamentos no exterior; • que, em locais de habitação, servem a pontos de utilização situados em cozinhas, copas-cozinhas, lavanderias, áreas de serviço, garagens e demais dependências internas molhadas em uso normal ou sujeitas a lavagens; • que, em edificações não-residenciais, servem a pontos de tomada situados em cozinhas, copas-cozinhas, lavanderias, áreas de serviço, garagens e, no geral, em áreas internas molhadas em uso normal ou sujeitas a lavagens. Como se proteger Para evitar riscos à vida do ser humano, faz-se mais do que necessária a adoção de medidas de proteção contra possíveis passagens de corrente elétrica proveniente de equipamentos para o corpo humano. A ABNT NBR 5410 – norma de instalações elétricas de baixa tensão – indica que o princípio fundamental relativo à proteção contra choques elétricos compreende que as partes vivas perigosas não devem ser acessíveis (para evitar o contato direto) e que as massas ou partes condutoras acessíveis não devem oferecer perigo, seja em condições normais, seja em caso de alguma falha que as tornem acidentalmente vivas (para evitar o contato indireto). Para evitar contatos diretos, a norma prescreve a proteção básica, que consiste na isolação das partes vivas; no uso de barreiras ou invólucros de proteção; em obstáculos; na colocação fora do alcance das pessoas; no uso de dispositivos de proteção à corrente diferencial-residual de alta sensibilidade; e na limitação de tensão. Para evitar contatos indiretos, deve haver a proteção supletiva, que inclui medidas, como eqüipotencialização e seccionamento automático da alimentação, o uso de isolação suplementar e o de separação elétrica. De modo geral, informa o engenheiro eletricista Sérgio Bogomoltz que a proteção básica de uma instalação elétrica incorpora todos os anteparos contra a eletricidade, como a parte plástica da tomada, a cobertura dos condutores e o soquete. “O intuito é que a pessoa encontre barreiras”, diz. Já a proteção suplementar leva em conta a possibilidade de a parte metálica do condutor encostar, por exemplo, em uma tubulação metálica. Invariavelmente, uma corrente passará por esse condutor que, ao estar em contato com outro material condutivo, irá energizá-lo. Em uma reação em cadeia, a corrente passará do equipamento para uma pessoa que tocá-lo. A proteção supletiva, de acordo com Bogomoltz, é um conjunto de ações que tem início com o aterramento das partes metálicas de uma instalação. Com isso, a corrente que passaria diretamente para a pessoa em números menores devido à alta resistência ôhmica do corpo humano é transformada em uma “grande” corrente que é escoada pela terra. O engenheiro informa que esse valor mais elevado da corrente será responsável por acionar o seccionamento automático da alimentação que é a medida suplementar na proteção das instalações elétricas. O objetivo do seccionamento é evitar que uma tensão de contato (UB) superior à tensão de contato limite (UL) se mantenha por um tempo suficiente para resultar em risco de efeito fisiológico adverso às pessoas. Os fusíveis e os disjuntores podem funcionar como dispositivos de proteção contra choques elétricos, contudo, como suas sensibilidades para detectar alguma falta na corrente que perpassa os condutores são baixas, normalmente, o dispositivo utilizado – apontado pela NBR 5410 – é o Diferencial Residual, mais conhecido como DR. O funcionamentodestedispositivo,explicaresumidamente,Bogomoltz, consiste na verificação da soma vetorial de todas as correntes que percorrem os condutores de uma instalação elétrica. Em condições normais, o somatório será igual a zero. Caso haja alguma falta de corrente, o DR acusará e desligará os aparelhos. De acordo com Hilton Moreno, a NBR 5410 aponta que esses equipamentos podem ser de dois tipos: de alta sensibilidade (até 30 mA inclusive) e de baixa sensibilidade (acima de 30 mA). Segundo o engenheiro, em esquemas de aterramento TN, que são os mais utilizados nas instalações brasileiras, a proteção supletiva sempre é garantida, conforme determina a NBR 5410, pelo DR, seja de alta ou de baixa sensibilidade. Tipos de DR Nos Estados Unidos e no Japão, é muito difundido o uso dos DRs eletrônicos, os quais possuem nível da proteção maior, com valores de correntes de sensibilidade de 5 mA, especialmente nas proteções incorporadas diretamente nas tomadas. Já na Europa, assim como nos países que seguem a norma IEC, o uso do dispositivo eletrônico é limitado a uma proteção adicional, conforme prescreve a ABNT NBR 5410, que não proíbe o uso do DR eletrônico, todavia impõe que ele poderá ser utilizado desde que haja também uma proteção diferencial eletromecânica. Definições: - DR eletromecânico É um dispositivo diferencial que possui um sensor eletromagnético de correntes residuais e um sistema disparador mecânico que faz atuar o desligamento dos contatos do dispositivo. A atividade deste produto não depende da tensão de alimentação. - DR eletrônico É um dispositivo que possui, no seu sistema sensor, um circuito eletrônico que faz a soma vetorial das correntes diferenciais e que pode aumentar a sensibilidade do sensor, impondo a necessidade de uma tensão de alimentação para que o dispositivo funcione. O DR eletromecânico, por não depender da tensão de alimentação, estará sempre supervisionando a situação da instalação, independentemente da condição de tensão de entrada ou sua alimentação. Já o eletrônico, em caso de perda da alimentação, além de não prover a proteção, também impõe a necessidade de religamento (reset) ao retorno na tensão de alimentação. O DR é tido pelos engenheiros eletricistas como um dispositivo que traz segurança ao projeto e tranqüilidade ao projetista e ao usuário. Como não há garantias de que, após um longo uso das instalações, a corrente passe adequadamente pelos condutores sem que haja uma descarga de energia para qualquer aparelho, e como não é possível saber se somente o sistema de aterramento dará conta de uma falta na passagem da corrente, emprega-se o DR como uma medida imprescindível para a prevenção de acidentes. Funcionando como um verdadeiro inspetor de qualidade da instalação elétrica, o DR pode, justamente por isso, trazer alguns inconvenientes àqueles que o tiverem instalado em sua residência. Isso porque, caso uma determinada instalação não esteja nas melhores condições de funcionamento, apresentando elevadas correntes de fuga, o dispositivo será sempre acionado, seccionando a alimentação de energia elétrica, ou seja: o jantar à luz de velas virará rotina. Dessa forma, faz-se necessário, obviamente, uma análise minuciosa das condições da instalação antes que seja colocado o DR. Para evitar que acidentes relacionados a choques elétricos ocorram, o engenheiro eletricista Hilton Moreno recomenda que o morador chame um profissional para verificar se seu edifício possui um DR instalado e, caso exista, se está funcionando corretamente, se há um sistema de aterramento adequado e ativo, se todas as caixas, tanto nas áreas comuns quanto nos apartamentos, têm um fio terra em seu interior. Por último, mas não menos importante, que a atenção redobre, principalmente, ao manejar equipamentos elétricos em ambientes molhados ou sujeitos a lavagens, áreas de maior risco.
  • 7. Apoio história Relativamente simples, embora com mecanismo complexo, os disjuntores e os fusíveis são, provavelmente, os dispositivos mais conhecidos de uma instalação elétrica e indispensáveis à sua proteção. Nasceram de uma necessidade gerada a partir do desenvolvimento da energia elétrica. Primeiro, para proteger o filamento da lâmpada recém descoberta, inventou-se o fusível. Mais tarde, o avanço industrial motivou a criação dos disjuntores. Os dispositivos ganharam escala e tornaram-se indispensáveis em praticamente todas as instalações elétricas. Ambos têm a missão primária de proteger os componentes dos sistemas elétricos contra sobrecargas e curtos-circuitos. Não se sabe quando exatamente surgiu o primeiro fusível. É fato que, nos anos 1860, fios de platina desempenhavam seu papel, sendo empregados para proteger cabos submarinos. Oficialmente, o primeiro fusível teria aparecido com a patente de Thomas Edison, em 1880, mas há indícios de que a primeira alusão ao equipamento data de, pelo menos, cem anos antes. PorFláviaLima Frutos da necessidade 12-13 O fusível As primeiras referências ao fusível que se tem notícia são de 1774, em textos de Edward Nairne, quando este menciona proteção elétrica em experiências com energia eletrostática. Conforme relata o livro Electric fuses, editado pela IEE Power & Energy Series, a próxima citação do dispositivo ocorreria apenas em 1887, durante a apresentação de um trabalho de A. C. Cockburn à Sociedade de Engenheiros Telegráficos. Nesse momento, veio a público a informação de que fios de platina eram utilizados com o objetivo de proteger cabos submarinos em 1864. Aproximadamente uma década depois, em 1879, um considerável número de “fusíveis” começou a ser utilizado, mas descobriu-se que essa simples construção de fios não era adequada para algumas aplicações. Foi então que, naquele ano, o professor S. P. Thompson introduziu um novo e melhorado modelo de fusível. Consistia em dois fios de aço conectados juntos a uma esfera metálica. Acreditava-se que a esfera poderia ser uma liga de chumbo ou estanho ou algum material condutor com baixo ponto de fusão. Quando uma corrente elevada atravessasse o fusível por um longo período, derretendo o chumbo, as gotas caiam dos fios, interrompendo o circuito. Em um modelo mais sofisticado, Cockburn usou um peso para tracionar um fio de platina que se fundia a partir de um determinado nível de corrente. Com isso, explica o engenheiro eletricista Paulo de Almeida Junior, gerente de marketing da Para suprir a necessidade de proteger a lâmpada, nasceu o fusível. Anos mais tarde, para atender a uma demanda industrial, o disjuntor foi criado. Com a função de oferecer segurança às instalações elétricas, ambos os dispositivos logo passaram a ser empregados em larga escala e em todo o mundo. Bussmann, atuações com correntes eram possíveis entre 1,5 e 2,0 vezes a corrente nominal atribuída a cada conjunto. Uma variação desse sistema foi patenteada em 1883 por C. V. Boys e H. H. Curryngham. No seu arranjo, a corrente fluía por meio de dois filamentos que eram soldados juntos em suas extremidades. Alguns mecanismos que desempenhavam a função de proteção foram desenvolvidos, mas nada muito parecido ao conhecido fusível. Foi então que demonstrações de lâmpadas de filamentos incandescentes ocorridas na Grã Bretanha, pelo físico Joseph Swan, em 1878, e quase simultaneamente por Thomas Edison, nos Estados Unidos, estimularam o surgimento dos primeiros fusíveis efetivamente. De acordo com o livro Electric fuses, os fusíveis de Swan não eram muito empregados para proteger instalações elétricas contra sobrecargas ou curtos-circuitos, mas para salvaguardar as lâmpadas contra falhas no filamento. O dispositivo compreendia um filamento de cobre-latão envolvido em um material arco extinguível. Já, em 1880, Thomas Alva Edison teria criado o primeiro fusível mais parecido com o que vemos no mercado, com o encapsulamento de um fio delgado em um cartucho de vidro, protegendo as partes adjacentes, ou mesmo algum operador próximo, de eventuais faíscas resultantes da atuação do fusível. O invento de Edison, segundo o gerente de marketing do Grupo Legrand, Antonio Eduardo de Souza, teria sido incitado por um problema. Thomas Edison construiu sua primeira central elétrica, Fusível desenvolvido por Thompson, em 1879. Modelo de fusível criado por Cockburn, no fim do século XIX.
  • 8. Apoio 14-15 A primeira patente do fusível foi adquirida por Thomas Edison em abril de 1881. Fonte: Bulbcollector.com A história define o fusível como um invento de Thomas Edison, mas o físico Joseph Swan participou significativamente dessa criação. A dúvida sobre quem seria o inventor do fusível foi, inclusive, tema de algumas cartas trocadas entre físicos no início do século XX. Parte de uma dessas correspondências, assinada por J. H. Holmes, e escrita em 1932, é reproduzida a seguir e evidencia a dúvida sobre quem efetivamente teria introduzido o fusível. “Relembrando a origem dos fusíveis, eu sempre encontro incertezas sobre quem realmente deveria levar o crédito de ser o seu primeiro inventor. Trata-se de um caso muito claro de que ‘a necessidade foi a mãe da invenção’. Estive procurando registros sobre o que se sabe acerca de fusíveis no início dos anos de 1880 e o primeiro volume do livro Electric Illumination – compilado por J. Dredge e publicado em agosto de 1882, em Ofícios da Engenharia – revela, na página 630, que a patente de Edison, adquirida em 1881, parece ser a primeira notificação de fios de proteção. Diz também que o invento de Edison era chamado de ‘safety guard’. Creio, entretanto, que Swan tenha usado um artifício para o mesmo propósito antes de abril de 1881. Isso porque ‘Cragside’ (primeira casa a ser iluminada com energia elétrica, localizada na Inglaterra) perto daqui, foi iluminada com as lâmpadas de Swan em meados de dezembro de 1880. (...) Na descrição de iluminação elétrica do sistema de Swan, encontrada no projeto do Teatro Savoy, de 3 de março de 1882, os fusíveis de segurança (shunts) estão referidos ‘não demasiado intencionado a proteger contra os perigos, os quais estão próximos à impossibilidade de ocorrer no trabalho prático, mas de proteger as lâmpadas contra a destruição por sobrecarga’. Isso confirma o que Campbell Swinton disse sobre o Drawing Office at Elswick, em 1882, de que já havia ‘um vasto número de chaves, fusíveis, interruptores e outros aparatos’ ”. Origem: Estados Unidos Data: 1890 Acabamento: vidro transparente Base: média, ideal para lâmpadas de T. Edison Curiosidade: Até o ano de 1900, todos os fusíveis de Edison eram feitos de vidros transparentes. Fabricante: General Electric Origem: Estados Unidos Data: 1897 Acabamento: porcelana Cor: latão Base: média, ideal para lâmpadas de T. Edison Curiosidade: os fusíveis da GE, de até 25 A, possuíam coberturas removíveis de latão. A patente deste fusível permaneceu de 1882 a 1897. Fabricante: General Electric Origem: Estados Unidos Data: 1919 Tensão: 125 V Acabamento: porcelana Cor: latão Base: média, ideal para lâmpadas de T. Edison Curiosidade: Os fusíveis de 15 A / 125 V possuíam uma cobertura removível de latão e janela de inspeção com formato hexagonal. Sua patente teve duração de 1911 a 1919. Fabricante: General Electric Origem: Estados Unidos Data: 1919 Tensão: 125 V Acabamento: porcelana Cor: lartão Base: média, ideal para lâmpadas de T. Edison Curiosidade: Os fusíveis de 30 A / 125 V possuíam cobertura removível de vidro e janela de inspeção redonda. Sua patente teve duração de 1911 a 1919. Primeiros fusíveis
  • 9. Apoio 16-17 Convivência harmônica: fusíveis e disjuntores são empregados em instalações elétricas de diferentes níveis de tensão. em escala industrial, o que corresponde ao final do século 19 e começo do século 20. Melhorias foram observadas na primeira metade do século 20 relativas à corrente nominal do dispositivo e ao tempo de interrupção das sobrecorrentes. Antes de 1926, esses tempos eram de cerca de 45 ciclos, sendo que, em 1960, já havia disjuntores com tempos de interrupção de dois ciclos. Uma das primeiras patentes que se sabe do disjuntor refere-se ao voltado para alta tensão, conhecido como SF6, que teria sido desenvolvido na Alemanha em 1938 por Vitaly Grosse e, mais tarde, em 1951, nos Estados Unidos. No Brasil, os disjuntores começaram a ser utilizadas com maior freqüência a partir da década de 1970. AretomadadaurbanizaçãonaEuropaenosEstadosUnidospermitiu a expansão do setor elétrico e a consolidação de grandes multinacionais do segmento, permitindo o desenvolvimento dos disjuntores. Fusível versus disjuntor Os fusíveis apresentam, em geral, menor custo e são mais simples do que os disjuntores. O fusível, tendo atuado uma vez, deve ser substituído, ao passo que o disjuntor, após o seu desarme, pode ser utilizado novamente. No entanto, esta ação pode conduzir o usuário comum a simplesmente rearmar o disjuntor e ignorar a falha elétrica, assim como substituir o fusível sem solucioná-la pode ser perigoso, particularmente, se o problema que ocasionou a queima foi um curto-circuito. Na opinião de Almeida Junior, onde há correntes de curto- circuito mais altas, o fusível ainda tem uma excelente relação O disjuntor Os disjuntores se distinguem dos fusíveis, pois são dispositivos que podem ser rearmados após sua atuação. “São muito mais práticos e adequados para aplicações residenciais e mesmo para algumas aplicações industriais, onde se tem correntes de curto-circuito presumíveis relativamente baixas”, afirma Paulo de Almeida Junior. Com função semelhante à dos fusíveis, os disjuntores possuem uma corrente nominal definida. Ultrapassado este limite, após algum tempo, há o desligamento automático do dispositivo, protegendo, dessa maneira, os componentes da instalação. Não se sabe ao certo quando o disjuntor, como o conhecemos, teria efetivamente sido inventado. Almeida Junior conta que o engenheiro e professor Ademaro Cotrim – biografado da primeira edição desta Coleção – costumava dizer que os disjuntores teriam sido inventados após a crise de 1929. Segundo ele, nesse período, houve um aumento significativo do número de incêndios, pois os fusíveis queimados eram substituídos por moedas e outros objetos metálicos. Nesse instante, a Westinghouse teria começado a fabricar os disjuntores a sopro. Uma forma aproximada de disjuntor foi patenteada nos Estados Unidos por Thomas Edison, em 1879, muito embora seus sistemas usassem fusíveis. O objetivo do dispositivo patenteado era proteger a fiação dos circuitos de iluminação contra sobrecargas e curtos-circuitos acidentais. Há indicações de que os disjuntores começaram a aparecer nos Estados Unidos assim que a distribuição de energia se desenvolveu em Nova York, movida a carvão, conseguindo acender 7.200 lâmpadas por vez, mas esses produtos possuíam um filamento muito sensível às variações elétricas. Com a missão de resolver a questão, nasceu o fusível. O conceito utilizado foi o mesmo empregado nas lâmpadas: fusíveis de vidro, com filamentos com base de algodão e ligas metálicas, que se rompem após o aquecimento provocado por uma sobrecarga ou curto-circuito. O consultor técnico da Schneider Electric, Miguel Rosa Junior, conta que, no final do século XIX, houve um grande avanço quanto ao design dos fusíveis, quando um engenheiro da Brush Electrical Engineering Company, W. M. Mordy, patenteou o primeiro fusível elétrico tipo cartucho. Este dispositivo era preenchido com um material que extinguia o arco elétrico gerado na atuação do dispositivo, seccionando e protegendo o circuito em caso de falta. Com o tempo, os fusíveis ganharam alto desempenho, designs modernos e tamanhos reduzidos, mantendo o mesmo conceito, mas agora composto por um envoltório cerâmico e por um elemento que se funde, no caso de uma sobrecarga ou curto-circuito. Este elemento está imerso em um material arco extinguível arenoso, que elimina o arco elétrico gerado durante sua fundição. Os fusíveis ganharam emprego em todo o mundo, protegendo instalações domésticas, automotivas e industriais em larga escala e em todos os níveis de tensão. A evolução das normas técnicas e o desenvolvimento tecnológico industrial foram os principais contribuintes para o aperfeiçoamento do dispositivo. Disjuntor – alguns dados históricos 1902 Fábricas começam a investir na produção de linhas de fusíveis 1904 Cutter Manufacturing Co., localizada na Philadelphia (EUA), começa a produzir interruptores de circuitos. A companhia introduziu um produto que se tornou um sucesso industrial. Este novo dispositivo protetor, primeiro utilizado como elemento interruptor de tempo inverso, passou a ser conhecido como I-T-E interruptor (I-T-E breaker) 1921 Merlin Gerin fabrica o primeiro disjuntor a óleo para alta tensão 1925 O Código Norte-Americano de Eletricidade (NEC) exige que os disjuntores sejam encapsulados e de fácil operabilidade 1932 Westinghouse inicia comercialização de seu disjuntor a sopro modular 1935 Square D fabrica o primeiro disjuntor para uso residencial 1951 Square D introduz os disjuntores do tipo plug-in no mercado benefício-custo, pois são muito mais baratos e compactos que os disjuntores correspondentes. “Hoje podemos ter um fusível atuando dentro de uma seccionadora para uso em redes de até 200 kA de curto-circuito presumido e com tamanho idêntico a um minidisjuntor modular de 18 mm”. Ele acrescenta que, com o crescente uso de automação, com o uso de inversores de freqüência e outros dispositivos de partida e parada suave à base de componentes eletrônicos de potência (tiristores, transistores, diodos e IGBTs), o fusível ainda se mantém como um dispositivo atual, pois é o único que consegue atuar em menos de meio ciclo de onda, limitando adequadamente o I2t, que é a energia que fluiria para os componentes eletrônicos sensíveis. São os fusíveis “ultra- rápidos”, indicados para uso em correntes de curto-circuito de até 300 kA. Tais fusíveis são confeccionados com elementos de prata, enclausurados em um corpo de um tipo de cerâmica especial, chamada esteatita, preenchido com areia impregnada com resina curada em autoclaves. A maior evolução nos disjuntores nos últimos anos foi, de acordo com Miguel Rosa Junior, os limitadores, que possuem a capacidade de atuar de forma muito rápida em curtos-circuitos de alta intensidade. Quanto maior o nível de curto-circuito, mais rápida é a atuação de disparos do disjuntor. Com isso, foi possível utilizar os disjuntores em aplicações heavy-duty (mineração, siderurgia) ou sensíveis (hospitais, data centers), em razão do alto grau de eficiência na resposta às ocorrências anormais que possam surgir nas instalações elétricas.
  • 10. Apoio Quando chegou em terras brasileiras para começar uma nova etapa de sua vida, o engenheiro eletricista português Armando Reis Miranda já não era mais nenhuma criança. Tinha 52 anos, uma família formada e uma carreira estruturada em Lisboa, cidade na qual nascera e vivera até aquele momento. Com tudo isso, por que mudar então? Trocar a solidez conquistada com duro esforço na Europa por um caminho movediço em um país estrangeiro parecia insensatez mesmo para o mais aventureiro e destemido dos homens. Entretanto, o engenheiro não tinha muitas alternativas: ou procurava outro país para viver ou ficava em Lisboa e enfrentava os dias tumultuados da Revolução dos Cravos, movimento liderado por comunistas, que começou em 1974, e exigia severas reformulações na estrutura sociopolítica de Portugal. Por já ter uma vida estabilizada e algumas posses, Miranda tornou-se um dos alvos dos revolucionários que tinham o intuito de balançar as estruturas. “Mais de uma vez recebi biografiaPorBrunoMoreira 18-19 Repetindo seus antepassados, o engenheiro português Armando Reis Miranda cruzou o oceano atlântico para desbravar novas terras. Conseguiu o seu espaço e atualmente é um profissional respeitado no país que escolheu para viver. telefonemas em casa com ameaças de morte”, conta. “Não pude aguentar àquela loucura toda e por isso resolvi ir embora”. Em março de 1975, Miranda despediu-se de sua esposa e dos seis filhos e viajou para a Bélgica, ficando pouco tempo por lá. “Naquela época, a Europa inteira passava por um momento conturbado”, diz. Em julho do mesmo ano, ele já estava no Brasil, país que havia sido destino de seu irmão mais novo algum tempo antes. Ao contrário de seu irmão, que ficou pouco tempo por aqui, Miranda ficou e acreditava que podia contribuir muito com sua vasta experiência para um país relativamente jovem como o Brasil. Acertou. Em Portugal A experiência de Armando Reis Miranda, em sua grande parte, foi conseguida em Portugal, mais especificamente, em Lisboa, cidade na qual nasceu em 1923. Com 24 anos, Miranda formou-se engenheiro eletricista pelo Instituto Superior Técnico e começou a trabalhar na área, como assistente, no laboratório da universidade em que havia estudado. A primeira atitude que tomou logo depois de se formar, porém, não foi arrumar um emprego e sim casar-se com Maria Fernanda. Estão juntos desde então. “Já são 61 anos de união”, conta o engenheiro. Logo depois, Miranda foi servir o exército português, obrigatoriedade como aqui, com a diferença de que, no Brasil, o jovem deve alistar-se ao completar 18 anos e, em Portugal, é possível esperar o término dos estudos universitários. O engenheiro conta que os militares lusitanos prezam pela qualificação de seus novos integrantes, utilizando-a em benefício das forças armadas. No entanto, Miranda não quis seguir carreira e, findado o tempo obrigatório de serviço militar, ele foi empregado como técnico em acústica do Laboratório de Engenharia Civil de Lisboa, função que exerceu até o ano de 1954. Antes de finalizar seu período como técnico no laboratório, o engenheiro abriu, em 1953, com alguns colegas, uma sociedade para a realização de projetos na área elétrica. A empresa de Miranda não se limitava apenas a isso e fabricava também quadros elétricos de média e baixa tensão . “Projetávamos e comercializávamos também instalações elétricas para carros”, acrescenta o engenheiro. “Chegamos a ter mais de 300 funcionários”. Navegar é preciso Miranda introduziu no País a técnica de utilizar as ferragens das fundações dos edifícios para realizar a proteção contra descargas atmosféricas.
  • 11. Apoio 20-21 O crescimento e o sucesso da empresa de Miranda também refletiram na internacionalização de seus negócios. A fábrica chegou a ter até uma sucursal em Angola e, por conta disso, o engenheiro português chegou a morar seis meses no país africano. Outros países para os quais Miranda vendia seus equipamentos e prestava serviços eram Bélgica, Inglaterra e Alemanha. Para este último, por conta dos negócios, o engenheiro eletricista chegou a ir muitas vezes. “Cheguei até a aprender o idioma alemão”, diz. A aventura empresarial de Miranda terminou com a venda de sua empresa de painéis elétricos a uma gigante alemã, a Siemens. O engenheiro relata que, mesmo após a passagem do comando da fábrica aos alemães, ele continuou trabalhando na área, como prestador de serviços à Siemens. Posteriormente, veio a Revolução dos Cravos, o descontentamento com a situação de Portugal e o exílio. Como um navegador da época do descobrimento, Miranda aportou em terras tupiniquins. No Brasil O começo foi difícil. Praticamente sozinho na cidade de São Paulo, Miranda teve de se virar. Além de seu irmão, o engenheiro eletricista conhecia poucas pessoas em solo brasileiro, somente alguns engenheiros, professores da Universidade de São Paulo (USP), para os quais, em Portugal, já havia escrito cartas com o intuito de se inteirar a respeito do mercado brasileiro. Deu certo, conseguiu um emprego no Consórcio Nacional de Engenheiros Consultores (Cenel), mas ficou pouco tempo por lá, sendo contratado, em 1976, pela Themag Engenharia e Gerenciamento, na qual participou da construção da usina hidrelétrica de Itaipu. A experiência conquistada na Themag ficou, mas o emprego não. Menos de um ano depois de ter iniciado suas atividades na empresa, Miranda conseguiu um novo: em uma companhia finlandesa que realiza projetos elétricos na área de papel e celulose chamada Jäakko Poyry. Dessa vez, o engenheiro veio para ficar e só deixou a empresa onze anos depois, em 1988. Neste intervalo, houve mais histórias para contar que reiteram sua competência. Miranda relembra que, certa vez, na Jääkko Poyry, ao desenvolver programas de computação na área elétrica para estabilidade, fluxo de carga e aterramento, que seriam utilizados Fotos:SérgioKanazawa “Schelkunoff entendeu que a teoria da energia irradiada para a luz solar poderia ser utilizada na eletrodinâmica. Eu aprendi desse jeito na faculdade, mas não está certo” Armando Reis Miranda
  • 12. Apoio 22-23 Querela com Schelkunoff Propiciar que Armando Reis Miranda participasse do projeto de um dos maiores empreendimentos geradores de energia elétrica do mundo não foi a única coisa que a Themag fez pelo engenheiro, pois, segundo ele, foi trabalhando pela empresa que ele se deu conta de que aquilo que haviam lhe ensinado na faculdade de engenharia estava errado. Miranda refere-se à utilização, por parte do matemático russo, Sergei Alexander Schelkunoff, dos estudos sobre eletromagnetismo feitos pelo físico e matemático escocês James Clerk Maxwell sobre a Lei da Indução Magnética e do físico e químico inglês Michael Faraday. De acordo com o engenheiro eletricista português, Schelkunoff acreditou que se podia empregar as teorias de Maxwell sobre energia irradiada e energia conduzida. “Ele generalizou; tirou que a luz natural era eletricidade. Ele entendeu que a teoria de energia irradiada para luz solar poderia ser utilizada na eletrodinâmica. Eu aprendi desse jeito na faculdade, mas não está certo”, desabafa Miranda, que, desde então, tenta convencer as pessoas da área sobre isso. “Mas convencer os professores das universidades é muito difícil. Eles acham que é mais cômodo deixar como está”. Segundo o engenheiro eletricista, o que lhe falta de apoio entre os acadêmicos sobra entre os profissionais das indústrias. E este suporte foi um dos fatores que levou Miranda a publicar, em 1994, o livro Instalações Elétricas Industriais, publicação que, conforme o engenheiro, versa, entre outros assuntos, a respeito das teorias do cientista russo e de suas impossibilidades. Em relação aos leitores, Miranda não tem dúvidas de que muitos deles seguem o que está escrito em sua publicação. “Isso está claro porque não podem acreditar nas fantasias que os professores universitários ensinam”, afirma. O livro do engenheiro teve, até o momento, somente uma edição, mas, caso haja mudanças referente aos ensinamentos de Schelkunoff, Miranda promete uma revisão e a segunda edição de seu livro. Com o intuito de difundir ainda mais sua crítica em relação ao cientista russo, Miranda não se limitou apenas ao livro e escreveu uma série de artigos para uma revista especializada. Em um deles analisou a eficácia de procedimentos de proteção contra os efeitos da corrente do raio, apresentou um caso real e resultados de ensaios, apontando o motivo de muitos erros e tropeços nessa abordagem. Nada mais que o estudo de Sergei Schelkunoff, considerado uma referência na matéria, e que ignora, segundo Miranda, de forma generalizada, a Lei da Indução Magnética, de Faraday, que é indispensável. por ele na filial brasileira, o sucesso foi tanto que ele foi chamado para implantar o mesmo sistema na sede situada na Finlândia. Lá, mais uma outra oportunidade: realizar programas de computação para serem utilizados em linhas de alta tensão. Concomitantemente ao trabalho na companhia finlandesa, o engenheiro eletricista atuava como consultor privado na J. Alves Veríssimo, proprietária do Grupo Eldorado. Miranda entrou na empresa por volta de 1978 e prestou serviços até 1990, ano em que se aposentou definitivamente. Foi na J. Alves Veríssimo que ele conheceu o engenheiro civil e eletricista Eurico Freitas Marques. Os dois fizeram parte da equipe de engenheiros responsável pela construção do tradicionalshoppingpaulistanoEldoradoedeseusupermercado, que agora pertence ao Carrefour. “Eu projetei a parte hidráulica e ele a elétrica”, conta Marques, que chegou ao Grupo em 1983, cinco anos depois da entrada de Miranda. De acordo com Eurico Marques, o engenheiro português foi de extrema importância para o projeto do Shopping Eldorado. Expert na parte de aterramento, Miranda foi o responsável por todo o sistema de proteção contra descargas atmosféricas do shopping. Aliás, foi ele quem introduziu no País a técnica de utilizar as ferragens das fundações dos edifícios para realizar tal função. “Isso já era feito na Inglaterra e em alguns outros países, mas fui eu quem trouxe essa técnica para o Brasil”, afirma o engenheiro eletricista português. Antes, conforme Miranda, as construções brasileiras costumavam ter descidas externas para realizar a proteção. Marques destaca também a importante participação de Miranda na redução do fator de potência da energia consumida pelas instalações do Shopping Eldorado. Segundo o engenheiro eletricista e civil, essa era uma grande preocupação do Grupo, já que acarretava em um aumento da conta de energia elétrica paga pela empresa. Por meio de um processo de racionalização em que programava o início de funcionamento dos equipamentos do shopping, principalmente dos condicionadores de ar, Miranda conseguiu solucionar o problema. Paralelamente ao trabalho como engenheiro eletricista na Jääkko Poyry e na J. Alves Veríssimo, Armando Reis Miranda também arrumou tempo para ajudar seus companheiros de profissão com questões relacionadas à normalização de equipamentos e instalações elétricas. “Eu participei durante muito tempo do Comitê Brasileiro de Eletricidade, Eletrônica, “Miranda era um participante ativo das reuniões do Cobei. É um profissional obstinado por essa área normativa” Paulo Barreto
  • 13. Apoio 24-25 Iluminação e Telecomunicações (Cobei) na área de descargas atmosféricas, instalações elétricas prediais e subestações”, conta o engenheiro, que pelo Cobei ajudou também na elaboração da norma de caldeiras elétricas. No Cobei, Miranda participou também da elaboração da famosa NBR 5410. Durante as reuniões, ele conheceu o engenheiro eletricista Paulo Barreto, que pôde acompanhar de perto o trabalho do engenheiro português. “Ele era um participante ativo”, avalia Barreto. Ainda é, pois, de acordo com Barreto, o engenheiro continua participando das reuniões. “Ele é um profissional obstinado por essa área normativa”, diz. Uma grande família Aos 85 anos, Miranda continua trabalhando. Aposentando há mais de 15 anos, ele, como haveria de ser, diminuiu o ritmo, mas sempre que pode, coloca sua vasta experiência em prática, prestando serviços com consultor. Menos trabalho, mais tempo para família. E que família! São seis filhos que se multiplicaram em 16 netos e dois bisnetos. Miranda informa que, no entanto, nem todos moram aqui. Como já tinha mais de cinqüenta anos quando migrou para o Brasil, alguns de seus filhos, com raízes mais fincadas em Portugal, decidiram não seguir os passos do pai. “Quatro deles vieram para cá, mas um logo voltou”. E dos filhos que resolveram ficar no Brasil, um deles atualmente mora nos Estados Unidos. No apartamento de um prédio na Alameda Casa Branca moram Armando Reis Miranda e sua esposa Maria Fernanda, que simpaticamente interrompe a entrevista para nos oferecer um cafezinho. Não obstante a idade avançada, o casal mostra vitalidade e bom humor. “Eu não quero café”, diz Miranda. “Para você é facultativo”, redargüi Maria Fernanda. Sobram histórias na trajetória de Miranda, histórias de uma vida que ele mesmo define como agitada. A agitação passou, parece, pelo menos diminuiu, como acontece com todo mundo, mas a energia de continuar tocando projetos ainda permanece, o mais arrojado deles é a revolução que o engenheiro pretende estabelecer na aplicação atualmente feita pelos engenheiros da Lei da Indução Magnética. Esperemos os próximos capítulos da vida do engenheiro português, ou melhor dizendo, brasileiro.
  • 14. Apoio dentrodalei Golpe baixo Produtos falsificados de todos os segmentos econômicos são encontrados, sem grandes esforços, em toda parte. Além de oferecem riscos aos consumidores, sua existência é criminosa, incita a concorrência desleal e desmotiva empresas a investirem em pesquisa e desenvolvimento O primeiro a usar o termo “pirata” foi Homero, na Grécia antiga, para descrever aqueles que depredavam e roubavam navios e cidades costeiras. Piratas navegavam pelos mares, especialmente, seguindo rotas comerciais com o objetivo de saquear outros navios e apoderar-se de riquezas. O termo tornou-se popular, sofreu algumas transformações ou atualizações ao longo do tempo, mas não perdeu seu caráter ilícito. Assim, piratarias e outras formas de contravenção ganharam espaço, atingindo diversas esferas da economia. O segmento de materiais elétricos não ficou de fora. Grandesempresasdomercadodeinstalaçõeselétricasenfrentam,háanos,problemascomcópiasdeproduto e de marca e, ainda, com propriedade industrial. O mais visível é o caso dos artigos eletrônicos, como softwares, CDs e DVDs, cujas cópias são encontradas fácil e abundantemente no Brasil e em praticamente todos os lugares do mundo. Vindos principalmente de países da Ásia, os produtos copiados são também frutos do desenvolvimento tecnológico. Nunca foi tão fácil copiar alguns produtos, especialmente os eletrônicos. Criam- se mecanismos com o objetivo de coibir e tornar mais difícil a cópia, mas, sem grande demora e dificuldade, o método criado é burlado ou também é copiado. É o caso, por exemplo, de selos holográficos e de marcas de certificação de produtos. Leis que dão direitos de uso de uma criação exclusivamente ao seu criador são relativamente recentes, principalmente no Brasil. Primeiro, teria nascido uma preocupação com a propriedade intelectual. Na Antiguidade e na maior parte da Idade Média, as dificuldades inerentes aos processo de reprodução dos originais, por si só, já exerciam um poderoso controle da divulgação de idéias, pois o número de cópias de cada obra era naturalmente limitado pelo trabalho manual dos copiadores. Com a invenção da imprensa, os soberanos sentiram-se ameaçados ao ser democratizada a informação. PorFláviaLima  26-27 Então, em 1557, depois que Wiliam Caxton introduziu a máquina de escrever na Inglaterra, Filipe e Maria Tudor concederam à associação de donos de papelaria e livreiros o monopólio real para garantir-lhes a comercialização de escritos, a fim de evitar a cópia desenfreada dos livros. Esse privilégio recebeu o nome de copyright, que garantia o direito aos comerciantes e não aos autores dos textos. Foi a primeira lei inglesa, de 1710, que dava ao criador o direito exclusivo sobre um livro por 14 anos, renovável por mais 14. A legislação americana baseou-se na inglesa e, nos atos de patentes e de direitos autorais de 1790, retomou os períodos de 14 anos, também renováveis por outros 14. A propriedade intelectual pode ser dividida em duas categorias: direito autoral e propriedade industrial. O inventor, entretanto, só passa a ter direito à propriedade industrial depois de adquirir a patente do invento. No Brasil As primeiras cópias em massa teriam surgido nos anos 1960, no segmento da confecção. O advogado e sócio-proprietário do escritório especializado Nobel Marcas e Patentes, Geraldo Evandro Papa, conta que camisetas e peças de roupas em geral são muito simples de serem copiadas. A partir de então, outros produtos passaram a ser pirateados. Ele diz que o causador dessa ação criminosa foi o fechamento do mercado brasileiro em 1976. “Até essa data era possível a importação, mas com o fechamento do mercado começou a aparecer os produtos falsificados”. Segundo ele, até os anos 1980, por exemplo, não havia cópia de músicas. “O vinil não era algo fácil de se copiar, mas quando chegamos à tecnologia do CD a pirataria ganhou dimensões elevadas”, diz. Outro ponto para a proliferação do mercado pirata no Brasil deve-se ao baixo poder aquisitivo da população. “As pessoas acabam escolhendo produtos mais baratos, mesmo que não sejam os originais”, diz Papa. Além disso, o custo da pirataria hoje é muito baixo e os copiadores aproveitam-se da lentidão do sistema judiciário. “A impunidade gera certa segurança para quem comete o ato ilícito”, afirma. Ele conta que, de maneira diferente do que ocorre aqui, em outros países, o poder judiciário é rápido e rigoroso, o que acaba coibindo, em parte, a infração. No Brasil, o tema é regido pelas Leis 9.279/96 (marcas e patentes), 9.609/98 (software) e 9.610/98 (direitos autorais), além de tratados internacionais, como as Convenções de Berna, sobre direitos autorais, e de Paris, sobre propriedade industrial. O Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi) é o órgao brasileiro responsável pelas marcas, patentes e desenhos industriais. Implicações jurídicas Basicamente, existem duas formas de pirataria: a pirataria pura, ou seja, a cópia exata de um produto; e a contrafação da marca, isto é, a violação da marca por imitação ou reprodução. No caso da cópia idêntica, a intenção é ludibriar inteiramente o consumidor. A idéia é que se compre um produto falso como se ele fosse original, é o conhecido “tomar gato por lebre”. Até as marcas de certificação viraram alvo dos copiadores. Selos, como do Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Inmetro), da ISO 9001 e de laboratórios que atestam determinado grau de qualidade ou a conformidade com uma norma ou regulamento são copiados e anexados a produtos não qualificados por esses organismos com o claro objetivo de enganar o consumidor. Alguns materiais elétricos, por exemplo, só podem ser comercializados se forem certificados, atestando sua conformidade a uma norma técnica. Para livremente circular no mercado, produtos de origem duvidosa levam o selo falso do órgão avaliador ou certificador. Ou seja, nem sempre um produto “certificado” A concorrência desleal e a conseqüente perda de mercado para as empresas - frutos da pirataria - desmotivam o desenvolvimento de produtos nacionais.
  • 15. Apoio 28-29 está de acordo com o que os regulamentos exigem. Evandro Papa acrescenta: “a empresa diz que está em conformidade, mas não está. Isso pode gerar um processo criminal contra esse fabricante”. O chefe substituto da Divisão de Programas de Avaliação da Conformidade da Diretoria de Qualidade do Inmetro, Leonardo Machado Rocha, conta que uma maneira encontrada para evitar a contravenção da marca Inmetro foi extinguir a certificação voluntária no âmbito do Instituto. Com a Portaria 73/2006, os produtos com conformidade avaliada voluntariamente por organismos acreditados pelo Inmetro, e não decorrente de Programas de Avaliação da Conformidade do Instituto, devem conter unicamente a marca do organismo avaliador. Há ainda a violação de uma marca pela imitação. Empresas que usam nomes parecidos, que retiram, por exemplo, uma letra da marca, usam cores e fontes parecidas com o intuito de confundir o consumidor. Papa explica que a contrafação da marca ocorre somente dentro do mesmo segmento econômico, ou seja, a Lei proíbe que marcas parecidas ou iguais coexistam dentro de um mesmo setor, mas permite a existência da segunda marca se elas atuarem em áreas distintas. Há, entretanto, uma exceção. A Justiça não consente o registro de uma marca semelhante ou igual a outra marca considerada especial, chamada de “auto-renome” pela legislação, mesmo se forem em segmentos diferentes. Trata-se das marcas conhecidas nacionalmente. Por exemplo, não se pode dar a um carro o nome de Coca-cola, marca de auto-renome. Não é crime, entretanto, copiar produtos que já caíram no domínio público. O crime acontece apenas quando há cópia parcial ou integral de produtos e marcas que estão protegidos pela propriedade intelectual. Mas como funciona na prática? Nãoexistefiscalizaçãoparaapirataria.Oqueexisteéadenúncia. O advogado Evandro Papa conta que há ações das prefeituras e da polícia que coletam produtos nas prateleiras para análise e que reprimem a atividade do comércio ambulante, mas para vistoriar uma fábrica especializada em uma linha de produção de peças falsificadas só é mesmo possível a partir de uma denúncia. Existe uma delegacia especializada em propriedade intelectual. O fabricante, dono do direito e que teve seu produto copiado, deve fazer uma denúncia e, com uma autorização judicial, o oficial de justiça faz uma busca e apreensão do material falsificado. É preciso provar que o seu produto é original, por meio da patente ou de outros recursos. Para isso, há ainda uma perícia técnica que deve comprovar ou não a violação da patente. Com o laudo pericial, o titular pode, então, apresentar uma queixa e entrar com uma ação cível ou criminal. “O problema é que a pena para esse tipo de crime é muito pequena, por isso, os titulares das causas, normalmente, apresentam queixas cíveis”, afirma Papa. Para o crime de violação de marcas, a pena é de três a 12 meses de reclusão ou uma multa. No caso de uma ação cível, os resultados podem ser mais satisfatórios, considerando que, caso não se consiga quantificar o montante de produtos falsos vendidos, a legislação determina que a indenização seja o valor original de duas mil cópias da peça. “Esse aspecto,deindenização,acabasendoumaformamaisatrativa,atécomo meio de forçar o concorrente a deixar de praticar este ato”, enfatiza. Comprovando-se o crime, a linha de produção do determinado material é suspensa ou a fábrica é fechada. A Justiça define, ainda, uma multa diária para o infrator enquanto ele não suspender a produção. Oadvogadoressaltaaimportânciadeseobterapatente.Deacordo com o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi), “patente é um título de propriedade temporária sobre uma invenção ou modelo de utilidade, outorgados pelo Estado aos inventores ou autores ou outras pessoas físicas ou jurídicas detentoras de direitos sobre a criação. Em contrapartida, o inventor se obriga a revelar detalhadamente todo o conteúdo técnico da matéria protegida pela patente”. Existem duas formas de patentes: de invenção e de modelo de utilidade (aperfeiçoamento de produtos existentes). A primeira tem duração de 20 anos, já a patente de modelo de utilidade vigora pelo prazo de 15 anos. Há, ainda, um terceiro tipo de proteção que é o registro do desenho industrial, que se refere apenas ao formato externo, estético do produto. A esse direito dá-se dez anos de exclusividade, prorrogável por mais três períodos de cinco anos cada. Outras conseqüências As conseqüências da pirataria e da contrafação de produtos têm sido catastróficas para o País, gerando perda de empregos formais, sonegação de impostos e redução dos lucros legítimos. Além disso, outro efeito considerável dessa ação criminosa é o desestímulo à criação industrial, o que, por sua vez, traz danos à economia, à cultura e ao desenvolvimento nacional de modo geral. A indústria nacional fica desmotivada perante a concorrência desleal e a conseqüente perda de mercado. Diante disso, as empresas deixam de investir tempo e dinheiro no desenvolvimento de produtos que, logo, serão copiados. A não aquisição de patentes pode ser, inclusive, prejudicial à empresa. Papa conta que era comum, nos anos 1970, a empresa lançar um produto que sofre uma cópia e a fabricante original sofrer uma ação por cópia. “A patente é sempre uma garantia”, ratifica. É preciso ter um cuidado com os prazos. Lançado o produto, a empresa deve imediatamente adquirir a sua patente, pois, passado o prazo de um ano, o produto não pode mais ser objeto de patente por deixar de ser uma novidade. Herança cultural Além dos preços elevados dos produtos originais, contrapondo-se ao baixo poder aquisitivo brasileiro, da alta carga tributária e de outros fatores, uma das explicações para a difusão do mercado da falsificação no Brasil vai ao encontro da teoria de que o brasileiro recorre à sua cultura de sempre buscar o caminho mais fácil. Estará no sangue do brasileiro a preferência pela maneira alternativa, ilegal, mais fácil e conveniente do que seguir a lei e fazer a coisa certa? Os traços culturais certamente oferecem um campo saudável para a germinação da pirataria, mas o Brasil é uma soma de características, de raças, culturas, povos, em que tudo e todos encontram um “jeitinho” de dar certo. No mundo, em 2006, a pirataria movimentou US$ 516 bilhões, 60% a mais que a indústria de drogas. Inúmeras organizações são formadas a fim de impedir a expansão desse movimento. É o caso do Comitê Interministerial de Combate à Pirataria, criado em 2001, a CPI da Pirataria em 2003, mais tarde o Conselho Nacional de Combate à Pirataria e Delitos Contra a Propriedade Intelectual (CNCP), entre outras entidades. Na contramão, estão as ramificações do Partido Pirata, que já existe em vários países da Europa, como Espanha, França, Alemanha e Suécia, além de Austrália, Estados Unidos e também da América Latina, como a Argentina, Chile, Peru e Brasil. O seu objetivo é politizar a discussão e, de alguma forma, estimular e legalizar algumas ações da pirataria. Como vimos, a pirataria e a contrafação de produtos e marcas não são exclusividades brasileiras. Pelo contrário, é fato que a maioria dos produtos contrafeitos comercializados aqui é produzida em outros países, como China, Taiwan, Bolívia, entre outros. No caso dos materiais elétricos, os chineses batem de frente com grandes indústrias do setor. Mas como será que eles enxergam essa atividade? Na opinião de Evandro Papa, assim como os japoneses não eram vistos com bons olhos, há alguns anos, quando começaram a desenvolver seu parque tecnológico, os chineses também enfrentam hostilidades. “Mas a tecnologia deles progrediu e, hoje, quem não tem um televisor japonês em casa?”, conclui. O consultor técnico senior da Schneider Electric, Luiz RosendoTost Gomez, concorda: “Há anos os produtos chineses eram realmente ruins, mas já temos produtos bons também”. Segundo ele, assim como os japoneses, os chineses vão se aperfeiçoar e desenvolver a sua tecnologia própria, sem precisar copiar. É o que veremos. Rua Santa Ifigênia, em São Paulo (SP), tornou-se referência em produtos eletrônicos importados e falsificados. "A impunidade brasileira confere certa segurança para quem comete a pirataria e a contrafação de produtos" Advogado Geraldo Papa
  • 16. Apoio É fato histórico que, nos primórdios de sua existência, o homem levava uma vida nômade, não possuía ainda a técnica da agricultura e vagava a esmo pelo território em busca de alimento, que poderia vir por meio da caça ou pela coleta. Sem laços que o prendessem a um determinado lugar, o homem errava. Dessa forma, a construção de moradias se fazia desnecessário e quando elas existiam eram instalações precárias, improvisadas, com o objetivo não de fixar residência, mas como uma espécie de solução emergencial. Aos poucos, no entanto, a situação mudou e o homem aderiu às práticas sedentárias. Sua vida deixou de ser uma eterna peregrinação e fincou raízes. Pequenos agrupamentos humanos acabaram por se encorpar e sociedades cada vez mais complexas se estabeleceram. Com elas surgiram habitações rudimentares, que deram lugar a construções mais rebuscadas, além de cabanas, que cederam espaço para habitações de pedra e tijolos, o que refletia o desejo por uma rotina estável e duradoura. Certamente, as primeiras construções não primavam pelo refinamento estilístico e deveriam ser realizadas muitomaisnabasedaintuiçãodoquenoempregosistemáticodeumatécnica.Entretanto,comohomemtem a peculiaridade de aprender com seus erros, muitas edificações tiveram de cair para que o homem descobrisse a fórmula correta. A prática levou à teoria, que consolidou a técnica, o que permitiu, com o decorrer do tempo, evolução Profissional em transformação 30-31 PorBrunoMoreira Da rudimentaridade dos instrumentos analógicos à eficiência obtida pelas novas tecnologias computacionais:a transformação das atividades realizadas pelo engenheiro projetista de instalações elétricas através dos tempos. a utilização de desenhos, esboços, projetos com o intuito de facilitar a construção de edificações. O engenheiro e arquiteto romano, Marcus Vitruvius Pollio, conhecido popularmente apenas como Vitrúvio, aparece como o primeiro a transmitir, por meio de um documento, certas regras para a construção. No século I a.C., ele elaborou o tratado “De Architectura”, em que abordava os requisitos mecânicos e estruturais de habitabilidade dasedificações.OtextodeVitrúvioapontavatambémquaisdeveriamser ascaracterísticasconstrutivas,ageometriaeaspropriedadesdosmateriais utilizados nas edificações. A partir dele, a atividade de construção, que até o momento era realizada de forma prática, com conhecimentos passados oralmente, passa a ter um tratamento teórico e formal. Um novo profissional Como tudo se transforma, também as novas invenções aparecem modificando o modo de vida de cada indivíduo. Conseqüentemente, as moradias são adaptadas para comportarem o surgimento de novas engenhocaseosprojetosaseremdesenvolvidosapósestastransformações devem apresentar espaços antes não pensados. Obviamente, no que se refere às instalações elétricas, os projetos de construção passam a contemplá-las quando a eletricidade torna-se aplicável, ou seja, quando o homem inventa um uso para ela. Com a sedimentação desta prática, a sociedade passa, em pouco tempo, a desenvolver-se fortemente baseada na eletricidade e, quando se percebe, praticamente, nada em casa, ou no trabalho, pode funcionar sem ela. Como não poderia deixar de ser, a atividade de quem é responsável pelo desenvolvimento da parte elétrica de um projeto de construção ganha em importância. Sua trajetória desenvolve-se, basicamente, como a de todos os outros projetistas e irá passar por uma radical transformação com o advento da informática. No que tange à atividade do projetista de instalações elétricas, ela pode ser dividida, a grosso modo, em duas áreas: a teórica, na qual o engenheiro realiza os cálculos, e a prática, em que ele elabora os desenhos. Na parte de cálculos, não há muitos mistérios, o profissional aprende na faculdade as teorias e as aplica quando exigido. Contudo, na vida profissional, aprende-se que é preciso otimizar o tempo e instrumentos foram criados com a finalidade de facilitar o trabalho do engenheiro, que pôde se dedicar a um número maior de projetos. Da régua à supercalculadora Um dos equipamentos mais antigos para ajudar os projetistas de instalações elétricas nas contas é a régua de cálculo. Criada em 1638 pelo padre inglês William Oughtred e tendo como base a tábua de logaritmos, a régua foi utilizada com regularidade até a década de 1970, quando cedeu lugar às calculadoras eletrônicas. As réguas de cálculo sempre foram de muita ajuda, principalmente quando era necessário o cálculo com números muito grandes, mas apresentam uma certa limitação, já que não fornecem valores aproximados. Formado em 1955, o engenheiro eletricista e proprietário da consultoria Engenharia SC Ltda., Carlos Vieira, trabalhou bastante com réguas de cálculo. Ele conta que havia uma matéria na faculdade apenas para aprender a lidar com a ferramenta. “No primeiro ano de engenharia, havia o curso de desenho técnico onde aprendíamos a fazer todos os cálculos na régua”, conta. Segundo Vieira, em sua época de faculdade, ainda havia alguns poucos privilegiados de sua classe que já tinham uma calculadora da marca Curta. “Era um modelo analógico, que funcionava por meio de uma manivela”, diz. Contudo, conforme o engenheiro, a maioria dos alunos se virava mesmo com a régua de cálculo. E assim foi até a calculadora a manivela tornar-semaisacessível.Logo,porém,estafoisubstituídapelacalculadora eletrônica e, posteriormente, pelas chamadas supercalculadoras, que faziam também o papel de computadores no desenvolvimento de programas para otimizar as atividades na área elétrica. Oprópriobiografadodestaedição,oengenheiroeletricistaportuguês, Mário Reis Miranda, utilizava calculadoras para implantar programas de computação na área elétrica. Quando trabalhava para uma empresa finlandesa de projetos, o engenheiro desenvolveu programas para fornecer dados sobre fluxo de carga e aterramento em uma máquina de calcular HP11.“Deutãocertoqueeufuiconvidadoaimplantaromesmosistema na matriz finlandesa”, conta. Quando estava lá, uma outra oportunidade surgiu: realizar programas de computação para serem utilizados em linhas de alta tensão e, mais uma vez, a calculadora foi seu suporte. “Dessa vez utilizei uma HP 3000, que era mais potente”, lembra. “A quantidade de horas para efetuar um cálculo, devido ao advento dos softwares, caiu a 1% do que era” Cláudio Teixeira
  • 17. Apoio 32-33 Da prancheta ao CAD Após o término de todos os cálculos necessários, é preciso desenhar o projeto. Antes da era da informática e dos avançados programas de desenho, os projetistas, munidos de lápis ou canetas, debruçavam-se em suas pranchetas inclinadas e, artesanalmente, colocavam no papel os pontos referentes à elétrica de uma instalação. Apesar de, na faculdade, o engenheiro eletricista Ítalo Batista já ter tido acesso aos computadores e a softwares, como o Computer- Aided Design (CAD), ou desenho auxiliado por computador, esses mecanismos ainda não existiam em sua rotina, que continuava a contar com a prancheta, o esquadro e a régua T. O engenheiro lembra que era um sistema trabalhoso. Segundo Batista, recebida a cópia heliográfica do projeto arquitetônico, o engenheiro fazia outra cópia em papel vetal e desenhava a parte das instalações elétricas. Como curiosidade, vale dizer que a cópia era feita com detalhes no papel vegetal, que ficava sobre a cópia heliográfica. Para isso, era necessário o uso de gabaritos, réguas com símbolos da área elétrica, que facilitavam o trabalho do projetista no momento de desenhar os pontos de luz, conta. Finalizada essa etapa, entrava em cena o desenhista que, com papel vegetal e caneta nanquim, dava o último tratamento ao desenho. De acordo com Batista, o advento do CAD mudou para melhor a atividade profissional do engenheiro projetista. Se antes, por exemplo, o profissionalpercebesse um erro decálculo emumdesenhojá pronto, era necessáriorasparcomumagileteodetalheerefazê-lo.Atualmente,nãoé nem preciso explicar, acostumado que estamos com a informática. Caso haja uma modificação a ser feita, basta apenas procurar no computador o arquivo do projeto e efetuar a correção. O gerente geral da S&C Electric do Brasil, o engenheiro eletricista Cláudio Teixeira, também compartilha do mesmo entusiasmo que Batista pelos softwares de projetos. “Os cálculos que no passado demoravam horas, hoje são feitos em segundos”, diz. Não só o tempo, mas o custo também encolheu.Teixeira lembra que, na década de 1970, um engenheiro civil contratado para realizar o cálculo estrutural de um edifício cobrava o mesmo que o preço de um carro de luxo. “Isto por causa da quantidade de horas que ele dispendia para fazer tal tarefa”, conta. Atualmente, segundo o engenheiro, o profissional cobra muito menos pela mesma tarefa. “A quantidade de horas para efetuar um cálculo, devido ao advento dos softwares, caiu a 1% do que era”. Segundo Teixeira, mais uma tarefa do projetista que teve seu custo reduzido com o surgimento dos softwares foram os estudos de coordenação de proteção de sistemas elétricos. Anteriormente, segundo ele, os cálculos eram feitos artesanalmente, em papéis de seda. Hoje em dia, os softwares, carregando dentro de si uma série de normalizações, já fornecemaoprojetistacurvasnormalizadasdosmaisdiferentesprodutos, o que te permite simular as mais variadas situações e realizar o estudo em questão de minutos. “Pelo software, você escolhe uma liga metálica já normalizada e consegue realizar diversos testes com ela, vendo se ela entortará ou quebrará”, diz. Os softwares que permitem simulação de situações tiverem o maior impacto, segundo Teixeira, nos projetos referentes a peças mecânicas. Os desenhos de estruturas que antes eram feitos no papel seda e em formas bidimensionais, com o suporte computacional, tornaram-se tridimensionais e possibilitaram a simulação de movimentos e esforços, fazendo com que a construção do equipamento seja mais precisa. A possibildade de simular situações e posicionamento de equipamentos já ajudouTeixeira, que, certa vez, ao projetar o arranjo de seccionadores em uma rede de alta tensão pôde realizar todas as vistas de projetos que ele achou que deveriam ser feitas. Outro ponto de importante evolução refere-se ao armazenamento: a situação é ainda mais positiva para os engenheiros. O surgimento de mídias cada vez menores e com mais capacidade fizeram os diversos canudos, contendo plantas de projetos de engenharia, serem aposentados. Isso fez não só sobrar mais espaço nos escritórios dos engenheiros, mas, principalmente, tornou mais rápida a busca por projetos antigos. Outratransformaçãoocorridacomoadventodenovostecnologias encontra-se na troca de informações entre cliente e prestador de serviço. O engenheiro eletrônico e gerente de planejamento e controle de estoques da Rockwell Automation, Cláudio Baldoni, conta que hoje é possível enviar um arquivo por e-mail contendo o projeto, o que permite ao cliente flexibilizar as transformações que ele deseje fazer em sua empresa. Se antes, por causa da rudimentariadade dos meios de comunicação, o cliente precisava pensar uma mudança na estrutura com três anos de antecedência, hoje ele pode planejar em um horizonre mais curto, porque sabe que a realização do projeto será feita de forma mais rápida. Tudo se transforma A passagem dos desenhos em prancheta para os projetos feitos em programas de computador significou também, como salienta o engenheiro eletricista Carlos Vieira, uma mudança drástica na maneira de atuação de um outro profissional da área: o desenhista. Ele conta que as inovações tecnológicas trazidas pela era da computação fizeram o desenhista se tornar um cadista, especialista no software destinado a elaborar projetos de construção. Vieira conta que a função do profissional do desenho continua a mesma; ele atua a partir do projeto idealizado pelo engenheiro, usando seus conhencimentos técnicos para deixar o esboço mais apresentável. A questão, de acordo com o Viera, é que, de um artista acostumado a trabalhar com determinados tipos de materiais, o desenhista tornou-se um especialista na utilização de sistemas computacionais. Isso fez a função do desenhista mudar totalmente de paradigma. “Existem muitos cadistas, atualmente, que não sabem nem desenhar da forma tradicional, pois não é preciso”, comenta. Para ele, muitos profissionais se perderam durante a transição. “Eu mesmo, no meu escritório, paguei para que desenhistas fizessem cursos de habilitação em CAD, mas muitos não quiseram”, conta Vieira. Uma certa resistência é normal quando se percebe que sua profissão estásumindodomapa,masépreciso,casohajaointeressedepermanecer na área, uma adaptação rápida. Segundo Vieira, quem não fez isso tornou-se obsoleto e não conseguiu mais emprego como desenhista de projetos de construção. O raciocínio permanece Se o advento de novas tecnologias, como a supercalculadora e os softwares de engenharia, vieram facilitar a vida do projetista de instalações elétricas, também praticaram um desserviço a este mesmo profissional. Para Carlos Vieira, foi tirada desse profissional parte da capacidade de raciocinar, mas ele insiste que a capacidade de promover soluções inteligentes ainda deve prevalecer. De nada irá adiantar o auxílio das mais avançadas fer­ ramentas se o profissional não tiver a capacidade de empregar os ensinamentos recebidos durante a faculdade da maneira mais adequada possível. Segundo o engenheiro, não se pode esquecer que calculadoras e softwares ajudam na elaboração prática do projeto, mas quem resolve os problemas, encontrando as melhores soluções ainda é o ser humano e sua atividade intelectual. “A máquina é burra”, define. Somente a prática que levará o profissional da área ao uso inteligente das teorias adquiridas nos cursos preparatórios. De acordo com o engenheiro, somente trabalhando com questões reais que o projetista vai descobrir qual a melhor decisão a ser tomada. E esses conhecimentos somente são adquiridos com a experiência e com o dia-a-dia da profissão. Divulgação/CentroPaulaSouza Aula de desenho, no início do século XX, em uma escola técnica paulista
  • 18. Apoio Quando o assunto é a situação das instalações elétricas brasileiras, a opinião dos especialistas da área é triste e unânime: a maioria delas apresenta qualidade duvidosa e, quase sempre, oferece riscos aos seus usuários. Até aqui, nenhuma novidade. A questão que fica é: se temos uma norma de instalações elétricas considerada moderna e coerente e bons produtos disponíveis no mercado, por que o brasileiro tem dificuldade em seguir as diretrizes normativas? E, por que, comparado a outros países, ainda engatinhamos no quesito qualidade e segurança nas instalações? A resposta não é nada simples e pode ter suas raízes entranhadas em uma cultura de atraso, principiada há mais de 500 anos, na época do descobrimento do Brasil. Não podemos, entretanto, colocar a culpa sobre os portugueses. Muitos outros fatores, como veremos adiante, vêm contribuindo, ao longo dos anos, para a formação cultural, social e econômica do brasileiro, que, certamente, influencia as tomadas de decisões e o comportamento do povo como um todo. identidade34-35 PorFláviaLima Paradoxo Há no Brasil um grande paradoxo: instalações bem evoluídas e instalações primárias executadas por profissionais despreparados e despreocupadoscomosmandamentosnormativos.Ogerentedeproduto daSiemens,LuizEustáquioPerucci,supõeque70%dasinstalaçõessejam de qualidade duvidosa. Embora admita ter havido uma evolução nos últimos anos, Eustáquio reconhece que ainda estamos longe do ideal. Para o engenheiro eletricista Hilton Moreno, há, entretanto, um considerável número de instalações elétricas adequadas e bem feitas. “O atraso está fechado na autoconstrução e nas construções mais simples”, diz. O atraso, nas instalações industriais, por exemplo, é, para ele, pequeno ou inexistente. O engenheiro eletricista e diretor da Fischmann Engenharia, Victor Fischmann, concorda: “as instalações de responsabilidade das boas construtoras, em geral, estão em conformidade com as normas técnicas”. Ele conta que, há algum tempo, era comum o projeto, depois de ter sido aprovado na prefeitura, sofrer diversas alterações. “Não havia tanta preocupação com o projeto as built, diferentemente de hoje, quando o projeto elétrico, por exemplo, é iniciado antes mesmo de seguir para a prefeitura, justamente para que a construção esteja de acordo com o que foi aprovado”. O que ainda acontece, na opinião de Fischmann, é que, mesmo com projetos bem elaborados, algumas construtoras e instaladoras acabam seguindo o mínimo que a norma de instalação recomenda, até em empreendimentos que exigem um pouco mais do que isso. “Por exemplo, a norma prescreve um mínimo de pontos de tomada por ambiente (em função do perímetro) em uma residência, mas o padrão de conforto do empreendimento eventualmente pode exigir mais”, analisa. Este, segundo ele, é um exemplo de projeto não adequado, pois apesar de ter se cumprido a norma – que é o mínimo de segurança e qualidade – o projeto poderia ter sido melhor, considerando o nível da construção. Nos últimos anos, tem sido comum as construtoras realizarem intervenções nos apartamentos novos de acordo com o cliente, isto é, o comprador pode personalizar seu imóvel, fato que pode acarretar mudanças no projeto elétrico. Se o morador optar por ter fogão elétrico ou ar condicionado, que são equipamentos com elevado consumo de energia, o projeto deve sofrer alterações, pois a demanda de eletricidade será maior. “É como um carro com e sem ar condicionado, são projetos e preços diferentes”, compara Fischmann. Ele diz que, ultimamente, as grandes construtoras, especialmente, estão mais preocupadas com a elétrica dos empreendimentos e costumam sempre consultar os projetistas quando as personalizações envolvem energia elétrica. Essa preocupação é recente. O mais comum era – e ainda é, principalmente com relação a imóveis antigos – o próprio morador fazer os seus ajustes. E o que mais acontece é a sobrecarga de energia devido aos inúmeros equipamentos conectados em instalações com mais de dez anos. Mesmo alinhada à norma internacional IEC 60364 e sem ficar devendo, na opinião de muitos, para outras normas estrangeiras, a ABNT NBR 5410 – norma de instalações elétricas de baixa tensão –, embora muito conhecida no meio técnico, não é empregada com solidez no segmento e mal alcança a maioria das instalações residenciais, incluindo as prediais. O mesmo acontece com outras normas técnicas do setor elétrico, seja para instalações, seja para produtos. O Brasil é um país grande e muito carente de formação e de informação. O consultor técnico sênior da Schneider Electric, Luiz Rosendo Tost Gomez, acrescenta que a situação se agrava com os governantes, que não possuem formação nem informação técnica e desconhecem a realidade das instalações brasileiras, apesar de falhas em instalações elétricas provocarem muitos acidentes, por vezes fatais, e ainda serem uma das principais causas de incêndios no País. Legado cultural Profissionais empíricos e despreocupados com regulamentos técnicos normativos são maioria em um País, que ainda carrega a herança do “jeitinho brasileiro”, máxima em que a lei do menor esforço é dominante. No caso da eletricidade, embora existam instalações modernas e adequadas, grande parte das edificações oferece riscos e está em desacordo com as normas
  • 19. Apoio 36-37 “desse comportamento social, em que o sistema de relações se edifica essencialmente sobre laços diretos, de pessoa a pessoa, procedam os principais obstáculos que, na Espanha, e em todos os países hispânicos – Portugal e Brasil inclusive –, se erigem contra a rígida aplicação das normas de justiça e de quaisquer prescrições legais” Sérgio Buarque de Holanda O problema, no entanto, não é a falta de normas, mas a incapacidade de fazer com que elas sejam cumpridas. Apenas na área de eletricidade, contamos com aproximadamente 1.400 normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas, incluindo especificações para produtos e para instalações. A obrigatoriedade – por meio de leis, portarias e decretos – são mecanismos que contribuem para a melhoria das instalações, mas, no segmento de materiais elétricos, poucos são os produtos que possuem certificação compulsória. E, no caso das instalações elétricas, o quadro é ainda pior. O Brasil é um dos poucos países, entre os desenvolvidos e os considerados em desenvolvimento, que não possui qualquer forma de inspeção das instalações elétricas como parte de um plano nacional. E, nesse cenário, o amadorismo impera. O tempo todo curiosos aventuram-se na profissão de eletricista e executam o trabalho de medição, especificação técnica, instalação e implantação do “projeto elétrico”. Esta não é uma cena estranha aos olhos do brasileiro. Mas o que a maioria das pessoas ainda não conhece são os perigos envolvidos em uma instalação mal projetada e executada por pessoas desqualificadas e que não conhecem as normas de segurança e de qualidade. O gerente de engenharia e qualidade da SIL Fios e Cabos, Nelson Volyk, ratifica a importância da norma, a qual, segundo ele, traz informações fundamentais para um bom projeto, dentre as quais cita: capacidade de transmissão de energia dos condutores; seção mínima dos condutores para o circuito de iluminação e de tomadas; padronização de cores; utilização do disjuntor, do dispositivo DR que reduz o risco dos choques; e quantidade máxima de condutores nos eletrodutos. Ao seguir as orientações da norma, é possível evitar problemas, como choque elétrico, curto-circuito, aquecimentos indesejáveis e desperdício ou falta de energia elétrica causados por falhas de projeto. A questão da obrigatoriedade da norma, entretanto, já foi abordada nesta Coleção e não é este o objeto deste trabalho. Tampouco precisamos enfatizar a importância de uma norma técnica para a qualidade de um projeto, fato que é – ou deveria ser – de conhecimento comum. O que agora analisamos é o comportamento de uma sociedade que ainda insiste em ignorar os regulamentos técnicos. Raízes culturais Os trabalhos coletivos, que reúnem pessoas com boa vontade, mas sem habilidades e qualificações específicas, têm suas raízes na nossa colonização. Segundo o autor de “Raízes do Brasil”, Sérgio Buarque de Holanda, o impedimento para o êxito do labor produtivo no País foi a falta de elementos empreendedores desde a nossa origem – a partir dos portugueses. Ele explica que os portugueses trouxeram para o País trabalhos de índole coletiva aceitos de forma a satisfazer sentimentos e emoções coletivas, acompanhando, de certo modo, o caráter religioso do catolicismo. “Costumes como o mutirão, em que os roceiros se socorrem uns aos outros nas derrubadas de mato, nos plantios, nas colheitas, na construção de casas, na fiação do algodão (...)” foram, conforme cita Holanda, sintomas da colonização brasileira. A organização de grupos para construir e reformar casas – especialmente as mais populares –, em que cada um ajuda um pouco, contribuindo com o que “sabe” fazer, teria derivado dessa característica colonial. Há, incontestavelmente, técnicos qualificados e habilitados, mas muitos pedreiros, eletricistas, mecânicos exercem seus respectivos trabalhos sem qualquer formação técnica, porque aprenderam o ofício com o pai ou participando dessas obras coletivas desde pequeno. Fora do País, as pessoas não costumam deixar aventureiros entrarem em suas casas, há que se ter uma formação oficial. No Brasil, é comum eletricistas aprenderem a trabalhar trabalhando. Eustáquio arrisca dizer que, por questões econômicas, principalmente, as pessoas experimentam a profissão de eletricista, de mecânico, de pintor, entre outras, diante da necessidade e da oportunidade. Sobre isso, Sérgio Buarque de Holanda traz mais explicações: “o peculiar da vida brasileira parece ter sido, por essa época, uma acentuação singularmente enérgica do afetivo, do irracional, do passional, e uma estagnação, ou antes, uma atrofia correspondente das qualidades ordenadoras, disciplinadoras, racionalizadoras. Quer dizer, exatamente o contrário do que parece convir a uma população em vias de organizar-se politicamente”. Em outras palavras, é o fazer repetitivamente sem questionar técnicas de melhoria e sem considerar a evolução das normas. Segundo ele, não há dúvida que “desse comportamento social, em que o sistema de relações se edifica essencialmente sobre laços diretos, de pessoa a pessoa, procedam os principais obstáculos que, na Espanha, e em todos os países hispânicos – Portugal e Brasil inclusive –, se erigem contra a rígida aplicação das normas de justiça e de quaisquer prescrições legais”. Com essas afirmações, conseguimos entender como começou essa dificuldade que o brasileiro tem para se informar e seguir as diretrizes normativas. Em tempo, Holanda vai mais além e diz que “tudo quanto dispense qualquer trabalho mental aturado e fatigante, as idéias claras, lúcidas, definitivas, que favorecem uma espécie de atonia da inteligência, parecem-nos constituir a verdadeira essência da sabedoria”. É a velha história do “jeitinho brasileiro” e a eternizada fala de Macunaíma, de Mário de Andrade, “Ai, que preguiça”. O modo mais fácil é sempre o modo preferido. No Brasil, há a ideologia de que não se consegue resolver nada pela Lei. “O ‘jeitinho’ é o lado inovador do brasileiro, que dá um jeito porque o sistema, muitas vezes, o conduz para isso”, explica o antropólogo e mestre em antropologia social, Marko Monteiro. A dificuldade em seguir as normas técnicas e a legislação, de modo geral, é amparada na “cordialidade” do brasileiro. Vale lembrar que a palavra “cordial”, vem da palavra latina cor, cordis, que significa coração. Portanto, como Sergio Buarque de Holanda discute em seu livro, o homem cordial é aquele que age pela emoção, inspirado nos laços afetivos, na amizade, na camaradagem. “É uma característica cultural e sistêmica, que já está consolidada. A solução é criar um ambiente de forma que seguir a lei ou a norma compense”, diz. A questão é como fazer isso. Cultura de atraso O fato é que, no Brasil, a organização dos ofícios deu-se em função dos moldes trazidos do Reino português em condição de dominante: trabalho escravo; escassez de artífices livres na maior parte das vilas e cidades; indústria caseira para garantir relativa independência aos ricos, entravando o comércio. Holanda conclui que, de certa forma, a repulsa a todas as modalidades de racionalização se configura, até hoje, em um dos traços mais constantes dos povos de estirpe ibérica, isto é, de origem portuguesa ou espanhola. A colonização inglesa, por exemplo, deu-se de maneira diferente. As colônias inglesas, até pelo motivo de não terem terras propícias para as culturas tropicais, prosperaram especialmente devido ao comércio. O trabalho livre e a religião protestante – da mesma maneira que, na Europa, o calvinismo, com sua ética baseada no trabalho e na legitimação do lucro – contribuíram para o desenvolvimento dessas regiões. O antropólogo conta que, até o século XIX, no Brasil, era proibida a existência de tecelagens e de indústrias, para não concorrer com os portugueses. O quadro só muda quando a Corte se muda definitivamente para o Brasil, em 1808, trazendo artistas, escolas e a liberação para o desenvolvimento da cultura e economia brasileiras. Diferentemente dos portugueses, os holandeses promoveram
  • 20. Apoio 38-39 algumas transformações no período em que ocuparam a região de Recife (PE), de 1637 a 1644. Além da tolerância religiosa, os holandeses trouxeram pintores, comerciantes e pesquisadores, que estudaram a fauna e a flora locais, trazendo prosperidade à vila. De qualquer modo, a forma subordinada com a qual nos habituamos é uma das razões de sermos, ainda, supridores de matérias- primas e commoditties para o exterior para que sejam industrializados e, por nós, importados a custos muito mais dispendiosos. Embora em um nível muito mais ameno, a propensão à subordinação e a aversão à novidade são características que acompanham os setores da economia, da política, da educação, e todos os outros segmentos de atuação do Brasil. No tocante à energia elétrica e, mais especificamente, às instalações elétricas, a situação não seria diferente. “O brasileiro está acostumado sim a viver atrasado, acha que o que é importado é melhor por definição”, afirma Marko Monteiro. E, de certa forma,adotamosessapremissanonossodia-a-dia,quandonoscomparamos com outras culturas e nos posicionamos em condição inferior. Ele cita o caso do ciclo da borracha. Por que não deu certo? Porque as mudas da árvore foram levadas para a Ásia, em um momento em que o País tinha capital e matéria-prima, levando-nos a, mais uma vez, perder a oportunidade de desenvolver a nossa indústria para apenas suprir matéria-prima para que outros o fizessem. E a prova de que as coisas mudam é a nova chance que temos com o etanol. “Temos a oportunidade de termos outra atitude, de sermos grandes exportadores e de desenvolvermos novas tecnologias que empreguem o etanol como combustível”, opina. A cultura do desperdício é outro ponto com o qual nos acostumamos. É difícil para o brasileiro economizar água, energia e outras fontes, pois estamos habituados a tê-las em abundância. “A questão é como as pessoas se relacionam com essa abundância”, explica Monteiro. Hoje, o tema eficiência energética é algo que começa a fazer parte da vida das indústrias e da população, de modo geral, mas ainda é uma questão de mentalidade. Aos poucos, vamos adquirindo uma consciência de desperdício, assim como muitos países já têm. Para o antropólogo, a sofisticação do mercado de consumo brasileiro é baixa por causa da concentração de rendas e do nível educacional. Ele enfatiza, entretanto, que o conservadorismo brasileiro e esse atraso cultural não têm uma única justificativa, mas deve-se considerar uma série de fatores que, juntos, contribuíram para a formação dessa natureza. Com o Código de Defesa do Consumidor, por exemplo, percebemos um progresso à medida que o consumidor encontrou na legislação uma proteção, mas ele mal conhece esse recurso, porque não está habituado a buscar seus direitos, a recorrer à Justiça e também porque não confia nela. Na opinião de Monteiro, o processo de desenvolvimento é lento, mas vem acontecendo. Temos uma base tecnológica criada, mas há ainda muita resistência. Nossa cultura e economia ainda são muito subordinadas. Aversão a novidades É comum ouvir de empresários que novidades são apresentadas o tempo todo ao mercado, mas elas, muitas vezes, não encontram interesse do outro lado. Mesmo tratando-se de equipamentos considerados indispensáveis à segurança de uma instalação elétrica, por exemplo, o desinteresse é evidente. A NBR 5410 passou a exigir o uso do DR e do DPS, nas revisões de 1997 e de 2004, respectivamente. Os profissionais mais atentos passaram, gradativamente, a empregar esses equipamentos, mas a informação encontra dificuldade para chegar ao público comum. “As pessoas reclamam do custo do DPS, mas se esquecem que ele é responsável por proteger equipamentos elétricos e eletrônicos contra sobrecargas e que, sem o DPS, o barato pode sair caro”, compara Luiz Eustáquio, da Siemens. Segundo ele, há apartamentos novos de alto padrão que ainda não empregam o DPS. “Certamente, seus moradores têm sofisticados equipamentos de som, vídeo e outros, que estão completamente desprotegidos”, diz. Trata-se de uma mentalidade tacanha que não reconhece a importância da proteção, mesmo, nesse caso, tendo projetos provavelmente elaborados por profissionais renomados. O também gerente de produto da Siemens, Julio Carpanez, acrescenta que muitos empreendedores não utilizam os benefícios de dispositivos como o DR e o DPS como argumentos de vendas. “Fala-se do mármore, do piso, mas não se menciona a proteção contra choque elétrico e contra sobretensão”, admira-se. Outro ponto importante refere-se às instalações antigas. Apesar de inúmeros empreendimentos serem erguidos a todo instante no País, a maioria das edificações possui mais de 20 anos e, muito raramente, as suas instalações elétricas passam por alguma revisão técnica. É comum a troca de equipamentos por outros mais modernos, as pessoas fazem diversas reformas na arquitetura de interiores, mas a instalação elétrica sequer é lembrada. É esquecido que os materiais envelhecem e que a demanda de energia cresce, até pelo aumento de equipamentos elétricos e eletrônicos, adquiridos ao longo do tempo. Isso porque os problemas nas instalações elétricas, na maioria das vezes, não são aparentes e são percebidos apenas quando algum acidente acontece em virtude de um curto-circuito, da fuga de corrente elétrica ou de outro fenômeno. Falta, na opinião dos especialistas, fiscalização e conscientização. Mesmo com a exigência do DR, o dispositivo é pouco empregado e o usuário final desconhece a sua existência. Incêndios e outros acidentes envolvendo eletricidade são vistos como fatalidades. Não se fala em imprudência. Para Carpanez, não obstante os órgãos de defesa do consumidor, as associações de classe e as ações de empresas no sentido de divulgar informações de segurança, falta o papel do governo. “Todos – do engenheiro ao consumidor final – devem ter acesso a essas informações, para que um cobre o outro”, afirma. Casos isolados evidenciam que, aos poucos, algumas atitudes têm sido tomadas a fim de mitigar os problemas com a eletricidade. Em Pernambuco, por exemplo, é obrigatório o emprego de dispositivos diferenciais residuais (DRs) em canteiros de obras, fato que só se tornou realidade em razão do falecimento de dois engenheiros. Em São Paulo, uma Instrução Técnica do Corpo de Bombeiros do Estado, com o apoio com a Associação Nacional de Fabricantes de Produtos Elétricos NEMA Brasil e com o Instituto Brasileiro do Cobre (Procobre), a ser publicada em 2009, definiu procedimentos para que os bombeiros vistoriem as instalações elétricas de todas as novas obras no Estado de São Paulo (e também as que renovarem seus autos de vistoria), garantindo condições mínimas de segurança das pessoas, do meio ambiente e do patrimônio, além do funcionamento adequado dos equipamentos. Na opinião deTost Gomez, o Brasil precisa de uma instituição dedicada exclusivamente às certificações das instalações elétricas, começando pelas residenciais e partindo, progressivamente, para outras instalações. Em alguns países da Europa, as distribuidoras de energia não levam eletricidade à instalação enquanto ela não for fiscalizada. Nos Estados Unidos, segundo Hilton Moreno, presidente da NEMA Brasil, as autoridades (prefeituras ou bombeiros) também não liberam as obras para ocupação sem que elas tenham passado por inspeções das instalações elétricas. O Estado tem, nesse sentido, um papel regulador e fiscalizador importante para impedir que produtos e instalações elétricas em desacordo com os requisitos mínimos de desempenho e de segurança sejam disponibilizados ao público, pelo menos, até adquirirmos o hábito de viver uma boa técnica e obtermos – profissionais e consumidores – um nível razoável de conhecimento e de bom senso para fazermos, nós mesmos, as escolhas. “O ‘jeitinho’ é o lado inovador do brasileiro, que dá um jeito porque o sistema, muitas vezes, o conduz para isso” Antropólogo Marko Monteiro
  • 21. Apoio 40-41 descontração Ilustrações:MauroJr. Jogo dos 7 erros A figura a seguir ilustra dois ambientes residenciais com sete erros de instalação elétrica. Identifique-os.
  • 22. Apoio