Laboratorio de misses, América Economía Internacional septiembre 2013
Como uma empregada doméstica criou uma empresa de beleza que empodera mulheres de cabelos crespos
1. EMPREENDEDORISMO
Inovação
Receita de beleza
Como a ex-empregada
doméstica Zica montou
uma empresa que dá
poder às mulheres de
cabelos crespos
David Cornejo, de Santiago
A
Beleza Natural surgiu por
uma necessidade pessoal. No
começo da década de 1980,
Heloísa “Zica” Assis busca-
va uma fórmula para tratar de seu cabe-
lo ondulado. Os pentes não lhe serviam.
Ela fez alguns cursos para cabeleirei-
ros e testava em parentes e conhecidos
uma fórmula que proporcionasse cabe-
los com cachos bem definidos. Em 1993,
finalmente chegou à fórmula desejada e
patenteou o produto como Super-Rela-
xante. Na época, Zica, com três filhos,
trabalhava como empregada doméstica
e seu marido era taxista. A trajetória da
empreendedora seguiu na contramão do
que se imaginava em um país onde a dis-
criminação contra negros e pardos mani-
festa-se ainda hoje em frases como “ele
tem um cabelo ruim”.
Para tirar partido do invento, Zica de-
cidiu montar um salão de beleza. “Não
existiam produtos para cabelos crespos Zica (de branco), criadora da fórmula
para cabelos crespos, optou por
no Brasil, nem se pensava nesse seg-
deixar a gestão com Leila
mento como um bom negócio. Por is- e os sócios Conde (à esq.) e Assis
so, os bancos não se interessaram em fi-
nanciar”, comenta Zica. Sem uma linha
de crédito, a solução foi que o marido da ca que produz 250 toneladas mensais do Casotti, em parceria com o antropólogo
empreendedora vendesse o táxi para fi- Super-Relaxante e 80 mil clientes por Hy Mariampolski, analisaram no estudo
nanciar o salão, batizado de Beleza Na- mês. A história empreendedora da Be- “Expanding From the Base of the Pyra-
tural, aberto no popular bairro da Tijuca, leza Natural é tão singular e, ao mesmo mid” (“Expandindo a Partir da Base da
na cidade do Rio de Janeiro. O atendi- tempo, tão atrelada ao atual momento Pirâmide”) como a empresa cresceu com
mento começava às 8 da manhã. Não da economia brasileira, que os acadêmi- clientes de classe baixa do Brasil.
demorou muito para que a fama do pro- cos do Coppead/UFRJ (Instituto de Pós-
duto se espalhasse e as primeiras clien- -Graduação e Pesquisa em Administra- O mito originário
tes começassem a chegar às 5 da manhã. ção da Universidade Federal do Rio de A inventora do Super-Relaxante fundou
O projeto cresceu e hoje conta com 11 Janeiro) Maribel Carvalho Suarez, Vic- a empresa com três sócios: seu marido
salões, 1,5 mil funcionários, uma fábri- tor Manoel Cunha de Almeida e Letícia Jair Conde, seu irmão Rogério Assis e
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2. a cunhada Leila Vélez. Sem a possibili- perfeito complemento ao estilo de Zica. leza Natural. A empresa resolveu a difi-
dade de obter crédito bancário, os qua- Ela trabalhou na franquia de fast-food culdade ao permitir o parcelamento da
tro contribuíram com suas economias. desde os 14 anos e chegou a gerente aos despesa. “A capacidade de pagamento é
Apesar da sociedade, Zica é a inspi- 19. Desde então, aperfeiçoou-se no Co- muito importante, porque o serviço não
ração. “Ela é a imagem da empresa. As ppead, na Universidade de Columbia e é barato. As consumidoras voltam a cada
clientes querem ser como ela”, afirma de Harvard. “Leila está encarregada da mês ou 45 dias, então pagar em parcelas
Maribel, coautora do artigo. Seu exem- parte estratégica, pensa o contexto e as é bom porque elas conseguem gerenciar
plo de superação é um ponto-chave em relações de negócios; Zica é a liderança e o dinheiro”, explica Maribel.
um projeto no qual 70% de suas funcio- a inspiração para os funcionários e clien- Com uma base de clientes arraigada
nárias são ex-clientes. tes”, comenta Maribel. em setores populares, a questão central
Os sócios começaram a atender fami- é: continuar crescendo nesse segmento
liares, amigos, e o boca a boca logo os Autoestima em cotas ou expandir de olho em outro público?
fez investir em mais salões para cobrir a O serviço da Beleza Natural atende não Para Maribel, a empresa deve continuar
demanda por serviços para cabelos cres- apenas às necessidades de alisamento ali, dado o crescimento do poder aquisi-
pos. “Tínhamos uma ideia clara de que a de cabelos. Também oferece espaços de tivo desse público. “É um mercado mui-
empresa transformaria a vida de muitas convivência para as clientes com menor to grande, e o que eles conhecem melhor.
pessoas, como se pudéssemos ver a au- poder aquisitivo, que encontram um oá- Muito mais que outras empresas”, acres-
toestima e a confiança desenvolvida nas sis em contraponto à dura vida em su- centa a acadêmica.
Zica e Leila experimentaram mudan-
ças em sua base de clientes. Mas nem
1,5 mil
os salões para homens (que finalmen-
te fecharam), nem o denominado VIP
Room, no qual por um valor extra é pos-
sível evitar a espera, tiveram bons resul-
pessoas tados. Também contrataram um CEO
trabalham externo em 2008, o que, de acordo com
os sócios, levou à perda de parte da iden-
na fábrica tidade da Beleza Natural. Por isso, Leila
Fotos: Divulgação
e nos salões retomou o cargo em 2011. No ano pas-
sado, a empresa chegou a um lucro de
da Beleza Natural US$ 60 milhões.
“Creio que o Brasil tem um grande
potencial para continuar trabalhando na
pessoas”, acrescenta Zica. as comunidades. Na “linha de monta- base da pirâmide,” afirma Leila. Para a
Uma vez que a empresa começou a gem”, as frequentadoras do salão passam CEO, mais que um serviço para uma de-
crescer, um elemento chave foi a expe- por diferentes mãos e salas. Lá, além de terminada raça ou classe social, trata-se
riência de Rogério e Leila, que desde compartilhar experiências, contam com de um serviço para mulheres de cabelos
a adolescência trabalharam no McDo- vídeos educativos e bate-papos que vão crespos. Público que, segundo suas es-
nalds. Dali saiu o conceito de proces- desde como criar os filhos a como en- timativas, representa cerca de 70% das
sos padronizados na Beleza Natural. “O frentar uma entrevista de trabalho, uma mulheres do Brasil. E Leila tem razão na
McDonald’s nos demonstrou que é possí- situação em que a discriminação e os es- aposta. No fim do mês passado, a Secre-
vel transformar um serviço de beleza em tereótipos podem constituir um verda- taria de Assuntos Estratégicos da Presi-
uma linha de produção, operada por vá- deiro obstáculo. “É uma experiência de dência da República divulgou um estu-
rias pessoas especialistas, como uma li- dignidade, de autoestima. Um grande do que mostra que quase 80% da nova
nha de montagem”, comenta Leila. Hoje, ponto é compreender que o consumidor classe média brasileira é composta por
os salões padronizam atividades que vão da base da pirâmide é diferente de um negros – público-alvo da Beleza Natural.
desde como manuesear uma escova até de classe alta e que não só tem menos di- Hoje, Zica ostenta uma cabeleira solta
o trato com as clientes. Outra ideia em- nheiro, mas também busca uma experi- e os nós que a atormentavam há 20 anos
prestada da franquia americana é a pos- ência de consumo diferente”, afirma Ma- não existem mais. “Quando temos boa
sibilidade de ascender de cabeleireira a ribel sobre os serviços complementares. vontade, as coisas acontecem de manei-
gerente de um salão. A baixa renda da clientela para consu- ra natural. Os obstáculos apenas nos for-
Leila é a atual CEO da empresa e um mir o serviço foi um problema para a Be- talecem”, comenta.
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