Escolas criativas no Brasil: aprendizagem por imersão e desconstrução de mitos
1. 114 TAM NAS NUVENS | EXPERIENCES • BRAZIL
“UM ESPETÁCULO DE DANÇA COMEÇA NO CORPO.
No cotovelo, na respiração, na amplitude. Não começa na teoria.
O livro pode ajudar intelectualmente, mas não vai fazer você
dançar.” A frase da coreógrafa Deborah Colker em entrevis-
ta ao educador Charles Watson trata do processo criativo e da
importância de testar, praticar e experimentar.
Iniciativas que têm colocado a educação em uma esfera menos
convencional compartilham desse pensamento. Há escolas espa-
lhadaspelopaísnasquaisaspectoscomoabordagem,metodologia
e experiência do aprendizado são tão importantes quanto o con-
teúdo. São escolas onde o aluno pratica a criatividade e não espe-
ra por insights. Que mostram que, para chegar à solução de novos
problemas, é preciso fazer as perguntas certas. E colocar as ideias
no papel sem medo de errar, já que só não erra quem não tenta.
Perestroika, de Porto Alegre, Escola Design Thinking, de São
Paulo, e os projetos educacionais de Charles Watson, no Rio,
são alguns desses empreendimentos que vêm atraindo curiosos e
inquietos. Gente interessada em saber como se preparar para um
mundoemqueasmudançasacontecememaltavelocidadeeonde
se adaptar é questão de sobrevivência. Um bom caminho para al-
cançar a resposta parece ser simplesmente: comece a dançar.
“A dance performance begins in the body. In the elbow, breathing,
amplitude. It doesn’t begin with theory. Books can help you intel-
lectually, but they won’t make you dance.” This statement by cho-
reographer Deborah Colker in an interview with educator Charles
Watson discusses the creative process and the importance of testing,
practicing and experimenting.
Initiatives which place education in less conventional realms
share this way of thinking. These schools, in which approach, meth-
odology and the learning experience are just as important as con-
tent, have spread across Brazil. They are schools in which students
practice creativity and do not wait for insights. Something which
shows that, to find a solution for a problem, you need to ask the
right questions. And put ideas on paper without a fear of making
mistakes, since only those who never try never make mistakes.
Perestroika in Porto Alegre, Escola Design Thinking in São Pau-
lo and the educational projects of Charles Watson in Rio are some
of these enterprises that have been attracting curious and restless
students. People interested in knowing how to prepare oneself for
a world in which change takes place at high speeds and adapta-
tion is a matter of survival. One good path to finding the answer
seems simple: learn to dance.
APRENDIZ
DE
CRIATIVOCada vez mais escolas seguem a tendência global de fomentar
novos métodos e fluxos de criação. Motivos mais do que
estimulantes para embarcar para destinos como São Paulo,
Rio de Janeiro e Porto Alegre agora mesmo
More and more schools are following the global trend of
fomenting new methods and flows of creativity. Extremely
stimulating reasons for you to take off for destinations like
São Paulo, Rio de Janeiro and Porto Alegre right now
CREATIVE
APPRENTICE
POR/BY MARIANA CASTRO FOTOS/PHOTOS JORGE BISPO
ILUSTRAÇÃO/ILLUSTRATIONERICA MERLO
Brasil
2. 116 TAM NAS NUVENS | BRAZIL
Brasil
S IA D
S IA D
SEM LUGAR-COMUMNO COMMONPLACE
“Com o curso Procedência e Propriedade,
passei a perceber o desenho como veículo para
entender questões sobre mim. Acho que não
é um curso sobre técnicas de desenho, mas sim
sobre tomar consciência de sua postura diante de
um problema. Depois dele, mantive uma rotina
de trabalho e frequentei o grupo de
estudos ministrado por Watson.”
“InthecourseProvenanceandProperty,Icametoseedrawingasa
vehicleforunderstandingmyself.Idon’tseeitasacourseindrawing
techniques,butratherawaytobecomeawareofyourposturewhen
facedwithaproblem.Afterthecourse,Ikeptupaworkroutineand
attendedastudygroupadministeredbyWatson.”
EDUARDO BERLINER, 36
Designer gráfico e artista plástico
Graphic designer and visual artist
Dedicated to the study of the creative process for over 20 years, Scot-
tish educator and researcher Charles Watson has become a master in
debunking clichés. Those who take his courses, whether at his Mundo
Novo workshop or at Parque Lage, both located in Rio de Janeiro, at-
tend his lectures and workshops or participate in the trips he promotes
won’t find a readymade formula for creativity. “People come in search of
answers. What I provoke is reflection,” he says.
One common aspect of the majority of educational projects led by Wat-
son is immersion. He explains that this is how it’s possible to present im-
probable ideas. Thus, he takes the person to a neutral place, where noth-
ing that happens is familiar. In the course that he teaches in his workshop
— which attracts mainly designers, artists and architects —, students have
between 10 and 12 hours of classes per day, six days a week, for 35 days.
MeanwhileatParqueLage,wheretheaudienceiscomprisedofpeoplefrom
different areas, between ages 18 and 70, the total is around 120 hours, dis-
tributed over four months. On the trips, Watson accompanies a group to
museums, galleries and the studios of artists — whom he interviews.
Immersionworksbybalancingcertaintiesaboutthecreativeprocess.One
of them is related to talent. The educator cites studies that suggest that, if
talent really exists, it’s unimportant in the education of people who make a
difference. According to him, these individuals normally love what they do,
andthiscreatesagreatertoleranceforintensework.Thosewhoarepassion-
ately involved in a process are available to place themselves in uncomfort-
ablesituations.Forthosewhocreate,discomfortisanally,notanenemy.
In an experience exercise, Watson investigates if students are in a
stage of total presence through their drawings. In other words, a place
where you are what you do. “The advantage is obvious for whom the
activity is the end and not the product,” he explains.
Anotherdisputedideaisyoucreatewhenyou’reinspired.Theteacherob-
serves that inspiration emerges from work, and not the other way around.
Ifyoudon’thaveaconstantrelationshipwithwhatyoudo,youwon’tbefa-
miliar enough to recognize what is important. Another illusion is that free-
dom and creativity are connected. Limits and restrictions are fundamental
factorsinthecreativeprocess.Justlikemistakes—which,afterall,canbethe
answertoaproblemthatisyettoemerge.“Havingawiderangeofanswers
toproblemsthatdon’texistwillprepareyoufortheunknownoftomorrow.”
Dedicado há mais de 20 anos ao estudo do processo criativo,
o educador e pesquisador escocês Charles Watson tornou-se
mestre em derrubar clichês. Quem faz seus cursos, tanto em
seu ateliê Mundo Novo como no Parque Lage, ambos no Rio de
Janeiro, ou ainda quem participa das viagens que promove e de
suas palestras e workshops, não encontra uma fórmula pronta
quando o assunto é criatividade. “As pessoas vêm em busca de
respostas. O que provoco é a reflexão”, diz.
Um traço comum à maioria dos projetos educacionais condu-
zidos por Watson é a imersão. Ele explica que assim é possível
apresentar ideias improváveis. Para isso, leva a pessoa a um lu-
gar neutro, onde nada do que acontece é familiar. No curso que
ministra no ateliê — que recebe principalmente designers, ar-
tistas e arquitetos —, os alunos têm de 10 a 12 horas de aula por
dia, seis vezes por semana, durante 35 dias. Já no do Parque Lage,
com plateia formada por gente de diferentes áreas, de 18 a 70
anos, são cerca de 120 horas, distribuídas em quatro meses. Nas
viagens, Watson acompanha um grupo de pessoas a museus, ga-
lerias e ateliês de artistas — que são entrevistados por ele.
A imersão funciona para balançar certezas sobre o processo cria-
tivo. Uma delas diz respeito a talento. O educador cita pesquisas
que sugerem que, se é que o talento existe, ele é desimportante
na formação de quem faz a diferença. Segundo ele, esse indivíduo
normalmente adora o que faz, e isso cria maior tolerância para o
trabalho intenso. Quem está envolvido com o processo de modo
passional fica mais disponível para se colocar em situações descon-
fortáveis. Para quem cria, o desconforto é aliado, não inimigo.
Em um exercício de vivência, Watson investiga, por meio de
desenhos dos alunos, se eles estão em um estágio de total presença.
Ou seja, um lugar em que você é aquilo que faz. “A vantagem é óbvia
para quem a atividade é o fim e não o produto”, explica.
Outra ideia contestada é a de criar quando inspirado. O professor
observa que a inspiração aflora com o trabalho, e não o oposto. Se
você não tem uma relação constante com aquilo que faz, não terá fa-
miliaridadeparareconheceroqueéimportante.Maisumailusão:co-
nectar liberdade e criatividade. De acordo com ele, o limite e a res-
trição são fatores fundamentais no processo criativo. Assim como o
erro — que, afinal, pode ser a resposta para uma questão que ainda
não surgiu. “Ter um enorme leque de respostas para problemas que
não existem prepara você para um amanhã desconhecido.”
ILUSTRAÇÃO:DAVIAUGUSTO