SlideShare uma empresa Scribd logo
1 de 73
Baixar para ler offline
Ami
O menino das estrelas
       De Enrique Barrios




                 1
Índice

      Índice ____________________________________________________________________ 2
      Primeira Parte _____________________________________________________________ 3
        Capítulo 1 - O primeiro encontro __________________________________________________ 3
        Capítulo 2 - Pedrinho voador _____________________________________________________ 7
        Capítulo 3 - Não se preocupe_____________________________________________________ 11
        Capítulo 4 - A polícia! __________________________________________________________ 16
        Capítulo 5 - Raptado pelos extraterrestres!_________________________________________ 21
        Capítulo 6 - Uma questão de medidas _____________________________________________ 26
        Capítulo 7 - Os avistamentos_____________________________________________________ 30
      Segunda Parte ____________________________________________________________ 36
        Capítulo 8 - Ofir! ______________________________________________________________ 36
        Capítulo 9 - A Lei Fundamental __________________________________________________ 42
        Capítulo 10 - A fraternidade interplanetária _______________________________________ 49
        Capítulo 11 - Debaixo d’água ____________________________________________________ 53
        Capítulo 12 - A nova era ________________________________________________________ 59
        Capítulo 13 - Uma princesa azul __________________________________________________ 63
        Capítulo 14 - Até a volta, Ami! ___________________________________________________ 70


     É difícil aos dez anos de idade escrever um livro. Nesta idade ninguém entende muito de literatura...
nem se interessa demais; mas eu vou ter que fazer isso, porque Ami disse que se eu o quisesse ver
novamente deveria relatar em um livro o que eu vivi a seu lado.

      Ele me advertiu que entre os adultos, muito poucos me entenderiam, porque para eles era mais fácil
acreditar no terrível do que no maravilhoso.

      Para evitar problemas ele me recomendou que dissesse que tudo era uma fantasia, uma história para
crianças.

      Eu vou obedecer-lhe ISTO É UMA HISTÓRIA.




                                                  Advertência
                                           (destinada somente para adultos)

                  Não continue lendo, você não vai gostar, daqui em diante é maravilhoso

                          Destinado às crianças de qualquer nação desta redonda e bela pátria,
                   esses futuros herdeiros e construtores de uma nova Terra sem divisões entre irmãos.




“Quando juntos se hão de reunir os povos,
e os reinos para servir ao Senhor.”
(Salmo 101:23)


                                                               2
“...e das suas espadas forjarão relhas de arados,
e das suas lanças, foices.
Não levantará a espada uma nação contra outra nação,
Nem daí por diante se adestrarão mais para a guerra.”
(Isaías 2:4)



“...e os meus escolhidos herdarão
esta terra, e os meus servos habitarão nela.”
(Isaías 65:9)




                                           Primeira Parte

                                 Capítulo 1 - O primeiro encontro
       Tudo começou numa tarde do verão passado, numa praia que vou quase todos os anos com a minha
avó.

       Desta vez conseguimos uma casinha de madeira. Havia muitos pinheiros e boldos do Chile no quintal
e, na frente, um jardim cheio de flores. Estava perto do mar, num caminho que leva até a praia.

      Iam ficando poucas pessoas porque o verão já estava terminando. Minha avó gosta de tirar férias nos
primeiros dias de março; ela diz que é mais tranquilo e mais barato.

        Começou a escurecer; eu estava sentado numas pedras altas perto de uma praia solitária,
contemplando o mar. De repente, vi no céu uma luz vermelha em cima de mim. Pensei que eram fogos de
artifício, desses que se soltam no ano novo. Vinha descendo, mudando de cores e largando faíscas. Quando
chegou mais perto percebi que não eram fogos de artifício, porque ao crescer chegou a ter o tamanho de
um ultraleve ou até maior...

      Caiu no mar a uns cinquenta metros da beira, na minha frente, sem fazer nenhum barulho. Pensei
que tinha sido testemunha de um acidente aéreo. Olhei procurando algum paraquedista no céu, não
encontrei nenhum. Nada alterava o silêncio e a tranquilidade da praia.

       Tive muito medo e senti vontade de sair correndo para contar à minha vovó; mas esperei um pouco
para ver se via alguma outra coisa. Quando já estava indo embora, apareceu alguma coisa branca boiando
no ponto onde eu tinha visto cair o avião, ou o que quer que fosse: alguem vinha nadando para as pedras.
Imaginei que era o piloto, que tinha conseguido se salvar do acidente. Esperei que se aproximasse, para
tentar ajuda-lo.

       Como nadava com agilidade, compreendi que não estava ferido.

      Quando chegou mais perto, percebi que se tratava de um menino. Chegou até as pedras e antes de
começar a subir me olhou amigavelmente. Pensei que ele estava contente por ter se salvado; a situação não
parecia dramática para ele, e isso me acalmou um pouco. Veio até onde eu estava, sacudiu a água dos
cabelos e sorriu; aí eu me tranquilizei definitivamente; ele tinha cara de ser um menino bom. Sentou-se ao
meu lado, suspirou com resignação e ficou olhando as estrelas que começavam a brilhar no céu.

      Parecia mais ou menos da minha idade, um pouco menor e mais baixinho; usava uma espécie de
uniforme branco como de piloto, feito com algum material impermeável, pois não estava molha; sua roupa
terminava com um par de botas brancas com solas grossas. Levava ao peito um escudo dourado: um
coração alado dentro de um círculo.



                                                        3
Seu cinto, também dourado, tinha de cada lado algo parecido a rádios portáteis, e no centro, uma
grande fivela muito bonita.

       Sentei-me a seu lado. Ficamos um momento em silêncio; como ele não dizia nada, perguntei o que
tinha acontecido.

      - Uma aterrissagem forçada – respondeu, rindo.

       Era simpático, e como tinha um sotaque bastante estranho, imaginei que viesse de outro país no
avião. Seus olhos eram grandes e bondosos.

     - Que aconteceu com o piloto? – perguntei. Como ele era um menino, achei que o piloto devia ser
uma pessoa adulta.

      - Nada. Ele está aqui, sentado com você – respondeu.

      - Ah! – fiquei maravilhado. Esse menino era um prodígio! Na minha idade já dirigia avião! Imaginei
que seus pais fossem ricos.

      Foi ficando noite e tive frio. Ele percebeu, pois me perguntou:

      - Você está com frio?

      - Estou.

      - A temperatura é agradável – disse-me, sorrindo. Senti que realmente não estava fazendo frio.

      - É verdade – respondi.

      Depois de alguns minutos perguntei o que ele ia fazer.

      - Realizar a missão – respondeu, sem deixar de olhar para o céu.

       Pensei que estava diante de um menino importante, não como eu, um simples estudante em férias.
Ele tinha uma missão... talvez algo secreto... Não me atrevi a perguntar de que se tratava.

      - Não lhe dá pena ter perdido o avião?

      - Não se perdeu – respondeu, deixando-me sem compreender.

      - Não se destruiu por completo?

      - Não.

      - Como você vai tira-lo da água para consertar... ou não vai poder?

      - Oh! sim, vou poder tira-lo da água. Observando-me com simpatia perguntou: como você se chama?

     - Pedro – respondi, mas eu começava a não gostar disso: ele não respondia a minha pergunta.
Parece que ele percebeu meu desagrado e achou graça.

      - Não se zangue, Pedrinho, não se zangue... Quanto anos você tem?

      - Dez... quase. E você?

      Riu com suavidade, com o riso de um neném quando a gente faz cócegas nele. Senti que ele estava
querendo se mostrar mais importante do que eu, porque ele dirigia avião e eu não; isso não me agradava.
Contudo, ele era simpático, agradável, e eu não consegui me zangar realmente com ele.




                                                          4
- Tenho mais anos do que você seria capaz de acreditar – respondeu, sorrindo. Tirou do seu cinto
uma espécie de calculadora de bolso, que ele ligou e onde apareceu uns sinais desconhecidos para mim.
Fez cálculos e quando viu a resposta me disse sorrindo:

         - Não, não... se eu disser você não vai acreditar...

      Ficou noite e apareceu uma bela lua cheia que iluminava a praia toda. Olhei para o seu rosto com
atenção. Ele não podia ter mais que uns oito anos, e apesar disso já era piloto de avião... Será que era mais
velho?... Não seria um anão?

        - Você acredita nos extraterrestres? – perguntou-me para surpresa minha. Demorei um bom tempo
em responder. Ele me observava com os olhos cheios de luz, dando a impressão que as estrelas da noite se
refletiam nas suas pupilas. Era realmente muito bonito para ser normal. Lembrei do avião em chamas, sua
aparição, sua calculadora com estranhos sinais, seu sotaque, sua roupa... além disso, era um menino, e
nós, meninos, não pilotamos aviões...

         - Você é um extraterrestre? – perguntei, com um pouco de medo.

         - E se fosse... Você teria medo?

         Foi então que eu soube que ele vinha, mesmo, de outro planeta.

         Fiquei um pouco assustado, mas seu olhar estava cheio de bondade.

         - Você é malvado? – perguntei, um pouco tímido. Ele deu risada, divertido.

         - Quem sabe você é até um pouco mais malvadinho do que eu...

         - Por que?

         - Porque você é um terrícola.

         - Você é de verdade um extraterrestre?

       - Não precisa se assustar – consolou-me sorrindo e apontou para as estrelas enquanto dizia: este
universo esta cheio de vida... milhões e milhões de planetas são habitados... tem muita gente boa ali em
cima...

      Suas palavras produziam um estranho efeito em mim. Quando ele dizia essas coisas eu podia “ver”
esses milhões de mundos habitados por pessoas bondosas. Perdi o medo. Decidi aceitar sem me
surpreender que ele era de outro planeta. Parecia amigável e inofensivo.

         - Por que você diz que os terrícolas são malvados? – perguntei. Ele continuou olhando para o céu e
disse:

         - Que belo é ver-se o firmamento daqui da Terra... Esta atmosfera lhe dá um brilho... uma cor...

      Não estava me respondendo outra vez. Novamente me aborreci; além disso eu não gosto que
pensem que eu sou malvado, não sou mesmo, ao contrário: queria ser explorador quando fosse grande e
caçar gente malvada nos momentos livres...

         - Lá nas Plêiades, há uma civilização maravilhosa...

         - Não somos todos malvados aqui...

         - Veja essa estrela... ela era assim há um milhão de anos... já não existe...

     - Eu disse que não somos todos malvados aqui. Por que você disse que todos os terrícolas são
malvados? Ein?



                                                                5
- Não foi isso o que eu disse – respondeu sem deixar de olhar ao céu; seu olhar brilhava- É um
milagre...

      - Você disse!

      Como levantei a voz, consegui tirá-lo dos seus sonhos; estava igual a uma prima minha quando fica
olhando a foto de seu cantor preferido; ela está louquinha por ele.

      Olhou-me com atenção; não parecia estar zangado comigo.

      - Quis dizer que os terrícolas não são tão bons como os habitantes de outros mundos do espaço.

      - Esta vendo? Você está dizendo que somos os mais malvados de Universo.

      Ele riu de novo e me acariciou os cabelos.

      - Também não foi isso o que eu quis dizer.

     Aí eu não gostei nada. Puxei a cabeça para trás. Se tem algo que eu não gosto é de que me tratem
como um bobo, porque sou um dos primeiros da minha turma, além disso vou fazer DEZ ANOS.

      - Se este planeta é tão ruim, o que é que você está fazendo aqui?

      - Você já reparou como a lua se reflete no mar?

      Ele continuava a me ignorar e a mudar de assunto.

      - Você disse para reparar no reflexo da lua?

      - Talvez... Você já percebeu que nós estamos flutuando no universo?

       Quando ele disse isso, achei que tinha entendido a verdade: esse menino estava louco. Claro!
Pensava que era um extraterrestre, por isso dizia coisas tão estranhas. Eu quis voltar para casa, de novo me
sentia mal, mas agora, por ter acreditado em suas histórias fantásticas. Ele estava caçoando de mim...
extraterrestre... e eu acreditei!. Senti vergonha, raiva de mim mesmo e dele. Tive vontade de dar-lhe um
murro no nariz.

      - Por quê? O meu nariz é muito feio?

      Fiquei paralisado. Tive medo. Ele tinha lido o meu pensamento! Olhei para ele. Sorria vitorioso. Não
quis me render, preferi pensar que isso foi por pura casualidade, uma coincidência entre o que eu pensei e o
que ele disse. Não demonstrei surpresa, quem sabe era verdade, mas eu tinha que comprovar... talvez
estivesse diante de um ser de outro mundo, um extraterrestre que podia ler o pensamento.

      Decidi colocá-lo à prova.

      - Que estou pensando agora? – disse isso e fiquei pensando num bolo de aniversário.

     - Não são suficientes as provas que você já tem? – perguntou. Mas eu não estava disposto a ceder
nem um milímetro.

      - Que provas?

      Esticou as pernas e apoiou os cotovelos nas pedras.

       - Veja, Pedrinho, existem outros tipos de realidades, outros mundos mais sutis, com portas sutis para
inteligências sutis...

      - Que significa sutis?

      - Com quantas velinhas?... – disse sorrindo.

                                                        6
Foi como um soco no estômago. Tive vontade de chorar, senti-me tonto e fraco. Pedi que me
desculpasse, mas ele não se incomodou por aquilo, não prestou atenção e deu risada.

      Decidi não duvidar mais dele.


                                      Capítulo 2 - Pedrinho voador
      - Venha, fique na minha casa – ofereci, pois já era tarde.

      - Melhor não incluirmos adultos na nossa amizade – disse, franzindo o nariz enquanto sorria.

      - Mas eu tenho que ir...

      - Sua avó dorme profundamente, não vai sentir sua falta se a gente conversar um pouco.

       De novo senti surpresa e admiração. Como é que ele sabia da minha avó?... Lembrei que ele era um
extraterrestre.

      - Você pode ver a vovó?

      - Da minha nave vi que ela já estava quase dormindo – respondeu com malícia. Depois, exclamou
entusiasmado:

       - Vamos passear pela praia! Levantou-se e deu um salto, correu até a beira da pedra que era
altíssima e se lançou à areia.

      Descia lentamente, planando como uma gaivota!

       Lembrei que não devia surpreender-me demais por nada que viesse daquele alegre menino das
estrelas.

      Desci da pedra como pudi, com muito cuidado.

      - Como você faz? – perguntei, referindo-me a seu incrível planar.

      - Sinto-me como uma ave – respondeu, e saiu correndo alegremente entre o mar e a areia, sem ter
motivo especial para fazer isso. Teria gostado de poder atuar como ele, mas não podia.

      - Claro que pode!

       Outra vez tinha captado meu pensamento. Veio até mim tentando me animar e disse: Vamos correr e
saltar como pássaros! Então me deu a mão e senti uma grande energia. Começamos a correr pela praia.

      - Agora... vamos saltar!

      Ele conseguia se elevar muito mais do que eu e me impulsava para cima com sua mão. Parecia que
se suspendia no ar por instantes. Continuávamos correndo e de trecho em trecho saltávamos.

       - Somos aves, somos aves! – embriagava-me e animava. Pouco a pouco fui deixando meu
pensamento habitual, fui me transformando, já não era o mesmo menino de todos os dias. Animado pelo
extraterrestre fui decidindo ser leve, como uma pluma, estava pouco a pouco aceitando a ser uma ave.

      - Agora... pule!

      Realmente, começávamos a nos manter no ar durante alguns instantes. Caíamos suavemente e
continuávamos correndo, para depois novamente elevar-nos. Cada vez era melhor, isso me surpreendia...

      - Não se surpreenda... você pode... agora!



                                                         7
Em cada tentativa era mais fácil conseguir. Corríamos e saltávamos como em câmara lenta, pela
beira da praia, numa noite de lua e cheia de estrelas... Parecia outra maneira de existir, outro mundo.

      - Com amor pelo vôo! – animava-me. Um pouco mais adiante soltou minha mão.

      - Você pode, claro que pode! – olhava-me, transmitindo-me confiança enquanto corria ao meu lado.

      - Agora! – nos elevamos lentamente, nos mantínhamos no ar e começavamos a cair como se
planássemos, com os braços abertos.

      - Bravo, bravo! – felicitava-me.

      Não sei quanto tempo brincamos nessa noite. Para mim foi como um sonho.

      Quando me cansei, joguei-me na areia, ofegante e rindo feliz. Tinha sido fabuloso, uma experiência
inesquecível.

       Não disse nada a ele, mas por dentro agradeci ao meu estranho amiguinho por ter me permitido
realizar coisas que eu pensava fossem impossíveis. Ainda não sabia todas as surpresas que me esperavam
naquela noite...

      As luzes de um balneáreo brilhavam do outro lado da baía. Meu amigo contemplava com deleite os
movediços reflexos sobre as águas noturnas, extasiado, deitado na areia banhada pela claridade da lua,
depois enchia-se de júbilo olhando a lua cheia.

      - Que maravilha... ela não cai! – ria- Este seu planeta é muito lindo!

      Nunca tinha pensado nisso, mas agora, ao ouvi-lo... sim, era lindo ter estrelas, mar, praia e uma lua
tão bonita ali pendurada... e além do mais, não caia...

      - O seu planeta não é bonito? – perguntei. Suspirou profundamente olhando para um ponto do céu, a
nossa direita.

      - Oh, sim, também é, mas todos nós sabemos isso... e cuidamos dele...

       Lembrei que ele tinha insinuado que os terrícolas não são muito bons. Pensei que tinha compreendido
umas das razões: nós não valorizamos nem cuidamos do nosso planeta; eles sim, preocupam-se com o
deles; eles sim cuidam do deles.

      - Como você se chama?

      Achou engraçada minha pergunta.

      - Não posso lhe dizer.

      - Por que... é um segredo?

      - Que nada; não existem segredos! Somente que não existem em seu idioma esses sons.

      - Que sons?

      - Os do meu nome.

      Isso me surpreendeu, porque eu tinha pensado que ele falava meu idioma, apenas com outro
sotaque.

      - Então, como você aprendeu a falar a minha língua?

      Nem a falo, nem a compreendo... Somente tenho isto – respondeu, divertido, enquanto pegava um
aparelho do seu cinto.


                                                          8
Isto é um “tradutor”. Esta caixinha explora o seu cérebro na velocidade da luz e me transmite o que
você quer dizer, assim eu posso compreender, e quando vou dizer alguma coisa ela me faz mover os lábios
e a língua como você o faria... bom... quase como você. Nada é perfeito.

      Guardou o “tradutor” e ficou contemplando o mar, enquanto segurava os joelhos, sentado na areia.

      - Então, como posso chamá-lo? – perguntei.

      - Você pode me chamar “Amigo”, porque é isso o que eu sou: um amigo de todos.

      - Vou chama-lo “Ami”. É mais curto e parece um nome. – ele gostou do seu apelido novo.

      - É perfeito, Pedrinho! – demos um aperto de mãos. Senti que selava uma nova e grande amizade. E
assim seria...

      - Como se chama o seu planeta?

     - Puf!... também não dá. Não existe equivalência dos sons, mas está por ali, apontou sorrindo para
umas estrelas.

       Enquanto Ami observava o céu, eu fiquei pensando nos filmes de invasores extraterrestres que tinha
visto tantas vezes pela televisão.

      - Quando vão nos invadir?

      Achou engraçada a minha pergunta.

      - Por que você pensa que nós vamos invadir a Terra?

      - Não sei... nos filmes, todos os extraterrestres invadem a Terra... ou quase todos...

      Desta vez sua risada foi tão alegre que me contagiou. Depois tentei me justificar:

      - ... É que na televisão...

       - Claro, a televisão!... Vamos ver uma de invasores – disse, entusiasmado, enquanto da fivela de seu
cinto tirava outro aparelho. Apertou um botão e apareceu uma tela acesa. Era uma pequena televisão em
cores, sumamente nítida. Mudava os canais rapidamente. O mais surpreendente era que nessa região só se
podiam sintonizar dois canais, mas no aparelho ia aparecendo uma infinidade: filmes, programas ao vivo,
noticiários, comerciais, tudo em diferentes idiomas e por pessoas de diversas nacionalidades.

      - Os de invasores são ridículos – dizia Ami.

      - Quantos canais você pode sintonizar aí?

      - Todos os que estão transmitindo neste momento no seu planeta... Este aparelho recebe os sinais
que os nossos satélites captam e os amplifica. Aqui tem um, na Austrália, veja!

      Apareciam uns seres com cabeça de polvo e um montão de olhos saltados cheios de veias
vermelhas. Disparavam raios verdes contra uma multidão de aterrorizados seres humanos. Meu amigo
parecia divertir-se com esse filme.

      - Que barbaridade! Você não acha cômico, Pedrinho?

      - Não, por quê?

      - Porque esses monstros não existem. Somente nas monstruosas imaginações dos que inventam
esses filmes...

     Não me convenceu. Tinha estado anos vendo todo tipo de seres espaciais perversos e espantosos,
impossíveis de serem apagados de uma vez.

                                                          9
- Mas se aqui mesmo na Terra tem iguanas, crocodilos, polvos, por que não vão existir em outros
mundos?

       - Ah, isso. Claro que tem, mas não constroem pistolas de raios, são como os daqui: animais. Não são
inteligentes.

      - Mas talvez existam mundos com seres inteligentes e malvados...

      - “Inteligentes e malvados”! – Ami dava risada – Isso é como dizer bons-maus.

       Eu não conseguia compreender. E esses cientistas loucos e perversos que inventam armas para
destruir o mundo, contra os quais Batman e Superman lutam? Ami captou meu pensamento e explicou
rindo:

      - Esses não são inteligentes; são loucos.

      - Bom, então é possível que exista um mundo de cientistas loucos que poderiam nos destruir...

      - Além dos daqui da Terra, impossível...

      - Por quê?

        - Porque se são loucos, destroem-se a si mesmos primeiro. Não conseguem obter o nível científico
necessário para poder abandonar seus planetas e partir para invadir outros mundos. É mais fácil construir
bombas do que naves intergaláticas, e se uma civilização não tem bondade e alcança um alto nível
científico, mais cedo ou mais tarde vai utilizar seu poder científico contra si mesma, muito antes de poder
partir para outros mundos.

      - Mas em algum planeta poderiam sobreviver, por casualidade...

      - Casualidade? No meu idioma não existe essa palavra. Que significa casualidade?

      Tive que dar vários exemplos para que ele compreendesse. Quando consegui, ele achou engraçado.
Disse que tudo está relacionado, mas que nós não compreendemos a lei que une todas as coisas, ou não a
queremos ver.

     - É que se são tantos os milhões de mundos, como você diz, poderiam sobreviver alguns malvados
sem se destruir. Eu continuava pensando na possibilidade de invasores. Ami tentou fazer-me entender:

      - Imagine que muitas pessoas têm que pegar uma barra de ferro quente, uma a uma, com as mãos
nuas. Qual é a possibilidade de que alguma não se queime?

      - Nenhuma; todas se queimam – respondi.

     - É assim mesmo, todos os malvados se auto-destroem se não conseguem superar sua maldade.
Ninguém escapa da lei que rege esse assunto.

      - Que lei?

      - Quando o nível científico de um mundo supera em muito o nível de amor, esse mundo se auto-
destrói...

      - Nível de amor?

       Podia entender com clareza o que é o nível científico de um planeta, mas não compreendia o que era
o “nível de amor”.

      - A coisa mais simples é, para alguns, a mais difícil de compreender... o amor é uma força, uma
vibração, uma energia cujos efeitos podem ser medidos por nossos instrumentos. Se o nível de amor de um
mundo é baixo, existe infelicidade coletiva, ódio, violência, separatismo, guerras e... com um nível
perigosamente alto de capacidade destrutiva... compreende-me, Pedrinho?

                                                       10
- Em geral, não. O que você quer dizer?

      - DEVO lhe dizer muitas coisas, mas vamos aos poucos. Comecemos por suas dúvidas.

       Ainda não podia acreditar que não existissem monstros invasores. Contei-lhe um filme no qual
“extraterrestres lagartos” dominavam muitos planetas porque estavam muito bem organizados. Ele disse:

        - Sem amor não pode existir uma organização duradoura. Nesse caso é preciso obrigar, forçar. Ao
final, aparece a rebeldia, a divisão e a destruição.


                                   Capítulo 3 - Não se preocupe
      - Que símbolo é esse que você usa no peito? -perguntei.

     - É o emblema do meu trabalho -respondeu, enquanto apontava para cima- Sabe? aqui "pertinho",
num planeta de Sírio, existem praias cor violeta... são esplêndidas. Se você visse o que é um entardecer
com esses dois sóis gigantes...

      - Você viaja na velocidade da luz?

      Minha pergunta pareceu cômica.

      - Se eu viajasse tão "devagar" teria ficado velho antes de chegar aqui.

      - Com que velocidade você viaja, então?

      - Em geral nós não "viajamos"; mais exatamente nos "situamos", mas de uma ponta a outra da
galáxia demoraria... -pegou sua calculadora do cinto e fez umas contas- usando suas medidas de tempo...
hummmm... uma hora e meia, e de uma galáxia a outra demoraria várias horas.

      - Que bárbaro! Como você consegue?

      - Você pode explicar para um bebê porque dois mais dois são quatro?

      - Não -respondi- nem eu mesmo sei.

     - Eu também não posso lhe explicar algumas coisas relacionadas com a contração e a curvatura do
espaço-tempo... nem precisa... Veja como deslizam essas aves pela areia, como se patinassem... que
maravilha!

      Ami estava contemplando umas aves que corriam em grupo pela praia, colhendo algum alimento que
as ondas depositavam na areia. Lembrei que era tarde.

      - Tenho que ir embora... minha vovó...

      - Ainda está dormindo.

      - Estou preocupado.

      - Preocupado? Que bobagem.

      - Por quê?

      - "Pré" significa "antes de". Eu não me "pré-ocupo"; ocupo-me.

      - Não o entendi, Ami.




                                                        11
- Não passe a vida imaginando problemas que não aconteceram nem vão acontecer. Desfrute o
presente. A vida é curta. Quando aparece um problema real, então você se "ocupa" dele. Você acharia
correto que nós estivéssemos preocupados imaginando que podia aparecer uma onda gigante e nos
devorar? Seria uma bobagem não desfrutar este momento, nesta noite tão linda... observe essas aves que
correm sem preocupação... por que perder este momento por algo que não existe?

       - Mas a minha vovó existe...

       - Claro, mas não existe nenhum problema com isto... E este momento, não existe?

       - Estou preocupado...

       - Ah terrícola, terrícola... Está bem, vamos ver a sua vovó.

      Pegou seu aparelho de televisão e começou a sintonizar. Na tela apareceu o caminho que leva até a
minha casa. A "câmara" ia avançando entre as árvores e as pedras do caminho. Aparecia tudo em cores e
iluminado como se fosse dia. Penetramos através de uma janela da casa, apareceu a vovó dormindo
profundamente na sua cama, dava até para escutar sua respiração. Aquele aparelho era incrível!

       - Dorme como um anjinho -comentou Ami, rindo.

       - Não é um filme?

       - Não. É "ao vivo e direto"... vamos até a copa.

      A "câmara" atravessou a parede do dormitório e apareceu na copa. Ali estava a mesa, com sua toalha
de quadrados grandes, e no meu lugar havia um prato coberto por outro, virado.

      - Isto se parece ao meu "ovni"! -brincou Ami- Vamos ver o que você tem para jantar -mexeu alguma
coisa no aparelho e o prato de cima ficou transparente como vidro. Apareceu um pedaço de carne assada,
com batata frita e salada de tomate.

       - Ui! -exclamou Ami, com nojo- como vocês conseguem comer cadáver...

       - Cadáver?

       Cadáver de vaca... vaca morta. Um pedaço de vaca morta.

       - Assim como ele descrevia, eu também senti nojo.

       - Como funciona esse aparelho, onde está a câmara? -perguntei, bastante intrigado.

       - Não necessita câmara. Este aparelho focaliza, capta, filtra, seleciona, amplia e projeta... simples,
não?

       Parecia que ele estava caçoando de mim.

       - Por que se vê de dia, se é de noite?

       - Existem outras "luzes" que seu olho não pode ver e que este aparelho pode captar.

       - Que complicado!

       - Nada disso. Eu mesmo fiz este cacareco...

       - Você mesmo!

      - É muitíssimo antigo, mas eu sinto carinho por ele. É uma lembrança, um trabalho da escola
primária...

       - Vocês são uns gênios!

                                                          12
- Claro que não. Você sabe multiplicar?

      - Claro -respondi.

       - Então você é um gênio... para quem não sabe multiplicar. Tudo é uma questão de níveis. Um rádio
transistorizado é um milagre para os índios das selvas.

      - É verdade. Você acha que algum dia vamos poder ter aqui na Terra invenções como a sua?

      Ele ficou sério pela primeira vez. Olhou-me, e seu olhar denotava certa tristeza.

      - Não sei.

      - Como é que você não sabe; você sabe tudo!

      - Tudo não. O futuro ninguém conhece... felizmente.

      - Por que você diz "felizmente"?

     - Imagine, a vida não teria nenhum sentido se a gente conhecesse o futuro. Você gosta de saber de
antemão o final de um filme que está vendo?

      - Não. Irrita-me -respondi.

      - Gosta de ouvir uma piada que já conhece?

      - Também não. É chatíssimo.

      - Gostaria de saber que presente você vai receber no seu aniversário?

      - Isso ainda menos.

      Seu modo de ensinar era ameno, com exemplos claros.

      - A vida perderia todo o seu sentido se a gente conhecesse o futuro. Só podemos calcular as
possibilidades.

      - Como é isso?

      - Por exemplo, calcular as possibilidades ou probabilidades que a Terra tem de se salvar...

      - Salvar-se, salvar-se de que?

      - Como de quê!... Você não ouviu falar da contaminação das guerras, das bombas?

     - Ah, sim! Você quer dizer que aqui também estamos correndo perigo, como nos mundos dos
malvados?

      - Existem muitas possibilidades. A relação entre a ciência e o amor está terrivelmente inclinada para o
lado da ciência; milhões de civilizações como esta se auto-destruíram. É um ponto de mudança... perigoso.

     Assustei-me. Nunca tinha pensado seriamente na possibilidade de uma terceira guerra mundial ou de
uma catástrofe. Fiquei um bom tempo meditando. De repente, tive uma ideia maravilhosa:

      - Façam alguma coisa!

      - Alguma coisa como quê?

       - Não sei... aterrissar mil naves e dizer aos presidentes que não façam a guerra... alguma coisa assim
-Ami riu.


                                                         13
- Se fizéssemos algo assim, a primeira coisa que conseguiríamos seriam milhões de infartos
cardíacos, por culpa justamente desses filmes de invasores, e nós não somos desumanos, não podemos
provocar algo assim. Em segundo lugar, se disséssemos, por exemplo: transformem suas armas em
instrumentos de trabalho, vocês pensariam ser uma estratégia extraterrestre para os debilitar e depois
dominar o planeta. Terceiro, vamos supor que cheguem a compreender que somos inofensivos, também
não abandonariam as armas.

      - Por quê?

      - Porque teriam medo dos outros países. Quem vai se desarmar primeiro? Nenhum.

      - Mas eles devem ter confiança...

      - As crianças podem ter confiança, os adultos não... e menos ainda os presidentes, e com razão,
porque alguns sentem vontade de dominar tudo o que podem...

      Eu estava realmente nervoso.Comecei a procurar uma solução para evitar a guerra e a possível
destruição da humanidade. Pensei que os extraterrestres poderiam tomar o poder pela força na Terra,
destruir as bombas e nos obrigar a viver em paz. Disse isso a ele. Quando parou de rir, afirmou que eu não
conseguia deixar de ser terrícola ao pensar.

      - Por quê?

      - "Pela força, destruir, obrigar", tudo isso é terrícola, incivilizado, violência. A liberdade humana é algo
sagrado, tanto a nossa como a alheia. "Obrigar" não existe em nossos mundos; cada pessoa é valiosa e
respeitada. "Pela força e destruição" é violência, o que vem de "violar"; violar a Lei do universo...

       - Então vocês não fazem a guerra? -Ainda não tinha terminado de fazer esta pergunta quando me
senti estúpido por tê-la feito.

      Olhou-me com carinho e colocando a mão no meu ombro, disse:

      - Nós não fazemos a guerra, porque acreditamos em Deus.

       Sua resposta surpreendeu-me muito. Eu também acreditava em Deus, mas ultimamente estava
pensando que somente os padres do meu colégio acreditavam Nele, e também as pessoas com pouca
cultura, porque tenho um tio que é físico nuclear da Universidade e ele diz que "a inteligência matou Deus".

      - Seu tio ‚ um tolo -afirmou Ami, depois de ler meus pensamentos.

      - Não acho; ele é considerado um dos homens mais inteligentes do meu país.

      - É um tolo -Ami insistia- a maçã pode matar a macieira? A onda pode matar o mar?...

      - Pensei que...

      - Enganou-se. Deus existe.

      Fiquei pensando em Deus, um pouco arrependido por ter duvidado da sua existência.

      - Ei, tira essa barba e essa túnica!

      Ami ria, porque tinha visto minhas imagens mentais de Deus.

      - Então... não tem barba, Deus raspa a barba?

      Meu amigo espacial se divertia com minha confusão.

      - Esse é um deus terrestre demais -comentou.

      - Por quê?

                                                           14
- Porque tem a aparência de um terrestre.

         O que ele estava querendo me dizer? Que os extraterrestres não têm aparência humana?

     - Mas, como?... Você disse que os seres humanos de outros planetas não têm forma estranha ou
monstruosa, apesar disso, você mesmo parece um terrestre...

         Ami, rindo, pegou um graveto e desenhou uma figura humana na areia.

      - O modelo humano é universal: cabeça, tronco e membros, mas existem pequenas variações em
cada mundo: altura, cor da pele, forma das orelhas; pequenas diferenças. Sou parecido a um terrestre
porque as pessoas do meu planeta são iguais às crianças da Terra, mas Deus não tem forma de homem.
Venha, vamos passear.

      Começamos a andar pelo caminho que vai ao povoado. Colocou seu braço no meu ombro e senti nele
o irmão que nunca tive.

       De longe se escutavam algumas aves noturnas a grasnar. Ami parecia deleitar-se com esses sons;
inspirou o ar marítimo e disse:

     - Deus não tem aparência humana -seu rosto brilhava na noite ao falar do Criador- não tem forma
alguma, não é uma pessoa como você ou como eu. É um Ser infinito, pura energia criadora... puro amor...

         - Ah!

         Ele dizia isso de uma maneira tão bela, que conseguia que eu me emocionasse.

         - Por isso, o universo é lindo e bom... É maravilhoso.

     Pensei nos habitantes desses mundos primitivos que ele tinha mencionado, e também nas pessoas
malvadas deste mesmo planeta.

         - E os maus?

         - Eles chegarão a ser bons algum dia...

     - Era melhor se eles tivessem nascido bons logo do começo, assim não haveria nada ruim em
nenhum lugar.

      - Se não se conhecesse o mal, como se poderia desfrutar o bem, como se poderia dar-lhe valor? -
perguntou Ami.

         - Não entendo direito.

         - Você não acha maravilhoso poder olhar, ver?

         - Não sei. Nunca tinha pensado nisso... acho que sim.

         - Se você tivesse nascido cego e de repente adquirisse a visão, então você acharia maravilhoso poder
ver...

         - Ah, sim!

     - Aqueles que viveram existências difíceis, violentas, quando conseguem atingir uma vida mais
humana a valorizam como ninguém... Se nunca existisse noite, não poderíamos desfrutar o amanhecer...

      - Íamos caminhando pela ruazinha iluminada pela lua e ladeada de árvores. Passamos pela frente da
minha casa, entrei silenciosamente para pegar um suéter e voltei ao lado de Ami. Continuamos caminhando
e conversando. Ele contemplava tudo enquanto falava. Ainda não apareciam as primeiras ruas do povoado
nem as luzes dos postes da cidadezinha.


                                                            15
- Você percebe o que está fazendo? -perguntou-me de surpresa.

      - Não... o quê?

      - Você está caminhando, você pode caminhar...

      - Ah, sim; claro... o que tem isso de extraordinário?

       - Existem pessoas que ficaram paralíticas, e depois de meses ou anos de exercícios conseguiram
voltar a caminhar; para elas sim, é extraordinário poder caminhar, agradecem e desfrutam isso; no entanto,
você caminha sem perceber, sem encontrar nada de especial nisso...

      - Tem razão, Ami. Você me diz muitas coisas novas...




                                         Capítulo 4 - A polícia!
     Chegamos até a primeira rua iluminada pelos postes de luz. Deviam ser onze e meia da noite. Parecia
uma aventura andar sem minha vovó, tão tarde pelo povoado, mas eu me sentia protegido ao lado de Ami.

       Enquanto caminhávamos, ele se detinha para olhar a lua entre as folhas dos eucaliptos, às vezes me
dizia que ficássemos a ouvir o coaxar das rãs, o canto dos grilos noturnos, o longínquo ruído das ondas.
Detinha-se a respirar o aroma dos pinheiros, do córtex das árvores, da terra, a observar uma casa que ele
achava bonita, uma rua ou um cantinho em uma esquina.

      - Veja que lindos esses candeeiros... parecem um quadro... observe como cai a luz sobre essa
trepadeira... e essas anteninhas recortadas contra as estrelas... A vida não tem outro propósito que o de se
desfrutá-la de uma maneira sã, Pedrinho.

       Procure colocar sua atenção em tudo o que a vida lhe proporciona... A maravilha está em cada
instante... Tente sentir, perceber, em lugar de pensar. O sentido profundo da vida está além do
pensamento... Sabe, Pedrinho, a vida é um conto de fadas feito realidade... é um dom maravilhoso que
Deus lhe brinda... porque Deus o ama...

      Suas palavras me faziam ver as coisas de um novo ponto de vista. Parecia-me incrível que esse
mundo fosse o habitual, o de todos os dias, ao qual eu jamais prestava atenção... agora percebia que vivia
no Paraíso, sem nunca ter percebido antes...

      Caminhando chegamos até a praça do balneário. Alguns jovens estavam na porta de uma discoteca,
outros conversavam no centro da praça. O lugar estava tranquilo, especialmente agora que a temporada
estava no fim.


                                                          16
Ninguém prestava atenção em nós, apesar da roupa de Ami; talvez pensassem que era uma simples
fantasia...

      Imaginei o que aconteceria se soubessem que espécie de menino estava passeando por aquela
praça; eles nos rodeariam, viriam os jornalistas e a televisão...

      - Não, obrigado -disse Ami, lendo meu pensamento- não quero que me crucifiquem...

      Não compreendi o que ele quis dizer.

      - Em primeiro lugar, não acreditariam; mas se por fim o fizessem, me levariam preso por ter
ingressado "ilegalmente" no país. Depois pensariam que eu sou um espião e me torturariam para obter
informação... E aí, os médicos iam querer ver o meu corpinho por dentro... -Ami ria enquanto relatava
possibilidades tão negras.

      Sentamo-nos num barco, num lugar um pouco afastado. Pensei que os extraterrestres deveriam ir se
mostrando aos poucos, para que as pessoas fossem se acostumando a eles, para depois, um dia,
apresentar-se abertamente.

      - Ë mais ou menos o que estamos fazendo, mas mostrar-nos abertamente... já lhe dei três razões
pelas quais é inútil fazer isso. Agora vou lhe dar mais uma, a principal: está proibido pelas leis.

      - Por quais leis?

     - As leis universais. Em seu mundo existem leis, não é? Nos mundos civilizados também existem
normas gerais que todos devem respeitar; uma delas é não interferir no desenvolvimento evolutivo dos
mundos incivilizados.

      - Incivilizados?

      - Chamamos incivilizados aos mundos que não respeitam os três requisitos básicos...

      - Quais são?

       - Os três requisitos básicos que um mundo deve respeitar para ser considerado civilizado são:
primeiro, conhecer a Lei fundamental do universo; uma vez que se conhece e se pratica essa Lei, é muito
fácil cumprir os outros dois. Segundo, constituir uma unidade: devem ter um só Governo Mundial. Terceiro,
devem organizar-se de acordo com a Lei fundamental do universo.

      - Não entendo muito. Qual é essa lei do fundamento... de quê?

      - Você vê? Você não a conhece -caçoava de mim-, você não é civilizado.

      - Mas eu sou uma criança... Acho que os adultos sim a conhecem, os cientistas, os presidentes...

      Ami riu com vontade.

      - Adultos... cientistas... presidentes! Esses menos que ninguém, salvo raras exceções.

      - Qual é essa lei?

      - Vou lhe dizer mais adiante.

      - De verdade? -fiquei entusiasmado ao pensar que ia conhecer algo que quase ninguém sabia.

      - Se você se comportar direitinho -brincou.

      Comecei a meditar essa proibição de interferir nos planetas incivilizados.

      - Então você está violando essa lei! -expressei com surpresa.


                                                         17
- Bravo! Você não passou por alto esse detalhe.

      - Claro que não. Primeiro você diz que é proibido interferir; apesar disso você está falando comigo...

     - Isto não é interferência no desenvolvimento evolutivo da Terra. Mostrar-se abertamente, comunicar-
se massivamente sim, seria. Isto é parte de um "plano de ajuda".

      - Explique melhor, por favor.

     - É um tema complicado. Não posso lhe explicar tudo, porque você não entenderia. Talvez o faça
mais adiante; por enquanto só vou lhe dizer que o "plano de ajuda" ‚ uma espécie de "remédio", que
devemos ir dando em forma dosificada, suave, sutilmente...bem sutilmente...

      - Qual é esse remédio?

      - Informação.

      - Informação? Que informação?

       - Bem, depois da bomba atômica começaram os avistamentos de nossas naves. Fizemos isso para
que vocês começassem a ter evidências de que não são os únicos seres inteligentes do universo; isso é
informação. Depois fomos aumentando a frequência desses avistamentos, isso é mais informação. Depois
vamos deixar que nos filmem. Ao mesmo tempo, estabelecemos pequenos contatos com algumas pessoas,
como você, e também enviamos "mensagens" em frequências mentais. Essas "mensagens" estão no ar,
como as ondas de rádio, chegam a todas as pessoas; algumas têm os "receptores" adequados para captá-
las, outras não. Os que as recebem podem pensar que são suas próprias ideias; outros que ‚ uma
inspiração divina; e ainda outros, que são enviados por nós. Alguns expressam essas "mensagens" bastante
distorcidas por suas próprias ideias ou crenças; mas existem aqueles que as expressam quase puras.

      - E depois, vão aparecer na frente de todo mundo?

      - Se vocês não se auto-destruírem, e sempre que sejam respeitados os três requisitos básicos. Não
pode ser antes.

      - Acho que é egoísmo que vocês não intervenham para evitar a destruição -disse, um pouco
aborrecido.

      Ami sorriu e olhou para as estrelas.

     - Nosso respeito pela liberdade alheia implica deixá-los alcançar o destino que merecem. A evolução‚
uma coisa muito delicada, não se pode interferir, só podemos "sugerir" coisas, muito sutilmente, e através de
pessoas "especiais", como você...

      - Como eu? Que tenho eu de especial?

     - Talvez eu lhe diga mais adiante, por enquanto você só precisa saber que tem certa "condição", e não
necessariamente "qualidade"... Devo ir-me rápido, Pedrinho. Você gostaria de me ver de novo?

      - Claro que sim, cheguei a estimá-lo neste curto tempo.

      - Eu também a você, mas se você quer que eu volte, vai ter que escrever um livro relatando o que
viveu ao meu lado; para isso foi que eu vim, é parte do "plano de ajuda".

      - Que eu escreva um livro? Mas eu não sei escrever livros!

       Faça como se fosse um conto infantil, uma fantasia... se não, vão pensar que você é um mentiroso ou
louco; além disso, escreva para as crianças. Peça ajuda a esse primo seu, que gosta de escrever. Você
relata e ele escreve.

      Ami parecia saber mais de mim, do que eu mesmo...


                                                         18
- Esse livro vai ser informação também. Mais do que fazemos, não nos é permitido. Você gostaria que
não existisse a menor possibilidade de que uma civilização de malvados venha invadir a Terra?

      - Sim.

      - Está vendo? Mas se vocês não deixam de lado a sua maldade e nós os ajudamos a sobreviver,
rapidamente estariam tentando dominar, explorar e conquistar outras civilizações do espaço... mas o
universo civilizado é um lugar de paz e de amor, de confraternização. Além disso, existem outras qualidades
de energias muito poderosas. A energia atômica ao lado delas é como um fósforo ao lado do sol... Não
podemos correr o risco de que uma espécie violenta chegue a controlar essa energia e colocar em perigo a
paz dos mundos evoluídos, e, muito menos, que chegue a produzir um descalabro cósmico.

      - Estou realmente nervoso, Ami.

      - Pelo perigo de um descalabro cósmico?

      - Não. Porque penso que já é muito tarde...

      - Tarde para salvar a humanidade, Pedrinho?

      - Não. Para me deitar.

      Ami se dobrava de tanto rir.

      - Calma, Pedrinho. Vamos ver a sua vovó.

      Pegou a pequena televisão da fivela do seu cinto. Apareceu minha vovó dormindo com a boca
entreaberta.

      - Desfruta realmente o sono -brincou.

      - Estou cansado. Gostaria de dormir, eu também.

      - Bem, vamos.




      Caminhávamos para minha casa quando encontramos um veículo policial. Os agentes, vendo dois
meninos sozinhos a essas horas da noite, pararam o automóvel, desceram e vieram até nós. Fiquei com
medo.

      - Que vocês estão fazendo a estas horas por aqui?

      - Caminhando, desfrutando a vida -respondeu Ami muito tranquilo- E vocês? Trabalhando? Caçando
malandros? -E riu como sempre. Assustei-me ainda mais do que já estava, quando vi a liberdade que Ami
estava tomando com a polícia; apesar disso eles também acharam engraçada a atitude de meu amigo, riram
com ele. Tentei rir também, mas por causa do meu nervosismo não consegui.

      - De onde você tirou essa roupa?
                                                        19
- De meu planeta -respondeu com total ousadia.

      - Ah, você ‚ um marciano.

      - Marciano, exatamente, não; mas sou extraterrestre.

      Ami respondia com alegria e despreocupação, em troca eu estava cada vez mais nervoso.

     - Onde está o seu "ovni"? -Perguntou um deles observando Ami, com ar paternal. Pensava que era
uma brincadeira de crianças; apesar disso, ele só dizia toda a verdade.

      - Ele está estacionado na praia, debaixo do mar. Não é verdade, Pedrinho?

       Eu não sabia o que fazer. Tentei sorrir e só consegui fazer uma careta bastante idiota, não me atrevi a
dizer a verdade.

      - E você não tem uma pistola de raios? -Os guardas se divertiam com o diálogo. Ami também, mas eu
estava cada vez mais confuso e preocupado.

      - Não preciso. Nós não atacamos ninguém Somos bons.

     - E se aparecer um malvado com um revólver como esse? -ele mostrou a arma fingindo ser
ameaçador.

      - Se vai me atacar, eu o paraliso com a minha força mental.

      - Deixe eu ver. Paralise-nos!

      - Ótimo. O efeito vai durar dez minutos.

     Os três riam muito divertidos mesmo. De repente, Ami ficou quieto, sério e olhou fixo para eles. Com
uma voz muito estranha e autoritária lhes ordenou:

       - Fiquem imóveis durante dez minutos. Não podem, NÃO PODEM MOVER-SE... já -E eles ficaram
paralisados com um sorriso, na posição em que estavam.

       - Você vê, Pedrinho? Assim você tem que dizer a verdade, como se fosse uma brincadeira ou uma
fantasia -explicou-me, enquanto tocava o nariz ou puxava suavemente os bigodes dos guardas petrificados
com um sorriso, que começava a me parecer trágico, por causa das circunstâncias. Tudo aumentava meu
medo.

      - Vamos fugir daqui, bem longe, eles podem acordar -expressei, tentando não falar muito alto.

     - Não precisa se preocupar, ainda tem tempo para que se completem os dez minutos -e começou a
mexer em seus bonés. Eu só queria era estar bem longe dali.

      - Vamos, vamos!

      - Já está pre-ocupado de novo, em vez de desfrutar o momento... está bem, vamos -disse resignado.
Aproximou-se aos sorridentes guardas e com a mesma voz anterior lhes ordenou:

      - Quando acordarem, terão esquecido para sempre esses dois meninos.

      Quando chegamos á primeira esquina dobramos para o lado da praia e nos afastamos do lugar.
Senti-me mais tranquilo.

      - Como você fez isso?

      - Hipnose, qualquer um pode.

      - Eu acho que não se pode hipnotizar qualquer pessoa. Eles podiam ter sido uma dessas.

                                                         20
- Todas as pessoas podem ser hipnotizadas -disse Ami- além disso, todas estão hipnotizadas.

      - O que você quer dizer?... Eu não estou hipnotizado... estou acordado.

      Ami riu muito da minha afirmação.

      - Você se lembra quando vínhamos pelo caminho?

      - Sim, lembro-me.

      - Ali tudo lhe pareceu diferente, tudo lhe pareceu lindo, não é verdade...?

      - Ah, sim... parece que era como se eu estivesse hipnotizado... Talvez você tenha me hipnotizado!

      - Estava acordado! Agora está adormecido, pensando que a vida não tem nenhuma maravilha, que
tudo é perigoso. Você está hipnotizado, não escuta o mar, não percebe os aromas da noite, não toma
consciência de seu caminhar nem de sua vista, não desfruta sua respiração. Você está hipnotizado com
hipnose negativa, está como essas pessoas que pensam que a guerra tem algum sentido "glorioso", como
os que supõem que quem não compartilha sua própria hipnose‚ seu inimigo, todos estão hipnotizados,
adormecidos. Cada vez que alguém começa a sentir que a vida ou um momento são lindos, então este
alguém está começando a acordar. Uma pessoa desperta sabe que a vida é um paraíso maravilhoso e o
desfruta instante a instante... mas não vamos pedir tanto a um mundo incivilizado... Imagine que tem
pessoas que se suicidam... já pensou que loucura? Suicidam-se!

      - Pensando assim, como você diz, tem razão... Como foi que esses guardas não se zangaram com as
suas brincadeiras?

      - Porque eu toquei o seu lado bom, infantil.

      - Mas eles são policiais!

      Olhou-me, como se eu acabasse de dizer uma estupidez.

     - Veja, Pedrinho, todas as pessoas têm um lado bom, um lado infantil. Quase ninguém é
completamente mau. Se você quiser, vamos a uma prisão e procuramos o pior criminoso.

      - Não, obrigado.

       - Em geral, as pessoas não são mais bondosas do que malvadas, inclusive neste planeta. Todos
pensam que estão fazendo um bem com o que fazem. Alguns se enganam, mas não é maldade, é erro. É
certo que quando estão adormecidos ficam sérios e até perigosos, mas se você os toca pelo lado bom, eles
vão lhe devolver o que há de bom neles; se você os toca pelo lado negativo, eles vão lhe devolver o que há
de negativo neles; apesar disso, todo mundo gosta de brincar de vez em quando.

      - Então por que neste mundo existe mais infelicidade do que felicidade?

      - Não é que as pessoas sejam malvadas, são os sistemas que utilizam para se organizar que são
velhos. As pessoas evoluíram, os sistemas ficaram atrasados. Sistemas ruins fazem as pessoas sofrer, vão
fazendo as pessoas ficar infelizes, e no final as levam a cometer erros. Mas um bom sistema de organização
mundial é capaz de transformar os maus em bons.

      Não compreendi muito bem suas explicações.


                           Capítulo 5 - Raptado pelos extraterrestres!
      - Já chegamos a sua casa. Já vai dormir?

      - Sim. Estou realmente cansado, não aguento mais. E você, que vai fazer?



                                                         21
- Voltar para a nave. Vou dar uma volta pelas estrelas... Queria convidá-lo, mas se você está tão
cansado...

      - Agora já? não!... de verdade?... Você me levaria a dar uma volta no seu "ovni"?

      - Claro, mas e sua vovó?...

      Diante de uma possibilidade tão extraordinária como a de passear num "disco voador" foi embora todo
o meu cansaço, estava como novo e cheio de vitalidade; pensei imediatamente na forma de sair sem que
sentissem a minha ausência.

       - Vou jantar, deixo o prato vazio em cima da mesa, depois coloco o meu travesseiro debaixo da roupa
de cama, porque se minha avó se levantar vai pensar que eu estou dormindo em casa, deixo esta roupa por
aí e visto outra. Farei isso com muito cuidado e em silêncio.

      - Perfeito, vamos estar de volta antes que ela se acorde. Não se preocupe com nada.

      Fiz tudo de acordo ao calculado, mas quando quis comer a carne tive nojo e não pude comer. Alguns
minutos mais tarde caminhávamos para a praia.

      - Como vou subir na nave?

      - Vou entrar nadando, pela água, depois levo o veículo até a praia.

      - Não vai lhe dar frio entrar no mar?

     - Não. Esta roupa resiste muito mais ao frio e calor do que você imagina... Bem, vou pegar a nave.
Espere-me aqui e quando eu aparecer não se assuste.

     - Oh, não; já não tenho mais medo dos extraterrestres -achei graça de sua recomendação
desnecessária...

      Ami se dirigiu até as suaves ondas, entrou no mar e começou a nadar. Logo se perdeu de vista, na
escuridão, pois a lua tinha desaparecido detrás de umas nuvens bem tenebrosas...

      Pela primeira vez, desde que Ami apareceu, tive tempo de pensar a sós... Ami?... um extraterrestre!...
Era verdade ou tinha sido um sonho?

     Esperei um bom tempo e comecei a me sentir nervoso. Não me senti muito seguro... estava sozinho,
numa praia escura e terrivelmente solitária...

      Ia enfrentar-me com uma nave extraterrestre... minha imaginação me fazia ver estranhas sombras se
mexendo entre as pedras, na areia, surgindo das águas. E se Ami fosse malvado disfarçado de menino,
falando de bondade para conseguir minha confiança... ... ... Não, não pode ser!... ... ... Raptado por uma
nave extraterrestre?...

       Neste momento apareceu diante dos meus olhos um espetáculo apavorante: debaixo da água um
resplendor amarelo esverdeado começava a subir lentamente, depois apareceu uma cúpula que girava, com
muitas luzes coloridas... Era verdade! Eu estava contemplando uma nave de outro mundo! Depois apareceu
o corpo do veículo espacial, ovalado, com janelas iluminadas. Emitia uma luz entre prateada e verde. Foi
uma visão que eu não esperava, senti verdadeiro terror. Uma coisa era falar com um menino... menino?...
com cara de bonzinho... máscara?... e outra coisa era estar aí, quieto, sozinho, numa praia, na escuridão da
noite e ver aparecer uma nave de outro mundo... um "ovni" que vem nos pegar para nos levar para longe...
Esqueci do "menino" e de tudo o que ele me tinha dito. Para mim aquilo se transformou numa máquina
infernal, vinda de quem sabe de que sombrio mundo do espaço, cheia de seres monstruosos e cruéis que
vinham me raptar. Pareceu-me que era de um tamanho muito maior do que o objeto que eu tinha visto cair
no mar umas horas antes.




                                                        22
Começou a aproximar-se de mim, flutuando a uns três metros por cima das águas. Não emitia
nenhum som, o silêncio era horrível e se aproximava, se aproximava irremediavelmente. Quis fugir. Desejei
não ter conhecido nunca nenhum extraterrestre, queria fazer o tempo voltar para trás, estar dormindo
tranquilamente perto de minha avó, a salvo, na minha caminha, ser um menino normal e com uma vida
normal. Isso era um pesadelo; não conseguia sair correndo, não podia deixar de olhar para esse monstro
luminoso que vinha me levar... quem sabe a um zoológico espacial...

      Quando chegou em cima da minha cabeça, eu me senti perdido. Apareceu uma luz amarela no ventre
da nave, depois um reflexo me ofuscou e aí eu soube que já estava morto. Encomendei minha alma a Deus
e decidi abandonar-me a sua Suprema Vontade...

     Senti que me elevavam, que eu ia numa espécie de elevador, mas meus pés não estavam apoiados
em nada. Esperei ver aparecer aqueles seres com cabeça de polvo e olhos sanguinários e sangrentos...

      De repente, meus pés pousaram sobre uma superfície acolchoada e me vi de pé num recinto
luminoso e agradável, carpetado e com paredes atapetadas. Ami estava na minha frente, sorrindo com seus
grandes olhos de menino bom. Seu olhar conseguiu me acalmar, fazendo-me voltar á realidade, essa
maravilhosa realidade que ele tinha me ensinado a conhecer. Colocou a mão no meu ombro.

      - Calma, calma; não tem nada de mal.

      Quando consegui falar, sorri e lhe disse:

      - Deu-me muito medo.

       - É sua imaginação desenfreada. A imaginação sem controle pode matar de terror, é capaz de
inventar um demônio onde só existe um bom amigo, mas são somente nossos monstros internos, porque a
realidade é simples e maravilhosa, é fácil...

      - Então... estou num "ovni"?

      - Bem, "ovni" é um objeto voador não identificado. Isto está plenamente identificado: é uma nave
espacial; mas podemos lhe chamar "ovni" se você quiser, e também pode me chamar "marciano". -Relaxei
completamente a tensão quando rimos.- Venha, vamos para a sala de comandos -convidou-me.

       Por uma porta muito pequena e em forma de arco passamos a outro recinto, de teto tão baixo como o
do que acabávamos de abandonar. Diante de mim apareceu uma sala semicircular rodeada de janelas
ovais. No centro havia três poltronas reclináveis na frente dos controles, e várias telas quase apoiadas do
chão. Aquilo era como se fosse para crianças! Tanto as poltronas como a altura da sala. Ali não caberia um
adulto de nenhuma maneira... Eu podia tocar o teto levantando o braço.

       - Isto é fabuloso! -exclamei entusiasmado. Aproximei-me das janelas enquanto Ami se acomodava na
poltrona central, na frente dos controles. Detrás dos vidros pude ver a distância o reflexo das luzes do
balneário. Senti uma suave vibração no chão e o povoado desapareceu. Agora só via estrelas...

      - Ei, o que você fez com o balneário?

      - Olhe para baixo -respondeu Ami. Quase desmaiei: estávamos a milhares de metros de altitude sobre
a baía. Podíamos ver todos os povoados da costa que havia nessa região; o meu estava lá embaixo, bem
embaixo. Tínhamos nos elevado quilômetros num instante e eu não tive nenhuma sensação de movimento!

      - Super, super, ótimo! -meu entusiasmo crescia, mas logo a altura me deu vertigem.

      - Ami...

      - Diga.

      - ... Isso não cai?

       - Bem, se a bordo houvesse uma pessoa que tivesse dito mentiras, então os mecanismos poderiam
falhar...

                                                       23
- Desça, então, desça!

      Por suas gargalhadas soube que ele estava brincando.

      - Podem nos ver lá de baixo?

       - Quando esta luz se acende -disse apontando um sinal ovalado nos comandos- quer dizer que somos
visíveis. Quando está apagada, como agora, somos invisíveis.

      - Invisíveis?

     - Do mesmo jeito que este senhor que está sentado do meu lado -mostrou a poltrona vazia a seu lado.
Alarmei-me, mas suas risadas me fizeram compreender que era outra de suas brincadeiras.

      - Como você faz para que não sermos vistos?

     - Se uma roda de bicicleta está girando rápido, seus raios não são vistos. Nós fazemos que as
moléculas desta nave se movimentem rápido...

      - Engenhoso, mas eu gostaria que nos vissem lá de baixo.

        - Não posso fazer isso. A visibilidade ou invisibilidade de nossas naves, quando estão em mundos
incivilizados, efetua-se de acordo ao "plano de ajuda". Isso é decidido por um "computador" gigante situado
no centro desta galáxia...

      - Não entendo direito.

     - Esta nave esta conectada a este "super-computador" que decide quando podemos ou quando não
podemos ser vistos.

      - E como é que esse "computador" sabe quando...?

      - Esse "computador" sabe tudo... Você quer que a gente vá até algum lugar em especial?

      - Até a capital! Gostaria de ver a minha casa daqui do ar...

       - Vamos! -Ami mexeu uns controles e disse, "já". Preparei-me para desfrutar a viajem olhando pela
janela... mas já tínhamos chegado!... Cem quilômetros em uma fração de segundo!

      Eu estava maravilhado.

      - Isto sim que é viajar rápido!

      - Já lhe expliquei que em geral não "viajamos", senão que nos "situamos"... É uma questão de
coordenadas, mas também podemos "viajar".

     Olhei as grandes avenidas iluminadas. Era impressionante ver a cidade, de noite, de cima. Localizei
meu bairro e pedi a Ami que nos dirigíssemos para lá.

      - Mas "viajando" devagar, por favor. Quero desfrutar o passeio.

      A luz dos comandos estava apagada. Ninguém nos via.

      Fomos avançando suave e silenciosamente entre as estrelas e as luzes da cidade.

      Apareceu a minha casa. Foi extraordinário vê-la das alturas.

      - Quer comprovar se está tudo bem lá dentro?

      - Como?


                                                         24
- Vamos ver por esta tela.

       Na frente dele, numa espécie de televisão grande, apareceu a rua focalizada de cima; era o mesmo
sistema pelo qual vimos minha avó dormir, mas com uma grande diferença: aqui a imagem aparecia em
alto-relevo, com profundidade. Parecia que se podia meter a mão pela tela e tocar as coisas. Tentei fazer
isso, mas o vidro invisível me impediu. Ami se divertia comigo.

      - Todos fazem a mesma coisa...

      - Todos, quem são todos?

      - Você não vai pensar que é o primeiro incivilizado que sai a passeio numa nave extraterrestre?

      - Tinha pensado que era -disse, um pouco decepcionado.

      - Pois se enganou.

      A lente da câmara, ou o que quer que fosse, pareceu atravessar o teto da minha casa, percorrendo
cada cantinho. Estava tudo em ordem.

      - Por que na sua televisão portátil não se pode ver em alto-relevo, como nessa tela?

      - Já lhe disse, é um sistema antigo...

       Pedi que fôssemos dar uma volta pela cidade. Passamos pelo meu colégio. Vi o pátio, o campo de
futebol, os arcos, minha classe. Pensei em mim mesmo contando mais tarde a aventura aos meus colegas:
"Vi o colégio de uma nave espacial"... Estaria orgulhoso.

      Fomos passando pela cidade toda.

      - É uma pena que não seja de dia -disse.

      - Por quê?

     - Teria gostado de passear na sua nave também de dia... ver cidades, paisagens com a luz do sol...-
como de costume, Ami estava rindo de mim.

      - Você quer que seja dia? -perguntou.

      - Não acredito que os seus poderes sejam suficientes para mover o sol... ou são?

      - O sol não, mas nós sim...

        Conectou os controles e começamos a nos mover tremendamente rápido; subimos a cordilheira dos
Andes e a atravessamos em uns três segundos, depois apareceram várias cidades que se viam como umas
manchinhas luminosas, devido à grande altitude que tínhamos atingido; imediatamente depois apareceu o
enorme oceano Atlântico, banhado pela lua. Também havia muitas nuvens enormes que limitavam minha
visibilidade. O céu foi se aclarando no horizonte, viajávamos em direção ao leste. Chegamos à terra e
aconteceu algo extraordinário: o sol começou a subir rapidamente! Para mim aquilo foi algo incrível. Ami
tinha movido o sol! Em apenas uns momentos se fez dia.

      - Por que você disse que não podia mover o sol?

      Ami se deleitava observando minha ignorância.

      - O sol não se moveu; fomos nós que nos movemos rapidamente.

       Compreendi meu erro imediatamente, mas tinha sua justificação: é preciso ver o que é contemplar o
sol se elevar pelo horizonte a uma velocidade impressionante...

      - Em que lugar estamos?

                                                        25
- África.

      - África? Mas se faz só um minuto nós estávamos na América do Sul!

      - Como você queria viajar de dia nessa nave, viemos para um lugar que fosse de dia: "se a montanha
não vem a Maomé, Maomé vai à montanha"...

      - Que país da África você gostaria de visitar?

      - Deixa eu ver... a Índia.

      Sua risada me mostrou que meus conhecimentos de geografia não eram muito exatos...

      - Então vamos à Ásia, para a Índia... A qual cidade da Índia você quer ir?

      - ... Dá no mesmo... escolhe você...

      - Bombaim está bem?

      - Sim, ótimo Ami...




       Passamos em grande velocidade e altitude por cima do continente africano. Mais tarde, na minha
casa, com um mapa-múndi pude reconstruir minha viagem. Chegamos ao oceano Índico, e o atravessamos
enquanto o sol subia e subia vertiginosamente. De repente estávamos na Índia. A nave freou bruscamente e
ficou imóvel...

      - Como foi que nós não nos batemos contra as janelas com essa freada? -perguntei muito
surpreendido.

      - É uma questão de anular a inércia...

      Ah, que fácil...


                                   Capítulo 6 - Uma questão de medidas
      Descemos sobre a cidade, até chegar a uns cem metros de altura e começamos nosso passeio pelos
céus de Bombaim.

       Parecia-me estar sonhando ou vendo um filme. Homens com turbantes brancos, casas muito
diferentes das do meu país. Chamou minha atenção a enorme quantidade de pessoas nas ruas. Não era
como na minha cidade. Lá, nem mesmo no centro, na hora de saída dos escritórios vê-se essa multidão.
Aqui estavam em todos os lugares. Para mim, aquilo era outro mundo.

      Ninguém nos via; a luz indicativa estava apagada.


                                                          26
De repente, voltei à "realidade".

      - Nossa, minha vovó.

      - O que é que há com a sua avó?

      - Já é dia, ela já deve ter se levantado, e vai se preocupar com a minha ausência... vamos voltar!

      Para Ami, eu era um permanente motivo de riso.

      - Pedrinho, sua avó dorme profundamente. Lá é meia noite neste momento, do outro lado do mundo;
aqui são dez da manhã.

      - De ontem ou de hoje? -perguntei, confundido com o tempo.

      - De amanhã -respondeu, morto de rir-. Não se preocupe. A que horas ela se levanta?

      - Mais ou menos às oito e meia.

      - Então ainda temos oito horas e meia pela frente... sem contar que podemos esticaaaar o tempo...

      - Estou preocupado... Por que não vamos ver?

      - O que você quer ver?

      - Ela pode ter acordado...

      - Melhor vermos daqui mesmo.

      Pegou os controles de uma tela e apareceu a costa da América do Sul vista de muita altura, depois a
imagem mostrou uma queda em direção à terra a uma velocidade fantástica. Logo pude distinguir a baía, o
balneário, a casa da praia, o teto e a minha avó. Era incrível, parecia que estava ali; dormindo, com a boca
entreaberta, na mesma posição anterior.

       - Não se pode dizer que ela dorme mal, ein? -observou Ami com malícia, depois acrescentou- Vamos
fazer algo para que você fique tranquilo.

       Pegou uma espécie de microfone e me indicou que ficasse em silêncio. Apertou um botão e disse
"psiu". Minha vovó escutou aquilo; acordou, levantou-se e foi até a copa. Nós podíamos escutar os seus
passos e sua respiração. Viu meu prato meio vazio sobre a mesa, pegou-o e deixou-o na cozinha, depois foi
até o meu dormitório, abriu a porta, acendeu a luz e olhou para minha cama. Estava perfeita, parecia que eu
dormia lá, contudo, alguma coisa lhe chamou a atenção, não soube o que era, mas Ami sim.

     Pegou o microfone e respirou perto dele. Minha avó escutou essa respiração e pensou que era a
minha, apagou a luz, fechou a porta e foi para o seu dormitório.

      - Está tranquilo agora?

      - Sim, agora sim... mas não dá para acreditar; ela dormindo lá e nós aqui de dia...

      - Vocês vivem condicionados demais pelas distâncias e pelo tempo...

      - Não compreendo.

      - O que você pensaria de sair de viagem hoje e voltar ontem?

      - Você quer me deixar maluco. Não poderíamos visitar a China?

      - Claro, que cidade você gostaria conhecer?

      Desta vez não ia passar vergonha. Respondi com segurança e orgulho:

                                                         27
- Tóquio.

      - Então vamos conhecer Tóquio... a capital do Japão -disse tentando dissimular a vontade de rir.

      Passamos por todo o território da Índia, de Oeste a Leste. Chegamos aos Himalaias, ali a nave parou.

     - Temos ordens - disse Ami. Numa tela apareceram estranhos sinais - Vamos deixar um testemunho.
O "computador" gigante indica que devemos ser vistos por alguém em algum lugar.

      - Que divertido ! Onde e por quem ?

      - Não sei. Vamos ser guiados pelo "computador". Já chegamos...

      Havíamos utilizado o sistema de translado instantâneo. Estávamos sobre um bosque, suspensos no
ar a uns cinqüenta metros de altura. A luz dos controles mostrava que éramos visíveis. Havia muita neve por
ali.

      - Isto é o Alasca -disse Ami reconhecendo o lugar. O sol começava a se ocultar no mar próximo dali.

     A nave começou a se mover no céu, desenhando um enorme triângulo com sua trajetória, enquanto
mudava suas cores.

      - Para que fazemos isso?

      - Para impressionar. Devemos chamar a atenção desse amigo que vem ali.

      Ami observava pela tela, e eu o procurei através dos vidros das janelas e o encontrei. Ao longe, entre
as árvores, havia um homem com um casaco de pele de cor marrom; tinha uma espingarda, parecia muito
assustado. Apontou-nos sua arma. Agachei-me, com medo, para evitar ser atingido pelo possível disparo.
Ami se divertia com minhas inquietudes.

      - Não tenha medo, este "ovni" é à prova de balas... e de muito mais...

      Elevamo-nos até ficarmos bem alto, sempre emitindo uma cintilação colorida.

      - É preciso que este homem não esqueça jamais esta visão.

     Eu pensei que, para que ele nunca mais esquecesse o espetáculo, era suficiente ter passado pelo ar,
sem necessidade de o assustar tanto. Disse isto a Ami.

      - Você se engana. Milhares de pessoas já viram passar nossas naves, mas hoje em dia não se
lembram. Se no momento em que nos viram estavam muito pre-ocupadas com seus assuntos corriqueiros,
olhavam-nos quase sem nos ver, depois, esqueceram. Temos estatísticas impressionantes a esse respeito.

      - Por que é preciso que esse homem nos veja?

      - Não sei exatamente, talvez seu testemunho seja importante para alguma outra pessoa interessante,
especial; ou talvez, ele mesmo o seja. Vou focalizá-lo com o "sensômetro".

       Em outra das telas apareceu o homem, mas estava quase transparente. No centro do seu peito
brilhava uma luz dourada muito linda.

      - Que luz é essa?

       - Podemos dizer que é a quantidade de amor que existe nele, mas não seria tão exato; é mais certo
dizer que é o efeito que a força do amor exerce sobre a sua alma. E também seu nível de evolução. Ele tem
setecentas e cinquenta medidas.

      - E isso o que significa?

      - Que ele é interessante.

                                                        28
- Interessante por quê?

      - Porque seu nível de evolução é realmente bom... para ser um terrícola.

      - Nível de evolução?

      - Seu grau de aproximação com o animal ou com o "anjo".

      Ami focalizou um urso na tela, também transparente, mas a luz no seu peito brilhava muito menos do
que a do homem.

      - Duzentas medidas -precisou Ami. Depois focalizou um peixe. Desta vez a luz era mínima.

      - Cinquenta medidas. A média dos seres humanos da Terra é de quinhentas e cinquenta medidas.

      - E você, quantas medidas tem, Ami?

      - Setecentas e sessenta medidas -respondeu.

      - Só dez a mais do que o caçador! -surpreendi-me pela pouca diferença entre um terrícola e ele.

      - Claro. Temos um nível parecido.

      - Mas se supõe que você deva ser muito mais evoluído do que os terrícolas.

      - Na Terra as pessoas variam entre trezentas e vinte e oitocentas medidas.

      - Algumas mais do que você!

      - Claro que sim. A vantagem que eu tenho consiste no fato de que eu conheço certas coisas que eles
ignoram, mas aqui existem pessoas muito valiosas: mestres, artistas, enfermeiras, bombeiros...

      - Bombeiros!?

      - Você não acha nobre arriscar a própria vida pelos demais?

      - Você tem razão, mas meu tio, o que é físico nuclear, também deve ser muito valioso...

      - Famoso talvez... A que se dedica seu tio, dentro da física?

      - Está desenvolvendo uma nova arma, um raio ultra-sônico.

       - Se ele não acredita em Deus, e além disso se dedica à fabricação de armas... penso que tem um
nível bem baixo.

      - O quê?! Mas ele é um sábio! -protestei.

        - Você está confundindo as coisas de novo. Seu tio tem muita informação, mas ter informação não
significa necessariamente ser inteligente, e muito menos um sábio. Um computador pode ter armazenado
muita informação, mas nem por isso é inteligente. Você acha muito sábio um homem que cava uma fossa,
ignorando que ele mesmo vai cair nela?

      - Não, mas...

      - As armas se voltam contra aqueles que as apoiam...

      Não me pareceu muito evidente essa afirmação de Ami, mas decidi acreditar nele. Quem era eu para
duvidar de sua palavra? Apesar disso, estava confuso... meu tio era meu herói... um homem tão inteligente...




                                                         29
- Tem um bom computador na cabeça, isto é tudo. Aqui existe um problema de terminologia: na Terra
dizem inteligentes ou sábios aos que têm uma boa capacidade cerebral em só um dos cérebros, mas temos
dois...

      - O quê!

       - Um na cabeça. Esse é o "computador", o único que vocês conhecem. O outro está no peito, não é
visível, mas existe. É o mais importante, é essa luz que você viu pela tela no peito do homem. Para nós,
inteligente ou sábio é aquele que tem ambos os cérebros em harmonia, mas isso quer dizer que o cérebro
da cabeça, está a serviço do cérebro do peito, e não ao contrário, como na maioria dos "inteligentes".

     - Tudo isso me surpreende, mas agora entendo melhor. O que acontece com aqueles que tem mais
desenvolvido o cérebro do peito do que o da cabeça? -perguntei.

       - Esses são os "tolos bons". São fáceis de enganar, é simples para os outros, os "inteligentes maus",
como você dizia, colocá-los a fazer o mal enquanto pensam que estão fazendo o bem... o desenvolvimento
intelectual deve estar em harmonia com o desenvolvimento emocional, só assim se produz um verdadeiro
inteligente ou sábio. Só assim a luz pode crescer.

      - E eu, Ami, quantas medidas tenho?

      - Não posso lhe dizer.

      - Por quê?

      - Porque se teu nível for alto, você vai ficar vaidoso...

      - AH!! compreendo...

      - Mas se for baixo... você vai se sentir muuuuito mal...

      - Ah...

      - O orgulho apaga a luz... é a semente da maldade.

      - Não entendo.

      - Devemos tentar ser humildes... Veja, já estamos indo.

      Instantaneamente estávamos de volta à cordilheira, aos Himalaias, situados do outro lado do planeta.


                                     Capítulo 7 - Os avistamentos
      Avançamos até um mar longínquo, ao qual chegamos em segundos e o atravessamos; apareceram
umas ilhas, descemos sobre a cidade de Tóquio. Pensei que ia encontrar casas com telhados com as
pontas para cima, mas o que mais havia era arranha-céus, modernas avenidas, parques, automóveis.

      - Estamos sendo vistos -disse Ami, apontando a luz dos controles acesa.

     Na rua, as pessoas começavam a amontoar-se, apontavam-nos com a mão. Novamente se
acenderam as luzes exteriores de várias cores. Estávamos realmente alto, ficamos uns dois minutos ali.




                                                            30
- Outro avistamento -disse Ami, observando os sinais que apareciam na tela- Vamos ser
transladados.

      Subitamente, a luz do dia se apagou. Só ficaram as estrelas cintilando detrás dos vidros.

       Embaixo não se viam grandes coisas. Uma pequena cidade, longe, algumas poucas luzes, um
caminho pelo qual vinha um automóvel. Fui até a tela que estava na frente de Ami. Ali aparecia o panorama
perfeitamente iluminado. O que à simples vista não se distinguia, devido à escuridão, no monitor era
perfeitamente claro; assim percebi que o automóvel era verde e que nele viajava um casal.

      Estávamos a uns vinte metros de altura, éramos visíveis, segundo indicavam os controles.

      Decidi daí em diante aproveitar essa tela. Era mais nítida do que a própria realidade.

      Quando o veículo se aproximou de nós, parou, estacionou ao lado do caminho e seus ocupantes
desceram, começaram a gesticular e a gritar enquanto nos olhavam com os olhos arregalados.

      - O que estão dizendo? -perguntei.

      - Estão pedindo comunicação, contato. São um casal de estudiosos dos "ovnis", ou melhor,
"adoradores de extraterrestres".

      - Então, comunique-se -disse eu, preocupado pelo nervosismo dessas pessoas. Ajoelharam e
rezavam, ou algo assim.

      - Não posso, tenho que obedecer às ordens estritas do "plano de ajuda". A comunicação não se
produz quando qualquer um deseja, senão quando se decide do "alto"; além disso, também não posso ser
cúmplice de uma idolatria.

      - O que é idolatria?

      - Uma violação a uma lei universal -respondeu Ami, muito sério.

      - Em que consiste? -perguntei, intrigado.

      - Somos considerados deuses.

      - O que isso tem de mal?

      - Só se deve venerar a Deus, o resto é idolatria. Seria muita falta de respeito de nossa parte se
usurpássemos o lugar de Deus, frente à distorcida religiosidade dessas pessoas. Se fôssemos considerados
como irmãos, seria outra coisa.

      Pensei que Ami pudesse ensinar a verdade ao casal.



                                                         31
- Pedrinho -respondeu a meus pensamentos-, nos mundos incivilizados do universo se cometem
ações que nos parecem terríveis. Neste preciso momento, estão queimando vivas muitas pessoas, porque
outros pensam que elas são "hereges"; isso está acontecendo em muitos planetas, como aconteceu aqui na
Terra, há centenas de anos. Neste mesmo momento, debaixo do mar, os peixes estão comendo-se vivos
uns aos outros. Este planeta não é muito evoluído. Assim como as pessoas têm diferentes níveis evolutivos,
também os planetas. As leis que regem a vida nos mundos inferiores nos parecem brutais. A Terra a
milhões de anos, estava regida por outros tipos de leis, tudo era agressivo, venenoso, tudo tinha garras e
presas; hoje, que se atingiu um nível de evolução mais avançado, existe mais amor, mas ainda não se pode
dizer que este seja um mundo evoluído. Ainda existe muito brutalidade.

      Ami sintonizou uma tela e apareceram algumas cenas de guerra. De uns tanques, os soldados
lançavam mísseis contra alguns edifícios, destruindo-os, junto com as crianças, mulheres e homens que os
habitavam.

      Isto está acontecendo agora mesmo num país da Terra, mas não podemos fazer nada. Na evolução
de cada planeta, país ou pessoas, não podemos interferir. No fundo, tudo é aprendizagem. Fui uma fera e
morri destroçado por outras feras; fui um ser humano de baixo nível, matei e me mataram, fui cruel, recebi
crueldade. Morri muitas vezes; fui aprendendo aos poucos a viver de acordo à Lei fundamental do universo.
Agora minha vida é melhor, mas não posso ir contra o sistema de evolução que Deus criou. Esse casal está
violando uma lei universal, ao comparar-nos com alguém tão grande e majestoso como Deus. Retiram seus
sentimentos de veneração e amor ao Criador e os dirigem para nós... Os soldados que vimos, também
violam uma lei universal: "não mataras".Eles deverão pagar por seus erros e, assim, pouco a pouco irão
aprendendo. Somente quando uma pessoa ou um mundo conseguiu atingir certo nível evolutivo, pode
receber nossa ajuda, sem que seja uma violação ao sistema evolutivo geral.

      Na verdade, não compreendi nem meia palavra do que Ami disse, somente mais tarde, pensando, foi
que percebi tudo com mais clareza, muito depois de sua partida; foi então que pude escrever mais ou menos
como ele disse.

      Enquanto esperávamos que o "super-computador" nos retirasse dali, Ami sintonizou a televisão
japonesa. Com o seu bom humor habitual observava um programa de notícias. Aparecia um repórter que
entrevistava, microfone na mão, as pessoas na rua. Uma senhora falava gesticulando e apontava para o
céu. Não entendi nada, mas percebi que relatava seu encontro com o "ovni"... o nosso. Outras pessoas
também comentavam sua versão do fenômeno.

      - O que estão dizendo? -perguntei.

      - Que viram um "ovni"... tem cada louco... - opinou sorrindo.

       Depois apareceu um senhor com óculos que fazia desenhos num quadro-negro enquanto dava
explicações. Representava o sistema solar, a Terra e os demais planetas. Ficou falando muito tempo. Soube
que era um cientista especialista em astronomia. Parecia que Ami entendia essa língua, porque estava
muito distraído olhando o programa, talvez utilizando o "tradutor".

      - O que está dizendo? -voltei a perguntar.

       - Que em função de tudo o que explicou, está "cientificamente demonstrado" que não existe vida
inteligente na galáxia inteira, excetuando a Terra... Também disse que as pessoas que viram o suposto
"ovni" sofreram uma alucinação coletiva, e lhes recomendou uma visita ao psiquiatra...

      - De verdade? -perguntei.

      - De verdade -respondeu rindo.

      O cientista continuava falando.

      - O que ele está dizendo agora?

      - Que possívelmente exista uma civilização "tão avançada" como esta, mas uma a cada duas mil
galáxias, segundo os cálculos.

      - E isso que significa?
                                                         32
- Que quando ele souber que somente nesta galáxia existem milhões de civilizações, o coitado vai
ficar louco, pior do que já está...

      Rimos um bom tempo. Para mim foi muito cômico, escutar um cientista dizendo que os "ovnis" não
existem... e eu olhando o programa de dentro de um "ovni".

      Ficamos aproximadamente uma hora naquele lugar, até que a luz da invisibilidade se apagou.

      - Estamos livres.

      - Então podemos continuar passeando? -perguntei.

      - Claro. Aonde você gostaria de ir agora?

      - Hummm... deixa eu ver... à ilha de Páscoa!

      - Lá é noite... veja -já tínhamos chegado.

      - Ilha da Páscoa?

      - Exatamente.

      - Que rápido!

      - Você acha rápido? Espere... agora olhe pela janela.

       Estávamos sobre um deserto muito estranho. O céu estava muito escuro, quase negro, exceto pelo
brilho azulado da lua.

      - O que é isto, Arizona?

      - Isto é a lua.

      - A lua?

      - A lua.

      Olhei para o que pensei que fosse a lua.

      - ... Então isso...

      - Isso é a Terra.

      - A Terra!

      - A Terra. Lá dorme a sua vovó...

      Estava fascinado. Era na realidade a Terra, tinha uma cor azul claro. Pareceu-me incrível que uma
coisa tão pequena pudesse conter tantas coisas grandes, montanhas, oceanos. Sem saber o porquê,
apareciam imagens arquivadas em minha memória; recordei um riacho da minha infância, uma parede
coberta de musgo, umas abelhas num jardim, um carro de boi numa tarde de verão... tudo isso estava lá,
nesse pequeno globo azul que flutuava entre as estrelas.

      De repente vi o sol, um astro longínquo, mas bem mais incandescente do que na Terra.

      - Por que se vê tudo pequeno?

      - Porque aqui não existe uma atmosfera que atue como lente de aumento, como lupa; por isso, na
Terra se vê maior do que aqui, mas se não fosse pelos vidros especiais desta nave, esse pequeno sol o
queimaria, justamente porque não tem uma atmosfera que filtre certos raios que são nocivos para você.


                                                        33
Não gostei dessa visão da lua. Vista da Terra parecia mais linda. Era um mundo solitário, tenebroso.

      - Não poderíamos ir a um lugar mais bonito?

      - Habitado? -perguntou Ami.




      - Claro!... Mas sem monstros...

      - Para isso temos que ir bem longe.

       Mexeu nos controles, a nave vibrou suavemente, as estrelas se esticaram, transformando-se em
linhas luminosas; depois, pelas janela apareceu uma neblina branca e brilhante que reverberava.

      - O que está acontecendo? -perguntei um pouco assustado.

      - Estamo-nos situando...

      - Situando onde?

     - Em um longínquo planeta. Temos que esperar uns minutos. Por enquanto, vamos escutar um pouco
de música.

      Ami tocou um pouco nos controles. Suaves e estranhos sons encheram o recinto. Meu amigo fechou
os olhos e se dispôs a escutar com prazer.

       Eram todas bem diferentes das que eu havia conhecido até então. De repente, uma vibração muito
baixa e sustentada chegava a fazer vibrar a sala de comandos, depois uma nota agudíssima soou, o silêncio
durava alguns segundos. Depois se escutavam notas rápidas que subiam e baixavam, outra vez a mais
grave que se agudizava aos poucos, enquanto uma espécie de rugidos e alguns sininhos mantinham um
ritmo variado.

      Ami parecia em êxtase. Imaginei que conhecia muito bem aquela "melodia", porque com os lábios ou
leves movimentos de sua mão se adiantava o que escutaríamos logo.

      Lamentei interrompê-lo, mas não gostei nada daquela "música".

     - Ami -chamei. Não respondeu; estava muito concentrado nessa espécie de interferência elétrica de
um rádio de onda curta...

      - Ami -insisti.

      - Oh, desculpe!... sim?

      - Desculpe-me, mas eu não gosto.
                                                       34
- Claro, é natural; o desfrutar essa música requer uma "iniciação" prévia... Vou procurar algo que lhe
pareça mais conhecido. Tocou outro ponto dos controles. Surgiu uma melodia que me agradou
imediatamente, tinha um ritmo muito alegre. O instrumento principal tinha o som parecido ao da chaminé de
um trem a vapor a toda velocidade.

       - Que agradável!... Que instrumento é esse que se parece a um trem?

     - Meu Deus! -exclamou Ami fingindo horror-, você acaba de ofender a garganta mais privilegiada do
meu planeta, confundindo sua voz com o barulho de um trem!

      - Desculpe-me, por favor... não sabia... mas sopra mesmo bem! -disse, procurando consertar a
situação.

       - Blasfemo! Herege! -fingia, puxando os cabelos- dizer que a glória do meu mundo... sopra!

       Terminamos explodindo em gargalhadas...

       Aquela música animava a gente a dançar.

     - Para isso foi feita -disse Ami- Dancemos! -levantou-se de um salto e começou a dançar batendo
palmas.

      - Dance, dance -animáva-me- solte-se. Você quer dançar, mas aquilo que você não é, não lhe
permite... aprenda a conquistar a liberdade de ser você mesmo, libere-se...

       Deixei de lado a minha timidez natural e comecei a dançar com grande entusiasmo.

       - Bravo! -felicitava-me.

     Dançamos um bom tempo. Sentia-me alegre, foi como quando corremos e saltamos na praia. Depois
a música terminou.

      - Agora algo para nos relaxar -disse Ami, dirigindo-se para os controles. Apertou outro ponto e se
escutou uma música clássica. Pareceu-me familiar.

       - Ei, isso é terrícola.

       - Claro, Bach, é fabuloso, você não gosta?

       - Acho que... sim. Você também gosta?

       - Obviamente, ou não o teria na nave.

       - Pensava que tudo o que nós temos era "incivilizado" para os extraterrestres...

       - Você está muito enganado -tocou outro ponto dos controles.

                                                            1
"... imagine there's no countries it isn't hard to do..."
       - Mas esse é John Lennon... Os Beatles...!

       Estava muito surpreso, porque começava a pensar que na Terra não existia nada de bom.




       1
           Tradução: Imagine que não existam países, não é difícil imaginar.




                                                                35
- Pedrinho, quando a música é boa, ela o é universalmente. A boa música da Terra é colecionada em
várias galáxias, assim como a de qualquer mundo e de qualquer época. A mesma coisa acontece com todas
as artes. Nós guardamos filmes e gravações de tudo quanto se realiza no seu planeta... A arte é uma
linguagem de amor, e o amor é universal... escutemos.

                                                   2
"imagine all the people living life in peace..."
       Ami, com os olhos fechados, parecia desfrutar cada nota.

       Quando John Lennon terminou de cantar, já tínhamos chegado por fim a outro mundo habitado



                                               Segunda Parte

                                                   Capítulo 8 - Ofir!
      A neblina branca se evaporou. Uma atmosfera azul-celeste, de um tom forte, parecia flutuar ao redor,
em vez de estar em cima, no céu, como na Terra; senti-me submerso em um azul quase fosforescente que
não dificultava a visibilidade.

     Das janelas vi pradarias banhadas por um alaranjado suave. Fomos descendo pouco a pouco; parecia
uma maravilhosa paisagem de outono.

      - Veja o sol -recomendou Ami. Um enorme círculo avermelhado se destacava no céu, tenuemente
coberto pela atmosfera desse mundo. Formavam-se vários círculos ao redor daquele sol descomunal. Era
umas cinqüenta vezes maior do que o da Terra.

       - Quatrocentas vezes maior -corrigiu Ami.

       - Não parece que é tão grande...

       - Porque está muito longe.

       - Que mundo é este?

       - É o planeta Ofir... Seus habitantes são originários da Terra...

       - O quê! -surpreendeu-me tremendamente essa afirmação.

       - Existem tantas coisas que são desconhecidas no seu planeta, Pedrinho. Houve uma vez na Terra,
há milhões de anos, uma civilização semelhante à sua. O nível científico daquela humanidade tinha
ultrapassado muito o seu nível de amor, e como além disso eles estavam divididos, ocorreu o que era de se
esperar...

       - Se auto-destruíram?

      - Completamente... Unicamente sobreviveram alguns indivíduos que foram advertidos do que ia
suceder e fugiram para outros continentes; mas foram muito afetados pelas conseqüências daquela guerra,
tiveram que recomeçar quase do princípio. Você é o resultado de tudo isso; você é descendente dos que
sobreviveram.

      - É incrível; eu pensava que tudo tinha começado como dizem os livros de história, do zero, das
cavernas, dos trogloditas... E as pessoas de Ofir, como chegaram até este planeta?



       2
           Tradução: Imagine todas as pessoas vivendo a vida em paz.




                                                             36
- Nós as trouxemos. Salvamos todos aqueles que tinham setecentas medidas ou mais, as boas
sementes... foram resgatadas um pouco antes que se produzisse o desastre. Salvaram-se muito poucos, a
média evolutiva daquele tempo era de quatrocentas medidas, cem menos que hoje em dia. A Terra evoluiu.

         - E se acontecesse um desastre na Terra, vocês resgatariam alguns?

         - Todos aqueles que superem as setecentas medidas. Desta vez há muito mais pessoas com esse
nível.

         - E eu, Ami, tenho setecentas medidas?

         Ele deu risada da minha preocupação.

         - Estava esperando a pergunta, mas já lhe disse que não posso responder isso.

         - Como se pode saber quem tem setecentas medidas ou mais?

      - É muito fácil. Todos aqueles que trabalham desinteressadamente pelo bem do próximo, têm acima
de setecentas medidas.

         - Você disse que todos procuram fazer o bem...

     - Quando digo "o próximo", não quero dizer somente a própria família, o clube, o próprio grupo. E
quando digo "bem", estou me referindo a tudo o que não vai contra a Lei fundamental do universo...

         - Outra vez essa famosa lei; você pode me explicar agora qual é essa lei?

         - Ainda não. Paciência.

         - E por que‚ tão importante?

      - Porque quem não conhece essa Lei, não pode saber a diferença entre o bem e o mal. Muitos matam
acreditando que estão fazendo o bem. Ignoram a Lei. Outros torturam, colocam bombas, criam armas,
destroem a natureza pensando que fazem um bem. O resultado é que todos eles estão fazendo um grande
mal, mas não sabem, porque desconhecem a Lei fundamental do universo... por isso, deverão pagar por
suas violações à Lei.

         - Nossa! Não teria imaginado nunca que fosse tão importante...

      - Claro que é importante. É suficiente que as pessoas de seu planeta conheçam e pratiquem a Lei,
para que seu mundo se transforme em um verdadeiro paraíso...

         - Quando você vai me dizer qual é?

      - Por enquanto, contemple o mundo de Ofir; tem muito para ensiná-lo, porque aqui todos praticam
essa Lei.

      Sentei-me numa poltrona perto dele para observar pela tela aquele maravilhoso planeta. Estava
impaciente por ver os seus habitantes.

      Íamos lentamente, a uns trezentos metros de altura. Observei muitos objetos voadores semelhantes
ao nosso; quando se aproximaram, comprovei que tinham formas e tamanhos muito diferentes.

      Não vi grandes montanhas naquele planeta, também não vi zonas desérticas. Tudo estava forrado de
vegetação em vários tons, com diferentes matizes de verde, marrom e alaranjado em diferentes graus.
Havia muitas colinas, lagos, rios e lagos de águas de um azul-celeste muito luminoso. Aquela natureza tinha
algo de paradisíaco.

      Comecei a distinguir edificações que formavam círculos ao redor de uma construção principal. Havia
muitas pirâmides, algumas com escadas, outras lisas; com bases triangulares ou quadradas, mas o que
mais havia era uma espécie de casas semicirculares de diversas cores claras, com predominância do
branco.
                                                          37
Depois apareceram os habitantes daquele mundo. De cima eu os via transitar os caminhos, nadar nos
rios e lagoas, tinham aparência humana, pelo menos vistos a distância; todos vestiam túnicas brancas,
somente certos detalhes eram de outras cores: as franjas das bainhas ou os cintos.




           Não se via nenhuma cidade.

       - Não existem cidades em Ofir nem em nenhum outro planeta civilizado. As cidades são formas pré-
históricas de convivência -disse Ami.

           - Por quê?

     - Porque elas têm muitos defeitos; um deles é que muitas pessoas em um mesmo ponto produzem
um desequilíbrio que afeta tanto a elas como ao planeta.

           - Ao planeta?

       - Os planetas são seres vivos, com maior ou menor evolução. Somente vida produz vida. Tudo é inter-
dependente, e tudo está inter-relacionado. O que ocorre à Terra afeta as pessoas que a habitam, e vice-
versa.

           - Por que muitas pessoas em um mesmo ponto produzem um desequilibrio?

           - Porque não são felizes, e isso a Terra percebe. As pessoas precisam de espaço, árvores, flores, ar
livre...

      - As pessoas mais evoluídas também? -perguntei confuso, porque Ami estava insinuando que as
sociedades futuras viveriam em ambientes parecidos a "granjas", e eu pensava que ia ser exatamente o
contrário: cidades artificiais em órbita, enormes edifícios-cidades, metrópoles subterrâneas, plástico por
todos os lados; igual que nos filmes...

           - Sobretudo pessoas mais evoluídas -respondeu.

           - Pensava que era o contrário.

           - Se na Terra não pensassem tudo ao contrário, não estariam a ponto de se destruir novamente...

           - E estas pessoas de Ofir, não querem voltar à Terra?

           - Não.

           - E por quê?

           - Ao deixar o ninho, os adultos não voltam ao berço, é pequeno para eles...

                                                             38
O Menino das Estrelas
O Menino das Estrelas
O Menino das Estrelas
O Menino das Estrelas
O Menino das Estrelas
O Menino das Estrelas
O Menino das Estrelas
O Menino das Estrelas
O Menino das Estrelas
O Menino das Estrelas
O Menino das Estrelas
O Menino das Estrelas
O Menino das Estrelas
O Menino das Estrelas
O Menino das Estrelas
O Menino das Estrelas
O Menino das Estrelas
O Menino das Estrelas
O Menino das Estrelas
O Menino das Estrelas
O Menino das Estrelas
O Menino das Estrelas
O Menino das Estrelas
O Menino das Estrelas
O Menino das Estrelas
O Menino das Estrelas
O Menino das Estrelas
O Menino das Estrelas
O Menino das Estrelas
O Menino das Estrelas
O Menino das Estrelas
O Menino das Estrelas
O Menino das Estrelas
O Menino das Estrelas
O Menino das Estrelas

Mais conteúdo relacionado

Mais procurados

Mais procurados (17)

Livro de poesia plnm 1
Livro de poesia  plnm 1Livro de poesia  plnm 1
Livro de poesia plnm 1
 
Poesia 1
Poesia 1Poesia 1
Poesia 1
 
Isabel allende o reino do dragão de ouro
Isabel allende   o reino do dragão de ouroIsabel allende   o reino do dragão de ouro
Isabel allende o reino do dragão de ouro
 
Xico Braga
Xico BragaXico Braga
Xico Braga
 
Laroye 1
Laroye 1Laroye 1
Laroye 1
 
Lp7 4 bim_aluno_2013
Lp7 4 bim_aluno_2013Lp7 4 bim_aluno_2013
Lp7 4 bim_aluno_2013
 
O reino do dragão de ouro isabel allende -
O reino do dragão de ouro   isabel allende -O reino do dragão de ouro   isabel allende -
O reino do dragão de ouro isabel allende -
 
Manuscrito encontrado em uma garrafa e os crimes da rua morgue
Manuscrito encontrado em uma garrafa e os crimes da rua morgueManuscrito encontrado em uma garrafa e os crimes da rua morgue
Manuscrito encontrado em uma garrafa e os crimes da rua morgue
 
Sentimentos em letras coletânea de expressões sinceras através da arte literária
Sentimentos em letras coletânea de expressões sinceras através da arte literáriaSentimentos em letras coletânea de expressões sinceras através da arte literária
Sentimentos em letras coletânea de expressões sinceras através da arte literária
 
Minas Gerais Trovadoresco
Minas Gerais TrovadorescoMinas Gerais Trovadoresco
Minas Gerais Trovadoresco
 
Mike abrashoff
Mike abrashoffMike abrashoff
Mike abrashoff
 
Aventuras de João sem medo
Aventuras de João sem medo Aventuras de João sem medo
Aventuras de João sem medo
 
Nos Caminhos de Nárnia
Nos Caminhos de NárniaNos Caminhos de Nárnia
Nos Caminhos de Nárnia
 
Nos Caminhos de Nárnia
Nos Caminhos de NárniaNos Caminhos de Nárnia
Nos Caminhos de Nárnia
 
17302798 Espiritismo Infantil Historia 73
17302798 Espiritismo Infantil Historia 7317302798 Espiritismo Infantil Historia 73
17302798 Espiritismo Infantil Historia 73
 
Projeto “O Jogo do Poema”
Projeto “O Jogo do Poema” Projeto “O Jogo do Poema”
Projeto “O Jogo do Poema”
 
Nova era
Nova eraNova era
Nova era
 

Semelhante a O Menino das Estrelas

Semelhante a O Menino das Estrelas (8)

Pp
PpPp
Pp
 
O pequeno principe_antoine_de_saint_exupery_ebookswide
O pequeno principe_antoine_de_saint_exupery_ebookswideO pequeno principe_antoine_de_saint_exupery_ebookswide
O pequeno principe_antoine_de_saint_exupery_ebookswide
 
O pequeno principe antoine de saint-exupery
O pequeno principe   antoine de saint-exuperyO pequeno principe   antoine de saint-exupery
O pequeno principe antoine de saint-exupery
 
O Pequeno Príncipe
O Pequeno PríncipeO Pequeno Príncipe
O Pequeno Príncipe
 
O principezinho
O principezinhoO principezinho
O principezinho
 
o-planeta-macambuzio.pdf
o-planeta-macambuzio.pdfo-planeta-macambuzio.pdf
o-planeta-macambuzio.pdf
 
Projeto Aquarela
Projeto AquarelaProjeto Aquarela
Projeto Aquarela
 
BoB Project Apresentacao 2
BoB Project Apresentacao 2BoB Project Apresentacao 2
BoB Project Apresentacao 2
 

O Menino das Estrelas

  • 1. Ami O menino das estrelas De Enrique Barrios 1
  • 2. Índice Índice ____________________________________________________________________ 2 Primeira Parte _____________________________________________________________ 3 Capítulo 1 - O primeiro encontro __________________________________________________ 3 Capítulo 2 - Pedrinho voador _____________________________________________________ 7 Capítulo 3 - Não se preocupe_____________________________________________________ 11 Capítulo 4 - A polícia! __________________________________________________________ 16 Capítulo 5 - Raptado pelos extraterrestres!_________________________________________ 21 Capítulo 6 - Uma questão de medidas _____________________________________________ 26 Capítulo 7 - Os avistamentos_____________________________________________________ 30 Segunda Parte ____________________________________________________________ 36 Capítulo 8 - Ofir! ______________________________________________________________ 36 Capítulo 9 - A Lei Fundamental __________________________________________________ 42 Capítulo 10 - A fraternidade interplanetária _______________________________________ 49 Capítulo 11 - Debaixo d’água ____________________________________________________ 53 Capítulo 12 - A nova era ________________________________________________________ 59 Capítulo 13 - Uma princesa azul __________________________________________________ 63 Capítulo 14 - Até a volta, Ami! ___________________________________________________ 70 É difícil aos dez anos de idade escrever um livro. Nesta idade ninguém entende muito de literatura... nem se interessa demais; mas eu vou ter que fazer isso, porque Ami disse que se eu o quisesse ver novamente deveria relatar em um livro o que eu vivi a seu lado. Ele me advertiu que entre os adultos, muito poucos me entenderiam, porque para eles era mais fácil acreditar no terrível do que no maravilhoso. Para evitar problemas ele me recomendou que dissesse que tudo era uma fantasia, uma história para crianças. Eu vou obedecer-lhe ISTO É UMA HISTÓRIA. Advertência (destinada somente para adultos) Não continue lendo, você não vai gostar, daqui em diante é maravilhoso Destinado às crianças de qualquer nação desta redonda e bela pátria, esses futuros herdeiros e construtores de uma nova Terra sem divisões entre irmãos. “Quando juntos se hão de reunir os povos, e os reinos para servir ao Senhor.” (Salmo 101:23) 2
  • 3. “...e das suas espadas forjarão relhas de arados, e das suas lanças, foices. Não levantará a espada uma nação contra outra nação, Nem daí por diante se adestrarão mais para a guerra.” (Isaías 2:4) “...e os meus escolhidos herdarão esta terra, e os meus servos habitarão nela.” (Isaías 65:9) Primeira Parte Capítulo 1 - O primeiro encontro Tudo começou numa tarde do verão passado, numa praia que vou quase todos os anos com a minha avó. Desta vez conseguimos uma casinha de madeira. Havia muitos pinheiros e boldos do Chile no quintal e, na frente, um jardim cheio de flores. Estava perto do mar, num caminho que leva até a praia. Iam ficando poucas pessoas porque o verão já estava terminando. Minha avó gosta de tirar férias nos primeiros dias de março; ela diz que é mais tranquilo e mais barato. Começou a escurecer; eu estava sentado numas pedras altas perto de uma praia solitária, contemplando o mar. De repente, vi no céu uma luz vermelha em cima de mim. Pensei que eram fogos de artifício, desses que se soltam no ano novo. Vinha descendo, mudando de cores e largando faíscas. Quando chegou mais perto percebi que não eram fogos de artifício, porque ao crescer chegou a ter o tamanho de um ultraleve ou até maior... Caiu no mar a uns cinquenta metros da beira, na minha frente, sem fazer nenhum barulho. Pensei que tinha sido testemunha de um acidente aéreo. Olhei procurando algum paraquedista no céu, não encontrei nenhum. Nada alterava o silêncio e a tranquilidade da praia. Tive muito medo e senti vontade de sair correndo para contar à minha vovó; mas esperei um pouco para ver se via alguma outra coisa. Quando já estava indo embora, apareceu alguma coisa branca boiando no ponto onde eu tinha visto cair o avião, ou o que quer que fosse: alguem vinha nadando para as pedras. Imaginei que era o piloto, que tinha conseguido se salvar do acidente. Esperei que se aproximasse, para tentar ajuda-lo. Como nadava com agilidade, compreendi que não estava ferido. Quando chegou mais perto, percebi que se tratava de um menino. Chegou até as pedras e antes de começar a subir me olhou amigavelmente. Pensei que ele estava contente por ter se salvado; a situação não parecia dramática para ele, e isso me acalmou um pouco. Veio até onde eu estava, sacudiu a água dos cabelos e sorriu; aí eu me tranquilizei definitivamente; ele tinha cara de ser um menino bom. Sentou-se ao meu lado, suspirou com resignação e ficou olhando as estrelas que começavam a brilhar no céu. Parecia mais ou menos da minha idade, um pouco menor e mais baixinho; usava uma espécie de uniforme branco como de piloto, feito com algum material impermeável, pois não estava molha; sua roupa terminava com um par de botas brancas com solas grossas. Levava ao peito um escudo dourado: um coração alado dentro de um círculo. 3
  • 4. Seu cinto, também dourado, tinha de cada lado algo parecido a rádios portáteis, e no centro, uma grande fivela muito bonita. Sentei-me a seu lado. Ficamos um momento em silêncio; como ele não dizia nada, perguntei o que tinha acontecido. - Uma aterrissagem forçada – respondeu, rindo. Era simpático, e como tinha um sotaque bastante estranho, imaginei que viesse de outro país no avião. Seus olhos eram grandes e bondosos. - Que aconteceu com o piloto? – perguntei. Como ele era um menino, achei que o piloto devia ser uma pessoa adulta. - Nada. Ele está aqui, sentado com você – respondeu. - Ah! – fiquei maravilhado. Esse menino era um prodígio! Na minha idade já dirigia avião! Imaginei que seus pais fossem ricos. Foi ficando noite e tive frio. Ele percebeu, pois me perguntou: - Você está com frio? - Estou. - A temperatura é agradável – disse-me, sorrindo. Senti que realmente não estava fazendo frio. - É verdade – respondi. Depois de alguns minutos perguntei o que ele ia fazer. - Realizar a missão – respondeu, sem deixar de olhar para o céu. Pensei que estava diante de um menino importante, não como eu, um simples estudante em férias. Ele tinha uma missão... talvez algo secreto... Não me atrevi a perguntar de que se tratava. - Não lhe dá pena ter perdido o avião? - Não se perdeu – respondeu, deixando-me sem compreender. - Não se destruiu por completo? - Não. - Como você vai tira-lo da água para consertar... ou não vai poder? - Oh! sim, vou poder tira-lo da água. Observando-me com simpatia perguntou: como você se chama? - Pedro – respondi, mas eu começava a não gostar disso: ele não respondia a minha pergunta. Parece que ele percebeu meu desagrado e achou graça. - Não se zangue, Pedrinho, não se zangue... Quanto anos você tem? - Dez... quase. E você? Riu com suavidade, com o riso de um neném quando a gente faz cócegas nele. Senti que ele estava querendo se mostrar mais importante do que eu, porque ele dirigia avião e eu não; isso não me agradava. Contudo, ele era simpático, agradável, e eu não consegui me zangar realmente com ele. 4
  • 5. - Tenho mais anos do que você seria capaz de acreditar – respondeu, sorrindo. Tirou do seu cinto uma espécie de calculadora de bolso, que ele ligou e onde apareceu uns sinais desconhecidos para mim. Fez cálculos e quando viu a resposta me disse sorrindo: - Não, não... se eu disser você não vai acreditar... Ficou noite e apareceu uma bela lua cheia que iluminava a praia toda. Olhei para o seu rosto com atenção. Ele não podia ter mais que uns oito anos, e apesar disso já era piloto de avião... Será que era mais velho?... Não seria um anão? - Você acredita nos extraterrestres? – perguntou-me para surpresa minha. Demorei um bom tempo em responder. Ele me observava com os olhos cheios de luz, dando a impressão que as estrelas da noite se refletiam nas suas pupilas. Era realmente muito bonito para ser normal. Lembrei do avião em chamas, sua aparição, sua calculadora com estranhos sinais, seu sotaque, sua roupa... além disso, era um menino, e nós, meninos, não pilotamos aviões... - Você é um extraterrestre? – perguntei, com um pouco de medo. - E se fosse... Você teria medo? Foi então que eu soube que ele vinha, mesmo, de outro planeta. Fiquei um pouco assustado, mas seu olhar estava cheio de bondade. - Você é malvado? – perguntei, um pouco tímido. Ele deu risada, divertido. - Quem sabe você é até um pouco mais malvadinho do que eu... - Por que? - Porque você é um terrícola. - Você é de verdade um extraterrestre? - Não precisa se assustar – consolou-me sorrindo e apontou para as estrelas enquanto dizia: este universo esta cheio de vida... milhões e milhões de planetas são habitados... tem muita gente boa ali em cima... Suas palavras produziam um estranho efeito em mim. Quando ele dizia essas coisas eu podia “ver” esses milhões de mundos habitados por pessoas bondosas. Perdi o medo. Decidi aceitar sem me surpreender que ele era de outro planeta. Parecia amigável e inofensivo. - Por que você diz que os terrícolas são malvados? – perguntei. Ele continuou olhando para o céu e disse: - Que belo é ver-se o firmamento daqui da Terra... Esta atmosfera lhe dá um brilho... uma cor... Não estava me respondendo outra vez. Novamente me aborreci; além disso eu não gosto que pensem que eu sou malvado, não sou mesmo, ao contrário: queria ser explorador quando fosse grande e caçar gente malvada nos momentos livres... - Lá nas Plêiades, há uma civilização maravilhosa... - Não somos todos malvados aqui... - Veja essa estrela... ela era assim há um milhão de anos... já não existe... - Eu disse que não somos todos malvados aqui. Por que você disse que todos os terrícolas são malvados? Ein? 5
  • 6. - Não foi isso o que eu disse – respondeu sem deixar de olhar ao céu; seu olhar brilhava- É um milagre... - Você disse! Como levantei a voz, consegui tirá-lo dos seus sonhos; estava igual a uma prima minha quando fica olhando a foto de seu cantor preferido; ela está louquinha por ele. Olhou-me com atenção; não parecia estar zangado comigo. - Quis dizer que os terrícolas não são tão bons como os habitantes de outros mundos do espaço. - Esta vendo? Você está dizendo que somos os mais malvados de Universo. Ele riu de novo e me acariciou os cabelos. - Também não foi isso o que eu quis dizer. Aí eu não gostei nada. Puxei a cabeça para trás. Se tem algo que eu não gosto é de que me tratem como um bobo, porque sou um dos primeiros da minha turma, além disso vou fazer DEZ ANOS. - Se este planeta é tão ruim, o que é que você está fazendo aqui? - Você já reparou como a lua se reflete no mar? Ele continuava a me ignorar e a mudar de assunto. - Você disse para reparar no reflexo da lua? - Talvez... Você já percebeu que nós estamos flutuando no universo? Quando ele disse isso, achei que tinha entendido a verdade: esse menino estava louco. Claro! Pensava que era um extraterrestre, por isso dizia coisas tão estranhas. Eu quis voltar para casa, de novo me sentia mal, mas agora, por ter acreditado em suas histórias fantásticas. Ele estava caçoando de mim... extraterrestre... e eu acreditei!. Senti vergonha, raiva de mim mesmo e dele. Tive vontade de dar-lhe um murro no nariz. - Por quê? O meu nariz é muito feio? Fiquei paralisado. Tive medo. Ele tinha lido o meu pensamento! Olhei para ele. Sorria vitorioso. Não quis me render, preferi pensar que isso foi por pura casualidade, uma coincidência entre o que eu pensei e o que ele disse. Não demonstrei surpresa, quem sabe era verdade, mas eu tinha que comprovar... talvez estivesse diante de um ser de outro mundo, um extraterrestre que podia ler o pensamento. Decidi colocá-lo à prova. - Que estou pensando agora? – disse isso e fiquei pensando num bolo de aniversário. - Não são suficientes as provas que você já tem? – perguntou. Mas eu não estava disposto a ceder nem um milímetro. - Que provas? Esticou as pernas e apoiou os cotovelos nas pedras. - Veja, Pedrinho, existem outros tipos de realidades, outros mundos mais sutis, com portas sutis para inteligências sutis... - Que significa sutis? - Com quantas velinhas?... – disse sorrindo. 6
  • 7. Foi como um soco no estômago. Tive vontade de chorar, senti-me tonto e fraco. Pedi que me desculpasse, mas ele não se incomodou por aquilo, não prestou atenção e deu risada. Decidi não duvidar mais dele. Capítulo 2 - Pedrinho voador - Venha, fique na minha casa – ofereci, pois já era tarde. - Melhor não incluirmos adultos na nossa amizade – disse, franzindo o nariz enquanto sorria. - Mas eu tenho que ir... - Sua avó dorme profundamente, não vai sentir sua falta se a gente conversar um pouco. De novo senti surpresa e admiração. Como é que ele sabia da minha avó?... Lembrei que ele era um extraterrestre. - Você pode ver a vovó? - Da minha nave vi que ela já estava quase dormindo – respondeu com malícia. Depois, exclamou entusiasmado: - Vamos passear pela praia! Levantou-se e deu um salto, correu até a beira da pedra que era altíssima e se lançou à areia. Descia lentamente, planando como uma gaivota! Lembrei que não devia surpreender-me demais por nada que viesse daquele alegre menino das estrelas. Desci da pedra como pudi, com muito cuidado. - Como você faz? – perguntei, referindo-me a seu incrível planar. - Sinto-me como uma ave – respondeu, e saiu correndo alegremente entre o mar e a areia, sem ter motivo especial para fazer isso. Teria gostado de poder atuar como ele, mas não podia. - Claro que pode! Outra vez tinha captado meu pensamento. Veio até mim tentando me animar e disse: Vamos correr e saltar como pássaros! Então me deu a mão e senti uma grande energia. Começamos a correr pela praia. - Agora... vamos saltar! Ele conseguia se elevar muito mais do que eu e me impulsava para cima com sua mão. Parecia que se suspendia no ar por instantes. Continuávamos correndo e de trecho em trecho saltávamos. - Somos aves, somos aves! – embriagava-me e animava. Pouco a pouco fui deixando meu pensamento habitual, fui me transformando, já não era o mesmo menino de todos os dias. Animado pelo extraterrestre fui decidindo ser leve, como uma pluma, estava pouco a pouco aceitando a ser uma ave. - Agora... pule! Realmente, começávamos a nos manter no ar durante alguns instantes. Caíamos suavemente e continuávamos correndo, para depois novamente elevar-nos. Cada vez era melhor, isso me surpreendia... - Não se surpreenda... você pode... agora! 7
  • 8. Em cada tentativa era mais fácil conseguir. Corríamos e saltávamos como em câmara lenta, pela beira da praia, numa noite de lua e cheia de estrelas... Parecia outra maneira de existir, outro mundo. - Com amor pelo vôo! – animava-me. Um pouco mais adiante soltou minha mão. - Você pode, claro que pode! – olhava-me, transmitindo-me confiança enquanto corria ao meu lado. - Agora! – nos elevamos lentamente, nos mantínhamos no ar e começavamos a cair como se planássemos, com os braços abertos. - Bravo, bravo! – felicitava-me. Não sei quanto tempo brincamos nessa noite. Para mim foi como um sonho. Quando me cansei, joguei-me na areia, ofegante e rindo feliz. Tinha sido fabuloso, uma experiência inesquecível. Não disse nada a ele, mas por dentro agradeci ao meu estranho amiguinho por ter me permitido realizar coisas que eu pensava fossem impossíveis. Ainda não sabia todas as surpresas que me esperavam naquela noite... As luzes de um balneáreo brilhavam do outro lado da baía. Meu amigo contemplava com deleite os movediços reflexos sobre as águas noturnas, extasiado, deitado na areia banhada pela claridade da lua, depois enchia-se de júbilo olhando a lua cheia. - Que maravilha... ela não cai! – ria- Este seu planeta é muito lindo! Nunca tinha pensado nisso, mas agora, ao ouvi-lo... sim, era lindo ter estrelas, mar, praia e uma lua tão bonita ali pendurada... e além do mais, não caia... - O seu planeta não é bonito? – perguntei. Suspirou profundamente olhando para um ponto do céu, a nossa direita. - Oh, sim, também é, mas todos nós sabemos isso... e cuidamos dele... Lembrei que ele tinha insinuado que os terrícolas não são muito bons. Pensei que tinha compreendido umas das razões: nós não valorizamos nem cuidamos do nosso planeta; eles sim, preocupam-se com o deles; eles sim cuidam do deles. - Como você se chama? Achou engraçada minha pergunta. - Não posso lhe dizer. - Por que... é um segredo? - Que nada; não existem segredos! Somente que não existem em seu idioma esses sons. - Que sons? - Os do meu nome. Isso me surpreendeu, porque eu tinha pensado que ele falava meu idioma, apenas com outro sotaque. - Então, como você aprendeu a falar a minha língua? Nem a falo, nem a compreendo... Somente tenho isto – respondeu, divertido, enquanto pegava um aparelho do seu cinto. 8
  • 9. Isto é um “tradutor”. Esta caixinha explora o seu cérebro na velocidade da luz e me transmite o que você quer dizer, assim eu posso compreender, e quando vou dizer alguma coisa ela me faz mover os lábios e a língua como você o faria... bom... quase como você. Nada é perfeito. Guardou o “tradutor” e ficou contemplando o mar, enquanto segurava os joelhos, sentado na areia. - Então, como posso chamá-lo? – perguntei. - Você pode me chamar “Amigo”, porque é isso o que eu sou: um amigo de todos. - Vou chama-lo “Ami”. É mais curto e parece um nome. – ele gostou do seu apelido novo. - É perfeito, Pedrinho! – demos um aperto de mãos. Senti que selava uma nova e grande amizade. E assim seria... - Como se chama o seu planeta? - Puf!... também não dá. Não existe equivalência dos sons, mas está por ali, apontou sorrindo para umas estrelas. Enquanto Ami observava o céu, eu fiquei pensando nos filmes de invasores extraterrestres que tinha visto tantas vezes pela televisão. - Quando vão nos invadir? Achou engraçada a minha pergunta. - Por que você pensa que nós vamos invadir a Terra? - Não sei... nos filmes, todos os extraterrestres invadem a Terra... ou quase todos... Desta vez sua risada foi tão alegre que me contagiou. Depois tentei me justificar: - ... É que na televisão... - Claro, a televisão!... Vamos ver uma de invasores – disse, entusiasmado, enquanto da fivela de seu cinto tirava outro aparelho. Apertou um botão e apareceu uma tela acesa. Era uma pequena televisão em cores, sumamente nítida. Mudava os canais rapidamente. O mais surpreendente era que nessa região só se podiam sintonizar dois canais, mas no aparelho ia aparecendo uma infinidade: filmes, programas ao vivo, noticiários, comerciais, tudo em diferentes idiomas e por pessoas de diversas nacionalidades. - Os de invasores são ridículos – dizia Ami. - Quantos canais você pode sintonizar aí? - Todos os que estão transmitindo neste momento no seu planeta... Este aparelho recebe os sinais que os nossos satélites captam e os amplifica. Aqui tem um, na Austrália, veja! Apareciam uns seres com cabeça de polvo e um montão de olhos saltados cheios de veias vermelhas. Disparavam raios verdes contra uma multidão de aterrorizados seres humanos. Meu amigo parecia divertir-se com esse filme. - Que barbaridade! Você não acha cômico, Pedrinho? - Não, por quê? - Porque esses monstros não existem. Somente nas monstruosas imaginações dos que inventam esses filmes... Não me convenceu. Tinha estado anos vendo todo tipo de seres espaciais perversos e espantosos, impossíveis de serem apagados de uma vez. 9
  • 10. - Mas se aqui mesmo na Terra tem iguanas, crocodilos, polvos, por que não vão existir em outros mundos? - Ah, isso. Claro que tem, mas não constroem pistolas de raios, são como os daqui: animais. Não são inteligentes. - Mas talvez existam mundos com seres inteligentes e malvados... - “Inteligentes e malvados”! – Ami dava risada – Isso é como dizer bons-maus. Eu não conseguia compreender. E esses cientistas loucos e perversos que inventam armas para destruir o mundo, contra os quais Batman e Superman lutam? Ami captou meu pensamento e explicou rindo: - Esses não são inteligentes; são loucos. - Bom, então é possível que exista um mundo de cientistas loucos que poderiam nos destruir... - Além dos daqui da Terra, impossível... - Por quê? - Porque se são loucos, destroem-se a si mesmos primeiro. Não conseguem obter o nível científico necessário para poder abandonar seus planetas e partir para invadir outros mundos. É mais fácil construir bombas do que naves intergaláticas, e se uma civilização não tem bondade e alcança um alto nível científico, mais cedo ou mais tarde vai utilizar seu poder científico contra si mesma, muito antes de poder partir para outros mundos. - Mas em algum planeta poderiam sobreviver, por casualidade... - Casualidade? No meu idioma não existe essa palavra. Que significa casualidade? Tive que dar vários exemplos para que ele compreendesse. Quando consegui, ele achou engraçado. Disse que tudo está relacionado, mas que nós não compreendemos a lei que une todas as coisas, ou não a queremos ver. - É que se são tantos os milhões de mundos, como você diz, poderiam sobreviver alguns malvados sem se destruir. Eu continuava pensando na possibilidade de invasores. Ami tentou fazer-me entender: - Imagine que muitas pessoas têm que pegar uma barra de ferro quente, uma a uma, com as mãos nuas. Qual é a possibilidade de que alguma não se queime? - Nenhuma; todas se queimam – respondi. - É assim mesmo, todos os malvados se auto-destroem se não conseguem superar sua maldade. Ninguém escapa da lei que rege esse assunto. - Que lei? - Quando o nível científico de um mundo supera em muito o nível de amor, esse mundo se auto- destrói... - Nível de amor? Podia entender com clareza o que é o nível científico de um planeta, mas não compreendia o que era o “nível de amor”. - A coisa mais simples é, para alguns, a mais difícil de compreender... o amor é uma força, uma vibração, uma energia cujos efeitos podem ser medidos por nossos instrumentos. Se o nível de amor de um mundo é baixo, existe infelicidade coletiva, ódio, violência, separatismo, guerras e... com um nível perigosamente alto de capacidade destrutiva... compreende-me, Pedrinho? 10
  • 11. - Em geral, não. O que você quer dizer? - DEVO lhe dizer muitas coisas, mas vamos aos poucos. Comecemos por suas dúvidas. Ainda não podia acreditar que não existissem monstros invasores. Contei-lhe um filme no qual “extraterrestres lagartos” dominavam muitos planetas porque estavam muito bem organizados. Ele disse: - Sem amor não pode existir uma organização duradoura. Nesse caso é preciso obrigar, forçar. Ao final, aparece a rebeldia, a divisão e a destruição. Capítulo 3 - Não se preocupe - Que símbolo é esse que você usa no peito? -perguntei. - É o emblema do meu trabalho -respondeu, enquanto apontava para cima- Sabe? aqui "pertinho", num planeta de Sírio, existem praias cor violeta... são esplêndidas. Se você visse o que é um entardecer com esses dois sóis gigantes... - Você viaja na velocidade da luz? Minha pergunta pareceu cômica. - Se eu viajasse tão "devagar" teria ficado velho antes de chegar aqui. - Com que velocidade você viaja, então? - Em geral nós não "viajamos"; mais exatamente nos "situamos", mas de uma ponta a outra da galáxia demoraria... -pegou sua calculadora do cinto e fez umas contas- usando suas medidas de tempo... hummmm... uma hora e meia, e de uma galáxia a outra demoraria várias horas. - Que bárbaro! Como você consegue? - Você pode explicar para um bebê porque dois mais dois são quatro? - Não -respondi- nem eu mesmo sei. - Eu também não posso lhe explicar algumas coisas relacionadas com a contração e a curvatura do espaço-tempo... nem precisa... Veja como deslizam essas aves pela areia, como se patinassem... que maravilha! Ami estava contemplando umas aves que corriam em grupo pela praia, colhendo algum alimento que as ondas depositavam na areia. Lembrei que era tarde. - Tenho que ir embora... minha vovó... - Ainda está dormindo. - Estou preocupado. - Preocupado? Que bobagem. - Por quê? - "Pré" significa "antes de". Eu não me "pré-ocupo"; ocupo-me. - Não o entendi, Ami. 11
  • 12. - Não passe a vida imaginando problemas que não aconteceram nem vão acontecer. Desfrute o presente. A vida é curta. Quando aparece um problema real, então você se "ocupa" dele. Você acharia correto que nós estivéssemos preocupados imaginando que podia aparecer uma onda gigante e nos devorar? Seria uma bobagem não desfrutar este momento, nesta noite tão linda... observe essas aves que correm sem preocupação... por que perder este momento por algo que não existe? - Mas a minha vovó existe... - Claro, mas não existe nenhum problema com isto... E este momento, não existe? - Estou preocupado... - Ah terrícola, terrícola... Está bem, vamos ver a sua vovó. Pegou seu aparelho de televisão e começou a sintonizar. Na tela apareceu o caminho que leva até a minha casa. A "câmara" ia avançando entre as árvores e as pedras do caminho. Aparecia tudo em cores e iluminado como se fosse dia. Penetramos através de uma janela da casa, apareceu a vovó dormindo profundamente na sua cama, dava até para escutar sua respiração. Aquele aparelho era incrível! - Dorme como um anjinho -comentou Ami, rindo. - Não é um filme? - Não. É "ao vivo e direto"... vamos até a copa. A "câmara" atravessou a parede do dormitório e apareceu na copa. Ali estava a mesa, com sua toalha de quadrados grandes, e no meu lugar havia um prato coberto por outro, virado. - Isto se parece ao meu "ovni"! -brincou Ami- Vamos ver o que você tem para jantar -mexeu alguma coisa no aparelho e o prato de cima ficou transparente como vidro. Apareceu um pedaço de carne assada, com batata frita e salada de tomate. - Ui! -exclamou Ami, com nojo- como vocês conseguem comer cadáver... - Cadáver? Cadáver de vaca... vaca morta. Um pedaço de vaca morta. - Assim como ele descrevia, eu também senti nojo. - Como funciona esse aparelho, onde está a câmara? -perguntei, bastante intrigado. - Não necessita câmara. Este aparelho focaliza, capta, filtra, seleciona, amplia e projeta... simples, não? Parecia que ele estava caçoando de mim. - Por que se vê de dia, se é de noite? - Existem outras "luzes" que seu olho não pode ver e que este aparelho pode captar. - Que complicado! - Nada disso. Eu mesmo fiz este cacareco... - Você mesmo! - É muitíssimo antigo, mas eu sinto carinho por ele. É uma lembrança, um trabalho da escola primária... - Vocês são uns gênios! 12
  • 13. - Claro que não. Você sabe multiplicar? - Claro -respondi. - Então você é um gênio... para quem não sabe multiplicar. Tudo é uma questão de níveis. Um rádio transistorizado é um milagre para os índios das selvas. - É verdade. Você acha que algum dia vamos poder ter aqui na Terra invenções como a sua? Ele ficou sério pela primeira vez. Olhou-me, e seu olhar denotava certa tristeza. - Não sei. - Como é que você não sabe; você sabe tudo! - Tudo não. O futuro ninguém conhece... felizmente. - Por que você diz "felizmente"? - Imagine, a vida não teria nenhum sentido se a gente conhecesse o futuro. Você gosta de saber de antemão o final de um filme que está vendo? - Não. Irrita-me -respondi. - Gosta de ouvir uma piada que já conhece? - Também não. É chatíssimo. - Gostaria de saber que presente você vai receber no seu aniversário? - Isso ainda menos. Seu modo de ensinar era ameno, com exemplos claros. - A vida perderia todo o seu sentido se a gente conhecesse o futuro. Só podemos calcular as possibilidades. - Como é isso? - Por exemplo, calcular as possibilidades ou probabilidades que a Terra tem de se salvar... - Salvar-se, salvar-se de que? - Como de quê!... Você não ouviu falar da contaminação das guerras, das bombas? - Ah, sim! Você quer dizer que aqui também estamos correndo perigo, como nos mundos dos malvados? - Existem muitas possibilidades. A relação entre a ciência e o amor está terrivelmente inclinada para o lado da ciência; milhões de civilizações como esta se auto-destruíram. É um ponto de mudança... perigoso. Assustei-me. Nunca tinha pensado seriamente na possibilidade de uma terceira guerra mundial ou de uma catástrofe. Fiquei um bom tempo meditando. De repente, tive uma ideia maravilhosa: - Façam alguma coisa! - Alguma coisa como quê? - Não sei... aterrissar mil naves e dizer aos presidentes que não façam a guerra... alguma coisa assim -Ami riu. 13
  • 14. - Se fizéssemos algo assim, a primeira coisa que conseguiríamos seriam milhões de infartos cardíacos, por culpa justamente desses filmes de invasores, e nós não somos desumanos, não podemos provocar algo assim. Em segundo lugar, se disséssemos, por exemplo: transformem suas armas em instrumentos de trabalho, vocês pensariam ser uma estratégia extraterrestre para os debilitar e depois dominar o planeta. Terceiro, vamos supor que cheguem a compreender que somos inofensivos, também não abandonariam as armas. - Por quê? - Porque teriam medo dos outros países. Quem vai se desarmar primeiro? Nenhum. - Mas eles devem ter confiança... - As crianças podem ter confiança, os adultos não... e menos ainda os presidentes, e com razão, porque alguns sentem vontade de dominar tudo o que podem... Eu estava realmente nervoso.Comecei a procurar uma solução para evitar a guerra e a possível destruição da humanidade. Pensei que os extraterrestres poderiam tomar o poder pela força na Terra, destruir as bombas e nos obrigar a viver em paz. Disse isso a ele. Quando parou de rir, afirmou que eu não conseguia deixar de ser terrícola ao pensar. - Por quê? - "Pela força, destruir, obrigar", tudo isso é terrícola, incivilizado, violência. A liberdade humana é algo sagrado, tanto a nossa como a alheia. "Obrigar" não existe em nossos mundos; cada pessoa é valiosa e respeitada. "Pela força e destruição" é violência, o que vem de "violar"; violar a Lei do universo... - Então vocês não fazem a guerra? -Ainda não tinha terminado de fazer esta pergunta quando me senti estúpido por tê-la feito. Olhou-me com carinho e colocando a mão no meu ombro, disse: - Nós não fazemos a guerra, porque acreditamos em Deus. Sua resposta surpreendeu-me muito. Eu também acreditava em Deus, mas ultimamente estava pensando que somente os padres do meu colégio acreditavam Nele, e também as pessoas com pouca cultura, porque tenho um tio que é físico nuclear da Universidade e ele diz que "a inteligência matou Deus". - Seu tio ‚ um tolo -afirmou Ami, depois de ler meus pensamentos. - Não acho; ele é considerado um dos homens mais inteligentes do meu país. - É um tolo -Ami insistia- a maçã pode matar a macieira? A onda pode matar o mar?... - Pensei que... - Enganou-se. Deus existe. Fiquei pensando em Deus, um pouco arrependido por ter duvidado da sua existência. - Ei, tira essa barba e essa túnica! Ami ria, porque tinha visto minhas imagens mentais de Deus. - Então... não tem barba, Deus raspa a barba? Meu amigo espacial se divertia com minha confusão. - Esse é um deus terrestre demais -comentou. - Por quê? 14
  • 15. - Porque tem a aparência de um terrestre. O que ele estava querendo me dizer? Que os extraterrestres não têm aparência humana? - Mas, como?... Você disse que os seres humanos de outros planetas não têm forma estranha ou monstruosa, apesar disso, você mesmo parece um terrestre... Ami, rindo, pegou um graveto e desenhou uma figura humana na areia. - O modelo humano é universal: cabeça, tronco e membros, mas existem pequenas variações em cada mundo: altura, cor da pele, forma das orelhas; pequenas diferenças. Sou parecido a um terrestre porque as pessoas do meu planeta são iguais às crianças da Terra, mas Deus não tem forma de homem. Venha, vamos passear. Começamos a andar pelo caminho que vai ao povoado. Colocou seu braço no meu ombro e senti nele o irmão que nunca tive. De longe se escutavam algumas aves noturnas a grasnar. Ami parecia deleitar-se com esses sons; inspirou o ar marítimo e disse: - Deus não tem aparência humana -seu rosto brilhava na noite ao falar do Criador- não tem forma alguma, não é uma pessoa como você ou como eu. É um Ser infinito, pura energia criadora... puro amor... - Ah! Ele dizia isso de uma maneira tão bela, que conseguia que eu me emocionasse. - Por isso, o universo é lindo e bom... É maravilhoso. Pensei nos habitantes desses mundos primitivos que ele tinha mencionado, e também nas pessoas malvadas deste mesmo planeta. - E os maus? - Eles chegarão a ser bons algum dia... - Era melhor se eles tivessem nascido bons logo do começo, assim não haveria nada ruim em nenhum lugar. - Se não se conhecesse o mal, como se poderia desfrutar o bem, como se poderia dar-lhe valor? - perguntou Ami. - Não entendo direito. - Você não acha maravilhoso poder olhar, ver? - Não sei. Nunca tinha pensado nisso... acho que sim. - Se você tivesse nascido cego e de repente adquirisse a visão, então você acharia maravilhoso poder ver... - Ah, sim! - Aqueles que viveram existências difíceis, violentas, quando conseguem atingir uma vida mais humana a valorizam como ninguém... Se nunca existisse noite, não poderíamos desfrutar o amanhecer... - Íamos caminhando pela ruazinha iluminada pela lua e ladeada de árvores. Passamos pela frente da minha casa, entrei silenciosamente para pegar um suéter e voltei ao lado de Ami. Continuamos caminhando e conversando. Ele contemplava tudo enquanto falava. Ainda não apareciam as primeiras ruas do povoado nem as luzes dos postes da cidadezinha. 15
  • 16. - Você percebe o que está fazendo? -perguntou-me de surpresa. - Não... o quê? - Você está caminhando, você pode caminhar... - Ah, sim; claro... o que tem isso de extraordinário? - Existem pessoas que ficaram paralíticas, e depois de meses ou anos de exercícios conseguiram voltar a caminhar; para elas sim, é extraordinário poder caminhar, agradecem e desfrutam isso; no entanto, você caminha sem perceber, sem encontrar nada de especial nisso... - Tem razão, Ami. Você me diz muitas coisas novas... Capítulo 4 - A polícia! Chegamos até a primeira rua iluminada pelos postes de luz. Deviam ser onze e meia da noite. Parecia uma aventura andar sem minha vovó, tão tarde pelo povoado, mas eu me sentia protegido ao lado de Ami. Enquanto caminhávamos, ele se detinha para olhar a lua entre as folhas dos eucaliptos, às vezes me dizia que ficássemos a ouvir o coaxar das rãs, o canto dos grilos noturnos, o longínquo ruído das ondas. Detinha-se a respirar o aroma dos pinheiros, do córtex das árvores, da terra, a observar uma casa que ele achava bonita, uma rua ou um cantinho em uma esquina. - Veja que lindos esses candeeiros... parecem um quadro... observe como cai a luz sobre essa trepadeira... e essas anteninhas recortadas contra as estrelas... A vida não tem outro propósito que o de se desfrutá-la de uma maneira sã, Pedrinho. Procure colocar sua atenção em tudo o que a vida lhe proporciona... A maravilha está em cada instante... Tente sentir, perceber, em lugar de pensar. O sentido profundo da vida está além do pensamento... Sabe, Pedrinho, a vida é um conto de fadas feito realidade... é um dom maravilhoso que Deus lhe brinda... porque Deus o ama... Suas palavras me faziam ver as coisas de um novo ponto de vista. Parecia-me incrível que esse mundo fosse o habitual, o de todos os dias, ao qual eu jamais prestava atenção... agora percebia que vivia no Paraíso, sem nunca ter percebido antes... Caminhando chegamos até a praça do balneário. Alguns jovens estavam na porta de uma discoteca, outros conversavam no centro da praça. O lugar estava tranquilo, especialmente agora que a temporada estava no fim. 16
  • 17. Ninguém prestava atenção em nós, apesar da roupa de Ami; talvez pensassem que era uma simples fantasia... Imaginei o que aconteceria se soubessem que espécie de menino estava passeando por aquela praça; eles nos rodeariam, viriam os jornalistas e a televisão... - Não, obrigado -disse Ami, lendo meu pensamento- não quero que me crucifiquem... Não compreendi o que ele quis dizer. - Em primeiro lugar, não acreditariam; mas se por fim o fizessem, me levariam preso por ter ingressado "ilegalmente" no país. Depois pensariam que eu sou um espião e me torturariam para obter informação... E aí, os médicos iam querer ver o meu corpinho por dentro... -Ami ria enquanto relatava possibilidades tão negras. Sentamo-nos num barco, num lugar um pouco afastado. Pensei que os extraterrestres deveriam ir se mostrando aos poucos, para que as pessoas fossem se acostumando a eles, para depois, um dia, apresentar-se abertamente. - Ë mais ou menos o que estamos fazendo, mas mostrar-nos abertamente... já lhe dei três razões pelas quais é inútil fazer isso. Agora vou lhe dar mais uma, a principal: está proibido pelas leis. - Por quais leis? - As leis universais. Em seu mundo existem leis, não é? Nos mundos civilizados também existem normas gerais que todos devem respeitar; uma delas é não interferir no desenvolvimento evolutivo dos mundos incivilizados. - Incivilizados? - Chamamos incivilizados aos mundos que não respeitam os três requisitos básicos... - Quais são? - Os três requisitos básicos que um mundo deve respeitar para ser considerado civilizado são: primeiro, conhecer a Lei fundamental do universo; uma vez que se conhece e se pratica essa Lei, é muito fácil cumprir os outros dois. Segundo, constituir uma unidade: devem ter um só Governo Mundial. Terceiro, devem organizar-se de acordo com a Lei fundamental do universo. - Não entendo muito. Qual é essa lei do fundamento... de quê? - Você vê? Você não a conhece -caçoava de mim-, você não é civilizado. - Mas eu sou uma criança... Acho que os adultos sim a conhecem, os cientistas, os presidentes... Ami riu com vontade. - Adultos... cientistas... presidentes! Esses menos que ninguém, salvo raras exceções. - Qual é essa lei? - Vou lhe dizer mais adiante. - De verdade? -fiquei entusiasmado ao pensar que ia conhecer algo que quase ninguém sabia. - Se você se comportar direitinho -brincou. Comecei a meditar essa proibição de interferir nos planetas incivilizados. - Então você está violando essa lei! -expressei com surpresa. 17
  • 18. - Bravo! Você não passou por alto esse detalhe. - Claro que não. Primeiro você diz que é proibido interferir; apesar disso você está falando comigo... - Isto não é interferência no desenvolvimento evolutivo da Terra. Mostrar-se abertamente, comunicar- se massivamente sim, seria. Isto é parte de um "plano de ajuda". - Explique melhor, por favor. - É um tema complicado. Não posso lhe explicar tudo, porque você não entenderia. Talvez o faça mais adiante; por enquanto só vou lhe dizer que o "plano de ajuda" ‚ uma espécie de "remédio", que devemos ir dando em forma dosificada, suave, sutilmente...bem sutilmente... - Qual é esse remédio? - Informação. - Informação? Que informação? - Bem, depois da bomba atômica começaram os avistamentos de nossas naves. Fizemos isso para que vocês começassem a ter evidências de que não são os únicos seres inteligentes do universo; isso é informação. Depois fomos aumentando a frequência desses avistamentos, isso é mais informação. Depois vamos deixar que nos filmem. Ao mesmo tempo, estabelecemos pequenos contatos com algumas pessoas, como você, e também enviamos "mensagens" em frequências mentais. Essas "mensagens" estão no ar, como as ondas de rádio, chegam a todas as pessoas; algumas têm os "receptores" adequados para captá- las, outras não. Os que as recebem podem pensar que são suas próprias ideias; outros que ‚ uma inspiração divina; e ainda outros, que são enviados por nós. Alguns expressam essas "mensagens" bastante distorcidas por suas próprias ideias ou crenças; mas existem aqueles que as expressam quase puras. - E depois, vão aparecer na frente de todo mundo? - Se vocês não se auto-destruírem, e sempre que sejam respeitados os três requisitos básicos. Não pode ser antes. - Acho que é egoísmo que vocês não intervenham para evitar a destruição -disse, um pouco aborrecido. Ami sorriu e olhou para as estrelas. - Nosso respeito pela liberdade alheia implica deixá-los alcançar o destino que merecem. A evolução‚ uma coisa muito delicada, não se pode interferir, só podemos "sugerir" coisas, muito sutilmente, e através de pessoas "especiais", como você... - Como eu? Que tenho eu de especial? - Talvez eu lhe diga mais adiante, por enquanto você só precisa saber que tem certa "condição", e não necessariamente "qualidade"... Devo ir-me rápido, Pedrinho. Você gostaria de me ver de novo? - Claro que sim, cheguei a estimá-lo neste curto tempo. - Eu também a você, mas se você quer que eu volte, vai ter que escrever um livro relatando o que viveu ao meu lado; para isso foi que eu vim, é parte do "plano de ajuda". - Que eu escreva um livro? Mas eu não sei escrever livros! Faça como se fosse um conto infantil, uma fantasia... se não, vão pensar que você é um mentiroso ou louco; além disso, escreva para as crianças. Peça ajuda a esse primo seu, que gosta de escrever. Você relata e ele escreve. Ami parecia saber mais de mim, do que eu mesmo... 18
  • 19. - Esse livro vai ser informação também. Mais do que fazemos, não nos é permitido. Você gostaria que não existisse a menor possibilidade de que uma civilização de malvados venha invadir a Terra? - Sim. - Está vendo? Mas se vocês não deixam de lado a sua maldade e nós os ajudamos a sobreviver, rapidamente estariam tentando dominar, explorar e conquistar outras civilizações do espaço... mas o universo civilizado é um lugar de paz e de amor, de confraternização. Além disso, existem outras qualidades de energias muito poderosas. A energia atômica ao lado delas é como um fósforo ao lado do sol... Não podemos correr o risco de que uma espécie violenta chegue a controlar essa energia e colocar em perigo a paz dos mundos evoluídos, e, muito menos, que chegue a produzir um descalabro cósmico. - Estou realmente nervoso, Ami. - Pelo perigo de um descalabro cósmico? - Não. Porque penso que já é muito tarde... - Tarde para salvar a humanidade, Pedrinho? - Não. Para me deitar. Ami se dobrava de tanto rir. - Calma, Pedrinho. Vamos ver a sua vovó. Pegou a pequena televisão da fivela do seu cinto. Apareceu minha vovó dormindo com a boca entreaberta. - Desfruta realmente o sono -brincou. - Estou cansado. Gostaria de dormir, eu também. - Bem, vamos. Caminhávamos para minha casa quando encontramos um veículo policial. Os agentes, vendo dois meninos sozinhos a essas horas da noite, pararam o automóvel, desceram e vieram até nós. Fiquei com medo. - Que vocês estão fazendo a estas horas por aqui? - Caminhando, desfrutando a vida -respondeu Ami muito tranquilo- E vocês? Trabalhando? Caçando malandros? -E riu como sempre. Assustei-me ainda mais do que já estava, quando vi a liberdade que Ami estava tomando com a polícia; apesar disso eles também acharam engraçada a atitude de meu amigo, riram com ele. Tentei rir também, mas por causa do meu nervosismo não consegui. - De onde você tirou essa roupa? 19
  • 20. - De meu planeta -respondeu com total ousadia. - Ah, você ‚ um marciano. - Marciano, exatamente, não; mas sou extraterrestre. Ami respondia com alegria e despreocupação, em troca eu estava cada vez mais nervoso. - Onde está o seu "ovni"? -Perguntou um deles observando Ami, com ar paternal. Pensava que era uma brincadeira de crianças; apesar disso, ele só dizia toda a verdade. - Ele está estacionado na praia, debaixo do mar. Não é verdade, Pedrinho? Eu não sabia o que fazer. Tentei sorrir e só consegui fazer uma careta bastante idiota, não me atrevi a dizer a verdade. - E você não tem uma pistola de raios? -Os guardas se divertiam com o diálogo. Ami também, mas eu estava cada vez mais confuso e preocupado. - Não preciso. Nós não atacamos ninguém Somos bons. - E se aparecer um malvado com um revólver como esse? -ele mostrou a arma fingindo ser ameaçador. - Se vai me atacar, eu o paraliso com a minha força mental. - Deixe eu ver. Paralise-nos! - Ótimo. O efeito vai durar dez minutos. Os três riam muito divertidos mesmo. De repente, Ami ficou quieto, sério e olhou fixo para eles. Com uma voz muito estranha e autoritária lhes ordenou: - Fiquem imóveis durante dez minutos. Não podem, NÃO PODEM MOVER-SE... já -E eles ficaram paralisados com um sorriso, na posição em que estavam. - Você vê, Pedrinho? Assim você tem que dizer a verdade, como se fosse uma brincadeira ou uma fantasia -explicou-me, enquanto tocava o nariz ou puxava suavemente os bigodes dos guardas petrificados com um sorriso, que começava a me parecer trágico, por causa das circunstâncias. Tudo aumentava meu medo. - Vamos fugir daqui, bem longe, eles podem acordar -expressei, tentando não falar muito alto. - Não precisa se preocupar, ainda tem tempo para que se completem os dez minutos -e começou a mexer em seus bonés. Eu só queria era estar bem longe dali. - Vamos, vamos! - Já está pre-ocupado de novo, em vez de desfrutar o momento... está bem, vamos -disse resignado. Aproximou-se aos sorridentes guardas e com a mesma voz anterior lhes ordenou: - Quando acordarem, terão esquecido para sempre esses dois meninos. Quando chegamos á primeira esquina dobramos para o lado da praia e nos afastamos do lugar. Senti-me mais tranquilo. - Como você fez isso? - Hipnose, qualquer um pode. - Eu acho que não se pode hipnotizar qualquer pessoa. Eles podiam ter sido uma dessas. 20
  • 21. - Todas as pessoas podem ser hipnotizadas -disse Ami- além disso, todas estão hipnotizadas. - O que você quer dizer?... Eu não estou hipnotizado... estou acordado. Ami riu muito da minha afirmação. - Você se lembra quando vínhamos pelo caminho? - Sim, lembro-me. - Ali tudo lhe pareceu diferente, tudo lhe pareceu lindo, não é verdade...? - Ah, sim... parece que era como se eu estivesse hipnotizado... Talvez você tenha me hipnotizado! - Estava acordado! Agora está adormecido, pensando que a vida não tem nenhuma maravilha, que tudo é perigoso. Você está hipnotizado, não escuta o mar, não percebe os aromas da noite, não toma consciência de seu caminhar nem de sua vista, não desfruta sua respiração. Você está hipnotizado com hipnose negativa, está como essas pessoas que pensam que a guerra tem algum sentido "glorioso", como os que supõem que quem não compartilha sua própria hipnose‚ seu inimigo, todos estão hipnotizados, adormecidos. Cada vez que alguém começa a sentir que a vida ou um momento são lindos, então este alguém está começando a acordar. Uma pessoa desperta sabe que a vida é um paraíso maravilhoso e o desfruta instante a instante... mas não vamos pedir tanto a um mundo incivilizado... Imagine que tem pessoas que se suicidam... já pensou que loucura? Suicidam-se! - Pensando assim, como você diz, tem razão... Como foi que esses guardas não se zangaram com as suas brincadeiras? - Porque eu toquei o seu lado bom, infantil. - Mas eles são policiais! Olhou-me, como se eu acabasse de dizer uma estupidez. - Veja, Pedrinho, todas as pessoas têm um lado bom, um lado infantil. Quase ninguém é completamente mau. Se você quiser, vamos a uma prisão e procuramos o pior criminoso. - Não, obrigado. - Em geral, as pessoas não são mais bondosas do que malvadas, inclusive neste planeta. Todos pensam que estão fazendo um bem com o que fazem. Alguns se enganam, mas não é maldade, é erro. É certo que quando estão adormecidos ficam sérios e até perigosos, mas se você os toca pelo lado bom, eles vão lhe devolver o que há de bom neles; se você os toca pelo lado negativo, eles vão lhe devolver o que há de negativo neles; apesar disso, todo mundo gosta de brincar de vez em quando. - Então por que neste mundo existe mais infelicidade do que felicidade? - Não é que as pessoas sejam malvadas, são os sistemas que utilizam para se organizar que são velhos. As pessoas evoluíram, os sistemas ficaram atrasados. Sistemas ruins fazem as pessoas sofrer, vão fazendo as pessoas ficar infelizes, e no final as levam a cometer erros. Mas um bom sistema de organização mundial é capaz de transformar os maus em bons. Não compreendi muito bem suas explicações. Capítulo 5 - Raptado pelos extraterrestres! - Já chegamos a sua casa. Já vai dormir? - Sim. Estou realmente cansado, não aguento mais. E você, que vai fazer? 21
  • 22. - Voltar para a nave. Vou dar uma volta pelas estrelas... Queria convidá-lo, mas se você está tão cansado... - Agora já? não!... de verdade?... Você me levaria a dar uma volta no seu "ovni"? - Claro, mas e sua vovó?... Diante de uma possibilidade tão extraordinária como a de passear num "disco voador" foi embora todo o meu cansaço, estava como novo e cheio de vitalidade; pensei imediatamente na forma de sair sem que sentissem a minha ausência. - Vou jantar, deixo o prato vazio em cima da mesa, depois coloco o meu travesseiro debaixo da roupa de cama, porque se minha avó se levantar vai pensar que eu estou dormindo em casa, deixo esta roupa por aí e visto outra. Farei isso com muito cuidado e em silêncio. - Perfeito, vamos estar de volta antes que ela se acorde. Não se preocupe com nada. Fiz tudo de acordo ao calculado, mas quando quis comer a carne tive nojo e não pude comer. Alguns minutos mais tarde caminhávamos para a praia. - Como vou subir na nave? - Vou entrar nadando, pela água, depois levo o veículo até a praia. - Não vai lhe dar frio entrar no mar? - Não. Esta roupa resiste muito mais ao frio e calor do que você imagina... Bem, vou pegar a nave. Espere-me aqui e quando eu aparecer não se assuste. - Oh, não; já não tenho mais medo dos extraterrestres -achei graça de sua recomendação desnecessária... Ami se dirigiu até as suaves ondas, entrou no mar e começou a nadar. Logo se perdeu de vista, na escuridão, pois a lua tinha desaparecido detrás de umas nuvens bem tenebrosas... Pela primeira vez, desde que Ami apareceu, tive tempo de pensar a sós... Ami?... um extraterrestre!... Era verdade ou tinha sido um sonho? Esperei um bom tempo e comecei a me sentir nervoso. Não me senti muito seguro... estava sozinho, numa praia escura e terrivelmente solitária... Ia enfrentar-me com uma nave extraterrestre... minha imaginação me fazia ver estranhas sombras se mexendo entre as pedras, na areia, surgindo das águas. E se Ami fosse malvado disfarçado de menino, falando de bondade para conseguir minha confiança... ... ... Não, não pode ser!... ... ... Raptado por uma nave extraterrestre?... Neste momento apareceu diante dos meus olhos um espetáculo apavorante: debaixo da água um resplendor amarelo esverdeado começava a subir lentamente, depois apareceu uma cúpula que girava, com muitas luzes coloridas... Era verdade! Eu estava contemplando uma nave de outro mundo! Depois apareceu o corpo do veículo espacial, ovalado, com janelas iluminadas. Emitia uma luz entre prateada e verde. Foi uma visão que eu não esperava, senti verdadeiro terror. Uma coisa era falar com um menino... menino?... com cara de bonzinho... máscara?... e outra coisa era estar aí, quieto, sozinho, numa praia, na escuridão da noite e ver aparecer uma nave de outro mundo... um "ovni" que vem nos pegar para nos levar para longe... Esqueci do "menino" e de tudo o que ele me tinha dito. Para mim aquilo se transformou numa máquina infernal, vinda de quem sabe de que sombrio mundo do espaço, cheia de seres monstruosos e cruéis que vinham me raptar. Pareceu-me que era de um tamanho muito maior do que o objeto que eu tinha visto cair no mar umas horas antes. 22
  • 23. Começou a aproximar-se de mim, flutuando a uns três metros por cima das águas. Não emitia nenhum som, o silêncio era horrível e se aproximava, se aproximava irremediavelmente. Quis fugir. Desejei não ter conhecido nunca nenhum extraterrestre, queria fazer o tempo voltar para trás, estar dormindo tranquilamente perto de minha avó, a salvo, na minha caminha, ser um menino normal e com uma vida normal. Isso era um pesadelo; não conseguia sair correndo, não podia deixar de olhar para esse monstro luminoso que vinha me levar... quem sabe a um zoológico espacial... Quando chegou em cima da minha cabeça, eu me senti perdido. Apareceu uma luz amarela no ventre da nave, depois um reflexo me ofuscou e aí eu soube que já estava morto. Encomendei minha alma a Deus e decidi abandonar-me a sua Suprema Vontade... Senti que me elevavam, que eu ia numa espécie de elevador, mas meus pés não estavam apoiados em nada. Esperei ver aparecer aqueles seres com cabeça de polvo e olhos sanguinários e sangrentos... De repente, meus pés pousaram sobre uma superfície acolchoada e me vi de pé num recinto luminoso e agradável, carpetado e com paredes atapetadas. Ami estava na minha frente, sorrindo com seus grandes olhos de menino bom. Seu olhar conseguiu me acalmar, fazendo-me voltar á realidade, essa maravilhosa realidade que ele tinha me ensinado a conhecer. Colocou a mão no meu ombro. - Calma, calma; não tem nada de mal. Quando consegui falar, sorri e lhe disse: - Deu-me muito medo. - É sua imaginação desenfreada. A imaginação sem controle pode matar de terror, é capaz de inventar um demônio onde só existe um bom amigo, mas são somente nossos monstros internos, porque a realidade é simples e maravilhosa, é fácil... - Então... estou num "ovni"? - Bem, "ovni" é um objeto voador não identificado. Isto está plenamente identificado: é uma nave espacial; mas podemos lhe chamar "ovni" se você quiser, e também pode me chamar "marciano". -Relaxei completamente a tensão quando rimos.- Venha, vamos para a sala de comandos -convidou-me. Por uma porta muito pequena e em forma de arco passamos a outro recinto, de teto tão baixo como o do que acabávamos de abandonar. Diante de mim apareceu uma sala semicircular rodeada de janelas ovais. No centro havia três poltronas reclináveis na frente dos controles, e várias telas quase apoiadas do chão. Aquilo era como se fosse para crianças! Tanto as poltronas como a altura da sala. Ali não caberia um adulto de nenhuma maneira... Eu podia tocar o teto levantando o braço. - Isto é fabuloso! -exclamei entusiasmado. Aproximei-me das janelas enquanto Ami se acomodava na poltrona central, na frente dos controles. Detrás dos vidros pude ver a distância o reflexo das luzes do balneário. Senti uma suave vibração no chão e o povoado desapareceu. Agora só via estrelas... - Ei, o que você fez com o balneário? - Olhe para baixo -respondeu Ami. Quase desmaiei: estávamos a milhares de metros de altitude sobre a baía. Podíamos ver todos os povoados da costa que havia nessa região; o meu estava lá embaixo, bem embaixo. Tínhamos nos elevado quilômetros num instante e eu não tive nenhuma sensação de movimento! - Super, super, ótimo! -meu entusiasmo crescia, mas logo a altura me deu vertigem. - Ami... - Diga. - ... Isso não cai? - Bem, se a bordo houvesse uma pessoa que tivesse dito mentiras, então os mecanismos poderiam falhar... 23
  • 24. - Desça, então, desça! Por suas gargalhadas soube que ele estava brincando. - Podem nos ver lá de baixo? - Quando esta luz se acende -disse apontando um sinal ovalado nos comandos- quer dizer que somos visíveis. Quando está apagada, como agora, somos invisíveis. - Invisíveis? - Do mesmo jeito que este senhor que está sentado do meu lado -mostrou a poltrona vazia a seu lado. Alarmei-me, mas suas risadas me fizeram compreender que era outra de suas brincadeiras. - Como você faz para que não sermos vistos? - Se uma roda de bicicleta está girando rápido, seus raios não são vistos. Nós fazemos que as moléculas desta nave se movimentem rápido... - Engenhoso, mas eu gostaria que nos vissem lá de baixo. - Não posso fazer isso. A visibilidade ou invisibilidade de nossas naves, quando estão em mundos incivilizados, efetua-se de acordo ao "plano de ajuda". Isso é decidido por um "computador" gigante situado no centro desta galáxia... - Não entendo direito. - Esta nave esta conectada a este "super-computador" que decide quando podemos ou quando não podemos ser vistos. - E como é que esse "computador" sabe quando...? - Esse "computador" sabe tudo... Você quer que a gente vá até algum lugar em especial? - Até a capital! Gostaria de ver a minha casa daqui do ar... - Vamos! -Ami mexeu uns controles e disse, "já". Preparei-me para desfrutar a viajem olhando pela janela... mas já tínhamos chegado!... Cem quilômetros em uma fração de segundo! Eu estava maravilhado. - Isto sim que é viajar rápido! - Já lhe expliquei que em geral não "viajamos", senão que nos "situamos"... É uma questão de coordenadas, mas também podemos "viajar". Olhei as grandes avenidas iluminadas. Era impressionante ver a cidade, de noite, de cima. Localizei meu bairro e pedi a Ami que nos dirigíssemos para lá. - Mas "viajando" devagar, por favor. Quero desfrutar o passeio. A luz dos comandos estava apagada. Ninguém nos via. Fomos avançando suave e silenciosamente entre as estrelas e as luzes da cidade. Apareceu a minha casa. Foi extraordinário vê-la das alturas. - Quer comprovar se está tudo bem lá dentro? - Como? 24
  • 25. - Vamos ver por esta tela. Na frente dele, numa espécie de televisão grande, apareceu a rua focalizada de cima; era o mesmo sistema pelo qual vimos minha avó dormir, mas com uma grande diferença: aqui a imagem aparecia em alto-relevo, com profundidade. Parecia que se podia meter a mão pela tela e tocar as coisas. Tentei fazer isso, mas o vidro invisível me impediu. Ami se divertia comigo. - Todos fazem a mesma coisa... - Todos, quem são todos? - Você não vai pensar que é o primeiro incivilizado que sai a passeio numa nave extraterrestre? - Tinha pensado que era -disse, um pouco decepcionado. - Pois se enganou. A lente da câmara, ou o que quer que fosse, pareceu atravessar o teto da minha casa, percorrendo cada cantinho. Estava tudo em ordem. - Por que na sua televisão portátil não se pode ver em alto-relevo, como nessa tela? - Já lhe disse, é um sistema antigo... Pedi que fôssemos dar uma volta pela cidade. Passamos pelo meu colégio. Vi o pátio, o campo de futebol, os arcos, minha classe. Pensei em mim mesmo contando mais tarde a aventura aos meus colegas: "Vi o colégio de uma nave espacial"... Estaria orgulhoso. Fomos passando pela cidade toda. - É uma pena que não seja de dia -disse. - Por quê? - Teria gostado de passear na sua nave também de dia... ver cidades, paisagens com a luz do sol...- como de costume, Ami estava rindo de mim. - Você quer que seja dia? -perguntou. - Não acredito que os seus poderes sejam suficientes para mover o sol... ou são? - O sol não, mas nós sim... Conectou os controles e começamos a nos mover tremendamente rápido; subimos a cordilheira dos Andes e a atravessamos em uns três segundos, depois apareceram várias cidades que se viam como umas manchinhas luminosas, devido à grande altitude que tínhamos atingido; imediatamente depois apareceu o enorme oceano Atlântico, banhado pela lua. Também havia muitas nuvens enormes que limitavam minha visibilidade. O céu foi se aclarando no horizonte, viajávamos em direção ao leste. Chegamos à terra e aconteceu algo extraordinário: o sol começou a subir rapidamente! Para mim aquilo foi algo incrível. Ami tinha movido o sol! Em apenas uns momentos se fez dia. - Por que você disse que não podia mover o sol? Ami se deleitava observando minha ignorância. - O sol não se moveu; fomos nós que nos movemos rapidamente. Compreendi meu erro imediatamente, mas tinha sua justificação: é preciso ver o que é contemplar o sol se elevar pelo horizonte a uma velocidade impressionante... - Em que lugar estamos? 25
  • 26. - África. - África? Mas se faz só um minuto nós estávamos na América do Sul! - Como você queria viajar de dia nessa nave, viemos para um lugar que fosse de dia: "se a montanha não vem a Maomé, Maomé vai à montanha"... - Que país da África você gostaria de visitar? - Deixa eu ver... a Índia. Sua risada me mostrou que meus conhecimentos de geografia não eram muito exatos... - Então vamos à Ásia, para a Índia... A qual cidade da Índia você quer ir? - ... Dá no mesmo... escolhe você... - Bombaim está bem? - Sim, ótimo Ami... Passamos em grande velocidade e altitude por cima do continente africano. Mais tarde, na minha casa, com um mapa-múndi pude reconstruir minha viagem. Chegamos ao oceano Índico, e o atravessamos enquanto o sol subia e subia vertiginosamente. De repente estávamos na Índia. A nave freou bruscamente e ficou imóvel... - Como foi que nós não nos batemos contra as janelas com essa freada? -perguntei muito surpreendido. - É uma questão de anular a inércia... Ah, que fácil... Capítulo 6 - Uma questão de medidas Descemos sobre a cidade, até chegar a uns cem metros de altura e começamos nosso passeio pelos céus de Bombaim. Parecia-me estar sonhando ou vendo um filme. Homens com turbantes brancos, casas muito diferentes das do meu país. Chamou minha atenção a enorme quantidade de pessoas nas ruas. Não era como na minha cidade. Lá, nem mesmo no centro, na hora de saída dos escritórios vê-se essa multidão. Aqui estavam em todos os lugares. Para mim, aquilo era outro mundo. Ninguém nos via; a luz indicativa estava apagada. 26
  • 27. De repente, voltei à "realidade". - Nossa, minha vovó. - O que é que há com a sua avó? - Já é dia, ela já deve ter se levantado, e vai se preocupar com a minha ausência... vamos voltar! Para Ami, eu era um permanente motivo de riso. - Pedrinho, sua avó dorme profundamente. Lá é meia noite neste momento, do outro lado do mundo; aqui são dez da manhã. - De ontem ou de hoje? -perguntei, confundido com o tempo. - De amanhã -respondeu, morto de rir-. Não se preocupe. A que horas ela se levanta? - Mais ou menos às oito e meia. - Então ainda temos oito horas e meia pela frente... sem contar que podemos esticaaaar o tempo... - Estou preocupado... Por que não vamos ver? - O que você quer ver? - Ela pode ter acordado... - Melhor vermos daqui mesmo. Pegou os controles de uma tela e apareceu a costa da América do Sul vista de muita altura, depois a imagem mostrou uma queda em direção à terra a uma velocidade fantástica. Logo pude distinguir a baía, o balneário, a casa da praia, o teto e a minha avó. Era incrível, parecia que estava ali; dormindo, com a boca entreaberta, na mesma posição anterior. - Não se pode dizer que ela dorme mal, ein? -observou Ami com malícia, depois acrescentou- Vamos fazer algo para que você fique tranquilo. Pegou uma espécie de microfone e me indicou que ficasse em silêncio. Apertou um botão e disse "psiu". Minha vovó escutou aquilo; acordou, levantou-se e foi até a copa. Nós podíamos escutar os seus passos e sua respiração. Viu meu prato meio vazio sobre a mesa, pegou-o e deixou-o na cozinha, depois foi até o meu dormitório, abriu a porta, acendeu a luz e olhou para minha cama. Estava perfeita, parecia que eu dormia lá, contudo, alguma coisa lhe chamou a atenção, não soube o que era, mas Ami sim. Pegou o microfone e respirou perto dele. Minha avó escutou essa respiração e pensou que era a minha, apagou a luz, fechou a porta e foi para o seu dormitório. - Está tranquilo agora? - Sim, agora sim... mas não dá para acreditar; ela dormindo lá e nós aqui de dia... - Vocês vivem condicionados demais pelas distâncias e pelo tempo... - Não compreendo. - O que você pensaria de sair de viagem hoje e voltar ontem? - Você quer me deixar maluco. Não poderíamos visitar a China? - Claro, que cidade você gostaria conhecer? Desta vez não ia passar vergonha. Respondi com segurança e orgulho: 27
  • 28. - Tóquio. - Então vamos conhecer Tóquio... a capital do Japão -disse tentando dissimular a vontade de rir. Passamos por todo o território da Índia, de Oeste a Leste. Chegamos aos Himalaias, ali a nave parou. - Temos ordens - disse Ami. Numa tela apareceram estranhos sinais - Vamos deixar um testemunho. O "computador" gigante indica que devemos ser vistos por alguém em algum lugar. - Que divertido ! Onde e por quem ? - Não sei. Vamos ser guiados pelo "computador". Já chegamos... Havíamos utilizado o sistema de translado instantâneo. Estávamos sobre um bosque, suspensos no ar a uns cinqüenta metros de altura. A luz dos controles mostrava que éramos visíveis. Havia muita neve por ali. - Isto é o Alasca -disse Ami reconhecendo o lugar. O sol começava a se ocultar no mar próximo dali. A nave começou a se mover no céu, desenhando um enorme triângulo com sua trajetória, enquanto mudava suas cores. - Para que fazemos isso? - Para impressionar. Devemos chamar a atenção desse amigo que vem ali. Ami observava pela tela, e eu o procurei através dos vidros das janelas e o encontrei. Ao longe, entre as árvores, havia um homem com um casaco de pele de cor marrom; tinha uma espingarda, parecia muito assustado. Apontou-nos sua arma. Agachei-me, com medo, para evitar ser atingido pelo possível disparo. Ami se divertia com minhas inquietudes. - Não tenha medo, este "ovni" é à prova de balas... e de muito mais... Elevamo-nos até ficarmos bem alto, sempre emitindo uma cintilação colorida. - É preciso que este homem não esqueça jamais esta visão. Eu pensei que, para que ele nunca mais esquecesse o espetáculo, era suficiente ter passado pelo ar, sem necessidade de o assustar tanto. Disse isto a Ami. - Você se engana. Milhares de pessoas já viram passar nossas naves, mas hoje em dia não se lembram. Se no momento em que nos viram estavam muito pre-ocupadas com seus assuntos corriqueiros, olhavam-nos quase sem nos ver, depois, esqueceram. Temos estatísticas impressionantes a esse respeito. - Por que é preciso que esse homem nos veja? - Não sei exatamente, talvez seu testemunho seja importante para alguma outra pessoa interessante, especial; ou talvez, ele mesmo o seja. Vou focalizá-lo com o "sensômetro". Em outra das telas apareceu o homem, mas estava quase transparente. No centro do seu peito brilhava uma luz dourada muito linda. - Que luz é essa? - Podemos dizer que é a quantidade de amor que existe nele, mas não seria tão exato; é mais certo dizer que é o efeito que a força do amor exerce sobre a sua alma. E também seu nível de evolução. Ele tem setecentas e cinquenta medidas. - E isso o que significa? - Que ele é interessante. 28
  • 29. - Interessante por quê? - Porque seu nível de evolução é realmente bom... para ser um terrícola. - Nível de evolução? - Seu grau de aproximação com o animal ou com o "anjo". Ami focalizou um urso na tela, também transparente, mas a luz no seu peito brilhava muito menos do que a do homem. - Duzentas medidas -precisou Ami. Depois focalizou um peixe. Desta vez a luz era mínima. - Cinquenta medidas. A média dos seres humanos da Terra é de quinhentas e cinquenta medidas. - E você, quantas medidas tem, Ami? - Setecentas e sessenta medidas -respondeu. - Só dez a mais do que o caçador! -surpreendi-me pela pouca diferença entre um terrícola e ele. - Claro. Temos um nível parecido. - Mas se supõe que você deva ser muito mais evoluído do que os terrícolas. - Na Terra as pessoas variam entre trezentas e vinte e oitocentas medidas. - Algumas mais do que você! - Claro que sim. A vantagem que eu tenho consiste no fato de que eu conheço certas coisas que eles ignoram, mas aqui existem pessoas muito valiosas: mestres, artistas, enfermeiras, bombeiros... - Bombeiros!? - Você não acha nobre arriscar a própria vida pelos demais? - Você tem razão, mas meu tio, o que é físico nuclear, também deve ser muito valioso... - Famoso talvez... A que se dedica seu tio, dentro da física? - Está desenvolvendo uma nova arma, um raio ultra-sônico. - Se ele não acredita em Deus, e além disso se dedica à fabricação de armas... penso que tem um nível bem baixo. - O quê?! Mas ele é um sábio! -protestei. - Você está confundindo as coisas de novo. Seu tio tem muita informação, mas ter informação não significa necessariamente ser inteligente, e muito menos um sábio. Um computador pode ter armazenado muita informação, mas nem por isso é inteligente. Você acha muito sábio um homem que cava uma fossa, ignorando que ele mesmo vai cair nela? - Não, mas... - As armas se voltam contra aqueles que as apoiam... Não me pareceu muito evidente essa afirmação de Ami, mas decidi acreditar nele. Quem era eu para duvidar de sua palavra? Apesar disso, estava confuso... meu tio era meu herói... um homem tão inteligente... 29
  • 30. - Tem um bom computador na cabeça, isto é tudo. Aqui existe um problema de terminologia: na Terra dizem inteligentes ou sábios aos que têm uma boa capacidade cerebral em só um dos cérebros, mas temos dois... - O quê! - Um na cabeça. Esse é o "computador", o único que vocês conhecem. O outro está no peito, não é visível, mas existe. É o mais importante, é essa luz que você viu pela tela no peito do homem. Para nós, inteligente ou sábio é aquele que tem ambos os cérebros em harmonia, mas isso quer dizer que o cérebro da cabeça, está a serviço do cérebro do peito, e não ao contrário, como na maioria dos "inteligentes". - Tudo isso me surpreende, mas agora entendo melhor. O que acontece com aqueles que tem mais desenvolvido o cérebro do peito do que o da cabeça? -perguntei. - Esses são os "tolos bons". São fáceis de enganar, é simples para os outros, os "inteligentes maus", como você dizia, colocá-los a fazer o mal enquanto pensam que estão fazendo o bem... o desenvolvimento intelectual deve estar em harmonia com o desenvolvimento emocional, só assim se produz um verdadeiro inteligente ou sábio. Só assim a luz pode crescer. - E eu, Ami, quantas medidas tenho? - Não posso lhe dizer. - Por quê? - Porque se teu nível for alto, você vai ficar vaidoso... - AH!! compreendo... - Mas se for baixo... você vai se sentir muuuuito mal... - Ah... - O orgulho apaga a luz... é a semente da maldade. - Não entendo. - Devemos tentar ser humildes... Veja, já estamos indo. Instantaneamente estávamos de volta à cordilheira, aos Himalaias, situados do outro lado do planeta. Capítulo 7 - Os avistamentos Avançamos até um mar longínquo, ao qual chegamos em segundos e o atravessamos; apareceram umas ilhas, descemos sobre a cidade de Tóquio. Pensei que ia encontrar casas com telhados com as pontas para cima, mas o que mais havia era arranha-céus, modernas avenidas, parques, automóveis. - Estamos sendo vistos -disse Ami, apontando a luz dos controles acesa. Na rua, as pessoas começavam a amontoar-se, apontavam-nos com a mão. Novamente se acenderam as luzes exteriores de várias cores. Estávamos realmente alto, ficamos uns dois minutos ali. 30
  • 31. - Outro avistamento -disse Ami, observando os sinais que apareciam na tela- Vamos ser transladados. Subitamente, a luz do dia se apagou. Só ficaram as estrelas cintilando detrás dos vidros. Embaixo não se viam grandes coisas. Uma pequena cidade, longe, algumas poucas luzes, um caminho pelo qual vinha um automóvel. Fui até a tela que estava na frente de Ami. Ali aparecia o panorama perfeitamente iluminado. O que à simples vista não se distinguia, devido à escuridão, no monitor era perfeitamente claro; assim percebi que o automóvel era verde e que nele viajava um casal. Estávamos a uns vinte metros de altura, éramos visíveis, segundo indicavam os controles. Decidi daí em diante aproveitar essa tela. Era mais nítida do que a própria realidade. Quando o veículo se aproximou de nós, parou, estacionou ao lado do caminho e seus ocupantes desceram, começaram a gesticular e a gritar enquanto nos olhavam com os olhos arregalados. - O que estão dizendo? -perguntei. - Estão pedindo comunicação, contato. São um casal de estudiosos dos "ovnis", ou melhor, "adoradores de extraterrestres". - Então, comunique-se -disse eu, preocupado pelo nervosismo dessas pessoas. Ajoelharam e rezavam, ou algo assim. - Não posso, tenho que obedecer às ordens estritas do "plano de ajuda". A comunicação não se produz quando qualquer um deseja, senão quando se decide do "alto"; além disso, também não posso ser cúmplice de uma idolatria. - O que é idolatria? - Uma violação a uma lei universal -respondeu Ami, muito sério. - Em que consiste? -perguntei, intrigado. - Somos considerados deuses. - O que isso tem de mal? - Só se deve venerar a Deus, o resto é idolatria. Seria muita falta de respeito de nossa parte se usurpássemos o lugar de Deus, frente à distorcida religiosidade dessas pessoas. Se fôssemos considerados como irmãos, seria outra coisa. Pensei que Ami pudesse ensinar a verdade ao casal. 31
  • 32. - Pedrinho -respondeu a meus pensamentos-, nos mundos incivilizados do universo se cometem ações que nos parecem terríveis. Neste preciso momento, estão queimando vivas muitas pessoas, porque outros pensam que elas são "hereges"; isso está acontecendo em muitos planetas, como aconteceu aqui na Terra, há centenas de anos. Neste mesmo momento, debaixo do mar, os peixes estão comendo-se vivos uns aos outros. Este planeta não é muito evoluído. Assim como as pessoas têm diferentes níveis evolutivos, também os planetas. As leis que regem a vida nos mundos inferiores nos parecem brutais. A Terra a milhões de anos, estava regida por outros tipos de leis, tudo era agressivo, venenoso, tudo tinha garras e presas; hoje, que se atingiu um nível de evolução mais avançado, existe mais amor, mas ainda não se pode dizer que este seja um mundo evoluído. Ainda existe muito brutalidade. Ami sintonizou uma tela e apareceram algumas cenas de guerra. De uns tanques, os soldados lançavam mísseis contra alguns edifícios, destruindo-os, junto com as crianças, mulheres e homens que os habitavam. Isto está acontecendo agora mesmo num país da Terra, mas não podemos fazer nada. Na evolução de cada planeta, país ou pessoas, não podemos interferir. No fundo, tudo é aprendizagem. Fui uma fera e morri destroçado por outras feras; fui um ser humano de baixo nível, matei e me mataram, fui cruel, recebi crueldade. Morri muitas vezes; fui aprendendo aos poucos a viver de acordo à Lei fundamental do universo. Agora minha vida é melhor, mas não posso ir contra o sistema de evolução que Deus criou. Esse casal está violando uma lei universal, ao comparar-nos com alguém tão grande e majestoso como Deus. Retiram seus sentimentos de veneração e amor ao Criador e os dirigem para nós... Os soldados que vimos, também violam uma lei universal: "não mataras".Eles deverão pagar por seus erros e, assim, pouco a pouco irão aprendendo. Somente quando uma pessoa ou um mundo conseguiu atingir certo nível evolutivo, pode receber nossa ajuda, sem que seja uma violação ao sistema evolutivo geral. Na verdade, não compreendi nem meia palavra do que Ami disse, somente mais tarde, pensando, foi que percebi tudo com mais clareza, muito depois de sua partida; foi então que pude escrever mais ou menos como ele disse. Enquanto esperávamos que o "super-computador" nos retirasse dali, Ami sintonizou a televisão japonesa. Com o seu bom humor habitual observava um programa de notícias. Aparecia um repórter que entrevistava, microfone na mão, as pessoas na rua. Uma senhora falava gesticulando e apontava para o céu. Não entendi nada, mas percebi que relatava seu encontro com o "ovni"... o nosso. Outras pessoas também comentavam sua versão do fenômeno. - O que estão dizendo? -perguntei. - Que viram um "ovni"... tem cada louco... - opinou sorrindo. Depois apareceu um senhor com óculos que fazia desenhos num quadro-negro enquanto dava explicações. Representava o sistema solar, a Terra e os demais planetas. Ficou falando muito tempo. Soube que era um cientista especialista em astronomia. Parecia que Ami entendia essa língua, porque estava muito distraído olhando o programa, talvez utilizando o "tradutor". - O que está dizendo? -voltei a perguntar. - Que em função de tudo o que explicou, está "cientificamente demonstrado" que não existe vida inteligente na galáxia inteira, excetuando a Terra... Também disse que as pessoas que viram o suposto "ovni" sofreram uma alucinação coletiva, e lhes recomendou uma visita ao psiquiatra... - De verdade? -perguntei. - De verdade -respondeu rindo. O cientista continuava falando. - O que ele está dizendo agora? - Que possívelmente exista uma civilização "tão avançada" como esta, mas uma a cada duas mil galáxias, segundo os cálculos. - E isso que significa? 32
  • 33. - Que quando ele souber que somente nesta galáxia existem milhões de civilizações, o coitado vai ficar louco, pior do que já está... Rimos um bom tempo. Para mim foi muito cômico, escutar um cientista dizendo que os "ovnis" não existem... e eu olhando o programa de dentro de um "ovni". Ficamos aproximadamente uma hora naquele lugar, até que a luz da invisibilidade se apagou. - Estamos livres. - Então podemos continuar passeando? -perguntei. - Claro. Aonde você gostaria de ir agora? - Hummm... deixa eu ver... à ilha de Páscoa! - Lá é noite... veja -já tínhamos chegado. - Ilha da Páscoa? - Exatamente. - Que rápido! - Você acha rápido? Espere... agora olhe pela janela. Estávamos sobre um deserto muito estranho. O céu estava muito escuro, quase negro, exceto pelo brilho azulado da lua. - O que é isto, Arizona? - Isto é a lua. - A lua? - A lua. Olhei para o que pensei que fosse a lua. - ... Então isso... - Isso é a Terra. - A Terra! - A Terra. Lá dorme a sua vovó... Estava fascinado. Era na realidade a Terra, tinha uma cor azul claro. Pareceu-me incrível que uma coisa tão pequena pudesse conter tantas coisas grandes, montanhas, oceanos. Sem saber o porquê, apareciam imagens arquivadas em minha memória; recordei um riacho da minha infância, uma parede coberta de musgo, umas abelhas num jardim, um carro de boi numa tarde de verão... tudo isso estava lá, nesse pequeno globo azul que flutuava entre as estrelas. De repente vi o sol, um astro longínquo, mas bem mais incandescente do que na Terra. - Por que se vê tudo pequeno? - Porque aqui não existe uma atmosfera que atue como lente de aumento, como lupa; por isso, na Terra se vê maior do que aqui, mas se não fosse pelos vidros especiais desta nave, esse pequeno sol o queimaria, justamente porque não tem uma atmosfera que filtre certos raios que são nocivos para você. 33
  • 34. Não gostei dessa visão da lua. Vista da Terra parecia mais linda. Era um mundo solitário, tenebroso. - Não poderíamos ir a um lugar mais bonito? - Habitado? -perguntou Ami. - Claro!... Mas sem monstros... - Para isso temos que ir bem longe. Mexeu nos controles, a nave vibrou suavemente, as estrelas se esticaram, transformando-se em linhas luminosas; depois, pelas janela apareceu uma neblina branca e brilhante que reverberava. - O que está acontecendo? -perguntei um pouco assustado. - Estamo-nos situando... - Situando onde? - Em um longínquo planeta. Temos que esperar uns minutos. Por enquanto, vamos escutar um pouco de música. Ami tocou um pouco nos controles. Suaves e estranhos sons encheram o recinto. Meu amigo fechou os olhos e se dispôs a escutar com prazer. Eram todas bem diferentes das que eu havia conhecido até então. De repente, uma vibração muito baixa e sustentada chegava a fazer vibrar a sala de comandos, depois uma nota agudíssima soou, o silêncio durava alguns segundos. Depois se escutavam notas rápidas que subiam e baixavam, outra vez a mais grave que se agudizava aos poucos, enquanto uma espécie de rugidos e alguns sininhos mantinham um ritmo variado. Ami parecia em êxtase. Imaginei que conhecia muito bem aquela "melodia", porque com os lábios ou leves movimentos de sua mão se adiantava o que escutaríamos logo. Lamentei interrompê-lo, mas não gostei nada daquela "música". - Ami -chamei. Não respondeu; estava muito concentrado nessa espécie de interferência elétrica de um rádio de onda curta... - Ami -insisti. - Oh, desculpe!... sim? - Desculpe-me, mas eu não gosto. 34
  • 35. - Claro, é natural; o desfrutar essa música requer uma "iniciação" prévia... Vou procurar algo que lhe pareça mais conhecido. Tocou outro ponto dos controles. Surgiu uma melodia que me agradou imediatamente, tinha um ritmo muito alegre. O instrumento principal tinha o som parecido ao da chaminé de um trem a vapor a toda velocidade. - Que agradável!... Que instrumento é esse que se parece a um trem? - Meu Deus! -exclamou Ami fingindo horror-, você acaba de ofender a garganta mais privilegiada do meu planeta, confundindo sua voz com o barulho de um trem! - Desculpe-me, por favor... não sabia... mas sopra mesmo bem! -disse, procurando consertar a situação. - Blasfemo! Herege! -fingia, puxando os cabelos- dizer que a glória do meu mundo... sopra! Terminamos explodindo em gargalhadas... Aquela música animava a gente a dançar. - Para isso foi feita -disse Ami- Dancemos! -levantou-se de um salto e começou a dançar batendo palmas. - Dance, dance -animáva-me- solte-se. Você quer dançar, mas aquilo que você não é, não lhe permite... aprenda a conquistar a liberdade de ser você mesmo, libere-se... Deixei de lado a minha timidez natural e comecei a dançar com grande entusiasmo. - Bravo! -felicitava-me. Dançamos um bom tempo. Sentia-me alegre, foi como quando corremos e saltamos na praia. Depois a música terminou. - Agora algo para nos relaxar -disse Ami, dirigindo-se para os controles. Apertou outro ponto e se escutou uma música clássica. Pareceu-me familiar. - Ei, isso é terrícola. - Claro, Bach, é fabuloso, você não gosta? - Acho que... sim. Você também gosta? - Obviamente, ou não o teria na nave. - Pensava que tudo o que nós temos era "incivilizado" para os extraterrestres... - Você está muito enganado -tocou outro ponto dos controles. 1 "... imagine there's no countries it isn't hard to do..." - Mas esse é John Lennon... Os Beatles...! Estava muito surpreso, porque começava a pensar que na Terra não existia nada de bom. 1 Tradução: Imagine que não existam países, não é difícil imaginar. 35
  • 36. - Pedrinho, quando a música é boa, ela o é universalmente. A boa música da Terra é colecionada em várias galáxias, assim como a de qualquer mundo e de qualquer época. A mesma coisa acontece com todas as artes. Nós guardamos filmes e gravações de tudo quanto se realiza no seu planeta... A arte é uma linguagem de amor, e o amor é universal... escutemos. 2 "imagine all the people living life in peace..." Ami, com os olhos fechados, parecia desfrutar cada nota. Quando John Lennon terminou de cantar, já tínhamos chegado por fim a outro mundo habitado Segunda Parte Capítulo 8 - Ofir! A neblina branca se evaporou. Uma atmosfera azul-celeste, de um tom forte, parecia flutuar ao redor, em vez de estar em cima, no céu, como na Terra; senti-me submerso em um azul quase fosforescente que não dificultava a visibilidade. Das janelas vi pradarias banhadas por um alaranjado suave. Fomos descendo pouco a pouco; parecia uma maravilhosa paisagem de outono. - Veja o sol -recomendou Ami. Um enorme círculo avermelhado se destacava no céu, tenuemente coberto pela atmosfera desse mundo. Formavam-se vários círculos ao redor daquele sol descomunal. Era umas cinqüenta vezes maior do que o da Terra. - Quatrocentas vezes maior -corrigiu Ami. - Não parece que é tão grande... - Porque está muito longe. - Que mundo é este? - É o planeta Ofir... Seus habitantes são originários da Terra... - O quê! -surpreendeu-me tremendamente essa afirmação. - Existem tantas coisas que são desconhecidas no seu planeta, Pedrinho. Houve uma vez na Terra, há milhões de anos, uma civilização semelhante à sua. O nível científico daquela humanidade tinha ultrapassado muito o seu nível de amor, e como além disso eles estavam divididos, ocorreu o que era de se esperar... - Se auto-destruíram? - Completamente... Unicamente sobreviveram alguns indivíduos que foram advertidos do que ia suceder e fugiram para outros continentes; mas foram muito afetados pelas conseqüências daquela guerra, tiveram que recomeçar quase do princípio. Você é o resultado de tudo isso; você é descendente dos que sobreviveram. - É incrível; eu pensava que tudo tinha começado como dizem os livros de história, do zero, das cavernas, dos trogloditas... E as pessoas de Ofir, como chegaram até este planeta? 2 Tradução: Imagine todas as pessoas vivendo a vida em paz. 36
  • 37. - Nós as trouxemos. Salvamos todos aqueles que tinham setecentas medidas ou mais, as boas sementes... foram resgatadas um pouco antes que se produzisse o desastre. Salvaram-se muito poucos, a média evolutiva daquele tempo era de quatrocentas medidas, cem menos que hoje em dia. A Terra evoluiu. - E se acontecesse um desastre na Terra, vocês resgatariam alguns? - Todos aqueles que superem as setecentas medidas. Desta vez há muito mais pessoas com esse nível. - E eu, Ami, tenho setecentas medidas? Ele deu risada da minha preocupação. - Estava esperando a pergunta, mas já lhe disse que não posso responder isso. - Como se pode saber quem tem setecentas medidas ou mais? - É muito fácil. Todos aqueles que trabalham desinteressadamente pelo bem do próximo, têm acima de setecentas medidas. - Você disse que todos procuram fazer o bem... - Quando digo "o próximo", não quero dizer somente a própria família, o clube, o próprio grupo. E quando digo "bem", estou me referindo a tudo o que não vai contra a Lei fundamental do universo... - Outra vez essa famosa lei; você pode me explicar agora qual é essa lei? - Ainda não. Paciência. - E por que‚ tão importante? - Porque quem não conhece essa Lei, não pode saber a diferença entre o bem e o mal. Muitos matam acreditando que estão fazendo o bem. Ignoram a Lei. Outros torturam, colocam bombas, criam armas, destroem a natureza pensando que fazem um bem. O resultado é que todos eles estão fazendo um grande mal, mas não sabem, porque desconhecem a Lei fundamental do universo... por isso, deverão pagar por suas violações à Lei. - Nossa! Não teria imaginado nunca que fosse tão importante... - Claro que é importante. É suficiente que as pessoas de seu planeta conheçam e pratiquem a Lei, para que seu mundo se transforme em um verdadeiro paraíso... - Quando você vai me dizer qual é? - Por enquanto, contemple o mundo de Ofir; tem muito para ensiná-lo, porque aqui todos praticam essa Lei. Sentei-me numa poltrona perto dele para observar pela tela aquele maravilhoso planeta. Estava impaciente por ver os seus habitantes. Íamos lentamente, a uns trezentos metros de altura. Observei muitos objetos voadores semelhantes ao nosso; quando se aproximaram, comprovei que tinham formas e tamanhos muito diferentes. Não vi grandes montanhas naquele planeta, também não vi zonas desérticas. Tudo estava forrado de vegetação em vários tons, com diferentes matizes de verde, marrom e alaranjado em diferentes graus. Havia muitas colinas, lagos, rios e lagos de águas de um azul-celeste muito luminoso. Aquela natureza tinha algo de paradisíaco. Comecei a distinguir edificações que formavam círculos ao redor de uma construção principal. Havia muitas pirâmides, algumas com escadas, outras lisas; com bases triangulares ou quadradas, mas o que mais havia era uma espécie de casas semicirculares de diversas cores claras, com predominância do branco. 37
  • 38. Depois apareceram os habitantes daquele mundo. De cima eu os via transitar os caminhos, nadar nos rios e lagoas, tinham aparência humana, pelo menos vistos a distância; todos vestiam túnicas brancas, somente certos detalhes eram de outras cores: as franjas das bainhas ou os cintos. Não se via nenhuma cidade. - Não existem cidades em Ofir nem em nenhum outro planeta civilizado. As cidades são formas pré- históricas de convivência -disse Ami. - Por quê? - Porque elas têm muitos defeitos; um deles é que muitas pessoas em um mesmo ponto produzem um desequilíbrio que afeta tanto a elas como ao planeta. - Ao planeta? - Os planetas são seres vivos, com maior ou menor evolução. Somente vida produz vida. Tudo é inter- dependente, e tudo está inter-relacionado. O que ocorre à Terra afeta as pessoas que a habitam, e vice- versa. - Por que muitas pessoas em um mesmo ponto produzem um desequilibrio? - Porque não são felizes, e isso a Terra percebe. As pessoas precisam de espaço, árvores, flores, ar livre... - As pessoas mais evoluídas também? -perguntei confuso, porque Ami estava insinuando que as sociedades futuras viveriam em ambientes parecidos a "granjas", e eu pensava que ia ser exatamente o contrário: cidades artificiais em órbita, enormes edifícios-cidades, metrópoles subterrâneas, plástico por todos os lados; igual que nos filmes... - Sobretudo pessoas mais evoluídas -respondeu. - Pensava que era o contrário. - Se na Terra não pensassem tudo ao contrário, não estariam a ponto de se destruir novamente... - E estas pessoas de Ofir, não querem voltar à Terra? - Não. - E por quê? - Ao deixar o ninho, os adultos não voltam ao berço, é pequeno para eles... 38