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Mirandolina,a hoteleira
de Carlo Goldoni
adaptação Silvio Selva

Personagens
Mirandolina
Conde
Marquês
Fabricio
Cavaleiro
Jurandir
Hortensia
Dejanira

1
2
ATO I
CENA 1
MARQUÊS: Entre o senhor e eu, há alguma diferença.
CONDE: Bem se percebe a diferença. Mas, infelizmente, aqui na hospedaria, seu
dinheiro tem o mesmo valor que o meu.
MARQUÊS: Mas, se a hoteleira tem para a minha pessoa certas atenções especiais, Isto
é porque eu as mereço muito mais que o senhor.
CONDE: Por que razão? Vejamos!
MARQUÊS: Porque eu sou o marquês de Forlipópoli.
CONDE: E eu sou o conde de Albafiorita, muito prazer.
MARQUÊS: Condado comprado.
CONDE: Comprei meu título de conde na mesma hora em que o senhor vendeu seu
título de marquês...
MARQUÊS: Basta! Eu sou quem sou, e o senhor me deve todo respeito.
CONDE: Ninguém tem a intenção de desrespeitar o senhor marquês... mas acontece que
o senhor, falando com muita liberdade...
MARQUÊS: Estou nesta hospedaria porque amo a hoteleira: Mirandolina... Todos os
sabem, e todos devem respeitar uma jovem que me agrada.
CONDE: Esta é boa! Tu queres impedir-me de cortejar Mirandolina? Por que razão
pensas que eu me encontro em Florença, nesta estalagem?
MARQUÊS: Está bem, está bem. O senhor não conseguirá nada.
CONDE: Eu não e o senhor, sim?
MARQUÊS: Eu sim e o senhor, não. E sou quem sou, e Mirandolina precisa da minha
proteção.
CONDE: Mirandolina precisa de dinheiro, não de proteção.
MARQUÊS: Dinheiro? Eu o tenho.
CONDE: Gasto mais de um escudo por dia, senhor marquês, e dou presentes a
Mirandolina quase que diariamente.
MARQUÊS: E eu não tenho o mau gosto de comentar publicamente o que eu faço.
CONDE: Não conta, mas sabe-se
MARQUÊS: Pensa-se que se sabe.
CONDE: Sabe-se sim senhor. Os criados falam. Três paulos... três pauletes... por dia!
MARQUÊS: A propósito de criados... há aqui esse tal de Fabrício...
CONDE: Sim, eu conheço.
MARQUÊS: Não gosto desse sujeito! Tenho a impressão de que a hoteleira simpatiza
muito com o rapaz.
CONDE: Pode ser que ela queira casar com ele. Não seria de todo mau. Afinal há seis
meses que o pai faleceu e uma rapariga, sozinha, numa estalagem, poderia ver-se
atrapalhada. Da minha parte, se ela se casar, prometi dar-lhe trezentos escudos.
MARQUÊS: Se ela se casar, quem lhe dará o dote serei eu... Eu sou seu protetor. Vou
lhe dar...
CONDE: Quanto?
MARQUÊS: Bem, bem, tenho meus planos.
CONDE: entendamos nos como bons amigos e fidalgos... Daremos trezentos escudos
cada um.
MARQUÊS: O que eu faço, meu amigo, faço-o secretamente. Tenho minha honra. Não
faço as coisas para me vangloriar. (bate palmas). Olá!...

2
3
CONDE: Este cara aqui é um desgraçado. É pobre, completamente arruinado, e ainda
com ares de imperador!
MARQUÊS: Olá!... (bate palmas).
CENA 2
FABRÍCIO: (entrando). Às suas ordens, senhor.
MARQUÊS: Senhor?! Quem te ensinou a educação?
FABRÍCIO: Peço desculpas.
CONDE: Diga, Fabrício: como vai a minha patroazinha?
FABRÍCIO: Vai muito bem, ilustríssimo.
MARQUÊS: Diga-me: a minha patroazinha já se levantou?
FABRÍCIO: Já sim, ilustríssimo.
MARQUÊS: Asno!...
FABRÍCIO: Por que, ilustríssimo?
MARQUÊS: Que história é essa de ilustríssimo?
FABRÍCIO: Foi o mesmo título que ofereci a este outro cavaleiro.
MARQUÊS: Entre este senhor e eu, há clara diferença.
CONDE: Percebe-se a diferença...
FABRÍCIO: Basta se olhar as contas.
MARQUÊS: Fabrício, vá lá dentro, chame sua patroa e diga-lhe que eu preciso falarlhe.
FABRÍCIO: Imediatamente, excelência. Errei, desta vez?
MARQUÊS: Não. Aliás, tu já o sabes há três meses. És um impertinente. Agora te vai.
FABRÍCIO: Sua licença, excelência. Acertei dessa vez?
MARQUÊS: Sim. Aliás já o sabes há três meses. És um impertinente. Vai-te embora.
Vai!
FABRÍCIO: Ilustríssimo... Excelência! Esse aqui é um arruinado! Fora do castelo, se
alguém quer respeito, precisa de dinheiro, não de títulos! (sai).
CENA 3
MARQUÊS: O senhor pensa que pode me esmagar com todo o seu dinheiro, mas não
conseguirá nada. Meu título vale muito mais do que toda a sua riqueza.
CONDE: Olha, senhor Marquês, nada sei de valores. Mas sei que só tem valor o que se
pode gastar.
MARQUÊS: Gaste a vontade, querido. Mirandolina não se interessa pelo senhor.
CONDE: E por acaso Mirandolina se interessa pela sua alta nobreza? O que é preciso é
dinheiro!
MARQUÊS: Que dinheiro e dinheiro, rapaz! A moça precisa de proteção: de alguém
que, a qualquer momento, esteja pronto para lhe prestar um favor.
CONDE: Exatamente. De alguém que, em caso de necessidade, possa emprestar-lhe,
digamos, duzentos felipes.
MARQUÊS: Um homem precisa inspirar respeito, confiança...
CONDE: Quando se tem dinheiro, todos confiam, todos respeitam.
MARQUÊS: O senhor não sabe o que diz!
CONDE: Olha que eu sei mais do que o senhor!
CENA 4

3
4
(entra o Cavaleiro de Ripafratta e Jurandir)
CAVALEIRO: Meus amigos, que barulho é esse? Estiveram discutindo outra vez?
CONDE: Senhor Cavaleiro, discutíamos um assunto da maior importância.
MARQUÊS: O senhor conde discute comigo os méritos da nobreza...
CONDE: Eu realmente não nego os méritos da nobreza. Apenas, sustento que para
satisfazer certos caprichos é necessário dinheiro.
CAVALEIRO: Realmente, meu caro marquês...
MARQUÊS: Bem, mudemos de assunto.
CAVALEIRO: Mas por que chegaram a esta discussão?
CONDE: Pela questão mais ridícula do mundo.
MARQUÊS: Realmente com o Conde tudo é ridículo.
CONDE: Senhor Cavaleiro, o nosso marquês está apaixonado pela hoteleira. Já eu a
amo, e creio que mais profundamente. O marquês pretende ser correspondido por
tributo à sua nobreza. Já eu, assim espero, como recompensa das minhas atenções
especiais. Não lhe parece uma questão ridícula?
MARQUÊS: O senhor ignora o empenho com o qual a protejo.
CONDE: Pois é. Ele a protege, e sou eu quem gasto.
CAVALEIRO: Ora, não vejo motivo menos digno para uma discussão entre cavaleiros.
Os senhores se alteram por causa de uma mulher? Basta um a mulher para deixá-los
assim? Uma mulher? Que coisa mais absurda! Uma mulher? Quanto a mim, não há
perigo que isso aconteça. Jamais as apreciei. Sempre as detestei. E tenho para mim que
a mulher representa para o homem uma espécie de doença; uma doença insuportável.
MARQUÊS: Não é assim também. Mirandolina, por exemplo, possui grandes
qualidades.
CONDE: Nisso o senhor marquês tem razão. A ragazza é realmente encantadora.
MARQUÊS: O simples fato de ter despertado um sentimento de amor num homem
como eu, demonstra que há nesta mulher algo de excepcional.
CAVALEIRO: Os senhores me fazem rir. Que poderá ter ela de tão extraordinário, que
qualquer outra não possua.
MARQUÊS: Têm modos amáveis, gestos nobres que cativam...
CONDE: É bonita, ela fala com propriedade, ela veste-se com anseio e tem um
agradável aroma de peperonni...
CAVALEIRO: Tudo vale menos que... um chazinho! Mirandolina É como todas as
outras.
MARQUÊS: Como as outras, não. Mirandolina tem algo mais. Eu, que já frequentei as
mais distintas damas, até hoje não encontrei uma mulher que reunisse como ela, o
encanto, o decoro e a decência.
CONDE: Já gastei fortunas em presentes; apesar disso, a rapariga não me deixa tocarlhe a ponta de um dedinho.
CAVALEIRO: Artes! Artes refinadas! Artes e artimanhas! Pobres loucos! Caíram na
armadilha! Quanto a mim não há o menor perigo. Mulheres? Para o diabo com todas
elas!
CONDE: Nunca esteve apaixonado?
CAVALEIRO: Nunca. E nunca estarei. Meus amigos já tentaram de tudo para que eu
me apaixonasse, mas eu sempre resisti.
MARQUÊS: Porém, o senhor é o único de sua família. O senhor nunca pensou na
sucessão?
CAVALEIRO: Pensei muitas vezes. Mas, quando penso que para ter filhos é preciso
suportar uma mulher, a vontade logo se esvai.
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5
CONDE: Que pretende fazer de sua fortuna?
CAVALEIRO: Desfrutá-la em paz, na companhia de bons amigos.
MARQUÊS: Pois a desfrutaremos!
CONDE: E nada para as mulheres?
CAVALEIRO: Não tocarão em nada do que é meu (voz de Mirandolina cantando).
CONDE: Eis aí a nossa hoteleira. Preste atenção e repare se não é encantadora.
CAVALEIRO: Acho quatro vezes mais valioso um bom cavalo de raça.
CENA 5
MIRANDOLINA: (entrando). Bom dia, ilustres cavaleiros. Qual dos senhores precisa
de mim?
MARQUÊS: Eu. Preciso falar-lhe, Mirandolina, mais não aqui.
MIRANDOLINA: E onde, senhor marquês? Posso saber?
MARQUÊS: No meu quarto.
MIRANDOLINA: No seu quarto? Se precisar de alguma coisa, o criado irá até lá, para
servi-lo.
CONDE: Eu, por mim, querida Mirandolina, não quero que se preocupe de ir até meu
quarto. Posso falar em público mesmo. Olha, chegou encomenda para ti. Olha estes
brincos. Repare. Admire-os. Gostas?
MIRADONDOLINA: Eles são lindos.
CONDE: Sabe, são de brilhantes. Fique com eles.
CAVALEIRO: Meu amigo! É jogar dinheiro fora.
MIRANDOLINA: Por que é que o senhor quer me dar este presente?
CONDE: Queira aceita-los.
MIRANDOLINA: Eu não posso. Desculpe...
CONDE: Ai, que se não aceitas, me causa um grande desgosto.
MIRANDOLINA: Não sei o que diga. Eu quero que os hóspedes desta locanda sejam
meus amigos. Para não dar um desgosto ao senhor Conde, só para isso, eu aceito.
CAVALEIRO: Espertinha...
CONDE: (ao Cavaleiro). Viu que delicadeza de sentimentos?
CAVALEIRO: Delicadeza? Pegou os brincos, e nem ao menos agradeceu.
MIRANDOLINA: Obrigada.
MARQUÊS: O senhor Conde cometeu uma ação muito elegante: presentear uma moça
publicamente por vaidade! Mirandolina! Quanto a mim, não precisa se preocupar,
falarei com você a sós. Sou um homem de honra.
MIRANDOLINA: Coitado! É um homem pobre. Pobre, minha gente! Senhores, se não
precisam mais de mim, vou-me embora.
CAVALEIRO: Um momento! A roupa de cama que me trouxe não me agrada nem um
pouco. Se não tiver coisa melhor nesta espelunca, serei obrigado eu mesmo a
providenciar.
MIRANDOLINA: É claro que temos algo melhor nesta hospedaria, senhor. E não terei
problemas em fornecê-lo para o senhor. Mas, acho que poderia pedir com mais cortesia.
CAVALEIRO: Onde gasto o meu dinheiro, não preciso agir com cerimônias.
CONDE: Tenha paciência com ele, Mirandolina. É um grande inimigo das mulheres.
CAVALEIRO: Não preciso da indulgência desta moça.
MIRANDOLINA: Que lhe fizeram as mulheres, senhor? Por que é tão cruel para
conosco?
CAVALEIRO: Basta! Comigo a senhora não tomará liberdades. Mande mudar a roupa
de cama. Aliás, mandarei o meu criado. Amigos, até mais ver. (sai).
5
6

CENA 6
MIRANDOLINA: Que urso! Nunca vi igual. Eu estou tão desgostosa com este
cavaleiro, que seria capaz de mandá-lo embora.
MARQUÊS e CONDE: Isso!
MARQUÊS: Se quiseres, eu o expulsarei! Conte com a minha proteção Mirandolina.
CONDE: Conte com a minha fortuna. Pagarei a lotação da locanda!
MIRANDOLINA: Muito obrigada senhores mais tenho coragem suficiente para dizer...
FABRICIO: (entrando). Senhor conde, tem um senhor a sua procura.
CONDE: Sabes quem é?
FABRICIO: Diz ser o joalheiro (a Mirandolina). Cuidado Mirandolina, este não é o seu
lugar.
CONDE: Ai o joalheiro! Havia me esquecido. Ele veio me mostrar umas joias que eu
encomendei. Creio que este brinco merece ser acompanhado.
MIRANDOLINA: Isso é demais, senhor conde.
CONDE: Não, não. Não me importo com o dinheiro. Importo-me em deixá-la piu bella.
Adeus, Mirandolina. Minhas homenagens, senhor marquês (sai)
CENA 7
MIRANDOLINA: Você viu, Senhor Marquês? O senhor Conde não se poupa
incômodos.
MARQUÊS: Esse tipo de gente, Mirandolina. Não pode ter um centavo que faz questão
de gastar por pura vaidade. Pensa que mulheres como você podem ser conquistadas com
presentes. Eu teria receio de insultá-la criando-lhe tais obrigações.
MIRANDOLINA: Não se preocupe, o senhor nunca me insultou.
MARQUÊS: E nunca a insultarei.
MIRANDOLINA: Ah! Eu tenho certeza!
MARQUÊS: Ah! Mas como eu gostaria de esta na posição do conde...
MIRANDOLINA: Devido talvez ao dinheiro.
MARQUÊS: Que dinheiro, Mirandolina, eu não ligo para essas coisas. Mas se eu fosse
um condeco, um mísero condezinho...Por setenta mil diabos, eu me casaria com
você!(sai)
CENA 8
MIRANDOLINA: Que maravilha! excelentíssimo sir. Marquês da miséria estaria
disposto a casar-se comigo? Acontece, porém, que haveria uma pequena dificuldade.
“Eu” não o quereria. Gosto do assado, não da fumaça. Se me tivesse casado com todos
aqueles que queriam (o que assim diziam), a esta hora, esta locanda estava cheio de
maridos! Todos os que vêm aqui se apaixonam, correm atrás de mim, e muitos, muitos,
falam até em casamento. Só esse tal de cavaleiro de Ripafratta que não gosta de
conversa comigo. Não digo que todo o mundo tem a obrigação de se apaixonar por
mim. Mas desprezar-me? Isto não. Isto me dá uma raiva... Inimigo das mulheres? Não
gosta delas? Pois bem! É que não encontrou ainda uma mulherzinha que soubesse puxálo pela coleira. Mas vai achá-la. Vai-se! É com estes sujeitos que eu fico terrível. Os que
suspiram por mim, logo me enjoam. A nobreza não se adapta a minha pessoa. A riqueza
me agrada e não me agrada. Todo o meu prazer consiste em ver os outros me adoram,
me desejam, me obedecem. Esta é a minha fraqueza. É a fraqueza de quase todas as
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mulheres. Quanto ao casamento, nem se fala: não preciso de ninguém; vivo
honestamente, mas não gosto realmente de ninguém. Gosto é de zombar destas
caricaturas de amantes desesperados. E farei de tudo para derrotar, esmagar e espezinhar
esses corações bárbaros e selvagens que nos hostilizam a nós, as mulheres, que somos a
melhor coisa produzida na face terra pela mama natureza .
CENA 9
FABRICIO: Patroa.
MIRANDOLINA: Oi?
FABRICIO: O hóspede do quarto ao lado está reclamando da roupa de cama, diz que é
muito ordinária e quer trocá-la.
MIRANDOLINA: Sim, vamos atendê-lo.
FABRICIO: A senhora pega a roupa de cama que eu a levarei.
MIRANDOLINA: Não, pode deixar que levarei eu mesma.
FABRICIO: Pessoalmente?
MIRANDOLINA: Pessoalmente.
FABRICIO: A senhora da atenção demais a este cavaleiro.
MIRANDOLINA: Eu dou atenção a todos meus hóspedes.
FABRICIO: Já estou vendo. Ela me dá esperanças e no final nada.
MIRANDOLINA: Coitado!
FABRICIO: Sempre fui eu quem cuidou do quarto dos hóspedes.
MIRANDOLINA: Mas você é muito brusco para com os forasteiros.
FABRICIO: Antes muito brusco que demasiado atencioso.
MIRANDOLINA: Se esta me dando conselhos saiba que não preciso deles.
FABRICIO: Então também precisa de um novo criado.
MIRANDOLINA: Por que, Fabrício? Está cansado de mim?
FABRICIO: Lembra-se do que disse o senhor seu pai antes de morrer.
MIRANDOLINA: Quando chegar a hora em que eu resolver me casar lembrarei do que
disse meu pai.
FABRICIO: Mas eu tenho estômago muito delicado. Não costumo gostar de certas
situações
MIRANDOLINA: O que você pensa, Fabrício? Que eu seja alguma leviana, alguma
louca, alguma namoradeira? Que é que me importam os hóspedes que entram e saem
desta locanda. Costumo tratá-los bem pela reputação desta casa. Não preciso de
dinheiro. Não preciso de presentes. Pra que então? Pra namorar? Para isto basta um... E
este não me falta. Quando chegar a hora em que eu resolver me casar lembrarei-me do
que disse meu pai. E quem tiver me servindo com sinceridade não terá do que se
queixar. Eu conheço a gratidão, Fabrício. Sei apreciar as boas qualidades. Vejo, porém,
que as minhas qualidades não são conhecidas nem apreciadas. Procure me entender, se
puder. Chega, Fabrício!... Cala boca, idiota!
FABRICIO: Quem vai entender uma mulher dessas? Quem o puder será um homem
extraordinário. Ela às vezes parece que me ama, as vezes que nem me quer. Diz que não
é leviana, porém faz tudo que lhe dá na cabeça. A verdade é que eu gosto dela. Eu
queria manter meus interesses sempre unidos aos dela. Eu vou fecha um olho e deixar o
tempo passar. Estes hóspedes que aparecem por aqui vão e vêm. Eu sempre fico. No
final, o melhor pedaço será meu.
CENA 10

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8
JURANDIR: Ai! Carta para o meu patrãozinho.
CAVALEIRO: Vá buscar o chocolate.
JURANDIR: Sim, senhor patrãozinho.
CAVALEIRO: Quem será? “Siena, dois de janeiro de 1753 – Horácio Ardenti – Meu
caro amigo, a terna e profunda amizade que me liga à sua pessoa, obriga-me a
comunicar-lhe, com toda a urgência, que é necessário que você regresse à cidade. O
conde Ernesto morreu... – Coitado! Era um bom sujeito – Deixou uma única filha,
herdeira de certo e cinquenta mil ducados. Todos os seus amigos desejam que esta
fortuna seja entregue às mãos de um bom homem honrado como você, e já estão
tratando com a família, a fim de preparar...” Chega! Não quero saber dessa história. Já
estão casados de saber que eu detesto mulheres, E este velho amigo ainda vem me
encher com propostas de casamento!... (rasga a carta). Para que deveria eu desejar cento
e cinquenta mil ducados? Vivendo sozinho preciso de muito menos, e casado o dobro
não bastaria. Casar eu? Prefiro a febre quartã!...
MARQUÊS: (entrando) O amigo da licença para visita de alguns minutos? Afinal, entre
nós é possível conversar como convém aos homens de qualidade, ao passo que aquele
condezinho não tem qualificação nem para dirigir-nos a palavra.
CAVALEIRO: Paciência meu caro marquês. Afinal é preciso respeitar se quiser ser
respeitado.
MARQUÊS: Costumo ser gentil para com todos, mas aquele sujeito me é insuportável.
CAVALEIRO: Insuportável só porque existe entre os dois uma pequena rivalidade de
amor. Francamente, meu caro marquês: o senhor que é um nobre, instruído, viajado,
perder o controle por conta de uma mulher?
MARQUÊS: Meu amigo, a verdade é que ela me enfeitiçou.
CAVALEIRO: Que absurdo! E porque será que esses feitiços sobre mim não agem? O
segredo está nos truques. Nas mistificações destas danadas criaturas. Fique longe delas
que não haverá perigo de bruxarias.
MARQUÊS: Mudemos de assunto, sim?
CAVALEIRO: (ameaça falar, mas já é cortado)
MARQUÊS: O que muito me incomoda é o administrador das minhas propriedades.
CAVALEIRO: Alguma irregularidade?
MARQUÊS: Não! Mas um descuido imperdoável. (Jurandir entra com o chocolate)
CAVALEIRO: Desculpe, senhor marquês. (ao criado) Traga outro imediatamente.
JURANDIR: É que acabou o chocolate, patrãozinho.
CAVALEIRO: Se o senhor quiser ficar com este...
MARQUÊS: (pega a xícara) Mas como eu ia dizendo, meu amigo. O administrador das
minhas propriedades... (bebe)
CAVALEIRO: Pegou meu chocolate.
MARQUÊS: ... prometeu me enviar pelo correio 25 escudos.
CAVALEIRO: Lá vem outra facada.
MARQUÊS: Mas, infelizmente, até agora.
CAVALEIRO: Provavelmente chegará amanhã ou depois.
MARQUÊS: A coisa é que... a coisa é que ...(bebe e devolve a xícara) estava ótimo! A
coisa é que tenho o que um negócio urgentíssimo e não sei o que fazer.
CAVALEIRO: Dia a mais, dia a menos...
MARQUÊS: Mas, o senhor, que é um homem de honra, sabe o peso da palavra
empenhada. Será que o senhor teria alguma dificuldade em me arranjar...
CAVALEIRO: Meu caro marquês se eu pudesse já teria ajudado o senhor. Acontece
que eu também estou esperando uma remessa...
MARQUÊS: E vai-me dizer que está sem dinheiro?
8
9
CAVALEIRO: Meu caro marquês veja só. Esta aqui é toda a minha fortuna.
MARQUÊS: Bom, empreste-me esse e...
CAVALEIRO: Mas é que eu...
MARQUÊS: O senhor dúvida de mim? Eu devolverei.
CAVALEIRO: Sirva-se!
MARQUÊS: Muito obrigado. Preciso ir. Eu tenho um negócio urgentíssimo para o qual
não posso me atrasar. Vemos-nos no almoço.
CAVALEIRO: Formidável! O senhor marquês das misérias queria me sangrar em vinte
e cinco escudos, acabou saindo só com um. Ele não devolverá, mas pelo menos, deixará
de me aborrecer. Mas o pior é que ele tomou todo o meu chocolate!
CENA 11
MIRANDOLINA: Dá licença?
CAVALEIRO: Entre.
MIRANDOLINA: (entrando) Trouxe a roupa de cama. A melhor que temos.
CAVALEIRO: Pode deixá-la aí.
MIRANDOLINA: Peço, por favor, que a examine para ver se lhe agrada.
CAVALEIRO: Que espécie de roupa é?
MIRANDOLINA: Os lençóis são de tela de Reims
CAVALEIRO: Tela de Reims.
MIRANDOLINA: Sim, senhor. 10 paulos a braça.
CAVALEIRO: Não precisava tanto, bastava que fossem um pouco melhor do que
aqueles que me trouxe.
MIRANDOLINA: Eu costumo guardar estes lençóis para os hóspedes de alto
tratamento. Em verdade, só fui buscá-los por se tratar do senhor. Se fosse outro freguês
não os daria.
CAVALEIRO: Aposto que diz o mesmo a todo mundo.
MIRANDOLINA: Então observe o jogo de mesa.
CAVALEIRO: Estas telas flamengas perdem muito depois de lavadas. Não precisava
estragá-las por minha causa.
MIRANDOLINA: Eu tenho muitos destes guardanapos. Quero reservá-los para o
senhor.
CAVALEIRO: (a parte) Realmente ela sabe tratar com cortesia.
MIRANDOLINA: Tem mesmo um ar de urso. Nem olha para as mulheres.
CAVALEIRO: Pode deixar aí. Meu criado toma conta de tudo.
MIRANDOLINA: Não, senhor! Faço questão de servi-lo. Gosto de servir pessoas
distintas.
CAVALEIRO: Está bem, como quiser! Mulheres, pura bajulação.
MIRANDOLINA: Vou por a roupa de cama na alcova, sim?
CAVALEIRO: Como quiser.
MIRANDOLINA: Durinho ele, hein? Acho que deste não sai nada. (pausa) Senhor,
deseja alguma coisa para o almoço?
CAVALEIRO: Qualquer coisa, o que tiver.
MIRANDOLINA: Eu gostaria de saber se tem alguma preferência. Pois eu não teria
problema em providenciar para o senhor.
CAVALEIRO: Se eu precisar, mandarei o criado.
MIRANDOLINA: É que os homens com essas coisas não são pacientes e atenciosos
como as mulheres.

9
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CAVALEIRO: Escute aqui minha senhora. Sou muito grato pela atenção, mas fique
sabendo que nem desta maneira a senhora conseguirá fazer comigo o que fez com o
marquês e com o conde, entendeu?
MIRANDOLINA: O que é que o senhor acha da futilidade destes dois cavaleiros? Mal
chegam a uma locanda e querem logo namorar a locandeira. Aí, meu caro senhor, a
gente tem mais o que fazer. Se dissermos uma ou outra palavra gentil, é para que não se
aborreçam. Mas eu quando vejo que estão alimentando ilusões, rio-me a grande!
CAVALEIRO: Muito bem. Eu gosto da sua sinceridade.
MIRANDOLNA: É uma única qualidade que possuo.
CAVALEIRO: Entretanto, sabe fingir muito bem com quem a corteja.
MIRANDOLINA: Fingir? Deus me livre! Não sou criança, já vivi o bastante. Não sou
bonita, mas já tive umas boas oportunidades. Não casei porque não quis e porque
aprecio infinitamente a minha liberdade.
CAVALEIRO: A liberdade é tesouro muito precioso.
MIRANDOLINA: E muitos o jogam fora estupidamente.
CAVALEIRO: Eu sei o que faço. Fico bem longe disso tudo.
MIRANDOLINA: O senhor, não é casado?
JURANDIR (ri)
CAVALEIRO: Deus me livre! (Acena para Jurandir sair) Não quero saber de mulheres.
MIRANDOLINA: Faz muito bem meu senhor.
CAVALEIRO: A senhora é a primeira mulher que eu escuto falar desta maneira.
MIRANDOLINA: É que na nossa profissão somos obrigadas a ver e a ouvir muitas
coisas... Por isso compreendo que certos homens tenham medo do sexo feminino.
CAVALEIRO: Estranha criatura.
MIRANDOLINA: Agora, se o senhor me dá licença, eu vou-me embora.
CAVALEIRO: Tem tanta pressa?
MIRANDOLINA: Não queria importuná-lo.
CAVALEIRO: Ao contrário. Até me agrada.
MIRANDOLINA: Está vendo?! É o que eu faço com todos, Demoro-me alguns
minutos, conto umas histórias, umas pilhérias, só para diverti-los, eles vão logo
pensando...
CAVALEIRO: Isto acontece porque a senhora é muito amável.
MIRANDOLINA: Bondade sua excelência.
CAVALEIRO: E os bobos se apaixonam.
MIRANDOLINA: Que fraqueza! Que falta de caráter. Apaixonar-se assim. Sem mais
nem menos.
CAVALEIRO: Está aí uma coisa que eu nunca pude entender.
MIRANDOLINA: Indigna de um verdadeiro homem.
CAVALEIRO: Tolices... Misérias da humanidade!
MIRANDOLINA: Quem me dera todos os homens fossem como o senhor. Dê-me sua
mão, senhor.
CAVALEIRO: Por quê?
MIRANDOLINA: Conceda-me este favor, excelência. Veja a minha mão é limpa.
CAVALEIRO: Aqui está a mão.
MIRANDOLINA: É a primeira vez que tenho a honra de segurar a mão de um
verdadeiro homem.
CAVALEIRO: Está bem. Agora chega.
MIRANDOLINA: Esta vendo! Se eu tivesse dado a mão a um daqueles gaiatos, logo
pensariam que eu estava querendo Deus sabe o que. Ou, então, desmaiaria. Como é bom
poder conversar livremente, sem insinuações ridículas, sem caricaturas absurdas, sem
10
11
imaginar que... Desculpe minha impertinência. Em tudo que precisar, disponha de mim.
Com o senhor, eu sei que posso tratar francamente, sem imaginar que queira fazer mau
juízo das minhas atenções.
CAVALEIRO: Que diabo terá ela, que eu não entendo?
MIRANDOLINA: O urso esta ficando mansinho.
CAVALEIRO: Bem, pode ir.
MIRANDOLINA: Obrigada, senhor. Eu preciso mesmo cuidar dos negócios da casa.
São estes meus namoros, as minhas diversões. Em tudo que precisar, me chame! E eu
mandarei o criado.
CAVALEIRO: Se a senhora quiser aparecer, será bem vinda.
MIRANDOLINA: É que eu nunca vou aos quartos dos hóspedes. Mas aqui, é diferente:
Aqui, vez ou outra, aparecerei.
CAVALEIRO: E porque logo aqui?
MIRANDOLINA: Porque... Se me permite dizer, excelência, eu gosto um bocado do
senhor.
CAVALEIRO: Gosta de mim?
MIRANDOLINA: Gosto porque não é um destes galanteadores. Macacos me mordam
se amanha não esta babando por mim (sai).
CAVALEIRO: É, eu sei o que faço. Esta me faria cair mais facilmente do que as outras.
Tem certa franqueza, certo desembaraço, que é pouco comum. Tem algo de
extraordinário, mas nem por isso vou cair no laço. Se fosse uma simples brincadeira,
certamente escolheria esta, sem dúvida... Mas o perigo é o amor, a perda da liberdade.
Eu não sou um destes homens que se apaixonam por mulheres! (sai).
CENA 12
(Entram Fabrício, Hortênsia e Dejanira)
FABRÍCIO: Se as senhoras quiserem, posso lhes mostrar um quarto de dormir e uma
sala para jantar, receber, jogar, costurar.
HORTÊNSIA: Está bem, está bem. O senhor é o patrão ou criado?
FABRÍCIO: Criado, às ordens de Vossa Senhoria.
DEJANIRA: Ele nos trata por Senhoria.
HORTÊNSIA: Devemos responder a altura. Meu rapaz...
FABRÍCIO: Senhora.
HORTÊNSIA: Vá chamar o seu patrão. Precisamos falar com ele sobre as condições da
nossa estadia.
FABRÍCIO: A patroa já vem. Com licença. Quem serão estas duas senhoras sozinhas?
Pelo aspecto e pelas roupas, parecem grandes damas. (sai).
DEJANIRA: Ele nos tomou por damas.
HORTÊNSIA: Melhor. Assim seremos bem tratadas.
DEJANIRA: Mas pagaremos o dobro.
HORTÊNSIA: Quanto às contas terão de se ver comigo. Não nasci ontem.
DEJANIRA: Não queria que este engano causasse alguma complicação.
HORTÊNSIA: Criança, tens pouca presença de espírito! Como que nós, duas
comediantes, acostumadas a representar marquesas, condessas e até princesas, teriam
alguma dificuldade em representar duas damas no palco desta hospedaria?
DEJANIRA: Chegarão os nossos companheiros e seremos desmascaradas.
HORTÊNSIA: Ora, de Pisa a Florença num barquinho no rio... três dias no mínimo.
DEJANIRA: Que estupidez viajar de navío.
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HORTÊNSIA: Falta de prata. Bom fomos nós que pudemos vir de carruagem.
DEJANIRA: Aquela recita que fizemos foi mesmo extraordinária.
HORTÊNSIA: Sim, mas se não estivesse eu à porta, não daria resultado.
FABRÍCIO: (voltando). A patroa já vem.
HORTÊNSIA: Está bem.
FABRÍCIO: Já servi algumas damas ilustres, e o mesmo farei com vossas senhorias.
Disponham de mim a vontade.
HORTÊNSIA: Se precisarmos utilizaremos seus préstimos, meu rapaz.
DEJANIRA: Hortênsia, nestes papéis, é formidável!
FABRÍCIO: E agora, se me dão licença, nobres senhoras, preciso anotar seus ilustres
nomes neste caderninho.
DEJANIRA: Pronto. Já começou.
HORTÊNSIA: Por que deveria eu revelar o meu nome a você?
FABRÍCIO: É que o governo nos obriga a registrar, nome, condição, pátria de origem e
dia de chegada, de todos os passageiros que aqui vem se hospedar. E se não o fizermos,
ai de nós!
DEJANIRA: Acabou-se a festa.
HORTÊNSIA: Muitos devem dar um nome falso.
FABRÍCIO: Isto não nos interessa. Escreve-se apenas o que o freguês vai ditando, e
nada mais.
HORTÊNSIA: Pois então escreva aí. Baronesa Hortênsia de Monte claro, com dois
“tes.”, parlemitana.
FABRÍCIO: Siciliana... sangue quente. E a senhora?
DEJANIRA: Eu não sei o que dizer.
HORTÊNSIA: Vamos, condessa Dejanira, diga seu nome ao rapaz.
FABRÍCIO: Sim, por favor.
DEJANIRA: Pois não ouviu?
FABRÍCIO: Excelentíssima senhora condessa Dejanira... e o sobrenome?
DEJANIRA: O sobrenome também?
HORTÊNSIA: Condessa Dejanira dos Bugalhos, romana.
FABRÍCIO: Pronto. Não precisa mais nada. Desculpem a maçada. A patroa já vem.
Logo vi que se tratava de damas! Vão chover gorjetas. (sai).
DEJANIRA: Ponho-me humildemente às ordens da baronesa.
HORTÊNSIA: E a vós presto solenes homenagens, Condessa.
DEJANIRA: A que devo a sublime fortuna que me dá a honra de cumprimentar a vossa
grandeza?
HORTÊNSIA: Do meu coração estão jorrando torrentes de agradecimentos.
DEJANIRA: Quereis lisonjear-me?
(entra Mirandolina).
HORTÊNSIA: Não. A senhora condessa merece muito mais.
MIRANDOLINA: Que damas cerimoniosas!
DEJANIRA: Ai que coisa engraçada!
HORTÊNSIA: Cala-te! A patroa está aí.
MIRANDOLINA: Bom dia, minhas senhoras
HORTÊNSIA: Muito bom dia, mocinha.
DEJANIRA: Ah! Patroa, muito prazer.
HORTÊNSIA: Cuidado...
MIRANDOLINA: Permita que eu lhe beije a mão.
HORTÊNSIA: Vejo que és bem educada.
MIRANDOLINA: A senhora também.
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DEJANIRA: Não precisa.
HORTÊNSIA: Vamos, condessa Dejanira, seja gentil com a moça e dê-lhe a mão.
MIRANDOLINA: Se me permite...
DEJANIRA: Pegue. (dá-lhe a mão e ri).
MIRANDOLINA: A senhora está rindo?
HORTÊNSIA: A condessa está rindo de mim. Imagine só que lhe contei uma história
agora pouco e ela achou graça.
MIRANDOLINA: Aposto que não são damas. Se o fossem, não estariam sozinhas.
HORTÊNSIA: Bom, precisamos falar sobre as condições da nossa estadia, sim?
MIRANDOLINA: Sim. As senhoras estão sozinhas. Não têm cavaleiros, não têm
criados, não têm ninguém?
HORTÊNSIA: É que o barão, o meu marido...
DEJANIRA: (ri).
MIRANDOLINA: Por que ri, senhora condessa?
HORTÊNSIA: Isso mesmo. Por que ri?
DEJANIRA: É que o barão...
HORTÊNSIA: Ah! Sim! É que o barão, meu marido, é um homem muito espirituoso.
Conta umas anedotas. A senhora terá o prazer de conhecê-lo em breve. Chegará com o
conde Horácio, o esposo desta senhora. (Dejanira ri).
MIRANDOLINA: O senhor conde também a faz rir?
HORTÊNSIA: Vamos, senhora condessa, procure controlar–se.
MIRANDOLINA: Minhas senhoras façam-me um favor. Estamos sozinhas, ninguém
nos escuta. Este condado, esta baronia, não seria por acaso...
HORTÊNSIA: O que é que a senhora está querendo dizer com isso? Por acaso, a
senhora duvida de nossa nobreza?
MIRANDOLINA: Não se altere, senhora, se não fará rir a senhora condessa.
DEJANIRA: Afinal, pra que...
HORTÊNSIA: Condessa, condessa, condessa!
MIRANDOLINA: Sei o que a senhora queria dizer.
DEJANIRA: Se adivinhou é muito inteligente.
MIRANDOLINA: Pra que fingirmos se não somos damas?
DEJANIRA: A senhora nos reconheceu?
HORTÊNSIA: Grande comediante, não!? Não consegue sustentar um papel!
DEJANIRA: Fora de cena eu não sei fingir.
MIRANDOLINA: Muito bem. Gosto de ver que é espirituosa, e que é muito franca.
HORTÊNSIA: Foi uma brincadeirinha inocente.
MIRANDOLINA: Eu também gosto de brincar. Fiquem na hospedaria o quanto
quiserem. Vou lhes dar o apartamento que Fabrício prometeu. Com uma condição: se
chegarem hóspedes de importância, as senhoras se mudarão, e lhes arranjarei uns
quartos bem confortáveis.
DEJANIRA: Combinado.
HORTÊNSIA: Onde gasto o meu dinheiro pretendo ser tratada como uma dama.
Enquanto estiver pagando não deixarei o apartamento.
MIRANDOLINA: Senhora baronesa, seja boazinha.
CENA 13
(entra Marquês).

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MIRANDOLINA: Oh, eis o nosso marquês. Um cavaleiro que mora aqui há vários dias.
Quando vê mulheres, logo aparece.
DEJANIRA: É marquês, marquês mesmo?
MIRANDOLINA: Sim.
HORTÊNSIA: Rico?
MIRANDOLINA: Não sei. Não me meto na vida dos hóspedes.
MARQUÊS: Dão licença? Incomodo?
HORTÊNSIA: Absolutamente.
MARQUÊS: Bom dia às lindas damas.
DEJANIRA: Bom dia, cavaleiro.
HORTÊNSIA: Às suas ordens, senhor.
MARQUÊS: São forasteiras?
MIRANDOLINA: Sim. Vieram morar aqui. Deram-me essa honra.
MARQUÊS: Honra? Quem são essas digníssimas damas?
MIRANDOLINA: A dama de vermelho é a baronesa Hortênsia de Monte claro.
HORTÊNSIA: Com dois “tes.”.
MIRANDOLINA: E aquela ali é a condessa Dejanira dos Bugalhos.
MARQUÊS: Grandes damas em verdade.
DEJANIRA: A mocinha quer prolongar a brincadeira.
HORTÊNSIA: Qual é a sua graça, senhor?
MARQUÊS: Eu sou o Marquês de Forlipópoli.
HORTÊNSIA: Muito prazer, senhor marquês.
MARQUÊS: Disponham de mim. É uma grande honra ter as senhoras aqui. Escolheram
bem. A hoteleira é muito atenciosa.
MIRANDOLINA: O senhor marquês que é muito gentil. Estou sob a sua proteção.
MARQUÊS: Eu a protejo, e protejo a todos que vem morar aqui. Repito: disponham de
mim.
HORTÊNSIA: Obrigada, senhor marquês.
DEJANIRA: Muito obrigada.
(Marquês tira um lenço).
MIRANDOLINA: Que lindo lenço, senhor Marquês.
MARQUÊS: Acha? Não é verdade que eu tenho um ótimo gosto?
MIRANDOLINA: O lenço é de ótimo gosto.
MARQUÊS: Já viu um lenço mais bonito?
HORTÊNSIA: Nunca. É maravilhoso. (a parte) Bem que eu o aceitaria como presente.
MARQUÊS: Vem de Londres.
DEJANIRA: É muito bonito. (a parte). Devia oferecê-lo a mim.
MARQUÊS: Aqui nesta hospedaria há tal de conde, que tem dinheiro, e não sabe gastar.
Esbanja fortunas e não compra um objeto de valor.
MIRANDOLINA: O senhor marquês conhece, sabe, distingue, vê e entende.
MARQUÊS: O segredo está em saber dobrar estes lenços para que não se estraguem.
São coisas que devem ser guardadas com cuidado. Tome.
MIRANDOLINA: Quer que eu guarde no seu quarto?
MARQUÊS: Não. Guarde no seu.
MIRANDOLINA: No meu, por quê?
MARQUÊS: Porque é um presente.
MIRANDOLINA: Desculpe, excelência, mas...
MARQUÊS: Quer me ofender?
MIRANDOLINA: Não! Isso nunca! O senhor marquês sabe que não quero ofender
ninguém. E para não lhe dar esse desgosto, só para isso, eu aceitarei.
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DEJANIRA: Ela é sabida!
HORTÊNSIA: Depois falam de nós, comediantes.
MARQUÊS: As senhoras viram? Um lenço de Londres e eu dei a nossa hoteleirazinha.
HORTÊNSIA: O senhor é muito generoso.
MARQUÊS: Eu sou assim.
MIRANDOLINA: (A parte). Francamente, é o primeiro presente que me faz.
DEJANIRA: Senhor marquês, será difícil encontrar em Florença um lenço igual a este?
Gostaria de ter um.
MARQUÊS: Igual a este será difícil. Mas procuraremos.
MIRANDOLINA: Muito bem a condessinha.
HORTÊNSIA: Senhor marquês, já que conhece tão bem a cidade, poderia me enviar um
sapateiro de luxo?
MARQUÊS: Diante de tal preciosidade, mandarei o meu.
MIRANDOLINA: Ótimo. Todas em cima dele. E não tem um centavo!
HORTÊNSIA: Faça-nos companhia, senhor marquês.
DEJANIRA: Almoce conosco, senhor marquês.
MARQUÊS: Comerei até o último pedaço. (para Mirandolina). Não fique com ciúmes,
Mirandolina. Você sabe que meu coração a ti pertence.
MIRANDOLINA: Não, fique a vontade. Acho bom que se divirta. Vai lá broto!
HORTÊNSIA: O senhor será o nosso cicerone.
DEJANIRA: Não conhecemos ninguém. Contamos com o senhor.
MARQUÊS: Estou aqui para servi-las.
CONDE: (entrando). Surpresa. Mirandolina. Estava à sua procura.
MIRANDOLINA: Estou aqui, com estas damas.
CONDE: Damas? Muito prazer em conhecê-las.
HORTÊNSIA: O prazer é todo meu. (a parte) Este me parece melhor ainda.
DEJANIRA: O diabo é que eu não sei tratar com estes trouxas.
MARQUÊS: (Para Mirandolina). Mostre o lenço.
MIRANDOLINA: Olhe, senhor conde, o lindo lenço que o marquês me deu!
CONDE: Formidável! Bravos, senhor marquês.
MARQUÊS: Oh! Não foi nada. Tolices. Mirandolina: guarde o lenço. O que eu faço
não é para ser divulgado.
MIRANDOLINA: (A parte). Não quer que se saiba, mas manda mostrar. Pobre
marquês! Meio miséria e meio empáfia.
CONDE: Se as senhoras me dão licença, gostaria de dizer duas palavrinhas a
Mirandolina.
HORTÊNSIA: Fique à vontade.
MARQUÊS: Guardando o lenço assim, você o estragará.
MIRANDOLINA: Vou colocá-lo no algodão, assim não se machucará.
CONDE: Olhe, Mirandolina: é um anel de brilhantes.
MIRANDOLINA: Lindo.
CONDE: Tem o mesmo feitio dos brincos que eu lhe dei.
MIRANDOLINA: Combina perfeitamente. Mas é ainda mais precioso.
MARQUÊS: Maldito seja esse conde, com todo o seu dinheiro e os mil diabos que o
carreguem!
CONDE: Faço questão que aceite este anel para completar o enfeite.
MIRANDOLINA: Não quero, absolutamente.
CONDE: Você não me fará um desgosto desses.
MIRANDOLINA: Deus sabe que não quero deixá-lo desgostoso. E para prová-lo, só
para isso, eu aceitarei. Veja, senhor Marques, olha a joia que eu ganhei.
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MARQUÊS: Em seu gênero, o lenço é coisa muito mais fina.
MIRANDOLINA: É que entre um gênero e outro há alguma diferença.
MARQUÊS: O que é muito deselegante é este sistema de se gabar em público das
despesas que se faz.
CONDE: É verdade: os presentes do senhor marquês são absolutamente secretos.
MIRANDOLINA: Eles brigam, e quem ganha sou eu.
MARQUÊS: Queridas damas, estou às suas ordens. Vamos almoçar? (ao conde). Elas
me convidaram.
HORTÊNSIA: Qual é a sua graça, senhor?
CONDE: Eu sou o conde de Albafiorita, para servi-la.
DEJANIRA: Diabo que é um ricaço famoso!
HORTÊNSIA: Mora aqui?
CONDE: Provisoriamente.
DEJANIRA: Vai ficar muito tempo?
CONDE: Acho que sim.
HORTÊNSIA: De onde é o senhor?
CONDE: Napolitano, senhora.
HORTÊNSIA: Somos do mesmo estado. Eu sou parlemitana.
DEJANIRA: Eu sou romana, mas vivi muito tempo em Nápoles. Aliás, tenho lá alguns
negócios e preciso muito falar sobre isso com algum napolitano.
CONDE: Estou às suas ordens. As senhoras estão sozinhas?
MARQUÊS: Estão comigo.
HORTÊNSIA: Estamos absolutamente sozinhas por certas circunstâncias que lhe
contaremos mais tarde... em particular.
CONDE: Mirandolina!
MIRANDOLINA: Senhor?
CONDE: Mande preparar um almoço para três pessoas no meu quarto. As senhoras
aceitam, não é verdade?
HORTÊNSIA: Aceitam os com entusiasmo.
DEJANIRA (sai).
MARQUÊS: Mas eu fui convidado, e...
CONDE: Teria muito prazer em manter o convite, mas acontece que a minha mesa só
tem lugar para três pessoas.
MARQUÊS: Era só o que faltava...
HORTÊNSIA: Vamos, Vamos, senhor conde. O senhor marquês almoçará conosco
amanhã! Aliás, se encontrar aquele lenço, não se esqueça de nós. (sai)
MARQUÊS: O senhor me pagará por isso!
CONDE: O que foi que eu fiz?
MARQUÊS: Basta! Sou quem sou e tenho a minha dignidade, não estou acostumado a
ser tratado desta maneira. E aquela condessinha queria de mim um lenço!? Um lenço de
Londres? Nunca! Mirandolina, guarde com carinho o lenço que eu lhe dei. Brilhantes há
em todas as partes, mas um lenço como este é como você: única. (sai).
CONDE: Mirandolina, minha menina, se zangas se eu passo algum tempo com estas
damas?
MIRANDOLINA: Não, meu senhor.
CONDE: Olha, queridinha. Tudo que me pertence, pertence a ti: meu coração, minha
fortuna... E de tudo pode dispor, sendo dona e a rainha. (sai).
ATO II

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CENA 1

FABRÍCIO: Ô, Jurandir!
JURANDIR: (de fora) Que é?
FABRÍCIO: Fala pro seu patrão que a sopa está na mesa.
JURANDIR: (de fora) Fala você!
FABRÍCIO: Eu não! Ele é muito ranzinza.
JURANDIR: (de fora) Meu patrãozinho não é mau. Só não gosta das mulheres. Tirando
isso ele é muito... cortês!
FABRÍCIO: Ah, ele não gosta das mulheres! Ele tem um medinho delas... (entra
Cavaleiro) O almoço está pronto! (sai)
JURANDIR (entra)
CAVALEIRO: Vejo que este almoço chegou mais cedo que de costume.
JURANDIR: Ah, é que fomos servidos antes dos outros. Inclusive o Senhor Conde
ficou zangado, porque tinha convidado duas damas e não queria esperar. Mas a patroa
fez questão de que o meu patrãozinho fosse servido primeiro...
CAVALEIRO: Muito gentil da parte dela.
JURANDIR: Mirandolina é uma mulher boa. Em todo mundo nunca conheci uma
hoteleira tão... boa!
CAVALEIRO: Gostas dela, hem.?
JURANDIR: Ah, patrãozinho... se eu não estivesse tão acostumado com o senhor,
trabalharia com prazer para Dona Mirandolina.
CAVALEIRO: E que vantagem tiraria disso?
JURANDIR: Seria assim... uma espécie de cachorrinho fiel!
CAVALEIRO: Rola, então! Rola, vai! De pé! Toma! (dá um pedaço de pão e entrega os
pratos a Jurandir, que sai). Leva, leva! Cáspite, a mulherzinha encanta todo mundo!
Seria deveras engraçado se eu me encantasse também. Nada disso! Amanhã eu vou para
Livorno! Hoje ela pode se desdobrar em atenções especiais, mas logo perceberá que eu
não me deixo enfraquecer. Antes que eu supere minha aversão às mulheres, será preciso
muito mais!
JURANDIR: (voltando). Meu patrãozinho, a Dona Mirandolina mandou dizer que, se
não gostar de galinha, manda assar uma rolinha!
CAVALEIRO: Isto aqui, o que é?
JURANDIR: É o molho, que ela mesma fez, com as próprias mãos...
CAVALEIRO: Está me enchendo de cortesias! Hum, é muito bom! Diga a ela que eu
agradeço.
JURANDIR: Darei o recado.
CAVALEIRO: Vá avisá-la imediatamente!
JURANDIR: (à parte). O patrãozinho, mandando recadinhos para uma moça! Que
milagre! (sai).
CAVALEIRO: Este molho está muito bom! Se Mirandolina continuar assim, terá
sempre muitos fregueses. Mesa boa, roupa de boa qualidade... Mas o que mais me
impressiona é a sua franqueza. Afinal, por que é que não gosto das mulheres? Porque
são mentirosas, hipócritas, enganadoras... Mas uma sinceridade dessas...
JURANDIR: (entrando). Meu patrãozinho! Dona Mirandolina agradece a delicadeza
com que se dignou a agradecer a sua pequena homenagem!
CAVALEIRO: Muito bem, senhor embaixador, muito bem!
JURANDIR: Agora ela está cozinhando outro prato, mas não sei o que seja.
CAVALEIRO: Está cozinhando ela mesma?
JURANDIR: Ela mesma!
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CAVALEIRO: Traga mais vinho!
JURANDIR: Está bem, patrãozinho! (sai).
CAVALEIRO: Ela é realmente muito amável comigo. Vou pagar em dobro! Em suma,
tratá-la bem e fugir depressa! (a Jurandir, que volta). O Senhor Conde já está
almoçando?
JURANDIR: Começou agora. Ah, eu não te falei? Ele tem duas convidadas! Duas
moças muito bonitas!
CAVALEIRO: Quem são elas?
JURANDIR: Não conheço.
CAVALEIRO: Mas o Conde as conhecia?
JURANDIR: Acho que não! Mas logo que as viu convidou-as para almoçar.
CAVALEIRO: São essas as fraquezas dos homens! Então o Senhor Conde mal vê
chegar duas mulheres, e já se atraca com elas! Vai saber Deus quem são elas! Seja quem
for, são mulheres, e só isso já basta. Esse Conde vai se arruinar! E o Senhor Marquês já
está almoçando?
JURANDIR: Saiu... e não voltou.
CAVALEIRO: Almoçar com duas mulheres! Com suas caretas, me fariam perder o
apetite... (Batem à porta). Entra!
MIRANDOLINA: Com licença...
CAVALEIRO: Vamos, homem!
JURANDIR: O quê...?
CAVALEIRO: Tire o prato da mão da moça!
JURANDIR: Ah!
MIRANDOLINA: Não é necessário, faço questão de servir eu mesma.
CAVALEIRO: Isso não é ofício da senhora.
MIRANDOLINA: Quem sou eu, afinal, alguma dama? Sou apenas uma serva de quem
desejar se hospedar na minha locanda.
CAVALEIRO: (à parte). Que humildade!
MIRANDOLINA: Em verdade, eu não teria problemas em servir todos os hóspedes. Se
não o faço, é por motivos que o senhor bem sabe. É que aqui eu não tenho medo de
enfrentar situações desagradáveis.
CAVALEIRO: Está bem. Isto aí, o que é?
MIRANDOLINA: É um pratinho especial que eu mesma fiz com minhas próprias mãos.
CAVALEIRO: Se foi a senhora quem fez, deve estar bom. Deve estar muito bom.
MIRANDOLINA: Eu não tenho grandes habilidades, mas gostaria de ter para satisfazer
um cavaleiro tão simpático.
CAVALEIRO: (à parte). Amanhã eu vou pra Livorno! (a Mirandolina). Pode deixar
tudo aí. Não precisa se incomodar.
MIRANDOLINA: Não há incomodo, senhor! Eu quero mesmo ficar para ver se esse
pratinho lhe agrada.
CAVALEIRO: Está bem. Vou experimentar... Hum! É muito bom! Só não entendo o
que seja.
MIRANDOLINA: A arte tem seus segredos, meu senhor. Pelo visto eu possuo um
pouquinho dessa arte.
CAVALEIRO: (a Jurandir). Traga mais vinho!
MIRANDOLINA: Para acompanhar este prato, é bom que seja algo especial.
CAVALEIRO: Então traga o Borgonha.
MIRANDOLINA: Muito bem! O Borgonha é uma preciosidade. Em minha opinião, é o
melhor vinho para acompanhar as refeições.
CAVALEIRO: Vejo que tem bom gosto!
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MIRANDOLINA: Com efeito, é raro que eu me engane!
CAVALEIRO: Á sua saúde.
MIRANDOLINA: Muito obrigada, estou muito honrada.
CAVALEIRO: Este vinho é muito bom!
MIRANDOLINA: Adoro Borgonha!
CAVALEIRO: Se quiser, sirva-se.
MIRANDOLINA: Ah, não, obrigada, senhor!
CAVALEIRO: Já almoçou?
MIRANDOLINA: Já, excelência.
CAVALEIRO: Então aceite um gole.
MIRANDOLINA: Não se incomode por mim.
CAVALEIRO: Aceite.
MIRANDOLINA: Já que o senhor insiste...
CAVALEIRO: Traz um copo para moça!
MIRANDOLINA: Não precisa, beberei neste.
CAVALEIRO: Mas desse eu já bebi!
MIRANDOLINA: Agora sei seus segredinhos!
CAVALEIRO: (à parte). Espertinha!
MIRANDOLINA: Eu não beberei mais porque receio que me faça mal.
CAVALEIRO: Não há perigo.
MIRANDOLINA: Talvez com um pedaço de pão.
CAVALEIRO: Sirva-se.
MIRANDOLINA: Muito obrigada, excelência!
CAVALEIRO: Vejo que está um pouco desajeitada... Melhor sentar-se. Homem, uma
cadeira!
MIRANDOLINA: Não, de maneira alguma, senhor. Não posso! Se o Senhor Conde ou
o Senhor Marquês me virem aqui, coitada de mim!
CAVALEIRO: Por quê?
MIRANDOLINA: Porque mil vezes me convidaram e eu nunca aceitei!
CAVALEIRO: Vamos, sente-se.
MIRANDOLINA: Obedeço, senhor.
CAVALEIRO: Ei, homem! Não diga a ninguém que essa mulher sentou-se à minha
mesa!
JURANDIR: Fica tranquilo! (à parte). Ih, não estou entendendo mais nada!
MIRANDOLINA: Bebo à saúde de tudo o que mais agrada à Vossa Excelência!
CAVALEIRO: Obrigado!
MIRANDOLINA: Esse brinde evidentemente não inclui as mulheres.
CAVALEIRO: Não? Por quê?
MIRANDOLINA: Porque eu sei que o senhor não gosta delas.
CAVALEIRO: É verdade. Nunca as apreciei mesmo.
MIRANDOLINA: Continue assim, senhor.
CAVALEIRO: Receio, porém...
MIRANDOLINA: O quê?
CAVALEIRO: Receio que a senhora me faça mudar de opinião.
MIRANDOLINA: Eu? De que maneira, senhor?
CAVALEIRO: Ei, homem, pode ir!
JURANDIR: O senhor precisa de alguma coisa?
CAVALEIRO: Vá até a cozinha e mande preparar dois ovos!
JURANDIR: Ovos quentes? Ovos fritos? Ovos duros?
CAVALEIRO: Ovos! Vai!
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JURANDIR: Compreendi! (à parte). O patrão está esquentando... (sai).
CAVALEIRO: Mirandolina! Você é uma criatura encantadora!
MIRANDOLINA: O senhor está zombando de mim!
CAVALEIRO: Não! Em verdade, o que tenho para lhe dizer será praticamente a
proclamação de sua glória.
MIRANDOLINA: Então diga que eu escutarei com prazer...
CAVALEIRO: Você é a primeira mulher com que tenho prazer em tratar... E isso me
preocupa!
MIRANDOLINA: Mas isso não é nenhum grande mérito extraordinário, meu senhor! É
que às vezes o sangue de uma pessoa bate com o de outra. Essa coincidência de gênios,
essa simpatia, se dá mesmo entre desconhecidos. Eu também sinto pelo senhor o que
nunca senti por ninguém!
CAVALEIRO: Você é capaz de perturbar o meu sossego! Estou ficando preocupado!
MIRANDOLINA: Senhor, não caia na mesma fraqueza que os outros! Se eu perceber
isso, não virei mais aqui! Eu também sinto algo aqui dentro, algo que nunca senti antes!
Mas eu não posso perder a minha cabeça por causa de homens, ainda mais por um
homem que detesta as mulheres! Quem sabe se o senhor não quer experimentar-me,
para depois zombar de mim? Não, isso seria horrível! Dá mais um gole de Borgonha?
CAVALEIRO: Sim, claro!
MIRANDOLINA: (à parte). Ele está amolecendo!
CAVALEIRO: Vamos, tome. Cuidado...
MIRANDOLINA: O senhor não bebe?
CAVALEIRO: Ah, beberei, sim. (à parte). É preciso encher a cara, assim um diabo
enxotaria o outro!
MIRANDOLINA: Excelência! Toque aqui! Viva as pessoas que se gostam sem malícia!
Toque...
CAVALEIRO: Viva...
MARQUÊS: (entrando). Viva!
CAVALEIRO: O que é isso, senhor Marquês?
MARQUÊS: Peço desculpa. Chamei, mas ninguém atendeu.
MIRANDOLINA: Com licença! (faz menção de sair).
CAVALEIRO: Não, fique! Não me lembro de ter dado essas liberdades ao senhor!
MARQUÊS: Peço desculpa novamente, meu amigo! Pensei que o senhor estivesse
sozinho. Vejo com prazer que está na companhia da nossa adorável hoteleira... Que me
diz o senhor? Não é ela extraordinária?
MIRANDOLINA: Senhor Marquês! Eu vim aqui exclusivamente para servir o almoço
ao Senhor Cavaleiro. Mas eu tive uma tontura, e ele me ofereceu um gole de Borgonha.
MARQUÊS: É Borgonha mesmo?
CAVALEIRO: Sim.
MARQUÊS: Mesmo, mesmo?
CAVALEIRO: Foi o que me garantiram.
MARQUÊS: Eu sou entendido de vinhos! Deixe-me provar e eu vou logo dizer se é
autêntico ou não.
CAVALEIRO: (a Jurandir) Ei, homem! Traz um copo para o Marquês!
MARQUÊS: Mas não desses copinhos pequenos. Borgonha não é licor! Para prová-lo, é
necessário que se beba bastante!
JURANDIR: (entrando). Patrãozinho, aqui estão os ovos!
CAVALEIRO: Eu não quero mais nada!
MARQUÊS: Que prato é esse?
CAVALEIRO: Ovos!
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MARQUÊS: Não gosto!
MIRANDOLINA: Senhor Marquês! Com a licença de meu ilustre hóspede, queira
experimentar este pratinho que eu mesma fiz com minhas próprias mãos...
MARQUÊS: Naturalmente! (a Jurandir). Ei, homem! Traz uma cadeira e um garfo!
CAVALEIRO: Um garfo também!
MIRANDOLINA: Senhores, vou-me embora. Já estou melhor.
MARQUÊS: Vai tão cedo?
MIRANDOLINA: O Senhor Cavaleiro provavelmente...
MARQUÊS: O Senhor Cavaleiro dá licença que Mirandolina fique, não é verdade?
CAVALEIRO: Por que razão?
MARQUÊS: Porque eu gostaria que o senhor experimentasse um vinho de Chipre que
eu tenho. É uma verdadeira preciosidade, e gostaria que Mirandolina me desse sua
opinião.
CAVALEIRO: Vamos, fique. Para agradar o Senhor Marquês...
MIRANDOLINA: O Senhor Marquês me desculpará.
MARQUÊS: E o vinho de Chipre?
MIRANDOLINA: Fica para outro dia.
CAVALEIRO: Vamos, fique!
MIRANDOLINA: É uma ordem?
CAVALEIRO: Não, é um pedido.
MIRANDOLINA: Obedeço, senhor.
CAVALEIRO: (à parte). É realmente muito amável comigo!
MARQUÊS: Hum, está ótimo! Está pronta para casar!
CAVALEIRO: (à Mirandolina). O Marquês vai ficar com ciúmes, lhe vendo tão perto
de mim.
MIRANDOLINA: Pouco me importa o que ele pensa.
CAVALEIRO: Você também é inimiga dos homens?
MIRANDOLINA: Tanto quanto o senhor é inimigo das mulheres.
CAVALEIRO: É... mas minhas inimigas estão se vingando de mim.
MIRANDOLINA: Não entendo, senhor...
CAVALEIRO: Está vendo perfeitamente... Sabidinha!
MARQUÊS: À sua saúde, meu amigo! (bebe o vinho de Borgonha).
CAVALEIRO: Então? Gostou?
MARQUÊS: Quero ser franco com o senhor. Não vale nada. O senhor precisa experimentar o meu vinho
de Chipre!

CAVALEIRO: Onde está esse vinho, então?
MARQUÊS: Está aqui comigo. Eu o trouxe para cá. Quero que seja uma verdadeira
festa para todos! Ei-lo!
MIRANDOLINA: Pelo visto senhor Marquês quer evitar que nos embriaguemos...
MARQUÊS: Com efeito, deve ser bebido gota a gota, como essência de melissa. Ei,
homem, traz os copinhos. Os senhores gostariam de experimentar o bouquet ? (Jurandir
traz os copos). Não tem copos menores?
CAVALEIRO: Traga os de licor!
MIRANDOLINA: Nem é preciso provar; cheira-se e basta!
MARQUÊS: Ah, com efeito, o bouquet deste vinho é realmente divinal! (Jurandir traz
os copinhos). Ótimo! Venha cá... Agora sim, vai ser uma festa pra todo mundo! É néctar
destilado! É a bebida dos deuses! Saúde!
MIRANDOLINA: Saúde!
CAVALEIRO: Saúde!
MARQUÊS: Que delícia!
CAVALEIRO: (a Mirandolina). O que me diz desta porcaria?
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MIRANDOLINA: É água suja!
MARQUÊS: E então, o que me diz Cavaleiro?
CAVALEIRO: Realmente, é muito gostoso, senhor Marquês...
MARQUÊS: Viu só? E você, Mirandolina, o que acha?
MIRANDOLINA: Não gosto, acho-o péssimo, e não sei dizer o contrário. Talvez a arte
de dissimular seja uma virtude, mas que finge em uma coisa provavelmente fingirá em
todas as outras.
CAVALEIRO: (à parte). Ela está me censurando! Por que será?
MARQUÊS: Evidentemente, Mirandolina, você não compreende nada a respeito de
vinhos. É uma pena! Em matéria de lenço, você logo soube reconhecer o valor daquele
que eu lhe dei, mas com vinhos não é a mesma coisa.
MIRANDOLINA: Ele vive se gabando!
CAVALEIRO: Eu não faço isso.
MIRANDOLINA: O senhor se gaba de desprezar as mulheres!
CAVALEIRO: E a senhora, de conquistar todos os homens!
MIRANDOLINA: Todos, não!
CAVALEIRO: Todos, sim!
MARQUÊS: Ei, homem! Traze três copinhos!
MIRANDOLINA: Não! Não quero mais, obrigada!
CAVALEIRO: Não, muito obrigado!
MARQUÊS: Não é para os senhores! (Jurandir traz os copos e o Marquês enche-os com
muitos cuidados). Meu rapaz, peça licença ao seu patrão, e vá procurar o Conde de
Albafiorita. Diga-lhe que eu faço questão de oferecer o meu vinho de Chipre. Fale bem
alto e bem claro, para que todos ouçam.
JURANDIR: Perfeitamente. (à parte). Coitados! Vão ficar bêbados!(sai).
MARQUÊS: Bom, vou guardar um pouco deste tesouro.
MIRANDOLINA: Cuidado, que não lhe faça mal!
MARQUÊS: Mirandolina, só uma coisa me faz mal.
MIRANDOLINA: O que, senhor?
MARQUÊS: Seus olhos...
MIRANDOLINA: Verdade?
MARQUÊS: Cavaleiro, estou perdidamente apaixonado por esta mulher!
CAVALEIRO: Eu sinto muito.
MARQUÊS: É porque o senhor nunca amou, porque se tivesse amado teria pena de
mim.
CAVALEIRO: E tenho mesmo.
MARQUÊS: Além de tudo, sou ciumento. Só deixo que ela fique perto do senhor
porque sei que não há perigo.
CAVALEIRO: (à parte). Estou perdendo a paciência.
JURANDIR: (entrando). Sr, Marquês! O sr. Conde agradece a delicadeza e manda este
vinho das Canárias.
MARQUÊS: Agora ele quer comparar o meu vinho de Chipre com as suas Canárias!
Deixe estar. Não passa de uma infame mistura.
CAVALEIRO: Não julgue antes de experimentar.
MARQUÊS: Nunca! Isto aqui é mais uma impertinência do sr. Conde, que quer ser
maior em tudo. Quer ofender-me, quer provocar-me, para que eu faça alguma besteira.
Mas eu juro que, se eu a fizer, será a maior besteira de todas! Mirandolina, ou você
expulsa este homem daqui, ou haverá uma grande tragédia aqui dentro! Sou quem sou, e
não suportarei mais insultos! Boa noite! (sai).
JURANDIR (sai junto com o Marquês)
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CAVALEIRO: Está louco! Completamente louco!
MIRANDOLINA: Ficou furioso com a atitude do Conde, não foi?
CAVALEIRO: Ele está louco, e a culpada de tudo é você.
MIRANDOLINA: Você acha que uma pobre mulher como eu é capaz de enlouquecer
um homem?
CAVALEIRO: Acho! A senhora...
MIRANDOLINA: Ah, com licença, senhor!
CAVALEIRO: Mirandolina, espere!
MIRANDOLINA: Senhor, até logo!
CAVALEIRO: Espere, volte!
MIRANDOLINA: O que quer de mim?
CAVALEIRO: Tome mais um pouco de Borgonha.
MIRANDOLINA: Vamos, rápido! Preciso ir cuidar da minha vida!
CAVALEIRO: Sente-se.
MIRANDOLINA: De pé, de pé. Vou fazer um brinde que a minha vovó me ensinou:
“Viva o vinho, e viva o Amor. Um e outro a gente encanta: desce aquele até a garganta,
este chega ao coração. Bebo o vinho, e me despeço. Quanto ao resto, nada peço.” (sai).
CAVALEIRO: Bravos, bravos! Mirandolina, espere! Danada! Foi-se embora e me
deixou com mil diabos que me atormentam. “Bebo o vinho e me despeço - quanto ao
resto, nada peço”... Ah diaba! Quer-me engrupir, quer me assassinar! E o faz com um
jeitinho tão malicioso... Meu Deus, como ela é insinuante! Será que essa mulher... Não!
Eu vou para Livorno. Eu juro solenemente que nunca mais porei os pés onde haja
mulheres! Nunca mais! (sai).
CENA 2
CONDE: Este marquês de Forlipópoli é um tipo muito curioso. É nobre de nascença,
sem dúvida. Mas, primeiro o pai, depois ele, esbanjaram toda a sua fortuna. Sobrou-lhe
apenas do que viver. Mas o homem mesmo assim não resiste à tentação de se mostrar
importante.
HORTÊNSIA: Bem se vê que queria ser generoso, mas não consegue.
DEJANIRA: Faz uns presentes sem valor, e ainda quer que todo mundo o saiba.
CONDE: Seria um bom personagem para alguma comédia.
HORTÊNSIA: Pois deixe que chegue a companhia. Vamos armar uma boa brincadeira
à custa dele.
DEJANIRA: Tem uns atores muito bons pra imitar esses tipos.
CONDE: Mas, se quiserem lhe pregar uma peça, deverão continuar fingindo que são
damas.
HORTÊNSIA: Por mim, não há dúvidas. Agora, esta mulher não sabe ficar séria.
DEJANIRA: É que fora de cena, eu não sei fingir.
CONDE: De minha parte, fizeram muito bem em revelar-me a verdade. Só assim
poderei fazer algo por vós.
HORTÊNSIA: O senhor conde será o nosso protetor.
DEJANIRA: Somos amigas, e vamos dividir os seus favores em partes iguais.
CONDE: Olha, quero ser franco com vocês. Eu serei seu amigo e tentarei ajudá-las, mas
eu tenho cá uma obrigação que me impede de frequentar vossa casa.
HORTÊNSIA: Aposto que é caso de amor.
CONDE: Vou revelar-lhes outro segredo: trata-se da dona desta locanda.
HORTÊNSIA: Ora! Admira-me que o senhor Conde perca o seu tempo com uma
hoteleira qualquer!
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DEJANIRA: Bem melhor seria se o empregasse com uma comediante.
CONDE: Francamente, o amor com as comediantes não me agrada. Hoje estão cá,
amanhã quem sabe onde?
HORTÊNSIA: Pois não é melhor assim? Não se criam laços eternos e o homem não se
arruína.
CONDE: Pode ser, mas gosto dela e não quero que se zangue comigo.
DEJANIRA: Que tem ela de especial?
CONDE: Muito.
HORTÊNSIA: É bonita, corada...
CONDE: Fala com propriedade e tem bom gosto...
DEJANIRA: Nesse ponto, ousará compará-la conosco?
CONDE: Chega! Mirandolina me agrada. Se vocês quiserem continuar com a minha
amizade, terão de gostar dela. Caso o contrário, façam de conta que nunca me
conheceram.
HORTÊNSIA: Sendo assim, eu a declaro mais bonita do que Vênus.
DEJANIRA: É a mais inteligente da face da terra.
CONDE: Assim é melhor. Oh! Viram aquele homem passando de forma inusitada ali
atrás?
HORTÊNSIA: Vi, por quê?
CONDE: É outro bom tipo para o teatro.
HORTÊNSIA: Que gênero?
CONDE: Do tipo que detesta as mulheres.
DEJANIRA: Coitado!
HORTÊNSIA: Deve ter sofrido alguma desilusão amorosa.
CONDE: Qual! Nunca amou, e sempre se recusou a tratar com mulheres. Seu desprezo chega ao ponto de
ele nem olhar para Mirandolina.

HORTÊNSIA: Mirandolina! Se eu quisesse, conseguiria fazê-lo mudar de opinião.
DEJANIRA: Grande coisa! Eu também sou capaz...
CONDE: Então aceito a aposta. Vamos nos divertir. Se conseguirem que ele se
apaixone ganharão de mim um lindo presente.
HORTÊNSIA: Não quero recompensa! Se o fizer, será por meu gosto.
DEJANIRA: Se o sr. Conde quer demonstrar a sua generosidade, não há de ser por isso.
Vamos nos divertir enquanto a companhia não chega!
CONDE: Querem que o mande chamar?
HORTÊNSIA: Como quiser.
CONDE: (para fora) Homem! Diga ao Cavaleiro de Ripafratta que venha até aqui, pois
preciso falar-lhe. (às atrizes) Queridas, continuem fingindo que são damas. Escondamse aqui, pois se ele as vê, logo foge.
HORTÊNSIA: Cavaleiro de Ripafratta? É toscano?
CONDE: Toscano.
DEJANIRA: É casado?
CONDE: Que esperança!
HORTÊNSIA: Rico?
CONDE: Muito.
DEJANIRA: Generoso?
CONDE: Generosíssimo?
DEJANIRA: Então o deixe por minha conta! Não sou nenhuma Mirandolina, porém
conheço os homens.
HORTÊNSIA: Que Mirandolina, o que? Saberemos como amansá-lo.
CONDE: Fiquem bem quietinhas, principalmente a senhora de vermelho que adora
falar.
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CENA 3

CAVALEIRO: (entrando). O sr. Conde deseja falar comigo?
CONDE: Sim, desculpe incomodá-lo. É que na verdade há aqui um problema que vem
me afligindo ha algum tempo e... (abrindo a cortina). Estas duas damas gostariam de
falar com o senhor!
CAVALEIRO: Desculpem, estou com pressa. Talvez mais tarde...
HORTÊNSIA: É coisa de um minuto.
DEJANIRA: Duas palavras apenas.
CONDE: Não quero atrapalhar. Até logo! (sai).
CAVALEIRO: O que as senhoras desejam?
HORTÊNSIA: Não quer sentar-se?
CAVALEIRO: Não, estou com pressa.
DEJANIRA: Tão rude com as mulheres?
CAVALEIRO: Vamos direto ao assunto, por favor.
HORTÊNSIA: Senhor Cavaleiro! Precisamos da sua ajuda, da sua bondade, da sua
proteção!
DEJANIRA: Nossos maridos nos abandonaram.
CAVALEIRO: Prazer em conhecê-las...
HORTÊNSIA: Assim nos trata?
DEJANIRA: São estes os modos de um Cavaleiro?
CAVALEIRO: Sinto muito! Provavelmente as senhoras devem saber que tenho amigos
em Florença e vão querer que eu vá para cima e para baixo... Eu não dou para isso. Não
contem comigo!
HORTÊNSIA: Acho melhor contarmos a verdade.
DEJANIRA: Sim, sejamos francas!
CAVALEIRO: Que novidade é essa?
HORTÊNSIA: Sr. Cavaleiro, não somos duas damas.
CAVALEIRO: O quê?
DEJANIRA: Foi uma brincadeirinha do sr. Conde. Somos duas comediantes.
CAVALEIRO: Comediantes? Então falem à vontade. Conheço bem as pessoas da sua
laia. Não tenho medo de vocês.
HORTÊNSIA: O que o senhor quer dizer com isso?
CAVALEIRO: Sei que mentem em cena e fora de cena.
DEJANIRA: Eu, fora de cena, não sei fingir.
CAVALEIRO: Não sabe? E qual é o seu nome? Senhora Sinceridade?
DEJANIRA: Meu nome é...
CAVALEIRO: E o da senhora? Senhora Pureza?
HORTÊNSIA: Mas, Cavaleiro...
CAVALEIRO: Quando fica na porta do teatro com a bandeja, abre bem o decote, não é?
HORTÊNSIA: Mas eu...
CAVALEIRO: E qual o seu sistema para pegar os “trouxas”?
DEJANIRA: Um momento, senhor...
CAVALEIRO: Eu conheço bem a gíria. Não é “trouxa” que se diz?
HORTÊNSIA: O sr. Cavaleiro é um homem muito espirituoso... (tenta pegar-lhe o
braço) CAVALEIRO: Tire as patas daí! (ele a joga no chão).
HORTÊNSIA: Parece mais um “camelo” do que uma cavaleiro!
CAVALEIRO: “Camelo” quer dizer camponês.
HORTÊNSIA: Que espertinho!
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CAVALEIRO: Pensa que eu não sei? As senhoras é que são duas impertinentes!
DEJANIRA: Ousa dizer isso a mim?
HORTÊNSIA: A uma mulher como eu?
CAVALEIRO: Que bela cara pintada!
HORTÊNSIA: Patife!
CAVALEIRO: Que belo cabelo postiço!
DEJANIRA: Canalha!
CAVALEIRO: Vocês, com seus vestidos horrorosos, assustando todo mundo!
HORTÊNSIA: É Armani, Maladetto!
(as duas atrizes saem, em meio a xingamentos recíprocos entre elas e o Cavaleiro).
CAVALEIRO: O que elas pensam que eu sou? Algum bobo?
HORTÊNSIA: Bobo, não! Veado! (Cavaleiro joga o sapato) Ai, caralho!
CENA 4
CAVALEIRO: Se fossem damas, a única coisa a fazer era fugir; mas sendo quem são, é
bom dizer-lhes a verdade logo na cara. Sempre que eu posso, gosto de maltratar as
mulheres. Mirandolina não, é claro. Ela é sempre tão atenciosa comigo, que não consigo
deixar de gostar dela. Mas nem por isso, deixa de ser mulher. Amanhã mesmo vou
embora! Mas, por que esperar até amanhã? Quem garante que Mirandolina queira me
procurar esta noite? Aqui é preciso tomar uma resolução de homem.
JURANDIR: (entrando). Patrãozinho...
CAVALEIRO: Que é?
JURANDIR: O Marquês está no quarto do senhor e quer falar-lhe.
CAVALEIRO: O que ele quer desta vez? Se quiser dinheiro, está muito bem arranjado!
Não conseguirá um centavo! Que espere! Vá até o criado da locanda e peça a conta.
JURANDIR: Sim, senhor.
CAVALEIRO: Vá até nosso quarto e faça as malas.
JURANDIR: Vamos partir?
CAVALEIRO: Traga também a espada.
JURANDIR: E se o Marquês ver as malas?
CAVALEIRO: Invente qualquer história. Vá logo!
JURANDIR: Que pena ter que partir. Eu estava gostando da Mirandolina.
CENA 5

CAVALEIRO: Ei, rapaz! Traga-me a conta.
FABRÍCIO: Sim senhor. Vou falar com a patroa.
CAVALEIRO: Ela é quem faz as contas?
FABRÍCIO: Sempre. Mesmo quando o pai estava vivo. Ela escreve e faz contas igual a
um guarda-livros.
CAVALEIRO: (à parte). Que mulher singular!
FABRÍCIO: Eu é que vou me casar com ela!
CAVALEIRO: A conta!
FABRÍCIO: Já vai! (sai).
CENA 6

CAVALEIRO: Todos apaixonados por Mirandolina! Não é de se admirar, uma vez que
eu estava começando a ficar impressionado. Mas eu vou embora. Saberei superar essa
força desconhecida... Que vejo? Mirandolina? Ela segura um papel... deve ser a conta.
Que eu faço? Bem, preciso aguentar este último encontro. Dentro de duas horas estarei
bem longe.
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MIRANDOLINA: Senhor...
CAVALEIRO: Mirandolina...
MIRANDOLINA: Com licença.
CAVALEIRO: Entre.
MIRANDOLINA: Pediu a conta e eu a trouxe.
CAVALEIRO: Deixe-me ver.
MIRANDOLINA: Ei-la! (enxuga os olhos no avental).
CAVALEIRO: O que é que você tem?
MIRANDOLINA: Nada, senhor. Eu estava na cozinha e a fumaça entrou nos meus
olhos.
CAVALEIRO: Fumaça, nos olhos... Bem, a conta... Vinte paulos? Um preço tão barato?
Vinte paulos?
MIRANDOLINA: Pois a conta é essa.
CAVALEIRO: E o almoço especial de hoje?
MIRANDOLINA: O que dou de presente não costumo cobrar.
CAVALEIRO: Presente?
MIRANDOLINA: Desculpe a impertinência. Aceite como um ato de... (chora)
CAVALEIRO: Mas o que é que você tem, Mirandolina?
MIRANDOLINA: Deve ser alguma doença dos olhos.
CAVALEIRO: Será que você ficou assim cozinhando por minha causa?
MIRANDOLINA: Se fosse por isso eu sofreria com prazer!
CAVALEIRO: Preciso ir embora. Tome, são dois escudos. Disponha deles como quiser.
Lembre-se de mim, e procure entender... se puder... (faz menção de sair, e Mirandolina
desmaia).
CAVALEIRO: Mirandolina! Ai, meu Deus! Pobrezinha! Será que estava apaixonada
por mim? Mas... tão rápido? Pode ser, já que também estava ficando apaixonado por
ela... Querida! Eu disse querida? Afinal, desmaiou por minha causa... Meu Deus, como
ela é bonita! Eu não sei lidar com mulheres, não tenho sais, não tenho perfumes... Vou
procurar ajuda. Não tem ninguém aí? Coitadinha! Que Deus a abençoe. (sai).
MIRANDOLINA: (abre os olhos). Agora caiu direitinho! Muitas são as armas das
mulheres, mas quando os homens são teimosos, o golpe definitivo é o desmaio. Ele vem
voltando! (fecha os olhos).
CAVALEIRO: Ainda está desmaiada! Ela realmente me ama. Olha só... trouxe água
para lhe acordar... Eu não vou mais partir! Vou ficar aqui... Vamos, coragem! Eu vou
ficar!
JURANDIR: (entrando). Eis a espada e o chapéu.
CAVALEIRO: Sai daqui.
JURANDIR: E as malas?
CAVALEIRO: Sai daqui, desgraçado!
JURANDIR: Mirandolina! Coitada...
CAVALEIRO: Sai daqui ou te quebro a cara! (Jurandir sai). Ainda não voltou a si. Ela
está suando frio... Vamos, meu amor! Fale comigo...
MARQUÊS: (entrando). Que foi?
CONDE: (entrando). Mas, meu amigo...
CAVALEIRO: (à parte). Um raio que os parta!
MARQUÊS: Mirandolina?
MIRANDOLINA: Ai... (acordando).
MARQUÊS: Foi só ela me ver que ficou boa!
MIRANDOLINA: Onde estou?
CONDE: Muito bem, senhor Cavaleiro!
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MARQUÊS: Muito bem, senhor inimigo das mulheres!
CONDE: Caiu direitinho, hein, homem?
CAVALEIRO: Vão os dois para o diabo que os carregue! (sai).
CONDE: O homem ficou louco.(sai).
MARQUÊS: O senhor há de me pagar por esta impertinência!(sai).
MIRANDOLINA: O jogo está feito! O coração do homem virou fogo, chama, cinza.
Para completar minha vitória, só falta tornar público o meu triunfo. Assim estarão
vingadas as mulheres, e punidos os homens presunçosos que fazem pouco de nós! (sai).

ATO III
CENA 1

MIRANDOLINA: Mas que porcaria é essa? Para a palhaçada! Olha gente! Agora
acabaram-se as brincadeiras. Agora preciso cuidar do meu trabalho. Dá licença!
Fabrício!
FABRÍCIO: O que é, patroa?
MIRANDOLINA: Traz-me um ferro quente, querido!
FABRÍCIO: Já vai, patroa!
MIRANDOLINA: Desculpe se eu peço este favor a você!
FABRÍCIO: Não tem de quê, patroa! Enquanto comer do seu pão eu tenho a obrigação
de servi-la.
MIRANDOLINA: Não tem obrigação, não! Esse não é o serviço seu! Então, eu, da
minha parte... não quero dizer mais nada!
FABRÍCIO: A senhora sabe que eu me atiraria ao fogo pela senhora! Mas tudo é
deitado a rua, né?
MIRANDOLINA: Deitado a rua? Acha que eu sou uma ingrata?
FABRÍCIO: É que a senhora não tem olhos para pobres plebeus como eu. Ela gosta é da
aristocracia! É a nobreza que te agrada, né?
MIRANDOLINA: Aqueles dois loucos, ah! Vai buscar o ferro!
FABRÍCIO: Eu vi com os meus próprios olhos!
MIRANDOLINA: Menos conversas!
FABRÍCIO: Vou fazer a sua vontade! Mas há de ser por pouco tempo!
MIRANDOLINA: Ah esses homens! Quanto mais a gente gosta deles, piores eles
ficam!
FABRÍCIO: O que foi que a senhora disse?
MIRANDOLINA: Esse ferro vem ou não vem?
FABRÍCIO: Já vai! Ora me agrada e ora dá pra trás! Eu vou lá entender?
MIRANDOLINA: Pobre idiota. Há de me servir mesmo sem querer!
CENA 2

JURANDIR: (entrando). Oi, Dona Mirandolina! Meu patrãozinho quer saber como está
passando?
MIRANDOLINA: Vai dizer a ele que eu me sinto perfeitamente bem!
JURANDIR: Darei o recado! Ah! Ele também encarregou-me de entregar-lhe isso! É
essência de melissa! Um remédio excelente!
MIRANDOLINA: É de ouro o frasco?
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JURANDIR: Ouro legítimo.
MIRANDOLINA: E por que não me deu quando eu desmaiei?
JURANDIR: Porque não o tinha.
MIRANDOLINA: E como é que tem agora?
JURANDIR: É um segredo... mas eu vou contar! Eu vou contar! Meu patrãozinho
mandou-me hoje mesmo no joalheiro. Olha que o homem quis 12 escudos por isso.
Depois, eu mesmo fui à farmácia e comprei o remédio.
MIRANDOLINA: (ri).
JURANDIR: Qual é a graça?
MIRANDOLINA: Ele manda buscar o remédio quando o mal já passou!
Jurandir - Mas servirá para outra vez!
MIRANDOLINA: Vou tomar um gole disso. Tratamento preventivo! Tome. Leve ao
seu patrão e diga que eu agradeço muito. (devolve o frasco).
Jurandir - Não, o frasco é seu!
MIRANDOLINA: Meu?
JURANDIR: Presente do meu patrãozinho!
MIRANDOLINA: Pois leva-o de volta com os meus agradecimentos.
JURANDIR: Não! Não faça uma coisa dessas!
MIRANDOLINA: Eu não costumo aceitar presentes!
JURANDIR: Mas o patrãozinho vai ficar zangado...
MIRANDOLINA: Leva-o de volta! Já disse.
JURANDIR: Como quiser! Oh! Nunca vi no mundo uma mulher capaz de recusar 12
escudos com essa calma. (sai).
CENA 3

MIRANDOLINA: Esse cavaleiro está em ponto de rebuçado!
FABRÍCIO: (entrando). Patroa, aqui está o ferro!
MIRANDOLINA: Está quente?
FABRÍCIO: Está queimando. Como eu!
MIRANDOLINA: Que fogo é esse, meu filho?
FABRÍCIO: É o tal do Cavaleiro da Ripa-fraca mandando recadinhos, mandando
presentinhos! Eu já sei de tudo!
MIRANDOLINA: Pois não é nenhum mistério. Mandou-me sim, um frasco de ouro e
eu mandei de volta!
FABRÍCIO: Mandou de volta?
MIRANDOLINA: Se não acredita vá perguntar a ele!
FABRÍCIO: Por que fez isso?
MIRANDOLINA: Porque não quero que você pense que... ah, vamos mudar de assunto!
FABRÍCIO: Mirandolina, querida, perdoe-me!
MIRANDOLINA: Ah! Me deixa trabalhar!
FABRÍCIO: Mas compreenda que...
MIRANDOLINA: Vai buscar o outro ferro e quando estiver quente traga-o aqui!
FABRÍCIO: Mas saiba que...
MIRANDOLINA: Chega! Ai, estou ficando colérica!
FABRÍCIO: O geniozinho difícil que eu adoro! (sai).
MIRANDOLINA (dá uma piscadinha para a platéia)
CENA 4

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CAVALEIRO: (entrando). Eu não queria vir, mas foi o diabo que me trouxe aqui!
MIRANDOLINA: Hum... Temos visitas!
CAVALEIRO: Mirandolina
MIRANDOLINA: Senhor? O que faz aqui? A suas ordens.
CAVALEIRO: Como está se sentindo?
MIRANDOLINA: Estou bem, estou bem.
CAVALEIRO: Pois saiba que eu estou zangado com a senhora.
MIRANDOLINA: Por que, senhor?
CAVALEIRO: Porque recusou o meu presente!
MIRANDOLINA: Que outra coisa podia eu fazer?
CAVALEIRO: Guardá-lo e utilizá-lo sempre que precisasse.
MIRANDOLINA: Só desmaiei uma vez e isso não se repetirá.
CAVALEIRO: Mirandolina, por acaso esse seu desmaio foi por minha culpa?
MIRANDOLINA: Infelizmente sim. Você me deu um gole daquele Borgonha ordinário
e eu passei mal.
CAVALEIRO: Ah, então foi isso.
MIRANDOLINA: Foi! E eu nunca mais irei vê-lo no seu quarto.
CAVALEIRO: Nunca mais? Pois eu compreendo. Você disse nunca mais? Pois eu digo
que venha! Venha, e não se arrependerá!
MIRANDOLINA: Meu ferro esfriou! Fabrício?
CAVALEIRO: Vamos, aceite o meu presente.
MIRANDOLINA: Não costumo aceitar presentes.
CAVALEIRO: Mas a senhora aceitou os do Conde!
MIRANDOLINA: Mas eu não queria dar um desgosto a ele.
CAVALEIRO: E quer dar um desgosto a mim?
MIRANDOLINA: O senhor não liga para o que as mulheres fazem.
CAVALEIRO: As coisas mudaram muito!
MIRANDOLINA: Ah, vamos ter lua nova? A que horas?
CAVALEIRO: Estou falando de um sentimento que se dá dentro de mim. A lua não tem
nada com isso. Você praticamente fez um milagre com sua beleza, seus encantos...
MIRANDOLINA: (ri).
CAVALEIRO: De que está rindo?
MIRANDOLINA: O senhor zomba de mim e não quer que eu ria?
CAVALEIRO: Eu, zombar de você, meu amor, longe disso! Vamos, aceite o meu
presente!
MIRANDOLINA: Não, obrigada!
CAVALEIRO: Aceite!
MIRANDOLINA: Fabrício?
CAVALEIRO: Aceita ou não aceita?
MIRANDOLINA: (joga o frasco no cesto).
CAVALEIRO: E joga assim o meu presente?!
MIRANDOLINA: Fabrício, e o ferro?
FABRÍCIO: (entrando). Pronto, aqui está o ferro!
MIRANDOLINA: Está bem quente?
FABRÍCIO: Está!
MIRANDOLINA: O que é que você tem Fabrício?
FABRÍCIO: Eu não tenho nada patroa!
MIRANDOLINA: Está se sentindo mal?
FABRÍCIO: Dê-me o outro ferro para que eu esquente.
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MIRANDOLINA: Estou te estranhando, parece doente.
CAVALEIRO: Vamos, dê-lhe o ferro e deixe-o ir!
MIRANDOLINA: Eu gosto muito dele, sabe? É o meu homem de confiança.
CAVALEIRO: Vou estourar!
MIRANDOLINA: Tome o ferro, meu caro Fabrício. Vá.
FABRÍCIO: Mas patroa...
MIRANDOLINA: Vá, vá depressa.
FABRÍCIO: Eu vou... Não aguento mais essa situação! (sai).
CAVALEIRO: A senhora está apaixonada por ele!
MIRANDOLINA: Eu? Apaixonar-me por um criado? Ora, meu senhor, se eu fosse me
apaixonar eu ao menos saberia escolher.
CAVALEIRO: É verdade, a senhora merece o amor de um rei.
MIRANDOLINA: Rei de copas ou de espadas?
CAVALEIRO: Mirandolina, falemos sério!
MIRANDOLINA: Sim, estou ouvindo.
CAVALEIRO: Você não pode para de passar essa roupa por um instante?
MIRANDOLINA: Não. Eu preciso terminar essa roupa hoje.
CAVALEIRO: Dá mais importância a roupa do que a mim?
MIRANDOLINA: Sem dúvida. Da roupa eu preciso, enquanto o senhor não me é útil
em nada.
CAVALEIRO: Ao contrário, pode se dispor de mim.
MIRANDOLINA: O senhor não gosta das mulheres!
CAVALEIRO: Eu gosto de você. Sim, Mirandolina, eu gosto de você, eu a amo, e eu
lhe peço perdão!
MIRANDOLINA: Interessante. Não se incomode.
CAVALEIRO: Não é incômodo nenhum. Estou aqui para servi-la.
MIRANDOLINA: (ri).
CAVALEIRO: Está rindo outra vez?
MIRANDOLINA: Claro, canastrão!
CAVALEIRO: Eu não aguento mais!
MIRANDOLINA: Está se sentindo mal?
CAVALEIRO: Estou, e quem vai desmaiar dessa vez sou eu!
MIRANDOLINA: Então tome um pouco de melissa.
CAVALEIRO: Não seja cruel comigo. Eu gosto de você. Eu a amo, juro que a amo!
(queima a mão no ferro) Ai!
MIRANDOLINA: Desculpe, não foi de propósito.
CAVALEIRO: Não faz mal. Você me machucou muito mais profundamente.
MIRANDOLINA: Onde senhor?
CAVALEIRO: No coração.
MIRANDOLINA: Fabrício!
CAVALEIRO: Não chame esse homem!
MIRANDOLINA: Eu preciso de outro ferro!
CAVALEIRO: Eu chamarei o meu criado.
MIRANDOLINA: Fabrício?
CAVALEIRO: Se esse homem aparecer aqui, quebro a cara dele!
MIRANDOLINA: Tem graça, não posso dispor do meu pessoal?
CAVALEIRO: Chame qualquer um. Menos esse!
MIRANDOLINA: Eu acho que o senhor está exagerando.
CAVALEIRO: Desculpe-me. Eu estou muito agitado.
MIRANDOLINA: Eu mesma vou buscar o ferro, assim o senhor não se agitará.
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CAVALEIRO: Não... Fique, fique!
MIRANDOLINA: O senhor é engraçado, hein?
CAVALEIRO: Desculpe.
MIRANDOLINA: Eu não posso chamar meus empregados?
CAVALEIRO: Confesso que eu tenho ciúmes desse Fabrício!
MIRANDOLINA: Corre atrás de mim feito um cachorrinho.
CAVALEIRO: A senhora precisa entender!
MIRANDOLINA: Ninguém manda em mim, viu?
CAVALEIRO: Eu não mando. Eu peço
MIRANDOLINA: O que que cê qué?
CAVALEIRO: Compreensão, compaixão, carinho, amor...
MIRANDOLINA: Ah! Um homem que até ontem desprezava as mulheres quer
compaixão, carinho e amor? Ah, é impossível, eu não acredito! Toma, apanha, morre,
sem vergonha! Assim você aprende! (sai).
CAVALEIRO: Maldita hora em que eu fui conhecer essa mulher! Agora que caí no
laço, não há mais remédio!
CENA 5
MARQUÊS: Senhor Cavaleiro: o senhor me insultou.
CAVALEIRO: Desculpe-me. Foi sem querer.
MARQUÊS: Estou achando sua atitude bastante estranha.
CAVALEIRO: Afinal, o jarro não caiu na sua cabeça, não foi?
MARQUÊS: Foi uma impertinência da sua parte!
CAVALEIRO: Foi um acidente, e pela terceira vez, me desculpe!
MARQUÊS: Exijo satisfação!
CAVALEIRO: Eu já lhe pedi desculpas, o que mais o senhor quer?
MARQUÊS: Bem, se não foi de propósito...
CAVALEIRO: Não, não foi de propósito, mas se o senhor faz questão, eu posso lhe dar
todas as satisfações do mundo! Eu não tenho medo do senhor!
MARQUÊS: Bem, bem, não se fala mais nisso! Mas conheço os motivos da sua
agitação...
CAVALEIRO: Não se meta em minha vida!
MARQUÊS: Pra que disfarçar? Não negue que está apaixonado!
CAVALEIRO: Deixe-me em paz, se não quer que isto acabe mal! (sai).
CENA 6
MARQUÊS: Está apaixonado. Talvez queira esconder a verdade porque tem medo de mim. Sabe que sou
um rival perigoso. Hum! Bonito este frasco. Será que é de ouro? Não pode ser. Se fosse mesmo de ouro
ninguém deixaria largado por aí. Hum, é essência de melissa.

HORTÊNCIA: (entrando). Senhor Marquês, há quanto... Que frasco bonito! Que é que
há dentro dele?
MARQUÊS: Essência de melissa.
HORTÊNCIA: Hum, gostoso! O frasco é de ouro?
MARQUÊS: Evidentemente... (a parte). Que ela não entende nada dessas coisas!
HORTÊNCIA: É do senhor?
MARQUÊS: Meu e seu se a senhora assim desejar.
HORTÊNCIA: Oh, muito obrigada.
MARQUÊS: A senhora está brincando, não é mesmo?
HORTÊNCIA: Não. O senhor ofereceu.
32
33
MARQUÊS: Eu vou dizer-lhe a verdade: não é de ouro. Dar-te-ei um presente melhor.
HORTÊNCIA: Um presente do senhor é sempre precioso.
MARQUÊS: Está bem, fique com ele se assim o quiser. Será preciso indenizar
Mirandolina.
HORTÊNCIA: O senhor marques é muito generoso.
MARQUÊS: Eu sei, eu sei. Vou pedir-lhe um favor. Não comente sobre isso com
ninguém. Principalmente com Mirandolina, que é indiscreta, fala demais.
HORTÊNCIA: Compreendi perfeitamente. E ninguém saberá disso, a não ser Dejanira.
MARQUÊS: A condessa?
HORTÊNCIA: Isso mesmo, a condessa (ri e sai).
CENA 7
MARQUÊS: Coitada. Deixe estar. Arrumarei um Felipe emprestado e pagarei
Mirandolina.
JURANDIR: (entrando). O senhor viu um frasco?
MARQUÊS: Que frasco?
JURANDIR: Um frasco de essência de melissa. A dona Mirandolina está procurando.
MARQUÊS: Um frasco dourado?
JURANDIR: Não, um frasco de ouro. Ouro legítimo. Eu mesmo fui buscar na joalheria.
O homem quis 12 escudos por isso.
MARQUÊS: 12 escudos? Como alguém deixa um frasco de 12 escudos por aí?
JURANDIR: Pois é. E eu não consigo encontrá-lo.
MARQUÊS: Pois eu não vi nada.
JURANDIR: Bom, pior pra ela. De qualquer maneira, muito obrigado senhor marquês.
(sai).
CENA 8
MARQUÊS: 12 escudos? E agora?
CONDE: Que me diz o senhor Marquês da novidade?
MARQUÊS: Que novidade é essa?
CONDE: O Cavaleiro de Ripafratta está apaixonado por Mirandolina.
MARQUÊS: Ótimo. Assim ele reconhecerá o valor dessa mulher! E compreenderá que
quando eu gosto de alguém é uma pessoa excepcional.
CONDE: E se ela corresponder a esse amor?
MARQUÊS: Impossível. Ainda mais depois de tudo o que eu lhe fiz.
CONDE: Eu que fiz muito mais, qual foi o resultado? Mirandolina teve para com este
cavaleiro certas atenções especiais que nunca teve para conosco. Para ele a melhor
roupa branca. Para ele um almoço servido em horário especial. Para ele os pratos feitos
e enviados pessoalmente por Mirandolina. Os criados já estão comentando. E se ainda
não bastasse, houve o desmaio de Mirandolina: real ou fingido é uma prova concreta de
amor.
MARQUÊS: Que absurdo! Isso é uma ofensa a minha posição de aristocrata.
CONDE: E eu que gastei tanto dinheiro com essa rapariga!
MARQUÊS: E este homem nunca lhe deu nada!
CONDE: Deu sim. Agora pouco.
MARQUÊS: O que foi que ele lhe deu?
CONDE: Um frasco de ouro com essência de melissa.
MARQUÊS: A coisa piorou.
33
34
CONDE: Olha, essa Mirandolina é uma ingrata. Vou sair daqui imediatamente.
MARQUÊS: O senhor faz muito bem! Vá embora, vá!
CONDE: O senhor também, que é tão zeloso da vossa reputação, não pode deixar de
partir comigo.
MARQUÊS: Partir pra onde?
CONDE: Iremos para a casa de um amigo meu. O senhor não gastará nada.
MARQUÊS: O senhor é um grande amigo.
CONDE: Então vamos lá. Vinguemo-nos dessa pérfida criatura.
MARQUÊS: Esta mulher é uma ingrata.
CONDE: Se o senhor precisar de alguma coisa...
MARQUÊS: O frasco. Bem, preciso ser franco com o senhor. O administrador das
minhas propriedades atrasou-me um pagamento...
CONDE: E está devendo dinheiro a Mirandolina.
MARQUÊS: 12 escudos. O senhor teria alguma dificuldade em...
CONDE: Não, não... Ei-los.
MARQUÊS: Alias, são 13 escudos.
CONDE: Aqui está.
MARQUÊS: Obrigado, sim? Devolverei os 13 escudos ao senhor.
CONDE: Não tem pressa. E não há de sobrar um hóspede aqui nessa locanda. Olha aqui
minha gente: isto aqui vai fechar! Eu inclusive já mandei embora aquelas duas
comediantes.
MARQUÊS: Comediantes?
CONDE: Sim, Hortência e Dejanira.
MARQUÊS: Não eram damas?
CONDE: Não eram apenas duas comediantes. A Cia chegou e elas já estão para partir.
MARQUÊS: Oh! Preciso ir antes que partam! Com licença.
CONDE: (Vai sair e encontra com Mirandolina) Olá, Miranda!
CENA 9
MIRANDOLINA: Coitada de mim eu estou bem arranjada. Se o Cavaleiro aparecer por aqui, quem
poderá me defender? Sou uma mulher sozinha, não tenho ninguém que me defenda. Mas, se eu pedisse o
Fabrício...
FABRICIO (entra)

CAVALEIRO: Mirandolina! Mirandolina!
MIRANDOLINA: O senhor precisa de alguma coisa?
CAVALEIRO: Onde está você?
MIRANDOLINA: Ah, espere no seu quarto que não me demorarei.
CAVALEIRO: Mas onde está você?
MIRANDOLINA: Eu insisto senhor. Vá para seu quarto que eu já vou.
CAVALEIRO: Eu vou para o quarto, mas se você não aparecer haverá uma tragédia
aqui dentro.
MIRANDOLINA: Agora a coisa vai de mal a pior. Será que ele se foi?
FABRÍCIO: Bem feito. É isso que acontece a uma mulher sozinha, você não tem mais
pai. Se fosse casada isso não aconteceria.
MIRANDOLINA: Eu sei, é verdade. Eu estou mesmo pensando em me casar.
FABRÍCIO: Então se lembre do que disse seu pai.
MIRANDOLINA: Estou me lembrando...
CAVALEIRO: Mirandolina!
MIRANDOLINA: Ai meu Deus.
FABRÍCIO: Quem é?
34
35
CAVALEIRO: Mirandolina!
FABRÍCIO: Que o senhor quer?
MIRANDOLINA: É melhor que eu vá embora.
FABRÍCIO: Do que é que você tem medo?
MIRANDOLINA: É melhor que eu não esteja presente.
FABRÍCIO: Mas eu a protegerei.
MIRANDOLINA: Até logo. (sai).
CAVALEIRO: Mirandolina onde está você? Mirandolina!
FABRÍCIO: Eu vou chamar alguém. Alguém!
CENA 10
CONDE: (entrando). Que é que foi?
Marquês: (entrando). Que barulho é esse?
FABRÍCIO: O Cavaleiro da “Ripafraca” enlouqueceu.
CAVALEIRO: Mirandolina!
MARQUÊS: Ah, eu não disse. Vamos embora.
CONDE: Deixe por minha conta.
CAVALEIRO: Onde está ela?
CONDE: Que fúria é essa, senhor?
MARQUÊS: Explique-se, somos amigos.
CAVALEIRO: (silêncio)
FABRÍCIO: O que o senhor queria com minha patroa?
CAVALEIRO: Não interessa. Quando peço alguma coisa quero que me obedeçam.
Pago por isso.
FABRÍCIO: Você paga para ser atendido nas coisas honestas e justas. Mas, agora
quando pede a uma mulher solteira...
CAVALEIRO: O que é que está falando? Só eu sei que pedi a atua patroa!
FABRÍCIO: Pediu que fosse a seu quarto sozinha. (Conde e Marquês tiram Fabrício de
cena). E eu tenho mais umas coisinhas para falar sobre esse sujeito. Eu estou com
vontade de matar hoje.
CAVALEIRO: Ah, maldita! Deixou-me esperando, há de me pagar.
MARQUÊS: O que é que ele tem?
CONDE: É claro que está apaixonado. Chegou a hora da minha vingança. Senhor
Cavaleiro! Quem tem o coração delicadinho como o senhor não deveria zombar dos
sentimentos alheios.
CAVALEIRO: O que quer dizer com isso?
CONDE: Eu conheço os motivos da vossa agitação.
CAVALEIRO: Sabe do que ele está falando?
MARQUÊS: Não, não sei.
CONDE: Estou falando do senhor que astuciosamente fingiu ser inimigo das mulheres
para roubar Mirandolina de mim.
CAVALEIRO: Acha que eu fiz isso?
MARQUÊS: Não...
CONDE: Vamos fale comigo homem, responda! Tem ou não tem vergonha dessa
deslealdade?
CAVALEIRO: Tenho vergonha de permitir que o senhor diga tais mentiras.
CONDE: O senhor está me tratando de mentiroso?
CAVALEIRO: O senhor afirma coisas absurdas! Absurdas, ouviu?
MARQUÊS: Eu não tenho nada com isso.
35
36
CONDE: O verdadeiro mentiroso aqui é o senhor.
MARQUÊS: Eu vou dar uma voltinha.
CAVALEIRO: Fique aqui!
CONDE: Eu exijo uma satisfação!
CAVALEIRO: Com muito prazer. Empreste-me a sua espada.
MARQUÊS: Acalme-se! Afinal senhor Conde, o Cavaleiro não é o único apaixonado
por Mirandolina!
CAVALEIRO: Eu não estou apaixonado por ninguém. É mentira!
MARQUÊS: Foi ele que falou...
CONDE: Eu falei, sustento o que disse, eu não tenho medo do senhor.
CAVALEIRO: Ora, dê-me a sua espada!
MARQUÊS: Não...
CAVALEIRO: Está contra mim?
MARQUÊS: Sou seu amigo, Cavaleiro. Eu sou amigo de todo mundo.
CONDE: O senhor realmente cometeu uma ação bem indigna de um Cavaleiro.
CAVALEIRO: Com mil diabos!
MARQUÊS: O senhor como ousa?
CAVALEIRO: Se o senhor quiser estou a sua disposição.
MARQUÊS: Como você se esquenta rápido, hein?
CONDE: Chega de palavras!
MARQUÊS: Essa espada está muito acostumada comigo, Cavaleiro! O Senhor não vai
conseguir nada!
CAVALEIRO: Mais que merda.
MARQUÊS: Maldito! Quebrou a minha espada!
CAVALEIRO: Cadê a outra metade?
MARQUÊS: Ah, agora eu me lembro, eu quebrei no meu último duelo...
CAVALEIRO: Vou buscar uma espada de verdade!
CONDE: O senhor pensa que pode fugir?
CAVALEIRO: Fugir eu? Pois sou capaz até de lhe enfrentar com meia espada!
MARQUÊS: Aço da Espanha, garantido, inquebrável.
CONDE: Então, vamos?
CAVALEIRO: Vamos.
(duelo).
CENA 11

(entram Fabrício e Mirandolina)
MIRANDOLINA: O que é isso?
CONDE: Tu, infame!
MARQUÊS: Foi por sua causa!
MIRANDOLINA: Que é que eu tenho com isso?
CONDE: O Cavaleiro está apaixonado!
CAVALEIRO: Eu não estou apaixonado por ninguém! O senhor mente!
CONDE: (à Mirandolina) E tu tens sua parcela de culpa.
MARQUÊS: Agente sabe, agente vê!
CAVALEIRO: Sabe o que? Vê o que?
MARQUÊS: Que quando é agente sabe e quando não é agente não vê.
MIRANDOLINA: Os senhores ouviram! O senhor Cavaleiro negou que estivesse
apaixonado por mim! Negou na minha frente, assim conseguiu me humilhar mostrando
que tem caráter ao passo que eu agi levianamente. Confesso meus senhores, eu sou
36
37
muito franca, não sei esconder a verdade, tentei sim seduzir este homem mas nada
consegui. Não é mesmo senhor Cavaleiro? Perdi a minha aposta.
CAVALEIRO: Não posso falar.
CONDE: O homem se encabulou.
MARQUÊS: Não teve coragem de admitir.
CAVALEIRO: O senhor não sabe o que diz!
MARQUÊS: Por que o senhor sempre implica comigo?
MIRANDOLINA: O senhor Cavaleiro é inabalável! Não cai nos truques das mulheres.
Não acredita nas palavras, não confia nas lágrimas e zomba dos desmaios!
CAVALEIRO: Quer dizer que as lágrimas, as palavras, os desmaios não passam de
ficção?
MIRANDOLINA: O senhor não sabe? Sabe sim! Por isso não acreditou em nada!
CAVALEIRO: Uma encenação dessas deveria ser punida com a espada!
MIRANDOLINA: Se exaltando assim, os senhores acharão que está apaixonado.
CONDE: Não consegue disfarçar.
MARQUÊS: Vê se pela expressão dos olhos.
CAVALEIRO: Cala a boca!
MARQUÊS: Sempre implicando comigo!
MIRANDOLINA: O senhor Cavaleiro não está apaixonado e eu posso provar.
CAVALEIRO: Vou embora. E da próxima vez terei uma espada de verdade.
MIRANDOLINA: Fique! É preciso provar a estes senhores que não está apaixonado. É
sua palavra contra as deles.
CAVALEIRO: Não interessa.
MIRANDOLINA: Interessa sim! Fique!
CAVALEIRO: Que mais quer?
MIRANDOLINA: Meus senhores, o sistema mais comum do amor é o ciúme. Quem
não ama, não tem ciúme. Pois então, eu mostrarei para vocês que o Cavaleiro suportará
calmamente que eu pertença a outro homem.
CAVALEIRO: Quem é esse outro homem?
MIRANDOLINA: O homem que recebeu de meu pai a promessa de minha mão.
FABRÍCIO: Espera ai, sou eu.
MIRANDOLINA: Sim Fabrício, na frente desses senhores dou a minha mão e prometo
casar com você.
CAVALEIRO: Aceite o que quiser, case-se com quem quiser! Eu sei que você me
enganou! Sei que nesse momento você está rindo intimamente, pois tem a certeza da
minha humilhação. Ah, eu já entendi, eu já entendi que você quer espezinhar o meu
coração e a minha dignidade até o fim! Você merecia que eu lhe arrancasse o seu
coração e mostra-se a todas as mulheres maliciosas e mentirosas, mas isso seria perdeme definitivamente. Fugirei, viu? Fugirei pra bem longe, procurando esquecer os seus
sorrisos, as suas lágrimas e os seus malditos desmaios. Ah aprendi com você e as
minhas custas que contra essa força terrível que as mulheres possuem, não basta o
desprezo, nem o silêncio, é preciso fugir. (sai).
CONDE: E dizia que não estava apaixonado.
MIRANDOLINA: Agora eu percebo que o que fiz trouxe más consequências
CENA 12

JURANDIR: Dá licença Dona Mirandolina... Vim despedir-me da senhora.
MIRANDOLINA: Vai parti, Jurandir?
JURANDIR: Vou, parto para Livorno com meu patrãozinho.
37
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MIRANDOLINA: Desculpe, eu nem sei o que dizer, Jura.
JURANDIR: Desculpa, mas eu não posso ficar, o patrãozinho está esperando. Obrigado
por tudo Dona Mirandolina. Adeus.
CENA 13

MIRANDOLINA: Agora ele se vai, deve ser bem triste essa viagem, eu confesso que
estou com um pouco de remorso. Eu juro que nunca mais brincarei com o coração dos
homens.
CONDE: Querida Mirandolina, saiba que quero continuar sendo vosso amigo.
MARQUÊS: Você pode contar sempre com a minha proteção.
MIRANDOLINA: Agora tudo é diferente meus senhores, eu não quero mais saber de
protetores, não quero mais saber de galanteios, de presentinhos... Esse é o meu marido!
FABRÍCIO: Devagar, devagar...
MIRANDOLINA: Por quê? Vamos, dê-me logo a sua mão!
FABRÍCIO: Antes precisamos esclarecer algumas coisas...
MIRANDOLINA: Que esclarecer, o que? Ou dá logo a mão ou volta pra sua terra!
FABRÍCIO: O poder de convencimento dela é ótimo!
MIRANDOLINA: Até que enfim!
FABRÍCIO: Meu amor...
CONDE: Tudo bem, Mirandolina, case-se eu lhe darei uns trezentos escudos.
MARQUÊS: A sua decisão é sensata mulher, como diz o dito popular, mais vale uma
gemada hoje do que uma galinha amanhã. Case-se e eu lhe darei 12 escudos!
MIRANDOLINA: Então meus senhores eu queria pedir o último favor, posso?
MARQUÊS: Pode.
MIRANDOLINA: Eu gostaria que os senhores mudassem de hospedaria.
FABRÍCIO: Agora eu sei que ela me ama.
CONDE: Concordo com sua resolução e aceito com contentamento. Mas nunca se
esqueça de que qualquer lugar que nos encontremos serei vosso amigo. (sai).
Marquês: Diga Mirandolina, por acaso, você perdeu um frasco de ouro?
MIRANDOLINA: Perdi-o, sim senhor.
MARQUÊS: Achei!
MIRANDOLINA: Que coisa!
MARQUÊS: Eu também vou partir, Mirandolina! Mas saiba que você pode contar com
a minha proteção. (sai).
(sai Fabrício).
MIRANDOLINA: E eu me lembrarei de suas cortesias, dentro dos limites da
conveniência e da honestidade, mudando de condição, mudarei de vida. Meus senhores,
eu espero que possam tirar algum proveito do que aqui se passou e todas as vezes que
seus corações fraquejarem e estiverem a ponto de cair, de ceder, reflitam bem meus
senhores e lembre-se de Mirandolina!
FIM

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Mirandolina, a hoteleira de Carlo Goldoni

  • 1. 1 Mirandolina,a hoteleira de Carlo Goldoni adaptação Silvio Selva Personagens Mirandolina Conde Marquês Fabricio Cavaleiro Jurandir Hortensia Dejanira 1
  • 2. 2 ATO I CENA 1 MARQUÊS: Entre o senhor e eu, há alguma diferença. CONDE: Bem se percebe a diferença. Mas, infelizmente, aqui na hospedaria, seu dinheiro tem o mesmo valor que o meu. MARQUÊS: Mas, se a hoteleira tem para a minha pessoa certas atenções especiais, Isto é porque eu as mereço muito mais que o senhor. CONDE: Por que razão? Vejamos! MARQUÊS: Porque eu sou o marquês de Forlipópoli. CONDE: E eu sou o conde de Albafiorita, muito prazer. MARQUÊS: Condado comprado. CONDE: Comprei meu título de conde na mesma hora em que o senhor vendeu seu título de marquês... MARQUÊS: Basta! Eu sou quem sou, e o senhor me deve todo respeito. CONDE: Ninguém tem a intenção de desrespeitar o senhor marquês... mas acontece que o senhor, falando com muita liberdade... MARQUÊS: Estou nesta hospedaria porque amo a hoteleira: Mirandolina... Todos os sabem, e todos devem respeitar uma jovem que me agrada. CONDE: Esta é boa! Tu queres impedir-me de cortejar Mirandolina? Por que razão pensas que eu me encontro em Florença, nesta estalagem? MARQUÊS: Está bem, está bem. O senhor não conseguirá nada. CONDE: Eu não e o senhor, sim? MARQUÊS: Eu sim e o senhor, não. E sou quem sou, e Mirandolina precisa da minha proteção. CONDE: Mirandolina precisa de dinheiro, não de proteção. MARQUÊS: Dinheiro? Eu o tenho. CONDE: Gasto mais de um escudo por dia, senhor marquês, e dou presentes a Mirandolina quase que diariamente. MARQUÊS: E eu não tenho o mau gosto de comentar publicamente o que eu faço. CONDE: Não conta, mas sabe-se MARQUÊS: Pensa-se que se sabe. CONDE: Sabe-se sim senhor. Os criados falam. Três paulos... três pauletes... por dia! MARQUÊS: A propósito de criados... há aqui esse tal de Fabrício... CONDE: Sim, eu conheço. MARQUÊS: Não gosto desse sujeito! Tenho a impressão de que a hoteleira simpatiza muito com o rapaz. CONDE: Pode ser que ela queira casar com ele. Não seria de todo mau. Afinal há seis meses que o pai faleceu e uma rapariga, sozinha, numa estalagem, poderia ver-se atrapalhada. Da minha parte, se ela se casar, prometi dar-lhe trezentos escudos. MARQUÊS: Se ela se casar, quem lhe dará o dote serei eu... Eu sou seu protetor. Vou lhe dar... CONDE: Quanto? MARQUÊS: Bem, bem, tenho meus planos. CONDE: entendamos nos como bons amigos e fidalgos... Daremos trezentos escudos cada um. MARQUÊS: O que eu faço, meu amigo, faço-o secretamente. Tenho minha honra. Não faço as coisas para me vangloriar. (bate palmas). Olá!... 2
  • 3. 3 CONDE: Este cara aqui é um desgraçado. É pobre, completamente arruinado, e ainda com ares de imperador! MARQUÊS: Olá!... (bate palmas). CENA 2 FABRÍCIO: (entrando). Às suas ordens, senhor. MARQUÊS: Senhor?! Quem te ensinou a educação? FABRÍCIO: Peço desculpas. CONDE: Diga, Fabrício: como vai a minha patroazinha? FABRÍCIO: Vai muito bem, ilustríssimo. MARQUÊS: Diga-me: a minha patroazinha já se levantou? FABRÍCIO: Já sim, ilustríssimo. MARQUÊS: Asno!... FABRÍCIO: Por que, ilustríssimo? MARQUÊS: Que história é essa de ilustríssimo? FABRÍCIO: Foi o mesmo título que ofereci a este outro cavaleiro. MARQUÊS: Entre este senhor e eu, há clara diferença. CONDE: Percebe-se a diferença... FABRÍCIO: Basta se olhar as contas. MARQUÊS: Fabrício, vá lá dentro, chame sua patroa e diga-lhe que eu preciso falarlhe. FABRÍCIO: Imediatamente, excelência. Errei, desta vez? MARQUÊS: Não. Aliás, tu já o sabes há três meses. És um impertinente. Agora te vai. FABRÍCIO: Sua licença, excelência. Acertei dessa vez? MARQUÊS: Sim. Aliás já o sabes há três meses. És um impertinente. Vai-te embora. Vai! FABRÍCIO: Ilustríssimo... Excelência! Esse aqui é um arruinado! Fora do castelo, se alguém quer respeito, precisa de dinheiro, não de títulos! (sai). CENA 3 MARQUÊS: O senhor pensa que pode me esmagar com todo o seu dinheiro, mas não conseguirá nada. Meu título vale muito mais do que toda a sua riqueza. CONDE: Olha, senhor Marquês, nada sei de valores. Mas sei que só tem valor o que se pode gastar. MARQUÊS: Gaste a vontade, querido. Mirandolina não se interessa pelo senhor. CONDE: E por acaso Mirandolina se interessa pela sua alta nobreza? O que é preciso é dinheiro! MARQUÊS: Que dinheiro e dinheiro, rapaz! A moça precisa de proteção: de alguém que, a qualquer momento, esteja pronto para lhe prestar um favor. CONDE: Exatamente. De alguém que, em caso de necessidade, possa emprestar-lhe, digamos, duzentos felipes. MARQUÊS: Um homem precisa inspirar respeito, confiança... CONDE: Quando se tem dinheiro, todos confiam, todos respeitam. MARQUÊS: O senhor não sabe o que diz! CONDE: Olha que eu sei mais do que o senhor! CENA 4 3
  • 4. 4 (entra o Cavaleiro de Ripafratta e Jurandir) CAVALEIRO: Meus amigos, que barulho é esse? Estiveram discutindo outra vez? CONDE: Senhor Cavaleiro, discutíamos um assunto da maior importância. MARQUÊS: O senhor conde discute comigo os méritos da nobreza... CONDE: Eu realmente não nego os méritos da nobreza. Apenas, sustento que para satisfazer certos caprichos é necessário dinheiro. CAVALEIRO: Realmente, meu caro marquês... MARQUÊS: Bem, mudemos de assunto. CAVALEIRO: Mas por que chegaram a esta discussão? CONDE: Pela questão mais ridícula do mundo. MARQUÊS: Realmente com o Conde tudo é ridículo. CONDE: Senhor Cavaleiro, o nosso marquês está apaixonado pela hoteleira. Já eu a amo, e creio que mais profundamente. O marquês pretende ser correspondido por tributo à sua nobreza. Já eu, assim espero, como recompensa das minhas atenções especiais. Não lhe parece uma questão ridícula? MARQUÊS: O senhor ignora o empenho com o qual a protejo. CONDE: Pois é. Ele a protege, e sou eu quem gasto. CAVALEIRO: Ora, não vejo motivo menos digno para uma discussão entre cavaleiros. Os senhores se alteram por causa de uma mulher? Basta um a mulher para deixá-los assim? Uma mulher? Que coisa mais absurda! Uma mulher? Quanto a mim, não há perigo que isso aconteça. Jamais as apreciei. Sempre as detestei. E tenho para mim que a mulher representa para o homem uma espécie de doença; uma doença insuportável. MARQUÊS: Não é assim também. Mirandolina, por exemplo, possui grandes qualidades. CONDE: Nisso o senhor marquês tem razão. A ragazza é realmente encantadora. MARQUÊS: O simples fato de ter despertado um sentimento de amor num homem como eu, demonstra que há nesta mulher algo de excepcional. CAVALEIRO: Os senhores me fazem rir. Que poderá ter ela de tão extraordinário, que qualquer outra não possua. MARQUÊS: Têm modos amáveis, gestos nobres que cativam... CONDE: É bonita, ela fala com propriedade, ela veste-se com anseio e tem um agradável aroma de peperonni... CAVALEIRO: Tudo vale menos que... um chazinho! Mirandolina É como todas as outras. MARQUÊS: Como as outras, não. Mirandolina tem algo mais. Eu, que já frequentei as mais distintas damas, até hoje não encontrei uma mulher que reunisse como ela, o encanto, o decoro e a decência. CONDE: Já gastei fortunas em presentes; apesar disso, a rapariga não me deixa tocarlhe a ponta de um dedinho. CAVALEIRO: Artes! Artes refinadas! Artes e artimanhas! Pobres loucos! Caíram na armadilha! Quanto a mim não há o menor perigo. Mulheres? Para o diabo com todas elas! CONDE: Nunca esteve apaixonado? CAVALEIRO: Nunca. E nunca estarei. Meus amigos já tentaram de tudo para que eu me apaixonasse, mas eu sempre resisti. MARQUÊS: Porém, o senhor é o único de sua família. O senhor nunca pensou na sucessão? CAVALEIRO: Pensei muitas vezes. Mas, quando penso que para ter filhos é preciso suportar uma mulher, a vontade logo se esvai. 4
  • 5. 5 CONDE: Que pretende fazer de sua fortuna? CAVALEIRO: Desfrutá-la em paz, na companhia de bons amigos. MARQUÊS: Pois a desfrutaremos! CONDE: E nada para as mulheres? CAVALEIRO: Não tocarão em nada do que é meu (voz de Mirandolina cantando). CONDE: Eis aí a nossa hoteleira. Preste atenção e repare se não é encantadora. CAVALEIRO: Acho quatro vezes mais valioso um bom cavalo de raça. CENA 5 MIRANDOLINA: (entrando). Bom dia, ilustres cavaleiros. Qual dos senhores precisa de mim? MARQUÊS: Eu. Preciso falar-lhe, Mirandolina, mais não aqui. MIRANDOLINA: E onde, senhor marquês? Posso saber? MARQUÊS: No meu quarto. MIRANDOLINA: No seu quarto? Se precisar de alguma coisa, o criado irá até lá, para servi-lo. CONDE: Eu, por mim, querida Mirandolina, não quero que se preocupe de ir até meu quarto. Posso falar em público mesmo. Olha, chegou encomenda para ti. Olha estes brincos. Repare. Admire-os. Gostas? MIRADONDOLINA: Eles são lindos. CONDE: Sabe, são de brilhantes. Fique com eles. CAVALEIRO: Meu amigo! É jogar dinheiro fora. MIRANDOLINA: Por que é que o senhor quer me dar este presente? CONDE: Queira aceita-los. MIRANDOLINA: Eu não posso. Desculpe... CONDE: Ai, que se não aceitas, me causa um grande desgosto. MIRANDOLINA: Não sei o que diga. Eu quero que os hóspedes desta locanda sejam meus amigos. Para não dar um desgosto ao senhor Conde, só para isso, eu aceito. CAVALEIRO: Espertinha... CONDE: (ao Cavaleiro). Viu que delicadeza de sentimentos? CAVALEIRO: Delicadeza? Pegou os brincos, e nem ao menos agradeceu. MIRANDOLINA: Obrigada. MARQUÊS: O senhor Conde cometeu uma ação muito elegante: presentear uma moça publicamente por vaidade! Mirandolina! Quanto a mim, não precisa se preocupar, falarei com você a sós. Sou um homem de honra. MIRANDOLINA: Coitado! É um homem pobre. Pobre, minha gente! Senhores, se não precisam mais de mim, vou-me embora. CAVALEIRO: Um momento! A roupa de cama que me trouxe não me agrada nem um pouco. Se não tiver coisa melhor nesta espelunca, serei obrigado eu mesmo a providenciar. MIRANDOLINA: É claro que temos algo melhor nesta hospedaria, senhor. E não terei problemas em fornecê-lo para o senhor. Mas, acho que poderia pedir com mais cortesia. CAVALEIRO: Onde gasto o meu dinheiro, não preciso agir com cerimônias. CONDE: Tenha paciência com ele, Mirandolina. É um grande inimigo das mulheres. CAVALEIRO: Não preciso da indulgência desta moça. MIRANDOLINA: Que lhe fizeram as mulheres, senhor? Por que é tão cruel para conosco? CAVALEIRO: Basta! Comigo a senhora não tomará liberdades. Mande mudar a roupa de cama. Aliás, mandarei o meu criado. Amigos, até mais ver. (sai). 5
  • 6. 6 CENA 6 MIRANDOLINA: Que urso! Nunca vi igual. Eu estou tão desgostosa com este cavaleiro, que seria capaz de mandá-lo embora. MARQUÊS e CONDE: Isso! MARQUÊS: Se quiseres, eu o expulsarei! Conte com a minha proteção Mirandolina. CONDE: Conte com a minha fortuna. Pagarei a lotação da locanda! MIRANDOLINA: Muito obrigada senhores mais tenho coragem suficiente para dizer... FABRICIO: (entrando). Senhor conde, tem um senhor a sua procura. CONDE: Sabes quem é? FABRICIO: Diz ser o joalheiro (a Mirandolina). Cuidado Mirandolina, este não é o seu lugar. CONDE: Ai o joalheiro! Havia me esquecido. Ele veio me mostrar umas joias que eu encomendei. Creio que este brinco merece ser acompanhado. MIRANDOLINA: Isso é demais, senhor conde. CONDE: Não, não. Não me importo com o dinheiro. Importo-me em deixá-la piu bella. Adeus, Mirandolina. Minhas homenagens, senhor marquês (sai) CENA 7 MIRANDOLINA: Você viu, Senhor Marquês? O senhor Conde não se poupa incômodos. MARQUÊS: Esse tipo de gente, Mirandolina. Não pode ter um centavo que faz questão de gastar por pura vaidade. Pensa que mulheres como você podem ser conquistadas com presentes. Eu teria receio de insultá-la criando-lhe tais obrigações. MIRANDOLINA: Não se preocupe, o senhor nunca me insultou. MARQUÊS: E nunca a insultarei. MIRANDOLINA: Ah! Eu tenho certeza! MARQUÊS: Ah! Mas como eu gostaria de esta na posição do conde... MIRANDOLINA: Devido talvez ao dinheiro. MARQUÊS: Que dinheiro, Mirandolina, eu não ligo para essas coisas. Mas se eu fosse um condeco, um mísero condezinho...Por setenta mil diabos, eu me casaria com você!(sai) CENA 8 MIRANDOLINA: Que maravilha! excelentíssimo sir. Marquês da miséria estaria disposto a casar-se comigo? Acontece, porém, que haveria uma pequena dificuldade. “Eu” não o quereria. Gosto do assado, não da fumaça. Se me tivesse casado com todos aqueles que queriam (o que assim diziam), a esta hora, esta locanda estava cheio de maridos! Todos os que vêm aqui se apaixonam, correm atrás de mim, e muitos, muitos, falam até em casamento. Só esse tal de cavaleiro de Ripafratta que não gosta de conversa comigo. Não digo que todo o mundo tem a obrigação de se apaixonar por mim. Mas desprezar-me? Isto não. Isto me dá uma raiva... Inimigo das mulheres? Não gosta delas? Pois bem! É que não encontrou ainda uma mulherzinha que soubesse puxálo pela coleira. Mas vai achá-la. Vai-se! É com estes sujeitos que eu fico terrível. Os que suspiram por mim, logo me enjoam. A nobreza não se adapta a minha pessoa. A riqueza me agrada e não me agrada. Todo o meu prazer consiste em ver os outros me adoram, me desejam, me obedecem. Esta é a minha fraqueza. É a fraqueza de quase todas as 6
  • 7. 7 mulheres. Quanto ao casamento, nem se fala: não preciso de ninguém; vivo honestamente, mas não gosto realmente de ninguém. Gosto é de zombar destas caricaturas de amantes desesperados. E farei de tudo para derrotar, esmagar e espezinhar esses corações bárbaros e selvagens que nos hostilizam a nós, as mulheres, que somos a melhor coisa produzida na face terra pela mama natureza . CENA 9 FABRICIO: Patroa. MIRANDOLINA: Oi? FABRICIO: O hóspede do quarto ao lado está reclamando da roupa de cama, diz que é muito ordinária e quer trocá-la. MIRANDOLINA: Sim, vamos atendê-lo. FABRICIO: A senhora pega a roupa de cama que eu a levarei. MIRANDOLINA: Não, pode deixar que levarei eu mesma. FABRICIO: Pessoalmente? MIRANDOLINA: Pessoalmente. FABRICIO: A senhora da atenção demais a este cavaleiro. MIRANDOLINA: Eu dou atenção a todos meus hóspedes. FABRICIO: Já estou vendo. Ela me dá esperanças e no final nada. MIRANDOLINA: Coitado! FABRICIO: Sempre fui eu quem cuidou do quarto dos hóspedes. MIRANDOLINA: Mas você é muito brusco para com os forasteiros. FABRICIO: Antes muito brusco que demasiado atencioso. MIRANDOLINA: Se esta me dando conselhos saiba que não preciso deles. FABRICIO: Então também precisa de um novo criado. MIRANDOLINA: Por que, Fabrício? Está cansado de mim? FABRICIO: Lembra-se do que disse o senhor seu pai antes de morrer. MIRANDOLINA: Quando chegar a hora em que eu resolver me casar lembrarei do que disse meu pai. FABRICIO: Mas eu tenho estômago muito delicado. Não costumo gostar de certas situações MIRANDOLINA: O que você pensa, Fabrício? Que eu seja alguma leviana, alguma louca, alguma namoradeira? Que é que me importam os hóspedes que entram e saem desta locanda. Costumo tratá-los bem pela reputação desta casa. Não preciso de dinheiro. Não preciso de presentes. Pra que então? Pra namorar? Para isto basta um... E este não me falta. Quando chegar a hora em que eu resolver me casar lembrarei-me do que disse meu pai. E quem tiver me servindo com sinceridade não terá do que se queixar. Eu conheço a gratidão, Fabrício. Sei apreciar as boas qualidades. Vejo, porém, que as minhas qualidades não são conhecidas nem apreciadas. Procure me entender, se puder. Chega, Fabrício!... Cala boca, idiota! FABRICIO: Quem vai entender uma mulher dessas? Quem o puder será um homem extraordinário. Ela às vezes parece que me ama, as vezes que nem me quer. Diz que não é leviana, porém faz tudo que lhe dá na cabeça. A verdade é que eu gosto dela. Eu queria manter meus interesses sempre unidos aos dela. Eu vou fecha um olho e deixar o tempo passar. Estes hóspedes que aparecem por aqui vão e vêm. Eu sempre fico. No final, o melhor pedaço será meu. CENA 10 7
  • 8. 8 JURANDIR: Ai! Carta para o meu patrãozinho. CAVALEIRO: Vá buscar o chocolate. JURANDIR: Sim, senhor patrãozinho. CAVALEIRO: Quem será? “Siena, dois de janeiro de 1753 – Horácio Ardenti – Meu caro amigo, a terna e profunda amizade que me liga à sua pessoa, obriga-me a comunicar-lhe, com toda a urgência, que é necessário que você regresse à cidade. O conde Ernesto morreu... – Coitado! Era um bom sujeito – Deixou uma única filha, herdeira de certo e cinquenta mil ducados. Todos os seus amigos desejam que esta fortuna seja entregue às mãos de um bom homem honrado como você, e já estão tratando com a família, a fim de preparar...” Chega! Não quero saber dessa história. Já estão casados de saber que eu detesto mulheres, E este velho amigo ainda vem me encher com propostas de casamento!... (rasga a carta). Para que deveria eu desejar cento e cinquenta mil ducados? Vivendo sozinho preciso de muito menos, e casado o dobro não bastaria. Casar eu? Prefiro a febre quartã!... MARQUÊS: (entrando) O amigo da licença para visita de alguns minutos? Afinal, entre nós é possível conversar como convém aos homens de qualidade, ao passo que aquele condezinho não tem qualificação nem para dirigir-nos a palavra. CAVALEIRO: Paciência meu caro marquês. Afinal é preciso respeitar se quiser ser respeitado. MARQUÊS: Costumo ser gentil para com todos, mas aquele sujeito me é insuportável. CAVALEIRO: Insuportável só porque existe entre os dois uma pequena rivalidade de amor. Francamente, meu caro marquês: o senhor que é um nobre, instruído, viajado, perder o controle por conta de uma mulher? MARQUÊS: Meu amigo, a verdade é que ela me enfeitiçou. CAVALEIRO: Que absurdo! E porque será que esses feitiços sobre mim não agem? O segredo está nos truques. Nas mistificações destas danadas criaturas. Fique longe delas que não haverá perigo de bruxarias. MARQUÊS: Mudemos de assunto, sim? CAVALEIRO: (ameaça falar, mas já é cortado) MARQUÊS: O que muito me incomoda é o administrador das minhas propriedades. CAVALEIRO: Alguma irregularidade? MARQUÊS: Não! Mas um descuido imperdoável. (Jurandir entra com o chocolate) CAVALEIRO: Desculpe, senhor marquês. (ao criado) Traga outro imediatamente. JURANDIR: É que acabou o chocolate, patrãozinho. CAVALEIRO: Se o senhor quiser ficar com este... MARQUÊS: (pega a xícara) Mas como eu ia dizendo, meu amigo. O administrador das minhas propriedades... (bebe) CAVALEIRO: Pegou meu chocolate. MARQUÊS: ... prometeu me enviar pelo correio 25 escudos. CAVALEIRO: Lá vem outra facada. MARQUÊS: Mas, infelizmente, até agora. CAVALEIRO: Provavelmente chegará amanhã ou depois. MARQUÊS: A coisa é que... a coisa é que ...(bebe e devolve a xícara) estava ótimo! A coisa é que tenho o que um negócio urgentíssimo e não sei o que fazer. CAVALEIRO: Dia a mais, dia a menos... MARQUÊS: Mas, o senhor, que é um homem de honra, sabe o peso da palavra empenhada. Será que o senhor teria alguma dificuldade em me arranjar... CAVALEIRO: Meu caro marquês se eu pudesse já teria ajudado o senhor. Acontece que eu também estou esperando uma remessa... MARQUÊS: E vai-me dizer que está sem dinheiro? 8
  • 9. 9 CAVALEIRO: Meu caro marquês veja só. Esta aqui é toda a minha fortuna. MARQUÊS: Bom, empreste-me esse e... CAVALEIRO: Mas é que eu... MARQUÊS: O senhor dúvida de mim? Eu devolverei. CAVALEIRO: Sirva-se! MARQUÊS: Muito obrigado. Preciso ir. Eu tenho um negócio urgentíssimo para o qual não posso me atrasar. Vemos-nos no almoço. CAVALEIRO: Formidável! O senhor marquês das misérias queria me sangrar em vinte e cinco escudos, acabou saindo só com um. Ele não devolverá, mas pelo menos, deixará de me aborrecer. Mas o pior é que ele tomou todo o meu chocolate! CENA 11 MIRANDOLINA: Dá licença? CAVALEIRO: Entre. MIRANDOLINA: (entrando) Trouxe a roupa de cama. A melhor que temos. CAVALEIRO: Pode deixá-la aí. MIRANDOLINA: Peço, por favor, que a examine para ver se lhe agrada. CAVALEIRO: Que espécie de roupa é? MIRANDOLINA: Os lençóis são de tela de Reims CAVALEIRO: Tela de Reims. MIRANDOLINA: Sim, senhor. 10 paulos a braça. CAVALEIRO: Não precisava tanto, bastava que fossem um pouco melhor do que aqueles que me trouxe. MIRANDOLINA: Eu costumo guardar estes lençóis para os hóspedes de alto tratamento. Em verdade, só fui buscá-los por se tratar do senhor. Se fosse outro freguês não os daria. CAVALEIRO: Aposto que diz o mesmo a todo mundo. MIRANDOLINA: Então observe o jogo de mesa. CAVALEIRO: Estas telas flamengas perdem muito depois de lavadas. Não precisava estragá-las por minha causa. MIRANDOLINA: Eu tenho muitos destes guardanapos. Quero reservá-los para o senhor. CAVALEIRO: (a parte) Realmente ela sabe tratar com cortesia. MIRANDOLINA: Tem mesmo um ar de urso. Nem olha para as mulheres. CAVALEIRO: Pode deixar aí. Meu criado toma conta de tudo. MIRANDOLINA: Não, senhor! Faço questão de servi-lo. Gosto de servir pessoas distintas. CAVALEIRO: Está bem, como quiser! Mulheres, pura bajulação. MIRANDOLINA: Vou por a roupa de cama na alcova, sim? CAVALEIRO: Como quiser. MIRANDOLINA: Durinho ele, hein? Acho que deste não sai nada. (pausa) Senhor, deseja alguma coisa para o almoço? CAVALEIRO: Qualquer coisa, o que tiver. MIRANDOLINA: Eu gostaria de saber se tem alguma preferência. Pois eu não teria problema em providenciar para o senhor. CAVALEIRO: Se eu precisar, mandarei o criado. MIRANDOLINA: É que os homens com essas coisas não são pacientes e atenciosos como as mulheres. 9
  • 10. 10 CAVALEIRO: Escute aqui minha senhora. Sou muito grato pela atenção, mas fique sabendo que nem desta maneira a senhora conseguirá fazer comigo o que fez com o marquês e com o conde, entendeu? MIRANDOLINA: O que é que o senhor acha da futilidade destes dois cavaleiros? Mal chegam a uma locanda e querem logo namorar a locandeira. Aí, meu caro senhor, a gente tem mais o que fazer. Se dissermos uma ou outra palavra gentil, é para que não se aborreçam. Mas eu quando vejo que estão alimentando ilusões, rio-me a grande! CAVALEIRO: Muito bem. Eu gosto da sua sinceridade. MIRANDOLNA: É uma única qualidade que possuo. CAVALEIRO: Entretanto, sabe fingir muito bem com quem a corteja. MIRANDOLINA: Fingir? Deus me livre! Não sou criança, já vivi o bastante. Não sou bonita, mas já tive umas boas oportunidades. Não casei porque não quis e porque aprecio infinitamente a minha liberdade. CAVALEIRO: A liberdade é tesouro muito precioso. MIRANDOLINA: E muitos o jogam fora estupidamente. CAVALEIRO: Eu sei o que faço. Fico bem longe disso tudo. MIRANDOLINA: O senhor, não é casado? JURANDIR (ri) CAVALEIRO: Deus me livre! (Acena para Jurandir sair) Não quero saber de mulheres. MIRANDOLINA: Faz muito bem meu senhor. CAVALEIRO: A senhora é a primeira mulher que eu escuto falar desta maneira. MIRANDOLINA: É que na nossa profissão somos obrigadas a ver e a ouvir muitas coisas... Por isso compreendo que certos homens tenham medo do sexo feminino. CAVALEIRO: Estranha criatura. MIRANDOLINA: Agora, se o senhor me dá licença, eu vou-me embora. CAVALEIRO: Tem tanta pressa? MIRANDOLINA: Não queria importuná-lo. CAVALEIRO: Ao contrário. Até me agrada. MIRANDOLINA: Está vendo?! É o que eu faço com todos, Demoro-me alguns minutos, conto umas histórias, umas pilhérias, só para diverti-los, eles vão logo pensando... CAVALEIRO: Isto acontece porque a senhora é muito amável. MIRANDOLINA: Bondade sua excelência. CAVALEIRO: E os bobos se apaixonam. MIRANDOLINA: Que fraqueza! Que falta de caráter. Apaixonar-se assim. Sem mais nem menos. CAVALEIRO: Está aí uma coisa que eu nunca pude entender. MIRANDOLINA: Indigna de um verdadeiro homem. CAVALEIRO: Tolices... Misérias da humanidade! MIRANDOLINA: Quem me dera todos os homens fossem como o senhor. Dê-me sua mão, senhor. CAVALEIRO: Por quê? MIRANDOLINA: Conceda-me este favor, excelência. Veja a minha mão é limpa. CAVALEIRO: Aqui está a mão. MIRANDOLINA: É a primeira vez que tenho a honra de segurar a mão de um verdadeiro homem. CAVALEIRO: Está bem. Agora chega. MIRANDOLINA: Esta vendo! Se eu tivesse dado a mão a um daqueles gaiatos, logo pensariam que eu estava querendo Deus sabe o que. Ou, então, desmaiaria. Como é bom poder conversar livremente, sem insinuações ridículas, sem caricaturas absurdas, sem 10
  • 11. 11 imaginar que... Desculpe minha impertinência. Em tudo que precisar, disponha de mim. Com o senhor, eu sei que posso tratar francamente, sem imaginar que queira fazer mau juízo das minhas atenções. CAVALEIRO: Que diabo terá ela, que eu não entendo? MIRANDOLINA: O urso esta ficando mansinho. CAVALEIRO: Bem, pode ir. MIRANDOLINA: Obrigada, senhor. Eu preciso mesmo cuidar dos negócios da casa. São estes meus namoros, as minhas diversões. Em tudo que precisar, me chame! E eu mandarei o criado. CAVALEIRO: Se a senhora quiser aparecer, será bem vinda. MIRANDOLINA: É que eu nunca vou aos quartos dos hóspedes. Mas aqui, é diferente: Aqui, vez ou outra, aparecerei. CAVALEIRO: E porque logo aqui? MIRANDOLINA: Porque... Se me permite dizer, excelência, eu gosto um bocado do senhor. CAVALEIRO: Gosta de mim? MIRANDOLINA: Gosto porque não é um destes galanteadores. Macacos me mordam se amanha não esta babando por mim (sai). CAVALEIRO: É, eu sei o que faço. Esta me faria cair mais facilmente do que as outras. Tem certa franqueza, certo desembaraço, que é pouco comum. Tem algo de extraordinário, mas nem por isso vou cair no laço. Se fosse uma simples brincadeira, certamente escolheria esta, sem dúvida... Mas o perigo é o amor, a perda da liberdade. Eu não sou um destes homens que se apaixonam por mulheres! (sai). CENA 12 (Entram Fabrício, Hortênsia e Dejanira) FABRÍCIO: Se as senhoras quiserem, posso lhes mostrar um quarto de dormir e uma sala para jantar, receber, jogar, costurar. HORTÊNSIA: Está bem, está bem. O senhor é o patrão ou criado? FABRÍCIO: Criado, às ordens de Vossa Senhoria. DEJANIRA: Ele nos trata por Senhoria. HORTÊNSIA: Devemos responder a altura. Meu rapaz... FABRÍCIO: Senhora. HORTÊNSIA: Vá chamar o seu patrão. Precisamos falar com ele sobre as condições da nossa estadia. FABRÍCIO: A patroa já vem. Com licença. Quem serão estas duas senhoras sozinhas? Pelo aspecto e pelas roupas, parecem grandes damas. (sai). DEJANIRA: Ele nos tomou por damas. HORTÊNSIA: Melhor. Assim seremos bem tratadas. DEJANIRA: Mas pagaremos o dobro. HORTÊNSIA: Quanto às contas terão de se ver comigo. Não nasci ontem. DEJANIRA: Não queria que este engano causasse alguma complicação. HORTÊNSIA: Criança, tens pouca presença de espírito! Como que nós, duas comediantes, acostumadas a representar marquesas, condessas e até princesas, teriam alguma dificuldade em representar duas damas no palco desta hospedaria? DEJANIRA: Chegarão os nossos companheiros e seremos desmascaradas. HORTÊNSIA: Ora, de Pisa a Florença num barquinho no rio... três dias no mínimo. DEJANIRA: Que estupidez viajar de navío. 11
  • 12. 12 HORTÊNSIA: Falta de prata. Bom fomos nós que pudemos vir de carruagem. DEJANIRA: Aquela recita que fizemos foi mesmo extraordinária. HORTÊNSIA: Sim, mas se não estivesse eu à porta, não daria resultado. FABRÍCIO: (voltando). A patroa já vem. HORTÊNSIA: Está bem. FABRÍCIO: Já servi algumas damas ilustres, e o mesmo farei com vossas senhorias. Disponham de mim a vontade. HORTÊNSIA: Se precisarmos utilizaremos seus préstimos, meu rapaz. DEJANIRA: Hortênsia, nestes papéis, é formidável! FABRÍCIO: E agora, se me dão licença, nobres senhoras, preciso anotar seus ilustres nomes neste caderninho. DEJANIRA: Pronto. Já começou. HORTÊNSIA: Por que deveria eu revelar o meu nome a você? FABRÍCIO: É que o governo nos obriga a registrar, nome, condição, pátria de origem e dia de chegada, de todos os passageiros que aqui vem se hospedar. E se não o fizermos, ai de nós! DEJANIRA: Acabou-se a festa. HORTÊNSIA: Muitos devem dar um nome falso. FABRÍCIO: Isto não nos interessa. Escreve-se apenas o que o freguês vai ditando, e nada mais. HORTÊNSIA: Pois então escreva aí. Baronesa Hortênsia de Monte claro, com dois “tes.”, parlemitana. FABRÍCIO: Siciliana... sangue quente. E a senhora? DEJANIRA: Eu não sei o que dizer. HORTÊNSIA: Vamos, condessa Dejanira, diga seu nome ao rapaz. FABRÍCIO: Sim, por favor. DEJANIRA: Pois não ouviu? FABRÍCIO: Excelentíssima senhora condessa Dejanira... e o sobrenome? DEJANIRA: O sobrenome também? HORTÊNSIA: Condessa Dejanira dos Bugalhos, romana. FABRÍCIO: Pronto. Não precisa mais nada. Desculpem a maçada. A patroa já vem. Logo vi que se tratava de damas! Vão chover gorjetas. (sai). DEJANIRA: Ponho-me humildemente às ordens da baronesa. HORTÊNSIA: E a vós presto solenes homenagens, Condessa. DEJANIRA: A que devo a sublime fortuna que me dá a honra de cumprimentar a vossa grandeza? HORTÊNSIA: Do meu coração estão jorrando torrentes de agradecimentos. DEJANIRA: Quereis lisonjear-me? (entra Mirandolina). HORTÊNSIA: Não. A senhora condessa merece muito mais. MIRANDOLINA: Que damas cerimoniosas! DEJANIRA: Ai que coisa engraçada! HORTÊNSIA: Cala-te! A patroa está aí. MIRANDOLINA: Bom dia, minhas senhoras HORTÊNSIA: Muito bom dia, mocinha. DEJANIRA: Ah! Patroa, muito prazer. HORTÊNSIA: Cuidado... MIRANDOLINA: Permita que eu lhe beije a mão. HORTÊNSIA: Vejo que és bem educada. MIRANDOLINA: A senhora também. 12
  • 13. 13 DEJANIRA: Não precisa. HORTÊNSIA: Vamos, condessa Dejanira, seja gentil com a moça e dê-lhe a mão. MIRANDOLINA: Se me permite... DEJANIRA: Pegue. (dá-lhe a mão e ri). MIRANDOLINA: A senhora está rindo? HORTÊNSIA: A condessa está rindo de mim. Imagine só que lhe contei uma história agora pouco e ela achou graça. MIRANDOLINA: Aposto que não são damas. Se o fossem, não estariam sozinhas. HORTÊNSIA: Bom, precisamos falar sobre as condições da nossa estadia, sim? MIRANDOLINA: Sim. As senhoras estão sozinhas. Não têm cavaleiros, não têm criados, não têm ninguém? HORTÊNSIA: É que o barão, o meu marido... DEJANIRA: (ri). MIRANDOLINA: Por que ri, senhora condessa? HORTÊNSIA: Isso mesmo. Por que ri? DEJANIRA: É que o barão... HORTÊNSIA: Ah! Sim! É que o barão, meu marido, é um homem muito espirituoso. Conta umas anedotas. A senhora terá o prazer de conhecê-lo em breve. Chegará com o conde Horácio, o esposo desta senhora. (Dejanira ri). MIRANDOLINA: O senhor conde também a faz rir? HORTÊNSIA: Vamos, senhora condessa, procure controlar–se. MIRANDOLINA: Minhas senhoras façam-me um favor. Estamos sozinhas, ninguém nos escuta. Este condado, esta baronia, não seria por acaso... HORTÊNSIA: O que é que a senhora está querendo dizer com isso? Por acaso, a senhora duvida de nossa nobreza? MIRANDOLINA: Não se altere, senhora, se não fará rir a senhora condessa. DEJANIRA: Afinal, pra que... HORTÊNSIA: Condessa, condessa, condessa! MIRANDOLINA: Sei o que a senhora queria dizer. DEJANIRA: Se adivinhou é muito inteligente. MIRANDOLINA: Pra que fingirmos se não somos damas? DEJANIRA: A senhora nos reconheceu? HORTÊNSIA: Grande comediante, não!? Não consegue sustentar um papel! DEJANIRA: Fora de cena eu não sei fingir. MIRANDOLINA: Muito bem. Gosto de ver que é espirituosa, e que é muito franca. HORTÊNSIA: Foi uma brincadeirinha inocente. MIRANDOLINA: Eu também gosto de brincar. Fiquem na hospedaria o quanto quiserem. Vou lhes dar o apartamento que Fabrício prometeu. Com uma condição: se chegarem hóspedes de importância, as senhoras se mudarão, e lhes arranjarei uns quartos bem confortáveis. DEJANIRA: Combinado. HORTÊNSIA: Onde gasto o meu dinheiro pretendo ser tratada como uma dama. Enquanto estiver pagando não deixarei o apartamento. MIRANDOLINA: Senhora baronesa, seja boazinha. CENA 13 (entra Marquês). 13
  • 14. 14 MIRANDOLINA: Oh, eis o nosso marquês. Um cavaleiro que mora aqui há vários dias. Quando vê mulheres, logo aparece. DEJANIRA: É marquês, marquês mesmo? MIRANDOLINA: Sim. HORTÊNSIA: Rico? MIRANDOLINA: Não sei. Não me meto na vida dos hóspedes. MARQUÊS: Dão licença? Incomodo? HORTÊNSIA: Absolutamente. MARQUÊS: Bom dia às lindas damas. DEJANIRA: Bom dia, cavaleiro. HORTÊNSIA: Às suas ordens, senhor. MARQUÊS: São forasteiras? MIRANDOLINA: Sim. Vieram morar aqui. Deram-me essa honra. MARQUÊS: Honra? Quem são essas digníssimas damas? MIRANDOLINA: A dama de vermelho é a baronesa Hortênsia de Monte claro. HORTÊNSIA: Com dois “tes.”. MIRANDOLINA: E aquela ali é a condessa Dejanira dos Bugalhos. MARQUÊS: Grandes damas em verdade. DEJANIRA: A mocinha quer prolongar a brincadeira. HORTÊNSIA: Qual é a sua graça, senhor? MARQUÊS: Eu sou o Marquês de Forlipópoli. HORTÊNSIA: Muito prazer, senhor marquês. MARQUÊS: Disponham de mim. É uma grande honra ter as senhoras aqui. Escolheram bem. A hoteleira é muito atenciosa. MIRANDOLINA: O senhor marquês que é muito gentil. Estou sob a sua proteção. MARQUÊS: Eu a protejo, e protejo a todos que vem morar aqui. Repito: disponham de mim. HORTÊNSIA: Obrigada, senhor marquês. DEJANIRA: Muito obrigada. (Marquês tira um lenço). MIRANDOLINA: Que lindo lenço, senhor Marquês. MARQUÊS: Acha? Não é verdade que eu tenho um ótimo gosto? MIRANDOLINA: O lenço é de ótimo gosto. MARQUÊS: Já viu um lenço mais bonito? HORTÊNSIA: Nunca. É maravilhoso. (a parte) Bem que eu o aceitaria como presente. MARQUÊS: Vem de Londres. DEJANIRA: É muito bonito. (a parte). Devia oferecê-lo a mim. MARQUÊS: Aqui nesta hospedaria há tal de conde, que tem dinheiro, e não sabe gastar. Esbanja fortunas e não compra um objeto de valor. MIRANDOLINA: O senhor marquês conhece, sabe, distingue, vê e entende. MARQUÊS: O segredo está em saber dobrar estes lenços para que não se estraguem. São coisas que devem ser guardadas com cuidado. Tome. MIRANDOLINA: Quer que eu guarde no seu quarto? MARQUÊS: Não. Guarde no seu. MIRANDOLINA: No meu, por quê? MARQUÊS: Porque é um presente. MIRANDOLINA: Desculpe, excelência, mas... MARQUÊS: Quer me ofender? MIRANDOLINA: Não! Isso nunca! O senhor marquês sabe que não quero ofender ninguém. E para não lhe dar esse desgosto, só para isso, eu aceitarei. 14
  • 15. 15 DEJANIRA: Ela é sabida! HORTÊNSIA: Depois falam de nós, comediantes. MARQUÊS: As senhoras viram? Um lenço de Londres e eu dei a nossa hoteleirazinha. HORTÊNSIA: O senhor é muito generoso. MARQUÊS: Eu sou assim. MIRANDOLINA: (A parte). Francamente, é o primeiro presente que me faz. DEJANIRA: Senhor marquês, será difícil encontrar em Florença um lenço igual a este? Gostaria de ter um. MARQUÊS: Igual a este será difícil. Mas procuraremos. MIRANDOLINA: Muito bem a condessinha. HORTÊNSIA: Senhor marquês, já que conhece tão bem a cidade, poderia me enviar um sapateiro de luxo? MARQUÊS: Diante de tal preciosidade, mandarei o meu. MIRANDOLINA: Ótimo. Todas em cima dele. E não tem um centavo! HORTÊNSIA: Faça-nos companhia, senhor marquês. DEJANIRA: Almoce conosco, senhor marquês. MARQUÊS: Comerei até o último pedaço. (para Mirandolina). Não fique com ciúmes, Mirandolina. Você sabe que meu coração a ti pertence. MIRANDOLINA: Não, fique a vontade. Acho bom que se divirta. Vai lá broto! HORTÊNSIA: O senhor será o nosso cicerone. DEJANIRA: Não conhecemos ninguém. Contamos com o senhor. MARQUÊS: Estou aqui para servi-las. CONDE: (entrando). Surpresa. Mirandolina. Estava à sua procura. MIRANDOLINA: Estou aqui, com estas damas. CONDE: Damas? Muito prazer em conhecê-las. HORTÊNSIA: O prazer é todo meu. (a parte) Este me parece melhor ainda. DEJANIRA: O diabo é que eu não sei tratar com estes trouxas. MARQUÊS: (Para Mirandolina). Mostre o lenço. MIRANDOLINA: Olhe, senhor conde, o lindo lenço que o marquês me deu! CONDE: Formidável! Bravos, senhor marquês. MARQUÊS: Oh! Não foi nada. Tolices. Mirandolina: guarde o lenço. O que eu faço não é para ser divulgado. MIRANDOLINA: (A parte). Não quer que se saiba, mas manda mostrar. Pobre marquês! Meio miséria e meio empáfia. CONDE: Se as senhoras me dão licença, gostaria de dizer duas palavrinhas a Mirandolina. HORTÊNSIA: Fique à vontade. MARQUÊS: Guardando o lenço assim, você o estragará. MIRANDOLINA: Vou colocá-lo no algodão, assim não se machucará. CONDE: Olhe, Mirandolina: é um anel de brilhantes. MIRANDOLINA: Lindo. CONDE: Tem o mesmo feitio dos brincos que eu lhe dei. MIRANDOLINA: Combina perfeitamente. Mas é ainda mais precioso. MARQUÊS: Maldito seja esse conde, com todo o seu dinheiro e os mil diabos que o carreguem! CONDE: Faço questão que aceite este anel para completar o enfeite. MIRANDOLINA: Não quero, absolutamente. CONDE: Você não me fará um desgosto desses. MIRANDOLINA: Deus sabe que não quero deixá-lo desgostoso. E para prová-lo, só para isso, eu aceitarei. Veja, senhor Marques, olha a joia que eu ganhei. 15
  • 16. 16 MARQUÊS: Em seu gênero, o lenço é coisa muito mais fina. MIRANDOLINA: É que entre um gênero e outro há alguma diferença. MARQUÊS: O que é muito deselegante é este sistema de se gabar em público das despesas que se faz. CONDE: É verdade: os presentes do senhor marquês são absolutamente secretos. MIRANDOLINA: Eles brigam, e quem ganha sou eu. MARQUÊS: Queridas damas, estou às suas ordens. Vamos almoçar? (ao conde). Elas me convidaram. HORTÊNSIA: Qual é a sua graça, senhor? CONDE: Eu sou o conde de Albafiorita, para servi-la. DEJANIRA: Diabo que é um ricaço famoso! HORTÊNSIA: Mora aqui? CONDE: Provisoriamente. DEJANIRA: Vai ficar muito tempo? CONDE: Acho que sim. HORTÊNSIA: De onde é o senhor? CONDE: Napolitano, senhora. HORTÊNSIA: Somos do mesmo estado. Eu sou parlemitana. DEJANIRA: Eu sou romana, mas vivi muito tempo em Nápoles. Aliás, tenho lá alguns negócios e preciso muito falar sobre isso com algum napolitano. CONDE: Estou às suas ordens. As senhoras estão sozinhas? MARQUÊS: Estão comigo. HORTÊNSIA: Estamos absolutamente sozinhas por certas circunstâncias que lhe contaremos mais tarde... em particular. CONDE: Mirandolina! MIRANDOLINA: Senhor? CONDE: Mande preparar um almoço para três pessoas no meu quarto. As senhoras aceitam, não é verdade? HORTÊNSIA: Aceitam os com entusiasmo. DEJANIRA (sai). MARQUÊS: Mas eu fui convidado, e... CONDE: Teria muito prazer em manter o convite, mas acontece que a minha mesa só tem lugar para três pessoas. MARQUÊS: Era só o que faltava... HORTÊNSIA: Vamos, Vamos, senhor conde. O senhor marquês almoçará conosco amanhã! Aliás, se encontrar aquele lenço, não se esqueça de nós. (sai) MARQUÊS: O senhor me pagará por isso! CONDE: O que foi que eu fiz? MARQUÊS: Basta! Sou quem sou e tenho a minha dignidade, não estou acostumado a ser tratado desta maneira. E aquela condessinha queria de mim um lenço!? Um lenço de Londres? Nunca! Mirandolina, guarde com carinho o lenço que eu lhe dei. Brilhantes há em todas as partes, mas um lenço como este é como você: única. (sai). CONDE: Mirandolina, minha menina, se zangas se eu passo algum tempo com estas damas? MIRANDOLINA: Não, meu senhor. CONDE: Olha, queridinha. Tudo que me pertence, pertence a ti: meu coração, minha fortuna... E de tudo pode dispor, sendo dona e a rainha. (sai). ATO II 16
  • 17. 17 CENA 1 FABRÍCIO: Ô, Jurandir! JURANDIR: (de fora) Que é? FABRÍCIO: Fala pro seu patrão que a sopa está na mesa. JURANDIR: (de fora) Fala você! FABRÍCIO: Eu não! Ele é muito ranzinza. JURANDIR: (de fora) Meu patrãozinho não é mau. Só não gosta das mulheres. Tirando isso ele é muito... cortês! FABRÍCIO: Ah, ele não gosta das mulheres! Ele tem um medinho delas... (entra Cavaleiro) O almoço está pronto! (sai) JURANDIR (entra) CAVALEIRO: Vejo que este almoço chegou mais cedo que de costume. JURANDIR: Ah, é que fomos servidos antes dos outros. Inclusive o Senhor Conde ficou zangado, porque tinha convidado duas damas e não queria esperar. Mas a patroa fez questão de que o meu patrãozinho fosse servido primeiro... CAVALEIRO: Muito gentil da parte dela. JURANDIR: Mirandolina é uma mulher boa. Em todo mundo nunca conheci uma hoteleira tão... boa! CAVALEIRO: Gostas dela, hem.? JURANDIR: Ah, patrãozinho... se eu não estivesse tão acostumado com o senhor, trabalharia com prazer para Dona Mirandolina. CAVALEIRO: E que vantagem tiraria disso? JURANDIR: Seria assim... uma espécie de cachorrinho fiel! CAVALEIRO: Rola, então! Rola, vai! De pé! Toma! (dá um pedaço de pão e entrega os pratos a Jurandir, que sai). Leva, leva! Cáspite, a mulherzinha encanta todo mundo! Seria deveras engraçado se eu me encantasse também. Nada disso! Amanhã eu vou para Livorno! Hoje ela pode se desdobrar em atenções especiais, mas logo perceberá que eu não me deixo enfraquecer. Antes que eu supere minha aversão às mulheres, será preciso muito mais! JURANDIR: (voltando). Meu patrãozinho, a Dona Mirandolina mandou dizer que, se não gostar de galinha, manda assar uma rolinha! CAVALEIRO: Isto aqui, o que é? JURANDIR: É o molho, que ela mesma fez, com as próprias mãos... CAVALEIRO: Está me enchendo de cortesias! Hum, é muito bom! Diga a ela que eu agradeço. JURANDIR: Darei o recado. CAVALEIRO: Vá avisá-la imediatamente! JURANDIR: (à parte). O patrãozinho, mandando recadinhos para uma moça! Que milagre! (sai). CAVALEIRO: Este molho está muito bom! Se Mirandolina continuar assim, terá sempre muitos fregueses. Mesa boa, roupa de boa qualidade... Mas o que mais me impressiona é a sua franqueza. Afinal, por que é que não gosto das mulheres? Porque são mentirosas, hipócritas, enganadoras... Mas uma sinceridade dessas... JURANDIR: (entrando). Meu patrãozinho! Dona Mirandolina agradece a delicadeza com que se dignou a agradecer a sua pequena homenagem! CAVALEIRO: Muito bem, senhor embaixador, muito bem! JURANDIR: Agora ela está cozinhando outro prato, mas não sei o que seja. CAVALEIRO: Está cozinhando ela mesma? JURANDIR: Ela mesma! 17
  • 18. 18 CAVALEIRO: Traga mais vinho! JURANDIR: Está bem, patrãozinho! (sai). CAVALEIRO: Ela é realmente muito amável comigo. Vou pagar em dobro! Em suma, tratá-la bem e fugir depressa! (a Jurandir, que volta). O Senhor Conde já está almoçando? JURANDIR: Começou agora. Ah, eu não te falei? Ele tem duas convidadas! Duas moças muito bonitas! CAVALEIRO: Quem são elas? JURANDIR: Não conheço. CAVALEIRO: Mas o Conde as conhecia? JURANDIR: Acho que não! Mas logo que as viu convidou-as para almoçar. CAVALEIRO: São essas as fraquezas dos homens! Então o Senhor Conde mal vê chegar duas mulheres, e já se atraca com elas! Vai saber Deus quem são elas! Seja quem for, são mulheres, e só isso já basta. Esse Conde vai se arruinar! E o Senhor Marquês já está almoçando? JURANDIR: Saiu... e não voltou. CAVALEIRO: Almoçar com duas mulheres! Com suas caretas, me fariam perder o apetite... (Batem à porta). Entra! MIRANDOLINA: Com licença... CAVALEIRO: Vamos, homem! JURANDIR: O quê...? CAVALEIRO: Tire o prato da mão da moça! JURANDIR: Ah! MIRANDOLINA: Não é necessário, faço questão de servir eu mesma. CAVALEIRO: Isso não é ofício da senhora. MIRANDOLINA: Quem sou eu, afinal, alguma dama? Sou apenas uma serva de quem desejar se hospedar na minha locanda. CAVALEIRO: (à parte). Que humildade! MIRANDOLINA: Em verdade, eu não teria problemas em servir todos os hóspedes. Se não o faço, é por motivos que o senhor bem sabe. É que aqui eu não tenho medo de enfrentar situações desagradáveis. CAVALEIRO: Está bem. Isto aí, o que é? MIRANDOLINA: É um pratinho especial que eu mesma fiz com minhas próprias mãos. CAVALEIRO: Se foi a senhora quem fez, deve estar bom. Deve estar muito bom. MIRANDOLINA: Eu não tenho grandes habilidades, mas gostaria de ter para satisfazer um cavaleiro tão simpático. CAVALEIRO: (à parte). Amanhã eu vou pra Livorno! (a Mirandolina). Pode deixar tudo aí. Não precisa se incomodar. MIRANDOLINA: Não há incomodo, senhor! Eu quero mesmo ficar para ver se esse pratinho lhe agrada. CAVALEIRO: Está bem. Vou experimentar... Hum! É muito bom! Só não entendo o que seja. MIRANDOLINA: A arte tem seus segredos, meu senhor. Pelo visto eu possuo um pouquinho dessa arte. CAVALEIRO: (a Jurandir). Traga mais vinho! MIRANDOLINA: Para acompanhar este prato, é bom que seja algo especial. CAVALEIRO: Então traga o Borgonha. MIRANDOLINA: Muito bem! O Borgonha é uma preciosidade. Em minha opinião, é o melhor vinho para acompanhar as refeições. CAVALEIRO: Vejo que tem bom gosto! 18
  • 19. 19 MIRANDOLINA: Com efeito, é raro que eu me engane! CAVALEIRO: Á sua saúde. MIRANDOLINA: Muito obrigada, estou muito honrada. CAVALEIRO: Este vinho é muito bom! MIRANDOLINA: Adoro Borgonha! CAVALEIRO: Se quiser, sirva-se. MIRANDOLINA: Ah, não, obrigada, senhor! CAVALEIRO: Já almoçou? MIRANDOLINA: Já, excelência. CAVALEIRO: Então aceite um gole. MIRANDOLINA: Não se incomode por mim. CAVALEIRO: Aceite. MIRANDOLINA: Já que o senhor insiste... CAVALEIRO: Traz um copo para moça! MIRANDOLINA: Não precisa, beberei neste. CAVALEIRO: Mas desse eu já bebi! MIRANDOLINA: Agora sei seus segredinhos! CAVALEIRO: (à parte). Espertinha! MIRANDOLINA: Eu não beberei mais porque receio que me faça mal. CAVALEIRO: Não há perigo. MIRANDOLINA: Talvez com um pedaço de pão. CAVALEIRO: Sirva-se. MIRANDOLINA: Muito obrigada, excelência! CAVALEIRO: Vejo que está um pouco desajeitada... Melhor sentar-se. Homem, uma cadeira! MIRANDOLINA: Não, de maneira alguma, senhor. Não posso! Se o Senhor Conde ou o Senhor Marquês me virem aqui, coitada de mim! CAVALEIRO: Por quê? MIRANDOLINA: Porque mil vezes me convidaram e eu nunca aceitei! CAVALEIRO: Vamos, sente-se. MIRANDOLINA: Obedeço, senhor. CAVALEIRO: Ei, homem! Não diga a ninguém que essa mulher sentou-se à minha mesa! JURANDIR: Fica tranquilo! (à parte). Ih, não estou entendendo mais nada! MIRANDOLINA: Bebo à saúde de tudo o que mais agrada à Vossa Excelência! CAVALEIRO: Obrigado! MIRANDOLINA: Esse brinde evidentemente não inclui as mulheres. CAVALEIRO: Não? Por quê? MIRANDOLINA: Porque eu sei que o senhor não gosta delas. CAVALEIRO: É verdade. Nunca as apreciei mesmo. MIRANDOLINA: Continue assim, senhor. CAVALEIRO: Receio, porém... MIRANDOLINA: O quê? CAVALEIRO: Receio que a senhora me faça mudar de opinião. MIRANDOLINA: Eu? De que maneira, senhor? CAVALEIRO: Ei, homem, pode ir! JURANDIR: O senhor precisa de alguma coisa? CAVALEIRO: Vá até a cozinha e mande preparar dois ovos! JURANDIR: Ovos quentes? Ovos fritos? Ovos duros? CAVALEIRO: Ovos! Vai! 19
  • 20. 20 JURANDIR: Compreendi! (à parte). O patrão está esquentando... (sai). CAVALEIRO: Mirandolina! Você é uma criatura encantadora! MIRANDOLINA: O senhor está zombando de mim! CAVALEIRO: Não! Em verdade, o que tenho para lhe dizer será praticamente a proclamação de sua glória. MIRANDOLINA: Então diga que eu escutarei com prazer... CAVALEIRO: Você é a primeira mulher com que tenho prazer em tratar... E isso me preocupa! MIRANDOLINA: Mas isso não é nenhum grande mérito extraordinário, meu senhor! É que às vezes o sangue de uma pessoa bate com o de outra. Essa coincidência de gênios, essa simpatia, se dá mesmo entre desconhecidos. Eu também sinto pelo senhor o que nunca senti por ninguém! CAVALEIRO: Você é capaz de perturbar o meu sossego! Estou ficando preocupado! MIRANDOLINA: Senhor, não caia na mesma fraqueza que os outros! Se eu perceber isso, não virei mais aqui! Eu também sinto algo aqui dentro, algo que nunca senti antes! Mas eu não posso perder a minha cabeça por causa de homens, ainda mais por um homem que detesta as mulheres! Quem sabe se o senhor não quer experimentar-me, para depois zombar de mim? Não, isso seria horrível! Dá mais um gole de Borgonha? CAVALEIRO: Sim, claro! MIRANDOLINA: (à parte). Ele está amolecendo! CAVALEIRO: Vamos, tome. Cuidado... MIRANDOLINA: O senhor não bebe? CAVALEIRO: Ah, beberei, sim. (à parte). É preciso encher a cara, assim um diabo enxotaria o outro! MIRANDOLINA: Excelência! Toque aqui! Viva as pessoas que se gostam sem malícia! Toque... CAVALEIRO: Viva... MARQUÊS: (entrando). Viva! CAVALEIRO: O que é isso, senhor Marquês? MARQUÊS: Peço desculpa. Chamei, mas ninguém atendeu. MIRANDOLINA: Com licença! (faz menção de sair). CAVALEIRO: Não, fique! Não me lembro de ter dado essas liberdades ao senhor! MARQUÊS: Peço desculpa novamente, meu amigo! Pensei que o senhor estivesse sozinho. Vejo com prazer que está na companhia da nossa adorável hoteleira... Que me diz o senhor? Não é ela extraordinária? MIRANDOLINA: Senhor Marquês! Eu vim aqui exclusivamente para servir o almoço ao Senhor Cavaleiro. Mas eu tive uma tontura, e ele me ofereceu um gole de Borgonha. MARQUÊS: É Borgonha mesmo? CAVALEIRO: Sim. MARQUÊS: Mesmo, mesmo? CAVALEIRO: Foi o que me garantiram. MARQUÊS: Eu sou entendido de vinhos! Deixe-me provar e eu vou logo dizer se é autêntico ou não. CAVALEIRO: (a Jurandir) Ei, homem! Traz um copo para o Marquês! MARQUÊS: Mas não desses copinhos pequenos. Borgonha não é licor! Para prová-lo, é necessário que se beba bastante! JURANDIR: (entrando). Patrãozinho, aqui estão os ovos! CAVALEIRO: Eu não quero mais nada! MARQUÊS: Que prato é esse? CAVALEIRO: Ovos! 20
  • 21. 21 MARQUÊS: Não gosto! MIRANDOLINA: Senhor Marquês! Com a licença de meu ilustre hóspede, queira experimentar este pratinho que eu mesma fiz com minhas próprias mãos... MARQUÊS: Naturalmente! (a Jurandir). Ei, homem! Traz uma cadeira e um garfo! CAVALEIRO: Um garfo também! MIRANDOLINA: Senhores, vou-me embora. Já estou melhor. MARQUÊS: Vai tão cedo? MIRANDOLINA: O Senhor Cavaleiro provavelmente... MARQUÊS: O Senhor Cavaleiro dá licença que Mirandolina fique, não é verdade? CAVALEIRO: Por que razão? MARQUÊS: Porque eu gostaria que o senhor experimentasse um vinho de Chipre que eu tenho. É uma verdadeira preciosidade, e gostaria que Mirandolina me desse sua opinião. CAVALEIRO: Vamos, fique. Para agradar o Senhor Marquês... MIRANDOLINA: O Senhor Marquês me desculpará. MARQUÊS: E o vinho de Chipre? MIRANDOLINA: Fica para outro dia. CAVALEIRO: Vamos, fique! MIRANDOLINA: É uma ordem? CAVALEIRO: Não, é um pedido. MIRANDOLINA: Obedeço, senhor. CAVALEIRO: (à parte). É realmente muito amável comigo! MARQUÊS: Hum, está ótimo! Está pronta para casar! CAVALEIRO: (à Mirandolina). O Marquês vai ficar com ciúmes, lhe vendo tão perto de mim. MIRANDOLINA: Pouco me importa o que ele pensa. CAVALEIRO: Você também é inimiga dos homens? MIRANDOLINA: Tanto quanto o senhor é inimigo das mulheres. CAVALEIRO: É... mas minhas inimigas estão se vingando de mim. MIRANDOLINA: Não entendo, senhor... CAVALEIRO: Está vendo perfeitamente... Sabidinha! MARQUÊS: À sua saúde, meu amigo! (bebe o vinho de Borgonha). CAVALEIRO: Então? Gostou? MARQUÊS: Quero ser franco com o senhor. Não vale nada. O senhor precisa experimentar o meu vinho de Chipre! CAVALEIRO: Onde está esse vinho, então? MARQUÊS: Está aqui comigo. Eu o trouxe para cá. Quero que seja uma verdadeira festa para todos! Ei-lo! MIRANDOLINA: Pelo visto senhor Marquês quer evitar que nos embriaguemos... MARQUÊS: Com efeito, deve ser bebido gota a gota, como essência de melissa. Ei, homem, traz os copinhos. Os senhores gostariam de experimentar o bouquet ? (Jurandir traz os copos). Não tem copos menores? CAVALEIRO: Traga os de licor! MIRANDOLINA: Nem é preciso provar; cheira-se e basta! MARQUÊS: Ah, com efeito, o bouquet deste vinho é realmente divinal! (Jurandir traz os copinhos). Ótimo! Venha cá... Agora sim, vai ser uma festa pra todo mundo! É néctar destilado! É a bebida dos deuses! Saúde! MIRANDOLINA: Saúde! CAVALEIRO: Saúde! MARQUÊS: Que delícia! CAVALEIRO: (a Mirandolina). O que me diz desta porcaria? 21
  • 22. 22 MIRANDOLINA: É água suja! MARQUÊS: E então, o que me diz Cavaleiro? CAVALEIRO: Realmente, é muito gostoso, senhor Marquês... MARQUÊS: Viu só? E você, Mirandolina, o que acha? MIRANDOLINA: Não gosto, acho-o péssimo, e não sei dizer o contrário. Talvez a arte de dissimular seja uma virtude, mas que finge em uma coisa provavelmente fingirá em todas as outras. CAVALEIRO: (à parte). Ela está me censurando! Por que será? MARQUÊS: Evidentemente, Mirandolina, você não compreende nada a respeito de vinhos. É uma pena! Em matéria de lenço, você logo soube reconhecer o valor daquele que eu lhe dei, mas com vinhos não é a mesma coisa. MIRANDOLINA: Ele vive se gabando! CAVALEIRO: Eu não faço isso. MIRANDOLINA: O senhor se gaba de desprezar as mulheres! CAVALEIRO: E a senhora, de conquistar todos os homens! MIRANDOLINA: Todos, não! CAVALEIRO: Todos, sim! MARQUÊS: Ei, homem! Traze três copinhos! MIRANDOLINA: Não! Não quero mais, obrigada! CAVALEIRO: Não, muito obrigado! MARQUÊS: Não é para os senhores! (Jurandir traz os copos e o Marquês enche-os com muitos cuidados). Meu rapaz, peça licença ao seu patrão, e vá procurar o Conde de Albafiorita. Diga-lhe que eu faço questão de oferecer o meu vinho de Chipre. Fale bem alto e bem claro, para que todos ouçam. JURANDIR: Perfeitamente. (à parte). Coitados! Vão ficar bêbados!(sai). MARQUÊS: Bom, vou guardar um pouco deste tesouro. MIRANDOLINA: Cuidado, que não lhe faça mal! MARQUÊS: Mirandolina, só uma coisa me faz mal. MIRANDOLINA: O que, senhor? MARQUÊS: Seus olhos... MIRANDOLINA: Verdade? MARQUÊS: Cavaleiro, estou perdidamente apaixonado por esta mulher! CAVALEIRO: Eu sinto muito. MARQUÊS: É porque o senhor nunca amou, porque se tivesse amado teria pena de mim. CAVALEIRO: E tenho mesmo. MARQUÊS: Além de tudo, sou ciumento. Só deixo que ela fique perto do senhor porque sei que não há perigo. CAVALEIRO: (à parte). Estou perdendo a paciência. JURANDIR: (entrando). Sr, Marquês! O sr. Conde agradece a delicadeza e manda este vinho das Canárias. MARQUÊS: Agora ele quer comparar o meu vinho de Chipre com as suas Canárias! Deixe estar. Não passa de uma infame mistura. CAVALEIRO: Não julgue antes de experimentar. MARQUÊS: Nunca! Isto aqui é mais uma impertinência do sr. Conde, que quer ser maior em tudo. Quer ofender-me, quer provocar-me, para que eu faça alguma besteira. Mas eu juro que, se eu a fizer, será a maior besteira de todas! Mirandolina, ou você expulsa este homem daqui, ou haverá uma grande tragédia aqui dentro! Sou quem sou, e não suportarei mais insultos! Boa noite! (sai). JURANDIR (sai junto com o Marquês) 22
  • 23. 23 CAVALEIRO: Está louco! Completamente louco! MIRANDOLINA: Ficou furioso com a atitude do Conde, não foi? CAVALEIRO: Ele está louco, e a culpada de tudo é você. MIRANDOLINA: Você acha que uma pobre mulher como eu é capaz de enlouquecer um homem? CAVALEIRO: Acho! A senhora... MIRANDOLINA: Ah, com licença, senhor! CAVALEIRO: Mirandolina, espere! MIRANDOLINA: Senhor, até logo! CAVALEIRO: Espere, volte! MIRANDOLINA: O que quer de mim? CAVALEIRO: Tome mais um pouco de Borgonha. MIRANDOLINA: Vamos, rápido! Preciso ir cuidar da minha vida! CAVALEIRO: Sente-se. MIRANDOLINA: De pé, de pé. Vou fazer um brinde que a minha vovó me ensinou: “Viva o vinho, e viva o Amor. Um e outro a gente encanta: desce aquele até a garganta, este chega ao coração. Bebo o vinho, e me despeço. Quanto ao resto, nada peço.” (sai). CAVALEIRO: Bravos, bravos! Mirandolina, espere! Danada! Foi-se embora e me deixou com mil diabos que me atormentam. “Bebo o vinho e me despeço - quanto ao resto, nada peço”... Ah diaba! Quer-me engrupir, quer me assassinar! E o faz com um jeitinho tão malicioso... Meu Deus, como ela é insinuante! Será que essa mulher... Não! Eu vou para Livorno. Eu juro solenemente que nunca mais porei os pés onde haja mulheres! Nunca mais! (sai). CENA 2 CONDE: Este marquês de Forlipópoli é um tipo muito curioso. É nobre de nascença, sem dúvida. Mas, primeiro o pai, depois ele, esbanjaram toda a sua fortuna. Sobrou-lhe apenas do que viver. Mas o homem mesmo assim não resiste à tentação de se mostrar importante. HORTÊNSIA: Bem se vê que queria ser generoso, mas não consegue. DEJANIRA: Faz uns presentes sem valor, e ainda quer que todo mundo o saiba. CONDE: Seria um bom personagem para alguma comédia. HORTÊNSIA: Pois deixe que chegue a companhia. Vamos armar uma boa brincadeira à custa dele. DEJANIRA: Tem uns atores muito bons pra imitar esses tipos. CONDE: Mas, se quiserem lhe pregar uma peça, deverão continuar fingindo que são damas. HORTÊNSIA: Por mim, não há dúvidas. Agora, esta mulher não sabe ficar séria. DEJANIRA: É que fora de cena, eu não sei fingir. CONDE: De minha parte, fizeram muito bem em revelar-me a verdade. Só assim poderei fazer algo por vós. HORTÊNSIA: O senhor conde será o nosso protetor. DEJANIRA: Somos amigas, e vamos dividir os seus favores em partes iguais. CONDE: Olha, quero ser franco com vocês. Eu serei seu amigo e tentarei ajudá-las, mas eu tenho cá uma obrigação que me impede de frequentar vossa casa. HORTÊNSIA: Aposto que é caso de amor. CONDE: Vou revelar-lhes outro segredo: trata-se da dona desta locanda. HORTÊNSIA: Ora! Admira-me que o senhor Conde perca o seu tempo com uma hoteleira qualquer! 23
  • 24. 24 DEJANIRA: Bem melhor seria se o empregasse com uma comediante. CONDE: Francamente, o amor com as comediantes não me agrada. Hoje estão cá, amanhã quem sabe onde? HORTÊNSIA: Pois não é melhor assim? Não se criam laços eternos e o homem não se arruína. CONDE: Pode ser, mas gosto dela e não quero que se zangue comigo. DEJANIRA: Que tem ela de especial? CONDE: Muito. HORTÊNSIA: É bonita, corada... CONDE: Fala com propriedade e tem bom gosto... DEJANIRA: Nesse ponto, ousará compará-la conosco? CONDE: Chega! Mirandolina me agrada. Se vocês quiserem continuar com a minha amizade, terão de gostar dela. Caso o contrário, façam de conta que nunca me conheceram. HORTÊNSIA: Sendo assim, eu a declaro mais bonita do que Vênus. DEJANIRA: É a mais inteligente da face da terra. CONDE: Assim é melhor. Oh! Viram aquele homem passando de forma inusitada ali atrás? HORTÊNSIA: Vi, por quê? CONDE: É outro bom tipo para o teatro. HORTÊNSIA: Que gênero? CONDE: Do tipo que detesta as mulheres. DEJANIRA: Coitado! HORTÊNSIA: Deve ter sofrido alguma desilusão amorosa. CONDE: Qual! Nunca amou, e sempre se recusou a tratar com mulheres. Seu desprezo chega ao ponto de ele nem olhar para Mirandolina. HORTÊNSIA: Mirandolina! Se eu quisesse, conseguiria fazê-lo mudar de opinião. DEJANIRA: Grande coisa! Eu também sou capaz... CONDE: Então aceito a aposta. Vamos nos divertir. Se conseguirem que ele se apaixone ganharão de mim um lindo presente. HORTÊNSIA: Não quero recompensa! Se o fizer, será por meu gosto. DEJANIRA: Se o sr. Conde quer demonstrar a sua generosidade, não há de ser por isso. Vamos nos divertir enquanto a companhia não chega! CONDE: Querem que o mande chamar? HORTÊNSIA: Como quiser. CONDE: (para fora) Homem! Diga ao Cavaleiro de Ripafratta que venha até aqui, pois preciso falar-lhe. (às atrizes) Queridas, continuem fingindo que são damas. Escondamse aqui, pois se ele as vê, logo foge. HORTÊNSIA: Cavaleiro de Ripafratta? É toscano? CONDE: Toscano. DEJANIRA: É casado? CONDE: Que esperança! HORTÊNSIA: Rico? CONDE: Muito. DEJANIRA: Generoso? CONDE: Generosíssimo? DEJANIRA: Então o deixe por minha conta! Não sou nenhuma Mirandolina, porém conheço os homens. HORTÊNSIA: Que Mirandolina, o que? Saberemos como amansá-lo. CONDE: Fiquem bem quietinhas, principalmente a senhora de vermelho que adora falar. 24
  • 25. 25 CENA 3 CAVALEIRO: (entrando). O sr. Conde deseja falar comigo? CONDE: Sim, desculpe incomodá-lo. É que na verdade há aqui um problema que vem me afligindo ha algum tempo e... (abrindo a cortina). Estas duas damas gostariam de falar com o senhor! CAVALEIRO: Desculpem, estou com pressa. Talvez mais tarde... HORTÊNSIA: É coisa de um minuto. DEJANIRA: Duas palavras apenas. CONDE: Não quero atrapalhar. Até logo! (sai). CAVALEIRO: O que as senhoras desejam? HORTÊNSIA: Não quer sentar-se? CAVALEIRO: Não, estou com pressa. DEJANIRA: Tão rude com as mulheres? CAVALEIRO: Vamos direto ao assunto, por favor. HORTÊNSIA: Senhor Cavaleiro! Precisamos da sua ajuda, da sua bondade, da sua proteção! DEJANIRA: Nossos maridos nos abandonaram. CAVALEIRO: Prazer em conhecê-las... HORTÊNSIA: Assim nos trata? DEJANIRA: São estes os modos de um Cavaleiro? CAVALEIRO: Sinto muito! Provavelmente as senhoras devem saber que tenho amigos em Florença e vão querer que eu vá para cima e para baixo... Eu não dou para isso. Não contem comigo! HORTÊNSIA: Acho melhor contarmos a verdade. DEJANIRA: Sim, sejamos francas! CAVALEIRO: Que novidade é essa? HORTÊNSIA: Sr. Cavaleiro, não somos duas damas. CAVALEIRO: O quê? DEJANIRA: Foi uma brincadeirinha do sr. Conde. Somos duas comediantes. CAVALEIRO: Comediantes? Então falem à vontade. Conheço bem as pessoas da sua laia. Não tenho medo de vocês. HORTÊNSIA: O que o senhor quer dizer com isso? CAVALEIRO: Sei que mentem em cena e fora de cena. DEJANIRA: Eu, fora de cena, não sei fingir. CAVALEIRO: Não sabe? E qual é o seu nome? Senhora Sinceridade? DEJANIRA: Meu nome é... CAVALEIRO: E o da senhora? Senhora Pureza? HORTÊNSIA: Mas, Cavaleiro... CAVALEIRO: Quando fica na porta do teatro com a bandeja, abre bem o decote, não é? HORTÊNSIA: Mas eu... CAVALEIRO: E qual o seu sistema para pegar os “trouxas”? DEJANIRA: Um momento, senhor... CAVALEIRO: Eu conheço bem a gíria. Não é “trouxa” que se diz? HORTÊNSIA: O sr. Cavaleiro é um homem muito espirituoso... (tenta pegar-lhe o braço) CAVALEIRO: Tire as patas daí! (ele a joga no chão). HORTÊNSIA: Parece mais um “camelo” do que uma cavaleiro! CAVALEIRO: “Camelo” quer dizer camponês. HORTÊNSIA: Que espertinho! 25
  • 26. 26 CAVALEIRO: Pensa que eu não sei? As senhoras é que são duas impertinentes! DEJANIRA: Ousa dizer isso a mim? HORTÊNSIA: A uma mulher como eu? CAVALEIRO: Que bela cara pintada! HORTÊNSIA: Patife! CAVALEIRO: Que belo cabelo postiço! DEJANIRA: Canalha! CAVALEIRO: Vocês, com seus vestidos horrorosos, assustando todo mundo! HORTÊNSIA: É Armani, Maladetto! (as duas atrizes saem, em meio a xingamentos recíprocos entre elas e o Cavaleiro). CAVALEIRO: O que elas pensam que eu sou? Algum bobo? HORTÊNSIA: Bobo, não! Veado! (Cavaleiro joga o sapato) Ai, caralho! CENA 4 CAVALEIRO: Se fossem damas, a única coisa a fazer era fugir; mas sendo quem são, é bom dizer-lhes a verdade logo na cara. Sempre que eu posso, gosto de maltratar as mulheres. Mirandolina não, é claro. Ela é sempre tão atenciosa comigo, que não consigo deixar de gostar dela. Mas nem por isso, deixa de ser mulher. Amanhã mesmo vou embora! Mas, por que esperar até amanhã? Quem garante que Mirandolina queira me procurar esta noite? Aqui é preciso tomar uma resolução de homem. JURANDIR: (entrando). Patrãozinho... CAVALEIRO: Que é? JURANDIR: O Marquês está no quarto do senhor e quer falar-lhe. CAVALEIRO: O que ele quer desta vez? Se quiser dinheiro, está muito bem arranjado! Não conseguirá um centavo! Que espere! Vá até o criado da locanda e peça a conta. JURANDIR: Sim, senhor. CAVALEIRO: Vá até nosso quarto e faça as malas. JURANDIR: Vamos partir? CAVALEIRO: Traga também a espada. JURANDIR: E se o Marquês ver as malas? CAVALEIRO: Invente qualquer história. Vá logo! JURANDIR: Que pena ter que partir. Eu estava gostando da Mirandolina. CENA 5 CAVALEIRO: Ei, rapaz! Traga-me a conta. FABRÍCIO: Sim senhor. Vou falar com a patroa. CAVALEIRO: Ela é quem faz as contas? FABRÍCIO: Sempre. Mesmo quando o pai estava vivo. Ela escreve e faz contas igual a um guarda-livros. CAVALEIRO: (à parte). Que mulher singular! FABRÍCIO: Eu é que vou me casar com ela! CAVALEIRO: A conta! FABRÍCIO: Já vai! (sai). CENA 6 CAVALEIRO: Todos apaixonados por Mirandolina! Não é de se admirar, uma vez que eu estava começando a ficar impressionado. Mas eu vou embora. Saberei superar essa força desconhecida... Que vejo? Mirandolina? Ela segura um papel... deve ser a conta. Que eu faço? Bem, preciso aguentar este último encontro. Dentro de duas horas estarei bem longe. 26
  • 27. 27 MIRANDOLINA: Senhor... CAVALEIRO: Mirandolina... MIRANDOLINA: Com licença. CAVALEIRO: Entre. MIRANDOLINA: Pediu a conta e eu a trouxe. CAVALEIRO: Deixe-me ver. MIRANDOLINA: Ei-la! (enxuga os olhos no avental). CAVALEIRO: O que é que você tem? MIRANDOLINA: Nada, senhor. Eu estava na cozinha e a fumaça entrou nos meus olhos. CAVALEIRO: Fumaça, nos olhos... Bem, a conta... Vinte paulos? Um preço tão barato? Vinte paulos? MIRANDOLINA: Pois a conta é essa. CAVALEIRO: E o almoço especial de hoje? MIRANDOLINA: O que dou de presente não costumo cobrar. CAVALEIRO: Presente? MIRANDOLINA: Desculpe a impertinência. Aceite como um ato de... (chora) CAVALEIRO: Mas o que é que você tem, Mirandolina? MIRANDOLINA: Deve ser alguma doença dos olhos. CAVALEIRO: Será que você ficou assim cozinhando por minha causa? MIRANDOLINA: Se fosse por isso eu sofreria com prazer! CAVALEIRO: Preciso ir embora. Tome, são dois escudos. Disponha deles como quiser. Lembre-se de mim, e procure entender... se puder... (faz menção de sair, e Mirandolina desmaia). CAVALEIRO: Mirandolina! Ai, meu Deus! Pobrezinha! Será que estava apaixonada por mim? Mas... tão rápido? Pode ser, já que também estava ficando apaixonado por ela... Querida! Eu disse querida? Afinal, desmaiou por minha causa... Meu Deus, como ela é bonita! Eu não sei lidar com mulheres, não tenho sais, não tenho perfumes... Vou procurar ajuda. Não tem ninguém aí? Coitadinha! Que Deus a abençoe. (sai). MIRANDOLINA: (abre os olhos). Agora caiu direitinho! Muitas são as armas das mulheres, mas quando os homens são teimosos, o golpe definitivo é o desmaio. Ele vem voltando! (fecha os olhos). CAVALEIRO: Ainda está desmaiada! Ela realmente me ama. Olha só... trouxe água para lhe acordar... Eu não vou mais partir! Vou ficar aqui... Vamos, coragem! Eu vou ficar! JURANDIR: (entrando). Eis a espada e o chapéu. CAVALEIRO: Sai daqui. JURANDIR: E as malas? CAVALEIRO: Sai daqui, desgraçado! JURANDIR: Mirandolina! Coitada... CAVALEIRO: Sai daqui ou te quebro a cara! (Jurandir sai). Ainda não voltou a si. Ela está suando frio... Vamos, meu amor! Fale comigo... MARQUÊS: (entrando). Que foi? CONDE: (entrando). Mas, meu amigo... CAVALEIRO: (à parte). Um raio que os parta! MARQUÊS: Mirandolina? MIRANDOLINA: Ai... (acordando). MARQUÊS: Foi só ela me ver que ficou boa! MIRANDOLINA: Onde estou? CONDE: Muito bem, senhor Cavaleiro! 27
  • 28. 28 MARQUÊS: Muito bem, senhor inimigo das mulheres! CONDE: Caiu direitinho, hein, homem? CAVALEIRO: Vão os dois para o diabo que os carregue! (sai). CONDE: O homem ficou louco.(sai). MARQUÊS: O senhor há de me pagar por esta impertinência!(sai). MIRANDOLINA: O jogo está feito! O coração do homem virou fogo, chama, cinza. Para completar minha vitória, só falta tornar público o meu triunfo. Assim estarão vingadas as mulheres, e punidos os homens presunçosos que fazem pouco de nós! (sai). ATO III CENA 1 MIRANDOLINA: Mas que porcaria é essa? Para a palhaçada! Olha gente! Agora acabaram-se as brincadeiras. Agora preciso cuidar do meu trabalho. Dá licença! Fabrício! FABRÍCIO: O que é, patroa? MIRANDOLINA: Traz-me um ferro quente, querido! FABRÍCIO: Já vai, patroa! MIRANDOLINA: Desculpe se eu peço este favor a você! FABRÍCIO: Não tem de quê, patroa! Enquanto comer do seu pão eu tenho a obrigação de servi-la. MIRANDOLINA: Não tem obrigação, não! Esse não é o serviço seu! Então, eu, da minha parte... não quero dizer mais nada! FABRÍCIO: A senhora sabe que eu me atiraria ao fogo pela senhora! Mas tudo é deitado a rua, né? MIRANDOLINA: Deitado a rua? Acha que eu sou uma ingrata? FABRÍCIO: É que a senhora não tem olhos para pobres plebeus como eu. Ela gosta é da aristocracia! É a nobreza que te agrada, né? MIRANDOLINA: Aqueles dois loucos, ah! Vai buscar o ferro! FABRÍCIO: Eu vi com os meus próprios olhos! MIRANDOLINA: Menos conversas! FABRÍCIO: Vou fazer a sua vontade! Mas há de ser por pouco tempo! MIRANDOLINA: Ah esses homens! Quanto mais a gente gosta deles, piores eles ficam! FABRÍCIO: O que foi que a senhora disse? MIRANDOLINA: Esse ferro vem ou não vem? FABRÍCIO: Já vai! Ora me agrada e ora dá pra trás! Eu vou lá entender? MIRANDOLINA: Pobre idiota. Há de me servir mesmo sem querer! CENA 2 JURANDIR: (entrando). Oi, Dona Mirandolina! Meu patrãozinho quer saber como está passando? MIRANDOLINA: Vai dizer a ele que eu me sinto perfeitamente bem! JURANDIR: Darei o recado! Ah! Ele também encarregou-me de entregar-lhe isso! É essência de melissa! Um remédio excelente! MIRANDOLINA: É de ouro o frasco? 28
  • 29. 29 JURANDIR: Ouro legítimo. MIRANDOLINA: E por que não me deu quando eu desmaiei? JURANDIR: Porque não o tinha. MIRANDOLINA: E como é que tem agora? JURANDIR: É um segredo... mas eu vou contar! Eu vou contar! Meu patrãozinho mandou-me hoje mesmo no joalheiro. Olha que o homem quis 12 escudos por isso. Depois, eu mesmo fui à farmácia e comprei o remédio. MIRANDOLINA: (ri). JURANDIR: Qual é a graça? MIRANDOLINA: Ele manda buscar o remédio quando o mal já passou! Jurandir - Mas servirá para outra vez! MIRANDOLINA: Vou tomar um gole disso. Tratamento preventivo! Tome. Leve ao seu patrão e diga que eu agradeço muito. (devolve o frasco). Jurandir - Não, o frasco é seu! MIRANDOLINA: Meu? JURANDIR: Presente do meu patrãozinho! MIRANDOLINA: Pois leva-o de volta com os meus agradecimentos. JURANDIR: Não! Não faça uma coisa dessas! MIRANDOLINA: Eu não costumo aceitar presentes! JURANDIR: Mas o patrãozinho vai ficar zangado... MIRANDOLINA: Leva-o de volta! Já disse. JURANDIR: Como quiser! Oh! Nunca vi no mundo uma mulher capaz de recusar 12 escudos com essa calma. (sai). CENA 3 MIRANDOLINA: Esse cavaleiro está em ponto de rebuçado! FABRÍCIO: (entrando). Patroa, aqui está o ferro! MIRANDOLINA: Está quente? FABRÍCIO: Está queimando. Como eu! MIRANDOLINA: Que fogo é esse, meu filho? FABRÍCIO: É o tal do Cavaleiro da Ripa-fraca mandando recadinhos, mandando presentinhos! Eu já sei de tudo! MIRANDOLINA: Pois não é nenhum mistério. Mandou-me sim, um frasco de ouro e eu mandei de volta! FABRÍCIO: Mandou de volta? MIRANDOLINA: Se não acredita vá perguntar a ele! FABRÍCIO: Por que fez isso? MIRANDOLINA: Porque não quero que você pense que... ah, vamos mudar de assunto! FABRÍCIO: Mirandolina, querida, perdoe-me! MIRANDOLINA: Ah! Me deixa trabalhar! FABRÍCIO: Mas compreenda que... MIRANDOLINA: Vai buscar o outro ferro e quando estiver quente traga-o aqui! FABRÍCIO: Mas saiba que... MIRANDOLINA: Chega! Ai, estou ficando colérica! FABRÍCIO: O geniozinho difícil que eu adoro! (sai). MIRANDOLINA (dá uma piscadinha para a platéia) CENA 4 29
  • 30. 30 CAVALEIRO: (entrando). Eu não queria vir, mas foi o diabo que me trouxe aqui! MIRANDOLINA: Hum... Temos visitas! CAVALEIRO: Mirandolina MIRANDOLINA: Senhor? O que faz aqui? A suas ordens. CAVALEIRO: Como está se sentindo? MIRANDOLINA: Estou bem, estou bem. CAVALEIRO: Pois saiba que eu estou zangado com a senhora. MIRANDOLINA: Por que, senhor? CAVALEIRO: Porque recusou o meu presente! MIRANDOLINA: Que outra coisa podia eu fazer? CAVALEIRO: Guardá-lo e utilizá-lo sempre que precisasse. MIRANDOLINA: Só desmaiei uma vez e isso não se repetirá. CAVALEIRO: Mirandolina, por acaso esse seu desmaio foi por minha culpa? MIRANDOLINA: Infelizmente sim. Você me deu um gole daquele Borgonha ordinário e eu passei mal. CAVALEIRO: Ah, então foi isso. MIRANDOLINA: Foi! E eu nunca mais irei vê-lo no seu quarto. CAVALEIRO: Nunca mais? Pois eu compreendo. Você disse nunca mais? Pois eu digo que venha! Venha, e não se arrependerá! MIRANDOLINA: Meu ferro esfriou! Fabrício? CAVALEIRO: Vamos, aceite o meu presente. MIRANDOLINA: Não costumo aceitar presentes. CAVALEIRO: Mas a senhora aceitou os do Conde! MIRANDOLINA: Mas eu não queria dar um desgosto a ele. CAVALEIRO: E quer dar um desgosto a mim? MIRANDOLINA: O senhor não liga para o que as mulheres fazem. CAVALEIRO: As coisas mudaram muito! MIRANDOLINA: Ah, vamos ter lua nova? A que horas? CAVALEIRO: Estou falando de um sentimento que se dá dentro de mim. A lua não tem nada com isso. Você praticamente fez um milagre com sua beleza, seus encantos... MIRANDOLINA: (ri). CAVALEIRO: De que está rindo? MIRANDOLINA: O senhor zomba de mim e não quer que eu ria? CAVALEIRO: Eu, zombar de você, meu amor, longe disso! Vamos, aceite o meu presente! MIRANDOLINA: Não, obrigada! CAVALEIRO: Aceite! MIRANDOLINA: Fabrício? CAVALEIRO: Aceita ou não aceita? MIRANDOLINA: (joga o frasco no cesto). CAVALEIRO: E joga assim o meu presente?! MIRANDOLINA: Fabrício, e o ferro? FABRÍCIO: (entrando). Pronto, aqui está o ferro! MIRANDOLINA: Está bem quente? FABRÍCIO: Está! MIRANDOLINA: O que é que você tem Fabrício? FABRÍCIO: Eu não tenho nada patroa! MIRANDOLINA: Está se sentindo mal? FABRÍCIO: Dê-me o outro ferro para que eu esquente. 30
  • 31. 31 MIRANDOLINA: Estou te estranhando, parece doente. CAVALEIRO: Vamos, dê-lhe o ferro e deixe-o ir! MIRANDOLINA: Eu gosto muito dele, sabe? É o meu homem de confiança. CAVALEIRO: Vou estourar! MIRANDOLINA: Tome o ferro, meu caro Fabrício. Vá. FABRÍCIO: Mas patroa... MIRANDOLINA: Vá, vá depressa. FABRÍCIO: Eu vou... Não aguento mais essa situação! (sai). CAVALEIRO: A senhora está apaixonada por ele! MIRANDOLINA: Eu? Apaixonar-me por um criado? Ora, meu senhor, se eu fosse me apaixonar eu ao menos saberia escolher. CAVALEIRO: É verdade, a senhora merece o amor de um rei. MIRANDOLINA: Rei de copas ou de espadas? CAVALEIRO: Mirandolina, falemos sério! MIRANDOLINA: Sim, estou ouvindo. CAVALEIRO: Você não pode para de passar essa roupa por um instante? MIRANDOLINA: Não. Eu preciso terminar essa roupa hoje. CAVALEIRO: Dá mais importância a roupa do que a mim? MIRANDOLINA: Sem dúvida. Da roupa eu preciso, enquanto o senhor não me é útil em nada. CAVALEIRO: Ao contrário, pode se dispor de mim. MIRANDOLINA: O senhor não gosta das mulheres! CAVALEIRO: Eu gosto de você. Sim, Mirandolina, eu gosto de você, eu a amo, e eu lhe peço perdão! MIRANDOLINA: Interessante. Não se incomode. CAVALEIRO: Não é incômodo nenhum. Estou aqui para servi-la. MIRANDOLINA: (ri). CAVALEIRO: Está rindo outra vez? MIRANDOLINA: Claro, canastrão! CAVALEIRO: Eu não aguento mais! MIRANDOLINA: Está se sentindo mal? CAVALEIRO: Estou, e quem vai desmaiar dessa vez sou eu! MIRANDOLINA: Então tome um pouco de melissa. CAVALEIRO: Não seja cruel comigo. Eu gosto de você. Eu a amo, juro que a amo! (queima a mão no ferro) Ai! MIRANDOLINA: Desculpe, não foi de propósito. CAVALEIRO: Não faz mal. Você me machucou muito mais profundamente. MIRANDOLINA: Onde senhor? CAVALEIRO: No coração. MIRANDOLINA: Fabrício! CAVALEIRO: Não chame esse homem! MIRANDOLINA: Eu preciso de outro ferro! CAVALEIRO: Eu chamarei o meu criado. MIRANDOLINA: Fabrício? CAVALEIRO: Se esse homem aparecer aqui, quebro a cara dele! MIRANDOLINA: Tem graça, não posso dispor do meu pessoal? CAVALEIRO: Chame qualquer um. Menos esse! MIRANDOLINA: Eu acho que o senhor está exagerando. CAVALEIRO: Desculpe-me. Eu estou muito agitado. MIRANDOLINA: Eu mesma vou buscar o ferro, assim o senhor não se agitará. 31
  • 32. 32 CAVALEIRO: Não... Fique, fique! MIRANDOLINA: O senhor é engraçado, hein? CAVALEIRO: Desculpe. MIRANDOLINA: Eu não posso chamar meus empregados? CAVALEIRO: Confesso que eu tenho ciúmes desse Fabrício! MIRANDOLINA: Corre atrás de mim feito um cachorrinho. CAVALEIRO: A senhora precisa entender! MIRANDOLINA: Ninguém manda em mim, viu? CAVALEIRO: Eu não mando. Eu peço MIRANDOLINA: O que que cê qué? CAVALEIRO: Compreensão, compaixão, carinho, amor... MIRANDOLINA: Ah! Um homem que até ontem desprezava as mulheres quer compaixão, carinho e amor? Ah, é impossível, eu não acredito! Toma, apanha, morre, sem vergonha! Assim você aprende! (sai). CAVALEIRO: Maldita hora em que eu fui conhecer essa mulher! Agora que caí no laço, não há mais remédio! CENA 5 MARQUÊS: Senhor Cavaleiro: o senhor me insultou. CAVALEIRO: Desculpe-me. Foi sem querer. MARQUÊS: Estou achando sua atitude bastante estranha. CAVALEIRO: Afinal, o jarro não caiu na sua cabeça, não foi? MARQUÊS: Foi uma impertinência da sua parte! CAVALEIRO: Foi um acidente, e pela terceira vez, me desculpe! MARQUÊS: Exijo satisfação! CAVALEIRO: Eu já lhe pedi desculpas, o que mais o senhor quer? MARQUÊS: Bem, se não foi de propósito... CAVALEIRO: Não, não foi de propósito, mas se o senhor faz questão, eu posso lhe dar todas as satisfações do mundo! Eu não tenho medo do senhor! MARQUÊS: Bem, bem, não se fala mais nisso! Mas conheço os motivos da sua agitação... CAVALEIRO: Não se meta em minha vida! MARQUÊS: Pra que disfarçar? Não negue que está apaixonado! CAVALEIRO: Deixe-me em paz, se não quer que isto acabe mal! (sai). CENA 6 MARQUÊS: Está apaixonado. Talvez queira esconder a verdade porque tem medo de mim. Sabe que sou um rival perigoso. Hum! Bonito este frasco. Será que é de ouro? Não pode ser. Se fosse mesmo de ouro ninguém deixaria largado por aí. Hum, é essência de melissa. HORTÊNCIA: (entrando). Senhor Marquês, há quanto... Que frasco bonito! Que é que há dentro dele? MARQUÊS: Essência de melissa. HORTÊNCIA: Hum, gostoso! O frasco é de ouro? MARQUÊS: Evidentemente... (a parte). Que ela não entende nada dessas coisas! HORTÊNCIA: É do senhor? MARQUÊS: Meu e seu se a senhora assim desejar. HORTÊNCIA: Oh, muito obrigada. MARQUÊS: A senhora está brincando, não é mesmo? HORTÊNCIA: Não. O senhor ofereceu. 32
  • 33. 33 MARQUÊS: Eu vou dizer-lhe a verdade: não é de ouro. Dar-te-ei um presente melhor. HORTÊNCIA: Um presente do senhor é sempre precioso. MARQUÊS: Está bem, fique com ele se assim o quiser. Será preciso indenizar Mirandolina. HORTÊNCIA: O senhor marques é muito generoso. MARQUÊS: Eu sei, eu sei. Vou pedir-lhe um favor. Não comente sobre isso com ninguém. Principalmente com Mirandolina, que é indiscreta, fala demais. HORTÊNCIA: Compreendi perfeitamente. E ninguém saberá disso, a não ser Dejanira. MARQUÊS: A condessa? HORTÊNCIA: Isso mesmo, a condessa (ri e sai). CENA 7 MARQUÊS: Coitada. Deixe estar. Arrumarei um Felipe emprestado e pagarei Mirandolina. JURANDIR: (entrando). O senhor viu um frasco? MARQUÊS: Que frasco? JURANDIR: Um frasco de essência de melissa. A dona Mirandolina está procurando. MARQUÊS: Um frasco dourado? JURANDIR: Não, um frasco de ouro. Ouro legítimo. Eu mesmo fui buscar na joalheria. O homem quis 12 escudos por isso. MARQUÊS: 12 escudos? Como alguém deixa um frasco de 12 escudos por aí? JURANDIR: Pois é. E eu não consigo encontrá-lo. MARQUÊS: Pois eu não vi nada. JURANDIR: Bom, pior pra ela. De qualquer maneira, muito obrigado senhor marquês. (sai). CENA 8 MARQUÊS: 12 escudos? E agora? CONDE: Que me diz o senhor Marquês da novidade? MARQUÊS: Que novidade é essa? CONDE: O Cavaleiro de Ripafratta está apaixonado por Mirandolina. MARQUÊS: Ótimo. Assim ele reconhecerá o valor dessa mulher! E compreenderá que quando eu gosto de alguém é uma pessoa excepcional. CONDE: E se ela corresponder a esse amor? MARQUÊS: Impossível. Ainda mais depois de tudo o que eu lhe fiz. CONDE: Eu que fiz muito mais, qual foi o resultado? Mirandolina teve para com este cavaleiro certas atenções especiais que nunca teve para conosco. Para ele a melhor roupa branca. Para ele um almoço servido em horário especial. Para ele os pratos feitos e enviados pessoalmente por Mirandolina. Os criados já estão comentando. E se ainda não bastasse, houve o desmaio de Mirandolina: real ou fingido é uma prova concreta de amor. MARQUÊS: Que absurdo! Isso é uma ofensa a minha posição de aristocrata. CONDE: E eu que gastei tanto dinheiro com essa rapariga! MARQUÊS: E este homem nunca lhe deu nada! CONDE: Deu sim. Agora pouco. MARQUÊS: O que foi que ele lhe deu? CONDE: Um frasco de ouro com essência de melissa. MARQUÊS: A coisa piorou. 33
  • 34. 34 CONDE: Olha, essa Mirandolina é uma ingrata. Vou sair daqui imediatamente. MARQUÊS: O senhor faz muito bem! Vá embora, vá! CONDE: O senhor também, que é tão zeloso da vossa reputação, não pode deixar de partir comigo. MARQUÊS: Partir pra onde? CONDE: Iremos para a casa de um amigo meu. O senhor não gastará nada. MARQUÊS: O senhor é um grande amigo. CONDE: Então vamos lá. Vinguemo-nos dessa pérfida criatura. MARQUÊS: Esta mulher é uma ingrata. CONDE: Se o senhor precisar de alguma coisa... MARQUÊS: O frasco. Bem, preciso ser franco com o senhor. O administrador das minhas propriedades atrasou-me um pagamento... CONDE: E está devendo dinheiro a Mirandolina. MARQUÊS: 12 escudos. O senhor teria alguma dificuldade em... CONDE: Não, não... Ei-los. MARQUÊS: Alias, são 13 escudos. CONDE: Aqui está. MARQUÊS: Obrigado, sim? Devolverei os 13 escudos ao senhor. CONDE: Não tem pressa. E não há de sobrar um hóspede aqui nessa locanda. Olha aqui minha gente: isto aqui vai fechar! Eu inclusive já mandei embora aquelas duas comediantes. MARQUÊS: Comediantes? CONDE: Sim, Hortência e Dejanira. MARQUÊS: Não eram damas? CONDE: Não eram apenas duas comediantes. A Cia chegou e elas já estão para partir. MARQUÊS: Oh! Preciso ir antes que partam! Com licença. CONDE: (Vai sair e encontra com Mirandolina) Olá, Miranda! CENA 9 MIRANDOLINA: Coitada de mim eu estou bem arranjada. Se o Cavaleiro aparecer por aqui, quem poderá me defender? Sou uma mulher sozinha, não tenho ninguém que me defenda. Mas, se eu pedisse o Fabrício... FABRICIO (entra) CAVALEIRO: Mirandolina! Mirandolina! MIRANDOLINA: O senhor precisa de alguma coisa? CAVALEIRO: Onde está você? MIRANDOLINA: Ah, espere no seu quarto que não me demorarei. CAVALEIRO: Mas onde está você? MIRANDOLINA: Eu insisto senhor. Vá para seu quarto que eu já vou. CAVALEIRO: Eu vou para o quarto, mas se você não aparecer haverá uma tragédia aqui dentro. MIRANDOLINA: Agora a coisa vai de mal a pior. Será que ele se foi? FABRÍCIO: Bem feito. É isso que acontece a uma mulher sozinha, você não tem mais pai. Se fosse casada isso não aconteceria. MIRANDOLINA: Eu sei, é verdade. Eu estou mesmo pensando em me casar. FABRÍCIO: Então se lembre do que disse seu pai. MIRANDOLINA: Estou me lembrando... CAVALEIRO: Mirandolina! MIRANDOLINA: Ai meu Deus. FABRÍCIO: Quem é? 34
  • 35. 35 CAVALEIRO: Mirandolina! FABRÍCIO: Que o senhor quer? MIRANDOLINA: É melhor que eu vá embora. FABRÍCIO: Do que é que você tem medo? MIRANDOLINA: É melhor que eu não esteja presente. FABRÍCIO: Mas eu a protegerei. MIRANDOLINA: Até logo. (sai). CAVALEIRO: Mirandolina onde está você? Mirandolina! FABRÍCIO: Eu vou chamar alguém. Alguém! CENA 10 CONDE: (entrando). Que é que foi? Marquês: (entrando). Que barulho é esse? FABRÍCIO: O Cavaleiro da “Ripafraca” enlouqueceu. CAVALEIRO: Mirandolina! MARQUÊS: Ah, eu não disse. Vamos embora. CONDE: Deixe por minha conta. CAVALEIRO: Onde está ela? CONDE: Que fúria é essa, senhor? MARQUÊS: Explique-se, somos amigos. CAVALEIRO: (silêncio) FABRÍCIO: O que o senhor queria com minha patroa? CAVALEIRO: Não interessa. Quando peço alguma coisa quero que me obedeçam. Pago por isso. FABRÍCIO: Você paga para ser atendido nas coisas honestas e justas. Mas, agora quando pede a uma mulher solteira... CAVALEIRO: O que é que está falando? Só eu sei que pedi a atua patroa! FABRÍCIO: Pediu que fosse a seu quarto sozinha. (Conde e Marquês tiram Fabrício de cena). E eu tenho mais umas coisinhas para falar sobre esse sujeito. Eu estou com vontade de matar hoje. CAVALEIRO: Ah, maldita! Deixou-me esperando, há de me pagar. MARQUÊS: O que é que ele tem? CONDE: É claro que está apaixonado. Chegou a hora da minha vingança. Senhor Cavaleiro! Quem tem o coração delicadinho como o senhor não deveria zombar dos sentimentos alheios. CAVALEIRO: O que quer dizer com isso? CONDE: Eu conheço os motivos da vossa agitação. CAVALEIRO: Sabe do que ele está falando? MARQUÊS: Não, não sei. CONDE: Estou falando do senhor que astuciosamente fingiu ser inimigo das mulheres para roubar Mirandolina de mim. CAVALEIRO: Acha que eu fiz isso? MARQUÊS: Não... CONDE: Vamos fale comigo homem, responda! Tem ou não tem vergonha dessa deslealdade? CAVALEIRO: Tenho vergonha de permitir que o senhor diga tais mentiras. CONDE: O senhor está me tratando de mentiroso? CAVALEIRO: O senhor afirma coisas absurdas! Absurdas, ouviu? MARQUÊS: Eu não tenho nada com isso. 35
  • 36. 36 CONDE: O verdadeiro mentiroso aqui é o senhor. MARQUÊS: Eu vou dar uma voltinha. CAVALEIRO: Fique aqui! CONDE: Eu exijo uma satisfação! CAVALEIRO: Com muito prazer. Empreste-me a sua espada. MARQUÊS: Acalme-se! Afinal senhor Conde, o Cavaleiro não é o único apaixonado por Mirandolina! CAVALEIRO: Eu não estou apaixonado por ninguém. É mentira! MARQUÊS: Foi ele que falou... CONDE: Eu falei, sustento o que disse, eu não tenho medo do senhor. CAVALEIRO: Ora, dê-me a sua espada! MARQUÊS: Não... CAVALEIRO: Está contra mim? MARQUÊS: Sou seu amigo, Cavaleiro. Eu sou amigo de todo mundo. CONDE: O senhor realmente cometeu uma ação bem indigna de um Cavaleiro. CAVALEIRO: Com mil diabos! MARQUÊS: O senhor como ousa? CAVALEIRO: Se o senhor quiser estou a sua disposição. MARQUÊS: Como você se esquenta rápido, hein? CONDE: Chega de palavras! MARQUÊS: Essa espada está muito acostumada comigo, Cavaleiro! O Senhor não vai conseguir nada! CAVALEIRO: Mais que merda. MARQUÊS: Maldito! Quebrou a minha espada! CAVALEIRO: Cadê a outra metade? MARQUÊS: Ah, agora eu me lembro, eu quebrei no meu último duelo... CAVALEIRO: Vou buscar uma espada de verdade! CONDE: O senhor pensa que pode fugir? CAVALEIRO: Fugir eu? Pois sou capaz até de lhe enfrentar com meia espada! MARQUÊS: Aço da Espanha, garantido, inquebrável. CONDE: Então, vamos? CAVALEIRO: Vamos. (duelo). CENA 11 (entram Fabrício e Mirandolina) MIRANDOLINA: O que é isso? CONDE: Tu, infame! MARQUÊS: Foi por sua causa! MIRANDOLINA: Que é que eu tenho com isso? CONDE: O Cavaleiro está apaixonado! CAVALEIRO: Eu não estou apaixonado por ninguém! O senhor mente! CONDE: (à Mirandolina) E tu tens sua parcela de culpa. MARQUÊS: Agente sabe, agente vê! CAVALEIRO: Sabe o que? Vê o que? MARQUÊS: Que quando é agente sabe e quando não é agente não vê. MIRANDOLINA: Os senhores ouviram! O senhor Cavaleiro negou que estivesse apaixonado por mim! Negou na minha frente, assim conseguiu me humilhar mostrando que tem caráter ao passo que eu agi levianamente. Confesso meus senhores, eu sou 36
  • 37. 37 muito franca, não sei esconder a verdade, tentei sim seduzir este homem mas nada consegui. Não é mesmo senhor Cavaleiro? Perdi a minha aposta. CAVALEIRO: Não posso falar. CONDE: O homem se encabulou. MARQUÊS: Não teve coragem de admitir. CAVALEIRO: O senhor não sabe o que diz! MARQUÊS: Por que o senhor sempre implica comigo? MIRANDOLINA: O senhor Cavaleiro é inabalável! Não cai nos truques das mulheres. Não acredita nas palavras, não confia nas lágrimas e zomba dos desmaios! CAVALEIRO: Quer dizer que as lágrimas, as palavras, os desmaios não passam de ficção? MIRANDOLINA: O senhor não sabe? Sabe sim! Por isso não acreditou em nada! CAVALEIRO: Uma encenação dessas deveria ser punida com a espada! MIRANDOLINA: Se exaltando assim, os senhores acharão que está apaixonado. CONDE: Não consegue disfarçar. MARQUÊS: Vê se pela expressão dos olhos. CAVALEIRO: Cala a boca! MARQUÊS: Sempre implicando comigo! MIRANDOLINA: O senhor Cavaleiro não está apaixonado e eu posso provar. CAVALEIRO: Vou embora. E da próxima vez terei uma espada de verdade. MIRANDOLINA: Fique! É preciso provar a estes senhores que não está apaixonado. É sua palavra contra as deles. CAVALEIRO: Não interessa. MIRANDOLINA: Interessa sim! Fique! CAVALEIRO: Que mais quer? MIRANDOLINA: Meus senhores, o sistema mais comum do amor é o ciúme. Quem não ama, não tem ciúme. Pois então, eu mostrarei para vocês que o Cavaleiro suportará calmamente que eu pertença a outro homem. CAVALEIRO: Quem é esse outro homem? MIRANDOLINA: O homem que recebeu de meu pai a promessa de minha mão. FABRÍCIO: Espera ai, sou eu. MIRANDOLINA: Sim Fabrício, na frente desses senhores dou a minha mão e prometo casar com você. CAVALEIRO: Aceite o que quiser, case-se com quem quiser! Eu sei que você me enganou! Sei que nesse momento você está rindo intimamente, pois tem a certeza da minha humilhação. Ah, eu já entendi, eu já entendi que você quer espezinhar o meu coração e a minha dignidade até o fim! Você merecia que eu lhe arrancasse o seu coração e mostra-se a todas as mulheres maliciosas e mentirosas, mas isso seria perdeme definitivamente. Fugirei, viu? Fugirei pra bem longe, procurando esquecer os seus sorrisos, as suas lágrimas e os seus malditos desmaios. Ah aprendi com você e as minhas custas que contra essa força terrível que as mulheres possuem, não basta o desprezo, nem o silêncio, é preciso fugir. (sai). CONDE: E dizia que não estava apaixonado. MIRANDOLINA: Agora eu percebo que o que fiz trouxe más consequências CENA 12 JURANDIR: Dá licença Dona Mirandolina... Vim despedir-me da senhora. MIRANDOLINA: Vai parti, Jurandir? JURANDIR: Vou, parto para Livorno com meu patrãozinho. 37
  • 38. 38 MIRANDOLINA: Desculpe, eu nem sei o que dizer, Jura. JURANDIR: Desculpa, mas eu não posso ficar, o patrãozinho está esperando. Obrigado por tudo Dona Mirandolina. Adeus. CENA 13 MIRANDOLINA: Agora ele se vai, deve ser bem triste essa viagem, eu confesso que estou com um pouco de remorso. Eu juro que nunca mais brincarei com o coração dos homens. CONDE: Querida Mirandolina, saiba que quero continuar sendo vosso amigo. MARQUÊS: Você pode contar sempre com a minha proteção. MIRANDOLINA: Agora tudo é diferente meus senhores, eu não quero mais saber de protetores, não quero mais saber de galanteios, de presentinhos... Esse é o meu marido! FABRÍCIO: Devagar, devagar... MIRANDOLINA: Por quê? Vamos, dê-me logo a sua mão! FABRÍCIO: Antes precisamos esclarecer algumas coisas... MIRANDOLINA: Que esclarecer, o que? Ou dá logo a mão ou volta pra sua terra! FABRÍCIO: O poder de convencimento dela é ótimo! MIRANDOLINA: Até que enfim! FABRÍCIO: Meu amor... CONDE: Tudo bem, Mirandolina, case-se eu lhe darei uns trezentos escudos. MARQUÊS: A sua decisão é sensata mulher, como diz o dito popular, mais vale uma gemada hoje do que uma galinha amanhã. Case-se e eu lhe darei 12 escudos! MIRANDOLINA: Então meus senhores eu queria pedir o último favor, posso? MARQUÊS: Pode. MIRANDOLINA: Eu gostaria que os senhores mudassem de hospedaria. FABRÍCIO: Agora eu sei que ela me ama. CONDE: Concordo com sua resolução e aceito com contentamento. Mas nunca se esqueça de que qualquer lugar que nos encontremos serei vosso amigo. (sai). Marquês: Diga Mirandolina, por acaso, você perdeu um frasco de ouro? MIRANDOLINA: Perdi-o, sim senhor. MARQUÊS: Achei! MIRANDOLINA: Que coisa! MARQUÊS: Eu também vou partir, Mirandolina! Mas saiba que você pode contar com a minha proteção. (sai). (sai Fabrício). MIRANDOLINA: E eu me lembrarei de suas cortesias, dentro dos limites da conveniência e da honestidade, mudando de condição, mudarei de vida. Meus senhores, eu espero que possam tirar algum proveito do que aqui se passou e todas as vezes que seus corações fraquejarem e estiverem a ponto de cair, de ceder, reflitam bem meus senhores e lembre-se de Mirandolina! FIM 38