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1
Programa de Incentivo a Pesquisa – 2010
Pró-Reitoria de Pesquisa
Projeto:
“BRASIL, 25 ANOS DE DEMOCRACIA – BALANÇO CRÍTICO: POLÍTICAS PÚBLICAS, INSTITUIÇÕES, E
SOCICEDADE CIVIL E CULTURA POLÍTICA – 1988/2013”
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2
ÍNDICE
P
ág.
PROJETO 0
3
ORÇAMENTO GERAL 6
4
ANEXO 1 – bibliografia produzida no período 6
9
BIBLIOGRAFIA
7
0
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3
BRASIL, 25 ANOS DE DEMOCRACIA - BALANÇO CRÍTICO: POLÍTICAS PÚBLICAS, INSTITUIÇÕES,
SOCIEDADE CIVIL E CULTURA POLÍTICA – 1988/2013
INFORMAÇÕES PRELIMINARES
Este projeto consolida as diferentes iniciativas de pesquisa atualmente em desenvolvimento no
Núcleo de Pesquisa de Políticas Públicas – NUPPs, da USP, as quais, por sua natureza, dão
continuidade à trajetória intelectual do núcleo1. O NUPPs se dedica ao estudo e análise de
programas de políticas públicas sob o ângulo da relação entre governança democrática, cidadania e
equidade social. Suas equipes interdisciplinares de pesquisa analisam as etapas de formulação e
implementação das políticas públicas e, em especial, a que se refere à avaliação da eficiência e da
eficácia das mesmas. Um de seus objetivos principais é, portanto, a análise da qualidade da gestão
das políticas públicas no país, tendo-se em conta o papel do executivo e do legislativo no sistema
democrático vigente.
O objetivo principal do projeto é realizar um balanço crítico de 25 anos da democracia brasileira
(1988/2013) com base na análise de três eixos temáticos principais: as políticas públicas, as
instituições democráticas, e as relações entre sociedade civil e cultura política. A perspectiva adotada
é aquela proposta pela abordagem da qualidade da democracia (Diamond e Morlino, 2005), ou seja,
a que coloca o foco da análise nas relações entre princípios democráticos, procedimentos
institucionais, participação política e os resultados do funcionamento da democracia. Por essa razão,
as questões da responsividade (responsiveness) e da responsabilização (accountability) dos governos
democráticos têm grande ênfase no projeto. Embora a proposta de estudo esteja centrada no caso
brasileiro, todo o seu desenvolvimento se fará segundo os marcos de análise comparativa com
experiências semelhantes na América Latina e outras regiões do mundo. Com a ampliação do
conhecimento do caso brasileiro, pretende-se contribuir para a agenda de pesquisa internacional
que, depois dos estudos de transição política e consolidação democrática, vem concentrando seus
esforços em torno da questão da qualidade das novas democracias. Ao mesmo tempo, espera-se que
os resultados da pesquisa possam servir de referência crítica para a agenda que envolve o
aperfeiçoamento dos modelos de gestão de políticas públicas e de reformas das instituições
democráticas.
Para esse fim, o projeto contará com a participação de docentes, pesquisadores e alunos de cinco
unidades da USP: a Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, o Instituto de Relações
Internacionais, a Faculdade de Direito, a Escola de Artes, Ciências e Humanidades e o Instituto de
Matemática e Estatística; terá, ainda, a participação de docentes e pesquisadores associados
pertencentes à Universidade de Campinas - UNICAMP e à Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo – PUC/SP. Além disso, parte das atividades de avaliação e interpretação das percepções do
1
O NUPPs é a continuação institucional ampliada do antigo Núcleo de Pesquisa do Ensino Superior – NUPES, o qual foi
criado em 1989 e se especializou no diagnóstico e análise de políticas para o ensino superior, bem como das estruturas das
universidades públicas e dos seus resultados. Em 2004/2005, por iniciativa da presidente do seu Conselho Diretor,
Professora Eunice Ribeiro Durham (FFLCH), e sob a coordenação do Pró-reitor de Pesquisa à época, Professor Luiz Nunes,
transformou-se no atual NUPPs, ampliando o escopo de seus objetivos. Para informações a respeito das pesquisas
realizadas pelo NUPES em quase 20 anos de atividade, consultar os Relatórios de Atividades entregues à Pró-Reitoria de
Pesquisa da USP em 1994 e 2002, e a bibliografia produzida no período (ver Anexo 1).
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4
público sobre algumas políticas públicas específicas, a exemplo de segurança e criminalidade, será
realizada em parceria com o Núcleo de Estudos da Violência – NEV, estando previsto para isso a
utilização conjunta dos bancos de dados de surveys nacionais de opinião pública realizados por
ambos os núcleos de pesquisa nos últimos cinco anos2
.
A proposta ora apresentada é uma continuação, em bases novas, dos principais projetos de pesquisa
realizados pelo NUPPs nos últimos cinco anos, e os seus objetivos se baseiam na discussão e nos
resultados produzidos pelos seguintes projetos:
“Sistema Integrado de Informações sobre o Ensino Superior - SIESP”, coordenado por Eunice R.
Durham (FFLCH) e Adilson Simonis (IME) e realizado em parceria com a Fundação Instituto de
Pesquisas Econômicas – FIPE, da USP, com financiamento da Secretaria de Ensino Superior do Estado
de São Paulo;
“Indicadores de Ciência, Tecnologia e Inovação em São Paulo”, coordenado por Eunice R. Durham
(FFLCH) e Adilson Simonis (IME) e realizado em parceria e financiamento da FAPESP;
“A percepção da comunidade científica sobre as mudanças na política de Ciência, Tecnologia e
Inovação introduzidas pela experiência do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia”, coordenado
por Elizabeth Balbachevsky (FFLCH), com financiamento do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos –
CGE do governo federal;
“O futuro da profissão acadêmica: Mudanças nos países emergentes”, coordenado por Elizabeth
Balbachevsky (FFLCH), com financiamento da Fundação Fulbright;
“O Sistema educacional e as políticas públicas de ensino superior”, coordenado por Martha Lucchesi
(NUPPs), com financiamento da FAPESP;
“O Setor privado de ensino superior no Brasil: inovação e mercado”, coordenado por Helena Sampaio
(Unicamp), com financiamento da FAPESP;
“Legitimidade democrática e credibilidade econômica”, coordenado por Lourdes Sola, com
financiamento da FAPESP;
“A Desconfiança dos cidadãos das Instituições Democráticas no Brasil”, coordenado por José Álvaro
Moisés (FFLCH), com financiamento da FAPESP e do CNPq;
“O Congresso Nacional no Contexto do Presidencialismo de Coalizão”, coordenado por José Álvaro
Moisés (FFLCH), com financiamento da Fundação Konrad Adenauer e do CNPq;
2
Existem no NUPPs os seguintes Bancos de Dados para consulta: referentes às pesquisa “Democratização e
Cultura Política” (1989a, 1989b, 1990 e 1993); “A Desconfiança dos Cidadãos das Instituições Democráticas no
Brasil” (2006); e “O Congresso Nacional no Contexto do Presidencialismo de Coalizão” (2010); e no Núcleo de
Estudos da Violência – NEV o survey” Pesquisa Nacional por Amostra Domiciliar sobre Atitudes, Normas
Culturais e Valores em relação a Violação de Direitos Humanos e Violência”.
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5
“Mídia e Apoio Público à Democracia”, coordenado por Nuno Mesquita Coimbra (FFLCH), com
financiamento da FAPESP;
“Partidos, Representação Política e Gênero no Brasil”, coordenado por Teresa Sacchet (NUPPs), com
financiamento da FAPESP;
“Financiamento de Campanha e Desempenho Eleitoral: quem ganha e quem perde desde uma
perspectiva de gênero”, coordenado por Teresa Sacchet (NUPPs) e Bruno Speck (Unicamp), com
financiamento do CNPq;
“Uma proposta para a análise das eleições de 2010 de uma perspectiva de gênero”, Consórcio
Bertha Lutz - Projeto “Proposta para a implementação de estudo sobre a participação das mulheres
no processo eleitoral de 2010”, sendo esta parte coordenada por Teresa Sacchet (NUPPs) e Bruno
Speck (Unicamp), com financiamento Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres do governo
federal;
“Determinantes e Políticas de Controle do Crime: agentes, instituições e contexto”, coordenado por
Leandro Piquet (IRI), com financiamento da Secretaria Nacional de Segurança Pública;
“Brasil e Noruega: Estado de Bem-Estar Social e Responsabilidade Social em Perspectiva
Comparada”, coordenado por José Álvaro Moisés (FFLCH), com financiamento do Institute for Labor
and Social Research - FAFO, da Noruega.
O texto que segue está organizado da seguinte maneira: em sua primeira parte são apresentados e
discutidos os objetivos gerais do projeto, com ênfase sobre as questões que se referem a três
políticas públicas contempladas (educação, segurança e criminalidade, e políticas culturais); as
instituições de governo e de representação em sua relação com a governança democrática; e as
relações entre sociedade civil e cultura política. Na segunda parte, são apresentados os eixos
temáticos e áreas em torno dos quais será realizado o estudo empírico, aí incluídas as referências a
procedimentos e métodos de pesquisa. Finalmente, na terceira parte do projeto são listados os
produtos que se pretende realizar nos três anos de sua duração. Os temas de pesquisa são
apresentados de forma não-estanque e tratados de modo coordenado ao longo do texto, uma vez
que eles se interpenetram e informam o tratamento uns dos outros, cada qual servindo de
referencial para os demais.
PARTE I
INTRODUÇÃO E OBJETIVOS DO PROJETO
Entre 2011 e 2013, período em que as atividades deste projeto serão desenvolvidas, o Brasil
completará ¼ de século do seu recente regime democrático. Em pouco mais de 120 anos de regime
republicano, essa é a segunda vez que o país experimenta a vigência da democracia com relativa
continuidade. Com efeito, as eleições de 2010 mostraram, pela sexta vez consecutiva, que dois
requisitos fundamentais de qualquer regime democrático, isto é, a participação popular e a
competição política (Dahl, 1967), estão se consolidando como componentes permanentes do sistema
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6
político vigente no país desde a promulgação da Constituição de 1988. Mas como já foi observado a
respeito do processo de democratização de outros países, inclusive de casos em que a democracia
está consolidada (Diamond, 2002; Rose e Shin, 2001; Schedler e Sarsfield, 2004), a existência de
eleições livres e justas, mesmo garantidas por algumas liberdades, embora seja condição necessária
do regime, é insuficiente para assegurar que outros requisitos ou princípios democráticos - como o
primado da lei, o acesso universal a direitos civis, políticos, sociais e econômicos, e a necessária
fiscalização e controle de quem exerce o poder - estejam plenamente estabelecidos. O
estabelecimento de relações entre as preferências dos eleitores, as políticas públicas e o
desempenho das instituições democráticas não ocorre, necessariamente, segundo um padrão
homogêneo ou linear no curso dos processos de democratização que, desde meados dos anos 70 do
século passado, se verificaram em várias sociedades complexas e desiguais em diferentes partes do
mundo (Shin, 2005). Construir uma democracia robusta e de qualidade não é uma tarefa fácil, e
mesmo em casos em que o regime existe há muito tempo, se não for protegida e nutrida, a
democracia pode se deteriorar3.
Em vários casos, diferentes autores também fizeram referência à existência de um paradoxo ou de
uma contradição (Norris, 1999; Morlino, 2010; Moisés, 2010a;) que marcaria a experiência
democrática recente de países de tradição política e cultural bastante distinta: enquanto, por um
lado, a aceitação do regime democrático como um ideal se tornou quase um consenso universal –
com as taxas de adesão à democracia ultrapassando a casa dos 2/3 em muitos casos -, por outro, a
avaliação pública do desempenho específico de instituições democráticas é crescentemente negativa,
sendo marcada por desconfiança política, cinismo, desalinhamento partidário e a emergência de
formas não convencionais de participação política (Dalton, 2002). O processo não implica, por certo,
em rejeição da democracia como regime, mas envolve o balanço crítico de instituições específicas
que, caracterizadas por distorções ou por um desempenho insuficiente, operam aos olhos do público
com baixa intensidade, como incapazes de dar conta das expectativas que sua missão institucional e
o seu discurso autojustificativo suscitam entre eles (Offe, 1999; Warren, 1999). Morlino fala, no caso
de democracias recentes, de um processo de deslegitimação precoce dessas instituições que, mesmo
não comprometendo em curto prazo a legitimidade geral do regime, pode vir a solapar
progressivamente a percepção pública de que a democracia é a melhor forma de governo para os
cidadãos de determinado país enfrentarem e resolverem os seus dilemas coletivos (Morlino, 2010).
Em sentido semelhante, Booth e Seligson (2006) mostraram como o impacto de percepções públicas
negativas afeta a legitimação da democracia em vários países latino-americanos.
O diagnóstico recupera a distinção clássica introduzida quase meio século atrás por David Easton
(1965) entre o apoio político difuso e específico, e retoma outros desenvolvimentos dados ao tema
por Almond e Verba (1963); mas, ao mesmo tempo, ecoa os recentes argumentos de Torcal e
Montero (2006), segundo os quais os fenômenos de desconfiança e desafeição políticas envolvem
uma distinção analítica entre a possibilidade de um desengajamento político geral – que de fato
parece não existir senão em poucos casos recentes de democratização – e as atitudes de descrença e
3
O relatório de novembro de 2010 da The Economist Intelligence Unit, reconhecida como importante fonte de referência,
mostrou que entre 2008 e 2010 ocorreram a diminuição do número de democracias plenas existentes no mundo, de 30
para 26; o aumento do número de democracias imperfeitas de 50 para 53; a elevação do número de regimes autoritários
de 51 para 55; e, no caso do Brasil, a queda do seu score total de 7.38 para 7.12; o país passou de 41º. para 47º. no rank de
todos os demais países incluídos no balanço (The Economist, www.eiu.com, acessado em dezembro de 2010).
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descontentamento com o funcionamento de instituições específicas [ver a respeito vários autores em
Moisés et al. (2010b)]. Essa visão do problema deixa de lado a dúvida quanto à existência ou não da
democracia nos países em exame e refere-se agora à qualidade dos novos regimes democráticos;
Diamond e Morlino (2005), entre outros autores, definem o conceito de qualidade da democracia
fazendo referência à integração dinâmica que deveria existir entre princípios, procedimentos e
resultados práticos das experiências democráticas. Ou seja, do ângulo da abordagem da qualidade da
democracia, espera-se que princípios como a liberdade e a igualdade sejam, ao mesmo tempo,
assegurados e extendidos por procedimentos como a participação, a representação política e a
competição eleitoral - para o que, a vigência do primado da lei é uma condição indispensável; e, por
outra parte, assume-se que princípios e procedimentos somente cumprem os seus objetivos uma vez
que sejam capazes de gerar políticas públicas capazes de assegurar a extensão dos direitos de
cidadania a todos os membros da comunidade política e de atender as expectativas dos eleitores
formadas no curso do processo democrático. Uma democracia de qualidade, portanto, deveria
assegurar que princípios e procedimentos democráticos não sejam apenas promessas, mas que
produzam impacto na qualidade da vida das pessoas e nas escolhas que elas podem fazer durante a
sua existência (ver também O´Donnell, Cullell e Iazzetta, 2004; Lijphart, 1999).
Essa maneira de definir o problema - ou a indagação central de pesquisa – coloca desde logo o foco
analítico sobre dois fenômenos associados, a responsividade (responsiveness) e a responsabilização
(accountability). A responsividade pode ser definida como a capacidade ativa dos governantes de
responderem de modo consistente, com responsabilidade, eficiência e eficácia, às demandas e
expectativas dos cidadãos; e a accountability se refere aos procedimentos e mecanismos através dos
quais os eleitores e a sociedade civil podem responsabilizar e controlar a conduta de quem detém o
poder. Segundo a abordagem da qualidade da democracia, os dois conceitos são analiticamente
conexos, pois enquanto a responsividade envolve a percepção dos governantes quanto às
preferências dos cidadãos, a avaliação pública da ação dos governos se foca em o quanto a sua
resposta atende ou diverge dos interesses dos eleitores; nos dois casos a inter-relação entre o
desempenho das instituições democráticas e a implementação de políticas públicas percebidas
socialmente como necessárias (em dado país e em dado tempo) tem um papel decisivo; na verdade,
tem a função de tornar efetiva a conexão entre as preferências dos eleitores formadas no processo
de participação da sociedade civil e o modo como as instituições políticas operam para incluí-las no
sistema político, respondendo com políticas públicas compatíveis. Nesse sentido, alguns autores
sustentaram que a responsividade é uma categoria analítica que permite observar – e analisar – a
representação política em ação, a qual supõe, por um lado, a descrição e a análise de serviços
públicos garantidos aos indivíduos e grupos representados pelos órgãos de governo; a distribuição de
bens materiais e benefícios públicos aos cidadãos através da administração pública e de suas
entidades; e a universalização e a extensão dos bens simbólicos que criam, reforçam e reproduzem o
sentido de lealdade e de apoio dos cidadãos para com o sistema político (Eulau e Karps, 1977; Powell,
2005; Morlino, 2010); e, por outro, o desempenho efetivo das instituições de representação, como o
parlamento e os partidos políticos, no sentido de incluir no sistema não só as preferências das
maiorias, mas também das diferentes minorias que constituem a realidade diversa das sociedades
complexas e desiguais; a questão, originalmente tratada por Mill (1964) no século XIX, não diz
respeito apenas à prevenção contra a ditadura da maioria, mas ao modo efetivo como o sistema de
representação inclui as minorias e as suas preferências no sistema político (Alencar, 1868; Santos,
1991, Moisés, 2010b). Essas questões definem os principais objetivos da pesquisa ora proposta.
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O CASO DO BRASIL
Em quase 25 anos de democracia, o Brasil conheceu avanços significativos no processo de
consolidação do seu regime democrático. São exemplos disso, não apenas a sucessiva realização de
eleições livres, periódicas e competitivas – controladas por um braço autônomo do sistema judiciário,
o Tribunal Superior Eleitoral - TSE - para a escolha de governos e de instituições de representação,
mas também a relativa harmonia com que têm funcionado as instituições, em que pese a existência
de distorções e déficits de funcionamento (como tratados adiante); afora isso, a sucessiva ação de
governos de diferentes orientações políticas garantiu, depois de décadas de trato ineficiente e de
descontrole das contas públicas, uma relativa estabilidade econômica, criando, dessa forma, as
condições necessárias para que ocorresse um duplo processo virtuoso: por um lado, a partir da
introdução do Plano Real, a interrupção dos efeitos inflacionários que funcionavam como um
mecanismo de taxação progressiva sobretudo dos mais pobres; e, por outro, a formação de
condições macro-econômicas capazes de permitir que fosse iniciado um tímido mas importante
processo de distribuição menos desigual de rendas entre distintos grupos sociais; como mostram os
resultados do índice de Gini, as mudanças ainda são pequenas, mas elas aconteceram4.
O principal
efeito dessas políticas foi melhorar a condição social e econômica dos grupos mencionados, o que
transparece em sua nova capacidade de consumo em anos recentes e, até certo ponto, em suas
novas exigências em face do sistema político; mas a sociedade brasileira continua sendo
extremamente desigual, com o acesso da maioria dos cidadãos a serviços públicos fundamentais -
como saúde, educação, habitação, segurança e infra-estrutura – ainda muito limitado. Embora os
aumentos do salário mínimo e dos índices de emprego, em anos recentes, também se constituam em
novos elementos de garantia de direitos sociais básicos, a permanência de diferenças de tratamento
entre importantes grupos da população torna desigual o seu acesso à estrutura de direitos de
cidadania: são exemplos disso as diferenças de acesso ao emprego e de remuneração para trabalho
semelhante entre homens e mulheres5, a situação social extremamente desigual que atinge os afro-
brasileiros e outros grupos sociais minoritários (Henriques, 2001), sem falar da precária integração
urbana e da vulnerabilidade enfrentada por grupos de baixa renda localizados em áreas de risco ou
violência, de insegurança e de quase completa ausência do poder público (Leandro, 2009; Beato e
Andrade, 2004)
A situação da educação se constitui em um dos exemplos mais importantes das dificuldades de
acesso da população a direitos fundamentais de cidadania. Desde meados dos anos 90, os
indicadores educacionais apontaram para avanços significativos ocorridos no país: a taxa de
4
Segundo o índice Gini, a desigualdade caiu de 0,585 em julho de 1994 (Plano Real) para 0,563 em 2002, último ano do
governo FHC. No período do governo Lula, começou com 0,554 e, em 2009, estava em 0,518 – um descenso tido como
devido à implementação de programas de transferência de renda, aumentos reais do salário mínimo e a assistência social
via Benefício de Prestação Continuada (BPC) (Rocha, M. A., 2010, O Estado de São Paulo, 13/9/2010). Ver também “IPEA 46
anos – O Brasil em 4 décadas”, 2010, (www.ipea.gov.br).
5
Segundo a pesquisa “A Mulher no Mercado de Trabalho Metropolitano”, realizada pelo DIEESE em seis capitais
metropolitanas (Belo Horizonte, Distrito Federal, Porto Alegre, Recife, Salvador e São Paulo), a diminuição do desemprego
da mão de obra feminina, entre 2006 e 2007, não resultou em diminuição da desigualdade de remuneração entre homens e
mulheres no mercado de trabalho: em 2007, mesmo tendo-se verificado um desempenho ligeiramente favorável do
rendimento das mulheres, a remuneração feminina por hora variava entre 84,3% (Recife) e 74,6% (Distrito Federal) daquela
auferida pelos homens (PED, Pesquisa de Emprego e Desemprego, DIEESE, 2008).
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9
analfabetismo da população acima de 10 anos de idade, por exemplo, caiu de 16,4 em 1992, para
8,9% em 2009; a média de anos de estudo da população acima de 15 anos também melhorou,
passando de 4,9 em 2002 para 7,4 em 2009 (www.inep.gov.br). Mas em 2009, quinze anos depois de
a estabilidade econômica ter sido relativamente alcançada no país, 10% da população brasileira ainda
permaneciam sem acesso a instrução alguma; 43% tinham apenas até 7 anos de estudo, ou seja, não
havia concluído o ensino fundamental; apenas 17% tinham de 8 a 10 anos de instrução formal,
correspondente ao ensino médio incompleto; e 30% tinham 11 anos ou mais de estudo, indicando
que esse contingente concluiu o ensino médio e pode ter ingressado no ensino superior. Em resumo,
o percentual de pessoas sem nenhuma instrução e o daquelas que nem sequer concluíram o ensino
fundamental equivalia a mais de 50% da população brasileira; além disso, a passagem do ensino
fundamental para o médio – que, em tese, se constituiu na preparação indispensável para o acesso
ao ensino superior – se constitui em um grave gargalo do sistema educacional brasileiro. Isso explica,
em parte, porque entre 2005 e 2008 as taxas de concluintes do ensino médio foram superiores
àquelas de ingressantes no ensino superior: eram apenas 58% em 2005, e aumentaram para 69 em
2008; mas quase 1/3 dos que em tese estariam aptos a ingressar no ensino superior não conseguiam
fazê-lo (INEP/MEC, Séries Históricas, www.inep/mec.br).
De modo geral, no entanto, é possível perceber que ao longo dos últimos 25 anos as políticas
educacionais buscaram, por uma parte, melhorar a sua eficiência e os seus resultados práticos e, por
outra, intervir na dinâmica excludente a que ela se refere. Garantir o acesso à educação,
especialmente nos níveis fundamental e médio, e tentar assegurar meios para que isso continuasse
ocorrendo, foram prioridades perseguidas por quase todos os governos democráticos recentes. Em
conseqüência, dois fenômenos derivados podem ser identificados: o primeiro se refere à evolução de
alguns indicadores, a exemplo do aumento do contingente de indivíduos incluídos no sistema
educacional e da relativa ampliação de anos de escolarização; o segundo diz respeito à percepção
mais ou menos generalizada da sociedade de que a educação é um dos principais instrumentos para
se reduzir as desigualdades sociais. Embora essa percepção não seja inteiramente nova (vide os
planos educacionais dos anos 20 e 50 do século passado ou mesmo os Planos Nacionais de Educação
dos governos militares), o diagnóstico hoje faz parte dos programas de quase todos os partidos
políticos, e integra o discurso de empresários, dirigentes sindicais, pesquisadores e gestores públicos;
mas, mesmo assim, a educação continua exibindo indicadores que atestam a sua insuficiência para
atender a demanda de uma sociedade em permanente transformação. Por essa razão, é uma área
estratégica para o exame da capacidade dos governos democráticos de responderem às expectativas
de expansão dos direitos de cidadania.
A situação da segurança pública e da criminalidade não é menos preocupante: a violência urbana é
um dos principais problemas enfrentados pelo Brasil. Entre 1998 e 2004, ocorreram mais de 41 mil
homicídios dolosos no Estado do Rio de Janeiro e, no mesmo período, quase 83 mil pessoas
perderam a vida violentamente no Estado de São Paulo, enquanto outras 16 mil, em Minas Gerais, e
9 mil no Espírito Santo tiveram destino semelhante. Em todo o país, foram assassinadas 281.832
pessoas naqueles seis anos, segundo dados do Ministério da Saúde (Datasus, 2008), mas, apesar de
ser a face mais dramática do problema, a questão não se refere apenas à violência letal. A taxa de
estupro por 100 mil mulheres, em 2001, foi de 20,2 em São Paulo, 17,3 no Rio de Janeiro, 15,3 no
Espírito Santo e 15,8 em Minas Gerais. O quadro também é grave no que se refere aos crimes
economicamente motivados: 92,2 veículos foram roubados em cada 10 mil em São Paulo, 111,2 no
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Rio de Janeiro e 14,5 no Espírito Santo. Foram cerca de 490 roubos por 100 mil habitantes em São
Paulo, 179 no Rio de Janeiro e quase 1 mil no Espírito Santo (Mosumeci e Soares, 2003). Todas essas
atividades criminais têm forte impacto social e afetam a qualidade de vida dos cidadãos, mas o
problema tem conseqüências que ultrapassam a sua dimensão humana: os fatores mencionados
estão ligados também ao funcionamento da estrutura do sistema político como um todo (Hall e
Taylor, 2003) e, para além de suas importantes conseqüências humanas e sociais, o déficit de
controle da atividade criminal e do ato violento no país impacta o conjunto da estrutura do Estado,
com implicações para a sua eficiência e a sua efetividade. Por isso, essa será a segunda área de
políticas públicas a ser avaliada por este projeto.
O caso das políticas de cultura é mais difícil de ser caracterizado: seja porque, comparados com os de
outras áreas, os investimentos públicos no setor tem sido bastante mais limitados6, seja porque o
acúmulo de conhecimento na área é insuficiente, sabe-se pouco sobre a efetividade e a eficiência das
políticas que vem sendo adotadas nas três últimas décadas no país - algo que per se também
colabora para a sua relativa fragilidade. E se este é o quadro em plano nacional, nas esferas estadual
e municipal sabe-se menos ainda e pouco se tem pesquisado a respeito da gestão das políticas
públicas de cultura levadas a termo pelos governos democráticos, a despeito da importância que lhe
é atribuída pelos programas dos diferentes partidos políticos e pela literatura acadêmica (Moisés e
Sosnowski, 2001).
Após a intensa institucionalização de órgãos estatais de cultura verificada entre os anos 30 e 60 do
século passado (Miceli, 1984), o setor passou por um rápido processo de transformações, a partir de
1985, com a criação do Ministério da Cultura e da Lei Sarney, que ajudou a criar as condições para a
participação do setor privado nos investimentos em cultura no país. Mas com o advento do governo
Collor de Mello, em 1990, quando passou a prevalecer uma visão minimalista de Estado, o MinC foi
reduzido a uma Secretaria da Presidência da República e os recursos públicos escassearam. Uma
recuperação relativa da situação anterior ocorreu entre 1994 e 2002, no governo FHC, quando, além
da recriação do MinC, diversos mecanismos de financiamento foram modernizados, a exemplo das
Leis Rouanet (8.313/91) e do Audiovisual (8.685/93), servindo de base para a retomada das
atividades culturais e, em especial, para a produção cinematográfica e audiovisual, que tinha quase
se reduzido a zero com extinção da Embrafilme (Moisés e Botelho, 1997; MinC e IPEA, 2007). As
mudanças prosseguiram no governo de Luiz Inácio Lula da Silva, quando os investimentos do Estado
na área voltaram a crescer, mas, como apontam alguns estudos, as políticas oficiais passaram a
fortalecer os canais de manifestações culturais de minorias (Rubim, 2007). Um estudo recente do
próprio MinC e do IPEA (2007, V 2, p. 159) mostra que apenas 53 do total de municípios brasileiros
possuem os equipamentos culturais tradicionais, de audiovisual e de comunicação social (bibliotecas,
museus, teatros, bandas musicais, orquestras, cinemas, rádios AM e FM, TV e internet), todos estes
casos correspondendo apenas a capitais de Estados ou regiões metropolitanas, enquanto 152
municípios não possuem nenhum destes equipamentos. Afora isso, em que pese o papel que assumiu
nos anos 90 no financiamento da produção cultural (Moisés, 1998), o governo federal demorou 8
anos para propor mudanças na Lei Rouanet em resposta às reivindicações da comunidade cultural,
um processo que, todavia, ainda não está concluído. Essa situação, como apontado também pelo
6
Os investimentos em cultura seguem sendo, mesmo nos governos democráticos, inferiores a 1% do orçamento da União.
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11
IPEA7,
justifica a razão de as políticas culturais serem a terceira área de avaliação contemplada por
este projeto.
FOCOS ANALÍTICOS DA PESQUISA
O panorama sugerido por essas insuficiências das políticas públicas permite identificar dois
problemas que afetam a qualidade dos resultados produzidos pelo regime democrático no país – e
que, portanto, constituem os focos centrais deste projeto. O primeiro se refere às evidentes
deficiências de desempenho do Estado: seja quanto à universalização de direitos fundamentais de
cidadania, seja no que diz respeito à administração do monopólio legítimo da violência em
importantes áreas urbanas (Pinheiro, 2002) o Estado brasileiro é ineficiente e, em alguns casos,
ausente; o modelo de gestão e de governança com que conduz políticas públicas percebidas
socialmente como necessárias utiliza de modo irracional os recursos disponíveis, convive sem punir
adequadamente com diversas práticas de corrupção em todas as suas esferas e responde de forma
insatisfatória às demandas dos cidadãos-consumidores dos serviços públicos. Esse diagnóstico sugere
que é preciso avançar mais o que já se sabe a respeito dos modos de funcionamento do Estado e da
sua gestão dos principais serviços públicos. A avaliação tem de levar em conta, por uma parte, a
existência ou não de planejamento desses serviços, os critérios sociais e políticos com base nos quais
são adotados e os seus resultados efetivos do ângulo de sua eficiência e eficácia; mas, por outro lado,
precisa ter em conta também a percepção dos cidadãos, ou seja, a avaliação prática dos beneficiários
potenciais dos referidos serviços. Isso se refere ao modo como os resultados efetivos de políticas
públicas afetam a percepção da população sobre o desempenho de governos e de representantes
eleitos e, dessa forma, como impactam a percepção da relação entre a participação política e a
responsividade no quadro da democracia vigente. Uma das hipóteses a ser examinada pela pesquisa
é que a percepção negativa ou positiva sobre o desempenho do Estado, através dos serviços públicos
que ele entrega à população, afeta o processo de legitimação das instituições e, por esse caminho,
pode afetar também a própria legitimidade do regime democrático (Morlino, 2010).
O retorno da democracia em várias partes do mundo foi acompanhado por uma retomada do debate
teórico em torno das relações entre as instituições de representação política, as políticas públicas e a
participação da sociedade civil, aí incluída a cultura política. Mas a despeito da considerável
diversidade metodológica, temática e teórica desse debate, podem-se identificar questões latentes
entre os cientistas sociais que analisaram as variáveis políticas do processo de consolidação
democrática, um debate que chamou a atenção para a insuficiência dos estudos que não
incorporavam, em seus modelos analíticos, variáveis sociológicas e culturais (Moisés, 2008). Com
efeito, alguns aspectos importantes desse debate ainda não enfrentaram todas as implicações da
questão; entre eles, pode-se mencionar a racionalidade da ação dos atores sociais, as abordagens
macro ou microssistêmica, os papeis da burocracia administrativa, das instituições de representação
e a estrutura e consistência das preferências individuais; aliás, um ponto reconhecidamente
controverso se refere, precisamente, à relação ente instituições políticas e indivíduos, e a orientação
que adotam para a sua ação.
7
“...se as políticas culturais, em grandes linhas, podem ser vistas em um quadro de longo prazo, de caráter incremental, isto
é, de acúmulos nos processos de construção institucional, com a invenção, a presença e a retomada recorrente dos
mesmos temas, também é certo que os diferentes períodos históricos enfrentam seus problemas com perspectivas
diferenciadas” (IPEA 46 anos, O Brasil em 4 décadas, 2010, p.88; www.ipea.gov.br).
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A interação entre indivíduos e instituições tem ocupado uma posição central nas pesquisas de
políticas públicas. Não é demais apontar, com Immergut (2006), que a própria disciplina nasce e
desenvolve-se dentro de uma perspectiva institucionalista das relações sociais. A esse respeito, Hall e
Taylor (2007) apresentam três versões distintas de teorias sociais que procuram estabelecer os
mecanismos de causalidade ligando as instituições sociais ao comportamento individual: i) o
institucionalismo histórico, ii) o institucionalismo de escolha racional e iii) o institucionalismo
sociológico. Cada um desses modelos teóricos formula explicações diversas para duas questões
fundamentais: como estabelecer a relação entre a instituição e o comportamento e como explicar o
processo pelo qual as instituições surgem ou se modificam.
O pressuposto básico que relaciona as três vertentes do institucionalismo teórico é que
comportamentos individuais são determinados, em grande parte, pelo desenho institucional em que
os agentes estão inseridos. Sander (2006) apresenta uma revisão sobre os principais pontos do
institucionalismo histórico. Segundo a autora, as instituições sociais são vistas como regras
estruturais onde ocorrem as interações humanas. Essas estruturas supra-individuais são
condicionadas pela história pregressa da própria instituição e, desse modo, são estáveis no tempo e
exógenas às preferências individuais. Já para o institucionalismo de escolha racional, as instituições
sociais são vistas como regras dos jogos sociais ou como equilíbrio estrutural resultante das
interações humanas. Atores racionais formulam endogenamente as regras nas quais serão
estabelecidas as interações sociais. Essas regras são criadas para determinar os limites nos quais os
atores individuais perseguem seus próprios interesses (Shepsle, 2006). Já para o institucionalismo
sociológico, as instituições não estão relacionadas com as ações racionais dos indivíduos, como nas
duas versões anteriores. Segundo os teóricos dessa vertente, as instituições políticas respondem aos
contextos culturais e sociais independentemente das preferências dos atores individuais (Putnan,
1994).
Nesse quadro, cabe assinalar que o debate acerca da importância de elementos relativos a valores e
idéias para dar conta de processos dinâmicos de mudança nas políticas públicas tem crescido em
importância na literatura contemporânea. Como exemplo dessa nova tendência, pode-se citar, entre
outros, o artigo de Lieberman (2002), que propõe explicar a mudança nas políticas a partir da
interação de variáveis institucionais e aquelas relativas à dimensão cognitiva. Essa última dimensão é
central para diversas abordagens de análise de políticas públicas desenvolvidas nos últimos vinte
anos (ver, entre outros, Sabatier, 1988, Elster, 1989, Braun, 1998,Huber, 1997 e Skocpol, 1996, Ross,
1997, Messenger, 2005). Nesse debate ainda sobressaem os trabalhos de Hall e Jenson (Hall, 1989;
1990; Jenson, 1989) que sugerem que as relações entre as instituições e as escolhas de políticas
podem ser entendidas a partir da análise dos paradigmas que sustentam as políticas públicas, os
quais, envolvem um constructo intelectual ligado a arenas específicas (policy system), e que tal
constructo supõe um conjunto de idéias e percepções compartilhadas pelos atores políticos
relevantes das referidas áreas (Hall, 1989; 1990; Jenson, 1989). Esse constructo intelectual consistiria
em um conjunto interligado de percepções, atitudes, idéias e valores que permitem definir qual o
modo “correto” de identificar o problema-alvo da política, as características estratégicas dos seus
instrumentos e os resultados esperados. O paradigma permitiria, assim, que fosse construído o mapa
imaginário da distribuição de papeis e de posições entre os atores relevantes, bem como o “estilo” de
política a ser adotado ou, por outras palavras, a cultura que ilumina a sua formulação e a sua
implementação. Assim, tal paradigma se constituiria em um sistema de significados e,
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simultaneamente, de práticas institucionais que, em seu funcionamento, dariam ou não conta do
problema a ser enfrentado. Por outras palavras, o paradigma de política pública seria, ao mesmo
tempo, um elemento constitutivo da identidade dos atores relevantes – algo ligado à visão de mundo
que sustenta a ação de cada um deles – e um conjunto de proposições causais que organizam a
percepção das alternativas de políticas propostas para cada área. O uso dessa abordagem, neste
projeto, objetiva fazer avançar o conhecimento desses novos ângulos, em especial, no que se refere
ao modo como os paradigmas de política pública vigentes respondem às exigências de
responsividade dos governos no período democrático recente.
Afora isso, na experiência brasileira recente, um processo interessante precisa ser melhor avaliado:
trata-se da convergência observada em diferentes áreas de políticas públicas. Em que pesem as
diferenças de orientação política que separaram os dois governos do período 1995-2010, em
diferentes áreas foi possível observar uma continuidade surpreendente nos diagnósticos de
problemas e na construção de instrumentos de intervenção, o que resultou em importantes linhas de
continuidade. A área onde essa característica tem sido mais marcante é a da política macro-
econômica, mas resultados semelhantes – embora em significação diferente - também podem ser
observados em outras áreas: educação e segurança pública são outros exemplos de convergência,
tendo levado alguns analistas a usar a noção de “políticas de Estado”, para contrapô-las à idéia de
políticas de governo. Avaliar em que medida processos dessa natureza podem estar ocorrendo em
diferentes áreas de políticas públicas, estimar os seus limites e entender quais os fatores que
concorrem para esse resultados é uma questão de grande relevância que será objeto de análise no
âmbito deste projeto (Melo, 2010; Soares, 2000; Schwartzman, 2000).
O projeto pretende, assim, utilizar instrumentos de avaliação capazes de servir de orientação para os
governos na formulação e implementação de políticas públicas, de modo a que o Estado democrático
possa ter asseguradas a sua autoridade e a sua legitimidade para dirimir conflitos. A saída dos
gargalos apontados antes depende da formulação e da implementação de políticas públicas voltadas
para a ampliação do arco de direitos civis, sociais e culturais da população, e para a melhoria da
qualidade dos serviços públicos ofertados, com o quê o Estado poderá se capacitar melhor, não só
para exercer o seu poder de coordenação no enfrentamento de novos conflitos, como, sobretudo,
resolver, sem permitir a sua reprodução, conflitos estabelecidos de longa data (Mann, 1993; Dagnino,
2004). Neste sentido, as questões que precisam ser respondidas no tratamento do tema são o que
fazer (ações), aonde chegar (metas) e através de quais meios (estratégias de ação) (Assumpção
Rodrigues, 2010), de modo a não só reverter as situações de déficits e carências diagnosticados,
como permitir que seja reconhecida a condição de agentes dos cidadãos no processo de governança
democrática e gestão das políticas públicas (O’Donnell et alli, 2004).
INSTITUIÇÕES E REPRESENTAÇÃO POLÍTICA
O segundo problema derivado do diagnóstico apresentado antes diz respeito ao papel das
instituições de governo e de representação política. A cultura política predominante no país tende a
supervalorizar o papel da esfera executiva do Estado e, em parte, isso ajuda a explicar porque a
confiança dos eleitores é quase que exclusivamente depositada em personalidades políticas que,
eleitas em processos às vezes marcados por características carismáticas, recebem uma delegação
quase irrestrita para governar com pouca transparência, com discutíveis conexões com os partidos
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políticos e sem o devido respeito à esfera de atuação e à autonomia dos demais poderes
republicanos (O´Donnell, 2004; Lamounier,1975, Moisés, 2010c ). O fenômeno se deve, por certo, à
prevalência de valores políticos fundacionais relativos ao modelo de divisão de poderes adotado no
país a partir a Constituição de 1988 e, em especial, ao papel reservado para as instituições de
representação (Santos, 2009). Com efeito, os constituintes de 1987-88 decidiram manter as
prerrogativas outorgadas ao presidente da República pelo regime autoritário de 1964-1985 no que
tange ao direito de iniciar legislação. A exemplo do antigo decreto-lei, eles institucionalizaram o
poder exclusivo do executivo de emitir medidas provisórias capazes de alterar de imediato o status
quo; confirmaram a prerrogativa unilateral dos presidentes de introduzir legislação tributária e o
orçamento da união e, no mesmo sentido, ampliaram a sua competência quanto à organização
administrativa do Estado, as decisões sobre os efetivos das forças armadas e as medidas de política
externa, como tratados internacionais. Em poucas palavras, as análises mostraram que os
presidentes brasileiros podem iniciar com exclusividade legislação em áreas específicas e forçar
unilateralmente a sua apreciação pelo legislativo, utilizando-se para isso tanto de prerrogativas
constitucionais - pedidos de urgência na votação de matérias do seu interesse ou emissão de medidas
provisórias com força de lei -, como de procedimentos regimentais que centralizaram o processo de
tomada de decisões no Congresso Nacional em mãos das mesas diretoras e do Colégio de Líderes. Os
presidentes podem, assim, impedir que eventuais minorias parlamentares venham a se constituir em
veto-players capazes de dificultar ou bloquear as suas iniciativas. Além disso, o executivo tem em
mãos, além da distribuição de cargos aos partidos que formam a sua base de apoio, a liberação das
emendas individuais dos parlamentares apresentadas quando da aprovação do orçamento federal
(Abranches, 1988; Amorim Neto, 2006; Santos, 2003).
As vantagens que isso implica, segundo as abordagens que priorizam o papel do executivo, são
enfatizadas pela literatura, mas as suas implicações para a qualidade da democracia e, em especial,
para as funções de fiscalização e controle (accountability) que cabem ao parlamento e aos partidos
políticos ainda exigem mais pesquisa. Diante de incentivos institucionais tão eficazes para que os
parlamentares acompanhem a posição da maioria governativa, é duvidoso que reste espaço, quando
isso seja necessário, para a crítica e/ou a correção de posições do executivo. Mesmo autores como
Figueiredo e Limongi (2003) admitem que o sistema é tão eficiente em impor restrições à atuação
especificamente legislativa dos parlamentares que limita a sua eficácia institucional: “o Congresso
Nacional atou as próprias mãos”, segundo eles, ao aceitar uma configuração institucional que delega
a iniciativa e o poder de agenda ao executivo. Eles sustentam, no entanto, que não se trata de
abdicação, pois os parlamentares podem aprovar ou não as iniciativas dos governos, mas o fato é que
isso tem sido raro ao longo das duas ultimas décadas, com o Congresso quase sempre tendo
desempenhando um papel mais reativo do que proativo, sem falar que proposições de iniciativa dos
próprios parlamentares se limitam a algumas poucas políticas distributivistas, localistas e simbólicas,
em grande parte incapazes de alterar o status quo ou de introduzir políticas públicas relevantes. Por
isso, nas palavras de outro analista, o diagnóstico é o de um processo de “encarceramento ou
travamento” do parlamento, em vista da contradição observada entre os parâmetros constitucionais
– baseados na doutrina da divisão de poderes -, e os procedimentais adotados pelo parlamento, o
que comprometeria parte de sua autonomia e capacidade de ação (Santos, 2003; Cintra, 2007). A
supremacia do executivo sobre o parlamento tem sido tão grande, após a democratização, que
acabou por transformá-lo - e não o Congresso Nacional - no grande legislador no Brasil (Moisés,
2011).
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A instituição opera em condições que singularizam a estrutura do sistema político brasileiro com
vantagens e desvantagens institucionais do ponto de vista do seu funcionamento. A maior vantagem
apontada pela literatura especializada – parte da qual, contudo, não aceita o diagnostico de
singularidade dessa conformação institucional8
- se refere aos resultados da estabilidade alcançada
nas relações entre o executivo e o legislativo após a democratização e, em particular, as implicações
dessa situação para a governabilidade que, levando-se em conta a abordagem predominante na
ciência política brasileira, é percebida primordialmente em termos dos interesses do executivo. Mas a
questão sobre o desempenho do Congresso não se refere apenas à capacidade do executivo de
assegurar a governabilidade entendida como a garantia de que a vontade e os projetos dos governos
são aprovados, mas também à possibilidade de que os parlamentares possam exercer a sua função
de representação, inclusive, quando necessário, discordando das proposições do executivo ou
quando tiverem que negar seu apoio a esse poder em defesa de interesses de minorias contra
imposições da maioria. A governabilidade, com efeito, não é um atributo unilateral de um só poder,
mas diz respeito ao funcionamento conjunto das diferentes esferas governativas (Bovero, 2002).
O desempenho do Congresso Nacional precisa, portanto, ser reexaminado, não apenas do ângulo de
sua baixa produção legislativa e de políticas públicas, como mostraram os resultados do projeto “O
Desempenho do Congresso Nacional no Contexto do Presidencialismo de Coalizão”, realizado pelo
NUPPs entre 2009 e 2010 (Moisés et al., 2011), mas também da perspectiva oferecida pela existência
de milhares de iniciativas parlamentares que não tem o respaldo das direções das mesas das duas
casas congressuais, nem das lideranças da coalizão majoritária ou dos partidos políticos para terem
sua tramitação levada a termo final. Independentemente de seu conteúdo – ou seja, das políticas
públicas que contemplam -, ao serem bloqueadas por decisão da maioria congressual, as iniciativas
deixam de poder desempenhar a função de conexão entre os representantes e os representados,
com enormes conseqüências para a imagem e a avaliação que os eleitores fazem do parlamento.
Por isso, partindo do conhecimento existente sobre o tema, duas maneiras alternativas de se testar o
desempenho de representação do Congresso Nacional serão consideradas neste projeto: por um
lado, o exame dos dados dos projetos que não entram na pauta oficial e não são levados à votação
em plenário; eles podem dar indicações importantes sobre a função de representação oculta dos
parlamentares que, dadas suas características, acabam não servindo de referência para o julgamento
que os cidadãos fazem do parlamento. Por outro, a avaliação dos chamados decretos legislativos que,
segundo algumas análises, poderiam estar se constituindo em uma espécie de alternativa através da
qual o Congresso Nacional tenta contornar os limites impostos à sua atuação pelas prerrogativas
dadas ao executivo pela Constituição de 1988 (Carneiro, 2009). Dependendo do conteúdo dos
decretos legislativos será possível detectar formas alternativas de desempenho do parlamento que,
dessa forma, contornaria o fato de o executivo, devido às enormes atribuições a ele dadas pela
Constituição de 1988, controlar a agenda de decisões do Congresso Nacional. Cabe indagar se esse
controle do executivo não envolve o rebaixamento do desempenho representativo do parlamento e,
pour cause, a sua desqualificação como instituição de mediação de conflitos derivados do confronto
de interesses e preferências dos cidadãos – esse será um dos objetivos do presente projeto.
8
Limongi (2006).
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O tema da representação política não se limita, contudo, ao desempenho do parlamento. A
desconfiança política que atinge quase todas as instituições públicas brasileiras é particularmente
severa no caso dos partidos políticos, além do parlamento9. A literatura especializada tem analisado
o desempenho dos partidos com base na sua atuação em duas arenas específicas, a decisória e a
eleitoral. Enquanto na primeira se trata do papel dos partidos como atores que compartilham com os
governos a formulação e as decisões de implementação de políticas públicas - para o que a
legitimidade adquirida em eleições é uma condição essencial de sua capacidade de negociar decisões
tomadas nas esferas executiva e parlamentar -, na arena eleitoral os partidos competem pelo apoio
dos eleitores com o objetivo de adquirir posições de poder, mas, para isso, têm de ser reconhecidos
por eles como elos efetivos entre as demandas da sociedade civil e o Estado, pois é “por meio desse
mecanismo (...) que se forma a cadeia que vincula os cidadãos às arenas públicas de tomada de
decisões” (Kinzo, 2004, p. 25). Nesse sentido, a identificação entre eleitores e partidos é um requisito
fundamental, mas, na experiência brasileira recente, isso enfrenta um limite representado pelos
efeitos da fragmentação que, ao constranger as condições de formação do que Lamounier (2005)
chamou de fixação estrutural do sistema partidário – um requisito da accountability vertical -,
estimula a migração (ou “transfugismo”) de parlamentares eleitos por partidos de menor expressão
para aqueles que formam a base de apoio parlamentar dos governos. Nesse sentido, a fragilização
partidária é estimulada pela atuação de governos cujos partidos de apoio não alcançam maioria nas
eleições legislativas e que, a exemplo do que ocorreu no primeiro mandato do presidente Lula da
Silva, formam a coalizão de governo mesmo com partidos cujo perfil ideológico e programático
discrepa daquele do presidente; o problema, aliás, não se refere somente a esse governo: entre 1983
e 1999, de um total de 2.329 deputados federais, entre titulares e suplentes, 686 (quase 30%)
migraram para outras legendas; em 1994, mais de 64% dos 513 deputados tinham trocado de partido
ao menos uma vez (Nicolau, 1996, apud Rodrigues, 2002) e, entre 2003 e 2005, 237 parlamentares,
estimulados a isso, trocaram de partido, anulando a significação do voto dados a eles pelos eleitores
(Rodrigues, 2002; Lamounier, 2005). Mesmo considerando, como mostraram alguns autores, que a
maior parte das migrações ocorre dentro de blocos ideológicos supostamente semelhantes, a
tendência fragiliza a conexão entre eleitores e partidos10
. Contudo, além de funcionar como
elementos de agregação e articulação de interesses e preferências dos eleitores, os partidos políticos
pretendem ser um elo de mediação entre a sociedade civil e o Estado. As funções de agregação e de
articulação per se são insuficientes se não forem completadas por aquelas de expressão e
representação da contraditória diversidade que caracteriza as sociedades complexas e desiguais
como o Brasil. Isso significa que, ao atuarem no parlamento em nome dessa diversidade, levando
para dentro do sistema político as demandas e aspirações tanto da maioria como das minorias (Mill,
1964), os partidos não são avaliados apenas por seu papel na arena decisória, como garantia de
governabilidade de alianças ou coalizões governamentais formadas no presidencialismo de coalizão,
mas também como meios de expressão da sociedade (Abranches, 1988; Santos, 2003; Cintra, 2007).
9
Dados de survey nacional realizado no âmbito da pesquisa “A Desconfiança dos Cidadãos das Instituições Democráticas”
indicam que, em 2006, mais de 78% dos entrevistados desconfiavam do Congresso Nacional e cerca de 82% desconfiavam
dos partidos (Moisés, 2010a).
10
Essa situação, no entanto, pode estar começando a mudar com uma recente decisão da Justiça Eleitoral em 2008,
segundo a qual o mandato pertence ao partido e não aos parlamentares, o que poderá inibir o “transfugismo”. Mas ainda
será necessário esperar alguns anos para se conhecer os efeitos dessa mudança.
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Nesse sentido, tanto o seu desempenho para a estabilidade do modelo de sistema político adotado
pelo país, como a sua capacidade de vocalizar os diferentes segmentos sociais – como é o caso da
representação política das mulheres – serão objetos de estudo do presente projeto.
SOCIEDADE CIVIL E CULTURA POLÍTICA
A situação das democracias recentes como a brasileira não se limita às instituições e as políticas
públicas. A sociedade civil e a cultura cívica que as animam também são fatores que formam a sua
realidade complexa (Inglehart e Welzel, 2005; Rose, Mishler e Haerpfer, 1998 ). O conceito de
sociedade civil, depois de décadas de desuso de uma noção corrente nos séculos XVIII e XIX, voltou a
ser utilizado por atores e analistas políticos durante os processos de transição política que ocorreram
em várias partes do mundo a partir dos anos 70 do século passado. Em tais contextos, a noção se
referia a um conjunto extremamente heterogêneo de atores mais ou menos unificados por objetivos
comuns relativos à resistência ao autoritarismo e à luta pela democratização dos regimes políticos;
em certo sentido, como assinalaram alguns autores, a noção de sociedade civil foi reinventada em
situações em que a política tinha sido expulsa ou cancelada de seus espaços usuais, como os
parlamentos, os partidos, a mídia e as ruas, e os esforços no sentido de novas formas de participação
política, verificados em meio a grandes riscos de repressão para as pessoas envolvidas, se deslocaram
para as arenas culturais, corporativas e, inclusive, as comunitárias ligadas a diferentes credos
religiosos (Delich, 1982; Moisés, 1986).
Sem obedecer a um corte ideológico único, as diferentes experiências de organização civil e política
se beneficiaram de um debate crítico que, de alguma forma, buscou resgatar os valores da tradição
democrática. Quando o objetivo motivador dessas novas formas de organização política se realizou,
com a mudança de regime, pareceu que a sociedade civil tinha sido um fenômeno efêmero, de curta
duração, ou mesmo fadado a desaparecer na nova dinâmica política; mas, longe disso, ela se
converteu em um elemento importante da vida das novas democracias, influindo, positiva ou
negativamente, no modo como os novos regimes políticos começaram a enfrentar o desafio de se
consolidar. Em vários países de democratização recente, a sociedade civil passou a ser vista como
uma esfera capaz de produzir algo como um curto-circuito em instituições públicas consideradas
inoperantes, ineficientes e corruptas, seja no sentido de corrigi-las, seja para oferecer – através de
novas estruturas institucionais – um aporte de informações e de participação que deveria se
constituir em canal de expressão dos interesses e preferências dos cidadãos e, nesse sentido, em um
elemento facilitador da responsividade dos governos (Sorj e Martucelli, 2008).
Uma avaliação adequada do papel da sociedade civil nas recentes ondas de democratização tem de
ter em conta seu papel nas transições, como apontado pela análise política comparada (Linz e
Stepan, 1996). Os processos de transição política surgidos a partir de meados dos anos 70 do século
passado se dividiram em dois grandes grupos: aqueles que foram dirigidos e controlados pelos
antigos dirigentes do Estado autoritário e aqueles que, com ou sem iniciativas desses dirigentes no
sentido da liberalização do regime, se caracterizaram pelo surgimento ou ressurreição da sociedade
civil e, em conseqüência, pela mobilização de diferentes grupos sociais em apoio à democratização. A
literatura sobre as transições democráticas mostrou que, enquanto no primeiro caso as mudanças
políticas tenderam a assumir um padrão de liberalização limitada (com a reconquista de algumas
liberdades civis, mas não necessariamente de direitos políticos plenos), no segundo caso, quando a
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mobilização social logrou influir nas transformações políticas, não apenas a possibilidade de
reversões autoritárias tornou-se menos provável, como o processo de democratização se aprofundou
e as definições do novo regime ficaram menos restritas à noção de democracia eleitoral (O´Donnell e
Schmitter, 1986; Reis e O´Donnell, 1988; Shin, 2005;).
Embora de modos diferentes no Sudeste e no Leste da Europa, na América Latina, na Ásia e na África,
a concepção que prevaleceu durante a luta contra o autoritarismo quase sempre colocou a sociedade
civil contra o Estado, deixando parcialmente de lado a noção segundo a qual o Estado é ou deve ser o
que é a própria sociedade civil (Locke, 1973; Mill, 1964; Gramsci, 1970). Em outras palavras, mesmo
tendo jogado um papel relevante na mobilização anti-autoritária, nem sempre o ressurgimento da
sociedade civil conseguiu evitar as conseqüências da desarticulação entre Estado e sociedade.
Explicações para isso seguem na agenda de investigação da ciência social brasileira. Seja porque as
experiências democráticas pregressas eram frágeis para servirem de exemplo, seja por conta da
continuidade ou prevalência de uma cultura política que não era (ou ainda não é) inteiramente
democrática (Rose, Mishler e Munro, 2004; Linz e Stepan, 1996; Moisés, 1995), o papel das
organizações e dos movimentos da sociedade civil é objeto privilegiado de observação da trajetória
da democracia brasileira nos últimos 25 anos.
No quadro das diferentes transições políticas, o Brasil se configura como uma espécie de caso misto,
isto é, em que as iniciativas dos dirigentes autoritários tiveram grande influência sobre todo o
processo de mudança política, sem que isso impedisse que a sociedade civil se reorganizasse e, assim,
influísse na formação de uma robusta oposição parlamentar e eleitoral ao regime de tutela militar
(Weffort, 1984; Lamounier, 2005; Sola e Paulani, 1995). A exemplo de outras experiências, a
reorganização do movimento sindical, a emergência de movimentos sociais urbanos e rurais e o
surgimento de novos partidos políticos - alguns fortemente enraizados na sociedade, a exemplo do
Partido dos Trabalhadores – abriram a possibilidade de que novas formas de expressão e de resposta
à crise de representação dos sistemas políticos tradicionais sinalizassem no imaginário social a
emergência de uma nova realidade política.
A análise política comparada mostrou que, em uma reconstrução institucional erguida sobre a
estrutura política débil herdada do autoritarismo, os movimentos sociais tenderam a desenvolver um
padrão desigual de autonomia política. Enquanto, por exemplo, a Central Única dos Trabalhadores –
CUT afirmou sua capacidade propositiva a partir de canais negociais institucionalizados, no rastro da
estrutura sindical corporativista herdada do período Vargas, o Movimento dos Trabalhadores Sem
Terra – MST tendeu a afirmar uma autonomia acentuada, embora sem excluir a possibilidade de
realizar parcerias com o governo federal (Mirza, 2006). Referindo-se a esta realidade complexa,
alguns autores chamaram a atenção para a possibilidade de retorno do fenômeno do corporativismo
na experiência democrática recente (Vianna, 2002).
O caso brasileiro pode ser descrito como a transição de uma estrutura política débil, nos termos de
Mainwaring e Scully (1995), mas que está em progressiva institucionalização (Mirza, 2006). Nesse
quadro interpretativo, espera-se que os sistemas políticos institucionalizados contem com
movimentos sociais de perfis menos autônomos, enquanto os sistemas com estruturas políticas mais
frágeis tenderiam a desenvolver padrões mais acentuados de autonomia política. Os casos extremos
de deslegitimação da representação política produziriam movimentos que, na prática,
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desempenhariam funções partidárias. Contrariando o modelo, no Brasil a baixa institucionalização do
sistema político não produziu movimentos com maior autonomia e radicalidade, a não ser durante e
logo após a transição. É possível supor que no caso brasileiro a representação política esteja
relativamente institucionalizada, ainda que acompanhada de um sistema partidário débil e
fragmentado. Essa análise sugere que o estudo do papel da sociedade civil pode se beneficiar da
inclusão de outras dimensões ainda não contempladas pela literatura sobre os movimentos sociais.
Por isso, é objetivo do projeto explorar as especificidades do caso brasileiro. Em muitos países, o
principal ator da sociedade civil tem sido as ONGs – organizações profissionais e científicas,
instituições filantrópicas, fundações de partidos, sindicatos, movimentos ligados às igrejas, clubes
culturais e esportivos. Essas entidades representam ou reivindicam representar públicos
determinados – que têm interesses e preferências diversos e, por vezes, antagônicos - e,
independentemente de qual seja a sua base social efetiva, quase sempre buscam se legitimar a partir
dos seus argumentos político-culturais, morais e éticos. As ONGs criam oportunidades de canalizar a
energia criativa de ativistas sociais em favor de novas formas de organização pública para além da
representação tradicional. Não raro essas entidades configuram exercícios de auto-delegação, canais
de suposta representação alternativa, nem sempre com mandato explícito do público a que
consideram representar. Ainda assim, a contribuição dessas organizações tem sido reconhecida até
mesmo por organismos internacionais, como o Banco Mundial, o FMI e o sistema das Nações Unidas
– todos interessados em avaliar criticamente o papel do Estado-nação tradicional e em estimular o
surgimento de iniciativas alternativas (Sorj e Martucelli, 2008).
No caso do Brasil, no entanto, a organização da nova sociedade civil adquiriu, em casos bastante
relevantes, um contorno para-estatal: a Constituição de 1988, sob influência da ação de ONGs e
movimentos sociais que lutavam contra o autoritarismo, estabeleceu novas formas de inserção de
organizações populares na estrutura do Estado, tanto no que se refere aos processos de decisões
sobre políticas públicas, quanto ao processo de acompanhamento da sua execução. De acordo com a
sua Constituição, o Brasil segue sendo uma democracia representativa, mas passou a contar com
instrumentos de participação direta dos cidadãos, como plebiscitos, referendos e iniciativas
legislativas, e também com Conselhos Gestores de Políticas Públicas (Educação e Saúde, entre
outras), possibilitando a emergência e a experimentação de novas práticas de gestão pública.
Também designados como Conselhos Deliberativos, Conselho de Políticas Públicas ou espaços
públicos de co-gestão, os Conselhos Gestores têm caráter obrigatório e a sua existência é uma
condição necessária para a transferência de recursos públicos da União para Estados e Municípios
(Perez, 2010).
Parte da literatura de ciência política tem tratado os Conselhos Gestores como uma experiência
paralela à do chamado Orçamento Participativo (Avritzer, 2004), enfatizando que eles foram
pensados como instrumentos destinados a permitir que a população e os governos compartilhem
decisões referentes às políticas públicas. “Eles constituem, no início deste novo milênio, a principal
novidade em termos de políticas públicas”, avaliam autores como Gohn (2003: 7). Outros analistas
vêem na experiência uma possibilidade de aprimoramento e, em certo sentido, de superação da
democracia representativa em direção à deliberativa (Santos e Avritzer, 2002). Assim, na discussão
das experiências do Orçamento Participativo (OP) e dos Conselhos, esses autores argumentam que
estão surgindo novas formas de influência dos cidadãos no processo de elaboração e de
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implementação das políticas públicas; elas são vistas, em alguns casos, como elementos capazes de
transformar a cultura política de matriz autoritária e clientelista do Brasil (Santos, 2006).
Cabe assinalar, no entanto, que as relações entre movimentos sociais, ONGs, Orçamento
Participativo e Conselhos, por um lado, e o sistema político, por outro, são extremamente complexas
e pouco exploradas pela literatura especializada. Lavalle, Houtzager e Archaia (2006) notam que a
eclosão de espaços participativos, com capacidade de influência direta no desenho das políticas
públicas e na regulação da ação governamental, foi incentivada tanto pelos novos dispositivos da
Constituição de 1988, como pela reforma do Estado e suas políticas correlatas de ajuste dos anos 90.
O ineditismo de tais práticas encontrar-se-ia no deslocamento dos canais de agregação de interesses
de sua esfera tradicional - o parlamento e os partidos políticos - para a órbita própria do poder
executivo. Assim, estaria se reforçando, por esta via, a tendência de esvaziamento das funções do
parlamento, como diagnosticado pelo debate em torno da noção de “presidencialismo de coalizão” e,
em especial, o incremento do poder de agenda e de iniciativa legislativa da presidência da República
(Moisés et al., 2011). Perguntando-se sobre os fatores que propiciam a participação nos novos
arranjos institucionais em São Paulo, os autores mencionados chegaram à seguinte conclusão:
“Surpreendentemente a existência de vínculos com instituições tradicionais da esfera política
revelou-se o fator mais influente na participação; os resultados são eloqüentes: vínculos com o
Partido dos Trabalhadores ou com o governo mediante convênios de prestação de serviços são -
juntamente com o fato de um ator da sociedade civil ser coordenadora - os melhores preditores de
participação em todos os três tipos de espaços de participação” (Lavalle, Houtzager e Archaia (2006).
Aparentemente, há aqui um paradoxo a ser pesquisado: i. o vínculo significativo entre os
participantes nos novos arranjos e os corpos de “coordenações” do processo revela que “algum grau
de agregação está ocorrendo na sociedade fora do sistema político-partidário”; ii. além disso, há a
influência de pelo menos um partido, o PT, na formação de corpos de coordenação de atores da
sociedade civil; e iii. o maior grau de participação dos que mantém contratos com o governo sugere
uma relação complexa e nova entre sociedade civil e Estado. Por isso, os autores citados advertem
contra uma “miopia cognitiva” que seria resultante da ênfase de parte da literatura na autonomia da
sociedade civil; sugerem, antes, que está havendo um re-arranjo dos canais de participação e de
deliberação. Para os objetivos deste projeto, esse é um aspecto importante a ser levado em conta
porque, de certa forma, mostra que a tendência apontada se põe “de costas para o legislativo” e,
nesse caso, a distinção entre “a participação dos cidadãos comuns (individual) e a daqueles atores da
sociedade civil” é crucial. Cabe sugerir, como fizeram alguns autores, que os estudos empíricos de
participação devem ser complementados por uma perspectiva mais ampla como a proposta pelos
estudos de cultura política11.
11
Em estudo recente de cultura política na região metropolitana de São Paulo, Nunes, Sanchez, e Chaya (2010) sugerem
que há discrepância entre a renda dos indivíduos como fator preditor da participação, seja considerando-se o conjunto da
população da cidade, seja tomando-se o subconjunto formado por atores coletivos da sociedade civil. No primeiro caso, há
relação significativa entre as duas variáveis, o que não se observa no outro grupo. Os autores aventam a hipótese da
ocorrência de uma “sub-cultura política”, nos atermos de Almond e Verba (1963), própria dos setores sociais que
participam de Conselhos, Orçamento Participativo e instituições similares.
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Segundo essa tradição de estudos, as orientações dos indivíduos a respeito do sistema político é um
fator necessário (embora insuficiente) para a sua estabilização. A despeito de essas orientações
poderem ter longa duração no tempo, uma vez que se originam na socialização primária dos
indivíduos, isso não significa que não mudam sob o impacto de transformações geracionais e/ou por
processos de modernização econômica e social; mas a relação dos cidadãos com as instituições
públicas também influem nas orientações dos cidadãos a respeito do regime democrático. Nesse
sentido, um dos focos centrais de análise do presente projeto serão os espaços híbridos, criados pela
Constituição de 1988, entre o Estado e a sociedade; a pergunta importante agora é se a experiência
suscitada pela existência desses novos organismos institucionais está dando origem, entre os
cidadãos envolvidos, a novas percepções sobre os direitos de participação, mudando os seus valores
e a cultura política de que são portadores.
Estudos recentes sobre a cultura política dos brasileiros mostram que, ao lado dos processos de
mudanças políticas, a percepção dos indivíduos vem se alterando em um sentido que envolve um
paradoxo: nas últimas décadas, como demonstraram vários estudos empíricos, apesar da recente e
relativa estabilidade democrática brasileira e da continuidade temporal das instituições públicas,
perto de 2/3 de brasileiros não confiam em políticos, parlamentos, partidos, presidência da República
e órgãos de serviços públicos (Moisés, 1995; Meneguello, 2007; Moisés e Carneiro, 2008). Essa
evidência foi reiterada pela divulgação de resultados de pesquisas realizadas por instituições
acadêmicas e organismos internacionais como o World Values Survey e a Corporacion
Latinobarômetro, entre outros. Segundo os dados destas pesquisas, os cidadãos do Brasil e de outros
países latino-americanos, além de se declararem majoritariamente insatisfeitos com o
funcionamento do novo regime democrático, não depositam confiança nas instituições públicas
(Lagos, 1997; Norris, 1999).
Mas, diferente das conclusões apontadas por estudos sobre países de tradição democrática frágil
(Almond e Verba, 1963), as visões gerais da democracia das pessoas comuns no Brasil mostram-se
mais complexas do que no passado e envolvem, ao mesmo tempo, valores humanos e os meios de
sua realização, oferecendo uma base potencial de apoio político para a superação do paradoxo
mencionado. Os resultados de pesquisas como “A Desconfiança dos Cidadãos das Instituições
Democráticas”, realizada no âmbito do NUPPs, mostraram que os entrevistados de pesquisas de
opinião dissociam a democracia como ideal do seu sentido prático, avaliado a partir do
funcionamento das instituições. Moisés (1995; 2011) analisou o sentido que a noção de “democracia”
tem entre pessoas comuns a partir de uma pergunta aberta incluída em questionários de vários
surveys nacionais (1989, 1993, 2006). Segundo ele, um novo padrão da cultura política está
emergindo no país, pois ao lado da percepção negativa a respeito da corrupção, a qual é associada
aos déficits de funcionamento das instituições, os partidos políticos e os parlamentos são
severamente avaliados pelos eleitores. Pode-se supor, assim, que a percepção razoavelmente
sofisticada dos cidadãos brasileiros sobre a democracia pode servir de base para iniciativas de
pressão pública no sentido da reforma das instituições de representação; a preocupação pública com
a corrupção também indica que existe uma demanda de maior rigor e eficácia de parte das
instituições encarregadas da responsabilização de políticos e de governos. Por isso, nos significados
atribuídos à democracia pelos brasileiros pode estar contida a base do que Pippa Norris (1999),
analisando casos de democracias consolidadas, chamou de cidadãos críticos.
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Todas essas hipóteses precisam passar por novos testes empíricos. Embora os resultados de
pesquisas anteriores sejam bastante significativos, a análise comparada mostrou que as conclusões
sobre o papel da cultura política nos processos de democratização precisam estar embasadas em
análises longitudinais consistentes. Nesse sentido, ao lado do exame das mudanças que estão
ocorrendo através dos novos mecanismos de participação política mencionados antes, este projeto
pretende realizar um novo survey nacional em torno das orientações do público a respeito do papel
das instituições democráticas e das três políticas públicas a serem contempladas pela análise e das
novas tendências de organização da sociedade civil. O objetivo deste procedimento será examinar, de
modo integrado, a influência tanto do funcionamento das instituições democráticas como dos valores
políticos que, na tradição da cultura política brasileira, permanecem como marcos de referência de
atitudes, comportamentos e opiniões dos cidadãos brasileiros.
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PARTE II
PRINCIPAIS EIXOS TEMÁTICOS DA PESQUISA
A - AS POLÍTICAS PÚBLICAS
(i) O IMPACTO DA EXPERIÊNCIA DEMOCRÁTICA SOBRE AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE EDUCAÇÃO
A literatura recente sobre educação é enfática em mostrar a relevância das políticas públicas da área
para a questão da governança democrática do país. Há muito tempo a literatura sobre educação e
desenvolvimento reconhece que a educação é um dos principais instrumentos à disposição do
Estado para intervir no processo de reprodução das desigualdades sociais, ampliando o espaço de
isonomia de oportunidades para o desenvolvimento futuro do cidadão na sociedade (para uma
revisão dessa bibliografia, ver, entre outros, McMahon, 2002 e Psacharopoulos, 1988). A literatura
internacional também é bastante enfática na relevância da educação para a formação da cidadania.
Educação, nesse sentido, significa acesso a ferramentas cognitivas necessárias para a participação
política relevante ( Lipset, 1959, Lazarsfeld et al., 1944, Converse, 1972, Dahl, 1967 Almond e Verba,
1968, Key, 1961). Mais recentemente, outras abordagens vêm associando a educação - e mais
especificamente, os processos de massificação do ensino superior ao desenvolvimento de ambientes
institucionalizados de pesquisa avançada no âmbito das universidades – com processos chaves para a
competitividade dos países e o seu sucesso no enfrentamento dos desafios da globalização (Porter,
1990; Geiger, 2004; Bonaccorsi, 2007; ). Desde os anos oitenta a literatura internacional aponta essa
dimensão como um fator crucial para se entender o dinamismo econômico e tecnológico
experimentado por países do sudeste asiático (Kim, 2000; Mok e James, 2005).
Assim, as questões que se colocam na interface entre as políticas de educação e a governança
democrática são múltiplas; seu estudo exige a mobilização de competências teóricas de várias áreas
e a análise simultânea de dados diversos sob diferentes perspectivas. Por esse motivo, a pesquisa
sobre as interações entre a democracia e as políticas de educação deve se desdobrar em quatro
grandes subconjuntos: 1. O impacto da consolidação das práticas democráticas sobre a produção de
políticas públicas na área; 2. A consolidação do direito à educação produzido pela atividade
normativa do sistema jurídico; 3. A avaliação das consequências do processo de expansão do acesso
ao ensino para o fortalecimento dos valores democráticos na população; 4. A produção de um
modelo analítico que permita entender o complexo processo de diferenciação por que tem passado
a educação tecnológica e o ensino superior em geral, tanto no nível regional como nacional
1. Impacto da consolidação das práticas democráticas sobre a produção de políticas públicas
na área de educação:
Na experiência brasileira recente, em que pese as relevantes diferenças dos condicionantes
ideológicos e partidários e os interesses e expectativas específicos de cada ator, o que sobressaem
são convergência e a sustentação das políticas em torno de três eixos - acesso, financiamento e
avaliação. Tal convergência propiciou uma relativa continuidade na orientação das políticas
educacionais, cujo resultado mais visível é a inquestionável evolução, a partir de 1994, de seus
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indicadores, em especial, o aumento do contingente de pessoas incluídas no sistema educacional e
nele conquistando mais anos de escolaridade.
A questão central dessa parte da pesquisa está justamente em buscar entender os processos que
sustentam essa convergência, em que pese as marcantes diferenças ideológicas e programáticas que
separam os dois últimos governos. A hipótese central é que uma importante explicação para esse
fenômeno pode ser encontrada no processo de sedimentação de um novo paradigma político para a
área, que tem início nos anos noventa, e se estende até o presente12
. Por esse motivo esse estudo
adota uma abordagem histórico-institucionalista (Steinmo et all, 1992; Hall e Taylor, 1996) que dará
especial atenção para o processo de consolidação de novas matrizes ideacionais no interior dessa
arena política13
. Complementarmente, o projeto pretende também investigar em que medida a
agenda internacional produzida por organismos como a OCDE e a UNESCO, por exemplo, contribuem
ou não para sustentar esses processos.
Para alcançar esse resultado, o estudo combina técnicas de estudo de caso voltadas para reconstituir
as mudanças no discurso sobre as políticas de educação no Brasil nos últimos 25 anos, com a
realização de dois surveys . O primeiro survey será realizado com base em uma amostra
representativa da elite relevante para a área14
; o segundo será realizado com uma amostra da
população. A realização concomitante dos surveys permitirá medir a centralidade de diferentes
questões de política de educação e o grau de convergência nas percepções da elite e da população
sobre essa política.
O survey de elites será aplicado em amostras que combinam o critério institucional com o de
relevância epistêmica (Hass, 1992), selecionando indivíduos que ocupam determinadas posições
dentro de instituições relevantes para a área, e também indivíduos cuja atividade intelectual é
especialmente relevante para a definição dos parâmetros a partir dos quais se definem as políticas
de educação no país. Os objetivos do survey são: 1. mapear as clivagens mais importantes presentes
na elite, 2. mensurar o grau de convergência e/ou divergência em torno do diagnóstico dos
12
Pesquisas realizadas recentemente no NUPPs apontam nessa direção. Os dados coletados na pesquisa sobre a evolução
recente da profissão acadêmica no Brasil (FAPESP), mostram uma convergência significativa na percepção dos acadêmicos
brasileiros com relação à questões de governança dos instituições de ensino superior (Balbachevsky e Schwartzman, 2011).
Da mesma forma, a pesquisa sobre percepções da comunidade acadêmica brasileira com relação às políticas de ciência e
inovação também indicam mudanças relevantes na avaliação que esse grupo faz dessas políticas (Balbachevsky, 2011).
13
O debate acerca da importância de elementos relativos a valores e idéias para dar conta de processos dinâmicos de
mudança nas políticas públicas tem crescido em importância na literatura contemporânea, inclusive aquela de viés
institucionalista. Como exemplo dessa nova tendência, poderíamos citar, entre outros, o artigo de Lieberman (2002), que
propõe explicar a mudança nas políticas a partir da interação de variáveis institucionais e aquelas relativas à dimensão
cognitiva. Essa última dimensão é também central para diversas abordagens de análise de políticas públicas desenvolvidas
nos últimos vinte anos (ver, entre outros, Sabatier, 1988, Elster, 1989, Braun, 1998, Rueschemeyer e Skocpol, 1996, Ross,
1997, Messenger, 2005).
14
No Brasil, a referência para o estudo do comportamento das elites é o projeto “Elites Estratégicas e Dilemas do
Desenvolvimento”, coordenado por Maria Regina Soares de Lima e Zairo B. Cheibub ( Reis e Cheibub, 1995). Outra
referência importante é a série de pesquisas coordenadas por Bolívar Lamounier (1992), no IDESP, entre 1989 e 1991.
Outro trabalho relevante foi o coordenado por Reis (2000), que teve como foco central a agenda social e as questões sobre
a pobreza e a desigualdade.
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25
problemas e das políticas e dos instrumentos considerados mais relevantes para a área e 3.
identificar em quais áreas há maior convergência com o paradigma que vem se consolidando no
ambiente internacional.
O survey a ser aplicado na população reproduzirá em grande medida os pontos delineados no survey
das elites, o que permitirá avaliar o grau de adesão da sociedade brasileira ao novo paradigma que
vêm se consolidando para as políticas de educação.
2. Consolidação do direito à educação produzido pela atividade normativa do sistema jurídico
brasileiro
Na Constituição Federal de 1988, o direito à educação destaca-se no conjunto dos direitos sociais em
razão de suas características e de seu singular regime jurídico, caracterizado por intensa
determinação de conteúdo e densidade de proteção. É direito fundamental social, é direito individual
e também direito coletivo. Os seus titulares e os seus sujeitos passivos são, simultaneamente, uma
coisa e outra. Comporta obrigações de fazer e não fazer, por parte de titulares e sujeitos passivos,
que não se exaurem e exigem diferentes atendimentos, algumas vezes sob reserva do possível. Seu
regime jurídico, portanto, é complexo: envolve diferentes poderes e capacidades de exercício, com a
inerente sujeição ao regime jurídico específico15
dos direitos fundamentais (CF, art. 5º, §1º; art. 60, §
4º, IV), ainda que envolvam prestações materiais dependentes de recursos financeiros.
Há outro aspecto a ser considerado. Do ponto de vista jurídico, o direito à educação não é
ideologicamente neutro. Em vários dispositivos, a Constituição assinala sua finalidade, o que denota
forte juízo de valor. Conforme se depreende da visão global do sistema constitucional, a difusão e a
promoção dos princípios republicano e democrático, como fundamentos do Estado brasileiro, são o
conteúdo político nuclear da educação. A educação, portanto, é uma questão política; uma questão
que diz respeito à tomada de decisões coletivas, à legitimação e ao exercício do direito.
Em que pese a importância do direto à educação para a consolidação da democracia da brasileira, a
doutrina sobre as relações entre direito e educação, e acerca do papel do direito na efetivação de
políticas públicas de educação, é incipiente. Na última década, os debates doutrinários sobre o
direito à educação, tanto na área educacional quanto na jurídica, privilegiaram mais a análise de
aspectos conjunturais - nomeadamente das condições de acesso, gestão e financiamento - que uma
abordagem estrutural, na qual os temas da eqüidade, qualidade e eficiência estivessem informados
pela opção política adotada na Constituição.
Em realidade, a pesquisa sistemática da organização jurídica do ensino brasileiro constitui um campo
pouco explorado pelo direito. Não há, na área jurídica, estudos que permitam avaliar o impacto da
legislação na implantação de políticas públicas de educação; além disso, a legislação educacional é
mais percebida como ramo do direito administrativo do que área específica, dotada de estruturas e
categorias próprias (Ranieri, 2000). Na área educacional, estudos vêm, já há algum tempo,
15
Tal regime jurídico, ademais, se extrai direta e principalmente da Constituição, podendo ser complementado por normas
de direito administrativo, ao contrário do que ocorre com os demais direitos sociais, cujo regime jurídico se extraí
fundamentalmente do direito administrativo.
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demonstrando que o direito, na relação educação-sociedade-Estado, foi mais utilizado como técnica
de formalização do que como instrumento de racionalidade que poderia contribuir à meta da
efetivação da educação (Cury, Horta e Fávero, 1996). Essa situação também tem possibilitado a
preservação, na política e na prática educacionais, das características estatizantes centralizadoras do
federalismo brasileiro com prejuízos para a participação mais efetiva da sociedade.
O direito é assim tomado em sua tradicional formulação liberal (o ordenamento jurídico é uma
ordem na qual a validade das normas está baseada em estruturas hierárquicas, de caráter sistêmico,
lógico e coerente, capaz de gerar segurança e certeza), sem que garanta, contudo, a funcionalidade
de suas normas. Nessa abordagem tampouco é concebido o como expressão cultural e função de
uma dada sociedade, recepcionando e sancionando os valores materiais que esta lhe oferece e que,
incorporados ao direito positivo, atuam como valores jurídicos submetidos à dinâmica própria das
regras do direito.
É nesse cenário político-administrativo que o tema da educação como direito no Estado Democrático
de Direito adquire renovada importância política. Permite incursões no terreno dos processos
institucionais que levam à superação de diferenças e desigualdades, da busca da eqüidade e da
igualdade jurídica por meio da elaboração da lei e da sua aplicação a casos concretos, bem como dos
desafios que se colocam ao país diante das demandas da sociedade brasileira contemporânea. Desta
perspectiva, cabe lembrar que a efetividade do direito à educação e suas repercussões beneficiam
reciprocamente o indivíduo e a coletividade.
Os resultados de pesquisas anteriores16
mostram que embora na área jurídica, de modo geral, o
direito à educação não seja percebido em sua dimensão democrática, a sua efetivação por via
jurisprudencial vem apresentando novos campos de afirmação do Estado Democrático de Direito, em
benefício dos direitos de cidadania e da participação popular, o que é especialmente importante
num país com baixa percepção popular do valor das instituições democráticas e desconhecimento da
força normativa da Constituição. Fica, assim, implícita a conclusão de que os mecanismos de tutela
judicial dos direitos sociais podem ser extremamente eficazes nas situações em que a política pública
se extrai diretamente da Constituição.
Essa conclusão sugere, por decorrência lógica, que a definição constitucional de objetivos, metas e
prioridades, combinada com a precisa discriminação de competências, encargos e rendas aos entes
da Federação e com a vinculação de recursos financeiros, permite a sua realização em médio prazo17
.
Importante ressaltar que uma vez garantidas judicialmente, as normas de proteção dos direitos
sociais passam de programáticas a normativas. Isso significa que, sem o filtro de eficácia
representado pelo legislador, suas disposições consubstanciam obrigações diretamente acessíveis e
exigíveis pelo particular, de modo independente em suas relações privadas ou face ao Estado
16
Ranieri, Nina - O Estado Democrático de Direito e o sentido da exigência de preparo da pessoa para o exercício da
cidadania, pela via da educação. Tese de apresentada em Concurso para obtenção de título de Livre Docente junto à
Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, novembro de 2009.
17
Aspecto que se confirma em relação ao direito à saúde, por força da alteração do conteúdo do inciso IV, do art. 167 da
Constituição Federal, para incluir as ações e serviços públicos de saúde na exceção constitucional de vinculação receita de
impostos, pela Emenda Constitucional no. 42, de 19/12/03).
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27
Assim sendo, o objeto central dessa parte da pesquisa será a análise da função promocional18
do
Direito na proteção e promoção do direito à educação. Para isso, o estudo da jurisprudência do
Supremo Tribunal Federal e da atividade do Legislativo, na proposição e aprovação de leis relativas
ao direito à educação, entre os anos 2000 e 2010, terá lugar na análise. Essa visará também
identificar, no período abarcado pela pesquisa, como se traduz, no Judiciário, a percepção do direito
à educação como componente do software democrático. Os acórdãos e votos proferidos, ao
revelarem o grau de conhecimento das garantias e direitos previstos na Constituição Federal por
parte da sociedade e situarem historicamente a problemática da educação, proporcionam uma
ampla visão da evolução dos processos de efetivação do direito à educação, sobretudo pelo exame
da adequação do poder discricionário do legislador e do administrador público às políticas públicas
veiculadas pela Constituição. Subsidiariamente, permitirão identificar as dificuldades jurídicas de
implantação do programa assumido pela Constituição Federal de 1988 nessa área, inclusive no que
diz respeito aos documentos internacionais de proteção da pessoa humana incorporados ao sistema
jurídico nacional, ainda que não seja este o foco principal da investigação.
Para alcançar esses resultados, o estudo dará continuidade à sistematização e análise das decisões
proferidas pelo STF desde 2000 até o presente, realizadas por Nina Ranieri (op. citado). Uma
segunda atividade será a sistematização e análise dos projetos de lei apresentados nesse mesmo
período ao Congresso Nacional, analisando-se os debates, as condições de aprovação, sanções e
vetos. Em termos metodológicos, a pesquisa será orientada pelos parâmetros fixados por Katerina
Tomasevski (2001), que identificam as obrigações legais voltadas à promoção, proteção e garantia do
direito à educação nos diferentes Estados membros da ONU.
3. Avaliação das consequências do processo de expansão do acesso ao ensino para o
fortalecimento dos valores democráticos na população
Tendo em conta a evolução recente da educação no país, o caso brasileiro constitui um objeto de
interesse especial para observação das relações entre educação e comportamento democrático. Nas
últimas décadas, o acesso à escola passou por um crescimento espetacular, atingindo proporções
inéditas e em ritmo raro no restante do mundo (Castro, 2007; Menezes Filho, 2007). Houve clara
elevação da escolaridade média da população (Barro e Lee, 2000), mas com prejuízo para a
qualidade do ensino, definida em termos de retenção de conhecimento e desenvolvimento de
capacidades cognitivas (Schwartzman, 2005; Castro, 2009). Esse quadro geral permite levantar uma
questão sobre qual terá sido o impacto do aumento da escolaridade para o comportamento político
do brasileiro.
Conforme indicado acima, a pressuposição de que o aumento da escolaridade média leva ao
aumento sustentado do conhecimento sobre política, da participação, da tolerância e do apoio à
democracia pode ser descrita como a “visão predominante” nos meios acadêmicos (Nie, Junn e
18
O estudo da função promocional do Direito adota a perspectiva desenvolvida por Norberto Bobbio (1977). Segundo esse
autor, a função promocional na ação que o Direito provoca, por meio de “sanções positivas” (denominadas “incentivos”),
que promovem de atos socialmente desejados. A identificação dessa função do direito não é nova; novos são os seus
desdobramentos no Estado Contemporâneo, dado que o ordenamento jurídico continua a ser visto do ponto de vista de
sua função tradicional, puramente “protetiva” e “repressiva” ou seja, como instrumento de “controle social”.
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  • 1. Rua do Anfiteatro, 181 - Colmeia, Favo 9 - Cidade Universitária - CEP 05508-900 - São Paulo - Brasil Fone: (55-11) 3815.4134 / 3091.3272 Fax: (55-11) 3091-3157 e-mail: nupps@usp.br - Homepage: http://www.usp.br/nupps 1 Programa de Incentivo a Pesquisa – 2010 Pró-Reitoria de Pesquisa Projeto: “BRASIL, 25 ANOS DE DEMOCRACIA – BALANÇO CRÍTICO: POLÍTICAS PÚBLICAS, INSTITUIÇÕES, E SOCICEDADE CIVIL E CULTURA POLÍTICA – 1988/2013”
  • 2. Rua do Anfiteatro, 181 - Colmeia, Favo 9 - Cidade Universitária - CEP 05508-900 - São Paulo - Brasil Fone: (55-11) 3815.4134 / 3091.3272 Fax: (55-11) 3091-3157 e-mail: nupps@usp.br - Homepage: http://www.usp.br/nupps 2 ÍNDICE P ág. PROJETO 0 3 ORÇAMENTO GERAL 6 4 ANEXO 1 – bibliografia produzida no período 6 9 BIBLIOGRAFIA 7 0
  • 3. Rua do Anfiteatro, 181 - Colmeia, Favo 9 - Cidade Universitária - CEP 05508-900 - São Paulo - Brasil Fone: (55-11) 3815.4134 / 3091.3272 Fax: (55-11) 3091-3157 e-mail: nupps@usp.br - Homepage: http://www.usp.br/nupps 3 BRASIL, 25 ANOS DE DEMOCRACIA - BALANÇO CRÍTICO: POLÍTICAS PÚBLICAS, INSTITUIÇÕES, SOCIEDADE CIVIL E CULTURA POLÍTICA – 1988/2013 INFORMAÇÕES PRELIMINARES Este projeto consolida as diferentes iniciativas de pesquisa atualmente em desenvolvimento no Núcleo de Pesquisa de Políticas Públicas – NUPPs, da USP, as quais, por sua natureza, dão continuidade à trajetória intelectual do núcleo1. O NUPPs se dedica ao estudo e análise de programas de políticas públicas sob o ângulo da relação entre governança democrática, cidadania e equidade social. Suas equipes interdisciplinares de pesquisa analisam as etapas de formulação e implementação das políticas públicas e, em especial, a que se refere à avaliação da eficiência e da eficácia das mesmas. Um de seus objetivos principais é, portanto, a análise da qualidade da gestão das políticas públicas no país, tendo-se em conta o papel do executivo e do legislativo no sistema democrático vigente. O objetivo principal do projeto é realizar um balanço crítico de 25 anos da democracia brasileira (1988/2013) com base na análise de três eixos temáticos principais: as políticas públicas, as instituições democráticas, e as relações entre sociedade civil e cultura política. A perspectiva adotada é aquela proposta pela abordagem da qualidade da democracia (Diamond e Morlino, 2005), ou seja, a que coloca o foco da análise nas relações entre princípios democráticos, procedimentos institucionais, participação política e os resultados do funcionamento da democracia. Por essa razão, as questões da responsividade (responsiveness) e da responsabilização (accountability) dos governos democráticos têm grande ênfase no projeto. Embora a proposta de estudo esteja centrada no caso brasileiro, todo o seu desenvolvimento se fará segundo os marcos de análise comparativa com experiências semelhantes na América Latina e outras regiões do mundo. Com a ampliação do conhecimento do caso brasileiro, pretende-se contribuir para a agenda de pesquisa internacional que, depois dos estudos de transição política e consolidação democrática, vem concentrando seus esforços em torno da questão da qualidade das novas democracias. Ao mesmo tempo, espera-se que os resultados da pesquisa possam servir de referência crítica para a agenda que envolve o aperfeiçoamento dos modelos de gestão de políticas públicas e de reformas das instituições democráticas. Para esse fim, o projeto contará com a participação de docentes, pesquisadores e alunos de cinco unidades da USP: a Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, o Instituto de Relações Internacionais, a Faculdade de Direito, a Escola de Artes, Ciências e Humanidades e o Instituto de Matemática e Estatística; terá, ainda, a participação de docentes e pesquisadores associados pertencentes à Universidade de Campinas - UNICAMP e à Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP. Além disso, parte das atividades de avaliação e interpretação das percepções do 1 O NUPPs é a continuação institucional ampliada do antigo Núcleo de Pesquisa do Ensino Superior – NUPES, o qual foi criado em 1989 e se especializou no diagnóstico e análise de políticas para o ensino superior, bem como das estruturas das universidades públicas e dos seus resultados. Em 2004/2005, por iniciativa da presidente do seu Conselho Diretor, Professora Eunice Ribeiro Durham (FFLCH), e sob a coordenação do Pró-reitor de Pesquisa à época, Professor Luiz Nunes, transformou-se no atual NUPPs, ampliando o escopo de seus objetivos. Para informações a respeito das pesquisas realizadas pelo NUPES em quase 20 anos de atividade, consultar os Relatórios de Atividades entregues à Pró-Reitoria de Pesquisa da USP em 1994 e 2002, e a bibliografia produzida no período (ver Anexo 1).
  • 4. Rua do Anfiteatro, 181 - Colmeia, Favo 9 - Cidade Universitária - CEP 05508-900 - São Paulo - Brasil Fone: (55-11) 3815.4134 / 3091.3272 Fax: (55-11) 3091-3157 e-mail: nupps@usp.br - Homepage: http://www.usp.br/nupps 4 público sobre algumas políticas públicas específicas, a exemplo de segurança e criminalidade, será realizada em parceria com o Núcleo de Estudos da Violência – NEV, estando previsto para isso a utilização conjunta dos bancos de dados de surveys nacionais de opinião pública realizados por ambos os núcleos de pesquisa nos últimos cinco anos2 . A proposta ora apresentada é uma continuação, em bases novas, dos principais projetos de pesquisa realizados pelo NUPPs nos últimos cinco anos, e os seus objetivos se baseiam na discussão e nos resultados produzidos pelos seguintes projetos: “Sistema Integrado de Informações sobre o Ensino Superior - SIESP”, coordenado por Eunice R. Durham (FFLCH) e Adilson Simonis (IME) e realizado em parceria com a Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas – FIPE, da USP, com financiamento da Secretaria de Ensino Superior do Estado de São Paulo; “Indicadores de Ciência, Tecnologia e Inovação em São Paulo”, coordenado por Eunice R. Durham (FFLCH) e Adilson Simonis (IME) e realizado em parceria e financiamento da FAPESP; “A percepção da comunidade científica sobre as mudanças na política de Ciência, Tecnologia e Inovação introduzidas pela experiência do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia”, coordenado por Elizabeth Balbachevsky (FFLCH), com financiamento do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos – CGE do governo federal; “O futuro da profissão acadêmica: Mudanças nos países emergentes”, coordenado por Elizabeth Balbachevsky (FFLCH), com financiamento da Fundação Fulbright; “O Sistema educacional e as políticas públicas de ensino superior”, coordenado por Martha Lucchesi (NUPPs), com financiamento da FAPESP; “O Setor privado de ensino superior no Brasil: inovação e mercado”, coordenado por Helena Sampaio (Unicamp), com financiamento da FAPESP; “Legitimidade democrática e credibilidade econômica”, coordenado por Lourdes Sola, com financiamento da FAPESP; “A Desconfiança dos cidadãos das Instituições Democráticas no Brasil”, coordenado por José Álvaro Moisés (FFLCH), com financiamento da FAPESP e do CNPq; “O Congresso Nacional no Contexto do Presidencialismo de Coalizão”, coordenado por José Álvaro Moisés (FFLCH), com financiamento da Fundação Konrad Adenauer e do CNPq; 2 Existem no NUPPs os seguintes Bancos de Dados para consulta: referentes às pesquisa “Democratização e Cultura Política” (1989a, 1989b, 1990 e 1993); “A Desconfiança dos Cidadãos das Instituições Democráticas no Brasil” (2006); e “O Congresso Nacional no Contexto do Presidencialismo de Coalizão” (2010); e no Núcleo de Estudos da Violência – NEV o survey” Pesquisa Nacional por Amostra Domiciliar sobre Atitudes, Normas Culturais e Valores em relação a Violação de Direitos Humanos e Violência”.
  • 5. Rua do Anfiteatro, 181 - Colmeia, Favo 9 - Cidade Universitária - CEP 05508-900 - São Paulo - Brasil Fone: (55-11) 3815.4134 / 3091.3272 Fax: (55-11) 3091-3157 e-mail: nupps@usp.br - Homepage: http://www.usp.br/nupps 5 “Mídia e Apoio Público à Democracia”, coordenado por Nuno Mesquita Coimbra (FFLCH), com financiamento da FAPESP; “Partidos, Representação Política e Gênero no Brasil”, coordenado por Teresa Sacchet (NUPPs), com financiamento da FAPESP; “Financiamento de Campanha e Desempenho Eleitoral: quem ganha e quem perde desde uma perspectiva de gênero”, coordenado por Teresa Sacchet (NUPPs) e Bruno Speck (Unicamp), com financiamento do CNPq; “Uma proposta para a análise das eleições de 2010 de uma perspectiva de gênero”, Consórcio Bertha Lutz - Projeto “Proposta para a implementação de estudo sobre a participação das mulheres no processo eleitoral de 2010”, sendo esta parte coordenada por Teresa Sacchet (NUPPs) e Bruno Speck (Unicamp), com financiamento Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres do governo federal; “Determinantes e Políticas de Controle do Crime: agentes, instituições e contexto”, coordenado por Leandro Piquet (IRI), com financiamento da Secretaria Nacional de Segurança Pública; “Brasil e Noruega: Estado de Bem-Estar Social e Responsabilidade Social em Perspectiva Comparada”, coordenado por José Álvaro Moisés (FFLCH), com financiamento do Institute for Labor and Social Research - FAFO, da Noruega. O texto que segue está organizado da seguinte maneira: em sua primeira parte são apresentados e discutidos os objetivos gerais do projeto, com ênfase sobre as questões que se referem a três políticas públicas contempladas (educação, segurança e criminalidade, e políticas culturais); as instituições de governo e de representação em sua relação com a governança democrática; e as relações entre sociedade civil e cultura política. Na segunda parte, são apresentados os eixos temáticos e áreas em torno dos quais será realizado o estudo empírico, aí incluídas as referências a procedimentos e métodos de pesquisa. Finalmente, na terceira parte do projeto são listados os produtos que se pretende realizar nos três anos de sua duração. Os temas de pesquisa são apresentados de forma não-estanque e tratados de modo coordenado ao longo do texto, uma vez que eles se interpenetram e informam o tratamento uns dos outros, cada qual servindo de referencial para os demais. PARTE I INTRODUÇÃO E OBJETIVOS DO PROJETO Entre 2011 e 2013, período em que as atividades deste projeto serão desenvolvidas, o Brasil completará ¼ de século do seu recente regime democrático. Em pouco mais de 120 anos de regime republicano, essa é a segunda vez que o país experimenta a vigência da democracia com relativa continuidade. Com efeito, as eleições de 2010 mostraram, pela sexta vez consecutiva, que dois requisitos fundamentais de qualquer regime democrático, isto é, a participação popular e a competição política (Dahl, 1967), estão se consolidando como componentes permanentes do sistema
  • 6. Rua do Anfiteatro, 181 - Colmeia, Favo 9 - Cidade Universitária - CEP 05508-900 - São Paulo - Brasil Fone: (55-11) 3815.4134 / 3091.3272 Fax: (55-11) 3091-3157 e-mail: nupps@usp.br - Homepage: http://www.usp.br/nupps 6 político vigente no país desde a promulgação da Constituição de 1988. Mas como já foi observado a respeito do processo de democratização de outros países, inclusive de casos em que a democracia está consolidada (Diamond, 2002; Rose e Shin, 2001; Schedler e Sarsfield, 2004), a existência de eleições livres e justas, mesmo garantidas por algumas liberdades, embora seja condição necessária do regime, é insuficiente para assegurar que outros requisitos ou princípios democráticos - como o primado da lei, o acesso universal a direitos civis, políticos, sociais e econômicos, e a necessária fiscalização e controle de quem exerce o poder - estejam plenamente estabelecidos. O estabelecimento de relações entre as preferências dos eleitores, as políticas públicas e o desempenho das instituições democráticas não ocorre, necessariamente, segundo um padrão homogêneo ou linear no curso dos processos de democratização que, desde meados dos anos 70 do século passado, se verificaram em várias sociedades complexas e desiguais em diferentes partes do mundo (Shin, 2005). Construir uma democracia robusta e de qualidade não é uma tarefa fácil, e mesmo em casos em que o regime existe há muito tempo, se não for protegida e nutrida, a democracia pode se deteriorar3. Em vários casos, diferentes autores também fizeram referência à existência de um paradoxo ou de uma contradição (Norris, 1999; Morlino, 2010; Moisés, 2010a;) que marcaria a experiência democrática recente de países de tradição política e cultural bastante distinta: enquanto, por um lado, a aceitação do regime democrático como um ideal se tornou quase um consenso universal – com as taxas de adesão à democracia ultrapassando a casa dos 2/3 em muitos casos -, por outro, a avaliação pública do desempenho específico de instituições democráticas é crescentemente negativa, sendo marcada por desconfiança política, cinismo, desalinhamento partidário e a emergência de formas não convencionais de participação política (Dalton, 2002). O processo não implica, por certo, em rejeição da democracia como regime, mas envolve o balanço crítico de instituições específicas que, caracterizadas por distorções ou por um desempenho insuficiente, operam aos olhos do público com baixa intensidade, como incapazes de dar conta das expectativas que sua missão institucional e o seu discurso autojustificativo suscitam entre eles (Offe, 1999; Warren, 1999). Morlino fala, no caso de democracias recentes, de um processo de deslegitimação precoce dessas instituições que, mesmo não comprometendo em curto prazo a legitimidade geral do regime, pode vir a solapar progressivamente a percepção pública de que a democracia é a melhor forma de governo para os cidadãos de determinado país enfrentarem e resolverem os seus dilemas coletivos (Morlino, 2010). Em sentido semelhante, Booth e Seligson (2006) mostraram como o impacto de percepções públicas negativas afeta a legitimação da democracia em vários países latino-americanos. O diagnóstico recupera a distinção clássica introduzida quase meio século atrás por David Easton (1965) entre o apoio político difuso e específico, e retoma outros desenvolvimentos dados ao tema por Almond e Verba (1963); mas, ao mesmo tempo, ecoa os recentes argumentos de Torcal e Montero (2006), segundo os quais os fenômenos de desconfiança e desafeição políticas envolvem uma distinção analítica entre a possibilidade de um desengajamento político geral – que de fato parece não existir senão em poucos casos recentes de democratização – e as atitudes de descrença e 3 O relatório de novembro de 2010 da The Economist Intelligence Unit, reconhecida como importante fonte de referência, mostrou que entre 2008 e 2010 ocorreram a diminuição do número de democracias plenas existentes no mundo, de 30 para 26; o aumento do número de democracias imperfeitas de 50 para 53; a elevação do número de regimes autoritários de 51 para 55; e, no caso do Brasil, a queda do seu score total de 7.38 para 7.12; o país passou de 41º. para 47º. no rank de todos os demais países incluídos no balanço (The Economist, www.eiu.com, acessado em dezembro de 2010).
  • 7. Rua do Anfiteatro, 181 - Colmeia, Favo 9 - Cidade Universitária - CEP 05508-900 - São Paulo - Brasil Fone: (55-11) 3815.4134 / 3091.3272 Fax: (55-11) 3091-3157 e-mail: nupps@usp.br - Homepage: http://www.usp.br/nupps 7 descontentamento com o funcionamento de instituições específicas [ver a respeito vários autores em Moisés et al. (2010b)]. Essa visão do problema deixa de lado a dúvida quanto à existência ou não da democracia nos países em exame e refere-se agora à qualidade dos novos regimes democráticos; Diamond e Morlino (2005), entre outros autores, definem o conceito de qualidade da democracia fazendo referência à integração dinâmica que deveria existir entre princípios, procedimentos e resultados práticos das experiências democráticas. Ou seja, do ângulo da abordagem da qualidade da democracia, espera-se que princípios como a liberdade e a igualdade sejam, ao mesmo tempo, assegurados e extendidos por procedimentos como a participação, a representação política e a competição eleitoral - para o que, a vigência do primado da lei é uma condição indispensável; e, por outra parte, assume-se que princípios e procedimentos somente cumprem os seus objetivos uma vez que sejam capazes de gerar políticas públicas capazes de assegurar a extensão dos direitos de cidadania a todos os membros da comunidade política e de atender as expectativas dos eleitores formadas no curso do processo democrático. Uma democracia de qualidade, portanto, deveria assegurar que princípios e procedimentos democráticos não sejam apenas promessas, mas que produzam impacto na qualidade da vida das pessoas e nas escolhas que elas podem fazer durante a sua existência (ver também O´Donnell, Cullell e Iazzetta, 2004; Lijphart, 1999). Essa maneira de definir o problema - ou a indagação central de pesquisa – coloca desde logo o foco analítico sobre dois fenômenos associados, a responsividade (responsiveness) e a responsabilização (accountability). A responsividade pode ser definida como a capacidade ativa dos governantes de responderem de modo consistente, com responsabilidade, eficiência e eficácia, às demandas e expectativas dos cidadãos; e a accountability se refere aos procedimentos e mecanismos através dos quais os eleitores e a sociedade civil podem responsabilizar e controlar a conduta de quem detém o poder. Segundo a abordagem da qualidade da democracia, os dois conceitos são analiticamente conexos, pois enquanto a responsividade envolve a percepção dos governantes quanto às preferências dos cidadãos, a avaliação pública da ação dos governos se foca em o quanto a sua resposta atende ou diverge dos interesses dos eleitores; nos dois casos a inter-relação entre o desempenho das instituições democráticas e a implementação de políticas públicas percebidas socialmente como necessárias (em dado país e em dado tempo) tem um papel decisivo; na verdade, tem a função de tornar efetiva a conexão entre as preferências dos eleitores formadas no processo de participação da sociedade civil e o modo como as instituições políticas operam para incluí-las no sistema político, respondendo com políticas públicas compatíveis. Nesse sentido, alguns autores sustentaram que a responsividade é uma categoria analítica que permite observar – e analisar – a representação política em ação, a qual supõe, por um lado, a descrição e a análise de serviços públicos garantidos aos indivíduos e grupos representados pelos órgãos de governo; a distribuição de bens materiais e benefícios públicos aos cidadãos através da administração pública e de suas entidades; e a universalização e a extensão dos bens simbólicos que criam, reforçam e reproduzem o sentido de lealdade e de apoio dos cidadãos para com o sistema político (Eulau e Karps, 1977; Powell, 2005; Morlino, 2010); e, por outro, o desempenho efetivo das instituições de representação, como o parlamento e os partidos políticos, no sentido de incluir no sistema não só as preferências das maiorias, mas também das diferentes minorias que constituem a realidade diversa das sociedades complexas e desiguais; a questão, originalmente tratada por Mill (1964) no século XIX, não diz respeito apenas à prevenção contra a ditadura da maioria, mas ao modo efetivo como o sistema de representação inclui as minorias e as suas preferências no sistema político (Alencar, 1868; Santos, 1991, Moisés, 2010b). Essas questões definem os principais objetivos da pesquisa ora proposta.
  • 8. Rua do Anfiteatro, 181 - Colmeia, Favo 9 - Cidade Universitária - CEP 05508-900 - São Paulo - Brasil Fone: (55-11) 3815.4134 / 3091.3272 Fax: (55-11) 3091-3157 e-mail: nupps@usp.br - Homepage: http://www.usp.br/nupps 8 O CASO DO BRASIL Em quase 25 anos de democracia, o Brasil conheceu avanços significativos no processo de consolidação do seu regime democrático. São exemplos disso, não apenas a sucessiva realização de eleições livres, periódicas e competitivas – controladas por um braço autônomo do sistema judiciário, o Tribunal Superior Eleitoral - TSE - para a escolha de governos e de instituições de representação, mas também a relativa harmonia com que têm funcionado as instituições, em que pese a existência de distorções e déficits de funcionamento (como tratados adiante); afora isso, a sucessiva ação de governos de diferentes orientações políticas garantiu, depois de décadas de trato ineficiente e de descontrole das contas públicas, uma relativa estabilidade econômica, criando, dessa forma, as condições necessárias para que ocorresse um duplo processo virtuoso: por um lado, a partir da introdução do Plano Real, a interrupção dos efeitos inflacionários que funcionavam como um mecanismo de taxação progressiva sobretudo dos mais pobres; e, por outro, a formação de condições macro-econômicas capazes de permitir que fosse iniciado um tímido mas importante processo de distribuição menos desigual de rendas entre distintos grupos sociais; como mostram os resultados do índice de Gini, as mudanças ainda são pequenas, mas elas aconteceram4. O principal efeito dessas políticas foi melhorar a condição social e econômica dos grupos mencionados, o que transparece em sua nova capacidade de consumo em anos recentes e, até certo ponto, em suas novas exigências em face do sistema político; mas a sociedade brasileira continua sendo extremamente desigual, com o acesso da maioria dos cidadãos a serviços públicos fundamentais - como saúde, educação, habitação, segurança e infra-estrutura – ainda muito limitado. Embora os aumentos do salário mínimo e dos índices de emprego, em anos recentes, também se constituam em novos elementos de garantia de direitos sociais básicos, a permanência de diferenças de tratamento entre importantes grupos da população torna desigual o seu acesso à estrutura de direitos de cidadania: são exemplos disso as diferenças de acesso ao emprego e de remuneração para trabalho semelhante entre homens e mulheres5, a situação social extremamente desigual que atinge os afro- brasileiros e outros grupos sociais minoritários (Henriques, 2001), sem falar da precária integração urbana e da vulnerabilidade enfrentada por grupos de baixa renda localizados em áreas de risco ou violência, de insegurança e de quase completa ausência do poder público (Leandro, 2009; Beato e Andrade, 2004) A situação da educação se constitui em um dos exemplos mais importantes das dificuldades de acesso da população a direitos fundamentais de cidadania. Desde meados dos anos 90, os indicadores educacionais apontaram para avanços significativos ocorridos no país: a taxa de 4 Segundo o índice Gini, a desigualdade caiu de 0,585 em julho de 1994 (Plano Real) para 0,563 em 2002, último ano do governo FHC. No período do governo Lula, começou com 0,554 e, em 2009, estava em 0,518 – um descenso tido como devido à implementação de programas de transferência de renda, aumentos reais do salário mínimo e a assistência social via Benefício de Prestação Continuada (BPC) (Rocha, M. A., 2010, O Estado de São Paulo, 13/9/2010). Ver também “IPEA 46 anos – O Brasil em 4 décadas”, 2010, (www.ipea.gov.br). 5 Segundo a pesquisa “A Mulher no Mercado de Trabalho Metropolitano”, realizada pelo DIEESE em seis capitais metropolitanas (Belo Horizonte, Distrito Federal, Porto Alegre, Recife, Salvador e São Paulo), a diminuição do desemprego da mão de obra feminina, entre 2006 e 2007, não resultou em diminuição da desigualdade de remuneração entre homens e mulheres no mercado de trabalho: em 2007, mesmo tendo-se verificado um desempenho ligeiramente favorável do rendimento das mulheres, a remuneração feminina por hora variava entre 84,3% (Recife) e 74,6% (Distrito Federal) daquela auferida pelos homens (PED, Pesquisa de Emprego e Desemprego, DIEESE, 2008).
  • 9. Rua do Anfiteatro, 181 - Colmeia, Favo 9 - Cidade Universitária - CEP 05508-900 - São Paulo - Brasil Fone: (55-11) 3815.4134 / 3091.3272 Fax: (55-11) 3091-3157 e-mail: nupps@usp.br - Homepage: http://www.usp.br/nupps 9 analfabetismo da população acima de 10 anos de idade, por exemplo, caiu de 16,4 em 1992, para 8,9% em 2009; a média de anos de estudo da população acima de 15 anos também melhorou, passando de 4,9 em 2002 para 7,4 em 2009 (www.inep.gov.br). Mas em 2009, quinze anos depois de a estabilidade econômica ter sido relativamente alcançada no país, 10% da população brasileira ainda permaneciam sem acesso a instrução alguma; 43% tinham apenas até 7 anos de estudo, ou seja, não havia concluído o ensino fundamental; apenas 17% tinham de 8 a 10 anos de instrução formal, correspondente ao ensino médio incompleto; e 30% tinham 11 anos ou mais de estudo, indicando que esse contingente concluiu o ensino médio e pode ter ingressado no ensino superior. Em resumo, o percentual de pessoas sem nenhuma instrução e o daquelas que nem sequer concluíram o ensino fundamental equivalia a mais de 50% da população brasileira; além disso, a passagem do ensino fundamental para o médio – que, em tese, se constituiu na preparação indispensável para o acesso ao ensino superior – se constitui em um grave gargalo do sistema educacional brasileiro. Isso explica, em parte, porque entre 2005 e 2008 as taxas de concluintes do ensino médio foram superiores àquelas de ingressantes no ensino superior: eram apenas 58% em 2005, e aumentaram para 69 em 2008; mas quase 1/3 dos que em tese estariam aptos a ingressar no ensino superior não conseguiam fazê-lo (INEP/MEC, Séries Históricas, www.inep/mec.br). De modo geral, no entanto, é possível perceber que ao longo dos últimos 25 anos as políticas educacionais buscaram, por uma parte, melhorar a sua eficiência e os seus resultados práticos e, por outra, intervir na dinâmica excludente a que ela se refere. Garantir o acesso à educação, especialmente nos níveis fundamental e médio, e tentar assegurar meios para que isso continuasse ocorrendo, foram prioridades perseguidas por quase todos os governos democráticos recentes. Em conseqüência, dois fenômenos derivados podem ser identificados: o primeiro se refere à evolução de alguns indicadores, a exemplo do aumento do contingente de indivíduos incluídos no sistema educacional e da relativa ampliação de anos de escolarização; o segundo diz respeito à percepção mais ou menos generalizada da sociedade de que a educação é um dos principais instrumentos para se reduzir as desigualdades sociais. Embora essa percepção não seja inteiramente nova (vide os planos educacionais dos anos 20 e 50 do século passado ou mesmo os Planos Nacionais de Educação dos governos militares), o diagnóstico hoje faz parte dos programas de quase todos os partidos políticos, e integra o discurso de empresários, dirigentes sindicais, pesquisadores e gestores públicos; mas, mesmo assim, a educação continua exibindo indicadores que atestam a sua insuficiência para atender a demanda de uma sociedade em permanente transformação. Por essa razão, é uma área estratégica para o exame da capacidade dos governos democráticos de responderem às expectativas de expansão dos direitos de cidadania. A situação da segurança pública e da criminalidade não é menos preocupante: a violência urbana é um dos principais problemas enfrentados pelo Brasil. Entre 1998 e 2004, ocorreram mais de 41 mil homicídios dolosos no Estado do Rio de Janeiro e, no mesmo período, quase 83 mil pessoas perderam a vida violentamente no Estado de São Paulo, enquanto outras 16 mil, em Minas Gerais, e 9 mil no Espírito Santo tiveram destino semelhante. Em todo o país, foram assassinadas 281.832 pessoas naqueles seis anos, segundo dados do Ministério da Saúde (Datasus, 2008), mas, apesar de ser a face mais dramática do problema, a questão não se refere apenas à violência letal. A taxa de estupro por 100 mil mulheres, em 2001, foi de 20,2 em São Paulo, 17,3 no Rio de Janeiro, 15,3 no Espírito Santo e 15,8 em Minas Gerais. O quadro também é grave no que se refere aos crimes economicamente motivados: 92,2 veículos foram roubados em cada 10 mil em São Paulo, 111,2 no
  • 10. Rua do Anfiteatro, 181 - Colmeia, Favo 9 - Cidade Universitária - CEP 05508-900 - São Paulo - Brasil Fone: (55-11) 3815.4134 / 3091.3272 Fax: (55-11) 3091-3157 e-mail: nupps@usp.br - Homepage: http://www.usp.br/nupps 10 Rio de Janeiro e 14,5 no Espírito Santo. Foram cerca de 490 roubos por 100 mil habitantes em São Paulo, 179 no Rio de Janeiro e quase 1 mil no Espírito Santo (Mosumeci e Soares, 2003). Todas essas atividades criminais têm forte impacto social e afetam a qualidade de vida dos cidadãos, mas o problema tem conseqüências que ultrapassam a sua dimensão humana: os fatores mencionados estão ligados também ao funcionamento da estrutura do sistema político como um todo (Hall e Taylor, 2003) e, para além de suas importantes conseqüências humanas e sociais, o déficit de controle da atividade criminal e do ato violento no país impacta o conjunto da estrutura do Estado, com implicações para a sua eficiência e a sua efetividade. Por isso, essa será a segunda área de políticas públicas a ser avaliada por este projeto. O caso das políticas de cultura é mais difícil de ser caracterizado: seja porque, comparados com os de outras áreas, os investimentos públicos no setor tem sido bastante mais limitados6, seja porque o acúmulo de conhecimento na área é insuficiente, sabe-se pouco sobre a efetividade e a eficiência das políticas que vem sendo adotadas nas três últimas décadas no país - algo que per se também colabora para a sua relativa fragilidade. E se este é o quadro em plano nacional, nas esferas estadual e municipal sabe-se menos ainda e pouco se tem pesquisado a respeito da gestão das políticas públicas de cultura levadas a termo pelos governos democráticos, a despeito da importância que lhe é atribuída pelos programas dos diferentes partidos políticos e pela literatura acadêmica (Moisés e Sosnowski, 2001). Após a intensa institucionalização de órgãos estatais de cultura verificada entre os anos 30 e 60 do século passado (Miceli, 1984), o setor passou por um rápido processo de transformações, a partir de 1985, com a criação do Ministério da Cultura e da Lei Sarney, que ajudou a criar as condições para a participação do setor privado nos investimentos em cultura no país. Mas com o advento do governo Collor de Mello, em 1990, quando passou a prevalecer uma visão minimalista de Estado, o MinC foi reduzido a uma Secretaria da Presidência da República e os recursos públicos escassearam. Uma recuperação relativa da situação anterior ocorreu entre 1994 e 2002, no governo FHC, quando, além da recriação do MinC, diversos mecanismos de financiamento foram modernizados, a exemplo das Leis Rouanet (8.313/91) e do Audiovisual (8.685/93), servindo de base para a retomada das atividades culturais e, em especial, para a produção cinematográfica e audiovisual, que tinha quase se reduzido a zero com extinção da Embrafilme (Moisés e Botelho, 1997; MinC e IPEA, 2007). As mudanças prosseguiram no governo de Luiz Inácio Lula da Silva, quando os investimentos do Estado na área voltaram a crescer, mas, como apontam alguns estudos, as políticas oficiais passaram a fortalecer os canais de manifestações culturais de minorias (Rubim, 2007). Um estudo recente do próprio MinC e do IPEA (2007, V 2, p. 159) mostra que apenas 53 do total de municípios brasileiros possuem os equipamentos culturais tradicionais, de audiovisual e de comunicação social (bibliotecas, museus, teatros, bandas musicais, orquestras, cinemas, rádios AM e FM, TV e internet), todos estes casos correspondendo apenas a capitais de Estados ou regiões metropolitanas, enquanto 152 municípios não possuem nenhum destes equipamentos. Afora isso, em que pese o papel que assumiu nos anos 90 no financiamento da produção cultural (Moisés, 1998), o governo federal demorou 8 anos para propor mudanças na Lei Rouanet em resposta às reivindicações da comunidade cultural, um processo que, todavia, ainda não está concluído. Essa situação, como apontado também pelo 6 Os investimentos em cultura seguem sendo, mesmo nos governos democráticos, inferiores a 1% do orçamento da União.
  • 11. Rua do Anfiteatro, 181 - Colmeia, Favo 9 - Cidade Universitária - CEP 05508-900 - São Paulo - Brasil Fone: (55-11) 3815.4134 / 3091.3272 Fax: (55-11) 3091-3157 e-mail: nupps@usp.br - Homepage: http://www.usp.br/nupps 11 IPEA7, justifica a razão de as políticas culturais serem a terceira área de avaliação contemplada por este projeto. FOCOS ANALÍTICOS DA PESQUISA O panorama sugerido por essas insuficiências das políticas públicas permite identificar dois problemas que afetam a qualidade dos resultados produzidos pelo regime democrático no país – e que, portanto, constituem os focos centrais deste projeto. O primeiro se refere às evidentes deficiências de desempenho do Estado: seja quanto à universalização de direitos fundamentais de cidadania, seja no que diz respeito à administração do monopólio legítimo da violência em importantes áreas urbanas (Pinheiro, 2002) o Estado brasileiro é ineficiente e, em alguns casos, ausente; o modelo de gestão e de governança com que conduz políticas públicas percebidas socialmente como necessárias utiliza de modo irracional os recursos disponíveis, convive sem punir adequadamente com diversas práticas de corrupção em todas as suas esferas e responde de forma insatisfatória às demandas dos cidadãos-consumidores dos serviços públicos. Esse diagnóstico sugere que é preciso avançar mais o que já se sabe a respeito dos modos de funcionamento do Estado e da sua gestão dos principais serviços públicos. A avaliação tem de levar em conta, por uma parte, a existência ou não de planejamento desses serviços, os critérios sociais e políticos com base nos quais são adotados e os seus resultados efetivos do ângulo de sua eficiência e eficácia; mas, por outro lado, precisa ter em conta também a percepção dos cidadãos, ou seja, a avaliação prática dos beneficiários potenciais dos referidos serviços. Isso se refere ao modo como os resultados efetivos de políticas públicas afetam a percepção da população sobre o desempenho de governos e de representantes eleitos e, dessa forma, como impactam a percepção da relação entre a participação política e a responsividade no quadro da democracia vigente. Uma das hipóteses a ser examinada pela pesquisa é que a percepção negativa ou positiva sobre o desempenho do Estado, através dos serviços públicos que ele entrega à população, afeta o processo de legitimação das instituições e, por esse caminho, pode afetar também a própria legitimidade do regime democrático (Morlino, 2010). O retorno da democracia em várias partes do mundo foi acompanhado por uma retomada do debate teórico em torno das relações entre as instituições de representação política, as políticas públicas e a participação da sociedade civil, aí incluída a cultura política. Mas a despeito da considerável diversidade metodológica, temática e teórica desse debate, podem-se identificar questões latentes entre os cientistas sociais que analisaram as variáveis políticas do processo de consolidação democrática, um debate que chamou a atenção para a insuficiência dos estudos que não incorporavam, em seus modelos analíticos, variáveis sociológicas e culturais (Moisés, 2008). Com efeito, alguns aspectos importantes desse debate ainda não enfrentaram todas as implicações da questão; entre eles, pode-se mencionar a racionalidade da ação dos atores sociais, as abordagens macro ou microssistêmica, os papeis da burocracia administrativa, das instituições de representação e a estrutura e consistência das preferências individuais; aliás, um ponto reconhecidamente controverso se refere, precisamente, à relação ente instituições políticas e indivíduos, e a orientação que adotam para a sua ação. 7 “...se as políticas culturais, em grandes linhas, podem ser vistas em um quadro de longo prazo, de caráter incremental, isto é, de acúmulos nos processos de construção institucional, com a invenção, a presença e a retomada recorrente dos mesmos temas, também é certo que os diferentes períodos históricos enfrentam seus problemas com perspectivas diferenciadas” (IPEA 46 anos, O Brasil em 4 décadas, 2010, p.88; www.ipea.gov.br).
  • 12. Rua do Anfiteatro, 181 - Colmeia, Favo 9 - Cidade Universitária - CEP 05508-900 - São Paulo - Brasil Fone: (55-11) 3815.4134 / 3091.3272 Fax: (55-11) 3091-3157 e-mail: nupps@usp.br - Homepage: http://www.usp.br/nupps 12 A interação entre indivíduos e instituições tem ocupado uma posição central nas pesquisas de políticas públicas. Não é demais apontar, com Immergut (2006), que a própria disciplina nasce e desenvolve-se dentro de uma perspectiva institucionalista das relações sociais. A esse respeito, Hall e Taylor (2007) apresentam três versões distintas de teorias sociais que procuram estabelecer os mecanismos de causalidade ligando as instituições sociais ao comportamento individual: i) o institucionalismo histórico, ii) o institucionalismo de escolha racional e iii) o institucionalismo sociológico. Cada um desses modelos teóricos formula explicações diversas para duas questões fundamentais: como estabelecer a relação entre a instituição e o comportamento e como explicar o processo pelo qual as instituições surgem ou se modificam. O pressuposto básico que relaciona as três vertentes do institucionalismo teórico é que comportamentos individuais são determinados, em grande parte, pelo desenho institucional em que os agentes estão inseridos. Sander (2006) apresenta uma revisão sobre os principais pontos do institucionalismo histórico. Segundo a autora, as instituições sociais são vistas como regras estruturais onde ocorrem as interações humanas. Essas estruturas supra-individuais são condicionadas pela história pregressa da própria instituição e, desse modo, são estáveis no tempo e exógenas às preferências individuais. Já para o institucionalismo de escolha racional, as instituições sociais são vistas como regras dos jogos sociais ou como equilíbrio estrutural resultante das interações humanas. Atores racionais formulam endogenamente as regras nas quais serão estabelecidas as interações sociais. Essas regras são criadas para determinar os limites nos quais os atores individuais perseguem seus próprios interesses (Shepsle, 2006). Já para o institucionalismo sociológico, as instituições não estão relacionadas com as ações racionais dos indivíduos, como nas duas versões anteriores. Segundo os teóricos dessa vertente, as instituições políticas respondem aos contextos culturais e sociais independentemente das preferências dos atores individuais (Putnan, 1994). Nesse quadro, cabe assinalar que o debate acerca da importância de elementos relativos a valores e idéias para dar conta de processos dinâmicos de mudança nas políticas públicas tem crescido em importância na literatura contemporânea. Como exemplo dessa nova tendência, pode-se citar, entre outros, o artigo de Lieberman (2002), que propõe explicar a mudança nas políticas a partir da interação de variáveis institucionais e aquelas relativas à dimensão cognitiva. Essa última dimensão é central para diversas abordagens de análise de políticas públicas desenvolvidas nos últimos vinte anos (ver, entre outros, Sabatier, 1988, Elster, 1989, Braun, 1998,Huber, 1997 e Skocpol, 1996, Ross, 1997, Messenger, 2005). Nesse debate ainda sobressaem os trabalhos de Hall e Jenson (Hall, 1989; 1990; Jenson, 1989) que sugerem que as relações entre as instituições e as escolhas de políticas podem ser entendidas a partir da análise dos paradigmas que sustentam as políticas públicas, os quais, envolvem um constructo intelectual ligado a arenas específicas (policy system), e que tal constructo supõe um conjunto de idéias e percepções compartilhadas pelos atores políticos relevantes das referidas áreas (Hall, 1989; 1990; Jenson, 1989). Esse constructo intelectual consistiria em um conjunto interligado de percepções, atitudes, idéias e valores que permitem definir qual o modo “correto” de identificar o problema-alvo da política, as características estratégicas dos seus instrumentos e os resultados esperados. O paradigma permitiria, assim, que fosse construído o mapa imaginário da distribuição de papeis e de posições entre os atores relevantes, bem como o “estilo” de política a ser adotado ou, por outras palavras, a cultura que ilumina a sua formulação e a sua implementação. Assim, tal paradigma se constituiria em um sistema de significados e,
  • 13. Rua do Anfiteatro, 181 - Colmeia, Favo 9 - Cidade Universitária - CEP 05508-900 - São Paulo - Brasil Fone: (55-11) 3815.4134 / 3091.3272 Fax: (55-11) 3091-3157 e-mail: nupps@usp.br - Homepage: http://www.usp.br/nupps 13 simultaneamente, de práticas institucionais que, em seu funcionamento, dariam ou não conta do problema a ser enfrentado. Por outras palavras, o paradigma de política pública seria, ao mesmo tempo, um elemento constitutivo da identidade dos atores relevantes – algo ligado à visão de mundo que sustenta a ação de cada um deles – e um conjunto de proposições causais que organizam a percepção das alternativas de políticas propostas para cada área. O uso dessa abordagem, neste projeto, objetiva fazer avançar o conhecimento desses novos ângulos, em especial, no que se refere ao modo como os paradigmas de política pública vigentes respondem às exigências de responsividade dos governos no período democrático recente. Afora isso, na experiência brasileira recente, um processo interessante precisa ser melhor avaliado: trata-se da convergência observada em diferentes áreas de políticas públicas. Em que pesem as diferenças de orientação política que separaram os dois governos do período 1995-2010, em diferentes áreas foi possível observar uma continuidade surpreendente nos diagnósticos de problemas e na construção de instrumentos de intervenção, o que resultou em importantes linhas de continuidade. A área onde essa característica tem sido mais marcante é a da política macro- econômica, mas resultados semelhantes – embora em significação diferente - também podem ser observados em outras áreas: educação e segurança pública são outros exemplos de convergência, tendo levado alguns analistas a usar a noção de “políticas de Estado”, para contrapô-las à idéia de políticas de governo. Avaliar em que medida processos dessa natureza podem estar ocorrendo em diferentes áreas de políticas públicas, estimar os seus limites e entender quais os fatores que concorrem para esse resultados é uma questão de grande relevância que será objeto de análise no âmbito deste projeto (Melo, 2010; Soares, 2000; Schwartzman, 2000). O projeto pretende, assim, utilizar instrumentos de avaliação capazes de servir de orientação para os governos na formulação e implementação de políticas públicas, de modo a que o Estado democrático possa ter asseguradas a sua autoridade e a sua legitimidade para dirimir conflitos. A saída dos gargalos apontados antes depende da formulação e da implementação de políticas públicas voltadas para a ampliação do arco de direitos civis, sociais e culturais da população, e para a melhoria da qualidade dos serviços públicos ofertados, com o quê o Estado poderá se capacitar melhor, não só para exercer o seu poder de coordenação no enfrentamento de novos conflitos, como, sobretudo, resolver, sem permitir a sua reprodução, conflitos estabelecidos de longa data (Mann, 1993; Dagnino, 2004). Neste sentido, as questões que precisam ser respondidas no tratamento do tema são o que fazer (ações), aonde chegar (metas) e através de quais meios (estratégias de ação) (Assumpção Rodrigues, 2010), de modo a não só reverter as situações de déficits e carências diagnosticados, como permitir que seja reconhecida a condição de agentes dos cidadãos no processo de governança democrática e gestão das políticas públicas (O’Donnell et alli, 2004). INSTITUIÇÕES E REPRESENTAÇÃO POLÍTICA O segundo problema derivado do diagnóstico apresentado antes diz respeito ao papel das instituições de governo e de representação política. A cultura política predominante no país tende a supervalorizar o papel da esfera executiva do Estado e, em parte, isso ajuda a explicar porque a confiança dos eleitores é quase que exclusivamente depositada em personalidades políticas que, eleitas em processos às vezes marcados por características carismáticas, recebem uma delegação quase irrestrita para governar com pouca transparência, com discutíveis conexões com os partidos
  • 14. Rua do Anfiteatro, 181 - Colmeia, Favo 9 - Cidade Universitária - CEP 05508-900 - São Paulo - Brasil Fone: (55-11) 3815.4134 / 3091.3272 Fax: (55-11) 3091-3157 e-mail: nupps@usp.br - Homepage: http://www.usp.br/nupps 14 políticos e sem o devido respeito à esfera de atuação e à autonomia dos demais poderes republicanos (O´Donnell, 2004; Lamounier,1975, Moisés, 2010c ). O fenômeno se deve, por certo, à prevalência de valores políticos fundacionais relativos ao modelo de divisão de poderes adotado no país a partir a Constituição de 1988 e, em especial, ao papel reservado para as instituições de representação (Santos, 2009). Com efeito, os constituintes de 1987-88 decidiram manter as prerrogativas outorgadas ao presidente da República pelo regime autoritário de 1964-1985 no que tange ao direito de iniciar legislação. A exemplo do antigo decreto-lei, eles institucionalizaram o poder exclusivo do executivo de emitir medidas provisórias capazes de alterar de imediato o status quo; confirmaram a prerrogativa unilateral dos presidentes de introduzir legislação tributária e o orçamento da união e, no mesmo sentido, ampliaram a sua competência quanto à organização administrativa do Estado, as decisões sobre os efetivos das forças armadas e as medidas de política externa, como tratados internacionais. Em poucas palavras, as análises mostraram que os presidentes brasileiros podem iniciar com exclusividade legislação em áreas específicas e forçar unilateralmente a sua apreciação pelo legislativo, utilizando-se para isso tanto de prerrogativas constitucionais - pedidos de urgência na votação de matérias do seu interesse ou emissão de medidas provisórias com força de lei -, como de procedimentos regimentais que centralizaram o processo de tomada de decisões no Congresso Nacional em mãos das mesas diretoras e do Colégio de Líderes. Os presidentes podem, assim, impedir que eventuais minorias parlamentares venham a se constituir em veto-players capazes de dificultar ou bloquear as suas iniciativas. Além disso, o executivo tem em mãos, além da distribuição de cargos aos partidos que formam a sua base de apoio, a liberação das emendas individuais dos parlamentares apresentadas quando da aprovação do orçamento federal (Abranches, 1988; Amorim Neto, 2006; Santos, 2003). As vantagens que isso implica, segundo as abordagens que priorizam o papel do executivo, são enfatizadas pela literatura, mas as suas implicações para a qualidade da democracia e, em especial, para as funções de fiscalização e controle (accountability) que cabem ao parlamento e aos partidos políticos ainda exigem mais pesquisa. Diante de incentivos institucionais tão eficazes para que os parlamentares acompanhem a posição da maioria governativa, é duvidoso que reste espaço, quando isso seja necessário, para a crítica e/ou a correção de posições do executivo. Mesmo autores como Figueiredo e Limongi (2003) admitem que o sistema é tão eficiente em impor restrições à atuação especificamente legislativa dos parlamentares que limita a sua eficácia institucional: “o Congresso Nacional atou as próprias mãos”, segundo eles, ao aceitar uma configuração institucional que delega a iniciativa e o poder de agenda ao executivo. Eles sustentam, no entanto, que não se trata de abdicação, pois os parlamentares podem aprovar ou não as iniciativas dos governos, mas o fato é que isso tem sido raro ao longo das duas ultimas décadas, com o Congresso quase sempre tendo desempenhando um papel mais reativo do que proativo, sem falar que proposições de iniciativa dos próprios parlamentares se limitam a algumas poucas políticas distributivistas, localistas e simbólicas, em grande parte incapazes de alterar o status quo ou de introduzir políticas públicas relevantes. Por isso, nas palavras de outro analista, o diagnóstico é o de um processo de “encarceramento ou travamento” do parlamento, em vista da contradição observada entre os parâmetros constitucionais – baseados na doutrina da divisão de poderes -, e os procedimentais adotados pelo parlamento, o que comprometeria parte de sua autonomia e capacidade de ação (Santos, 2003; Cintra, 2007). A supremacia do executivo sobre o parlamento tem sido tão grande, após a democratização, que acabou por transformá-lo - e não o Congresso Nacional - no grande legislador no Brasil (Moisés, 2011).
  • 15. Rua do Anfiteatro, 181 - Colmeia, Favo 9 - Cidade Universitária - CEP 05508-900 - São Paulo - Brasil Fone: (55-11) 3815.4134 / 3091.3272 Fax: (55-11) 3091-3157 e-mail: nupps@usp.br - Homepage: http://www.usp.br/nupps 15 A instituição opera em condições que singularizam a estrutura do sistema político brasileiro com vantagens e desvantagens institucionais do ponto de vista do seu funcionamento. A maior vantagem apontada pela literatura especializada – parte da qual, contudo, não aceita o diagnostico de singularidade dessa conformação institucional8 - se refere aos resultados da estabilidade alcançada nas relações entre o executivo e o legislativo após a democratização e, em particular, as implicações dessa situação para a governabilidade que, levando-se em conta a abordagem predominante na ciência política brasileira, é percebida primordialmente em termos dos interesses do executivo. Mas a questão sobre o desempenho do Congresso não se refere apenas à capacidade do executivo de assegurar a governabilidade entendida como a garantia de que a vontade e os projetos dos governos são aprovados, mas também à possibilidade de que os parlamentares possam exercer a sua função de representação, inclusive, quando necessário, discordando das proposições do executivo ou quando tiverem que negar seu apoio a esse poder em defesa de interesses de minorias contra imposições da maioria. A governabilidade, com efeito, não é um atributo unilateral de um só poder, mas diz respeito ao funcionamento conjunto das diferentes esferas governativas (Bovero, 2002). O desempenho do Congresso Nacional precisa, portanto, ser reexaminado, não apenas do ângulo de sua baixa produção legislativa e de políticas públicas, como mostraram os resultados do projeto “O Desempenho do Congresso Nacional no Contexto do Presidencialismo de Coalizão”, realizado pelo NUPPs entre 2009 e 2010 (Moisés et al., 2011), mas também da perspectiva oferecida pela existência de milhares de iniciativas parlamentares que não tem o respaldo das direções das mesas das duas casas congressuais, nem das lideranças da coalizão majoritária ou dos partidos políticos para terem sua tramitação levada a termo final. Independentemente de seu conteúdo – ou seja, das políticas públicas que contemplam -, ao serem bloqueadas por decisão da maioria congressual, as iniciativas deixam de poder desempenhar a função de conexão entre os representantes e os representados, com enormes conseqüências para a imagem e a avaliação que os eleitores fazem do parlamento. Por isso, partindo do conhecimento existente sobre o tema, duas maneiras alternativas de se testar o desempenho de representação do Congresso Nacional serão consideradas neste projeto: por um lado, o exame dos dados dos projetos que não entram na pauta oficial e não são levados à votação em plenário; eles podem dar indicações importantes sobre a função de representação oculta dos parlamentares que, dadas suas características, acabam não servindo de referência para o julgamento que os cidadãos fazem do parlamento. Por outro, a avaliação dos chamados decretos legislativos que, segundo algumas análises, poderiam estar se constituindo em uma espécie de alternativa através da qual o Congresso Nacional tenta contornar os limites impostos à sua atuação pelas prerrogativas dadas ao executivo pela Constituição de 1988 (Carneiro, 2009). Dependendo do conteúdo dos decretos legislativos será possível detectar formas alternativas de desempenho do parlamento que, dessa forma, contornaria o fato de o executivo, devido às enormes atribuições a ele dadas pela Constituição de 1988, controlar a agenda de decisões do Congresso Nacional. Cabe indagar se esse controle do executivo não envolve o rebaixamento do desempenho representativo do parlamento e, pour cause, a sua desqualificação como instituição de mediação de conflitos derivados do confronto de interesses e preferências dos cidadãos – esse será um dos objetivos do presente projeto. 8 Limongi (2006).
  • 16. Rua do Anfiteatro, 181 - Colmeia, Favo 9 - Cidade Universitária - CEP 05508-900 - São Paulo - Brasil Fone: (55-11) 3815.4134 / 3091.3272 Fax: (55-11) 3091-3157 e-mail: nupps@usp.br - Homepage: http://www.usp.br/nupps 16 O tema da representação política não se limita, contudo, ao desempenho do parlamento. A desconfiança política que atinge quase todas as instituições públicas brasileiras é particularmente severa no caso dos partidos políticos, além do parlamento9. A literatura especializada tem analisado o desempenho dos partidos com base na sua atuação em duas arenas específicas, a decisória e a eleitoral. Enquanto na primeira se trata do papel dos partidos como atores que compartilham com os governos a formulação e as decisões de implementação de políticas públicas - para o que a legitimidade adquirida em eleições é uma condição essencial de sua capacidade de negociar decisões tomadas nas esferas executiva e parlamentar -, na arena eleitoral os partidos competem pelo apoio dos eleitores com o objetivo de adquirir posições de poder, mas, para isso, têm de ser reconhecidos por eles como elos efetivos entre as demandas da sociedade civil e o Estado, pois é “por meio desse mecanismo (...) que se forma a cadeia que vincula os cidadãos às arenas públicas de tomada de decisões” (Kinzo, 2004, p. 25). Nesse sentido, a identificação entre eleitores e partidos é um requisito fundamental, mas, na experiência brasileira recente, isso enfrenta um limite representado pelos efeitos da fragmentação que, ao constranger as condições de formação do que Lamounier (2005) chamou de fixação estrutural do sistema partidário – um requisito da accountability vertical -, estimula a migração (ou “transfugismo”) de parlamentares eleitos por partidos de menor expressão para aqueles que formam a base de apoio parlamentar dos governos. Nesse sentido, a fragilização partidária é estimulada pela atuação de governos cujos partidos de apoio não alcançam maioria nas eleições legislativas e que, a exemplo do que ocorreu no primeiro mandato do presidente Lula da Silva, formam a coalizão de governo mesmo com partidos cujo perfil ideológico e programático discrepa daquele do presidente; o problema, aliás, não se refere somente a esse governo: entre 1983 e 1999, de um total de 2.329 deputados federais, entre titulares e suplentes, 686 (quase 30%) migraram para outras legendas; em 1994, mais de 64% dos 513 deputados tinham trocado de partido ao menos uma vez (Nicolau, 1996, apud Rodrigues, 2002) e, entre 2003 e 2005, 237 parlamentares, estimulados a isso, trocaram de partido, anulando a significação do voto dados a eles pelos eleitores (Rodrigues, 2002; Lamounier, 2005). Mesmo considerando, como mostraram alguns autores, que a maior parte das migrações ocorre dentro de blocos ideológicos supostamente semelhantes, a tendência fragiliza a conexão entre eleitores e partidos10 . Contudo, além de funcionar como elementos de agregação e articulação de interesses e preferências dos eleitores, os partidos políticos pretendem ser um elo de mediação entre a sociedade civil e o Estado. As funções de agregação e de articulação per se são insuficientes se não forem completadas por aquelas de expressão e representação da contraditória diversidade que caracteriza as sociedades complexas e desiguais como o Brasil. Isso significa que, ao atuarem no parlamento em nome dessa diversidade, levando para dentro do sistema político as demandas e aspirações tanto da maioria como das minorias (Mill, 1964), os partidos não são avaliados apenas por seu papel na arena decisória, como garantia de governabilidade de alianças ou coalizões governamentais formadas no presidencialismo de coalizão, mas também como meios de expressão da sociedade (Abranches, 1988; Santos, 2003; Cintra, 2007). 9 Dados de survey nacional realizado no âmbito da pesquisa “A Desconfiança dos Cidadãos das Instituições Democráticas” indicam que, em 2006, mais de 78% dos entrevistados desconfiavam do Congresso Nacional e cerca de 82% desconfiavam dos partidos (Moisés, 2010a). 10 Essa situação, no entanto, pode estar começando a mudar com uma recente decisão da Justiça Eleitoral em 2008, segundo a qual o mandato pertence ao partido e não aos parlamentares, o que poderá inibir o “transfugismo”. Mas ainda será necessário esperar alguns anos para se conhecer os efeitos dessa mudança.
  • 17. Rua do Anfiteatro, 181 - Colmeia, Favo 9 - Cidade Universitária - CEP 05508-900 - São Paulo - Brasil Fone: (55-11) 3815.4134 / 3091.3272 Fax: (55-11) 3091-3157 e-mail: nupps@usp.br - Homepage: http://www.usp.br/nupps 17 Nesse sentido, tanto o seu desempenho para a estabilidade do modelo de sistema político adotado pelo país, como a sua capacidade de vocalizar os diferentes segmentos sociais – como é o caso da representação política das mulheres – serão objetos de estudo do presente projeto. SOCIEDADE CIVIL E CULTURA POLÍTICA A situação das democracias recentes como a brasileira não se limita às instituições e as políticas públicas. A sociedade civil e a cultura cívica que as animam também são fatores que formam a sua realidade complexa (Inglehart e Welzel, 2005; Rose, Mishler e Haerpfer, 1998 ). O conceito de sociedade civil, depois de décadas de desuso de uma noção corrente nos séculos XVIII e XIX, voltou a ser utilizado por atores e analistas políticos durante os processos de transição política que ocorreram em várias partes do mundo a partir dos anos 70 do século passado. Em tais contextos, a noção se referia a um conjunto extremamente heterogêneo de atores mais ou menos unificados por objetivos comuns relativos à resistência ao autoritarismo e à luta pela democratização dos regimes políticos; em certo sentido, como assinalaram alguns autores, a noção de sociedade civil foi reinventada em situações em que a política tinha sido expulsa ou cancelada de seus espaços usuais, como os parlamentos, os partidos, a mídia e as ruas, e os esforços no sentido de novas formas de participação política, verificados em meio a grandes riscos de repressão para as pessoas envolvidas, se deslocaram para as arenas culturais, corporativas e, inclusive, as comunitárias ligadas a diferentes credos religiosos (Delich, 1982; Moisés, 1986). Sem obedecer a um corte ideológico único, as diferentes experiências de organização civil e política se beneficiaram de um debate crítico que, de alguma forma, buscou resgatar os valores da tradição democrática. Quando o objetivo motivador dessas novas formas de organização política se realizou, com a mudança de regime, pareceu que a sociedade civil tinha sido um fenômeno efêmero, de curta duração, ou mesmo fadado a desaparecer na nova dinâmica política; mas, longe disso, ela se converteu em um elemento importante da vida das novas democracias, influindo, positiva ou negativamente, no modo como os novos regimes políticos começaram a enfrentar o desafio de se consolidar. Em vários países de democratização recente, a sociedade civil passou a ser vista como uma esfera capaz de produzir algo como um curto-circuito em instituições públicas consideradas inoperantes, ineficientes e corruptas, seja no sentido de corrigi-las, seja para oferecer – através de novas estruturas institucionais – um aporte de informações e de participação que deveria se constituir em canal de expressão dos interesses e preferências dos cidadãos e, nesse sentido, em um elemento facilitador da responsividade dos governos (Sorj e Martucelli, 2008). Uma avaliação adequada do papel da sociedade civil nas recentes ondas de democratização tem de ter em conta seu papel nas transições, como apontado pela análise política comparada (Linz e Stepan, 1996). Os processos de transição política surgidos a partir de meados dos anos 70 do século passado se dividiram em dois grandes grupos: aqueles que foram dirigidos e controlados pelos antigos dirigentes do Estado autoritário e aqueles que, com ou sem iniciativas desses dirigentes no sentido da liberalização do regime, se caracterizaram pelo surgimento ou ressurreição da sociedade civil e, em conseqüência, pela mobilização de diferentes grupos sociais em apoio à democratização. A literatura sobre as transições democráticas mostrou que, enquanto no primeiro caso as mudanças políticas tenderam a assumir um padrão de liberalização limitada (com a reconquista de algumas liberdades civis, mas não necessariamente de direitos políticos plenos), no segundo caso, quando a
  • 18. Rua do Anfiteatro, 181 - Colmeia, Favo 9 - Cidade Universitária - CEP 05508-900 - São Paulo - Brasil Fone: (55-11) 3815.4134 / 3091.3272 Fax: (55-11) 3091-3157 e-mail: nupps@usp.br - Homepage: http://www.usp.br/nupps 18 mobilização social logrou influir nas transformações políticas, não apenas a possibilidade de reversões autoritárias tornou-se menos provável, como o processo de democratização se aprofundou e as definições do novo regime ficaram menos restritas à noção de democracia eleitoral (O´Donnell e Schmitter, 1986; Reis e O´Donnell, 1988; Shin, 2005;). Embora de modos diferentes no Sudeste e no Leste da Europa, na América Latina, na Ásia e na África, a concepção que prevaleceu durante a luta contra o autoritarismo quase sempre colocou a sociedade civil contra o Estado, deixando parcialmente de lado a noção segundo a qual o Estado é ou deve ser o que é a própria sociedade civil (Locke, 1973; Mill, 1964; Gramsci, 1970). Em outras palavras, mesmo tendo jogado um papel relevante na mobilização anti-autoritária, nem sempre o ressurgimento da sociedade civil conseguiu evitar as conseqüências da desarticulação entre Estado e sociedade. Explicações para isso seguem na agenda de investigação da ciência social brasileira. Seja porque as experiências democráticas pregressas eram frágeis para servirem de exemplo, seja por conta da continuidade ou prevalência de uma cultura política que não era (ou ainda não é) inteiramente democrática (Rose, Mishler e Munro, 2004; Linz e Stepan, 1996; Moisés, 1995), o papel das organizações e dos movimentos da sociedade civil é objeto privilegiado de observação da trajetória da democracia brasileira nos últimos 25 anos. No quadro das diferentes transições políticas, o Brasil se configura como uma espécie de caso misto, isto é, em que as iniciativas dos dirigentes autoritários tiveram grande influência sobre todo o processo de mudança política, sem que isso impedisse que a sociedade civil se reorganizasse e, assim, influísse na formação de uma robusta oposição parlamentar e eleitoral ao regime de tutela militar (Weffort, 1984; Lamounier, 2005; Sola e Paulani, 1995). A exemplo de outras experiências, a reorganização do movimento sindical, a emergência de movimentos sociais urbanos e rurais e o surgimento de novos partidos políticos - alguns fortemente enraizados na sociedade, a exemplo do Partido dos Trabalhadores – abriram a possibilidade de que novas formas de expressão e de resposta à crise de representação dos sistemas políticos tradicionais sinalizassem no imaginário social a emergência de uma nova realidade política. A análise política comparada mostrou que, em uma reconstrução institucional erguida sobre a estrutura política débil herdada do autoritarismo, os movimentos sociais tenderam a desenvolver um padrão desigual de autonomia política. Enquanto, por exemplo, a Central Única dos Trabalhadores – CUT afirmou sua capacidade propositiva a partir de canais negociais institucionalizados, no rastro da estrutura sindical corporativista herdada do período Vargas, o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra – MST tendeu a afirmar uma autonomia acentuada, embora sem excluir a possibilidade de realizar parcerias com o governo federal (Mirza, 2006). Referindo-se a esta realidade complexa, alguns autores chamaram a atenção para a possibilidade de retorno do fenômeno do corporativismo na experiência democrática recente (Vianna, 2002). O caso brasileiro pode ser descrito como a transição de uma estrutura política débil, nos termos de Mainwaring e Scully (1995), mas que está em progressiva institucionalização (Mirza, 2006). Nesse quadro interpretativo, espera-se que os sistemas políticos institucionalizados contem com movimentos sociais de perfis menos autônomos, enquanto os sistemas com estruturas políticas mais frágeis tenderiam a desenvolver padrões mais acentuados de autonomia política. Os casos extremos de deslegitimação da representação política produziriam movimentos que, na prática,
  • 19. Rua do Anfiteatro, 181 - Colmeia, Favo 9 - Cidade Universitária - CEP 05508-900 - São Paulo - Brasil Fone: (55-11) 3815.4134 / 3091.3272 Fax: (55-11) 3091-3157 e-mail: nupps@usp.br - Homepage: http://www.usp.br/nupps 19 desempenhariam funções partidárias. Contrariando o modelo, no Brasil a baixa institucionalização do sistema político não produziu movimentos com maior autonomia e radicalidade, a não ser durante e logo após a transição. É possível supor que no caso brasileiro a representação política esteja relativamente institucionalizada, ainda que acompanhada de um sistema partidário débil e fragmentado. Essa análise sugere que o estudo do papel da sociedade civil pode se beneficiar da inclusão de outras dimensões ainda não contempladas pela literatura sobre os movimentos sociais. Por isso, é objetivo do projeto explorar as especificidades do caso brasileiro. Em muitos países, o principal ator da sociedade civil tem sido as ONGs – organizações profissionais e científicas, instituições filantrópicas, fundações de partidos, sindicatos, movimentos ligados às igrejas, clubes culturais e esportivos. Essas entidades representam ou reivindicam representar públicos determinados – que têm interesses e preferências diversos e, por vezes, antagônicos - e, independentemente de qual seja a sua base social efetiva, quase sempre buscam se legitimar a partir dos seus argumentos político-culturais, morais e éticos. As ONGs criam oportunidades de canalizar a energia criativa de ativistas sociais em favor de novas formas de organização pública para além da representação tradicional. Não raro essas entidades configuram exercícios de auto-delegação, canais de suposta representação alternativa, nem sempre com mandato explícito do público a que consideram representar. Ainda assim, a contribuição dessas organizações tem sido reconhecida até mesmo por organismos internacionais, como o Banco Mundial, o FMI e o sistema das Nações Unidas – todos interessados em avaliar criticamente o papel do Estado-nação tradicional e em estimular o surgimento de iniciativas alternativas (Sorj e Martucelli, 2008). No caso do Brasil, no entanto, a organização da nova sociedade civil adquiriu, em casos bastante relevantes, um contorno para-estatal: a Constituição de 1988, sob influência da ação de ONGs e movimentos sociais que lutavam contra o autoritarismo, estabeleceu novas formas de inserção de organizações populares na estrutura do Estado, tanto no que se refere aos processos de decisões sobre políticas públicas, quanto ao processo de acompanhamento da sua execução. De acordo com a sua Constituição, o Brasil segue sendo uma democracia representativa, mas passou a contar com instrumentos de participação direta dos cidadãos, como plebiscitos, referendos e iniciativas legislativas, e também com Conselhos Gestores de Políticas Públicas (Educação e Saúde, entre outras), possibilitando a emergência e a experimentação de novas práticas de gestão pública. Também designados como Conselhos Deliberativos, Conselho de Políticas Públicas ou espaços públicos de co-gestão, os Conselhos Gestores têm caráter obrigatório e a sua existência é uma condição necessária para a transferência de recursos públicos da União para Estados e Municípios (Perez, 2010). Parte da literatura de ciência política tem tratado os Conselhos Gestores como uma experiência paralela à do chamado Orçamento Participativo (Avritzer, 2004), enfatizando que eles foram pensados como instrumentos destinados a permitir que a população e os governos compartilhem decisões referentes às políticas públicas. “Eles constituem, no início deste novo milênio, a principal novidade em termos de políticas públicas”, avaliam autores como Gohn (2003: 7). Outros analistas vêem na experiência uma possibilidade de aprimoramento e, em certo sentido, de superação da democracia representativa em direção à deliberativa (Santos e Avritzer, 2002). Assim, na discussão das experiências do Orçamento Participativo (OP) e dos Conselhos, esses autores argumentam que estão surgindo novas formas de influência dos cidadãos no processo de elaboração e de
  • 20. Rua do Anfiteatro, 181 - Colmeia, Favo 9 - Cidade Universitária - CEP 05508-900 - São Paulo - Brasil Fone: (55-11) 3815.4134 / 3091.3272 Fax: (55-11) 3091-3157 e-mail: nupps@usp.br - Homepage: http://www.usp.br/nupps 20 implementação das políticas públicas; elas são vistas, em alguns casos, como elementos capazes de transformar a cultura política de matriz autoritária e clientelista do Brasil (Santos, 2006). Cabe assinalar, no entanto, que as relações entre movimentos sociais, ONGs, Orçamento Participativo e Conselhos, por um lado, e o sistema político, por outro, são extremamente complexas e pouco exploradas pela literatura especializada. Lavalle, Houtzager e Archaia (2006) notam que a eclosão de espaços participativos, com capacidade de influência direta no desenho das políticas públicas e na regulação da ação governamental, foi incentivada tanto pelos novos dispositivos da Constituição de 1988, como pela reforma do Estado e suas políticas correlatas de ajuste dos anos 90. O ineditismo de tais práticas encontrar-se-ia no deslocamento dos canais de agregação de interesses de sua esfera tradicional - o parlamento e os partidos políticos - para a órbita própria do poder executivo. Assim, estaria se reforçando, por esta via, a tendência de esvaziamento das funções do parlamento, como diagnosticado pelo debate em torno da noção de “presidencialismo de coalizão” e, em especial, o incremento do poder de agenda e de iniciativa legislativa da presidência da República (Moisés et al., 2011). Perguntando-se sobre os fatores que propiciam a participação nos novos arranjos institucionais em São Paulo, os autores mencionados chegaram à seguinte conclusão: “Surpreendentemente a existência de vínculos com instituições tradicionais da esfera política revelou-se o fator mais influente na participação; os resultados são eloqüentes: vínculos com o Partido dos Trabalhadores ou com o governo mediante convênios de prestação de serviços são - juntamente com o fato de um ator da sociedade civil ser coordenadora - os melhores preditores de participação em todos os três tipos de espaços de participação” (Lavalle, Houtzager e Archaia (2006). Aparentemente, há aqui um paradoxo a ser pesquisado: i. o vínculo significativo entre os participantes nos novos arranjos e os corpos de “coordenações” do processo revela que “algum grau de agregação está ocorrendo na sociedade fora do sistema político-partidário”; ii. além disso, há a influência de pelo menos um partido, o PT, na formação de corpos de coordenação de atores da sociedade civil; e iii. o maior grau de participação dos que mantém contratos com o governo sugere uma relação complexa e nova entre sociedade civil e Estado. Por isso, os autores citados advertem contra uma “miopia cognitiva” que seria resultante da ênfase de parte da literatura na autonomia da sociedade civil; sugerem, antes, que está havendo um re-arranjo dos canais de participação e de deliberação. Para os objetivos deste projeto, esse é um aspecto importante a ser levado em conta porque, de certa forma, mostra que a tendência apontada se põe “de costas para o legislativo” e, nesse caso, a distinção entre “a participação dos cidadãos comuns (individual) e a daqueles atores da sociedade civil” é crucial. Cabe sugerir, como fizeram alguns autores, que os estudos empíricos de participação devem ser complementados por uma perspectiva mais ampla como a proposta pelos estudos de cultura política11. 11 Em estudo recente de cultura política na região metropolitana de São Paulo, Nunes, Sanchez, e Chaya (2010) sugerem que há discrepância entre a renda dos indivíduos como fator preditor da participação, seja considerando-se o conjunto da população da cidade, seja tomando-se o subconjunto formado por atores coletivos da sociedade civil. No primeiro caso, há relação significativa entre as duas variáveis, o que não se observa no outro grupo. Os autores aventam a hipótese da ocorrência de uma “sub-cultura política”, nos atermos de Almond e Verba (1963), própria dos setores sociais que participam de Conselhos, Orçamento Participativo e instituições similares.
  • 21. Rua do Anfiteatro, 181 - Colmeia, Favo 9 - Cidade Universitária - CEP 05508-900 - São Paulo - Brasil Fone: (55-11) 3815.4134 / 3091.3272 Fax: (55-11) 3091-3157 e-mail: nupps@usp.br - Homepage: http://www.usp.br/nupps 21 Segundo essa tradição de estudos, as orientações dos indivíduos a respeito do sistema político é um fator necessário (embora insuficiente) para a sua estabilização. A despeito de essas orientações poderem ter longa duração no tempo, uma vez que se originam na socialização primária dos indivíduos, isso não significa que não mudam sob o impacto de transformações geracionais e/ou por processos de modernização econômica e social; mas a relação dos cidadãos com as instituições públicas também influem nas orientações dos cidadãos a respeito do regime democrático. Nesse sentido, um dos focos centrais de análise do presente projeto serão os espaços híbridos, criados pela Constituição de 1988, entre o Estado e a sociedade; a pergunta importante agora é se a experiência suscitada pela existência desses novos organismos institucionais está dando origem, entre os cidadãos envolvidos, a novas percepções sobre os direitos de participação, mudando os seus valores e a cultura política de que são portadores. Estudos recentes sobre a cultura política dos brasileiros mostram que, ao lado dos processos de mudanças políticas, a percepção dos indivíduos vem se alterando em um sentido que envolve um paradoxo: nas últimas décadas, como demonstraram vários estudos empíricos, apesar da recente e relativa estabilidade democrática brasileira e da continuidade temporal das instituições públicas, perto de 2/3 de brasileiros não confiam em políticos, parlamentos, partidos, presidência da República e órgãos de serviços públicos (Moisés, 1995; Meneguello, 2007; Moisés e Carneiro, 2008). Essa evidência foi reiterada pela divulgação de resultados de pesquisas realizadas por instituições acadêmicas e organismos internacionais como o World Values Survey e a Corporacion Latinobarômetro, entre outros. Segundo os dados destas pesquisas, os cidadãos do Brasil e de outros países latino-americanos, além de se declararem majoritariamente insatisfeitos com o funcionamento do novo regime democrático, não depositam confiança nas instituições públicas (Lagos, 1997; Norris, 1999). Mas, diferente das conclusões apontadas por estudos sobre países de tradição democrática frágil (Almond e Verba, 1963), as visões gerais da democracia das pessoas comuns no Brasil mostram-se mais complexas do que no passado e envolvem, ao mesmo tempo, valores humanos e os meios de sua realização, oferecendo uma base potencial de apoio político para a superação do paradoxo mencionado. Os resultados de pesquisas como “A Desconfiança dos Cidadãos das Instituições Democráticas”, realizada no âmbito do NUPPs, mostraram que os entrevistados de pesquisas de opinião dissociam a democracia como ideal do seu sentido prático, avaliado a partir do funcionamento das instituições. Moisés (1995; 2011) analisou o sentido que a noção de “democracia” tem entre pessoas comuns a partir de uma pergunta aberta incluída em questionários de vários surveys nacionais (1989, 1993, 2006). Segundo ele, um novo padrão da cultura política está emergindo no país, pois ao lado da percepção negativa a respeito da corrupção, a qual é associada aos déficits de funcionamento das instituições, os partidos políticos e os parlamentos são severamente avaliados pelos eleitores. Pode-se supor, assim, que a percepção razoavelmente sofisticada dos cidadãos brasileiros sobre a democracia pode servir de base para iniciativas de pressão pública no sentido da reforma das instituições de representação; a preocupação pública com a corrupção também indica que existe uma demanda de maior rigor e eficácia de parte das instituições encarregadas da responsabilização de políticos e de governos. Por isso, nos significados atribuídos à democracia pelos brasileiros pode estar contida a base do que Pippa Norris (1999), analisando casos de democracias consolidadas, chamou de cidadãos críticos.
  • 22. Rua do Anfiteatro, 181 - Colmeia, Favo 9 - Cidade Universitária - CEP 05508-900 - São Paulo - Brasil Fone: (55-11) 3815.4134 / 3091.3272 Fax: (55-11) 3091-3157 e-mail: nupps@usp.br - Homepage: http://www.usp.br/nupps 22 Todas essas hipóteses precisam passar por novos testes empíricos. Embora os resultados de pesquisas anteriores sejam bastante significativos, a análise comparada mostrou que as conclusões sobre o papel da cultura política nos processos de democratização precisam estar embasadas em análises longitudinais consistentes. Nesse sentido, ao lado do exame das mudanças que estão ocorrendo através dos novos mecanismos de participação política mencionados antes, este projeto pretende realizar um novo survey nacional em torno das orientações do público a respeito do papel das instituições democráticas e das três políticas públicas a serem contempladas pela análise e das novas tendências de organização da sociedade civil. O objetivo deste procedimento será examinar, de modo integrado, a influência tanto do funcionamento das instituições democráticas como dos valores políticos que, na tradição da cultura política brasileira, permanecem como marcos de referência de atitudes, comportamentos e opiniões dos cidadãos brasileiros.
  • 23. Rua do Anfiteatro, 181 - Colmeia, Favo 9 - Cidade Universitária - CEP 05508-900 - São Paulo - Brasil Fone: (55-11) 3815.4134 / 3091.3272 Fax: (55-11) 3091-3157 e-mail: nupps@usp.br - Homepage: http://www.usp.br/nupps 23 PARTE II PRINCIPAIS EIXOS TEMÁTICOS DA PESQUISA A - AS POLÍTICAS PÚBLICAS (i) O IMPACTO DA EXPERIÊNCIA DEMOCRÁTICA SOBRE AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE EDUCAÇÃO A literatura recente sobre educação é enfática em mostrar a relevância das políticas públicas da área para a questão da governança democrática do país. Há muito tempo a literatura sobre educação e desenvolvimento reconhece que a educação é um dos principais instrumentos à disposição do Estado para intervir no processo de reprodução das desigualdades sociais, ampliando o espaço de isonomia de oportunidades para o desenvolvimento futuro do cidadão na sociedade (para uma revisão dessa bibliografia, ver, entre outros, McMahon, 2002 e Psacharopoulos, 1988). A literatura internacional também é bastante enfática na relevância da educação para a formação da cidadania. Educação, nesse sentido, significa acesso a ferramentas cognitivas necessárias para a participação política relevante ( Lipset, 1959, Lazarsfeld et al., 1944, Converse, 1972, Dahl, 1967 Almond e Verba, 1968, Key, 1961). Mais recentemente, outras abordagens vêm associando a educação - e mais especificamente, os processos de massificação do ensino superior ao desenvolvimento de ambientes institucionalizados de pesquisa avançada no âmbito das universidades – com processos chaves para a competitividade dos países e o seu sucesso no enfrentamento dos desafios da globalização (Porter, 1990; Geiger, 2004; Bonaccorsi, 2007; ). Desde os anos oitenta a literatura internacional aponta essa dimensão como um fator crucial para se entender o dinamismo econômico e tecnológico experimentado por países do sudeste asiático (Kim, 2000; Mok e James, 2005). Assim, as questões que se colocam na interface entre as políticas de educação e a governança democrática são múltiplas; seu estudo exige a mobilização de competências teóricas de várias áreas e a análise simultânea de dados diversos sob diferentes perspectivas. Por esse motivo, a pesquisa sobre as interações entre a democracia e as políticas de educação deve se desdobrar em quatro grandes subconjuntos: 1. O impacto da consolidação das práticas democráticas sobre a produção de políticas públicas na área; 2. A consolidação do direito à educação produzido pela atividade normativa do sistema jurídico; 3. A avaliação das consequências do processo de expansão do acesso ao ensino para o fortalecimento dos valores democráticos na população; 4. A produção de um modelo analítico que permita entender o complexo processo de diferenciação por que tem passado a educação tecnológica e o ensino superior em geral, tanto no nível regional como nacional 1. Impacto da consolidação das práticas democráticas sobre a produção de políticas públicas na área de educação: Na experiência brasileira recente, em que pese as relevantes diferenças dos condicionantes ideológicos e partidários e os interesses e expectativas específicos de cada ator, o que sobressaem são convergência e a sustentação das políticas em torno de três eixos - acesso, financiamento e avaliação. Tal convergência propiciou uma relativa continuidade na orientação das políticas educacionais, cujo resultado mais visível é a inquestionável evolução, a partir de 1994, de seus
  • 24. Rua do Anfiteatro, 181 - Colmeia, Favo 9 - Cidade Universitária - CEP 05508-900 - São Paulo - Brasil Fone: (55-11) 3815.4134 / 3091.3272 Fax: (55-11) 3091-3157 e-mail: nupps@usp.br - Homepage: http://www.usp.br/nupps 24 indicadores, em especial, o aumento do contingente de pessoas incluídas no sistema educacional e nele conquistando mais anos de escolaridade. A questão central dessa parte da pesquisa está justamente em buscar entender os processos que sustentam essa convergência, em que pese as marcantes diferenças ideológicas e programáticas que separam os dois últimos governos. A hipótese central é que uma importante explicação para esse fenômeno pode ser encontrada no processo de sedimentação de um novo paradigma político para a área, que tem início nos anos noventa, e se estende até o presente12 . Por esse motivo esse estudo adota uma abordagem histórico-institucionalista (Steinmo et all, 1992; Hall e Taylor, 1996) que dará especial atenção para o processo de consolidação de novas matrizes ideacionais no interior dessa arena política13 . Complementarmente, o projeto pretende também investigar em que medida a agenda internacional produzida por organismos como a OCDE e a UNESCO, por exemplo, contribuem ou não para sustentar esses processos. Para alcançar esse resultado, o estudo combina técnicas de estudo de caso voltadas para reconstituir as mudanças no discurso sobre as políticas de educação no Brasil nos últimos 25 anos, com a realização de dois surveys . O primeiro survey será realizado com base em uma amostra representativa da elite relevante para a área14 ; o segundo será realizado com uma amostra da população. A realização concomitante dos surveys permitirá medir a centralidade de diferentes questões de política de educação e o grau de convergência nas percepções da elite e da população sobre essa política. O survey de elites será aplicado em amostras que combinam o critério institucional com o de relevância epistêmica (Hass, 1992), selecionando indivíduos que ocupam determinadas posições dentro de instituições relevantes para a área, e também indivíduos cuja atividade intelectual é especialmente relevante para a definição dos parâmetros a partir dos quais se definem as políticas de educação no país. Os objetivos do survey são: 1. mapear as clivagens mais importantes presentes na elite, 2. mensurar o grau de convergência e/ou divergência em torno do diagnóstico dos 12 Pesquisas realizadas recentemente no NUPPs apontam nessa direção. Os dados coletados na pesquisa sobre a evolução recente da profissão acadêmica no Brasil (FAPESP), mostram uma convergência significativa na percepção dos acadêmicos brasileiros com relação à questões de governança dos instituições de ensino superior (Balbachevsky e Schwartzman, 2011). Da mesma forma, a pesquisa sobre percepções da comunidade acadêmica brasileira com relação às políticas de ciência e inovação também indicam mudanças relevantes na avaliação que esse grupo faz dessas políticas (Balbachevsky, 2011). 13 O debate acerca da importância de elementos relativos a valores e idéias para dar conta de processos dinâmicos de mudança nas políticas públicas tem crescido em importância na literatura contemporânea, inclusive aquela de viés institucionalista. Como exemplo dessa nova tendência, poderíamos citar, entre outros, o artigo de Lieberman (2002), que propõe explicar a mudança nas políticas a partir da interação de variáveis institucionais e aquelas relativas à dimensão cognitiva. Essa última dimensão é também central para diversas abordagens de análise de políticas públicas desenvolvidas nos últimos vinte anos (ver, entre outros, Sabatier, 1988, Elster, 1989, Braun, 1998, Rueschemeyer e Skocpol, 1996, Ross, 1997, Messenger, 2005). 14 No Brasil, a referência para o estudo do comportamento das elites é o projeto “Elites Estratégicas e Dilemas do Desenvolvimento”, coordenado por Maria Regina Soares de Lima e Zairo B. Cheibub ( Reis e Cheibub, 1995). Outra referência importante é a série de pesquisas coordenadas por Bolívar Lamounier (1992), no IDESP, entre 1989 e 1991. Outro trabalho relevante foi o coordenado por Reis (2000), que teve como foco central a agenda social e as questões sobre a pobreza e a desigualdade.
  • 25. Rua do Anfiteatro, 181 - Colmeia, Favo 9 - Cidade Universitária - CEP 05508-900 - São Paulo - Brasil Fone: (55-11) 3815.4134 / 3091.3272 Fax: (55-11) 3091-3157 e-mail: nupps@usp.br - Homepage: http://www.usp.br/nupps 25 problemas e das políticas e dos instrumentos considerados mais relevantes para a área e 3. identificar em quais áreas há maior convergência com o paradigma que vem se consolidando no ambiente internacional. O survey a ser aplicado na população reproduzirá em grande medida os pontos delineados no survey das elites, o que permitirá avaliar o grau de adesão da sociedade brasileira ao novo paradigma que vêm se consolidando para as políticas de educação. 2. Consolidação do direito à educação produzido pela atividade normativa do sistema jurídico brasileiro Na Constituição Federal de 1988, o direito à educação destaca-se no conjunto dos direitos sociais em razão de suas características e de seu singular regime jurídico, caracterizado por intensa determinação de conteúdo e densidade de proteção. É direito fundamental social, é direito individual e também direito coletivo. Os seus titulares e os seus sujeitos passivos são, simultaneamente, uma coisa e outra. Comporta obrigações de fazer e não fazer, por parte de titulares e sujeitos passivos, que não se exaurem e exigem diferentes atendimentos, algumas vezes sob reserva do possível. Seu regime jurídico, portanto, é complexo: envolve diferentes poderes e capacidades de exercício, com a inerente sujeição ao regime jurídico específico15 dos direitos fundamentais (CF, art. 5º, §1º; art. 60, § 4º, IV), ainda que envolvam prestações materiais dependentes de recursos financeiros. Há outro aspecto a ser considerado. Do ponto de vista jurídico, o direito à educação não é ideologicamente neutro. Em vários dispositivos, a Constituição assinala sua finalidade, o que denota forte juízo de valor. Conforme se depreende da visão global do sistema constitucional, a difusão e a promoção dos princípios republicano e democrático, como fundamentos do Estado brasileiro, são o conteúdo político nuclear da educação. A educação, portanto, é uma questão política; uma questão que diz respeito à tomada de decisões coletivas, à legitimação e ao exercício do direito. Em que pese a importância do direto à educação para a consolidação da democracia da brasileira, a doutrina sobre as relações entre direito e educação, e acerca do papel do direito na efetivação de políticas públicas de educação, é incipiente. Na última década, os debates doutrinários sobre o direito à educação, tanto na área educacional quanto na jurídica, privilegiaram mais a análise de aspectos conjunturais - nomeadamente das condições de acesso, gestão e financiamento - que uma abordagem estrutural, na qual os temas da eqüidade, qualidade e eficiência estivessem informados pela opção política adotada na Constituição. Em realidade, a pesquisa sistemática da organização jurídica do ensino brasileiro constitui um campo pouco explorado pelo direito. Não há, na área jurídica, estudos que permitam avaliar o impacto da legislação na implantação de políticas públicas de educação; além disso, a legislação educacional é mais percebida como ramo do direito administrativo do que área específica, dotada de estruturas e categorias próprias (Ranieri, 2000). Na área educacional, estudos vêm, já há algum tempo, 15 Tal regime jurídico, ademais, se extrai direta e principalmente da Constituição, podendo ser complementado por normas de direito administrativo, ao contrário do que ocorre com os demais direitos sociais, cujo regime jurídico se extraí fundamentalmente do direito administrativo.
  • 26. Rua do Anfiteatro, 181 - Colmeia, Favo 9 - Cidade Universitária - CEP 05508-900 - São Paulo - Brasil Fone: (55-11) 3815.4134 / 3091.3272 Fax: (55-11) 3091-3157 e-mail: nupps@usp.br - Homepage: http://www.usp.br/nupps 26 demonstrando que o direito, na relação educação-sociedade-Estado, foi mais utilizado como técnica de formalização do que como instrumento de racionalidade que poderia contribuir à meta da efetivação da educação (Cury, Horta e Fávero, 1996). Essa situação também tem possibilitado a preservação, na política e na prática educacionais, das características estatizantes centralizadoras do federalismo brasileiro com prejuízos para a participação mais efetiva da sociedade. O direito é assim tomado em sua tradicional formulação liberal (o ordenamento jurídico é uma ordem na qual a validade das normas está baseada em estruturas hierárquicas, de caráter sistêmico, lógico e coerente, capaz de gerar segurança e certeza), sem que garanta, contudo, a funcionalidade de suas normas. Nessa abordagem tampouco é concebido o como expressão cultural e função de uma dada sociedade, recepcionando e sancionando os valores materiais que esta lhe oferece e que, incorporados ao direito positivo, atuam como valores jurídicos submetidos à dinâmica própria das regras do direito. É nesse cenário político-administrativo que o tema da educação como direito no Estado Democrático de Direito adquire renovada importância política. Permite incursões no terreno dos processos institucionais que levam à superação de diferenças e desigualdades, da busca da eqüidade e da igualdade jurídica por meio da elaboração da lei e da sua aplicação a casos concretos, bem como dos desafios que se colocam ao país diante das demandas da sociedade brasileira contemporânea. Desta perspectiva, cabe lembrar que a efetividade do direito à educação e suas repercussões beneficiam reciprocamente o indivíduo e a coletividade. Os resultados de pesquisas anteriores16 mostram que embora na área jurídica, de modo geral, o direito à educação não seja percebido em sua dimensão democrática, a sua efetivação por via jurisprudencial vem apresentando novos campos de afirmação do Estado Democrático de Direito, em benefício dos direitos de cidadania e da participação popular, o que é especialmente importante num país com baixa percepção popular do valor das instituições democráticas e desconhecimento da força normativa da Constituição. Fica, assim, implícita a conclusão de que os mecanismos de tutela judicial dos direitos sociais podem ser extremamente eficazes nas situações em que a política pública se extrai diretamente da Constituição. Essa conclusão sugere, por decorrência lógica, que a definição constitucional de objetivos, metas e prioridades, combinada com a precisa discriminação de competências, encargos e rendas aos entes da Federação e com a vinculação de recursos financeiros, permite a sua realização em médio prazo17 . Importante ressaltar que uma vez garantidas judicialmente, as normas de proteção dos direitos sociais passam de programáticas a normativas. Isso significa que, sem o filtro de eficácia representado pelo legislador, suas disposições consubstanciam obrigações diretamente acessíveis e exigíveis pelo particular, de modo independente em suas relações privadas ou face ao Estado 16 Ranieri, Nina - O Estado Democrático de Direito e o sentido da exigência de preparo da pessoa para o exercício da cidadania, pela via da educação. Tese de apresentada em Concurso para obtenção de título de Livre Docente junto à Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, novembro de 2009. 17 Aspecto que se confirma em relação ao direito à saúde, por força da alteração do conteúdo do inciso IV, do art. 167 da Constituição Federal, para incluir as ações e serviços públicos de saúde na exceção constitucional de vinculação receita de impostos, pela Emenda Constitucional no. 42, de 19/12/03).
  • 27. Rua do Anfiteatro, 181 - Colmeia, Favo 9 - Cidade Universitária - CEP 05508-900 - São Paulo - Brasil Fone: (55-11) 3815.4134 / 3091.3272 Fax: (55-11) 3091-3157 e-mail: nupps@usp.br - Homepage: http://www.usp.br/nupps 27 Assim sendo, o objeto central dessa parte da pesquisa será a análise da função promocional18 do Direito na proteção e promoção do direito à educação. Para isso, o estudo da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e da atividade do Legislativo, na proposição e aprovação de leis relativas ao direito à educação, entre os anos 2000 e 2010, terá lugar na análise. Essa visará também identificar, no período abarcado pela pesquisa, como se traduz, no Judiciário, a percepção do direito à educação como componente do software democrático. Os acórdãos e votos proferidos, ao revelarem o grau de conhecimento das garantias e direitos previstos na Constituição Federal por parte da sociedade e situarem historicamente a problemática da educação, proporcionam uma ampla visão da evolução dos processos de efetivação do direito à educação, sobretudo pelo exame da adequação do poder discricionário do legislador e do administrador público às políticas públicas veiculadas pela Constituição. Subsidiariamente, permitirão identificar as dificuldades jurídicas de implantação do programa assumido pela Constituição Federal de 1988 nessa área, inclusive no que diz respeito aos documentos internacionais de proteção da pessoa humana incorporados ao sistema jurídico nacional, ainda que não seja este o foco principal da investigação. Para alcançar esses resultados, o estudo dará continuidade à sistematização e análise das decisões proferidas pelo STF desde 2000 até o presente, realizadas por Nina Ranieri (op. citado). Uma segunda atividade será a sistematização e análise dos projetos de lei apresentados nesse mesmo período ao Congresso Nacional, analisando-se os debates, as condições de aprovação, sanções e vetos. Em termos metodológicos, a pesquisa será orientada pelos parâmetros fixados por Katerina Tomasevski (2001), que identificam as obrigações legais voltadas à promoção, proteção e garantia do direito à educação nos diferentes Estados membros da ONU. 3. Avaliação das consequências do processo de expansão do acesso ao ensino para o fortalecimento dos valores democráticos na população Tendo em conta a evolução recente da educação no país, o caso brasileiro constitui um objeto de interesse especial para observação das relações entre educação e comportamento democrático. Nas últimas décadas, o acesso à escola passou por um crescimento espetacular, atingindo proporções inéditas e em ritmo raro no restante do mundo (Castro, 2007; Menezes Filho, 2007). Houve clara elevação da escolaridade média da população (Barro e Lee, 2000), mas com prejuízo para a qualidade do ensino, definida em termos de retenção de conhecimento e desenvolvimento de capacidades cognitivas (Schwartzman, 2005; Castro, 2009). Esse quadro geral permite levantar uma questão sobre qual terá sido o impacto do aumento da escolaridade para o comportamento político do brasileiro. Conforme indicado acima, a pressuposição de que o aumento da escolaridade média leva ao aumento sustentado do conhecimento sobre política, da participação, da tolerância e do apoio à democracia pode ser descrita como a “visão predominante” nos meios acadêmicos (Nie, Junn e 18 O estudo da função promocional do Direito adota a perspectiva desenvolvida por Norberto Bobbio (1977). Segundo esse autor, a função promocional na ação que o Direito provoca, por meio de “sanções positivas” (denominadas “incentivos”), que promovem de atos socialmente desejados. A identificação dessa função do direito não é nova; novos são os seus desdobramentos no Estado Contemporâneo, dado que o ordenamento jurídico continua a ser visto do ponto de vista de sua função tradicional, puramente “protetiva” e “repressiva” ou seja, como instrumento de “controle social”.