SlideShare uma empresa Scribd logo
1 de 9
Baixar para ler offline
A ARRÁBIDA

Alexandre Herculano


I

Salve, ó vale do sul, saudoso e belo!
Salve, ó pátria da paz, deserto santo,
Onde não ruge a grande voz das turbas!
Solo sagrado a Deus, pudesse ao mundo
O poeta fugir, cingir-se ao ermo,
Qual ao freixo robusto a frágil hera,
E a romagem do túmulo cumprindo,
Só conhecer, ao despertar na morte,
Essa vida sem mal, sem dor, sem termo,
Que íntima voz contínuo nos promete
No trânsito chamado o viver do homem.

II

Suspira o vento no álamo frondoso;
As aves soltam matutino canto;
Late o lebréu na encosta, e o mar sussurra
Dos alcantis na base carcomida:
Eis o ruído de ermo! Ao longe o negro,
Insondado oceano, e o céu cerúleo
Se abraçam no horizonte. Imensa imagem
Da eternidade e do infinito, salve!

III

Oh, como surge majestosa e bela,
Com viço da criação, a natureza
No solitário vale! E o leve insecto
E a relva e os matos e a fragrância pura
Das boninas da encosta estão contando
Mil saudades de Deus, que os há lançado,
Com mão profusa, no regaço ameno
Da solidão, onde se esconde o justo.

E lá campeiam no alto das montanhas
Os escalvados píncaros, severos,
Quais guardadores de um lugar que é santo;
Atalaias que ao longe o mundo observam,
Cerrando até o mar o último abrigo
Da crença viva, da oração piedosa,
Que se ergue a Deus de lábios inocentes.

Sobre esta cena o sol verte em torrentes
Da manhã o fulgor; a brisa esvai-se
Pelos rosmaninhais, e inclina os topos
Do zimbro e alecrineiro, ao rés sentados
Desses tronos de fragas sobrepostas,
Que alpestres matas de medronhos vestem;
O rocio da noite à branca rosa
No seio derramou frescor suave,
E inda existência lhe dará um dia.
Formoso ermo do sul, outra vez, salve!

IV

Negro, estéril rochedo, que contrastas,
Na mudez tua, o plácido sussurro
Das árvores do vale, que vicejam
Ricas d’encantos, coa estação propícia;
Suavíssimo aroma, que, manando
Das variegadas flores, derramadas
Na sinuosa encosta da montanha,
Do altar da solidão subindo aos ores,
És digno incenso ao Criador erguido;
Livres aves, filhas da espessura,
Que só teceis da natureza as hinos,
O que crê, o cantor, que foi lançado,
Estranho no mundo, no bulício dele,
Vem saudar-vos, sentir um gozo puro,
Dus homens esquecer paixões e opróbio,
E ver, sem ver-lhe a luz prestar a crimes,
O Sol, e uma só vez puro saudar-lha.

Convosco eu sou maior; mais longe a mente
dos céus se imerge livre,
E se desprende de mortais memórias
Na solidão solene, onde, incessante,
Em cada pedra, em cada flor se escuta
Do Sempiterno a voz, e vê-se impressa
A dextra sua em multiforme quadro.

V

Escalvado penedo, que repousas
Lá no cimo do monte, ameaçando
Ruína ao roble secular da encosta,
Que sonolento move a coma estiva
Ante a aragem do mar, foste formoso;
Já te cobriram cespedes virentes;
Mus o tempo voou, e nele envolta
A formosura tua. Despedidos
Das negras nuvens o chuveiro espesso
E o granizo, que o solo fustigando
Tritura a tenra lanceolada relva,
Durante largos séculos, no Inverno,
Dos vendavais no dorso a ti desceram.
Qual amplexo brutal de ardos grosseiro,
Que, maculando virginal pureza.
Do pudor varre a auréola celeste,
E deixa, em vez de um serafim m Terra,
Queimada flor que devorou o raio.

VI

Caveira da montanha, ossada imensa,
É tua campa o Céu: sepulcro o vale
Um dia te será. Quando sentires
Rugir com som medonho a Terra ao longe,
Na expansão dos vulcões, e o mar, bramindo,
Lançar à praia vagalhões cruzados;
Tremer-te a larga base, e sacudir-te
De sobre si, o fundo deste vale
Te vai servir de túmulo; e os carvalhos
Do mundo primogénitos, e os sobros,
Arrastados por ti lá da colina,
Contigo hão-de jazer. De novo a terra
Te cobrirá o dorso sinuoso:
Outra vez sobre ti nascendo os lírios,
Do seu puro candor hão-de adornar-te;
E tu, ora medonho e nu e triste,
Ainda belo serás, vestido e alegre.

VII

Mais que o homem feliz! Quando eu no vale
Dos túmulos cair; quando uma pedra
Os ossos me esconder, se me for dada,
Não mais reviverei; não mais meus olhos
Verão, ao pôr-se, o Sol em dia estivo,
Se em turbilhões de púrpura, que ondeiam
Pelo extremo dos céus sobre o ocidente.
Vai provar que um Deus há o estranhos povos
E além das ondas trémulo sumir-se;
Nem, quando, lá do cimo das montanhas,
Com torrentes de luz inunda as veigas:
Não mais verei o refulgir da Lua
No irrequieto mar, na paz da noite,
Por horas em que vela o criminoso,
A quem íntima voz rouba o sossego.
E em que o justo descansa, ou, solitário,
Ergue ao Senhor um hino harmonioso.

VIII

Ontem, sentado num penhasco, e perto
Dos águas, então quedas, do oceano,
Eu também o louvei sem ser um justo:
E meditei, e a mente extasiada
Deixei correr pela amplidão das ondas.

Como abraço materno era suave
A aragem fresca do cair das trevas.
Enquanto, envolta em glória, a clara Lua
Sumia em seu fulgor milhões d’estrelas.

Tudo calado estava: o mar somente
As harmonias da criação soltava,
Em seu rugido; e o ulmeiro do deserto
Se agitava, gemendo e murmurando.
Ante o sopro de oeste: ali dos olhos
O pranto me correu, sem que o sentisse.
E aos pés de Deus se derramou minha alma.

IX

Oh, que viesse o que não crê, comigo,
À vicejante Arrábida de noite,
E se assentasse aqui sobre estas fragas,
Escutando o sussurro incerto e triste
Das movediças ramas, que povoa
De saudade e de amor nocturna brisa;
Que visse a lua, o espaço opresso de astros,
E ouvisse o mar soando: – ele chorara,
Qual eu chorei, as lágrimas do gozo,
E, adorando o Senhor, detestaria
De uma ciência vã seu vão orgulho.

X

É aqui neste vale, ao qual não chega
Humana voz e o tumultuar das turbas,
Onde o nada da vida sonda livre
O coração, que busca ir abrigar-se
No futuro, e debaixo do amplo manto
Da piedade de Deus: aqui serena
Vem a imagem da campa, como a imagem
Da pátria ao desterrado; aqui, solene,
Brada a montanha, memorando a morte.

Essas penhas, que, lá no alto das serras
Nuas, crestadas, solitárias dormem,
Parecem imitar da sepultura
O aspecto melancólico e o repouso
Tão desejado do que em Deus confia.
Bem semelhante à paz. que se há sentado
Por séculos, ali, nas cordilheiras
É o silêncio do adro, onde reúnem
Os ciprestes e a Cruz, o Céu e a Terra.

Como tu vens cercado de esperança,
Para o inocente, ó plácido sepulcro!
Junto das tuas bordas pavorosas
O perverso recua horrorizado:
Após si volve os olhos; na existência
Deserto árido só descobre ao longe.
Onde a virtude não deixou um trilho.

Mas o justo, chegando à meta extrema,
Que separa de nós a eternidade,
Transpõe-na sem temor, e em Deus exulta..
O infeliz e o feliz lá dormem ambos,
Tranquilamente: e o trovador mesquinho,
Que peregrino vagueou na Terra,
Sem encontrar um coração ardente
Que o entendesse, a pátria de seus sonhos,
Ignota, por lá busca; e quando as eras
Vierem junto às cinzas colocar-lhe
Tardios louros, que escondera a inveja,
Ele não erguerá a mão mirrada,
Para os cingir na regelada fronte.
Justiça, glória, amor, saudade, tudo,
An pé da sepultura, é som perdido
De harpa eólia esquecida em brenha ou selva:
O despertar um pai, que saboreia
Entre os bruços da morte o extremo sono,
Já não é dado ao filial suspiro;
Em vão o amante, ali, da amada sua
De rosas sobre a c'roa debruçado,
Rega de amargo pranto as murchas flores
E a fria pedra: a pedra é sempre fria.
E para sempre as flores se murcharam.


XI

Belo ermo!, eu hei-de amar-te enquanto esta alma,
Aspirando o futuro além da vida
E um hálito dos Céus, gemer atada
À coluna do exílio, a que se chama
Em língua vil e mentirosa o mundo.
Eu hei-de amar-te, ó vale, como um filho
Dos sonhos meus. A imagem do deserto
Guardá-la-ei no coração, bem junto
Com minha fé, meu único tesouro.

Qual pomposo jardim de verme ilustre,
Chamado rei ou nobre, há-de contigo
Comparar-se, ó deserto? Aqui não cresce
Em vaso de alabastro a flor cativa,
Ou árvore educada por mão de homem,
Que lhe diga: «És escrava», e erga um ferro
E lhe decepe os troncos. Como é livre
A vaga do oceano, é livre no ermo
A bonina rasteira ou freixo altivo!
Não lhes diz: «Nasce aqui, ou lá não cresças».
Humana voz. Se baqueou o freixo,
Deus o mandou: se a flor pendida murcha,
É que o rocio não desceu de noite,
E da vida o Senhor lhe nega a vida.

Céu livre, Terra livre, e livre a mente,
Paz íntima, e saudade, mas saudade
Que não dói, que não mirra, e que consola,
São as riquezas do ermo, onde sorriem
Das procelas do mundo os que o deixaram.

XII

Ali naquela encosta, ontem de noite,
Alvejava por entre os medronheiros
Do solitário a habitação tranquila:
E eu vagueei por lá. Patente estava
O pobre albergue do eremita humilde,
Onde jazia o filho da esperança
Sob as asas de Deus, à luz dos astros,
Em leito, duro sim, não de remorsos.
Oh, com quanto sossego o bom do velho
Dormia! A leve aragem lhe ondeava
As raras cãs na fronte, onde se lia
A bela história de passados anos.
De alto choupo através passava um raio
Da Lua – astro de paz, astro que chama
Os olhos para o céu, e a Deus a mente –
E em luz pálida as faces lhe banhava:
E talvez neste raio o Pai celeste
Da pátria eterna, lhe enviava a imagem,
Que o sorriso dus lábios lhe fugia,
Como se um sonho de ventura e glória
Na Terra de antemão o consolasse.
E eu comparei o solitário obscuro
Ao inquieto filho das cidades:
Comparei o deserto silencioso
Ao perpétuo ruído que sussurra
Pelos palácios do abastado e nobre,
Pelos paços dos reis; e condoí-me
Do cortesão soberbo, que só cura
De honras, haveres, glória, que se compram
Com maldições e perenal remorso.
Glória! A sua qual é? Pelas campinas,
Cobertas de cadáveres, regadas
De negro sangue, ele segou seus louros;
Louros que vão cingir-lhe a fronte altiva
Ao som do choro da viúva e do órfão;
Ou, dos sustos senhor, em seu delírio,
Os homens, seu irmãos, flagela e oprime.
Lá o filho do pó se julga um nume,
Porque a Terra o adorou; o desgraçado
Pensa, talvez, que o verme dos sepulcros
Nunca se há-de chegar para tragá-lo
Ao banquete da morte, imaginando
Que uma lájea de mármore, que esconde
O cadáver do grande, é mais durável
Do que esse chão sem inscrição, sem nome.
Por onde o opresso, o mísero, procura
O repouso, e se atira aos pés do trono
Do Omnipotente, a demandar justiça
Contra os fortes do mundo, os seus tiranos.

XIII

Ó cidade, cidade, que transbordas
De vícios, de paixões e de amarguras!
Tu lá estás, na tua pompa envolta,
Soberba prostituta, alardeando
Os teatros, e os paços, e o ruído
Das carroças dos nobres recamadas
De ouro e prata, e os prazeres de uma vida
Tempestuosa, e o tropear contínuo
Dos férvidos ginetes, que alevantam
O pó e o lodo cortesão das praças;
E as gerações corruptas de teus filhos
Lá se revolvem, qual montão de vermes
Sobre um cadáver pútrido! Cidade,
Branqueado sepulcro, que misturas
A opulência, a miséria, a dor e o gozo,
Honra e infâmia, pudor e impudícia
Céu e inferno, que és tu? Escárnio ou glória
Da humanidade? O que o souber que o diga!

Bem negra avulta aqui, na paz do vale,
A imagem desse povo, que reflui
Das moradas à rua, à praça, ao templo;
Que ri, e chora, folga, e geme, e morre,
Que adora Deus, e que o pragueja, e o teme;
Absurdo misto de baixeza extrema
E de extrema ousadia; vulto enorme,
Ora aos pés de um vil déspota estendido,
Ora surgindo, e arremessando ao nada
As memórias dos séculos que foram,
E depois sobre o nada adormecendo.

Vê-lo, rico de opróbrio, ir assentar-se
Em joelhos nos átrios dos tiranos.
Onde, entre o lampejar de armas de servos,
O servo popular adora um tigre ?
Esse tigre é o ídolo do povo!
Saudai-o; que ele o manda: abençoai-lhe
O férreo ceptro: ide folgar em roda
De cadafalsos, povoados sempre
De vítimas ilustres, cujo arranco
Seja como harmonia, que adormente
Em seus terrores o senhor das turbas.
Passai depois. Se a mão da Providência
Esmigalhou a fronte à tirania;
Se o déspota caiu, e está deitado
No lodaçal da sua infâmia, a turba
Lá vai buscar o ceptro dos terrores,
E diz: «É meu»; e assenta-se na praça,
E envolta em roto manto. e julga, e reina.
Se um ímpio, então, na afogueada boca
De vulcão popular sacode um facho,
Eis o incêndio que muge, e a lava sobe,
E referve, e trasborda, e se derrama
Pelas ruas além: clamor retumba
De anarquia impudente, e o brilho de armas
Pelo escuro transluz, como um presságio
De assolação, e se amontoam vagas
Desse mar d'abjecção, chamado o vulgo;
Desse vulgo, que ao som de infernais hinos
Cava fundo da Pátria a sepultura,
Onde, abraçando a glória do passado
E do futuro a última esperança,
As esmaga consigo, e ri morrendo.

Tal és, cidade, licenciosa ou serva!
Outros louvem teus paços sumptuosos,
Teu ouro, teu poder: sentina impura
De corrupções, teus não serão meus hinos!

XIV

Cantor da solidão, vim assentar-me
Junto do verde céspede do vale,
E a paz de Deus do mundo me consola.

Avulta aqui, e alveja entre o arvoredo,
Um pobre conventinho. Homem piedoso
O alevantou há séculos, passando,
Como orvalho do céu, por este sítio,
De virtudes depois tão rico e fértil.

Como um pai de seus filhos rodeado,
Pelos matos do outeiro o vão cercando
Os tugúrios de humildes eremitas,
Onde o cilício e a compunção apagam
Da lembrança de Deus passados erros
Do pecador, que reclinou a fronte
Penitente no pó. O sacerdote
Dos remorsos lhe ouviu as amarguras;
E perdoou-lhe, e consolou-o em nome
Do que expirando perdoava, o Justo,
Que entre os humanos não achou piedade.
XV

Religião! do mísero conforto,
Abrigo extremo de alma, que há mirrado
O longo agonizar de uma saudade.
Da desonra, do exílio, ou da injustiça,
Tu consolas aquele, que ouve o Verbo.
Que renovou o corrompido mundo,
E que mil povos pouco a pouco ouviram.
Nobre, plebeu, dominador, ou servo,
O rico, o pobre, o valoroso, o fraco,
Da desgraça no dia ajoelharam
No limiar do solitário templo.
Ao pé desse portal, que veste o musgo,
Encontrou-os chorando o sacerdote,
Que da serra descia à meia-noite,
Pelo sino das preces convocado:
Aí os viu ao despontar do dia,
Sob os raios do Sol, ainda chorando,
Passados meses, o burel grosseiro,
O leito de cortiça, e a fervorosa
E contínua oração foram cerrando
Nos corações dos míseros as chagas,
Que o mundo sabe abrir, mas que não cura.
Aqui, depois, qual hálito suave.
Da Primavera, lhes correu a vida,
Até sumir-se no adro do convento,
Debaixo de uma lájea tosca e humilde,
Sem nome, nem palavra, que recorde
O que a terra abrigou no sono extremo.

Eremitério antigo, oh, se pudesses
Dos anos que lá vão contar a história;
Se ora, à voz do cantor, possível fosse
Transudar desse chão, gelado e mudo,
O mudo pranto, em noites dolorosas,
Por náufragos do mundo derramado
Sobre ele, e aos pés da Cruz!... Se vós pudésseis,
Broncas pedras, falar, o que diríeis!

Quantos nomes mimosos da ventura,
Convertidos em fábula das gentes.
Despertariam o eco das montanhas,
Se aos negros troncos do sobreiro antigo
Mandasse o Eterno sussurrar a história
Dos que vieram desnudar-lhe o cepo,
Para um leito formar, onde velassem
Da mágoa, ou do remorso, as longas noites!
Aqui veio, talvez, buscar asilo
Um poderoso, outrora anjo da Terra,
Despenhado nas trevas do infortúnio;
Aqui gemeu, talvez, o amor traído,
Ou pela morte convertido em cancro
De infernal desespero; aqui soaram
Do arrependido os últimos gemidos,
Depois da vida derramada em gozos,
Depois do gozo convertido em tédio.
Mas quem foram? Nenhum, depondo em terra
Vestidura mortal, deixou vestígios
De seu breve passar. E isso que importa,
Se Deus o viu; se as lágrimas do triste
Ele contou, para as pagar com glória?

XVI

Ainda em curvo outeiro, ao fim da senda
Que serpeia do monte ao fundo vale,
Sobre o marco de pedra a cruz se eleva,
Como um farol de vida em mar de escolhos:
Ao cristão infeliz acolhe no ermo.
E consolando-o, diz-lhe: «A pátria tua
É lá no Céu: abraça-te comigo.»
Junto dela esses homens, que passaram
Acurvados na dor, as mãos ergueram
Para o Deus, que perdoa, e que é conforto
Dos que aos pés deste símbolo da esp'rança
Vêm derramar seu coração aflito:
É do deserto a história, a cruz e a campa;
E sobre tudo o mais pousa o silêncio.

XVII

Feliz da Terra, os monges não maldigas;
Do que em Deus confiou não escarneças:
Folgando segue a trilha, que há juncado,
Para teus pés, de flores a fortuna.
E sobre a morta crença em paz descansa.
Que mal te faz. Que gozo vai roubar-te
O que ensanguenta os pés no tojo agreste,
E sobre a fria pedra encosta a fronte?
Que mal te faz uma oração erguida,
Nas solidões, por voz sumida e frouxa,
E que, subindo aos Céus, só Deus escuta?
Oh, não insultes lágrimas alheias,
E deixa a fé ao que não tem mais nada!...

E se estes versos te contristam, rasga-os.
Teus menestréis te venderão seus hinos,
Nos banquetes opíparos, enquanto
O negro pão repartirá comigo,
Seu trovador, o pobre anacoreta,
Que não te inveja as ditas, como as c'roas
Do prazer ao cantor eu não invejo;
Tristes coroas, sob as quais às vezes
Está gravada uma inscrição d'infâmia.

Mais conteúdo relacionado

Mais procurados

Akathistos - Português de portugal
Akathistos - Português de portugalAkathistos - Português de portugal
Akathistos - Português de portugalinternauta28
 
Bocage a pavorosa ilusão
Bocage   a pavorosa ilusãoBocage   a pavorosa ilusão
Bocage a pavorosa ilusãoAriovaldo Cunha
 
Bocage a virtude laureada
Bocage   a virtude laureadaBocage   a virtude laureada
Bocage a virtude laureadaAriovaldo Cunha
 
09.edgar allan poe ficção completa - contos de terror, mistério e morte - e...
09.edgar allan poe   ficção completa - contos de terror, mistério e morte - e...09.edgar allan poe   ficção completa - contos de terror, mistério e morte - e...
09.edgar allan poe ficção completa - contos de terror, mistério e morte - e...Talles Lisboa
 
Terceiro livro de Enoque
Terceiro livro de EnoqueTerceiro livro de Enoque
Terceiro livro de EnoqueNelson Marins
 
Padre jose2
Padre jose2Padre jose2
Padre jose2gps_1
 
Episódio Adamastor - Os Lusíadas
Episódio Adamastor - Os LusíadasEpisódio Adamastor - Os Lusíadas
Episódio Adamastor - Os LusíadasBecre Forte da Casa
 
Alexandre herculano a tempestade
Alexandre herculano   a tempestadeAlexandre herculano   a tempestade
Alexandre herculano a tempestadeTulipa Zoá
 
31. alegoria
31. alegoria31. alegoria
31. alegoriapohlos
 
Livro de-melquisedeque-a-criac3a7c3a3o-do-universo
Livro de-melquisedeque-a-criac3a7c3a3o-do-universoLivro de-melquisedeque-a-criac3a7c3a3o-do-universo
Livro de-melquisedeque-a-criac3a7c3a3o-do-universoLucas Adriel
 

Mais procurados (14)

Akathistos - Português de portugal
Akathistos - Português de portugalAkathistos - Português de portugal
Akathistos - Português de portugal
 
Bocage a pavorosa ilusão
Bocage   a pavorosa ilusãoBocage   a pavorosa ilusão
Bocage a pavorosa ilusão
 
Bocage a virtude laureada
Bocage   a virtude laureadaBocage   a virtude laureada
Bocage a virtude laureada
 
09.edgar allan poe ficção completa - contos de terror, mistério e morte - e...
09.edgar allan poe   ficção completa - contos de terror, mistério e morte - e...09.edgar allan poe   ficção completa - contos de terror, mistério e morte - e...
09.edgar allan poe ficção completa - contos de terror, mistério e morte - e...
 
104
104104
104
 
Terceiro livro de Enoque
Terceiro livro de EnoqueTerceiro livro de Enoque
Terceiro livro de Enoque
 
Filigrana poetica
Filigrana poeticaFiligrana poetica
Filigrana poetica
 
Padre jose2
Padre jose2Padre jose2
Padre jose2
 
Renúncia
RenúnciaRenúncia
Renúncia
 
Episódio Adamastor - Os Lusíadas
Episódio Adamastor - Os LusíadasEpisódio Adamastor - Os Lusíadas
Episódio Adamastor - Os Lusíadas
 
Romantismo - poesias
Romantismo - poesiasRomantismo - poesias
Romantismo - poesias
 
Alexandre herculano a tempestade
Alexandre herculano   a tempestadeAlexandre herculano   a tempestade
Alexandre herculano a tempestade
 
31. alegoria
31. alegoria31. alegoria
31. alegoria
 
Livro de-melquisedeque-a-criac3a7c3a3o-do-universo
Livro de-melquisedeque-a-criac3a7c3a3o-do-universoLivro de-melquisedeque-a-criac3a7c3a3o-do-universo
Livro de-melquisedeque-a-criac3a7c3a3o-do-universo
 

Destaque

Marcosteoricospisa2006
Marcosteoricospisa2006Marcosteoricospisa2006
Marcosteoricospisa2006Susana Vila
 
História luis
História luisHistória luis
História luisturmaec11a
 
AprendizaXe Cooperativo Fernando Trujillo
AprendizaXe Cooperativo Fernando TrujilloAprendizaXe Cooperativo Fernando Trujillo
AprendizaXe Cooperativo Fernando TrujilloSusana Vila
 
Curso online calidad
Curso online calidadCurso online calidad
Curso online calidadSetival SCV
 
Ciências mudanças climaticas
Ciências   mudanças climaticasCiências   mudanças climaticas
Ciências mudanças climaticasbrendonenoque
 
Construção de marca na internet - TEM TALKS 2011
Construção de marca na internet - TEM TALKS 2011Construção de marca na internet - TEM TALKS 2011
Construção de marca na internet - TEM TALKS 2011danielbender
 
Emociones en-ninos-y-ninas-con-autismo (1)
Emociones en-ninos-y-ninas-con-autismo (1)Emociones en-ninos-y-ninas-con-autismo (1)
Emociones en-ninos-y-ninas-con-autismo (1)Susana Vila
 
Presentación punto 4
Presentación punto 4Presentación punto 4
Presentación punto 4soyunaloba
 
Jornal Escolar + Educação
Jornal Escolar + EducaçãoJornal Escolar + Educação
Jornal Escolar + EducaçãoBrenna Carvalho'
 
Análise economica
Análise economicaAnálise economica
Análise economicaFaty Paiva
 
Mercadeo de los servicios profesionales de la ingenieria mecanica en la venez...
Mercadeo de los servicios profesionales de la ingenieria mecanica en la venez...Mercadeo de los servicios profesionales de la ingenieria mecanica en la venez...
Mercadeo de los servicios profesionales de la ingenieria mecanica en la venez...danielalayon19
 
Asperger.luis maquinista
Asperger.luis maquinistaAsperger.luis maquinista
Asperger.luis maquinistaSusana Vila
 

Destaque (20)

Marcosteoricospisa2006
Marcosteoricospisa2006Marcosteoricospisa2006
Marcosteoricospisa2006
 
História luis
História luisHistória luis
História luis
 
As gerações baby boomer
As gerações baby boomerAs gerações baby boomer
As gerações baby boomer
 
AprendizaXe Cooperativo Fernando Trujillo
AprendizaXe Cooperativo Fernando TrujilloAprendizaXe Cooperativo Fernando Trujillo
AprendizaXe Cooperativo Fernando Trujillo
 
Fis 1 bat_u1_presentacions
Fis 1 bat_u1_presentacionsFis 1 bat_u1_presentacions
Fis 1 bat_u1_presentacions
 
Curso online calidad
Curso online calidadCurso online calidad
Curso online calidad
 
Ciências mudanças climaticas
Ciências   mudanças climaticasCiências   mudanças climaticas
Ciências mudanças climaticas
 
Agregue a sustentabilidade no planejamento de suas campanhas e ações promocio...
Agregue a sustentabilidade no planejamento de suas campanhas e ações promocio...Agregue a sustentabilidade no planejamento de suas campanhas e ações promocio...
Agregue a sustentabilidade no planejamento de suas campanhas e ações promocio...
 
Construção de marca na internet - TEM TALKS 2011
Construção de marca na internet - TEM TALKS 2011Construção de marca na internet - TEM TALKS 2011
Construção de marca na internet - TEM TALKS 2011
 
Os Desafios do Profissional de Sustentabilidade Pós-Rio+20 por Paulo Vodia
Os Desafios do Profissional de Sustentabilidade Pós-Rio+20 por Paulo VodiaOs Desafios do Profissional de Sustentabilidade Pós-Rio+20 por Paulo Vodia
Os Desafios do Profissional de Sustentabilidade Pós-Rio+20 por Paulo Vodia
 
Mercadotecnia i agos dic 2014 5to a
Mercadotecnia i agos   dic 2014 5to aMercadotecnia i agos   dic 2014 5to a
Mercadotecnia i agos dic 2014 5to a
 
Emociones en-ninos-y-ninas-con-autismo (1)
Emociones en-ninos-y-ninas-con-autismo (1)Emociones en-ninos-y-ninas-con-autismo (1)
Emociones en-ninos-y-ninas-con-autismo (1)
 
Presentación punto 4
Presentación punto 4Presentación punto 4
Presentación punto 4
 
Jornal Escolar + Educação
Jornal Escolar + EducaçãoJornal Escolar + Educação
Jornal Escolar + Educação
 
Apresentação Abraps Núcleo POA
Apresentação Abraps Núcleo POAApresentação Abraps Núcleo POA
Apresentação Abraps Núcleo POA
 
Análise economica
Análise economicaAnálise economica
Análise economica
 
Libro2(1)
Libro2(1)Libro2(1)
Libro2(1)
 
Materiales reciclados
Materiales recicladosMateriales reciclados
Materiales reciclados
 
Mercadeo de los servicios profesionales de la ingenieria mecanica en la venez...
Mercadeo de los servicios profesionales de la ingenieria mecanica en la venez...Mercadeo de los servicios profesionales de la ingenieria mecanica en la venez...
Mercadeo de los servicios profesionales de la ingenieria mecanica en la venez...
 
Asperger.luis maquinista
Asperger.luis maquinistaAsperger.luis maquinista
Asperger.luis maquinista
 

Semelhante a Alexandre herculano a arrábida

Alexandre herculano a cruz mutilada
Alexandre herculano   a cruz mutiladaAlexandre herculano   a cruz mutilada
Alexandre herculano a cruz mutiladaTulipa Zoá
 
L'odore del mio sempre
L'odore del mio sempreL'odore del mio sempre
L'odore del mio sempreUNED
 
Alexandre herculano a voz
Alexandre herculano   a vozAlexandre herculano   a voz
Alexandre herculano a vozTulipa Zoá
 
E eu te encontrei, num alcantil agreste - Alexandre Herculano
E eu te encontrei, num alcantil agreste - Alexandre HerculanoE eu te encontrei, num alcantil agreste - Alexandre Herculano
E eu te encontrei, num alcantil agreste - Alexandre HerculanoCarina Pereira
 
Alexandre herculano o soldado
Alexandre herculano   o soldadoAlexandre herculano   o soldado
Alexandre herculano o soldadoTulipa Zoá
 
E-book de Alexandre Herculano, A tempestade
E-book de Alexandre Herculano, A tempestadeE-book de Alexandre Herculano, A tempestade
E-book de Alexandre Herculano, A tempestadeCarla Crespo
 
O navio negreiro e outros poema castro alves
O navio negreiro e outros poema   castro alvesO navio negreiro e outros poema   castro alves
O navio negreiro e outros poema castro alvesWagner Costa
 
Poemas de Egídio Assis de Andrade
Poemas de Egídio Assis de AndradePoemas de Egídio Assis de Andrade
Poemas de Egídio Assis de AndradeJosiane Amaral
 
Castro alves espumas flutuantes
Castro alves   espumas flutuantesCastro alves   espumas flutuantes
Castro alves espumas flutuantesEMSNEWS
 
olavo bilac - via láctea
 olavo bilac - via láctea olavo bilac - via láctea
olavo bilac - via lácteaJosé Ermida
 
Alexandre herculano mocidade e morte
Alexandre herculano   mocidade e morteAlexandre herculano   mocidade e morte
Alexandre herculano mocidade e morteTulipa Zoá
 
ApresentaçãO Uniube
ApresentaçãO UniubeApresentaçãO Uniube
ApresentaçãO Uniubeavepalavra
 
Romantismo gênero lírico
Romantismo gênero líricoRomantismo gênero lírico
Romantismo gênero líricoMyrtes Folegatti
 
Poemas de Olavo Bilac
Poemas de Olavo BilacPoemas de Olavo Bilac
Poemas de Olavo BilacMax Pessanha
 
Alexandre herculano a vitória e a piedade
Alexandre herculano   a vitória e a piedadeAlexandre herculano   a vitória e a piedade
Alexandre herculano a vitória e a piedadeTulipa Zoá
 

Semelhante a Alexandre herculano a arrábida (20)

Alexandre herculano a cruz mutilada
Alexandre herculano   a cruz mutiladaAlexandre herculano   a cruz mutilada
Alexandre herculano a cruz mutilada
 
L'odore del mio sempre
L'odore del mio sempreL'odore del mio sempre
L'odore del mio sempre
 
Alexandre herculano a voz
Alexandre herculano   a vozAlexandre herculano   a voz
Alexandre herculano a voz
 
E eu te encontrei, num alcantil agreste - Alexandre Herculano
E eu te encontrei, num alcantil agreste - Alexandre HerculanoE eu te encontrei, num alcantil agreste - Alexandre Herculano
E eu te encontrei, num alcantil agreste - Alexandre Herculano
 
Alexandre herculano o soldado
Alexandre herculano   o soldadoAlexandre herculano   o soldado
Alexandre herculano o soldado
 
E-book de Alexandre Herculano, A tempestade
E-book de Alexandre Herculano, A tempestadeE-book de Alexandre Herculano, A tempestade
E-book de Alexandre Herculano, A tempestade
 
O navio negreiro e outros poema castro alves
O navio negreiro e outros poema   castro alvesO navio negreiro e outros poema   castro alves
O navio negreiro e outros poema castro alves
 
Poemas de Egídio Assis de Andrade
Poemas de Egídio Assis de AndradePoemas de Egídio Assis de Andrade
Poemas de Egídio Assis de Andrade
 
Ode ao vento oeste
Ode ao vento oesteOde ao vento oeste
Ode ao vento oeste
 
Castro alves espumas flutuantes
Castro alves   espumas flutuantesCastro alves   espumas flutuantes
Castro alves espumas flutuantes
 
Os Lusíadas
Os LusíadasOs Lusíadas
Os Lusíadas
 
Alma Inquieta
Alma InquietaAlma Inquieta
Alma Inquieta
 
Mós - Aldeia Medieval
Mós - Aldeia MedievalMós - Aldeia Medieval
Mós - Aldeia Medieval
 
olavo bilac - via láctea
 olavo bilac - via láctea olavo bilac - via láctea
olavo bilac - via láctea
 
Alexandre herculano mocidade e morte
Alexandre herculano   mocidade e morteAlexandre herculano   mocidade e morte
Alexandre herculano mocidade e morte
 
ApresentaçãO Uniube
ApresentaçãO UniubeApresentaçãO Uniube
ApresentaçãO Uniube
 
Romantismo gênero lírico
Romantismo gênero líricoRomantismo gênero lírico
Romantismo gênero lírico
 
Poemas de Olavo Bilac
Poemas de Olavo BilacPoemas de Olavo Bilac
Poemas de Olavo Bilac
 
Alexandre herculano a vitória e a piedade
Alexandre herculano   a vitória e a piedadeAlexandre herculano   a vitória e a piedade
Alexandre herculano a vitória e a piedade
 
Crisalidas
CrisalidasCrisalidas
Crisalidas
 

Mais de Tulipa Zoá

MATEMÁTICA FINANCEIRA - REGRA DE TRÊS SIMPLES / JUROS SIMPLES
MATEMÁTICA FINANCEIRA - REGRA DE TRÊS SIMPLES / JUROS SIMPLESMATEMÁTICA FINANCEIRA - REGRA DE TRÊS SIMPLES / JUROS SIMPLES
MATEMÁTICA FINANCEIRA - REGRA DE TRÊS SIMPLES / JUROS SIMPLESTulipa Zoá
 
Artur azevedo o chapéu
Artur azevedo   o chapéuArtur azevedo   o chapéu
Artur azevedo o chapéuTulipa Zoá
 
Artur azevedo o califa da rua sabão
Artur azevedo   o califa da rua sabãoArtur azevedo   o califa da rua sabão
Artur azevedo o califa da rua sabãoTulipa Zoá
 
Artur azevedo o barão de pitiaçu
Artur azevedo   o barão de pitiaçuArtur azevedo   o barão de pitiaçu
Artur azevedo o barão de pitiaçuTulipa Zoá
 
Artur azevedo o badejo
Artur azevedo   o badejoArtur azevedo   o badejo
Artur azevedo o badejoTulipa Zoá
 
Artur azevedo o asa-negra
Artur azevedo   o asa-negraArtur azevedo   o asa-negra
Artur azevedo o asa-negraTulipa Zoá
 
Artur azevedo o 15 e o 17
Artur azevedo   o 15 e o 17Artur azevedo   o 15 e o 17
Artur azevedo o 15 e o 17Tulipa Zoá
 
Artur azevedo nova viagem a lua
Artur azevedo   nova viagem a luaArtur azevedo   nova viagem a lua
Artur azevedo nova viagem a luaTulipa Zoá
 
Artur azevedo na horta
Artur azevedo   na hortaArtur azevedo   na horta
Artur azevedo na hortaTulipa Zoá
 
Artur azevedo na exposição
Artur azevedo   na exposiçãoArtur azevedo   na exposição
Artur azevedo na exposiçãoTulipa Zoá
 
Artur azevedo morta que mata
Artur azevedo   morta que mataArtur azevedo   morta que mata
Artur azevedo morta que mataTulipa Zoá
 
Artur azevedo mal por mal
Artur azevedo   mal por malArtur azevedo   mal por mal
Artur azevedo mal por malTulipa Zoá
 
Artur azevedo joão silva
Artur azevedo   joão silvaArtur azevedo   joão silva
Artur azevedo joão silvaTulipa Zoá
 
Artur azevedo ingenuidade
Artur azevedo   ingenuidadeArtur azevedo   ingenuidade
Artur azevedo ingenuidadeTulipa Zoá
 
Artur azevedo in extremis
Artur azevedo   in extremisArtur azevedo   in extremis
Artur azevedo in extremisTulipa Zoá
 
Artur azevedo história vulgar
Artur azevedo   história vulgarArtur azevedo   história vulgar
Artur azevedo história vulgarTulipa Zoá
 
Artur azevedo história de um soneto
Artur azevedo   história de um sonetoArtur azevedo   história de um soneto
Artur azevedo história de um sonetoTulipa Zoá
 
Artur azevedo história de um dominó
Artur azevedo   história de um dominóArtur azevedo   história de um dominó
Artur azevedo história de um dominóTulipa Zoá
 
Artur azevedo herói a força
Artur azevedo   herói a forçaArtur azevedo   herói a força
Artur azevedo herói a forçaTulipa Zoá
 
Artur azevedo fritzmac
Artur azevedo   fritzmacArtur azevedo   fritzmac
Artur azevedo fritzmacTulipa Zoá
 

Mais de Tulipa Zoá (20)

MATEMÁTICA FINANCEIRA - REGRA DE TRÊS SIMPLES / JUROS SIMPLES
MATEMÁTICA FINANCEIRA - REGRA DE TRÊS SIMPLES / JUROS SIMPLESMATEMÁTICA FINANCEIRA - REGRA DE TRÊS SIMPLES / JUROS SIMPLES
MATEMÁTICA FINANCEIRA - REGRA DE TRÊS SIMPLES / JUROS SIMPLES
 
Artur azevedo o chapéu
Artur azevedo   o chapéuArtur azevedo   o chapéu
Artur azevedo o chapéu
 
Artur azevedo o califa da rua sabão
Artur azevedo   o califa da rua sabãoArtur azevedo   o califa da rua sabão
Artur azevedo o califa da rua sabão
 
Artur azevedo o barão de pitiaçu
Artur azevedo   o barão de pitiaçuArtur azevedo   o barão de pitiaçu
Artur azevedo o barão de pitiaçu
 
Artur azevedo o badejo
Artur azevedo   o badejoArtur azevedo   o badejo
Artur azevedo o badejo
 
Artur azevedo o asa-negra
Artur azevedo   o asa-negraArtur azevedo   o asa-negra
Artur azevedo o asa-negra
 
Artur azevedo o 15 e o 17
Artur azevedo   o 15 e o 17Artur azevedo   o 15 e o 17
Artur azevedo o 15 e o 17
 
Artur azevedo nova viagem a lua
Artur azevedo   nova viagem a luaArtur azevedo   nova viagem a lua
Artur azevedo nova viagem a lua
 
Artur azevedo na horta
Artur azevedo   na hortaArtur azevedo   na horta
Artur azevedo na horta
 
Artur azevedo na exposição
Artur azevedo   na exposiçãoArtur azevedo   na exposição
Artur azevedo na exposição
 
Artur azevedo morta que mata
Artur azevedo   morta que mataArtur azevedo   morta que mata
Artur azevedo morta que mata
 
Artur azevedo mal por mal
Artur azevedo   mal por malArtur azevedo   mal por mal
Artur azevedo mal por mal
 
Artur azevedo joão silva
Artur azevedo   joão silvaArtur azevedo   joão silva
Artur azevedo joão silva
 
Artur azevedo ingenuidade
Artur azevedo   ingenuidadeArtur azevedo   ingenuidade
Artur azevedo ingenuidade
 
Artur azevedo in extremis
Artur azevedo   in extremisArtur azevedo   in extremis
Artur azevedo in extremis
 
Artur azevedo história vulgar
Artur azevedo   história vulgarArtur azevedo   história vulgar
Artur azevedo história vulgar
 
Artur azevedo história de um soneto
Artur azevedo   história de um sonetoArtur azevedo   história de um soneto
Artur azevedo história de um soneto
 
Artur azevedo história de um dominó
Artur azevedo   história de um dominóArtur azevedo   história de um dominó
Artur azevedo história de um dominó
 
Artur azevedo herói a força
Artur azevedo   herói a forçaArtur azevedo   herói a força
Artur azevedo herói a força
 
Artur azevedo fritzmac
Artur azevedo   fritzmacArtur azevedo   fritzmac
Artur azevedo fritzmac
 

Alexandre herculano a arrábida

  • 1. A ARRÁBIDA Alexandre Herculano I Salve, ó vale do sul, saudoso e belo! Salve, ó pátria da paz, deserto santo, Onde não ruge a grande voz das turbas! Solo sagrado a Deus, pudesse ao mundo O poeta fugir, cingir-se ao ermo, Qual ao freixo robusto a frágil hera, E a romagem do túmulo cumprindo, Só conhecer, ao despertar na morte, Essa vida sem mal, sem dor, sem termo, Que íntima voz contínuo nos promete No trânsito chamado o viver do homem. II Suspira o vento no álamo frondoso; As aves soltam matutino canto; Late o lebréu na encosta, e o mar sussurra Dos alcantis na base carcomida: Eis o ruído de ermo! Ao longe o negro, Insondado oceano, e o céu cerúleo Se abraçam no horizonte. Imensa imagem Da eternidade e do infinito, salve! III Oh, como surge majestosa e bela, Com viço da criação, a natureza No solitário vale! E o leve insecto E a relva e os matos e a fragrância pura Das boninas da encosta estão contando Mil saudades de Deus, que os há lançado, Com mão profusa, no regaço ameno Da solidão, onde se esconde o justo. E lá campeiam no alto das montanhas Os escalvados píncaros, severos, Quais guardadores de um lugar que é santo; Atalaias que ao longe o mundo observam, Cerrando até o mar o último abrigo Da crença viva, da oração piedosa, Que se ergue a Deus de lábios inocentes. Sobre esta cena o sol verte em torrentes Da manhã o fulgor; a brisa esvai-se Pelos rosmaninhais, e inclina os topos Do zimbro e alecrineiro, ao rés sentados Desses tronos de fragas sobrepostas,
  • 2. Que alpestres matas de medronhos vestem; O rocio da noite à branca rosa No seio derramou frescor suave, E inda existência lhe dará um dia. Formoso ermo do sul, outra vez, salve! IV Negro, estéril rochedo, que contrastas, Na mudez tua, o plácido sussurro Das árvores do vale, que vicejam Ricas d’encantos, coa estação propícia; Suavíssimo aroma, que, manando Das variegadas flores, derramadas Na sinuosa encosta da montanha, Do altar da solidão subindo aos ores, És digno incenso ao Criador erguido; Livres aves, filhas da espessura, Que só teceis da natureza as hinos, O que crê, o cantor, que foi lançado, Estranho no mundo, no bulício dele, Vem saudar-vos, sentir um gozo puro, Dus homens esquecer paixões e opróbio, E ver, sem ver-lhe a luz prestar a crimes, O Sol, e uma só vez puro saudar-lha. Convosco eu sou maior; mais longe a mente dos céus se imerge livre, E se desprende de mortais memórias Na solidão solene, onde, incessante, Em cada pedra, em cada flor se escuta Do Sempiterno a voz, e vê-se impressa A dextra sua em multiforme quadro. V Escalvado penedo, que repousas Lá no cimo do monte, ameaçando Ruína ao roble secular da encosta, Que sonolento move a coma estiva Ante a aragem do mar, foste formoso; Já te cobriram cespedes virentes; Mus o tempo voou, e nele envolta A formosura tua. Despedidos Das negras nuvens o chuveiro espesso E o granizo, que o solo fustigando Tritura a tenra lanceolada relva, Durante largos séculos, no Inverno, Dos vendavais no dorso a ti desceram. Qual amplexo brutal de ardos grosseiro, Que, maculando virginal pureza. Do pudor varre a auréola celeste, E deixa, em vez de um serafim m Terra, Queimada flor que devorou o raio. VI Caveira da montanha, ossada imensa, É tua campa o Céu: sepulcro o vale Um dia te será. Quando sentires Rugir com som medonho a Terra ao longe,
  • 3. Na expansão dos vulcões, e o mar, bramindo, Lançar à praia vagalhões cruzados; Tremer-te a larga base, e sacudir-te De sobre si, o fundo deste vale Te vai servir de túmulo; e os carvalhos Do mundo primogénitos, e os sobros, Arrastados por ti lá da colina, Contigo hão-de jazer. De novo a terra Te cobrirá o dorso sinuoso: Outra vez sobre ti nascendo os lírios, Do seu puro candor hão-de adornar-te; E tu, ora medonho e nu e triste, Ainda belo serás, vestido e alegre. VII Mais que o homem feliz! Quando eu no vale Dos túmulos cair; quando uma pedra Os ossos me esconder, se me for dada, Não mais reviverei; não mais meus olhos Verão, ao pôr-se, o Sol em dia estivo, Se em turbilhões de púrpura, que ondeiam Pelo extremo dos céus sobre o ocidente. Vai provar que um Deus há o estranhos povos E além das ondas trémulo sumir-se; Nem, quando, lá do cimo das montanhas, Com torrentes de luz inunda as veigas: Não mais verei o refulgir da Lua No irrequieto mar, na paz da noite, Por horas em que vela o criminoso, A quem íntima voz rouba o sossego. E em que o justo descansa, ou, solitário, Ergue ao Senhor um hino harmonioso. VIII Ontem, sentado num penhasco, e perto Dos águas, então quedas, do oceano, Eu também o louvei sem ser um justo: E meditei, e a mente extasiada Deixei correr pela amplidão das ondas. Como abraço materno era suave A aragem fresca do cair das trevas. Enquanto, envolta em glória, a clara Lua Sumia em seu fulgor milhões d’estrelas. Tudo calado estava: o mar somente As harmonias da criação soltava, Em seu rugido; e o ulmeiro do deserto Se agitava, gemendo e murmurando. Ante o sopro de oeste: ali dos olhos O pranto me correu, sem que o sentisse. E aos pés de Deus se derramou minha alma. IX Oh, que viesse o que não crê, comigo, À vicejante Arrábida de noite, E se assentasse aqui sobre estas fragas, Escutando o sussurro incerto e triste
  • 4. Das movediças ramas, que povoa De saudade e de amor nocturna brisa; Que visse a lua, o espaço opresso de astros, E ouvisse o mar soando: – ele chorara, Qual eu chorei, as lágrimas do gozo, E, adorando o Senhor, detestaria De uma ciência vã seu vão orgulho. X É aqui neste vale, ao qual não chega Humana voz e o tumultuar das turbas, Onde o nada da vida sonda livre O coração, que busca ir abrigar-se No futuro, e debaixo do amplo manto Da piedade de Deus: aqui serena Vem a imagem da campa, como a imagem Da pátria ao desterrado; aqui, solene, Brada a montanha, memorando a morte. Essas penhas, que, lá no alto das serras Nuas, crestadas, solitárias dormem, Parecem imitar da sepultura O aspecto melancólico e o repouso Tão desejado do que em Deus confia. Bem semelhante à paz. que se há sentado Por séculos, ali, nas cordilheiras É o silêncio do adro, onde reúnem Os ciprestes e a Cruz, o Céu e a Terra. Como tu vens cercado de esperança, Para o inocente, ó plácido sepulcro! Junto das tuas bordas pavorosas O perverso recua horrorizado: Após si volve os olhos; na existência Deserto árido só descobre ao longe. Onde a virtude não deixou um trilho. Mas o justo, chegando à meta extrema, Que separa de nós a eternidade, Transpõe-na sem temor, e em Deus exulta.. O infeliz e o feliz lá dormem ambos, Tranquilamente: e o trovador mesquinho, Que peregrino vagueou na Terra, Sem encontrar um coração ardente Que o entendesse, a pátria de seus sonhos, Ignota, por lá busca; e quando as eras Vierem junto às cinzas colocar-lhe Tardios louros, que escondera a inveja, Ele não erguerá a mão mirrada, Para os cingir na regelada fronte. Justiça, glória, amor, saudade, tudo, An pé da sepultura, é som perdido De harpa eólia esquecida em brenha ou selva: O despertar um pai, que saboreia Entre os bruços da morte o extremo sono, Já não é dado ao filial suspiro; Em vão o amante, ali, da amada sua De rosas sobre a c'roa debruçado, Rega de amargo pranto as murchas flores E a fria pedra: a pedra é sempre fria.
  • 5. E para sempre as flores se murcharam. XI Belo ermo!, eu hei-de amar-te enquanto esta alma, Aspirando o futuro além da vida E um hálito dos Céus, gemer atada À coluna do exílio, a que se chama Em língua vil e mentirosa o mundo. Eu hei-de amar-te, ó vale, como um filho Dos sonhos meus. A imagem do deserto Guardá-la-ei no coração, bem junto Com minha fé, meu único tesouro. Qual pomposo jardim de verme ilustre, Chamado rei ou nobre, há-de contigo Comparar-se, ó deserto? Aqui não cresce Em vaso de alabastro a flor cativa, Ou árvore educada por mão de homem, Que lhe diga: «És escrava», e erga um ferro E lhe decepe os troncos. Como é livre A vaga do oceano, é livre no ermo A bonina rasteira ou freixo altivo! Não lhes diz: «Nasce aqui, ou lá não cresças». Humana voz. Se baqueou o freixo, Deus o mandou: se a flor pendida murcha, É que o rocio não desceu de noite, E da vida o Senhor lhe nega a vida. Céu livre, Terra livre, e livre a mente, Paz íntima, e saudade, mas saudade Que não dói, que não mirra, e que consola, São as riquezas do ermo, onde sorriem Das procelas do mundo os que o deixaram. XII Ali naquela encosta, ontem de noite, Alvejava por entre os medronheiros Do solitário a habitação tranquila: E eu vagueei por lá. Patente estava O pobre albergue do eremita humilde, Onde jazia o filho da esperança Sob as asas de Deus, à luz dos astros, Em leito, duro sim, não de remorsos. Oh, com quanto sossego o bom do velho Dormia! A leve aragem lhe ondeava As raras cãs na fronte, onde se lia A bela história de passados anos. De alto choupo através passava um raio Da Lua – astro de paz, astro que chama Os olhos para o céu, e a Deus a mente – E em luz pálida as faces lhe banhava: E talvez neste raio o Pai celeste Da pátria eterna, lhe enviava a imagem, Que o sorriso dus lábios lhe fugia, Como se um sonho de ventura e glória Na Terra de antemão o consolasse. E eu comparei o solitário obscuro Ao inquieto filho das cidades:
  • 6. Comparei o deserto silencioso Ao perpétuo ruído que sussurra Pelos palácios do abastado e nobre, Pelos paços dos reis; e condoí-me Do cortesão soberbo, que só cura De honras, haveres, glória, que se compram Com maldições e perenal remorso. Glória! A sua qual é? Pelas campinas, Cobertas de cadáveres, regadas De negro sangue, ele segou seus louros; Louros que vão cingir-lhe a fronte altiva Ao som do choro da viúva e do órfão; Ou, dos sustos senhor, em seu delírio, Os homens, seu irmãos, flagela e oprime. Lá o filho do pó se julga um nume, Porque a Terra o adorou; o desgraçado Pensa, talvez, que o verme dos sepulcros Nunca se há-de chegar para tragá-lo Ao banquete da morte, imaginando Que uma lájea de mármore, que esconde O cadáver do grande, é mais durável Do que esse chão sem inscrição, sem nome. Por onde o opresso, o mísero, procura O repouso, e se atira aos pés do trono Do Omnipotente, a demandar justiça Contra os fortes do mundo, os seus tiranos. XIII Ó cidade, cidade, que transbordas De vícios, de paixões e de amarguras! Tu lá estás, na tua pompa envolta, Soberba prostituta, alardeando Os teatros, e os paços, e o ruído Das carroças dos nobres recamadas De ouro e prata, e os prazeres de uma vida Tempestuosa, e o tropear contínuo Dos férvidos ginetes, que alevantam O pó e o lodo cortesão das praças; E as gerações corruptas de teus filhos Lá se revolvem, qual montão de vermes Sobre um cadáver pútrido! Cidade, Branqueado sepulcro, que misturas A opulência, a miséria, a dor e o gozo, Honra e infâmia, pudor e impudícia Céu e inferno, que és tu? Escárnio ou glória Da humanidade? O que o souber que o diga! Bem negra avulta aqui, na paz do vale, A imagem desse povo, que reflui Das moradas à rua, à praça, ao templo; Que ri, e chora, folga, e geme, e morre, Que adora Deus, e que o pragueja, e o teme; Absurdo misto de baixeza extrema E de extrema ousadia; vulto enorme, Ora aos pés de um vil déspota estendido, Ora surgindo, e arremessando ao nada As memórias dos séculos que foram, E depois sobre o nada adormecendo. Vê-lo, rico de opróbrio, ir assentar-se
  • 7. Em joelhos nos átrios dos tiranos. Onde, entre o lampejar de armas de servos, O servo popular adora um tigre ? Esse tigre é o ídolo do povo! Saudai-o; que ele o manda: abençoai-lhe O férreo ceptro: ide folgar em roda De cadafalsos, povoados sempre De vítimas ilustres, cujo arranco Seja como harmonia, que adormente Em seus terrores o senhor das turbas. Passai depois. Se a mão da Providência Esmigalhou a fronte à tirania; Se o déspota caiu, e está deitado No lodaçal da sua infâmia, a turba Lá vai buscar o ceptro dos terrores, E diz: «É meu»; e assenta-se na praça, E envolta em roto manto. e julga, e reina. Se um ímpio, então, na afogueada boca De vulcão popular sacode um facho, Eis o incêndio que muge, e a lava sobe, E referve, e trasborda, e se derrama Pelas ruas além: clamor retumba De anarquia impudente, e o brilho de armas Pelo escuro transluz, como um presságio De assolação, e se amontoam vagas Desse mar d'abjecção, chamado o vulgo; Desse vulgo, que ao som de infernais hinos Cava fundo da Pátria a sepultura, Onde, abraçando a glória do passado E do futuro a última esperança, As esmaga consigo, e ri morrendo. Tal és, cidade, licenciosa ou serva! Outros louvem teus paços sumptuosos, Teu ouro, teu poder: sentina impura De corrupções, teus não serão meus hinos! XIV Cantor da solidão, vim assentar-me Junto do verde céspede do vale, E a paz de Deus do mundo me consola. Avulta aqui, e alveja entre o arvoredo, Um pobre conventinho. Homem piedoso O alevantou há séculos, passando, Como orvalho do céu, por este sítio, De virtudes depois tão rico e fértil. Como um pai de seus filhos rodeado, Pelos matos do outeiro o vão cercando Os tugúrios de humildes eremitas, Onde o cilício e a compunção apagam Da lembrança de Deus passados erros Do pecador, que reclinou a fronte Penitente no pó. O sacerdote Dos remorsos lhe ouviu as amarguras; E perdoou-lhe, e consolou-o em nome Do que expirando perdoava, o Justo, Que entre os humanos não achou piedade.
  • 8. XV Religião! do mísero conforto, Abrigo extremo de alma, que há mirrado O longo agonizar de uma saudade. Da desonra, do exílio, ou da injustiça, Tu consolas aquele, que ouve o Verbo. Que renovou o corrompido mundo, E que mil povos pouco a pouco ouviram. Nobre, plebeu, dominador, ou servo, O rico, o pobre, o valoroso, o fraco, Da desgraça no dia ajoelharam No limiar do solitário templo. Ao pé desse portal, que veste o musgo, Encontrou-os chorando o sacerdote, Que da serra descia à meia-noite, Pelo sino das preces convocado: Aí os viu ao despontar do dia, Sob os raios do Sol, ainda chorando, Passados meses, o burel grosseiro, O leito de cortiça, e a fervorosa E contínua oração foram cerrando Nos corações dos míseros as chagas, Que o mundo sabe abrir, mas que não cura. Aqui, depois, qual hálito suave. Da Primavera, lhes correu a vida, Até sumir-se no adro do convento, Debaixo de uma lájea tosca e humilde, Sem nome, nem palavra, que recorde O que a terra abrigou no sono extremo. Eremitério antigo, oh, se pudesses Dos anos que lá vão contar a história; Se ora, à voz do cantor, possível fosse Transudar desse chão, gelado e mudo, O mudo pranto, em noites dolorosas, Por náufragos do mundo derramado Sobre ele, e aos pés da Cruz!... Se vós pudésseis, Broncas pedras, falar, o que diríeis! Quantos nomes mimosos da ventura, Convertidos em fábula das gentes. Despertariam o eco das montanhas, Se aos negros troncos do sobreiro antigo Mandasse o Eterno sussurrar a história Dos que vieram desnudar-lhe o cepo, Para um leito formar, onde velassem Da mágoa, ou do remorso, as longas noites! Aqui veio, talvez, buscar asilo Um poderoso, outrora anjo da Terra, Despenhado nas trevas do infortúnio; Aqui gemeu, talvez, o amor traído, Ou pela morte convertido em cancro De infernal desespero; aqui soaram Do arrependido os últimos gemidos, Depois da vida derramada em gozos, Depois do gozo convertido em tédio. Mas quem foram? Nenhum, depondo em terra Vestidura mortal, deixou vestígios De seu breve passar. E isso que importa, Se Deus o viu; se as lágrimas do triste
  • 9. Ele contou, para as pagar com glória? XVI Ainda em curvo outeiro, ao fim da senda Que serpeia do monte ao fundo vale, Sobre o marco de pedra a cruz se eleva, Como um farol de vida em mar de escolhos: Ao cristão infeliz acolhe no ermo. E consolando-o, diz-lhe: «A pátria tua É lá no Céu: abraça-te comigo.» Junto dela esses homens, que passaram Acurvados na dor, as mãos ergueram Para o Deus, que perdoa, e que é conforto Dos que aos pés deste símbolo da esp'rança Vêm derramar seu coração aflito: É do deserto a história, a cruz e a campa; E sobre tudo o mais pousa o silêncio. XVII Feliz da Terra, os monges não maldigas; Do que em Deus confiou não escarneças: Folgando segue a trilha, que há juncado, Para teus pés, de flores a fortuna. E sobre a morta crença em paz descansa. Que mal te faz. Que gozo vai roubar-te O que ensanguenta os pés no tojo agreste, E sobre a fria pedra encosta a fronte? Que mal te faz uma oração erguida, Nas solidões, por voz sumida e frouxa, E que, subindo aos Céus, só Deus escuta? Oh, não insultes lágrimas alheias, E deixa a fé ao que não tem mais nada!... E se estes versos te contristam, rasga-os. Teus menestréis te venderão seus hinos, Nos banquetes opíparos, enquanto O negro pão repartirá comigo, Seu trovador, o pobre anacoreta, Que não te inveja as ditas, como as c'roas Do prazer ao cantor eu não invejo; Tristes coroas, sob as quais às vezes Está gravada uma inscrição d'infâmia.