2. Vida e Obra
Joaquim Maria Machado de Assis
Cronista, contista, dramaturgo,
jornalista, poeta, novelista,
romancista, crítico e ensaísta
Nascimento:
21/06/1839
Natural:
Rio de Janeiro
Morte:
29/09/1908
4. Proposta de discussão
Análise de Crisálidas e Poemas Dispersos – poemas da
juventude –, encontrados em Toda poesia de Machado de
Assis, organizado por Cláudio Murilo Leal.
5. Eixos da discussão – Poesia Machadiana
Amor
Mulher
Nacionalismo Liberdade
Religiosidade
Espaço Erotismo
Simplicidade
Estilo
literário
6. LiberdadeAmor Mulher Nacionalismo
MINHA MÃE
Quem foi que o berço me embalou da
infância
Entre as doçuras que do empíreo vêm?
E nos beijos de célica fragrância
Velou meu puro sono? Minha mãe!
Se devo ter no peito uma lembrança
É dela que os meus sonhos de criança
Dourou: — é minha mãe!
Quem foi que no entoar canções mimosas
Cheia de um terno amor — anjo do bem
Minha fronte infantil — encheu de rosas
De mimosos sorrisos? — Minha mãe!
Se dentro do meu peito macilento
O fogo da saudade me arde lento
É dela: minha mãe.
Qual anjo que as mãos me uniu outrora
E as rezas me ensinou que da alma vêm?
E a imagem me mostrou que o mundo adora,
E ensinou a adorá-la? — Minha mãe!
Não devemos nós crer num puro riso
Desse anjo gentil do paraíso
Que chama-se uma mãe?
Por ela rezarei eternamente
Que ela reza por mim no céu também;
Nas santas rezas do meu peito ardente
Repetirei um nome: — minha mãe!
Se devem louros ter meus cantos d’alma
Oh! do porvir eu trocaria a palma
Para ter minha mãe!
7. UM ANJO
Foste a rosa desfolhada
Na urna da eternidade,
Pr’a sorrir mais animada,
Mais bela, mais perfumada
Lá na etérea imensidade.
Rasgaste o manto da vida,
E anjo subiste ao céu
Como a flor enlanguecida
Que o vento pô-la caída
E pouco a pouco morreu!
Tu’alma foi um perfume
Erguido ao sólio divino;
Levada ao celeste cume
C’os Anjos oraste ao Nume
Nas harmonias dum hino.
Alheia ao mundo devasso,
Passaste a vida sorrindo;
Derribou-te, ó ave, um braço,
Mas abrindo asas no espaço
Ao céu voaste, anjo lindo.
Esse invólucro mundano
Trocaste por outro véu;
Deste negro pego insano
Não sofreste o menor dano
Que tu’alma era do Céu.
Foste a rosa desfolhada
Na urna da eternidade
Pr’a sorrir mais animada
Mais bela, mais perfumada
Lá na etérea imensidade.
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8. ELA
Seus olhos que brilham tanto,
Que prendem tão doce encanto,
Que prendem um casto amor
Onde com rara beleza,
Se esmerou a natureza
Com meiguice e com primor.
Suas faces purpurinas
De rubras cores divinas
De mago brilho e condão;
Meigas faces que harmonia
Inspira em doce poesia
Ao meu terno coração!
Sua boca meiga e breve,
Onde um sorriso de leve
Com doçura se desliza,
Ornando purpúrea cor,
Celestes lábios de amor
Que com neve se harmoniza.
Com sua boca mimosa
Solta voz harmoniosa
Que inspira ardente paixão,
Dos lábios de Querubim
Eu quisera ouvir um — sim —
Pr’a alívio do coração!
Vem, ó anjo de candura,
Fazer a dita, a ventura
De minh’alma, sem vigor;
Donzela, vem dar-lhe alento,
Faz-lhe gozar teu portento,
“Dá-lhe um suspiro de amor!”
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10. HINO PATRIÓTICO
Brasileiros! haja um brado
Nesta terra do Brasil:
Antes a morte de honrado
Do que a vida infame e vil!
O leopardo aventureiro,
Garra curva, olhar feroz,
Busca o solo brasileiro,
Ruge e investe contra nós.
Brasileiros! haja um brado
Nesta terra do Brasil:
Antes a morte de honrado
Do que a vida infame e vil!
Quer estranho despotismo
Lançar-nos duro grilhão;
Será o sangue o batismo
Da nossa jovem nação.
Brasileiros! haja um brado
Nesta terra do Brasil:
Antes a morte de honrado
Do que a vida infame e vil!
Pela liberdade ufana,
Ufana pela honradez,
Esta terra americana,
Bretão, não te beija os pés.
[...]
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11. MINHA MUSA
A Musa, que inspira meus tímidos cantos,
É doce e risonha, se amor lhe sorri;
É grave e saudosa, se brotam-lhe os prantos.
Saudades carpindo, que sinto por ti.
A Musa, que inspira-me os versos nascidos
De mágoas que sinto no peito a pungir,
Sufoca-me os tristes e longos gemidos,
Que as dores que oculto me fazem trair.
A Musa, que inspira-me os cantos de prece,
Que nascem-me d’alma, que envio ao Senhor.
Desperta-me a crença, que às vezes ‘dormece
Ao último arranco de esp’ranças de amor.
A Musa, que o ramo das glórias enlaça,
Da terra gigante — meu berço infantil,
De afetos um nome na idéia me traça,
Que o eco no peito repete: — Brasil!
A Musa, que inspira meus cantos é livre,
Detesta os preceitos da vil opressão,
O ardor, a coragem do herói lá do Tibre,
Na lira engrandece, dizendo: — Catão!
O aroma de esp’rança, que n’alma recende,
É ela que aspira, no cálix da flor;
É ela que o estro na fronte me acende,
A Musa que inspira meus versos de amor!
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12. SimplicidadeReligiosidade Espaços Erotismo
O DILÚVIO
Do sol ao raio esplêndido,
Fecundo, abençoado,
A terra exausta e úmida
Surge, revive já;
Que a morte inteira e rápida
Dos filhos do pecado
Pôs termo à imensa cólera
Do imenso Jeová!
Que mar não foi! que túmidas
As águas não rolavam!
Montanhas e planícies
Tudo tornou-se um mar;
E nesta cena lúgubre
Os gritos que soavam
Era um clamor uníssono
Que a terra ia acabar.
Em vão, ó pai atônito,
Ao seio o filho estreitas;
Filhos, esposos, míseros,
Em vão tentais fugir!
Que as águas do dilúvio
Crescidas e refeitas,
Vão da planície aos píncaros
Subir, subir, subir!
Só, como a idéia única
De um mundo que se acaba,
Erma, boiava intrépida,
A arca de Noé;
Pura das velhas nódoas
De tudo o que desaba,
Leva no seio incólumes
A virgindade e a fé.
Lá vai! Que um vento alígero,
Entre os contrários ventos,
Ao lenho calmo e impávido
Abre caminho além...
Lá vai! Em torno angústias,
Clamores e lamentos;
Dentro a esperança, os cânticos,
A calma, a paz e o bem.
Cheio de amor, solícito,
O olhar da divindade,
Vela os escapos náufragos
Da imensa aluvião.
Assim, por sobre o túmulo
Da extinta humanidade
Salva-se um berço: o vínculo
Da nova criação.
Íris, da paz o núncio,
O núncio do concerto,
Riso do Eterno em júbilo,
Nuvens do céu rasgou;
E a pomba, a pomba mística,
Voltando ao lenho aberto,
Do arbusto da planície
Um ramo despencou.
Ao sol e às brisas tépidas
Respira a terra um hausto,
Viçam de novo as árvores,
Brota de novo a flor;
E ao som de nossos cânticos,
Ao fumo do holocausto
Desaparece a cólera
Do rosto do Senhor.
13. CLEÓPATRA
Filha pálida da noite,
Nume feroz de inclemência,
Sem culto nem reverência,
Nem crentes e nem altar,
A cujos pés descarnados...
A teus negros pés, ó morte!
Só enjeitados da sorte
Ousam frios implorar;
Toma a tua foice aguda,
A arma dos teus furores;
Venho c’roado de flores
Da vida entregar-te a flor;
É um feliz que te implora
Na madrugada da vida,
Uma cabeça perdida
E perdida por amor.
Era rainha e formosa,
Sobre cem povos reinava,
E tinha uma turba escrava
Dos mais poderosos reis;
Eu era apenas um servo,
Mas amava-a tanto, tanto,
Que nem tinha um desencanto
Nos seus desprezos cruéis.
Vivia distante dela
Sem falar-lhe nem ouvi-la;
Só me vingava em segui-la
Para a poder contemplar;
Era uma sombra calada
Que oculta força levava,
E no caminho a aguardava
Para saudá-la e passar.
Um dia veio ela às fontes
Ver os trabalhos... não pude,
Fraqueou minha virtude,
Caí-lhe tremendo aos pés.
Todo o amor que me devora,
Ó Vênus, o21 íntimo peito,
Falou naquele respeito,
Falou naquela mudez.
Só lhe conquistam amores
O herói, o bravo, o triunfante;
E que coroa radiante
Tinha eu para oferecer ?
Disse uma palavra apenas
Que um mundo inteiro continha:
— Sou um escravo, rainha,
Amo-te e quero morrer.
SimplicidadeReligiosidade Espaços Erotismo
14. E a nova Isis que o Egito
Adora curvo e humilhado
O pobre servo curvado
Olhou lânguida a sorrir;
Vi Cleópatra, a rainha,
Tremer pálida em meu seio;
Morte, foi-se-me o receio,
Aqui estou, podes ferir.
Vem! que as glórias insensatas
Das convulsões mais lascivas,
As fantasias mais vivas,
De mais febre e mais ardor,
Toda a ardente ebriedade
Dos seus reais pensamentos,
Tudo gozei uns momentos
Na minha noite de amor.
Pronto estou para a jornada
Da estância escura e escondida;
O sangue, o futuro, a vida
Dou-te, ó morte, e vou morrer;
Uma graça única – peço
Como última esperança:
Não me apagues a lembrança
Do amor que me fez viver.
Beleza completa e rara
Deram-lhe os numes amigos;
Escolhe dos teus castigos
O que infundir mais terror,
Mas por ela, só por ela
Seja o meu padecimento,
E tenha o intenso tormento
Na intensidade do amor.
Deixa alimentar teus corvos
Em minhas carnes rasgadas,
Venham rochas despenhadas
Sobre meu corpo rolar,
Mas não me tires dos lábios
Aquele nome adorado,
E ao meu olhar encantado
Deixa essa imagem ficar.
Posso sofrer os teus golpes
Sem murmurar da sentença;
A minha ventura é imensa
E foi em ti que eu a achei;
Mas não me apagues na fronte
Os sulcos quentes e vivos
Daqueles beijos lascivos
Que já me fizeram rei.
SimplicidadeReligiosidade Espaços Erotismo
15. QUINZE ANOS
Era uma pobre criança...
– Pobre criança, se o eras! –
Entre as quinze primaveras
De sua vida cansada
Nem uma flor de esperança
Abria a medo. Eram rosas
Que a doida da esperdiçada
Tão festivas, tão formosas,
Desfolhava pelo chão.
– Pobre criança, se o eras! –
Os carinhos mal gozados
Eram por todos comprados,
Que os afetos de sua alma
Havia-os levado à feira,
Onde vendera sem pena
Até a ilusão primeira
Do seu doido coração!
Pouco antes, a candura,
Co’as brancas asas abertas,
Em um berço de ventura
A criança acalentava
Na santa paz do Senhor;
Para acordá-la era cedo,
E a pobre ainda dormia
Naquele mudo segredo
Que só abre o seio um dia
Para dar entrada a amor.
Mas, por teu mal, acordaste!
Junto do berço passou-te
A festiva melodia
Da sedução... e acordou-te!
Colhendo as límpidas asas,
O anjo que te velava
Nas mãos trêmulas e frias
Fechou o rosto... chorava!
Mas, por teu mal, acordaste!
Junto do berço passou-te
A festiva melodia
Da sedução... e acordou-te!
Colhendo as límpidas asas,
O anjo que te velava
Nas mãos trêmulas e frias
Fechou o rosto... chorava!
Tu, na sede dos amores,
Colheste todas as flores
Que nas orlas do caminho
Foste encontrando ao passar;
Por elas, um só espinho
Não te feriu... vás andando...
Corre, criança, até quando
Fores forçada a parar!
SimplicidadeReligiosidade Espaços Erotismo
16. Então, desflorada a alma
De tanta ilusão, perdida
Aquela primeira calma
Do teu sono de pureza;
Esfolhadas, uma a uma,
Essas rosas de beleza
Que se esvaem como a escuma
Que a vaga cospe na praia
E que por si se desfaz;
Então, quando nos teus olhos
Uma lágrima buscares,
E secos, secos de febre,
Uma só não encontrares
Das que em meio das angústias
São um consolo e uma paz;
Então, quando o frio espectro
Do abandono e da penúria
Vier aos teus sofrimentos
Juntar a última injúria:
E que não vires ao lado
Um rosto, um olhar amigo
Daqueles que são agora
Os desvelados contigo;
Criança, verás o engano
E o erro dos sonhos teus;
E dirás, — então já tarde, —
Que por tais gozos não vale
Deixar os braços de Deus.
SimplicidadeReligiosidade Espaços Erotismo
17. Genialidade Poética
“Em Machado, o prosador e poeta se completam numa
originalíssima visão do mundo.
No entanto, alguns consagrados autores chegaram a afirmar
que o ficcionista dificilmente conseguiria elevar-se à categoria de
bom poeta. Manuel Bandeira e T.S. Eliot, por exemplo, manifestam-
se nesse sentido.
• Manuel Bandeira – ‘É um perigo para o poeta assinar-se
fortemente nos domínios da prova. Entra ele nesse caso numa
competência muito mais ingrata que a dos seus confrades: a
competência consigo próprio.’
• T. S. Eliot – ‘Quando um autor é conhecido principalmente como
ficcionista, somos inclinados a considerar seus versos uma
espécie de subproduto da prova.’” (LEAL, 2008, p.13)
20. UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
INTITUTO DE LETRAS
DEPARTAMENTO DE LETRAS CLÁSSICAS E VERNÁCULAS
DISCIPLINA: LITERATURA BRASILEIRA II
PROFESSORA: FLÁVIA AMPARO
Organizado por:
CLÁUDIO DE OLIVEIRA
LUDMILLA SANTOS
NAYANA DA CONCEIÇÃO
TALITA DUARTE