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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ
Marlus Vinicius Forigo
A REVISTA VEJA E A CONSTRUÇÃO DA IMAGEM PÚBLICA DE
LULA NAS ELEIÇÕES DE 1989: UM PROJETO NEOLIBERAL
Curitiba
2005
Marlus Vinicius Forigo
A REVISTA VEJA E A CONSTRUÇÃO DA IMAGEM PÚBLICA DE
LULA NAS ELEIÇÕES DE 1989: UM PROJETO NEOLIBERAL
Dissertação apresentada ao curso de Mestrado
em Comunicação e Linguagens da Faculdade de
Ciências Sociais Aplicadas da Universidade Tuiuti
do Paraná, como requisito parcial para a obtenção
do título de Mestre.
Orientadora: Profa. Dra. Kati Eliana Caetano.
Curitiba
2005
TERMO DE APROVAÇÃO
Marlus Vinicius Forigo
A REVISTA VEJA E A CONSTRUÇÃO DA IMAGEM PÚBLICA DE
LULA NAS ELEIÇÕES DE 1989: UM PROJETO NEOLIBERAL
Esta dissertação foi julgada e aprovada para a obtenção do título de Mestre em Comunicação e
Linguagens no Programa de Mestrado em Comunicação e Linguagens da Universidade Tuiuti do
Paraná.
Curitiba, 22 de setembro de 2005
________________________________________________________
Profa. Denize Correa Araújo, PhD
Mestrado em Comunicação e Linguagens
Universidade Tuiuti do Paraná
Orientadora: Profa. Dra. Kati Eliana Caetano
Universidade Tuiuti do Paraná
Profa. Dra. Claudia Irene de Quadros
Universidade Tuiuti do Paraná
Prof. Dr. Cláudio José Luchesa
Faculdades Integradas Curitiba
Agradecimentos
A melhor parte de mim, meus filhos
Camila, Eduardo e Carolina
A minha alma gêmea,
Eliane, pelo amor verdadeiro
A Leonildo e Thereza, meus pais,
que desde quando eu era criança,
nunca mediram esforços para fazer de mim
um homem honrado, culto e humanista
A minha orientadora,
Kati Caetano, que por minha causa,
e de outros como eu,
garantiu um lugar no céu
Mauro, Marcio, Ana, Angela, Cristina,
Dulce, Marina, Cacá, Carlos, Cidinha,
Randy, Magali,Fassina, Rocio,
Cláudia, Geraldo,
pessoas que de alguma forma,
grande ou pequena,
contribuíram com essa dissertação.
(espero não ter esquecido ninguém)
De tudo ficaram três coisas:
a certeza de que estamos sempre começando...
a certeza de que é preciso continuar...
a certeza de que seremos interrompidos antes de terminar...
PORTANTO DEVEMOS
fazer da interrupção um caminho novo...
da queda um passo de dança...
do medo, uma escada...
do sonho, uma ponte...
da procura...um encontro”
Fernando Sabino
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO .........................................................................................................8
1.1 A OPÇÃO PELA REVISTA VEJA......................................................................8
1.2 CORPUS: LULA E AS ELEIÇÕES DE 1989 PELA REVISTA VEJA ................9
1.3 A OPÇÃO POR MARX, ALTHUSSER E A SEMIÓTICA DE GREIMAS .........11
1.4 ORGANIZAÇÃO DA DISSERTAÇÃO..............................................................13
2 MEIOS DE COMUNICAÇÃO, IDEOLOGIA E APARELHOS IDEOLÓGICOS DE
ESTADO ...................................................................................................................15
2.1 IDEOLOGIA E COMUNICAÇÃO .....................................................................16
2.1.1 O materialismo dialético............................................................................16
2.1.2 O materialismo histórico............................................................................18
2.1.3 A infra-estrutura e a luta de classes..........................................................18
2.1.4 A superestrutura........................................................................................23
2.2 APARELHOS IDEOLÓGICOS DE ESTADO: A CONTRIBUIÇÃO DE
ALTHUSSER .........................................................................................................27
2.2.1 A reprodução das relações de produção...................................................28
2.2.2 Ideologia e luta de classes........................................................................34
2.2.3 Ideologia e comunicação...........................................................................35
3 CONTEXTO POLÍTICO-ECONÔMICO DAS ELEIÇÕES DE 1989: A CRISE DO
ESTADO-PROVIDÊNCIA E ASCENSÃO DO NEOLIBERALISMO .........................39
3.1 A GLOBALIZAÇÃO..........................................................................................39
3.2 O ESTADO DE BEM-ESTAR SOCIAL ............................................................40
3.3 A CRISE DO MODELO DE ESTADO DE BEM-ESTAR SOCIAL....................44
3.4 A SOLUÇÃO NEOLIBERAL ............................................................................45
3.5 O BRASIL NA CONJUNTURA DOS ANOS 80................................................49
4 A OPÇÃO PELA SEMIÓTICA GREIMASIANA.....................................................52
4.1 TEXTO SINCRÉTICO......................................................................................53
4.2 PLANO DO CONTEÚDO E PLANO DA EXPRESSÃO ...................................54
4.2.1 Plano do conteúdo ....................................................................................54
4.2.2 Percurso gerativo de sentido.....................................................................56
4.2.3 Plano da expressão...................................................................................60
5 ANÁLISE DAS CAPAS E REPORTAGENS DE VEJA .........................................62
5.1 EDIÇÃO 1074 – O TERREMOTO DA REFORMA SACODE O COMUNISMO63
5.1.1 Abaixo o comunismo em nome da liberdade ............................................65
5.1.2 Nível fundamental .....................................................................................66
5.1.3 Nível narrativo ...........................................................................................67
5.1.4 Nível discursivo .........................................................................................70
5.1.5 Iniciando a construção de uma imagem....................................................73
5.2 EDIÇÃO 1089 – A URSS ENFRENTA O SEU GRANDE DESAFIO ...............75
5.2.1 Disforia e não-disforia ou euforias x disforias?..........................................77
5.2.2 Nível narrativo ...........................................................................................80
5.2.3 Nível discursivo .........................................................................................81
5.3 EDIÇÃO 1095 - O Operário Vai a Luta ............................................................84
5.4 EDIÇÃO 1101 – A ESQUERDA SOBE............................................................87
5.5 EDIÇÃO 1105 - CHEGOU A HORA ................................................................91
5.5.1 Nível fundamental ....................................................................................91
5.5.2 Por um Brasil verde-amarelo....................................................................92
5.5.3 O sol nasce no ocidente............................................................................94
5.6 EDIÇÃO 1106 – PRESIDENTE COLLOR OU PRESIDENTE LULA................95
5.7 EDIÇÃO 1107 – LULA E O CAPITALISMO.....................................................98
5.8 EDIÇÃO 1109 – A BATALHA FINAL PARA MUDAR O BRASIL ...................101
5.8.1 Nível fundamental ..................................................................................101
5.8.2 Estruturas narrativas ..............................................................................104
5.8.3 Estruturas discursivas ............................................................................105
5.9 AS TRÊS FACES DO CANDIDATO OPERÁRIO ..........................................109
5.9.1 Um operário de hábitos humildes e grosseiros: o conto do torneiro
borralheiro........................................................................................................110
5.9.2 Lula, o pt e as esquerdas: a marca do anacronismo...............................114
5.9.3 A ameaça comunista...............................................................................120
6 CONCLUSÃO ......................................................................................................124
6.1 QUE TIPO DE IMAGEM A REVISTA VEJA CONSTRUIU DO POLÍTICO LUIZ
INÁCIO LULA DA SILVA, E AO CONSTRUÍ-LA, DE QUE MANEIRA TENTOU
INTERFERIR NO PROCESSO DE ESCOLHA DO ELEITOR?...........................125
6.2 QUAIS AS ESTRATÉGIAS UTILIZADAS? ....................................................126
6.3 DE QUAIS INTERESSES E IDÉIAS VEJA É PARTÍCIPE?...........................128
GLOSSÁRIO...........................................................................................................129
REFERÊNCIAS.......................................................................................................131
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA ............................................................................135
RESUMO
A dissertação é uma análise da articulação dos componentes verbais e não verbais
dos discursos relacionados à candidatura de Lula, nas eleições presidenciais de
1989, constituídos pelas capas e reportagens da revista Veja. O objetivo é desvelar
o papel ideológico exercido pela revista Veja, na implementação do modelo
neoliberal no país, tendo em vista que, debates sobre a crise do modelo socialista,
sobre o fim do modelo de Estado de Bem-Estar Social, e do perigo “vermelho” e
estatizante que ainda pairava sobre a sociedade brasileira, deram a tônica às capas
e reportagens de Veja. O corpus de análise compreende oito edições publicadas em
1989, que serão examinadas na sua relação intertextual e inseridas no contexto
político-ideológico dos anos 80. Para a análise do papel da revista no quadro da
sociedade brasileira, recorre-se a abordagens teóricas que dêem conta não só do
contexto sócio-histórico e econômico do país, como também da compreensão das
mídias na formação de valores ideológicos e de uma economia política da
comunicação. Para a análise do corpus, teorias de análise da imagem e de textos
sincréticos são utilizadas para o exame do modo de funcionamento dos discursos e
de seus efeitos de sentido.
Palavras chave: Revista Veja, sincretismo, capas de revista, imagem, texto e
contexto.
RESUMÉ
L’étude présente est une analyse de l’articulation des éléments verbaux et non
verbaux des discours proférés pendant la candidature aux élections à la presidence
du candidat Lula, pendant la campagne de 1989, qui ont fait l’objet de reportages du
périodique Veja. L’objet principal de cette analyse est d’éclaircir le rôle idéologique
joué par le périodique Veja dans l’implantation du modèle néo-libéral au Brésil, en
prenant en compte les débats à propos de la crise du modèle socialiste, à propos de
l’État du Bien Être-Social et du danger « rouge » et étatique qui menaçaient la
société brésilienne et qui, pendant cette période, constituaient les premières pages
et les reportages de Veja.
Le corpus de l’analyse comprend huit exemplaires publiés en 1989, qui sont
examinés dans une relation interposée et dans un contexte politique-idéologique des
années 80. Pour l’analyse du rôle du périodique dans le cadre de la société
brésilienne, nous avons pris en considération les abordages théoriques qui font
étude non seulement du contexte socio-historique et économique du pays, mais
aussi la compréhension des rôles des médias dans la formation des valeurs
idéologiques aussi bien que d’une économie politique de la communication.
Finalement, pour la démonstration du corpus sont utilises des théories d’analyses et
d’images et textes syncrétiques pour mieux comprendre le mode de fonctionnement
des discours et leurs possibles effets de sens/signification.
Mots clés: Périodique Veja, syncrétisme, première-page de magazine et périodique,
image, texte et contexte.
8
1 INTRODUÇÃO
1.1 A OPÇÃO PELA REVISTA VEJA
A revista Veja, do grupo Abril, é um produto que pode ser adquirido de duas
formas: por assinatura ou pela compra de exemplares avulsos em banquinhas de
jornal e supermercados. Como qualquer outro produto, para sair da prateleira, deve
despertar algum tipo de interesse, necessidade ou desejo nos possíveis
compradores. A idéia de estudar como o candidato Lula foi retratado, durante as
eleições de 1989, pelas capas e reportagens da revista Veja, poderia ter surgido da
pergunta: o que leva alguém a gastar R$ 7,30 (sete reais e trinta centavos)1
, pelo
exemplar de uma revista? Informação é a resposta. Informação é o produto
encontrado nas páginas de Veja.
Apesar de tratar de variedades como saúde, livros, cinema, e
comportamento, dentre outros assuntos, a vocação da revista é oferecer informação
jornalística de cunho político e econômico para um público não especializado,
formado principalmente pela classe média brasileira, uma vez que a maioria dos
brasileiros, pelo baixo poder aquisitivo, não pode se dar ao luxo de trocar uma
refeição por páginas repletas de imagens coloridas e reportagens.
Sem a intenção de discorrer sobre o mérito, a camada social à que Veja se
dirige, é conhecida como formadora de opinião pública. Indiferente a isso, o fato é
que, quem a compra, busca informação, e a principal informação veiculada por Veja,
diz respeito à vida política e econômica do país.
1
Valor atualizado do exemplar avulso.
9
Em 1989, aconteceram as primeiras eleições para presidente depois de
décadas de ditadura militar; um acontecimento imprescindível para a consolidação
da democracia no Brasil e para os rumos que tomaria a sociedade brasileira. Um
evento dessa relevância não poderia ocupar um papel secundário nas páginas da
revista jornalística de maior circulação e tiragem até hoje no país. Desde 1995 são
impressos mais de 1 milhão de exemplares semanalmente (HERNANDES, 2001, p.
8). Não só os números são impressionantes, mas pensar que em suas páginas, em
razão do produto que vende, é possível encontrar uma direção para as ações
cidadãs da sociedade brasileira, é conclusivo que, se a revista não é um poder por si
mesma, no mínimo toma parte do jogo de forças ideológico que permeia a vida
política.
Pesquisar e desvelar a posição de Veja em relação às eleições de 1989, e
explicar o processo da construção de sentido dos seus textos, por meio da interação
entre linguagem verbal e não-verbal, se tornou um desafio cientificamente tentador.
1.2 CORPUS: LULA E AS ELEIÇÕES DE 1989 PELA REVISTA VEJA
Toda pesquisa implica escolhas e recortes, e o desta dissertação está
relacionado a três indagações:
 Que tipo de imagem a revista Veja construiu do político Luiz Inácio Lula da
Silva, e ao construí-la, de que maneira tentou interferir no processo de
escolha do eleitor?
 Quais as estratégias utilizadas?
 De quais interesses e idéias Veja é partícipe?
10
Para dar conta dessas perguntas foram escolhidos oito exemplares da
revista, das quais se fez a análise dos elementos verbais e não-verbais de suas
capas, além de 26 reportagens, ensaios e entrevistas das respectivas edições.
As edições escolhidas para a análise e manchetes de capa são:
1ª - Edição 1074, de 05/04/89 – “O terremoto da reforma sacode o
comunismo: o vento da liberdade que varre a Europa do Leste”;
2ª - Edição 1089, de 26/07/89 – “A URSS enfrenta o seu grande desafio”;
3ª - Edição 1095, de 06/09/89 – “O candidato operário: a dura jornada de
Lula na sucessão”;
4ª - Edição 1101, de 18/10/89 – “A esquerda sobe: Lula encosta em Brizola
e entra na briga pelo segundo turno”;
5ª - Edição 1105, de 15/11/89 – “Chegou a Hora!”
6ª - Edição 1106, de 22/11/89 – “Presidente Collor ou Presidente Lula”;
7ª - Edição 1107, de 29/11/89 – “Lula e o capitalismo: as mudanças que o
PT promete dividem o Brasil”;
8ª - Edição 1109, de 13/12/89 – “A batalha final para mudar o Brasil: o que
pode ocorrer no país com Lula ou com Collor”.
As edições trazem reportagens que discutem as reformas políticas no Leste
europeu, o papel do Estado na economia, a crise dos modelos intervencionistas de
Estado, a vitória da democracia liberal, o comunismo, a economia de mercado, as
ideologias políticas e econômicas e os programas de governo dos candidatos à
presidência da República.
Para fazer o recorte da pesquisa e a seleção dos exemplares para a análise,
levou-se em consideração o contexto global da crise do modelo de Estado de Bem-
11
Estar Social e do socialismo, afinal essa foi a temática que mais se fez presente nas
reportagens sobre o processo eleitoral brasileiro.
O ponto de partida para as análises foram as capas das revistas e levaram
em consideração os elementos verbais (parte escrita) e não-verbais (imagens,
diagramação, cores, etc). As análises não se restringiram às capas, mas se
estenderam às reportagens, entrevistas e ensaios que de alguma maneira se
relacionaram às eleições.
Apesar desse recorte, houve a necessidade de se delimitar ainda mais o
objeto de estudo. Como as eleições foram pautadas pelo debate entre esquerda e
direita, fez-se a opção por demonstrar os sentidos dos textos de Veja a partir da
construção da imagem do candidato Lula, que se depreende de suas páginas. Essa
escolha se deu pelo fato de Lula ser um forte concorrente de esquerda ao Planalto.
O que vai ser demonstrado ao longo dessa dissertação é que Veja adotou
construir como estratégia, um sentido positivo para as propostas neoliberais a partir
de um antidiscurso socialista feito sobre o candidato Lula.
Em defesa dos valores do capital, Veja combateu qualquer ideologia ou
inimigo em potencial da reestruturação do capitalismo. As eleições para presidente
de 1989 podiam colocar o Brasil nos trilhos do modelo neoliberal ou criar obstáculos,
caso houvesse uma vitória do PT ou do PDT.
1.3 A OPÇÃO POR MARX, ALTHUSSER E A SEMIÓTICA DE
GREIMAS
Como já afirmado, as eleições presidenciais de 1989, foram marcadas pelo
debate ideológico entre esquerda e direita e realizados à luz da crise do Estado e do
12
modelo socialista. Sendo a revista Veja uma empresa de capital privado, é difícil
imaginar que ela tenha sido imparcial e se colocasse acima do jogo de forças que
caracteriza a política. Como se demonstrará nessa dissertação, a revista Veja
intercedeu nas eleições de 1989, em favor do grande capital nacional e
internacional.
Em regimes autoritários a sociedade é coagida pela força das armas, mas
numa sociedade democrática essa dominação não pode ser sob a forma da coerção
física, e sim por meio de uma manipulação sutil e discreta da consciência social.
Marx, no século XIX, afirmava que toda sociedade se assenta sob uma
determinada infra-estrutura econômica e que a essa corresponde uma determinada
superestrutura ideológica, cuja função é legitimar ideologicamente as relações de
dominação existentes na base econômica. Louis Althusser retoma a questão da
ideologia sob a forma de mecanismos voltados para fins de dominação ideológica,
os aparelhos ideológicos de Estado e Veja atuou como aparelho ideológico à serviço
do capital.
Se um texto, verbal ou não-verbal, está a serviço de uma ideologia é
necessário um instrumento para realizar a análise desse texto. Um instrumento que
ajude a revelar como se produz o sentido de um texto e que sentido é este. Segundo
Greimas, a semiótica é uma disciplina ancilar à área de humanas, e nessa
perspectiva é que instrumentos da semiótica greimasiana serão utilizados para
revelar os sentidos do discurso de Veja. Segundo Hernandes (2001, p. 11) a teoria
(semiótica) “permite examinar o texto como objeto de comunicação entre sujeitos e
também como objeto de significação. Torna possível, em outras palavras uma
análise interna, ou estrutural, e uma externa, que examina o texto como objeto
13
cultural, inserido numa sociedade de classes e construído em função de uma série
de coerções, tanto ideológicas como de formato da própria mídia”.
1.4 ORGANIZAÇÃO DA DISSERTAÇÃO
Além da introdução e da conclusão, o trabalho foi dividido em quatro partes:
No capítulo 2 – MEIOS DE COMUNICAÇÃO, IDEOLOGIA E APARELHOS
IDEOLÓGICOS DE ESTADO – é feita uma apresentação da contribuição teórica de
Marx, acerca do materialismo dialético e histórico, e sobre a ideologia e sobre os
aparelhos ideológicos de Estado de Althusser.
Soma-se a essa discussão as contribuições de autores como Bernardo
Kucinski, Nelson Werneck Sodré, Maria Lília D. de Castro, César R. S. Bolaño e
Antônio Albino C. Rubim.
O objetivo desse capítulo é discutir o que é ideologia, o seu papel na
sociedade de classes e de construir pressupostos que permitam compreender como
um veículo de comunicação pode reproduzir ideologicamente as relações de
dominação existentes nas relações de produção.
No capítulo 3 - CONTEXTO POLÍTICO-ECONÔMICO DAS ELEIÇÕES DE
1989: A CRISE DO ESTADO-PROVIDÊNCIA E ASCENSÃO DO
NEOLIBERALISMO - é feita a contextualização histórica do período em que
ocorrem as eleições de 1989.
As eleições ocorreram em meio a crise do modelo de Estado de Bem-Estar
Social, da queda dos regimes socialistas no Leste da Europa e da ascensão do
neoliberalismo. Esses acontecimentos internacionais pautaram a discussão sobre o
14
modelo de Estado e rumos econômicos que o Brasil deveria tomar, e o momento
dessa escolha eram as eleições.
No capítulo 4 - A OPÇÃO PELA SEMIÓTICA GREIMASIANA – será feita
uma breve explanação da semiótica greimasiana. O objetivo é inserir o leitor em
alguns dos principais conceitos e procedimentos da semiótica, enquanto instrumento
de análise do texto.
No capítulo 5 - ANÁLISE DAS CAPAS E REPORTAGENS DE VEJA - é
demonstrada a existência de um discurso, que em seu conteúdo estão presentes
valores pertencentes a uma classe dominante. Este discurso é produzido na relação
dialogal entre os vários textos, sejam verbais ou não-verbais, difuso capilarmente
pelas várias edições analisadas, cujo objetivo é induzir o leitor da revista a não votar
em Lula, por ser um candidato incapaz, de esquerda, e de partilhar de idéias
retrógradas e decadentes.
15
2 MEIOS DE COMUNICAÇÃO, IDEOLOGIA E APARELHOS
IDEOLÓGICOS DE ESTADO
Não se pode atribuir aos meios de comunicação a responsabilidade por tudo
o que as pessoas pensam, imaginam, desejam ou como conduzem sua vida
cotidiana. Mas é inegável que em boa parte de suas vidas, elas são espectadoras de
programas televisivos, ouvintes de rádio, freqüentadores de sites e leitores de
revistas e jornais e que, não raras vezes, os têm como referência da realidade
política, econômica e social constituindo-os como suporte do seu imaginário. Os
meios de comunicação, principalmente a partir da modernidade, com a invenção dos
tipos móveis, tornaram-se se não o principal, mas um importante meio de difusão de
idéias, valores e comportamentos.
Esse é o caso da revista Veja, e o propósito desta exposição é demonstrar o
que essa revista diz, enquanto texto sincrético, e como o faz para dizê-lo.
Partindo do pressuposto de que como meio midiático Veja é capaz de, em
determinados momentos da vida, influir nas ações humanas, seria o caso de explicar
como faz isso e quais as estratégias empregadas.
O caminho escolhido para verificar essa possibilidade busca um respaldo
teórico para explicar como Veja se constitui em um instrumento ideológico.
Esclarecer o que é Ideologia, situá-la dentro de uma determinada construção teórica,
nesse caso, a de Marx, por este entender que a ideologia é uma construção social
de uma classe dominante, com a intenção de preservar seus interesses, ocultando
as condições de exploração que impõe à classe dominada, para em seguida,
desvelar pela análise dos sentidos, posturas ideológicas comprometidas com
interesses relacionados a determinadas conjunturas históricas, a partir de uma
16
análise da articulação dos componentes verbais e não-verbais dos discursos
relacionados à candidatura de Lula, veiculados pela revista Veja.
2.1 IDEOLOGIA E COMUNICAÇÃO
O conceito de ideologia foi inicialmente empregado por Karl Marx em seu
trabalho de análise e de crítica ao sistema capitalista do século XIX, e sua função é
legitimar o poder da classe dominante sobre o conjunto da sociedade. Apesar de o
conceito possuir diferentes definições, será empregado o que está presente no livro
“A Ideologia Alemã” (1999): toda forma de pensamento e de representação presente
em um determinado modo de produção.
Para se compreender como se dá a dominação de uma classe sobre outra e
a origem da ideologia, é necessário avançar em alguns aspectos do pensamento
marxista, por serem resultantes de uma determinada formação econômica.
2.1.1 O materialismo dialético
Ao contrário de Friedrich Hegel que afirmava serem as contradições do
espírito o motor da história, para Marx não são as idéias que movem o mundo, mas
sim, as contradições presentes nas relações de produção, e mais, são as idéias que
derivam das condições materiais de produção e reprodução da existência, o que
significa dizer que a matéria é o dado primário, do qual derivam as idéias, ou nas
palavras do próprio Marx (1999, p. 37): “não é a consciência que determina a vida,
mas a vida que determina a consciência”.
Tal como os indivíduos manifestam sua vida, assim são eles. O que eles
são coincide, portanto, com sua produção, tanto com o que produzem como
17
com o modo como produzem. O que os indivíduos são, portanto, depende
das condições materiais de sua produção (MARX, 1999, p. 28).
Para Nelson Werneck Sodré (1999), por exemplo, existe uma relação
dialética entre a imprensa e o capitalismo facilmente perceptível pela tendência de
uniformidade, mas por outro lado, essa mesma imprensa que é capaz de levar os
homens à uniformidade de valores éticos e culturais, exercendo até certo ponto um
papel importante na formação da consciência social, é em última instância,
profundamente influenciada pela lógica do desenvolvimento das forças produtivas.
No caso das sociedades capitalistas, as condições materiais de existência,
trazem um apelo à padronização de valores, repassada pelos meios de
comunicação. Essa padronização dispensa a consciência individual em prol do
inconsciente coletivo.
São as condições materiais preponderando sobre valores éticos, espirituais
ou relacionais. Sodré (apesar de que toda época possui suas contradições), conclui
que:
Houve um tempo, como na Idade Média, em que não se trocava senão o
supérfluo, o excedente da produção sobre o consumo. Houve, também,
tempo em que não somente o supérfluo, mas todos os produtos, toda a
existência industrial, passaram ao comércio, em que a produção inteira
dependia da troca. Veio, finalmente, tempo em que tudo o que os homens
tinham visto como inalienável tornou-se objeto de troca, de tráfico, e podia
ser alienado. Este foi o tempo em que as próprias coisas que, até então,
eram transmitidas, mas jamais compradas — virtude, amor, opinião, ciência,
consciência, etc. — em que tudo, enfim, passou ao comércio. Esse foi o
tempo da corrupção geral, da venalidade universal ou, para falar em termos
de Economia Política, o tempo em que tudo, moral ou físico, tornando-se
valor venal, é levado ao mercado para ser apreciado no justo valor (SODRÉ,
1999, p. 8).
E esse é o tempo ou a época da revista Veja.
18
2.1.2 O materialismo histórico
Para Sodré (1999), a influência dos anunciantes foi ganhando cada vez mais
espaço, em detrimento do leitor2
, configurando a imprensa como parte da
superestrutura econômica que tomou conta da sociedade.
Superestrutura econômica é um conceito de materialismo histórico. É um
método de análise utilizado para a compreensão da história, desenvolvido por Marx
com a intenção de entender o capitalismo no século XIX. É a aplicação do
materialismo dialético ao estudo da História.
Marx desenvolveu o materialismo histórico para explicar as formas como os
homens, independente da época e do lugar, organizaram-se e organizam-se para
produzir o que necessitam para sua sobrevivência. Quer dizer, explica-se a história
pelos fatores econômicos e técnicos (ARANHA; MARTINS, 1993). A essas
diferentes formas de organização Marx chama de modos de produção e estes se
estruturam em níveis: infra-estrutura e superestrutura. Para Marx, um modo de
produção ou o modelo infra-estrutural é a base econômica sob a qual se erguerá e
se determinará a superestrutura.
2.1.3 A infra-estrutura e a luta de classes
A infra-estrutura é explicada como o nível da base econômica e dele fazem
parte as relações que o homem estabelece com a natureza visando à reprodução da
existência e se dá pela mediação do trabalho. Para trabalhar e garantir a existência
também são necessárias e fazem parte da infra-estrutura as relações dos homens
2
Pode-se substituir atualmente por espectador, ouvinte ou navegador.
19
entre si, ou melhor, a forma como os homens se organizam para produzir os bens
necessários à existência. No sistema capitalista, essas relações são entre
proprietários dos bens de produção (exploradores) e os não proprietários
(explorados) e também com os meios e os objetos de trabalho. No modo de
produção capitalista, a relação entre burguesia e proletariado (proprietários e não
proprietários respectivamente), vai compor o que Marx vai chamar de lutas de
classes. Para Marx, a história de todas as sociedades existentes até hoje tem sido a
história das lutas de classes.
Homem livre e escravo, patrício e plebeu, senhor e servo, membros da
corporação e aprendiz, em suma, opressores e oprimidos, estiveram em
constante antagonismo entre si, travaram uma luta ininterrupta, umas vezes
oculta, outras aberta, uma luta que acabou sempre com uma transformação
revolucionária de toda a sociedade inteira ou com o declínio comum das
classes em luta (MARX, 1998, p. 68).
Porém, nem sempre a luta de classes existiu. Nas comunidades primitivas
as forças produtivas3
ou condições materiais de produção eram atrasadas,
inexistindo classes sociais, propriedade privada e produção de excedentes4
. Eram
comunidades nômades, que, com o desenvolvimento das forças produtivas
caracterizadas pelo processo de domesticação de animais, do desenvolvimento de
instrumentos de trabalho e da descoberta da agricultura, foram se tornando
sedentárias. Com a sedentarização e o desenvolvimento incessante das forças
produtivas, foi surgindo a noção de propriedade privada, do planejamento da
produção e da distribuição de excedentes, e conseqüentemente da divisão do
trabalho que dará origem à divisão da sociedade em classes. O escravismo surge
como conseqüência do desenvolvimento das forças produtivas. Era uma nova força
3
Segundo Cristina Costa (1997, p. 91) implicam o “conjunto de forças naturais já transformadas e
adaptadas pelo homem, como ferramentas ou máquinas, utilizadas segundo uma orientação técnica
específica. E o próprio homem que [...] é o principal elemento das forças produtivas, uma vez que é o
responsável por fazer a ligação entre a natureza e a técnica e os instrumentos”.
4
Ou sistema comunal primitivo. Basicamente essas comunidades viviam da caça e da coleta de
alimentos.
20
de trabalho que permitia o acúmulo de riquezas. O desenvolvimento das forças
produtivas e a produção de excedentes acabaram por produzir a exploração do
homem pelo homem.
De acordo com Georges Politzer (1993), a sociedade de classes transformou
profundamente a psicologia do homem. Por isso, o autor dá razão a Rousseau que
responsabilizou a sociedade pela corrupção da natureza humana. A partir da
exploração do homem pelo homem, este foi impedido de dispor do fruto do seu
próprio trabalho, sendo separado de sua obra. O explorador apropriou-se do seu
trabalho, alienando-o. A conseqüência é que, tendo sido separado do seu trabalho, o
homem separou-se de si próprio. De acordo com o autor, a atividade produtora e a
iniciativa criadora perfazem a natureza humana, sendo essa natureza que o
distingue do animal. Ao mesmo tempo em que o trabalhador-explorado é despojado
do produto do seu trabalho, o explorador apropria-se do que não produziu. Com
isso, mutila-se a consciência do explorado por não poder realizar seus fins
livremente. Mas a consciência do explorador também se encontra separada de si
própria, porque se acostumou com a mentira. Assim, a consciência de ambos reflete,
cada qual a seu modo, a exploração.
Para Marx, só é possível compreender o funcionamento e a forma de
organização de uma sociedade, a partir do estudo dos modos de produção. Além do
modo de produção citado, o sistema comunal primitivo, Marx identificou outros mais.
São eles: o asiático, o de produção antigo ou escravista, o germânico, o feudal e o
modo de produção capitalista (COSTA, 1997, p. 92), que é o contexto histórico no
qual se encontra o corpus desta dissertação.
A partir do surgimento da sociedade de classes, independente do modo de
produção específico, a luta de classes tem sido o motor da história e assim o é ainda
21
hoje, na atual fase do modo de produção capitalista. É importante ressaltar que essa
luta entre classe dominante e classe dominada, ou especificamente, no caso do
capitalismo, o confronto entre a classe burguesa e a classe proletária, não se dá
somente no nível econômico, ou infra-estrutural, mas também no nível das idéias, ou
no plano ideológico.
O surgimento da imprensa veio contribuir para a disseminação das idéias, no
plano ideológico. Nascendo com o capitalismo e acompanhando o seu
desenvolvimento, tornou-se facilmente um instrumento da classe dominante. As
empresas jornalísticas ganhavam proporções semelhantes a qualquer outra
empresa capitalista, fato impulsionado pelo avanço do rádio e da televisão, gerando
um conglomerado empresarial capitalista que agrupou a imprensa falada e a escrita.
Com essa caracterização, predomina na imprensa o aspecto privado
(capitalista), persistindo o confronto entre as classes. Numa empresa jornalística, a
convicção de Sodré (1999), é de que existem pelo menos três classes sociais: os
proprietários (capitalistas); os intelectuais (classe média è às vezes burguesa) e os
operários (proletariado), cujos interesses são contraditórios. Quase sempre
prevalece a lei do mais forte, isto é, dos proprietários dos jornais, facilitando então, a
propagação dos ideais burgueses, e caracterizando a mesma luta de classes que se
dá em outro tipo de empresa.
Já para Maria Lília Dias de Castro (2000, p. 276):
O traço burguês da empresa é facilmente perceptível, aliás, nas campanhas
políticas, quando acompanha as correntes mais avançadas, e em particular
nos episódios mais críticos, os das sucessões. O problema, cuja
complexidade é indiscutível, revela-se, assim, na questão política sempre
séria que é a sucessão dos chefes de Estado...
Bernardo Kucinski (1996), concorda com a idéia de que a imprensa
colaborou com a implantação do projeto neoliberal, em especial na campanha pelas
privatizações. A imprensa esteve a favor da ideologia do Estado, apesar de a
22
sociedade civil estar dividida. Esses fatos vão ao encontro das idéias de Marx, pois
conforme Kucinski (1996, p. 184), “por ser exercido por uma elite intelectual e por
seu papel decisivo na criação de expectativas e no jogo do poder, o jornalismo é
muito condicionado pelas assimetrias que caracterizam as democracias liberais...”
Faz-se mister acrescentar que os proprietários estão sempre correndo atrás
de mais lucros e, para isso, abrem seus jornais ou revistas à publicidade. Isso pode
facilmente ser percebido ao se folhear a revista Veja. Sodré (1999, p. 3), registra que
esse fato vem ocorrendo desde a ascensão da imprensa e do capitalismo, numa
comprovação ostensiva “... das ligações entre a imprensa e as demais formas de
produção de mercadorias”. Citando um exemplo, ao relatar o histórico da imprensa
norte-americana, o autor diz que na primeira metade do século XIX, um dos jornais
nascidos quatro anos antes, já atingia a casa dos 30.000 mil exemplares, mesmo
tendo dobrado o tamanho das páginas. Isso para acomodar os anúncios cujo afluxo
crescia sempre.
Assim, segundo Sodré (1999), não é a verdade dos fatos o que mais lhes
interessa, tampouco o leitor que compra a notícia, mas o que a revista vai render em
publicidade. E ainda, por depender também do poder público, no que diz respeito ao
fornecimento de máquinas, papel e até empréstimos financeiros, ficam à mercê do
setor, perdendo uma parcela significativa de sua autonomia. Sendo assim, apesar
de os jornalistas proclamarem independência e objetividade em suas matérias, na
cobertura dos acontecimentos, persiste o “oficialismo”, principalmente aquele que
tem por protagonista o próprio Estado a serviço do capital.
23
2.1.4 A superestrutura
A superestrutura ou nível político-ideológico é formado por uma
superestrutura jurídico-política, que existe na esfera do Estado e do direito, e pela
superestrutura ideológica e diz respeito às diferentes formas da consciência social,
presentes na religião, nas leis, na escola, na cultura, nas ciências, e nos valores. Da
mesma maneira que ocorre uma subordinação dos não-proprietários aos
proprietários no nível infraestrutural (exploração do trabalho), também ocorre uma
subordinação no nível superestrutural, pois, a superestrutura reflete as idéias e
valores dos proprietários ou da classe dominante. Por superestrutura entendam-se
todas as idéias e instituições que refletem as relações de produção dominantes,
sendo elas também dominantes (POLITZER; BESSE; CAVEING, 1993)5
. E ainda
segundo os autores:
Sendo as idéias parte integrante da superestrutura, e em sendo esta
determinada pela infra-estrutura, o seu conteúdo não passa de um reflexo
da realidade objetiva da sociedade, não possuindo gênese própria e
independência:... a moral, a religião, a metafísica e todo o restante da
ideologia, bem como as formas de consciência a elas correspondentes
perdem logo toda aparência de autonomia. Não têm história, não têm
desenvolvimento; ao contrário, são os homens que, desenvolvendo sua
produção material e suas relações materiais, transformam com a realidade
que lhes é própria, seu pensamento e também os produtos do seu
pensamento. Não é a consciência que determina a vida, mas sim a vida que
determina a consciência (POLITZER; BESSE; CAVEING, 1993, p. 19-20).
Qual seria então a razão de existir da superestrutura, e mais
especificamente da superestrutura ideológica? A resposta é: a manutenção das
relações de dominação presentes na infra-estrutura, legitimando-a e justificando-a,
além de criar dificuldades para o surgimento e propagação de qualquer idéia que
venha a colocar em risco o seu status quo. A ideologia não pode, portanto, ser
5
Por exigência de Guy Besse e Maurice Caveing o nome do mestre Georges Politzer deveria vir na
frente. Ambos eram alunos de Politzer e a obra que leva o nome dos três é o resultado da compilação
das aulas e cursos ministrados por Politzer.
24
compreendida e nem explicada fora de sua relação com a infra-estrutura econômica.
Marx e Engels (apud POLITZER; BESSE; CAVEING, 1993), exemplificam esse fato
ao falar do dogma calvinista. Para eles, tal dogma correspondia às exigências da
mais avançada burguesia da época. O êxito ou o fracasso da atividade do mundo
comercial correspondia a um desígnio de natureza religiosa, verificada pela doutrina
da predestinação. Não dependia, portando da habilidade humana ou das
circunstâncias que, por sua vez, também não dependiam da vontade, nem da ação
humanas, mas de forças econômicas superiores e desconhecidas.
A idéia da predestinação justifica e legitima os efeitos indesejados da livre
concorrência que estão num plano puramente material transpondo-os para o plano
do sagrado, da onisciência e dos desígnios de Deus, mascarando, desta feita, e
transformando em realidade imutável algo objetivamente positivo, ou seja,
econômico. Isto colocado de uma maneira simplista e desconsiderando tudo o que
depende das circunstâncias variáveis da época e do meio, seria o mesmo que dizer
que se uma pessoa nasce numa sociedade capitalista pensará como um capitalista,
sendo ou não um capitalista. Este terá desejo de ascensão social, será muito
provavelmente individualista e egoísta e motivado por um desejo de consumo não
raras vezes inconsciente. Agora, se essa mesma pessoa nasce numa sociedade
cujo modo de produção é o feudal, dificilmente seria motivado pelo desejo de
consumir, não que esse não existisse, mas não com a mesma força e determinismo
que existe numa sociedade capitalista, haja vista que numa sociedade
essencialmente agrária não há muito para ser consumido. Também não teria desejo
de ascender socialmente, pois na Idade Média, não existia essa possibilidade,
porque ser senhor feudal ou camponês era condição de nascimento, inexistindo
qualquer possibilidade de mobilidade e ascensão social. Ainda mais, havia pouco
25
espaço para o individualismo devido ao fato de a produção depender do esforço
coletivo. Fazendo uso de uma expressão, novamente simplista, mas, perfeitamente
cabível, seria o mesmo que dizer que o homem é fruto do meio, entendendo-se por
meio, a forma pela qual os homens produzem os bens necessários à sua existência.
O mesmo pode ser aplicado ao jornalismo da atualidade. Pertencendo a
uma sociedade cujos valores são eminentemente capitalistas, a economia
torna-se o centro da temática, para a qual utilizam, segundo Kucinscki (1996, p.
187), o pensamento neoliberal, mas de “... forma simplista, para justificar a tese de
que preocupações éticas com a distribuição de renda não só nada têm a ver com a
teoria econômica, como levam ao efeito contrário. Por essa tese só uma economia
na qual os empresários tenham a total liberdade de ação produz bons resultados”.
Nessa linha de pensamento, o autor complementa a idéia dizendo que a
ideologia do livre mercado, em suas várias manifestações (desde o marginalismo até
o neoliberalismo) fez com que o homem escolhesse o capital, em detrimento dele
próprio, como sujeito de suas histórias e objeto de suas preocupações. Nega-se o
social, prefere-se o capital ao homem, sob a égide de teorias econômicas e
neoliberais desumanizantes (KUCINSKI, 1996).
Feitas essas considerações, pergunta-se: como exatamente se produz a
ideologia na infra-estrutura? Para Marx, com o surgimento da propriedade surge
também a luta de classes, dominantes (proprietários dos bens de produção) e
dominados (portadores da força de trabalho), e é nesta relação principalmente, não
a única6
, que a ideologia ganha existência material, uma vez que sua existência
emana dos interesses da classe beneficiária de um determinado modo de produção.
6
Seria anti-dialético supor a impossibilidade do surgimento de premissas ideológicas de outras
instâncias fora da relação entre dominantes e dominados. A malfadada experiência soviética foi bem
um exemplo da ideologia surgida dentro da esfera do Estado, em uma sociedade sem classes. O
culto a personalidade, no caso de Stálin foi uma situação exemplar.
26
A classe dominante de um determinado período histórico apresenta valores,
crenças, idéias, representações e verdades e por um processo de generalização
estende-se a toda a sociedade, apresentando-se como verdades universais e
eternas. Apresenta seus interesses particulares como interesses de todo o conjunto
social. Assim, a propriedade privada e a liberdade, por exemplo, são apresentadas
como valores universais e eternos, tendo sua legitimidade por si mesmas, quando na
realidade, são resultados de determinadas organizações produtivas e interessantes
somente a uma minoria que usufrui os benefícios advindos dessas instituições e que
se dão às custas da exploração do trabalho alheio. Marx demonstra isso no livro “A
Questão Judaica” (2000) quando discute a afirmação presente na constituição
francesa de que todos os homens são iguais perante a lei garantindo-se a todos a
liberdade, a segurança e a propriedade. Já afirmava Montesquieu, no século XVIII,
em o “O Espírito das Leis”, que as leis afirmam não a igualdade entre os homens,
mas sua desigualdade, e que elas só afirmariam a igualdade se os homens fossem
socialmente iguais. Em Marx isso não é diferente, uma vez que segundo ele a
liberdade não é outra coisa senão o direito de desfrutar de seus bens da forma que
lhe convier, independente de qualquer função social que estes possam ter, ou seja,
[...] a liberdade individual e esta aplicação sua constituem o fundamento da
sociedade burguesa. Sociedade que faz com que todo homem encontre
noutros homens não a realização de sua liberdade, mas, pelo contrário, a
limitação desta (MARX, 2000, p. 36).
As leis dizem coisas diferentes para homens socialmente diferentes apesar
de aparentemente estarem dizendo o mesmo para todos. As leis garantem a
propriedade para quem as possui e garante a liberdade de delas dispor, mas de
forma sutil diz para os desafortunados que não se coloquem dentro do limite das
cercas, e nem lhes garantem o acesso à propriedade. As leis burguesas existem
apenas para proteger o status quo contra qualquer tentativa de alteração da ordem
27
instituída e, nesse sentido, a função da ideologia é a de apresentar uma realidade
que só é interessante a um grupo de indivíduos como sendo interessante a todos os
indivíduos. A ideologia representa algo como sendo real para todos, quando só o é
para alguns. Isto ocorre devido a separação entre o trabalho manual e o trabalho
intelectual.
Segundo Marilena Chauí (2002, p. 62), ideologia é “um sistema ordenado de
idéias ou representações e das normas e regras como algo separado e
independente das condições materiais”. Isto porque seus produtores (teóricos,
ideólogos e intelectuais) não estão diretamente vinculados à produção material das
condições de existência, como se as idéias pudessem ser separadas da produção
material.
Se uma classe é economicamente dominante, essa dominação também se
dará no plano das idéias, ou no plano superestrutural, uma vez que, segundo Chauí
(2002, p. 79), “a ideologia é um dos instrumentos da dominação de classe e uma das
formas da luta de classe”. A ideologia da classe dominante manifestar-se-á não
somente no plano da produção material, mas, também no plano da produção e
reprodução das idéias que ocorrem no que Louis Althusser chama de Aparelhos
Ideológicos de Estado.
2.2 APARELHOS IDEOLÓGICOS DE ESTADO: A CONTRIBUIÇÃO DE
ALTHUSSER
Para entender o que são os Aparelhos Ideológicos de Estado em Althusser,
optou-se por fazer esta explicação já dentro do contexto no qual se insere este
trabalho; o da sociedade capitalista. Outro ponto a ser evidenciado é a da subdivisão
28
desta parte em três outras. Na primeira, demonstrar-se-á o que são e a importância
dos Aparelhos Ideológicos de Estado, doravante referidos por AIE; na segunda
parte, evidenciar-se-á a relação necessária existente entre ideologia e a luta de
classes e na terceira, estabelecer-se-á a relação entre ideologia e comunicação.
2.2.1 A reprodução das relações de produção
Para Althusser (1998, p. 68), os AIE referem-se a um certo número de
realidades que se apresentam ao observador imediato sob a forma de instituições
distintas e especializadas, que têm por função superestrutural a sustentação no
plano das idéias da infra-estrutura econômica, sendo determinados por elas. Assim,
“todos os aparelhos ideológicos de Estado, quaisquer que sejam, concorrem para o
mesmo fim: a reprodução das relações de produção, isto é, das relações de
exploração capitalistas” (ALTHUSSER, 1998, p. 78). Os espaços de reprodução e
difusão da ideologia dominante estão contidos na religião, na escola, na família, no
sistema jurídico, no sistema político, na cultura e até mesmo no sistema sindical e
particularmente aquele que terá destaque nesse trabalho: os meios de comunicação
como a imprensa escrita, o rádio, a televisão e outros. De acordo com Kucinski
(1996, p. 188), o jornalismo torna-se, ao lado da escola e da Igreja, quase um
“aparelho ideológico de Estado”. É um dos mecanismos não coercitivos que as elites
dominantes ou o Estado usam para manter as condições de reprodução do sistema,
mas que pode atuar questionando e até mesmo denunciando a ideologia dominante,
como por exemplo os Zapateros no México em 2001, que furaram o bloqueio
imposto pelo Estado e pela mídia constituída, utilizando como meio de informação, a
rede mundial de computadores.
29
Note-se, pela relação acima, que os AIE, na sua maior parte, encontram-se
dispersos na esfera do privado, ficando unicamente sob restrito domínio público,
(afirmação ideológica uma vez que na concepção marxista, o Estado é o
representante dos interesses da classe dominante, só que regulamentado pelo
direito público, que também é ideológico), o que Althusser vai chamar de Aparelho
Repressivo do Estado, ou simplesmente, ARE, que são basicamente a polícia, o
exército, os presídios, os tribunais, dentre outros, cuja função é fazer uso da coerção
física para garantir a reprodução das relações de produção capitalistas. O que
Althusser quer dizer com isto não é outra coisa senão que “a noção de Estado não
se esgotava no aparelho repressivo (ARE), compreendendo também instituições da
sociedade civil, como as escolas, as igrejas, os sindicatos” (CÂMARA, 1993, p. 427).
À conclusão semelhante chega César Bolaño (2000), que, ao analisar a obra
de Marx, afirma que a “forma comunicação” está adequada às determinações gerais
do capital. Ora, se o Estado é o representante dos interesses da classe dominante
(capitalista), é fato também que a forma com que as comunicações de massa entram
na vida das pessoas, embora seja veiculada pela iniciativa privada, é controlada de
forma a representar a ideologia dessa classe.
Hegel afirmava que o Estado é a esfera do público enquanto que a
sociedade civil é a esfera do privado. No entanto, quando se pensa a esfera do
público e a esfera do privado dentro da ótica marxista, e quando ainda se pensa em
AIE, é perceptível que a diferença é retórica, pois a ação desses diferentes atores
não propriamente estatal (AIE), não passa de mera conformação a uma formação
social estruturada pela classe dominante que se dá no plano das idéias e dos
valores, ou seja, no plano ideológico e cuja função é a de não só ocultar uma
30
realidade de desigualdades e injustiças, mas também de criar uma consciência
legitimadora dessa realidade.
Os meios de comunicação, tal como existem hoje, podem ser de muita
eficiência no processo de legitimação da realidade social. Segundo Afonso
Albuquerque (1998), toda veiculação noticiosa é manipulada segundo as forças que
a regem: patrocinadores, audiência e interesses comerciais da empresa jornalística
que entram em choque com os próprios critérios de quem faz a notícia. Vence o
mais forte, que quase sempre são os interesses comerciais da empresa.
Situação semelhante viveram os reis durante o período feudal e a
modernidade. No primeiro, eram os senhores feudais que na prática detinham o
poder e com a passagem para a modernidade e a afirmação do absolutismo
monárquico não era exatamente o rei que detinha o poder, mas segundo Leo
Huberman (1986, p. 93), “os ricos mercadores e financistas” que estavam atrás
deles. No caso do jornalista, criador da notícia, nem sempre ele tem autonomia,
estando muitas vezes sujeito, ao “poder” que está por trás e que determina suas
ações. Para Hall (apud ALBUQUERQUE, 1998, p. 15), não existe hegemonia porque
a classe dominante dirige, coage, organiza e “conquista” o consenso das classes
subordinadas.
Nessas “classes subordinadas” pode-se entender o próprio jornalista, que
dará a notícia conforme a coerção nele exercida, como em toda a classe dominada,
e que provavelmente a consumirá e assimilará como certa, sem questionar,
dificultando a formação de outra consciência a não ser aquela resultante da
ideologia vigente. Quando porventura alguma mídia adere a causa da classe
trabalhadora (classe dominada), como foi o caso do Chile, durante o regime de
31
Pinochet, sempre há quem venha interferir para fazer voltar a ideologia que interessa
aos dominantes (GUARESCHI, 1987).
Quer dizer, o modo com que os meios de comunicação organizam-se, traz a
interferência, ou condução da informação, que passa a dominar a consciência dos
dominados. Ainda segundo Guareschi (1993, p. 19):
A posse da comunicação e a informação tornam-se instrumento privilegiado
de dominação, pois criam a possibilidade de dominar a partir da
interioridade da consciência do outro, criando evidências e adesões, que
interiorizam e introjetam nos grupos destituídos a verdade e a evidência do
mundo do dominador, condenando e estigmatizando a prática e a verdade
do oprimido como prática anti-social.
A consciência existente dentro de uma formação social capitalista não surge do
acaso, é necessária e resultante desse modo de produção ou, dito de outra maneira,
o modo de produção capitalista para manter-se, necessita de uma determinada
formação social, que é resultante dele mesmo e que deve reproduzir as condições
de produção dominantes, ou seja, deve reproduzir não só os meios de produção e
as forças produtivas, mas também, as relações de produção existentes. Segundo
Marx (apud ALTHUSSER, 1998, p. 53), uma formação social que não reproduz as
condições de produção ao mesmo tempo em que produz, não sobrevive por muito
tempo.
A reprodução das condições dominantes, conta com a ajuda da chamada
Indústria Cultural7
, ou economia cultural como querem alguns, pois segundo Bolaño
(2000, p. 71), é no capitalismo “[...] que a informação adquire a relevância inusitada
que acabou por adquirir na manutenção do sistema, tanto do ponto de vista da sua
reprodução ideológica quanto do da própria acumulação de capital”.
7
Conceito criado pelos filósofos Adorno e Horkheimer para designar a exploração, com finalidades
comerciais e econômicas, de bens culturais.
32
Segundo Marx (1998, p. 68), a história é a mesma das lutas de classes. No
século XIX foram intensas as iniciativas dos trabalhadores para acabarem com as
injustiças. O Ludismo8
, o Movimento Cartista9
, as primeiras associações de
trabalhadores, a organização dos sindicatos, a fundação dos partidos operários e a
tomada do poder pelos trabalhadores franceses, conhecida como a Comuna de
Paris em 1848, são exemplos de manifestações contra as injustiças sociais e
econômicas do modelo capitalista e que na época foram duramente reprimidas pelo
Estado que não hesitou em fazer uso da força bruta. Não obstante, a classe
dominante teve lucidez para perceber que somente o uso dos ARE não seria
suficiente para sustentar o capitalismo como modo de produção dominante. Seria
necessário que também as idéias e valores da burguesia permeassem a consciência
da classe trabalhadora. É nesse sentido que se pode afirmar que a submissão da
classe dominada ocorre não só por força da repressão, mas também pela ideologia
da classe dominante disseminada pelos AIE, e diga-se, de forma mais eficiente.
Mais recentemente os meios de comunicação de massa têm cumprido com méritos
este papel. Segundo Marcuse:
a partir do dia de trabalho, a alienação e a arregimentação se alastram
para o tempo livre. [...] O controle básico do tempo de ócio é realizado pela
própria duração do tempo de trabalho, pela rotina fatigante e mecânica do
trabalho alienado, o que requer que o lazer seja um relaxamento passivo e
uma recuperação de energias para o trabalho. Só quando se atingiu o mais
recente estágio da civilização industrial, [...] a técnica de manipulação das
massas criou então uma indústria de entretenimentos, a qual controla
diretamente o tempo de lazer. [...] Não se pode deixar o indivíduo sozinho,
entregue a si próprio [...] (apud ARANHA; MARTINS, 1992, p. 44).
8
Movimento operário surgido na Inglaterra do século XIX, que, tinha por prática a quebra violenta de
máquinas. Fazia isso por transferir a culpa de males sociais que acometiam os operários para as
máquinas. Para o movimento, as máquinas eram as responsáveis pelo desemprego e pelos baixos
salários.
9
Movimento operário britânico surgido em maio de 1838. Recebeu esse nome devido a um
documento que exigia reformas eleitorais e abolição do critério de posse para ingresso no parlamento
dentre outras reivindicações, e que ficou conhecido como “Carta do Povo”.
33
O não controle do tempo livre traz o risco de que o trabalhador passe a
refletir criticamente sobre a realidade que o rodeia e conseqüentemente coloque em
risco as idéias que sustentam as relações de produção capitalistas.
Um bom exemplo dessa manipulação é mostrado por Mariani (1998), ao
apresentar uma notícia veiculada no Jornal do Brasil sobre um fato da Intentona
Comunista em 1935, ocorrido no Rio de Janeiro. O texto do jornal, dizia que “o
movimento extremista” tinha sido “controlado” pelo Estado, como se toda a
população concordasse que a situação seria de fato “extremista”. Quer dizer,
qualquer pessoa que lesse a notícia teria que entender esse movimento como
“extremista”, sem possibilidade de fazer sua própria crítica.
A esse respeito, Guareshi (1987, p. 52), lembra que uma das metas do
governo, era a de “reforçar a consciência dos perigos e soluções comunistas para os
problemas nacionais ou regionais”. Qualquer movimento seria então, “extremista”,
segundo o entendia o próprio governo.
Outro aspecto relevante é o da legitimidade da ideologia imposta. No caso
retratado, “comunismo” era uma palavra perigosa; em se tratando de um movimento,
o comunismo colocava em risco, segundo o pensamento da minoria dominante, os
rumos do País. Não importava que o que se pretendia era fazer diminuir a pobreza
ou outro objetivo qualquer. Sendo um movimento, toda e qualquer atividade de
repressão seria legitimada pelo Estado. Dessa forma, pode-se entender a ideologia
como uma pretensão a legitimar as atividades, como as das mídias, para resguardar
o próprio Estado.
34
2.2.2 Ideologia e luta de classes
Para Althusser (1998, p. 107), as ideologias não nascem dos AIE. Nascem,
isto sim, da luta das classes sociais, pelas suas condições de existência, de suas
práticas e experiências de luta.
Uma sociedade em que existem proprietários e não-proprietários dos bens
de produção configura-se como uma sociedade de classes em que é clara a divisão
entre trabalho manual e trabalho intelectual e principalmente a exploração do
trabalho manual. A grande maioria das pessoas encontra-se alienada não só das
riquezas que produzem, mas por conta disso, também se encontra alienada de uma
condição humana autônoma, uma vez que, se não decide sobre seu salário e seu
ritmo de trabalho, na prática perde o controle de boa parte de sua existência. Tais
condições já seriam mais que suficientes para que os não-proprietários se
revoltassem contra tal situação. No entanto, não se revoltam ou pelo menos não de
forma a alterar profundamente a ordem das coisas, devido à ideologia que, se não
impede totalmente a percepção desse processo excludente, no mínimo o dificulta.
Essa condição persiste em todos os setores da sociedade capitalista,
inclusive nos próprios meios de comunicação, quase todos de capital privado,
caracterizando os funcionários, ou não-proprietários como parte da sociedade de
classes.
A ideologia, por conseguinte, mantém a coesão social por meio de um
consenso em torno das idéias da classe dominante que passam a ter um caráter de
universalidade, imutabilidade e unidade ocultando e encobrindo o fato de serem as
relações de produção existentes entre as classes sociais as responsáveis pelas
35
injustiças e desigualdades. A este respeito Aranha e Martins (1992, p. 58) afirmam
que:
O discurso ideológico impede que o oprimido tenha uma visão própria do
mundo porque lhe impõe os valores da classe dominante, tornados
universais. Além disso, “naturaliza” as ações humanas, explicando-as como
decorrentes da “ordem natural das coisas” e não como resultado da injusta
repartição dos bens.
Isto não significa que alguns conheçam a realidade e a maior parte se
encontre “enganada” pela ideologia. Esta permeia toda a sociedade, o que
permite que a classe privilegiada considere natural sua dominação.
Complementando com um exemplo desse processo de assimilação dos
valores da classe dominante por parte da classe dominada, mantendo-a na ideologia
vigente, é o da propaganda veiculada nos meios de comunicação, que, pela maneira
com que constrói imagens públicas, pode ser considerada como técnica de
dominação ideológica. Embutida nos conteúdos está a mensagem de que o que é
bom para um o é para todos.
2.2.3 Ideologia e comunicação
Para demonstrar a relação existente entre ideologia e comunicação, convém
fazer algumas considerações ainda a respeito da ideologia, dos conceitos de sujeito
e interpelação e da materialidade da ideologia no plano do discurso.
Para Althusser, a ideologia não existe no plano das idéias, ou no espiritual,
nem está distante dos indivíduos, ou seja, tomando emprestadas as palavras de
Pascal (apud ALTHUSSER, 1998, p. 91), “ajoelhai-vos, orai e acreditareis”, conclui-
se que, com um exemplo de natureza religiosa, Deus não foi criado para que os
homens lhe prestassem devoção e o temessem, pelo contrário, foram os atos de
devoção e práticas rituais que levaram à crença em Deus. O que significa esta
afirmação? Significa que a ideologia não existe numa realidade transcendente, mas
36
está não só presente, como também se configura como “atos inscritos em práticas”
(ALTHUSSER, 1998, p. 91).
Não é o mundo real ou as condições reais da existência que se encontram
representadas na ideologia. Não se pode entender por ideologia o simples
ocultamento da realidade. O que os AIE fazem por meio de suas práticas e rituais é
legitimar as condições reais de existência, fazendo com que pareçam naturais e
transcendentes. É por isso que Althusser (1998, p. 87), afirma que a ideologia
representa as relações dos homens com as condições reais de existência. À medida
que os homens nascem, crescem e tomam consciência da sua existência, são
continuamente inseridos pelos AIE, em atos e rituais que materializam a sua relação
com o mundo real.
A consciência dos homens dentro de uma formação social capitalista surge
não da imposição violenta por parte dos aparelhos repressivos de Estado (ARE),
mas das práticas e rituais ideológicos que existem sempre em um AIE
(ALTHUSSER, 1998, p. 89), o que faz com que a ideologia tenha uma existência
material e não simplesmente ideal. Essa materialidade pode ser vista também na
produção cultural das sociedades capitalistas. Tal produção torna-se “mercadoria”,
comprada livremente, não por imposição. Mas o que está disponível para venda é o
que os “donos” da produção cultural reproduzem, isto é, a sua própria marca. Ao
comprar, o indivíduo tem a sensação de ter “escolhido”.
Todo indivíduo age conforme suas crenças e idéias e isso, o indivíduo faz
com a convicção de ser um ato de sua livre escolha ou, como dito por Althusser
(1998, p. 90), “todo ‘sujeito’ dotado de uma ‘consciência’ e crendo nas ‘idéias’ que
sua consciência lhe inspira, aceitando-as livremente deve ‘agir segundo suas idéias’,
37
imprimindo nos atos de sua prática material as suas próprias idéias enquanto
indivíduo livre”.
Outro aspecto importante do pensamento althusseriano é o de que “a
ideologia tem por função ‘constituir’ indivíduos concretos em sujeitos” (ALTHUSSER,
1998, p. 93), por meio do que ele chama de interpelação. Dentro de uma formação
social os indivíduos deixam de ser indivíduos e no seu lugar surge o sujeito.
Exemplificando: tome-se um AIE como um órgão de informação, mais
especificamente a revista Veja, que possui uma identidade que é a de ser
informativa, e como já é amplamente difundido por qualquer órgão de informação,
tem a missão de apresentar a notícia como ela é, isenta de qualquer posição de
parcialidade. Ao colocar na capa de uma de suas edições a notícia da privatização
de uma estatal, como a Copel, a revista está interpelando os indivíduos que passam
pela revistaria e na qual ela se encontra exposta. Dizendo de outro modo: — Eu,
revista Veja, sujeito portador de uma informação que diz respeito a sua vida
individual (a privatização pode aumentar ou diminuir a sua conta de luz), estou lhe
dizendo que a privatização desta estatal pode ser ruim, ou boa para você (não faz
diferença a conseqüência). O fato é que ao comprar e ler a revista, o leitor, muito
possivelmente passará a pensar e a agir em relação à privatização da Copel, a partir
da assimilação de determinados conteúdos da reportagem, da mesma forma que
muitos outros leitores que também tiveram acesso à revista.
O mesmo ocorre com a publicidade. De acordo com Lazzarotto e Rossi (1993,
p. 30), “O produto a ser anunciado aparece interligado com os aspectos cotidianos
do mundo do comprador (sujeito), levando-o a interagir de forma automatizada na
aquisição ou compra do tal produto”. Muitos nem percebem que estão sendo
manipulados, pois a linguagem utilizada é a do cotidiano.
38
O mais curioso é que as pessoas sempre crêem estar pensando e agindo
por conta de sua restrita individualidade quando, muitas vezes estão simplesmente
reproduzindo as relações de produção da forma que interessa a classe dominante,
que também, diga-se, tem sua ação permeada pela forma como atualmente se
reproduzem as condições e relações de produção, agora sob a couraça neoliberal.
Inconscientemente, esse indivíduo está legitimando uma ideologia que já vem
formada pela sociedade e que lhe é repassada por uma revista de grande circulação
e credibilidade.
Essas colocações se fazem necessárias para compreender o que Althusser
quer dizer quando afirma que a ideologia tem uma existência material em atos
inscritos em práticas, como antes citado, uma vez que atos inscritos em práticas,
para existirem, precisam do sujeito concreto, caracterizando assim a materialidade
da ideologia.
A existência humana é, portanto, ideológica, e sendo também material tudo
que está ligado às ações humanas é material e em sendo a linguagem um dos
elementos que, juntamente com a capacidade de transformar o mundo, faz da
espécie homo sapiens a espécie humana, a linguagem, o discurso, enquanto
práticas humanas são materiais e ideológicas, pois não fazem outra coisa senão
reproduzir as condições materiais de existência. Esse é um dos motivos que leva o
indivíduo a identificar-se com o conteúdo de matérias de revistas como a Veja, ou
dos programas de TV, que reproduzem fatos do seu cotidiano.
Para Bolaño (2000, p. 69), ao longo do século XX, os meios de
comunicação serviram para expandir a lógica capitalista a todas as esferas da
sociabilidade humana, “a ponto de constituir-se em âmbito planetário”.
39
3 CONTEXTO POLÍTICO-ECONÔMICO DAS ELEIÇÕES DE 1989: A
CRISE DO ESTADO-PROVIDÊNCIA E ASCENSÃO DO
NEOLIBERALISMO
3.1 A GLOBALIZAÇÃO
A globalização econômica mundial é uma realidade. Os recursos, sejam
humanos, materiais ou de capital, estão sendo direcionados para os mais diversos
pontos do planeta, a fim de conquistar a sua melhor remuneração e perpetuar
ganhos e posições. A abertura econômica e o estímulo à competitividade das
empresas têm sido os objetivos do grande capital internacional, nacional e dos
governantes, de maneira especial os dos países do hemisfério norte, no intuito de
adequar os países a essa nova ordem mundial, estimulando as empresas a
alcançarem melhores níveis de qualidade e produtividade.
A globalização é o processo pelo qual se expande o mercado e as fronteiras
nacionais. Trata-se da continuação do processo de internacionalização do capital,
iniciado com a extensão do comércio de mercadorias e serviços, passando pela
expansão dos empréstimos e financiamentos, generalizando o deslocamento do
capital industrial por meio do desenvolvimento das empresas transnacionais.
Outra face desse processo aponta para a tendência da uniformização de
agendas explícitas de governo, envolvendo uma mesma desregulamentação nos
distintos âmbitos das atividades econômicas. Essa tendência está relacionada com a
necessidade de harmonização das políticas que afetam o desempenho econômico,
cuja unidade de análise relevante vai deixando de ser o Estado Nacional e passando
a ser constituída por todos os países.
40
Esse processo surgiu como uma forma de revitalizar o capitalismo,
enfraquecido pelas políticas que permearam o Ocidente desde o final da Segunda
Guerra Mundial, que tornaram o Estado o grande produtor de bens públicos e
regulamentador do mercado. A ineficiência apresentada pelo Estado em fazer valer
suas políticas protecionistas e gerar bens públicos fez com que houvesse um novo
reordenamento da estrutura de poder mundial, culminando com o processo de
globalização da economia e no neoliberalismo como modelo de Estado.
3.2 O ESTADO DE BEM-ESTAR SOCIAL
O Estado intervencionista, chamado de Estado de Bem-Estar Social,
Estado-providência ou Welfare State, surgiu como uma forma de reverter o processo
imposto pelo liberalismo e como um prolongamento natural dos direitos civis.
Adotado no Brasil, teve entre as suas funções a redistribuição da renda, a
regulamentação das relações sociais e a responsabilidade por determinados
serviços coletivos, todos providos pela rede social criada por esse tipo de Estado.
Essas funções estão assentadas no direito de segurança e tranqüilidade que todos
os indivíduos têm, inclusive aqueles que não têm propriedade (em contraposição ao
modelo liberal que procurava proteger as propriedades). Trata-se de mecanismos de
proteção social para garantir a cidadania dos indivíduos, e que são realizados por
meio da intervenção do Estado, restringindo os privilégios empresarias e, por isso,
contando com grande apoio popular. (ROSANVALLON, 1997).
O Estado de Bem-Estar Social veio tentar substituir as regras impostas pelo
mercado que dominavam a sociedade, compensando suas fraquezas e riscos,
fortalecendo os movimentos de trabalhadores, assegurando os direitos sociais e
41
estendendo seus benefícios sociais a todas as áreas de distribuição vital para o
bem-estar societário. (TOLEDO, 1995, p. 75 ).
Toledo (1995, p. 75), resume a extensão do Estado de Bem-Estar
Social da seguinte maneira:
1) a redefinição das relações clássicas entre sociedade civil e política, a
politização das relações civis por meio da intervenção do Estado na
economia e das corporações na política econômica, e um processo de
‘civilização’ das relações políticas (pela importância da planificação nas
decisões políticas);
2) a legalização da classe operária e de suas organizações,
institucionalizando uma parte do conflito interclasses. A sociedade deixa de
ser pensada como somatório de indivíduos e implicitamente reconhece-se
conformada por classes sociais; as organizações, representantes de
interesses setoriais (não simplesmente de cidadãos), além de serem
legitimadas, podem participar de pactos e relações que transcendem a
democracia parlamentar. Os pactos corporativos assumem um papel
central nas grandes decisões das políticas do Estado. Finalmente, assume-
se que o conflito interclasses, em vez de ser abolido em nome de supostas
homogeneidades liberais de natureza humana, deve ser canalizado através
de instituições e regulado com normas especiais a serem constituídas; 3)
em síntese, o Estado social é, em parte, investidor econômico, em parte
regulador da economia e dos conflitos, mas também Estado benfeitor que
procura conciliar crescimento econômico com legitimidade da ordem social.
Para Paulo Netto (1995, p. 68), esse foi o “... único ordenamento sócio-
político que, na ordem do capital, visou expressamente compatibilizar a dinâmica da
acumulação e da valorização capitalista com a garantia de direitos políticos e sociais
mínimos”.
Para a formulação de suas políticas, o Estado de Bem-Estar Social teve
como base, o direito de recursos sociais, saúde e educação dos trabalhadores,
aumentando as capacidades políticas e reduzindo as divisões sociais. Constitui-se
ainda de programas direcionados em contraposição aos programas universalistas do
antigo modelo liberal, tendo como objetivo a garantia do direito de cidadania de
todos os indivíduos. É a desmercadorização do indivíduo, enquanto trabalhador.
Quer dizer, os direitos do indivíduo deixam de estar dependentes unicamente do
42
desempenho do seu trabalho para fixar-se nas suas necessidades ( ESPING-
ANDERSEN, 1991).
Segundo Esping-Andersen (1991, p. 93), esse tipo de Estado é mais
facilmente incorporado por economias pequenas e abertas, vulneráveis aos
mercados internacionais porque, “... há uma tendência maior a administrar os
conflitos de distribuição entre as classes por meio do governo e do acordo de
interesses quando tanto as empresas quanto os trabalhadores estão à mercê de
forças que estão fora do controle doméstico”. E aí reside a principal explicação para
a sua instalação no Brasil e em outros países sul-americanos.
Além disso, os processos prolíficos sul-americanos incluíram ditaduras
militares (como o Brasil e o Chile) ou outras formas de Estado autoritário,
dificultando os processos democráticos e restringindo a ação de partidos, sindicatos
e organizações que poderiam fazer reivindicações para um maior alcance das
políticas sociais, e dessa maneira, não conseguiram salvaguardar a liberdade
dessas organizações.
Um outro fator de diferenciação seria a distinção da estrutura de classes
entre os países sul-americanos e os europeus e o norte-americano. Na América do
Sul existe uma maior diferença entre as classes, empobrecimento e desemprego das
populações urbanas. Tudo isso determinou muito maior carência de apoio das
políticas sociais que os países antes assinalados, elevando o poder do Estado.
Assim, naqueles países, os programas de assistência médica, aposentadoria, auxílio
à perda da renda por acidente, doença ou maternidade e até mesmo os de
habitação, subvenções familiares e lazer, são divididos com o setor privado,
enquanto na América Latina ficou tudo por conta do Estado.
Esse modelo teve como pressuposto a teoria de Keynes, para quem “o
43
futuro tem que ser assegurado como pacto e como planejamento” (TOLEDO, 1995,
p. 76). Para Rosanvallon (1997, p. 38), o princípio de Keynes, que norteia o Estado
de Bem-Estar Social é o “... da correspondência global entre os imperativos do
crescimento econômico e as exigências de uma maior eqüidade social no âmbito de
um Estado econômica e socialmente ativo”.
O capitalismo imperante na Europa e Estados Unidos, durante a década de
30, não estava conseguindo alcançar o pleno emprego, necessitando da intervenção
estatal para prover recursos suficientes à sobrevivência do capital. O clima era de
insegurança e instabilidade.
Segundo Keynes, as exigências salariais dos trabalhadores deveriam ser
atendidas como forma de contribuir para o pleno emprego, pois salários baixos
acarretavam insuficiência de poder aquisitivo, o que poderia conduzir à contração da
demanda e, conseqüentemente, à baixa de preços, superprodução e desemprego.
Ainda segundo Keynes, o que ocorria na época era a queda da demanda e
conseqüentemente sobra de produto.
A solução para o desemprego só poderia ser obtida por intervenção estatal,
desencorajando o entesouramento, em proveito das despesas produtivas. Para isso,
o Estado deve reduzir a taxa de lucro; incrementar os investimentos públicos;
estimular o consumo por meio da redistribuição da renda em benefício das classes
menos favorecidas, e encorajar a exportação. Essa política, diretamente oposta às
teses deflacionistas, permitiria a intervenção do Estado sem atingir a autonomia da
empresa privada.
O crescimento econômico deveria ser incrementado a partir do esforço
produtivo das economias nacionais, contido na demanda de bens de investimento.
(NOVELLO, 1995, p.57).
44
O estímulo ao consumo está assentado no equilíbrio entre investimento e
poupança, conseguidos pela maior percentagem da renda que lhe é destinada. A
exportação, “... tem efeito multiplicador ao exterior, na mesma proporção em que
tornam possível a produção” (NOVELLO, 1995 p. 57). Os investimentos públicos
referem-se àquelas sobras do consumo e que podem garantir alguma rentabilidade.
A política fiscal e a determinação da redução da taxa de juros regulam o
nível adequado ao pleno emprego da propensão para consumir. Para Keynes, a
intervenção do Estado na economia não é contraditório ao crescimento do mercado.
Ao contrário, segundo Rosanvallon (1997, p. 40), “Progresso social e eficácia
econômica caminharão logicamente juntos.”
Para Keynes, o social ― isto é, a organização das relações sociais ― é
imediatamente compreendido como estruturante interno da dinâmica
econômica. Sua teoria integra, no próprio movimento de sua formação, as
relações do capital e do trabalho, para falar em outros termos. Nova
concepção das condições do crescimento e reorganização das relações de
classes são indissociáveis...” (ROSANVALLON1997, p.40).
Assim, o objetivo de sua teoria aponta para a intervenção econômica do
Estado a fim de que haja a redistribuição social e a regulamentação das relações
sociais.
3.3 A CRISE DO MODELO DE ESTADO DE BEM-ESTAR SOCIAL
O modelo originado da teoria de Keynes, o Estado do Bem-Estar Social,
entrou em crise a partir dos anos de 1970, sendo questionado porque, enquanto
modelo econômico, fez aumentar o déficit público, propiciou o crescimento de
empresas improdutivas, desestimulou o trabalho e a competitividade, reduziu a
capacidade de poupança e o excedente de capital para ser reinvestido na produção,
45
além de gerar uma enorme inflação.
Isso não aconteceu só no Brasil ou nos países sul-americanos, mas em
todos os países que o adotaram como modelo de Estado. A crise do Estado de Bem-
Estar Social veio junto com a crise do socialismo, culminando assim, numa crise
global. (PAULO NETTO, 1995). Entretanto, suas conseqüências foram diferentes. A
primeira, aponta para a falência do Estado enquanto ordenador político; a segunda,
para a inépcia do capital, em promover o crescimento econômico-social em escala
ampla e de garantir a geração de emprego.
3.4 A SOLUÇÃO NEOLIBERAL
A crise do Estado de Bem-Estar Social, “evidencia que a dinâmica crítica
desta ordem alçou-se a um nível no interior do qual a sua reprodução tende a
requisitar, progressivamente, a eliminação das garantias sociais e dos controles
mínimos a que o capital foi obrigado naquele arranjo”. (PAULO NETTO, 1995, p. 70).
Quer dizer, o capital não conseguiu compatibilizar o seu desenvolvimento com as
necessidades das aglomerações humanas. Ao contrário, trouxe ônus à condição
humana de existência, qual seja, a crescente diferença entre o mundo rico e o
mundo pobre, a ascensão do racismo e da xenofobia, além da crise ecológica.
A crise nesse modelo de Estado assenta-se principalmente no fato de que a
produção diminuiu e as despesas sociais aumentaram. (ROSANVALLON, 1997).
Com a produção em queda há a diminuição do PIB. A conseqüência natural foi o
aumento das despesas sociais, que não tendo onde se amparar, reduziu a
capacidade do Estado pondo em perigo o modelo. O propalado equilíbrio defendido
por Keynes deixa de existir, mostrando a ineficácia do Estado em atuar como
46
interventor da economia.
Por não ter conseguido atender a todas as necessidades, esse modelo de
Estado foi classificado como restrito e incompleto, pois seus programas limitam-se
em critérios de seletividade, o que o tornou injusto. Isso porque esses programas
não atingiram o universalismo pretendido e, portanto, não houve igualdade na
distribuição de benefícios. (LAURELL, 1995, p. 160 ).
Para Esping-Andersen (1991, p. 104), o Estado de Bem-Estar Social reforçou a
estratificação social e negligenciou o relacionamento entre cidadania e classe social,
por meio do seu próprio planejamento. São suas as seguintes palavras:
A tradição de ajuda aos pobres e a assistência social a pessoas
comprovadamente necessitadas, derivação contemporânea da primeira, foi
visivelmente planejada com o propósito de estratificação. Ao punir e
estigmatizar seus beneficiários, promove dualismos sociais e por isso é
um alvo importante de ataques por parte de movimentos de trabalhadores.
Isso porque não unifica, ao contrário, muitas vezes promove guetos,
frustrando os objetivos da classe trabalhadora em mobilizar-se.
Para os neoliberalistas, o Estado de Bem-Estar Social asfixia as energias
sociais porque impede que a iniciativa privada participe do desenvolvimento social,
deformando os mercados e gerando a inflação (NOVELLO, 1995, p. 53). Além
disso, teve um baixo impacto redistributivo entre o capital e o trabalho. Esse efeito
esteve presente apenas entre setores da classe trabalhadora, como por exemplo,
entre os metalúrgicos, e isso porque eles reivindicaram. (NAVARRO, 1995, p. 116).
Segundo os neoliberalistas, o Estado de Bem-Estar Social causou,
principalmente na América Latina, um retrocesso social dramático, com
empobrecimento da população trabalhadora e incorporação de novos grupos sociais
à condição de pobreza e até mesmo de extrema pobreza. Nesse sentido,
(LAURELL, 1995, p. 151), a expansão dos benefício sociais não é resultado simples
47
do crescimento econômico-industrial nem da ampliação dos direitos dos cidadãos
causado pela modernização da sociedade. O nível relativo dos gastos sociais,
geralmente, está relacionado com o tamanho do Produto Interno Bruto (PIB) de um
país e não significa que o conteúdo, orientação e efeitos da política social sejam
uniformes. Além disso, o simples fato de pertencer a uma dada sociedade, não
garante ao cidadão o acesso aos bens sociais nem ao Estado a obrigação de
garanti-los. Ainda um outro motivo para a falência do Estado de Bem-Estar Social é
a produção-administração privada, que é sempre maior que a pública, seja em
educação, saúde ou pensão, precarizando o público.
Para os neoliberais, o Estado de Bem-Estar Social enfraqueceu os alicerces
da família, reduziu o incentivo para o trabalho, a poupança e a inovação, fez diminuir
a acumulação do capital e limitou a liberdade humana. Isso ocorreu porque, na
medida em que o Estado não conseguiu fornecer estrutura suficiente para diminuir a
pobreza, a iniciativa privada foi obrigada a voltar-se para o social. (PAULO NETTO,
1995). Como conseqüência, investiu menos em seu próprio capital, deixando de
inovar, investir em tecnologia e aumentar e fazendo diminuir postos de trabalho.
E ainda, o intervencionismo do Estado é antieconômico e
antiprodutivo, porque desestimula o capital a investir e os trabalhadores a
trabalhar. É portanto, ineficaz e ineficiente.
Ineficaz porque tende ao monopólio econômico estatal e à tutela dos
interesses particulares de grupos de produtores organizados, em vez de
responder às demandas dos consumidores espalhados no mercado; e
ineficiente por não conseguir eliminar a pobreza e, inclusive, piorá-la com a
derrocada das formas tradicionais de proteção social, baseadas na família e
na comunidade. E, para completar, imobilizou os pobres, tornando-os
dependentes do paternalismo estatal. Em resumo, uma violação à liberdade
econômica, moral e política, que só o capitalismo liberal pode garantir.
( PAULO NETTO, 1995, p. 162).
Os neoliberais postulam a necessidade de eliminar a intervenção do Estado
48
na economia, desde o planejamento e condução até a função de agente econômico,
devendo pois se caracterizar como mínimo, quer dizer, só deve produzir um mínimo
em bens e serviços, que a iniciativa privada não consiga, para aliviar a pobreza. Os
direitos sociais e a obrigação da sociedade de garanti-los por meio da ação estatal
não existem, assim como não deve existir a universalidade, a igualdade ou a
gratuidade dos serviços sociais. Por isso, deve haver cortes nos gastos sociais e
eliminação de programas de benefícios, reduzindo-os à indigência.
Diante da ineficácia do Estado do Bem-Estar Social, surge um novo tipo de
Estado, o Estado Neoliberal, cujas políticas apontam para um “... Estado mínimo,
normativo e administrador, que não interfira no funcionamento do mercado, já que
sua intervenção, além de deformar os mercados de fatores, produtos e ativos,
geraria espirais inflacionários...” (NOVELLO, 1995, p. 68). Quer dizer, o mercado
deve ser muito maior do que o Estado.
Para isso, os países que adotaram o modelo neoliberal de Estado traçaram
políticas econômicas que têm como base:
1) a superioridade do livre mercado (vitória da eficiência);
2) o individualismo metodológico (cada empreendimento usa método
próprio);
3) contradição entre liberdade e igualdade (é a desigualdade que impele a
iniciativa pessoal e a competição); desregulamentações estatais e
privatizações, o que dá outro nível de liberdade (TOLEDO, 1995, p. 80).
O sentido de liberdade entendido pelos neoliberais é o resultado das
diferentes escolhas que os indivíduos fazem. A política neoliberal é a fusão do
conservadorismo com o autoritarismo, porque, ao mesmo tempo em que combina
valores tradicionais de família, autoridade e respeito às hierarquias, explora certas
49
contradições entre aspirações populares e funcionamento do Estado, gerando um
populismo neoliberal (ROSANVALLON, 1997).
O neoliberalismo postula que o mercado “... é o melhor mecanismo dos
recursos econômicos e da satisfação das necessidades dos indivíduos.” (LAURELL,
1995, p. 161). Sobre o bem-estar social, os neoliberais defendem que esse é um
campo que pertence ao âmbito privado e deve ser solucionado pela família,
comunidade e serviços privados, com o Estado intervindo apenas com um mínimo
dirigido à população comprovada de extrema pobreza.
Pode-se resumir a política neoliberal como sendo “[...] uma argumentação
teórica que restaura o mercado como instância mediadora societal elementar e
insuperável e uma proposição política que repõe o Estado mínimo como única
alternativa e forma para a democracia” (PAULO NETTO, 1995, p. 77). Sendo assim,
a economia não pode ser planejada. A livre iniciativa garante um crescimento
econômico capaz de promover, por si só, o bem estar social. “A liberdade econômica
só possível sobre o mercado livre (isto é, sem mecanismos extra-econômicos de
regulação), que funda a liberdade civil e política” (PAULO NETTO, 1995, p. 77).
Nessa concepção, é o mercado que determina o espaço legítimo do Estado
e só concebe sua intervenção em face de extremos. Em suma, é o Estado máximo
para o capital e mínimo para a população.
3.5 O BRASIL NA CONJUNTURA DOS ANOS 80
O contexto histórico-político de meados da década de 80 até seu final é
marcado, no mundo, pela crise do modelo socialista iniciada em 1985 com a
ascensão de Gorbatchev ao governo russo. Os momentos mais marcantes são a
50
queda do Muro de Berlim em 1989 e o fim da URSS em 1991, bem como a
ascensão do modelo neoliberal capitaneada pelos EUA e Inglaterra.
Na América Latina, nos anos oitenta se vivenciou o fim das ditaduras
militares e conseqüente abertura democrática. No Brasil, especificamente, após vinte
anos de autoritarismo de direita, os brasileiros se encontravam às vésperas da
primeira eleição direta para a presidência da República depois do golpe militar de
1964. Com a abertura democrática e a reforma eleitoral em dezembro de 1979
passou a existir de fato uma linha bem demarcada entre a situação conservadora e
uma oposição à esquerda. A partir de 1985 esta demarcação política ficou mais
nítida com a legalização de organizações políticas que até então, apesar da reforma
eleitoral de 79, permaneciam na clandestinidade como o PCB e o PC do B. Numa
visão maniqueísta, para os dias de hoje, na época nem tanto, em razão das
novidades trazidas pelas transformações políticas, de um lado havia, portanto, a
direita representada pelos herdeiros da antiga Arena como o PFL, PDS e PL, e de
outro a esquerda por PT, PDT, PCB e PC do B, e de centro e centro-esquerda
PSDB, e PMDB. Após o longo período de autoritarismo militar, muitas eram as
análises que apontavam que aquela eleição teria um final matizado com as cores da
esquerda. Corroborava com tal tese o fato de as candidaturas mais tradicionais
como as de Ulisses Guimarães, Aureliano Chaves e Paulo Maluf estarem muito atrás
nas pesquisas de intenção de voto. Essas candidaturas, se não estavam afinadas
com as idéias mais conservadoras, ao menos não representavam grandes
mudanças estruturais no cenário político- econômico brasileiro.
Diante dessas perspectivas eleitorais, restou àqueles que não simpatizavam
com a esquerda se alinharem e unirem suas forças em torno da candidatura Collor
no intuito de afastar o espectro do socialismo e do populismo representados pelas
51
candidaturas Lula e Brizola respectivamente. Em outras palavras, a possibilidade da
ascensão de um destes candidatos representava uma ameaça à direita política, ao
grande capital nacional e transnacional, não pela possibilidade de uma revolução
proletária, mas pela provável manutenção do modelo de Estado de Bem-Estar social
e pelo atraso que isso representaria na implantação das reformas neoliberais no
Brasil.
52
4 A OPÇÃO PELA SEMIÓTICA GREIMASIANA
Em páginas anteriores se discutiu “ideologia” na perspectiva marxista,
“Aparelhos Ideológicos de Estado” em Althusser, e a crise do Estado de Bem-Estar
Social. Sendo a revista Veja objeto de estudo desta dissertação, é fácil concluir que
a premissa da qual se está partindo, é a de que a revista, veículo de jornalismo
político-econômico, atuou como AIE. A intenção é determinar como Veja, enquanto
texto sincrético diz, como o diz e para que o faz (BARROS, 2000, p. 83).
Veja não só retratou o Brasil nesse período como também é um retrato do
contexto político e econômico. Enquanto veículo de comunicação, a revista fez parte
desses acontecimentos e o seu papel é algo que pode ser revelado pela construção
e desconstrução do texto Veja para chegar aos sentidos. Para tanto é necessário
não só o exame interno dos exemplares selecionados, mas colocá-los dentro do
contexto das formações ideológicas da crise do Estado e da ascensão do modelo
neoliberal.
Para desvelar o sentido ou os sentidos dos discursos da revista Veja é
necessário um instrumento de análise que permita o diálogo interdisciplinar, afinal
estão envolvidos no processo elementos de economia, política, ideologia e cobertura
jornalística. Entre esses elementos, como se demonstrará, existe uma relação
necessária, daí a opção por um estudo semiótico dos oito exemplares de Veja
selecionados. Para a semiótica, em particular a de Greimas, a parte só é importante
na sua relação com o todo. Isoladamente cada edição selecionada tem pouco a
mostrar e para semioticistas como Diana Luz Pessoa de Barros e José Luiz Fiorin, a
contextualização do texto dentro da realidade objetiva, é um procedimento
necessário para a sua construção e desconstrução.
53
Não se deve esperar desse capítulo qualquer discussão mais profunda a
respeito das tendências da semiótica discursiva. O que se pretende não é detalhar
toda a complexidade da teoria semiótica greimasiana, mas tão somente esclarecer
algumas categorias que foram utilizadas na análise das capas e reportagens
escolhidas, por isso os conceitos teóricos utilizados e relacionados à semiótica estão
definidos em glossário.
O propósito deste capítulo é explicar alguns conceitos e procedimentos
teóricos utilizados para a análise das capas e reportagens da revista Veja.
4.1 TEXTO SINCRÉTICO
Na capa e nas páginas de Veja, é comum a presença de textos sincréticos.
Textos sincréticos são aqueles que fazem uso de linguagens verbal e não-verbal. No
caso da revista Veja, por ser um veículo impresso, essa reunião de linguagens, ou
sincretismo textual, se manifesta, nas capas, por exemplo, na cor de fundo das
letras, no tipo de letra, na disposição espacial dos elementos que a compõem, o que
está embaixo, em cima, ao lado do elemento principal, na expressão do fotografado,
quando o caso, e nas manchetes entre outros. Nas reportagens acontece o mesmo,
talvez não com tanta riqueza de recursos e estratégias, mas também esse
sincretismo está presente no texto em si mesmo, na colocação de um box, uma
palavra em negrito, fotos, desenhos, gráficos etc.
A reunião dessas várias linguagens acaba por produzir um texto único,
dotado de um ou mais sentidos que só podem ser devidamente compreendidos na
relação das várias partes componentes, o que significa dizer que a compreensão do
54
sentido ou dos sentidos produzidos por Veja passa necessariamente pela análise do
plano do conteúdo e da expressão articulados.
4.2 PLANO DO CONTEÚDO E PLANO DA EXPRESSÃO
Apesar de que, como já dito, serem oito as edições a serem analisadas, o
pressuposto do qual se parte é o de que todas constituem um único texto em meio a
vários discursos. Por texto deve-se entender a união do plano do conteúdo com o
plano da expressão e por discurso as falas ideológicas e socialmente localizadas e
que estão presentes principalmente no plano do conteúdo: Por exemplo: sendo a
revista Veja uma empresa de capital privado, é natural que se posicione contra
qualquer proposta política de intervenção estatal nos meios produtivos. Se fosse um
jornal operário é possível que adotasse um discurso diferente. O texto já é a união
entre os dois planos, o do conteúdo e o da expressão. O que vem exatamente a ser
um e outro?
4.2.1 Plano do conteúdo
O plano do conteúdo é o lugar do inteligível e do passional, do discurso
socialmente localizado. É principalmente nesse plano que ocorre o percurso gerativo
do sentido que será mais bem explicado adiante. Segundo Nilton Hernandes (2001,
p. 35) “uma das mais importantes conquistas teóricas da semiótica foi hierarquizar o
plano do conteúdo e estabelecer mais níveis de abstração para analisá-lo: o
fundamental, o narrativo e o discursivo”. É nesse plano que se localizam os
55
conceitos responsáveis não só pelo nascimento do texto, mas também pelo
enriquecimento dos sentidos presentes no mesmo sob a forma de um percurso
gerativo que segundo Barros (2003, p. 9), “vai do mais simples e abstrato ao mais
complexo e concreto”.
É no plano do conteúdo que o texto diz o que diz por meio das temáticas
geradas e dos investimentos figurativos que se manifestam nas oposições
semânticas, pela estrutura narrativa e estrutura discursiva em que os valores
narrativos são assumidos por sujeitos e de responsabilidade de um sujeito da
enunciação (BARROS, 2003). Para proceder a análise de um texto é possível fazê-
lo a partir de qualquer um dos níveis. Nessa dissertação, as oposições semânticas
estabelecidas pelo nível discursivo, serão o ponto de partida.
Por exemplo, o slogan dos cigarros Free “Cada um na sua, mas com
alguma coisa em comum”, presente em várias peças publicitárias como na
seqüência de um comercial televisivo em que uma garota afirma que, se alguém
tentar tirar sua liberdade ela irá morder, está presente a temática sócio-política, cujas
oposições fundamentais são opressão e liberdade, esta última figurativizada por
temas e pelo próprio ato de fumar aquela marca de cigarros. Liberdade para fazer o
que se quer é um pressuposto valioso para a sociedade de consumo, onde o
individualismo e a capacidade de consumir é a justa medida da afirmação social.
Seria muito estranha uma publicidade de cigarros que categoricamente e por livre
iniciativa apontasse os malefícios do ato de fumar10
.
10
O aviso de que fumar faz mal à saúde presente na publicidade de cigarros e nos maços e carteiras
é uma imposição legal.
56
4.2.2 Percurso gerativo de sentido
A revista Veja produz textos sincréticos, verbais e imagéticos, e por isso
constitui-se em um enunciador ou um sujeito da enunciação que se dirige a um
leitor, ou melhor, um simulacro de leitor produzido pelo próprio sujeito da enunciação
que o idealiza e que se chama enunciatário. Quanto mais essa idealização se
aproxima do leitor real mais eficiente será o texto no que diz respeito às suas
intenções que, no caso de um texto jornalístico, é fazer o leitor acreditar no que está
sendo comunicado, ou seja, tem por pretensão um fazer-crer. Quem é esse
enunciatário idealizado por Veja é algo que só será possível deduzir pelas marcas
deixadas pelo enunciador no próprio texto.
Mas afinal, se um texto é uma produção, localizada socialmente no espaço
e no tempo, como é que ele é produzido, ou melhor, construído? Talvez seja mais
fácil tentar explicar como ele pode ser desconstruído para poder se entender não só
o ou os seus sentidos, mas os artifícios que utilizou para construí-los.
Como o próprio termo sugere, gerativo, passa a idéia de algo se transforma,
uma vez que parte das unidades mínimas e mais abstratas para chegar, por
mecanismos de transformação, em processos mais complexos. Segundo Barros
(2003, p. 9), o percurso gerativo do sentido de um texto é concebido em três etapas
ou níveis, que se relacionam necessariamente, e que percorrem uma trajetória que
vai do mais simples e abstrato ou o nível fundamental ou das estruturas
fundamentais ou ainda das oposições semânticas mínimas ao mais complexo e
concreto, o nível do discurso ou das estruturas discursivas. Entre esses dois níveis
existe um intermediário denominado nível narrativo ou das estruturas narrativas. Em
vez de se fazer uma exposição puramente teórica dos três níveis optou-se por uma
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  • 1. UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Marlus Vinicius Forigo A REVISTA VEJA E A CONSTRUÇÃO DA IMAGEM PÚBLICA DE LULA NAS ELEIÇÕES DE 1989: UM PROJETO NEOLIBERAL Curitiba 2005
  • 2. Marlus Vinicius Forigo A REVISTA VEJA E A CONSTRUÇÃO DA IMAGEM PÚBLICA DE LULA NAS ELEIÇÕES DE 1989: UM PROJETO NEOLIBERAL Dissertação apresentada ao curso de Mestrado em Comunicação e Linguagens da Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas da Universidade Tuiuti do Paraná, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre. Orientadora: Profa. Dra. Kati Eliana Caetano. Curitiba 2005
  • 3. TERMO DE APROVAÇÃO Marlus Vinicius Forigo A REVISTA VEJA E A CONSTRUÇÃO DA IMAGEM PÚBLICA DE LULA NAS ELEIÇÕES DE 1989: UM PROJETO NEOLIBERAL Esta dissertação foi julgada e aprovada para a obtenção do título de Mestre em Comunicação e Linguagens no Programa de Mestrado em Comunicação e Linguagens da Universidade Tuiuti do Paraná. Curitiba, 22 de setembro de 2005 ________________________________________________________ Profa. Denize Correa Araújo, PhD Mestrado em Comunicação e Linguagens Universidade Tuiuti do Paraná Orientadora: Profa. Dra. Kati Eliana Caetano Universidade Tuiuti do Paraná Profa. Dra. Claudia Irene de Quadros Universidade Tuiuti do Paraná Prof. Dr. Cláudio José Luchesa Faculdades Integradas Curitiba
  • 4. Agradecimentos A melhor parte de mim, meus filhos Camila, Eduardo e Carolina A minha alma gêmea, Eliane, pelo amor verdadeiro A Leonildo e Thereza, meus pais, que desde quando eu era criança, nunca mediram esforços para fazer de mim um homem honrado, culto e humanista A minha orientadora, Kati Caetano, que por minha causa, e de outros como eu, garantiu um lugar no céu Mauro, Marcio, Ana, Angela, Cristina, Dulce, Marina, Cacá, Carlos, Cidinha, Randy, Magali,Fassina, Rocio, Cláudia, Geraldo, pessoas que de alguma forma, grande ou pequena, contribuíram com essa dissertação. (espero não ter esquecido ninguém)
  • 5. De tudo ficaram três coisas: a certeza de que estamos sempre começando... a certeza de que é preciso continuar... a certeza de que seremos interrompidos antes de terminar... PORTANTO DEVEMOS fazer da interrupção um caminho novo... da queda um passo de dança... do medo, uma escada... do sonho, uma ponte... da procura...um encontro” Fernando Sabino
  • 6. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO .........................................................................................................8 1.1 A OPÇÃO PELA REVISTA VEJA......................................................................8 1.2 CORPUS: LULA E AS ELEIÇÕES DE 1989 PELA REVISTA VEJA ................9 1.3 A OPÇÃO POR MARX, ALTHUSSER E A SEMIÓTICA DE GREIMAS .........11 1.4 ORGANIZAÇÃO DA DISSERTAÇÃO..............................................................13 2 MEIOS DE COMUNICAÇÃO, IDEOLOGIA E APARELHOS IDEOLÓGICOS DE ESTADO ...................................................................................................................15 2.1 IDEOLOGIA E COMUNICAÇÃO .....................................................................16 2.1.1 O materialismo dialético............................................................................16 2.1.2 O materialismo histórico............................................................................18 2.1.3 A infra-estrutura e a luta de classes..........................................................18 2.1.4 A superestrutura........................................................................................23 2.2 APARELHOS IDEOLÓGICOS DE ESTADO: A CONTRIBUIÇÃO DE ALTHUSSER .........................................................................................................27 2.2.1 A reprodução das relações de produção...................................................28 2.2.2 Ideologia e luta de classes........................................................................34 2.2.3 Ideologia e comunicação...........................................................................35 3 CONTEXTO POLÍTICO-ECONÔMICO DAS ELEIÇÕES DE 1989: A CRISE DO ESTADO-PROVIDÊNCIA E ASCENSÃO DO NEOLIBERALISMO .........................39 3.1 A GLOBALIZAÇÃO..........................................................................................39 3.2 O ESTADO DE BEM-ESTAR SOCIAL ............................................................40 3.3 A CRISE DO MODELO DE ESTADO DE BEM-ESTAR SOCIAL....................44 3.4 A SOLUÇÃO NEOLIBERAL ............................................................................45 3.5 O BRASIL NA CONJUNTURA DOS ANOS 80................................................49 4 A OPÇÃO PELA SEMIÓTICA GREIMASIANA.....................................................52 4.1 TEXTO SINCRÉTICO......................................................................................53 4.2 PLANO DO CONTEÚDO E PLANO DA EXPRESSÃO ...................................54 4.2.1 Plano do conteúdo ....................................................................................54 4.2.2 Percurso gerativo de sentido.....................................................................56 4.2.3 Plano da expressão...................................................................................60 5 ANÁLISE DAS CAPAS E REPORTAGENS DE VEJA .........................................62 5.1 EDIÇÃO 1074 – O TERREMOTO DA REFORMA SACODE O COMUNISMO63 5.1.1 Abaixo o comunismo em nome da liberdade ............................................65 5.1.2 Nível fundamental .....................................................................................66 5.1.3 Nível narrativo ...........................................................................................67 5.1.4 Nível discursivo .........................................................................................70 5.1.5 Iniciando a construção de uma imagem....................................................73 5.2 EDIÇÃO 1089 – A URSS ENFRENTA O SEU GRANDE DESAFIO ...............75 5.2.1 Disforia e não-disforia ou euforias x disforias?..........................................77 5.2.2 Nível narrativo ...........................................................................................80 5.2.3 Nível discursivo .........................................................................................81 5.3 EDIÇÃO 1095 - O Operário Vai a Luta ............................................................84 5.4 EDIÇÃO 1101 – A ESQUERDA SOBE............................................................87 5.5 EDIÇÃO 1105 - CHEGOU A HORA ................................................................91 5.5.1 Nível fundamental ....................................................................................91 5.5.2 Por um Brasil verde-amarelo....................................................................92 5.5.3 O sol nasce no ocidente............................................................................94 5.6 EDIÇÃO 1106 – PRESIDENTE COLLOR OU PRESIDENTE LULA................95
  • 7. 5.7 EDIÇÃO 1107 – LULA E O CAPITALISMO.....................................................98 5.8 EDIÇÃO 1109 – A BATALHA FINAL PARA MUDAR O BRASIL ...................101 5.8.1 Nível fundamental ..................................................................................101 5.8.2 Estruturas narrativas ..............................................................................104 5.8.3 Estruturas discursivas ............................................................................105 5.9 AS TRÊS FACES DO CANDIDATO OPERÁRIO ..........................................109 5.9.1 Um operário de hábitos humildes e grosseiros: o conto do torneiro borralheiro........................................................................................................110 5.9.2 Lula, o pt e as esquerdas: a marca do anacronismo...............................114 5.9.3 A ameaça comunista...............................................................................120 6 CONCLUSÃO ......................................................................................................124 6.1 QUE TIPO DE IMAGEM A REVISTA VEJA CONSTRUIU DO POLÍTICO LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA, E AO CONSTRUÍ-LA, DE QUE MANEIRA TENTOU INTERFERIR NO PROCESSO DE ESCOLHA DO ELEITOR?...........................125 6.2 QUAIS AS ESTRATÉGIAS UTILIZADAS? ....................................................126 6.3 DE QUAIS INTERESSES E IDÉIAS VEJA É PARTÍCIPE?...........................128 GLOSSÁRIO...........................................................................................................129 REFERÊNCIAS.......................................................................................................131 BIBLIOGRAFIA CONSULTADA ............................................................................135
  • 8. RESUMO A dissertação é uma análise da articulação dos componentes verbais e não verbais dos discursos relacionados à candidatura de Lula, nas eleições presidenciais de 1989, constituídos pelas capas e reportagens da revista Veja. O objetivo é desvelar o papel ideológico exercido pela revista Veja, na implementação do modelo neoliberal no país, tendo em vista que, debates sobre a crise do modelo socialista, sobre o fim do modelo de Estado de Bem-Estar Social, e do perigo “vermelho” e estatizante que ainda pairava sobre a sociedade brasileira, deram a tônica às capas e reportagens de Veja. O corpus de análise compreende oito edições publicadas em 1989, que serão examinadas na sua relação intertextual e inseridas no contexto político-ideológico dos anos 80. Para a análise do papel da revista no quadro da sociedade brasileira, recorre-se a abordagens teóricas que dêem conta não só do contexto sócio-histórico e econômico do país, como também da compreensão das mídias na formação de valores ideológicos e de uma economia política da comunicação. Para a análise do corpus, teorias de análise da imagem e de textos sincréticos são utilizadas para o exame do modo de funcionamento dos discursos e de seus efeitos de sentido. Palavras chave: Revista Veja, sincretismo, capas de revista, imagem, texto e contexto. RESUMÉ L’étude présente est une analyse de l’articulation des éléments verbaux et non verbaux des discours proférés pendant la candidature aux élections à la presidence du candidat Lula, pendant la campagne de 1989, qui ont fait l’objet de reportages du périodique Veja. L’objet principal de cette analyse est d’éclaircir le rôle idéologique joué par le périodique Veja dans l’implantation du modèle néo-libéral au Brésil, en prenant en compte les débats à propos de la crise du modèle socialiste, à propos de l’État du Bien Être-Social et du danger « rouge » et étatique qui menaçaient la société brésilienne et qui, pendant cette période, constituaient les premières pages et les reportages de Veja. Le corpus de l’analyse comprend huit exemplaires publiés en 1989, qui sont examinés dans une relation interposée et dans un contexte politique-idéologique des années 80. Pour l’analyse du rôle du périodique dans le cadre de la société brésilienne, nous avons pris en considération les abordages théoriques qui font étude non seulement du contexte socio-historique et économique du pays, mais aussi la compréhension des rôles des médias dans la formation des valeurs idéologiques aussi bien que d’une économie politique de la communication. Finalement, pour la démonstration du corpus sont utilises des théories d’analyses et d’images et textes syncrétiques pour mieux comprendre le mode de fonctionnement des discours et leurs possibles effets de sens/signification. Mots clés: Périodique Veja, syncrétisme, première-page de magazine et périodique, image, texte et contexte.
  • 9. 8 1 INTRODUÇÃO 1.1 A OPÇÃO PELA REVISTA VEJA A revista Veja, do grupo Abril, é um produto que pode ser adquirido de duas formas: por assinatura ou pela compra de exemplares avulsos em banquinhas de jornal e supermercados. Como qualquer outro produto, para sair da prateleira, deve despertar algum tipo de interesse, necessidade ou desejo nos possíveis compradores. A idéia de estudar como o candidato Lula foi retratado, durante as eleições de 1989, pelas capas e reportagens da revista Veja, poderia ter surgido da pergunta: o que leva alguém a gastar R$ 7,30 (sete reais e trinta centavos)1 , pelo exemplar de uma revista? Informação é a resposta. Informação é o produto encontrado nas páginas de Veja. Apesar de tratar de variedades como saúde, livros, cinema, e comportamento, dentre outros assuntos, a vocação da revista é oferecer informação jornalística de cunho político e econômico para um público não especializado, formado principalmente pela classe média brasileira, uma vez que a maioria dos brasileiros, pelo baixo poder aquisitivo, não pode se dar ao luxo de trocar uma refeição por páginas repletas de imagens coloridas e reportagens. Sem a intenção de discorrer sobre o mérito, a camada social à que Veja se dirige, é conhecida como formadora de opinião pública. Indiferente a isso, o fato é que, quem a compra, busca informação, e a principal informação veiculada por Veja, diz respeito à vida política e econômica do país. 1 Valor atualizado do exemplar avulso.
  • 10. 9 Em 1989, aconteceram as primeiras eleições para presidente depois de décadas de ditadura militar; um acontecimento imprescindível para a consolidação da democracia no Brasil e para os rumos que tomaria a sociedade brasileira. Um evento dessa relevância não poderia ocupar um papel secundário nas páginas da revista jornalística de maior circulação e tiragem até hoje no país. Desde 1995 são impressos mais de 1 milhão de exemplares semanalmente (HERNANDES, 2001, p. 8). Não só os números são impressionantes, mas pensar que em suas páginas, em razão do produto que vende, é possível encontrar uma direção para as ações cidadãs da sociedade brasileira, é conclusivo que, se a revista não é um poder por si mesma, no mínimo toma parte do jogo de forças ideológico que permeia a vida política. Pesquisar e desvelar a posição de Veja em relação às eleições de 1989, e explicar o processo da construção de sentido dos seus textos, por meio da interação entre linguagem verbal e não-verbal, se tornou um desafio cientificamente tentador. 1.2 CORPUS: LULA E AS ELEIÇÕES DE 1989 PELA REVISTA VEJA Toda pesquisa implica escolhas e recortes, e o desta dissertação está relacionado a três indagações:  Que tipo de imagem a revista Veja construiu do político Luiz Inácio Lula da Silva, e ao construí-la, de que maneira tentou interferir no processo de escolha do eleitor?  Quais as estratégias utilizadas?  De quais interesses e idéias Veja é partícipe?
  • 11. 10 Para dar conta dessas perguntas foram escolhidos oito exemplares da revista, das quais se fez a análise dos elementos verbais e não-verbais de suas capas, além de 26 reportagens, ensaios e entrevistas das respectivas edições. As edições escolhidas para a análise e manchetes de capa são: 1ª - Edição 1074, de 05/04/89 – “O terremoto da reforma sacode o comunismo: o vento da liberdade que varre a Europa do Leste”; 2ª - Edição 1089, de 26/07/89 – “A URSS enfrenta o seu grande desafio”; 3ª - Edição 1095, de 06/09/89 – “O candidato operário: a dura jornada de Lula na sucessão”; 4ª - Edição 1101, de 18/10/89 – “A esquerda sobe: Lula encosta em Brizola e entra na briga pelo segundo turno”; 5ª - Edição 1105, de 15/11/89 – “Chegou a Hora!” 6ª - Edição 1106, de 22/11/89 – “Presidente Collor ou Presidente Lula”; 7ª - Edição 1107, de 29/11/89 – “Lula e o capitalismo: as mudanças que o PT promete dividem o Brasil”; 8ª - Edição 1109, de 13/12/89 – “A batalha final para mudar o Brasil: o que pode ocorrer no país com Lula ou com Collor”. As edições trazem reportagens que discutem as reformas políticas no Leste europeu, o papel do Estado na economia, a crise dos modelos intervencionistas de Estado, a vitória da democracia liberal, o comunismo, a economia de mercado, as ideologias políticas e econômicas e os programas de governo dos candidatos à presidência da República. Para fazer o recorte da pesquisa e a seleção dos exemplares para a análise, levou-se em consideração o contexto global da crise do modelo de Estado de Bem-
  • 12. 11 Estar Social e do socialismo, afinal essa foi a temática que mais se fez presente nas reportagens sobre o processo eleitoral brasileiro. O ponto de partida para as análises foram as capas das revistas e levaram em consideração os elementos verbais (parte escrita) e não-verbais (imagens, diagramação, cores, etc). As análises não se restringiram às capas, mas se estenderam às reportagens, entrevistas e ensaios que de alguma maneira se relacionaram às eleições. Apesar desse recorte, houve a necessidade de se delimitar ainda mais o objeto de estudo. Como as eleições foram pautadas pelo debate entre esquerda e direita, fez-se a opção por demonstrar os sentidos dos textos de Veja a partir da construção da imagem do candidato Lula, que se depreende de suas páginas. Essa escolha se deu pelo fato de Lula ser um forte concorrente de esquerda ao Planalto. O que vai ser demonstrado ao longo dessa dissertação é que Veja adotou construir como estratégia, um sentido positivo para as propostas neoliberais a partir de um antidiscurso socialista feito sobre o candidato Lula. Em defesa dos valores do capital, Veja combateu qualquer ideologia ou inimigo em potencial da reestruturação do capitalismo. As eleições para presidente de 1989 podiam colocar o Brasil nos trilhos do modelo neoliberal ou criar obstáculos, caso houvesse uma vitória do PT ou do PDT. 1.3 A OPÇÃO POR MARX, ALTHUSSER E A SEMIÓTICA DE GREIMAS Como já afirmado, as eleições presidenciais de 1989, foram marcadas pelo debate ideológico entre esquerda e direita e realizados à luz da crise do Estado e do
  • 13. 12 modelo socialista. Sendo a revista Veja uma empresa de capital privado, é difícil imaginar que ela tenha sido imparcial e se colocasse acima do jogo de forças que caracteriza a política. Como se demonstrará nessa dissertação, a revista Veja intercedeu nas eleições de 1989, em favor do grande capital nacional e internacional. Em regimes autoritários a sociedade é coagida pela força das armas, mas numa sociedade democrática essa dominação não pode ser sob a forma da coerção física, e sim por meio de uma manipulação sutil e discreta da consciência social. Marx, no século XIX, afirmava que toda sociedade se assenta sob uma determinada infra-estrutura econômica e que a essa corresponde uma determinada superestrutura ideológica, cuja função é legitimar ideologicamente as relações de dominação existentes na base econômica. Louis Althusser retoma a questão da ideologia sob a forma de mecanismos voltados para fins de dominação ideológica, os aparelhos ideológicos de Estado e Veja atuou como aparelho ideológico à serviço do capital. Se um texto, verbal ou não-verbal, está a serviço de uma ideologia é necessário um instrumento para realizar a análise desse texto. Um instrumento que ajude a revelar como se produz o sentido de um texto e que sentido é este. Segundo Greimas, a semiótica é uma disciplina ancilar à área de humanas, e nessa perspectiva é que instrumentos da semiótica greimasiana serão utilizados para revelar os sentidos do discurso de Veja. Segundo Hernandes (2001, p. 11) a teoria (semiótica) “permite examinar o texto como objeto de comunicação entre sujeitos e também como objeto de significação. Torna possível, em outras palavras uma análise interna, ou estrutural, e uma externa, que examina o texto como objeto
  • 14. 13 cultural, inserido numa sociedade de classes e construído em função de uma série de coerções, tanto ideológicas como de formato da própria mídia”. 1.4 ORGANIZAÇÃO DA DISSERTAÇÃO Além da introdução e da conclusão, o trabalho foi dividido em quatro partes: No capítulo 2 – MEIOS DE COMUNICAÇÃO, IDEOLOGIA E APARELHOS IDEOLÓGICOS DE ESTADO – é feita uma apresentação da contribuição teórica de Marx, acerca do materialismo dialético e histórico, e sobre a ideologia e sobre os aparelhos ideológicos de Estado de Althusser. Soma-se a essa discussão as contribuições de autores como Bernardo Kucinski, Nelson Werneck Sodré, Maria Lília D. de Castro, César R. S. Bolaño e Antônio Albino C. Rubim. O objetivo desse capítulo é discutir o que é ideologia, o seu papel na sociedade de classes e de construir pressupostos que permitam compreender como um veículo de comunicação pode reproduzir ideologicamente as relações de dominação existentes nas relações de produção. No capítulo 3 - CONTEXTO POLÍTICO-ECONÔMICO DAS ELEIÇÕES DE 1989: A CRISE DO ESTADO-PROVIDÊNCIA E ASCENSÃO DO NEOLIBERALISMO - é feita a contextualização histórica do período em que ocorrem as eleições de 1989. As eleições ocorreram em meio a crise do modelo de Estado de Bem-Estar Social, da queda dos regimes socialistas no Leste da Europa e da ascensão do neoliberalismo. Esses acontecimentos internacionais pautaram a discussão sobre o
  • 15. 14 modelo de Estado e rumos econômicos que o Brasil deveria tomar, e o momento dessa escolha eram as eleições. No capítulo 4 - A OPÇÃO PELA SEMIÓTICA GREIMASIANA – será feita uma breve explanação da semiótica greimasiana. O objetivo é inserir o leitor em alguns dos principais conceitos e procedimentos da semiótica, enquanto instrumento de análise do texto. No capítulo 5 - ANÁLISE DAS CAPAS E REPORTAGENS DE VEJA - é demonstrada a existência de um discurso, que em seu conteúdo estão presentes valores pertencentes a uma classe dominante. Este discurso é produzido na relação dialogal entre os vários textos, sejam verbais ou não-verbais, difuso capilarmente pelas várias edições analisadas, cujo objetivo é induzir o leitor da revista a não votar em Lula, por ser um candidato incapaz, de esquerda, e de partilhar de idéias retrógradas e decadentes.
  • 16. 15 2 MEIOS DE COMUNICAÇÃO, IDEOLOGIA E APARELHOS IDEOLÓGICOS DE ESTADO Não se pode atribuir aos meios de comunicação a responsabilidade por tudo o que as pessoas pensam, imaginam, desejam ou como conduzem sua vida cotidiana. Mas é inegável que em boa parte de suas vidas, elas são espectadoras de programas televisivos, ouvintes de rádio, freqüentadores de sites e leitores de revistas e jornais e que, não raras vezes, os têm como referência da realidade política, econômica e social constituindo-os como suporte do seu imaginário. Os meios de comunicação, principalmente a partir da modernidade, com a invenção dos tipos móveis, tornaram-se se não o principal, mas um importante meio de difusão de idéias, valores e comportamentos. Esse é o caso da revista Veja, e o propósito desta exposição é demonstrar o que essa revista diz, enquanto texto sincrético, e como o faz para dizê-lo. Partindo do pressuposto de que como meio midiático Veja é capaz de, em determinados momentos da vida, influir nas ações humanas, seria o caso de explicar como faz isso e quais as estratégias empregadas. O caminho escolhido para verificar essa possibilidade busca um respaldo teórico para explicar como Veja se constitui em um instrumento ideológico. Esclarecer o que é Ideologia, situá-la dentro de uma determinada construção teórica, nesse caso, a de Marx, por este entender que a ideologia é uma construção social de uma classe dominante, com a intenção de preservar seus interesses, ocultando as condições de exploração que impõe à classe dominada, para em seguida, desvelar pela análise dos sentidos, posturas ideológicas comprometidas com interesses relacionados a determinadas conjunturas históricas, a partir de uma
  • 17. 16 análise da articulação dos componentes verbais e não-verbais dos discursos relacionados à candidatura de Lula, veiculados pela revista Veja. 2.1 IDEOLOGIA E COMUNICAÇÃO O conceito de ideologia foi inicialmente empregado por Karl Marx em seu trabalho de análise e de crítica ao sistema capitalista do século XIX, e sua função é legitimar o poder da classe dominante sobre o conjunto da sociedade. Apesar de o conceito possuir diferentes definições, será empregado o que está presente no livro “A Ideologia Alemã” (1999): toda forma de pensamento e de representação presente em um determinado modo de produção. Para se compreender como se dá a dominação de uma classe sobre outra e a origem da ideologia, é necessário avançar em alguns aspectos do pensamento marxista, por serem resultantes de uma determinada formação econômica. 2.1.1 O materialismo dialético Ao contrário de Friedrich Hegel que afirmava serem as contradições do espírito o motor da história, para Marx não são as idéias que movem o mundo, mas sim, as contradições presentes nas relações de produção, e mais, são as idéias que derivam das condições materiais de produção e reprodução da existência, o que significa dizer que a matéria é o dado primário, do qual derivam as idéias, ou nas palavras do próprio Marx (1999, p. 37): “não é a consciência que determina a vida, mas a vida que determina a consciência”. Tal como os indivíduos manifestam sua vida, assim são eles. O que eles são coincide, portanto, com sua produção, tanto com o que produzem como
  • 18. 17 com o modo como produzem. O que os indivíduos são, portanto, depende das condições materiais de sua produção (MARX, 1999, p. 28). Para Nelson Werneck Sodré (1999), por exemplo, existe uma relação dialética entre a imprensa e o capitalismo facilmente perceptível pela tendência de uniformidade, mas por outro lado, essa mesma imprensa que é capaz de levar os homens à uniformidade de valores éticos e culturais, exercendo até certo ponto um papel importante na formação da consciência social, é em última instância, profundamente influenciada pela lógica do desenvolvimento das forças produtivas. No caso das sociedades capitalistas, as condições materiais de existência, trazem um apelo à padronização de valores, repassada pelos meios de comunicação. Essa padronização dispensa a consciência individual em prol do inconsciente coletivo. São as condições materiais preponderando sobre valores éticos, espirituais ou relacionais. Sodré (apesar de que toda época possui suas contradições), conclui que: Houve um tempo, como na Idade Média, em que não se trocava senão o supérfluo, o excedente da produção sobre o consumo. Houve, também, tempo em que não somente o supérfluo, mas todos os produtos, toda a existência industrial, passaram ao comércio, em que a produção inteira dependia da troca. Veio, finalmente, tempo em que tudo o que os homens tinham visto como inalienável tornou-se objeto de troca, de tráfico, e podia ser alienado. Este foi o tempo em que as próprias coisas que, até então, eram transmitidas, mas jamais compradas — virtude, amor, opinião, ciência, consciência, etc. — em que tudo, enfim, passou ao comércio. Esse foi o tempo da corrupção geral, da venalidade universal ou, para falar em termos de Economia Política, o tempo em que tudo, moral ou físico, tornando-se valor venal, é levado ao mercado para ser apreciado no justo valor (SODRÉ, 1999, p. 8). E esse é o tempo ou a época da revista Veja.
  • 19. 18 2.1.2 O materialismo histórico Para Sodré (1999), a influência dos anunciantes foi ganhando cada vez mais espaço, em detrimento do leitor2 , configurando a imprensa como parte da superestrutura econômica que tomou conta da sociedade. Superestrutura econômica é um conceito de materialismo histórico. É um método de análise utilizado para a compreensão da história, desenvolvido por Marx com a intenção de entender o capitalismo no século XIX. É a aplicação do materialismo dialético ao estudo da História. Marx desenvolveu o materialismo histórico para explicar as formas como os homens, independente da época e do lugar, organizaram-se e organizam-se para produzir o que necessitam para sua sobrevivência. Quer dizer, explica-se a história pelos fatores econômicos e técnicos (ARANHA; MARTINS, 1993). A essas diferentes formas de organização Marx chama de modos de produção e estes se estruturam em níveis: infra-estrutura e superestrutura. Para Marx, um modo de produção ou o modelo infra-estrutural é a base econômica sob a qual se erguerá e se determinará a superestrutura. 2.1.3 A infra-estrutura e a luta de classes A infra-estrutura é explicada como o nível da base econômica e dele fazem parte as relações que o homem estabelece com a natureza visando à reprodução da existência e se dá pela mediação do trabalho. Para trabalhar e garantir a existência também são necessárias e fazem parte da infra-estrutura as relações dos homens 2 Pode-se substituir atualmente por espectador, ouvinte ou navegador.
  • 20. 19 entre si, ou melhor, a forma como os homens se organizam para produzir os bens necessários à existência. No sistema capitalista, essas relações são entre proprietários dos bens de produção (exploradores) e os não proprietários (explorados) e também com os meios e os objetos de trabalho. No modo de produção capitalista, a relação entre burguesia e proletariado (proprietários e não proprietários respectivamente), vai compor o que Marx vai chamar de lutas de classes. Para Marx, a história de todas as sociedades existentes até hoje tem sido a história das lutas de classes. Homem livre e escravo, patrício e plebeu, senhor e servo, membros da corporação e aprendiz, em suma, opressores e oprimidos, estiveram em constante antagonismo entre si, travaram uma luta ininterrupta, umas vezes oculta, outras aberta, uma luta que acabou sempre com uma transformação revolucionária de toda a sociedade inteira ou com o declínio comum das classes em luta (MARX, 1998, p. 68). Porém, nem sempre a luta de classes existiu. Nas comunidades primitivas as forças produtivas3 ou condições materiais de produção eram atrasadas, inexistindo classes sociais, propriedade privada e produção de excedentes4 . Eram comunidades nômades, que, com o desenvolvimento das forças produtivas caracterizadas pelo processo de domesticação de animais, do desenvolvimento de instrumentos de trabalho e da descoberta da agricultura, foram se tornando sedentárias. Com a sedentarização e o desenvolvimento incessante das forças produtivas, foi surgindo a noção de propriedade privada, do planejamento da produção e da distribuição de excedentes, e conseqüentemente da divisão do trabalho que dará origem à divisão da sociedade em classes. O escravismo surge como conseqüência do desenvolvimento das forças produtivas. Era uma nova força 3 Segundo Cristina Costa (1997, p. 91) implicam o “conjunto de forças naturais já transformadas e adaptadas pelo homem, como ferramentas ou máquinas, utilizadas segundo uma orientação técnica específica. E o próprio homem que [...] é o principal elemento das forças produtivas, uma vez que é o responsável por fazer a ligação entre a natureza e a técnica e os instrumentos”. 4 Ou sistema comunal primitivo. Basicamente essas comunidades viviam da caça e da coleta de alimentos.
  • 21. 20 de trabalho que permitia o acúmulo de riquezas. O desenvolvimento das forças produtivas e a produção de excedentes acabaram por produzir a exploração do homem pelo homem. De acordo com Georges Politzer (1993), a sociedade de classes transformou profundamente a psicologia do homem. Por isso, o autor dá razão a Rousseau que responsabilizou a sociedade pela corrupção da natureza humana. A partir da exploração do homem pelo homem, este foi impedido de dispor do fruto do seu próprio trabalho, sendo separado de sua obra. O explorador apropriou-se do seu trabalho, alienando-o. A conseqüência é que, tendo sido separado do seu trabalho, o homem separou-se de si próprio. De acordo com o autor, a atividade produtora e a iniciativa criadora perfazem a natureza humana, sendo essa natureza que o distingue do animal. Ao mesmo tempo em que o trabalhador-explorado é despojado do produto do seu trabalho, o explorador apropria-se do que não produziu. Com isso, mutila-se a consciência do explorado por não poder realizar seus fins livremente. Mas a consciência do explorador também se encontra separada de si própria, porque se acostumou com a mentira. Assim, a consciência de ambos reflete, cada qual a seu modo, a exploração. Para Marx, só é possível compreender o funcionamento e a forma de organização de uma sociedade, a partir do estudo dos modos de produção. Além do modo de produção citado, o sistema comunal primitivo, Marx identificou outros mais. São eles: o asiático, o de produção antigo ou escravista, o germânico, o feudal e o modo de produção capitalista (COSTA, 1997, p. 92), que é o contexto histórico no qual se encontra o corpus desta dissertação. A partir do surgimento da sociedade de classes, independente do modo de produção específico, a luta de classes tem sido o motor da história e assim o é ainda
  • 22. 21 hoje, na atual fase do modo de produção capitalista. É importante ressaltar que essa luta entre classe dominante e classe dominada, ou especificamente, no caso do capitalismo, o confronto entre a classe burguesa e a classe proletária, não se dá somente no nível econômico, ou infra-estrutural, mas também no nível das idéias, ou no plano ideológico. O surgimento da imprensa veio contribuir para a disseminação das idéias, no plano ideológico. Nascendo com o capitalismo e acompanhando o seu desenvolvimento, tornou-se facilmente um instrumento da classe dominante. As empresas jornalísticas ganhavam proporções semelhantes a qualquer outra empresa capitalista, fato impulsionado pelo avanço do rádio e da televisão, gerando um conglomerado empresarial capitalista que agrupou a imprensa falada e a escrita. Com essa caracterização, predomina na imprensa o aspecto privado (capitalista), persistindo o confronto entre as classes. Numa empresa jornalística, a convicção de Sodré (1999), é de que existem pelo menos três classes sociais: os proprietários (capitalistas); os intelectuais (classe média è às vezes burguesa) e os operários (proletariado), cujos interesses são contraditórios. Quase sempre prevalece a lei do mais forte, isto é, dos proprietários dos jornais, facilitando então, a propagação dos ideais burgueses, e caracterizando a mesma luta de classes que se dá em outro tipo de empresa. Já para Maria Lília Dias de Castro (2000, p. 276): O traço burguês da empresa é facilmente perceptível, aliás, nas campanhas políticas, quando acompanha as correntes mais avançadas, e em particular nos episódios mais críticos, os das sucessões. O problema, cuja complexidade é indiscutível, revela-se, assim, na questão política sempre séria que é a sucessão dos chefes de Estado... Bernardo Kucinski (1996), concorda com a idéia de que a imprensa colaborou com a implantação do projeto neoliberal, em especial na campanha pelas privatizações. A imprensa esteve a favor da ideologia do Estado, apesar de a
  • 23. 22 sociedade civil estar dividida. Esses fatos vão ao encontro das idéias de Marx, pois conforme Kucinski (1996, p. 184), “por ser exercido por uma elite intelectual e por seu papel decisivo na criação de expectativas e no jogo do poder, o jornalismo é muito condicionado pelas assimetrias que caracterizam as democracias liberais...” Faz-se mister acrescentar que os proprietários estão sempre correndo atrás de mais lucros e, para isso, abrem seus jornais ou revistas à publicidade. Isso pode facilmente ser percebido ao se folhear a revista Veja. Sodré (1999, p. 3), registra que esse fato vem ocorrendo desde a ascensão da imprensa e do capitalismo, numa comprovação ostensiva “... das ligações entre a imprensa e as demais formas de produção de mercadorias”. Citando um exemplo, ao relatar o histórico da imprensa norte-americana, o autor diz que na primeira metade do século XIX, um dos jornais nascidos quatro anos antes, já atingia a casa dos 30.000 mil exemplares, mesmo tendo dobrado o tamanho das páginas. Isso para acomodar os anúncios cujo afluxo crescia sempre. Assim, segundo Sodré (1999), não é a verdade dos fatos o que mais lhes interessa, tampouco o leitor que compra a notícia, mas o que a revista vai render em publicidade. E ainda, por depender também do poder público, no que diz respeito ao fornecimento de máquinas, papel e até empréstimos financeiros, ficam à mercê do setor, perdendo uma parcela significativa de sua autonomia. Sendo assim, apesar de os jornalistas proclamarem independência e objetividade em suas matérias, na cobertura dos acontecimentos, persiste o “oficialismo”, principalmente aquele que tem por protagonista o próprio Estado a serviço do capital.
  • 24. 23 2.1.4 A superestrutura A superestrutura ou nível político-ideológico é formado por uma superestrutura jurídico-política, que existe na esfera do Estado e do direito, e pela superestrutura ideológica e diz respeito às diferentes formas da consciência social, presentes na religião, nas leis, na escola, na cultura, nas ciências, e nos valores. Da mesma maneira que ocorre uma subordinação dos não-proprietários aos proprietários no nível infraestrutural (exploração do trabalho), também ocorre uma subordinação no nível superestrutural, pois, a superestrutura reflete as idéias e valores dos proprietários ou da classe dominante. Por superestrutura entendam-se todas as idéias e instituições que refletem as relações de produção dominantes, sendo elas também dominantes (POLITZER; BESSE; CAVEING, 1993)5 . E ainda segundo os autores: Sendo as idéias parte integrante da superestrutura, e em sendo esta determinada pela infra-estrutura, o seu conteúdo não passa de um reflexo da realidade objetiva da sociedade, não possuindo gênese própria e independência:... a moral, a religião, a metafísica e todo o restante da ideologia, bem como as formas de consciência a elas correspondentes perdem logo toda aparência de autonomia. Não têm história, não têm desenvolvimento; ao contrário, são os homens que, desenvolvendo sua produção material e suas relações materiais, transformam com a realidade que lhes é própria, seu pensamento e também os produtos do seu pensamento. Não é a consciência que determina a vida, mas sim a vida que determina a consciência (POLITZER; BESSE; CAVEING, 1993, p. 19-20). Qual seria então a razão de existir da superestrutura, e mais especificamente da superestrutura ideológica? A resposta é: a manutenção das relações de dominação presentes na infra-estrutura, legitimando-a e justificando-a, além de criar dificuldades para o surgimento e propagação de qualquer idéia que venha a colocar em risco o seu status quo. A ideologia não pode, portanto, ser 5 Por exigência de Guy Besse e Maurice Caveing o nome do mestre Georges Politzer deveria vir na frente. Ambos eram alunos de Politzer e a obra que leva o nome dos três é o resultado da compilação das aulas e cursos ministrados por Politzer.
  • 25. 24 compreendida e nem explicada fora de sua relação com a infra-estrutura econômica. Marx e Engels (apud POLITZER; BESSE; CAVEING, 1993), exemplificam esse fato ao falar do dogma calvinista. Para eles, tal dogma correspondia às exigências da mais avançada burguesia da época. O êxito ou o fracasso da atividade do mundo comercial correspondia a um desígnio de natureza religiosa, verificada pela doutrina da predestinação. Não dependia, portando da habilidade humana ou das circunstâncias que, por sua vez, também não dependiam da vontade, nem da ação humanas, mas de forças econômicas superiores e desconhecidas. A idéia da predestinação justifica e legitima os efeitos indesejados da livre concorrência que estão num plano puramente material transpondo-os para o plano do sagrado, da onisciência e dos desígnios de Deus, mascarando, desta feita, e transformando em realidade imutável algo objetivamente positivo, ou seja, econômico. Isto colocado de uma maneira simplista e desconsiderando tudo o que depende das circunstâncias variáveis da época e do meio, seria o mesmo que dizer que se uma pessoa nasce numa sociedade capitalista pensará como um capitalista, sendo ou não um capitalista. Este terá desejo de ascensão social, será muito provavelmente individualista e egoísta e motivado por um desejo de consumo não raras vezes inconsciente. Agora, se essa mesma pessoa nasce numa sociedade cujo modo de produção é o feudal, dificilmente seria motivado pelo desejo de consumir, não que esse não existisse, mas não com a mesma força e determinismo que existe numa sociedade capitalista, haja vista que numa sociedade essencialmente agrária não há muito para ser consumido. Também não teria desejo de ascender socialmente, pois na Idade Média, não existia essa possibilidade, porque ser senhor feudal ou camponês era condição de nascimento, inexistindo qualquer possibilidade de mobilidade e ascensão social. Ainda mais, havia pouco
  • 26. 25 espaço para o individualismo devido ao fato de a produção depender do esforço coletivo. Fazendo uso de uma expressão, novamente simplista, mas, perfeitamente cabível, seria o mesmo que dizer que o homem é fruto do meio, entendendo-se por meio, a forma pela qual os homens produzem os bens necessários à sua existência. O mesmo pode ser aplicado ao jornalismo da atualidade. Pertencendo a uma sociedade cujos valores são eminentemente capitalistas, a economia torna-se o centro da temática, para a qual utilizam, segundo Kucinscki (1996, p. 187), o pensamento neoliberal, mas de “... forma simplista, para justificar a tese de que preocupações éticas com a distribuição de renda não só nada têm a ver com a teoria econômica, como levam ao efeito contrário. Por essa tese só uma economia na qual os empresários tenham a total liberdade de ação produz bons resultados”. Nessa linha de pensamento, o autor complementa a idéia dizendo que a ideologia do livre mercado, em suas várias manifestações (desde o marginalismo até o neoliberalismo) fez com que o homem escolhesse o capital, em detrimento dele próprio, como sujeito de suas histórias e objeto de suas preocupações. Nega-se o social, prefere-se o capital ao homem, sob a égide de teorias econômicas e neoliberais desumanizantes (KUCINSKI, 1996). Feitas essas considerações, pergunta-se: como exatamente se produz a ideologia na infra-estrutura? Para Marx, com o surgimento da propriedade surge também a luta de classes, dominantes (proprietários dos bens de produção) e dominados (portadores da força de trabalho), e é nesta relação principalmente, não a única6 , que a ideologia ganha existência material, uma vez que sua existência emana dos interesses da classe beneficiária de um determinado modo de produção. 6 Seria anti-dialético supor a impossibilidade do surgimento de premissas ideológicas de outras instâncias fora da relação entre dominantes e dominados. A malfadada experiência soviética foi bem um exemplo da ideologia surgida dentro da esfera do Estado, em uma sociedade sem classes. O culto a personalidade, no caso de Stálin foi uma situação exemplar.
  • 27. 26 A classe dominante de um determinado período histórico apresenta valores, crenças, idéias, representações e verdades e por um processo de generalização estende-se a toda a sociedade, apresentando-se como verdades universais e eternas. Apresenta seus interesses particulares como interesses de todo o conjunto social. Assim, a propriedade privada e a liberdade, por exemplo, são apresentadas como valores universais e eternos, tendo sua legitimidade por si mesmas, quando na realidade, são resultados de determinadas organizações produtivas e interessantes somente a uma minoria que usufrui os benefícios advindos dessas instituições e que se dão às custas da exploração do trabalho alheio. Marx demonstra isso no livro “A Questão Judaica” (2000) quando discute a afirmação presente na constituição francesa de que todos os homens são iguais perante a lei garantindo-se a todos a liberdade, a segurança e a propriedade. Já afirmava Montesquieu, no século XVIII, em o “O Espírito das Leis”, que as leis afirmam não a igualdade entre os homens, mas sua desigualdade, e que elas só afirmariam a igualdade se os homens fossem socialmente iguais. Em Marx isso não é diferente, uma vez que segundo ele a liberdade não é outra coisa senão o direito de desfrutar de seus bens da forma que lhe convier, independente de qualquer função social que estes possam ter, ou seja, [...] a liberdade individual e esta aplicação sua constituem o fundamento da sociedade burguesa. Sociedade que faz com que todo homem encontre noutros homens não a realização de sua liberdade, mas, pelo contrário, a limitação desta (MARX, 2000, p. 36). As leis dizem coisas diferentes para homens socialmente diferentes apesar de aparentemente estarem dizendo o mesmo para todos. As leis garantem a propriedade para quem as possui e garante a liberdade de delas dispor, mas de forma sutil diz para os desafortunados que não se coloquem dentro do limite das cercas, e nem lhes garantem o acesso à propriedade. As leis burguesas existem apenas para proteger o status quo contra qualquer tentativa de alteração da ordem
  • 28. 27 instituída e, nesse sentido, a função da ideologia é a de apresentar uma realidade que só é interessante a um grupo de indivíduos como sendo interessante a todos os indivíduos. A ideologia representa algo como sendo real para todos, quando só o é para alguns. Isto ocorre devido a separação entre o trabalho manual e o trabalho intelectual. Segundo Marilena Chauí (2002, p. 62), ideologia é “um sistema ordenado de idéias ou representações e das normas e regras como algo separado e independente das condições materiais”. Isto porque seus produtores (teóricos, ideólogos e intelectuais) não estão diretamente vinculados à produção material das condições de existência, como se as idéias pudessem ser separadas da produção material. Se uma classe é economicamente dominante, essa dominação também se dará no plano das idéias, ou no plano superestrutural, uma vez que, segundo Chauí (2002, p. 79), “a ideologia é um dos instrumentos da dominação de classe e uma das formas da luta de classe”. A ideologia da classe dominante manifestar-se-á não somente no plano da produção material, mas, também no plano da produção e reprodução das idéias que ocorrem no que Louis Althusser chama de Aparelhos Ideológicos de Estado. 2.2 APARELHOS IDEOLÓGICOS DE ESTADO: A CONTRIBUIÇÃO DE ALTHUSSER Para entender o que são os Aparelhos Ideológicos de Estado em Althusser, optou-se por fazer esta explicação já dentro do contexto no qual se insere este trabalho; o da sociedade capitalista. Outro ponto a ser evidenciado é a da subdivisão
  • 29. 28 desta parte em três outras. Na primeira, demonstrar-se-á o que são e a importância dos Aparelhos Ideológicos de Estado, doravante referidos por AIE; na segunda parte, evidenciar-se-á a relação necessária existente entre ideologia e a luta de classes e na terceira, estabelecer-se-á a relação entre ideologia e comunicação. 2.2.1 A reprodução das relações de produção Para Althusser (1998, p. 68), os AIE referem-se a um certo número de realidades que se apresentam ao observador imediato sob a forma de instituições distintas e especializadas, que têm por função superestrutural a sustentação no plano das idéias da infra-estrutura econômica, sendo determinados por elas. Assim, “todos os aparelhos ideológicos de Estado, quaisquer que sejam, concorrem para o mesmo fim: a reprodução das relações de produção, isto é, das relações de exploração capitalistas” (ALTHUSSER, 1998, p. 78). Os espaços de reprodução e difusão da ideologia dominante estão contidos na religião, na escola, na família, no sistema jurídico, no sistema político, na cultura e até mesmo no sistema sindical e particularmente aquele que terá destaque nesse trabalho: os meios de comunicação como a imprensa escrita, o rádio, a televisão e outros. De acordo com Kucinski (1996, p. 188), o jornalismo torna-se, ao lado da escola e da Igreja, quase um “aparelho ideológico de Estado”. É um dos mecanismos não coercitivos que as elites dominantes ou o Estado usam para manter as condições de reprodução do sistema, mas que pode atuar questionando e até mesmo denunciando a ideologia dominante, como por exemplo os Zapateros no México em 2001, que furaram o bloqueio imposto pelo Estado e pela mídia constituída, utilizando como meio de informação, a rede mundial de computadores.
  • 30. 29 Note-se, pela relação acima, que os AIE, na sua maior parte, encontram-se dispersos na esfera do privado, ficando unicamente sob restrito domínio público, (afirmação ideológica uma vez que na concepção marxista, o Estado é o representante dos interesses da classe dominante, só que regulamentado pelo direito público, que também é ideológico), o que Althusser vai chamar de Aparelho Repressivo do Estado, ou simplesmente, ARE, que são basicamente a polícia, o exército, os presídios, os tribunais, dentre outros, cuja função é fazer uso da coerção física para garantir a reprodução das relações de produção capitalistas. O que Althusser quer dizer com isto não é outra coisa senão que “a noção de Estado não se esgotava no aparelho repressivo (ARE), compreendendo também instituições da sociedade civil, como as escolas, as igrejas, os sindicatos” (CÂMARA, 1993, p. 427). À conclusão semelhante chega César Bolaño (2000), que, ao analisar a obra de Marx, afirma que a “forma comunicação” está adequada às determinações gerais do capital. Ora, se o Estado é o representante dos interesses da classe dominante (capitalista), é fato também que a forma com que as comunicações de massa entram na vida das pessoas, embora seja veiculada pela iniciativa privada, é controlada de forma a representar a ideologia dessa classe. Hegel afirmava que o Estado é a esfera do público enquanto que a sociedade civil é a esfera do privado. No entanto, quando se pensa a esfera do público e a esfera do privado dentro da ótica marxista, e quando ainda se pensa em AIE, é perceptível que a diferença é retórica, pois a ação desses diferentes atores não propriamente estatal (AIE), não passa de mera conformação a uma formação social estruturada pela classe dominante que se dá no plano das idéias e dos valores, ou seja, no plano ideológico e cuja função é a de não só ocultar uma
  • 31. 30 realidade de desigualdades e injustiças, mas também de criar uma consciência legitimadora dessa realidade. Os meios de comunicação, tal como existem hoje, podem ser de muita eficiência no processo de legitimação da realidade social. Segundo Afonso Albuquerque (1998), toda veiculação noticiosa é manipulada segundo as forças que a regem: patrocinadores, audiência e interesses comerciais da empresa jornalística que entram em choque com os próprios critérios de quem faz a notícia. Vence o mais forte, que quase sempre são os interesses comerciais da empresa. Situação semelhante viveram os reis durante o período feudal e a modernidade. No primeiro, eram os senhores feudais que na prática detinham o poder e com a passagem para a modernidade e a afirmação do absolutismo monárquico não era exatamente o rei que detinha o poder, mas segundo Leo Huberman (1986, p. 93), “os ricos mercadores e financistas” que estavam atrás deles. No caso do jornalista, criador da notícia, nem sempre ele tem autonomia, estando muitas vezes sujeito, ao “poder” que está por trás e que determina suas ações. Para Hall (apud ALBUQUERQUE, 1998, p. 15), não existe hegemonia porque a classe dominante dirige, coage, organiza e “conquista” o consenso das classes subordinadas. Nessas “classes subordinadas” pode-se entender o próprio jornalista, que dará a notícia conforme a coerção nele exercida, como em toda a classe dominada, e que provavelmente a consumirá e assimilará como certa, sem questionar, dificultando a formação de outra consciência a não ser aquela resultante da ideologia vigente. Quando porventura alguma mídia adere a causa da classe trabalhadora (classe dominada), como foi o caso do Chile, durante o regime de
  • 32. 31 Pinochet, sempre há quem venha interferir para fazer voltar a ideologia que interessa aos dominantes (GUARESCHI, 1987). Quer dizer, o modo com que os meios de comunicação organizam-se, traz a interferência, ou condução da informação, que passa a dominar a consciência dos dominados. Ainda segundo Guareschi (1993, p. 19): A posse da comunicação e a informação tornam-se instrumento privilegiado de dominação, pois criam a possibilidade de dominar a partir da interioridade da consciência do outro, criando evidências e adesões, que interiorizam e introjetam nos grupos destituídos a verdade e a evidência do mundo do dominador, condenando e estigmatizando a prática e a verdade do oprimido como prática anti-social. A consciência existente dentro de uma formação social capitalista não surge do acaso, é necessária e resultante desse modo de produção ou, dito de outra maneira, o modo de produção capitalista para manter-se, necessita de uma determinada formação social, que é resultante dele mesmo e que deve reproduzir as condições de produção dominantes, ou seja, deve reproduzir não só os meios de produção e as forças produtivas, mas também, as relações de produção existentes. Segundo Marx (apud ALTHUSSER, 1998, p. 53), uma formação social que não reproduz as condições de produção ao mesmo tempo em que produz, não sobrevive por muito tempo. A reprodução das condições dominantes, conta com a ajuda da chamada Indústria Cultural7 , ou economia cultural como querem alguns, pois segundo Bolaño (2000, p. 71), é no capitalismo “[...] que a informação adquire a relevância inusitada que acabou por adquirir na manutenção do sistema, tanto do ponto de vista da sua reprodução ideológica quanto do da própria acumulação de capital”. 7 Conceito criado pelos filósofos Adorno e Horkheimer para designar a exploração, com finalidades comerciais e econômicas, de bens culturais.
  • 33. 32 Segundo Marx (1998, p. 68), a história é a mesma das lutas de classes. No século XIX foram intensas as iniciativas dos trabalhadores para acabarem com as injustiças. O Ludismo8 , o Movimento Cartista9 , as primeiras associações de trabalhadores, a organização dos sindicatos, a fundação dos partidos operários e a tomada do poder pelos trabalhadores franceses, conhecida como a Comuna de Paris em 1848, são exemplos de manifestações contra as injustiças sociais e econômicas do modelo capitalista e que na época foram duramente reprimidas pelo Estado que não hesitou em fazer uso da força bruta. Não obstante, a classe dominante teve lucidez para perceber que somente o uso dos ARE não seria suficiente para sustentar o capitalismo como modo de produção dominante. Seria necessário que também as idéias e valores da burguesia permeassem a consciência da classe trabalhadora. É nesse sentido que se pode afirmar que a submissão da classe dominada ocorre não só por força da repressão, mas também pela ideologia da classe dominante disseminada pelos AIE, e diga-se, de forma mais eficiente. Mais recentemente os meios de comunicação de massa têm cumprido com méritos este papel. Segundo Marcuse: a partir do dia de trabalho, a alienação e a arregimentação se alastram para o tempo livre. [...] O controle básico do tempo de ócio é realizado pela própria duração do tempo de trabalho, pela rotina fatigante e mecânica do trabalho alienado, o que requer que o lazer seja um relaxamento passivo e uma recuperação de energias para o trabalho. Só quando se atingiu o mais recente estágio da civilização industrial, [...] a técnica de manipulação das massas criou então uma indústria de entretenimentos, a qual controla diretamente o tempo de lazer. [...] Não se pode deixar o indivíduo sozinho, entregue a si próprio [...] (apud ARANHA; MARTINS, 1992, p. 44). 8 Movimento operário surgido na Inglaterra do século XIX, que, tinha por prática a quebra violenta de máquinas. Fazia isso por transferir a culpa de males sociais que acometiam os operários para as máquinas. Para o movimento, as máquinas eram as responsáveis pelo desemprego e pelos baixos salários. 9 Movimento operário britânico surgido em maio de 1838. Recebeu esse nome devido a um documento que exigia reformas eleitorais e abolição do critério de posse para ingresso no parlamento dentre outras reivindicações, e que ficou conhecido como “Carta do Povo”.
  • 34. 33 O não controle do tempo livre traz o risco de que o trabalhador passe a refletir criticamente sobre a realidade que o rodeia e conseqüentemente coloque em risco as idéias que sustentam as relações de produção capitalistas. Um bom exemplo dessa manipulação é mostrado por Mariani (1998), ao apresentar uma notícia veiculada no Jornal do Brasil sobre um fato da Intentona Comunista em 1935, ocorrido no Rio de Janeiro. O texto do jornal, dizia que “o movimento extremista” tinha sido “controlado” pelo Estado, como se toda a população concordasse que a situação seria de fato “extremista”. Quer dizer, qualquer pessoa que lesse a notícia teria que entender esse movimento como “extremista”, sem possibilidade de fazer sua própria crítica. A esse respeito, Guareshi (1987, p. 52), lembra que uma das metas do governo, era a de “reforçar a consciência dos perigos e soluções comunistas para os problemas nacionais ou regionais”. Qualquer movimento seria então, “extremista”, segundo o entendia o próprio governo. Outro aspecto relevante é o da legitimidade da ideologia imposta. No caso retratado, “comunismo” era uma palavra perigosa; em se tratando de um movimento, o comunismo colocava em risco, segundo o pensamento da minoria dominante, os rumos do País. Não importava que o que se pretendia era fazer diminuir a pobreza ou outro objetivo qualquer. Sendo um movimento, toda e qualquer atividade de repressão seria legitimada pelo Estado. Dessa forma, pode-se entender a ideologia como uma pretensão a legitimar as atividades, como as das mídias, para resguardar o próprio Estado.
  • 35. 34 2.2.2 Ideologia e luta de classes Para Althusser (1998, p. 107), as ideologias não nascem dos AIE. Nascem, isto sim, da luta das classes sociais, pelas suas condições de existência, de suas práticas e experiências de luta. Uma sociedade em que existem proprietários e não-proprietários dos bens de produção configura-se como uma sociedade de classes em que é clara a divisão entre trabalho manual e trabalho intelectual e principalmente a exploração do trabalho manual. A grande maioria das pessoas encontra-se alienada não só das riquezas que produzem, mas por conta disso, também se encontra alienada de uma condição humana autônoma, uma vez que, se não decide sobre seu salário e seu ritmo de trabalho, na prática perde o controle de boa parte de sua existência. Tais condições já seriam mais que suficientes para que os não-proprietários se revoltassem contra tal situação. No entanto, não se revoltam ou pelo menos não de forma a alterar profundamente a ordem das coisas, devido à ideologia que, se não impede totalmente a percepção desse processo excludente, no mínimo o dificulta. Essa condição persiste em todos os setores da sociedade capitalista, inclusive nos próprios meios de comunicação, quase todos de capital privado, caracterizando os funcionários, ou não-proprietários como parte da sociedade de classes. A ideologia, por conseguinte, mantém a coesão social por meio de um consenso em torno das idéias da classe dominante que passam a ter um caráter de universalidade, imutabilidade e unidade ocultando e encobrindo o fato de serem as relações de produção existentes entre as classes sociais as responsáveis pelas
  • 36. 35 injustiças e desigualdades. A este respeito Aranha e Martins (1992, p. 58) afirmam que: O discurso ideológico impede que o oprimido tenha uma visão própria do mundo porque lhe impõe os valores da classe dominante, tornados universais. Além disso, “naturaliza” as ações humanas, explicando-as como decorrentes da “ordem natural das coisas” e não como resultado da injusta repartição dos bens. Isto não significa que alguns conheçam a realidade e a maior parte se encontre “enganada” pela ideologia. Esta permeia toda a sociedade, o que permite que a classe privilegiada considere natural sua dominação. Complementando com um exemplo desse processo de assimilação dos valores da classe dominante por parte da classe dominada, mantendo-a na ideologia vigente, é o da propaganda veiculada nos meios de comunicação, que, pela maneira com que constrói imagens públicas, pode ser considerada como técnica de dominação ideológica. Embutida nos conteúdos está a mensagem de que o que é bom para um o é para todos. 2.2.3 Ideologia e comunicação Para demonstrar a relação existente entre ideologia e comunicação, convém fazer algumas considerações ainda a respeito da ideologia, dos conceitos de sujeito e interpelação e da materialidade da ideologia no plano do discurso. Para Althusser, a ideologia não existe no plano das idéias, ou no espiritual, nem está distante dos indivíduos, ou seja, tomando emprestadas as palavras de Pascal (apud ALTHUSSER, 1998, p. 91), “ajoelhai-vos, orai e acreditareis”, conclui- se que, com um exemplo de natureza religiosa, Deus não foi criado para que os homens lhe prestassem devoção e o temessem, pelo contrário, foram os atos de devoção e práticas rituais que levaram à crença em Deus. O que significa esta afirmação? Significa que a ideologia não existe numa realidade transcendente, mas
  • 37. 36 está não só presente, como também se configura como “atos inscritos em práticas” (ALTHUSSER, 1998, p. 91). Não é o mundo real ou as condições reais da existência que se encontram representadas na ideologia. Não se pode entender por ideologia o simples ocultamento da realidade. O que os AIE fazem por meio de suas práticas e rituais é legitimar as condições reais de existência, fazendo com que pareçam naturais e transcendentes. É por isso que Althusser (1998, p. 87), afirma que a ideologia representa as relações dos homens com as condições reais de existência. À medida que os homens nascem, crescem e tomam consciência da sua existência, são continuamente inseridos pelos AIE, em atos e rituais que materializam a sua relação com o mundo real. A consciência dos homens dentro de uma formação social capitalista surge não da imposição violenta por parte dos aparelhos repressivos de Estado (ARE), mas das práticas e rituais ideológicos que existem sempre em um AIE (ALTHUSSER, 1998, p. 89), o que faz com que a ideologia tenha uma existência material e não simplesmente ideal. Essa materialidade pode ser vista também na produção cultural das sociedades capitalistas. Tal produção torna-se “mercadoria”, comprada livremente, não por imposição. Mas o que está disponível para venda é o que os “donos” da produção cultural reproduzem, isto é, a sua própria marca. Ao comprar, o indivíduo tem a sensação de ter “escolhido”. Todo indivíduo age conforme suas crenças e idéias e isso, o indivíduo faz com a convicção de ser um ato de sua livre escolha ou, como dito por Althusser (1998, p. 90), “todo ‘sujeito’ dotado de uma ‘consciência’ e crendo nas ‘idéias’ que sua consciência lhe inspira, aceitando-as livremente deve ‘agir segundo suas idéias’,
  • 38. 37 imprimindo nos atos de sua prática material as suas próprias idéias enquanto indivíduo livre”. Outro aspecto importante do pensamento althusseriano é o de que “a ideologia tem por função ‘constituir’ indivíduos concretos em sujeitos” (ALTHUSSER, 1998, p. 93), por meio do que ele chama de interpelação. Dentro de uma formação social os indivíduos deixam de ser indivíduos e no seu lugar surge o sujeito. Exemplificando: tome-se um AIE como um órgão de informação, mais especificamente a revista Veja, que possui uma identidade que é a de ser informativa, e como já é amplamente difundido por qualquer órgão de informação, tem a missão de apresentar a notícia como ela é, isenta de qualquer posição de parcialidade. Ao colocar na capa de uma de suas edições a notícia da privatização de uma estatal, como a Copel, a revista está interpelando os indivíduos que passam pela revistaria e na qual ela se encontra exposta. Dizendo de outro modo: — Eu, revista Veja, sujeito portador de uma informação que diz respeito a sua vida individual (a privatização pode aumentar ou diminuir a sua conta de luz), estou lhe dizendo que a privatização desta estatal pode ser ruim, ou boa para você (não faz diferença a conseqüência). O fato é que ao comprar e ler a revista, o leitor, muito possivelmente passará a pensar e a agir em relação à privatização da Copel, a partir da assimilação de determinados conteúdos da reportagem, da mesma forma que muitos outros leitores que também tiveram acesso à revista. O mesmo ocorre com a publicidade. De acordo com Lazzarotto e Rossi (1993, p. 30), “O produto a ser anunciado aparece interligado com os aspectos cotidianos do mundo do comprador (sujeito), levando-o a interagir de forma automatizada na aquisição ou compra do tal produto”. Muitos nem percebem que estão sendo manipulados, pois a linguagem utilizada é a do cotidiano.
  • 39. 38 O mais curioso é que as pessoas sempre crêem estar pensando e agindo por conta de sua restrita individualidade quando, muitas vezes estão simplesmente reproduzindo as relações de produção da forma que interessa a classe dominante, que também, diga-se, tem sua ação permeada pela forma como atualmente se reproduzem as condições e relações de produção, agora sob a couraça neoliberal. Inconscientemente, esse indivíduo está legitimando uma ideologia que já vem formada pela sociedade e que lhe é repassada por uma revista de grande circulação e credibilidade. Essas colocações se fazem necessárias para compreender o que Althusser quer dizer quando afirma que a ideologia tem uma existência material em atos inscritos em práticas, como antes citado, uma vez que atos inscritos em práticas, para existirem, precisam do sujeito concreto, caracterizando assim a materialidade da ideologia. A existência humana é, portanto, ideológica, e sendo também material tudo que está ligado às ações humanas é material e em sendo a linguagem um dos elementos que, juntamente com a capacidade de transformar o mundo, faz da espécie homo sapiens a espécie humana, a linguagem, o discurso, enquanto práticas humanas são materiais e ideológicas, pois não fazem outra coisa senão reproduzir as condições materiais de existência. Esse é um dos motivos que leva o indivíduo a identificar-se com o conteúdo de matérias de revistas como a Veja, ou dos programas de TV, que reproduzem fatos do seu cotidiano. Para Bolaño (2000, p. 69), ao longo do século XX, os meios de comunicação serviram para expandir a lógica capitalista a todas as esferas da sociabilidade humana, “a ponto de constituir-se em âmbito planetário”.
  • 40. 39 3 CONTEXTO POLÍTICO-ECONÔMICO DAS ELEIÇÕES DE 1989: A CRISE DO ESTADO-PROVIDÊNCIA E ASCENSÃO DO NEOLIBERALISMO 3.1 A GLOBALIZAÇÃO A globalização econômica mundial é uma realidade. Os recursos, sejam humanos, materiais ou de capital, estão sendo direcionados para os mais diversos pontos do planeta, a fim de conquistar a sua melhor remuneração e perpetuar ganhos e posições. A abertura econômica e o estímulo à competitividade das empresas têm sido os objetivos do grande capital internacional, nacional e dos governantes, de maneira especial os dos países do hemisfério norte, no intuito de adequar os países a essa nova ordem mundial, estimulando as empresas a alcançarem melhores níveis de qualidade e produtividade. A globalização é o processo pelo qual se expande o mercado e as fronteiras nacionais. Trata-se da continuação do processo de internacionalização do capital, iniciado com a extensão do comércio de mercadorias e serviços, passando pela expansão dos empréstimos e financiamentos, generalizando o deslocamento do capital industrial por meio do desenvolvimento das empresas transnacionais. Outra face desse processo aponta para a tendência da uniformização de agendas explícitas de governo, envolvendo uma mesma desregulamentação nos distintos âmbitos das atividades econômicas. Essa tendência está relacionada com a necessidade de harmonização das políticas que afetam o desempenho econômico, cuja unidade de análise relevante vai deixando de ser o Estado Nacional e passando a ser constituída por todos os países.
  • 41. 40 Esse processo surgiu como uma forma de revitalizar o capitalismo, enfraquecido pelas políticas que permearam o Ocidente desde o final da Segunda Guerra Mundial, que tornaram o Estado o grande produtor de bens públicos e regulamentador do mercado. A ineficiência apresentada pelo Estado em fazer valer suas políticas protecionistas e gerar bens públicos fez com que houvesse um novo reordenamento da estrutura de poder mundial, culminando com o processo de globalização da economia e no neoliberalismo como modelo de Estado. 3.2 O ESTADO DE BEM-ESTAR SOCIAL O Estado intervencionista, chamado de Estado de Bem-Estar Social, Estado-providência ou Welfare State, surgiu como uma forma de reverter o processo imposto pelo liberalismo e como um prolongamento natural dos direitos civis. Adotado no Brasil, teve entre as suas funções a redistribuição da renda, a regulamentação das relações sociais e a responsabilidade por determinados serviços coletivos, todos providos pela rede social criada por esse tipo de Estado. Essas funções estão assentadas no direito de segurança e tranqüilidade que todos os indivíduos têm, inclusive aqueles que não têm propriedade (em contraposição ao modelo liberal que procurava proteger as propriedades). Trata-se de mecanismos de proteção social para garantir a cidadania dos indivíduos, e que são realizados por meio da intervenção do Estado, restringindo os privilégios empresarias e, por isso, contando com grande apoio popular. (ROSANVALLON, 1997). O Estado de Bem-Estar Social veio tentar substituir as regras impostas pelo mercado que dominavam a sociedade, compensando suas fraquezas e riscos, fortalecendo os movimentos de trabalhadores, assegurando os direitos sociais e
  • 42. 41 estendendo seus benefícios sociais a todas as áreas de distribuição vital para o bem-estar societário. (TOLEDO, 1995, p. 75 ). Toledo (1995, p. 75), resume a extensão do Estado de Bem-Estar Social da seguinte maneira: 1) a redefinição das relações clássicas entre sociedade civil e política, a politização das relações civis por meio da intervenção do Estado na economia e das corporações na política econômica, e um processo de ‘civilização’ das relações políticas (pela importância da planificação nas decisões políticas); 2) a legalização da classe operária e de suas organizações, institucionalizando uma parte do conflito interclasses. A sociedade deixa de ser pensada como somatório de indivíduos e implicitamente reconhece-se conformada por classes sociais; as organizações, representantes de interesses setoriais (não simplesmente de cidadãos), além de serem legitimadas, podem participar de pactos e relações que transcendem a democracia parlamentar. Os pactos corporativos assumem um papel central nas grandes decisões das políticas do Estado. Finalmente, assume- se que o conflito interclasses, em vez de ser abolido em nome de supostas homogeneidades liberais de natureza humana, deve ser canalizado através de instituições e regulado com normas especiais a serem constituídas; 3) em síntese, o Estado social é, em parte, investidor econômico, em parte regulador da economia e dos conflitos, mas também Estado benfeitor que procura conciliar crescimento econômico com legitimidade da ordem social. Para Paulo Netto (1995, p. 68), esse foi o “... único ordenamento sócio- político que, na ordem do capital, visou expressamente compatibilizar a dinâmica da acumulação e da valorização capitalista com a garantia de direitos políticos e sociais mínimos”. Para a formulação de suas políticas, o Estado de Bem-Estar Social teve como base, o direito de recursos sociais, saúde e educação dos trabalhadores, aumentando as capacidades políticas e reduzindo as divisões sociais. Constitui-se ainda de programas direcionados em contraposição aos programas universalistas do antigo modelo liberal, tendo como objetivo a garantia do direito de cidadania de todos os indivíduos. É a desmercadorização do indivíduo, enquanto trabalhador. Quer dizer, os direitos do indivíduo deixam de estar dependentes unicamente do
  • 43. 42 desempenho do seu trabalho para fixar-se nas suas necessidades ( ESPING- ANDERSEN, 1991). Segundo Esping-Andersen (1991, p. 93), esse tipo de Estado é mais facilmente incorporado por economias pequenas e abertas, vulneráveis aos mercados internacionais porque, “... há uma tendência maior a administrar os conflitos de distribuição entre as classes por meio do governo e do acordo de interesses quando tanto as empresas quanto os trabalhadores estão à mercê de forças que estão fora do controle doméstico”. E aí reside a principal explicação para a sua instalação no Brasil e em outros países sul-americanos. Além disso, os processos prolíficos sul-americanos incluíram ditaduras militares (como o Brasil e o Chile) ou outras formas de Estado autoritário, dificultando os processos democráticos e restringindo a ação de partidos, sindicatos e organizações que poderiam fazer reivindicações para um maior alcance das políticas sociais, e dessa maneira, não conseguiram salvaguardar a liberdade dessas organizações. Um outro fator de diferenciação seria a distinção da estrutura de classes entre os países sul-americanos e os europeus e o norte-americano. Na América do Sul existe uma maior diferença entre as classes, empobrecimento e desemprego das populações urbanas. Tudo isso determinou muito maior carência de apoio das políticas sociais que os países antes assinalados, elevando o poder do Estado. Assim, naqueles países, os programas de assistência médica, aposentadoria, auxílio à perda da renda por acidente, doença ou maternidade e até mesmo os de habitação, subvenções familiares e lazer, são divididos com o setor privado, enquanto na América Latina ficou tudo por conta do Estado. Esse modelo teve como pressuposto a teoria de Keynes, para quem “o
  • 44. 43 futuro tem que ser assegurado como pacto e como planejamento” (TOLEDO, 1995, p. 76). Para Rosanvallon (1997, p. 38), o princípio de Keynes, que norteia o Estado de Bem-Estar Social é o “... da correspondência global entre os imperativos do crescimento econômico e as exigências de uma maior eqüidade social no âmbito de um Estado econômica e socialmente ativo”. O capitalismo imperante na Europa e Estados Unidos, durante a década de 30, não estava conseguindo alcançar o pleno emprego, necessitando da intervenção estatal para prover recursos suficientes à sobrevivência do capital. O clima era de insegurança e instabilidade. Segundo Keynes, as exigências salariais dos trabalhadores deveriam ser atendidas como forma de contribuir para o pleno emprego, pois salários baixos acarretavam insuficiência de poder aquisitivo, o que poderia conduzir à contração da demanda e, conseqüentemente, à baixa de preços, superprodução e desemprego. Ainda segundo Keynes, o que ocorria na época era a queda da demanda e conseqüentemente sobra de produto. A solução para o desemprego só poderia ser obtida por intervenção estatal, desencorajando o entesouramento, em proveito das despesas produtivas. Para isso, o Estado deve reduzir a taxa de lucro; incrementar os investimentos públicos; estimular o consumo por meio da redistribuição da renda em benefício das classes menos favorecidas, e encorajar a exportação. Essa política, diretamente oposta às teses deflacionistas, permitiria a intervenção do Estado sem atingir a autonomia da empresa privada. O crescimento econômico deveria ser incrementado a partir do esforço produtivo das economias nacionais, contido na demanda de bens de investimento. (NOVELLO, 1995, p.57).
  • 45. 44 O estímulo ao consumo está assentado no equilíbrio entre investimento e poupança, conseguidos pela maior percentagem da renda que lhe é destinada. A exportação, “... tem efeito multiplicador ao exterior, na mesma proporção em que tornam possível a produção” (NOVELLO, 1995 p. 57). Os investimentos públicos referem-se àquelas sobras do consumo e que podem garantir alguma rentabilidade. A política fiscal e a determinação da redução da taxa de juros regulam o nível adequado ao pleno emprego da propensão para consumir. Para Keynes, a intervenção do Estado na economia não é contraditório ao crescimento do mercado. Ao contrário, segundo Rosanvallon (1997, p. 40), “Progresso social e eficácia econômica caminharão logicamente juntos.” Para Keynes, o social ― isto é, a organização das relações sociais ― é imediatamente compreendido como estruturante interno da dinâmica econômica. Sua teoria integra, no próprio movimento de sua formação, as relações do capital e do trabalho, para falar em outros termos. Nova concepção das condições do crescimento e reorganização das relações de classes são indissociáveis...” (ROSANVALLON1997, p.40). Assim, o objetivo de sua teoria aponta para a intervenção econômica do Estado a fim de que haja a redistribuição social e a regulamentação das relações sociais. 3.3 A CRISE DO MODELO DE ESTADO DE BEM-ESTAR SOCIAL O modelo originado da teoria de Keynes, o Estado do Bem-Estar Social, entrou em crise a partir dos anos de 1970, sendo questionado porque, enquanto modelo econômico, fez aumentar o déficit público, propiciou o crescimento de empresas improdutivas, desestimulou o trabalho e a competitividade, reduziu a capacidade de poupança e o excedente de capital para ser reinvestido na produção,
  • 46. 45 além de gerar uma enorme inflação. Isso não aconteceu só no Brasil ou nos países sul-americanos, mas em todos os países que o adotaram como modelo de Estado. A crise do Estado de Bem- Estar Social veio junto com a crise do socialismo, culminando assim, numa crise global. (PAULO NETTO, 1995). Entretanto, suas conseqüências foram diferentes. A primeira, aponta para a falência do Estado enquanto ordenador político; a segunda, para a inépcia do capital, em promover o crescimento econômico-social em escala ampla e de garantir a geração de emprego. 3.4 A SOLUÇÃO NEOLIBERAL A crise do Estado de Bem-Estar Social, “evidencia que a dinâmica crítica desta ordem alçou-se a um nível no interior do qual a sua reprodução tende a requisitar, progressivamente, a eliminação das garantias sociais e dos controles mínimos a que o capital foi obrigado naquele arranjo”. (PAULO NETTO, 1995, p. 70). Quer dizer, o capital não conseguiu compatibilizar o seu desenvolvimento com as necessidades das aglomerações humanas. Ao contrário, trouxe ônus à condição humana de existência, qual seja, a crescente diferença entre o mundo rico e o mundo pobre, a ascensão do racismo e da xenofobia, além da crise ecológica. A crise nesse modelo de Estado assenta-se principalmente no fato de que a produção diminuiu e as despesas sociais aumentaram. (ROSANVALLON, 1997). Com a produção em queda há a diminuição do PIB. A conseqüência natural foi o aumento das despesas sociais, que não tendo onde se amparar, reduziu a capacidade do Estado pondo em perigo o modelo. O propalado equilíbrio defendido por Keynes deixa de existir, mostrando a ineficácia do Estado em atuar como
  • 47. 46 interventor da economia. Por não ter conseguido atender a todas as necessidades, esse modelo de Estado foi classificado como restrito e incompleto, pois seus programas limitam-se em critérios de seletividade, o que o tornou injusto. Isso porque esses programas não atingiram o universalismo pretendido e, portanto, não houve igualdade na distribuição de benefícios. (LAURELL, 1995, p. 160 ). Para Esping-Andersen (1991, p. 104), o Estado de Bem-Estar Social reforçou a estratificação social e negligenciou o relacionamento entre cidadania e classe social, por meio do seu próprio planejamento. São suas as seguintes palavras: A tradição de ajuda aos pobres e a assistência social a pessoas comprovadamente necessitadas, derivação contemporânea da primeira, foi visivelmente planejada com o propósito de estratificação. Ao punir e estigmatizar seus beneficiários, promove dualismos sociais e por isso é um alvo importante de ataques por parte de movimentos de trabalhadores. Isso porque não unifica, ao contrário, muitas vezes promove guetos, frustrando os objetivos da classe trabalhadora em mobilizar-se. Para os neoliberalistas, o Estado de Bem-Estar Social asfixia as energias sociais porque impede que a iniciativa privada participe do desenvolvimento social, deformando os mercados e gerando a inflação (NOVELLO, 1995, p. 53). Além disso, teve um baixo impacto redistributivo entre o capital e o trabalho. Esse efeito esteve presente apenas entre setores da classe trabalhadora, como por exemplo, entre os metalúrgicos, e isso porque eles reivindicaram. (NAVARRO, 1995, p. 116). Segundo os neoliberalistas, o Estado de Bem-Estar Social causou, principalmente na América Latina, um retrocesso social dramático, com empobrecimento da população trabalhadora e incorporação de novos grupos sociais à condição de pobreza e até mesmo de extrema pobreza. Nesse sentido, (LAURELL, 1995, p. 151), a expansão dos benefício sociais não é resultado simples
  • 48. 47 do crescimento econômico-industrial nem da ampliação dos direitos dos cidadãos causado pela modernização da sociedade. O nível relativo dos gastos sociais, geralmente, está relacionado com o tamanho do Produto Interno Bruto (PIB) de um país e não significa que o conteúdo, orientação e efeitos da política social sejam uniformes. Além disso, o simples fato de pertencer a uma dada sociedade, não garante ao cidadão o acesso aos bens sociais nem ao Estado a obrigação de garanti-los. Ainda um outro motivo para a falência do Estado de Bem-Estar Social é a produção-administração privada, que é sempre maior que a pública, seja em educação, saúde ou pensão, precarizando o público. Para os neoliberais, o Estado de Bem-Estar Social enfraqueceu os alicerces da família, reduziu o incentivo para o trabalho, a poupança e a inovação, fez diminuir a acumulação do capital e limitou a liberdade humana. Isso ocorreu porque, na medida em que o Estado não conseguiu fornecer estrutura suficiente para diminuir a pobreza, a iniciativa privada foi obrigada a voltar-se para o social. (PAULO NETTO, 1995). Como conseqüência, investiu menos em seu próprio capital, deixando de inovar, investir em tecnologia e aumentar e fazendo diminuir postos de trabalho. E ainda, o intervencionismo do Estado é antieconômico e antiprodutivo, porque desestimula o capital a investir e os trabalhadores a trabalhar. É portanto, ineficaz e ineficiente. Ineficaz porque tende ao monopólio econômico estatal e à tutela dos interesses particulares de grupos de produtores organizados, em vez de responder às demandas dos consumidores espalhados no mercado; e ineficiente por não conseguir eliminar a pobreza e, inclusive, piorá-la com a derrocada das formas tradicionais de proteção social, baseadas na família e na comunidade. E, para completar, imobilizou os pobres, tornando-os dependentes do paternalismo estatal. Em resumo, uma violação à liberdade econômica, moral e política, que só o capitalismo liberal pode garantir. ( PAULO NETTO, 1995, p. 162). Os neoliberais postulam a necessidade de eliminar a intervenção do Estado
  • 49. 48 na economia, desde o planejamento e condução até a função de agente econômico, devendo pois se caracterizar como mínimo, quer dizer, só deve produzir um mínimo em bens e serviços, que a iniciativa privada não consiga, para aliviar a pobreza. Os direitos sociais e a obrigação da sociedade de garanti-los por meio da ação estatal não existem, assim como não deve existir a universalidade, a igualdade ou a gratuidade dos serviços sociais. Por isso, deve haver cortes nos gastos sociais e eliminação de programas de benefícios, reduzindo-os à indigência. Diante da ineficácia do Estado do Bem-Estar Social, surge um novo tipo de Estado, o Estado Neoliberal, cujas políticas apontam para um “... Estado mínimo, normativo e administrador, que não interfira no funcionamento do mercado, já que sua intervenção, além de deformar os mercados de fatores, produtos e ativos, geraria espirais inflacionários...” (NOVELLO, 1995, p. 68). Quer dizer, o mercado deve ser muito maior do que o Estado. Para isso, os países que adotaram o modelo neoliberal de Estado traçaram políticas econômicas que têm como base: 1) a superioridade do livre mercado (vitória da eficiência); 2) o individualismo metodológico (cada empreendimento usa método próprio); 3) contradição entre liberdade e igualdade (é a desigualdade que impele a iniciativa pessoal e a competição); desregulamentações estatais e privatizações, o que dá outro nível de liberdade (TOLEDO, 1995, p. 80). O sentido de liberdade entendido pelos neoliberais é o resultado das diferentes escolhas que os indivíduos fazem. A política neoliberal é a fusão do conservadorismo com o autoritarismo, porque, ao mesmo tempo em que combina valores tradicionais de família, autoridade e respeito às hierarquias, explora certas
  • 50. 49 contradições entre aspirações populares e funcionamento do Estado, gerando um populismo neoliberal (ROSANVALLON, 1997). O neoliberalismo postula que o mercado “... é o melhor mecanismo dos recursos econômicos e da satisfação das necessidades dos indivíduos.” (LAURELL, 1995, p. 161). Sobre o bem-estar social, os neoliberais defendem que esse é um campo que pertence ao âmbito privado e deve ser solucionado pela família, comunidade e serviços privados, com o Estado intervindo apenas com um mínimo dirigido à população comprovada de extrema pobreza. Pode-se resumir a política neoliberal como sendo “[...] uma argumentação teórica que restaura o mercado como instância mediadora societal elementar e insuperável e uma proposição política que repõe o Estado mínimo como única alternativa e forma para a democracia” (PAULO NETTO, 1995, p. 77). Sendo assim, a economia não pode ser planejada. A livre iniciativa garante um crescimento econômico capaz de promover, por si só, o bem estar social. “A liberdade econômica só possível sobre o mercado livre (isto é, sem mecanismos extra-econômicos de regulação), que funda a liberdade civil e política” (PAULO NETTO, 1995, p. 77). Nessa concepção, é o mercado que determina o espaço legítimo do Estado e só concebe sua intervenção em face de extremos. Em suma, é o Estado máximo para o capital e mínimo para a população. 3.5 O BRASIL NA CONJUNTURA DOS ANOS 80 O contexto histórico-político de meados da década de 80 até seu final é marcado, no mundo, pela crise do modelo socialista iniciada em 1985 com a ascensão de Gorbatchev ao governo russo. Os momentos mais marcantes são a
  • 51. 50 queda do Muro de Berlim em 1989 e o fim da URSS em 1991, bem como a ascensão do modelo neoliberal capitaneada pelos EUA e Inglaterra. Na América Latina, nos anos oitenta se vivenciou o fim das ditaduras militares e conseqüente abertura democrática. No Brasil, especificamente, após vinte anos de autoritarismo de direita, os brasileiros se encontravam às vésperas da primeira eleição direta para a presidência da República depois do golpe militar de 1964. Com a abertura democrática e a reforma eleitoral em dezembro de 1979 passou a existir de fato uma linha bem demarcada entre a situação conservadora e uma oposição à esquerda. A partir de 1985 esta demarcação política ficou mais nítida com a legalização de organizações políticas que até então, apesar da reforma eleitoral de 79, permaneciam na clandestinidade como o PCB e o PC do B. Numa visão maniqueísta, para os dias de hoje, na época nem tanto, em razão das novidades trazidas pelas transformações políticas, de um lado havia, portanto, a direita representada pelos herdeiros da antiga Arena como o PFL, PDS e PL, e de outro a esquerda por PT, PDT, PCB e PC do B, e de centro e centro-esquerda PSDB, e PMDB. Após o longo período de autoritarismo militar, muitas eram as análises que apontavam que aquela eleição teria um final matizado com as cores da esquerda. Corroborava com tal tese o fato de as candidaturas mais tradicionais como as de Ulisses Guimarães, Aureliano Chaves e Paulo Maluf estarem muito atrás nas pesquisas de intenção de voto. Essas candidaturas, se não estavam afinadas com as idéias mais conservadoras, ao menos não representavam grandes mudanças estruturais no cenário político- econômico brasileiro. Diante dessas perspectivas eleitorais, restou àqueles que não simpatizavam com a esquerda se alinharem e unirem suas forças em torno da candidatura Collor no intuito de afastar o espectro do socialismo e do populismo representados pelas
  • 52. 51 candidaturas Lula e Brizola respectivamente. Em outras palavras, a possibilidade da ascensão de um destes candidatos representava uma ameaça à direita política, ao grande capital nacional e transnacional, não pela possibilidade de uma revolução proletária, mas pela provável manutenção do modelo de Estado de Bem-Estar social e pelo atraso que isso representaria na implantação das reformas neoliberais no Brasil.
  • 53. 52 4 A OPÇÃO PELA SEMIÓTICA GREIMASIANA Em páginas anteriores se discutiu “ideologia” na perspectiva marxista, “Aparelhos Ideológicos de Estado” em Althusser, e a crise do Estado de Bem-Estar Social. Sendo a revista Veja objeto de estudo desta dissertação, é fácil concluir que a premissa da qual se está partindo, é a de que a revista, veículo de jornalismo político-econômico, atuou como AIE. A intenção é determinar como Veja, enquanto texto sincrético diz, como o diz e para que o faz (BARROS, 2000, p. 83). Veja não só retratou o Brasil nesse período como também é um retrato do contexto político e econômico. Enquanto veículo de comunicação, a revista fez parte desses acontecimentos e o seu papel é algo que pode ser revelado pela construção e desconstrução do texto Veja para chegar aos sentidos. Para tanto é necessário não só o exame interno dos exemplares selecionados, mas colocá-los dentro do contexto das formações ideológicas da crise do Estado e da ascensão do modelo neoliberal. Para desvelar o sentido ou os sentidos dos discursos da revista Veja é necessário um instrumento de análise que permita o diálogo interdisciplinar, afinal estão envolvidos no processo elementos de economia, política, ideologia e cobertura jornalística. Entre esses elementos, como se demonstrará, existe uma relação necessária, daí a opção por um estudo semiótico dos oito exemplares de Veja selecionados. Para a semiótica, em particular a de Greimas, a parte só é importante na sua relação com o todo. Isoladamente cada edição selecionada tem pouco a mostrar e para semioticistas como Diana Luz Pessoa de Barros e José Luiz Fiorin, a contextualização do texto dentro da realidade objetiva, é um procedimento necessário para a sua construção e desconstrução.
  • 54. 53 Não se deve esperar desse capítulo qualquer discussão mais profunda a respeito das tendências da semiótica discursiva. O que se pretende não é detalhar toda a complexidade da teoria semiótica greimasiana, mas tão somente esclarecer algumas categorias que foram utilizadas na análise das capas e reportagens escolhidas, por isso os conceitos teóricos utilizados e relacionados à semiótica estão definidos em glossário. O propósito deste capítulo é explicar alguns conceitos e procedimentos teóricos utilizados para a análise das capas e reportagens da revista Veja. 4.1 TEXTO SINCRÉTICO Na capa e nas páginas de Veja, é comum a presença de textos sincréticos. Textos sincréticos são aqueles que fazem uso de linguagens verbal e não-verbal. No caso da revista Veja, por ser um veículo impresso, essa reunião de linguagens, ou sincretismo textual, se manifesta, nas capas, por exemplo, na cor de fundo das letras, no tipo de letra, na disposição espacial dos elementos que a compõem, o que está embaixo, em cima, ao lado do elemento principal, na expressão do fotografado, quando o caso, e nas manchetes entre outros. Nas reportagens acontece o mesmo, talvez não com tanta riqueza de recursos e estratégias, mas também esse sincretismo está presente no texto em si mesmo, na colocação de um box, uma palavra em negrito, fotos, desenhos, gráficos etc. A reunião dessas várias linguagens acaba por produzir um texto único, dotado de um ou mais sentidos que só podem ser devidamente compreendidos na relação das várias partes componentes, o que significa dizer que a compreensão do
  • 55. 54 sentido ou dos sentidos produzidos por Veja passa necessariamente pela análise do plano do conteúdo e da expressão articulados. 4.2 PLANO DO CONTEÚDO E PLANO DA EXPRESSÃO Apesar de que, como já dito, serem oito as edições a serem analisadas, o pressuposto do qual se parte é o de que todas constituem um único texto em meio a vários discursos. Por texto deve-se entender a união do plano do conteúdo com o plano da expressão e por discurso as falas ideológicas e socialmente localizadas e que estão presentes principalmente no plano do conteúdo: Por exemplo: sendo a revista Veja uma empresa de capital privado, é natural que se posicione contra qualquer proposta política de intervenção estatal nos meios produtivos. Se fosse um jornal operário é possível que adotasse um discurso diferente. O texto já é a união entre os dois planos, o do conteúdo e o da expressão. O que vem exatamente a ser um e outro? 4.2.1 Plano do conteúdo O plano do conteúdo é o lugar do inteligível e do passional, do discurso socialmente localizado. É principalmente nesse plano que ocorre o percurso gerativo do sentido que será mais bem explicado adiante. Segundo Nilton Hernandes (2001, p. 35) “uma das mais importantes conquistas teóricas da semiótica foi hierarquizar o plano do conteúdo e estabelecer mais níveis de abstração para analisá-lo: o fundamental, o narrativo e o discursivo”. É nesse plano que se localizam os
  • 56. 55 conceitos responsáveis não só pelo nascimento do texto, mas também pelo enriquecimento dos sentidos presentes no mesmo sob a forma de um percurso gerativo que segundo Barros (2003, p. 9), “vai do mais simples e abstrato ao mais complexo e concreto”. É no plano do conteúdo que o texto diz o que diz por meio das temáticas geradas e dos investimentos figurativos que se manifestam nas oposições semânticas, pela estrutura narrativa e estrutura discursiva em que os valores narrativos são assumidos por sujeitos e de responsabilidade de um sujeito da enunciação (BARROS, 2003). Para proceder a análise de um texto é possível fazê- lo a partir de qualquer um dos níveis. Nessa dissertação, as oposições semânticas estabelecidas pelo nível discursivo, serão o ponto de partida. Por exemplo, o slogan dos cigarros Free “Cada um na sua, mas com alguma coisa em comum”, presente em várias peças publicitárias como na seqüência de um comercial televisivo em que uma garota afirma que, se alguém tentar tirar sua liberdade ela irá morder, está presente a temática sócio-política, cujas oposições fundamentais são opressão e liberdade, esta última figurativizada por temas e pelo próprio ato de fumar aquela marca de cigarros. Liberdade para fazer o que se quer é um pressuposto valioso para a sociedade de consumo, onde o individualismo e a capacidade de consumir é a justa medida da afirmação social. Seria muito estranha uma publicidade de cigarros que categoricamente e por livre iniciativa apontasse os malefícios do ato de fumar10 . 10 O aviso de que fumar faz mal à saúde presente na publicidade de cigarros e nos maços e carteiras é uma imposição legal.
  • 57. 56 4.2.2 Percurso gerativo de sentido A revista Veja produz textos sincréticos, verbais e imagéticos, e por isso constitui-se em um enunciador ou um sujeito da enunciação que se dirige a um leitor, ou melhor, um simulacro de leitor produzido pelo próprio sujeito da enunciação que o idealiza e que se chama enunciatário. Quanto mais essa idealização se aproxima do leitor real mais eficiente será o texto no que diz respeito às suas intenções que, no caso de um texto jornalístico, é fazer o leitor acreditar no que está sendo comunicado, ou seja, tem por pretensão um fazer-crer. Quem é esse enunciatário idealizado por Veja é algo que só será possível deduzir pelas marcas deixadas pelo enunciador no próprio texto. Mas afinal, se um texto é uma produção, localizada socialmente no espaço e no tempo, como é que ele é produzido, ou melhor, construído? Talvez seja mais fácil tentar explicar como ele pode ser desconstruído para poder se entender não só o ou os seus sentidos, mas os artifícios que utilizou para construí-los. Como o próprio termo sugere, gerativo, passa a idéia de algo se transforma, uma vez que parte das unidades mínimas e mais abstratas para chegar, por mecanismos de transformação, em processos mais complexos. Segundo Barros (2003, p. 9), o percurso gerativo do sentido de um texto é concebido em três etapas ou níveis, que se relacionam necessariamente, e que percorrem uma trajetória que vai do mais simples e abstrato ou o nível fundamental ou das estruturas fundamentais ou ainda das oposições semânticas mínimas ao mais complexo e concreto, o nível do discurso ou das estruturas discursivas. Entre esses dois níveis existe um intermediário denominado nível narrativo ou das estruturas narrativas. Em vez de se fazer uma exposição puramente teórica dos três níveis optou-se por uma